Os levantamentos dos socios

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Tiragem: 14037 País: Portugal Period.: Diária Âmbito: Economia, Negócios e. Pág: 34 Cores: Cor Área: 13,33 x 31,56 cm² Corte: 1 de 1 ID: 67214148 05-12-2016 ANÁLISE DA OCC Os levantamentos de sócios JOÃO ANTUNES Consultor da Ordem dos Contabilistas Certificados comunicacao®occ.pt N as sociedades por quotas, que são a es- magadora maioria do tecido empresa- rial, confunde-se sociedade e sócios, normalmente empresas familiares e em muitas ainda com sócios-fundado- res. É comum ouvirem-se expressões como "a minha empresa", sentimen- to que é entendíveL Na realidade, as sociedades são pes- soas coletivas, jurídica e tributariamen- te, distintas das pessoas dos seus sócios, aindaquesejam sociedades unipessoais. Fazerpassaraos empresáriosestare- gra continua, ainda hoje, a serdificil e to- dos os profissionais ligados à contabili- dade e fiscalidade bem o sabem. Existe umacertapromiscuidadede movimen- tosfinanceiros entre sociedade esócios, designadamente despesas alheias a fins empresariais pagas pela empresa, retira- das não justificadas de fundos, emprés- timos da sociedade aos sócios sem con- trato por escrito. Em termos fiscais, existe uma nor- manoCódigo do IRSque estabelece que oslançamentcs aseufiwor,em quaisquer contas-correntes dos sócios, escritura- das nas sociedades comerciais, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalhooudococercíciodecargossociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros. Atualmente, a Autoridade Tributá- ria (AT) tem os meios para controlar esta situação automaticamente, notificando os contribuintes para justificarem as quantias em contas-correntes dos seus sócios. Sobre esta matéria, aAT tem o ónus de demonstrar os factos que a levam a qualificara entradade capital na conta particular do sócio como adiantamento por conta de lucros. Existe um acórdão' recente em que aAT recorre de umasentençade primei- ra instância e perde, tendo-lhe sido ne- gado provimento. Na fundamentação de Direito, o acórdão considera que competeàATde- monstrar que as quantias entregues aos sócios-gerentes ou sócios constitui um adiantamento por conta de lucros para que se verifiquem os pressupostos para a incidência da norma constante do ' CIES. Mas para quetal suceda énecessário que se prove a existência de lucros e que estes foram colorados à disposição dos sócios, sendo que não existe qualquer presunção de que, havendo lucros, estes sejam recebidos pelos sócios ou titulares. Destacamos, no mesmo acórdão, que paraapresunçãooperar pressupõe- -se o registo contabilístico naconta-cor- rente dosócio. Nocasoem concreto, houve transfe- rência de quantias para o sócio prMre- niente de pagamentos de clientes. De acordo cpmaAT, apesar de não existir o registo contabilístico em contas de só- cios, existiam indícios concretos e sufi- cientes para considerara retirada como adiantamento por conta de lucros. É aceite que quando os lucros distri- buídos ou adiantamentos são devida- mente registados estamos perante um rendimento sujeito a IRS. Tal não acon- tece quando os montantes que deviam ter sido registados como rendimentos acabam por não ser registados nas con- tabilidadesdestasevão acrescer o patri- mónio individual dos sócios. Apenas os lançamentos feitos em conta de sócio (e que não prove que res- peitem a alegados mútuos), se presu- memfeitos a título de adiantamento por conta de lucros, Não estando a quantia escriturada numa contade sócios,aAT nãopodepro- var aquela presunção, tendo perdido o recurso. Os contribuintes têm ao seu dispor a impugnação judicial que, apesar de mo- rosa e dispendiosa, não devem deixar de utilfrarquandoentendam estarem cau- sa ilegalidades em matéria de Direito.ffi 'Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte Processo 004445/11.9BEBRG Data do Acórdão: 07-07-2016 Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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Page 1: Os levantamentos dos socios

Tiragem: 14037

País: Portugal

Period.: Diária

Âmbito: Economia, Negócios e.

Pág: 34

Cores: Cor

Área: 13,33 x 31,56 cm²

Corte: 1 de 1ID: 67214148 05-12-2016

ANÁLISE DA OCC

Os levantamentos de sócios

JOÃO ANTUNES Consultor da Ordem dos

Contabilistas Certificados comunicacao®occ.pt

N as sociedades por quotas, que são a es-magadora maioria do tecido empresa-rial, confunde-se sociedade e sócios, normalmente empresas familiares e em muitas ainda com sócios-fundado-res. É comum ouvirem-se expressões como "a minha empresa", sentimen-to que é entendíveL

Na realidade, as sociedades são pes-soas coletivas, jurídica e tributariamen-te, distintas das pessoas dos seus sócios, aindaquesejam sociedades unipessoais.

Fazerpassaraos empresáriosestare-gra continua, ainda hoje, a serdificil e to-dos os profissionais ligados à contabili-dade e fiscalidade bem o sabem. Existe umacertapromiscuidadede movimen-tosfinanceiros entre sociedade esócios, designadamente despesas alheias a fins empresariais pagas pela empresa, retira-das não justificadas de fundos, emprés-timos da sociedade aos sócios sem con-trato por escrito.

Em termos fiscais, existe uma nor-manoCódigo do IRSque estabelece que oslançamentcs aseufiwor,em quaisquer contas-correntes dos sócios, escritura-das nas sociedades comerciais, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalhooudococercíciodecargossociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.

Atualmente, a Autoridade Tributá-ria (AT) tem os meios para controlar esta situação automaticamente, notificando os contribuintes para justificarem as quantias em contas-correntes dos seus sócios.

Sobre esta matéria, aAT tem o ónus de demonstrar os factos que a levam a qualificara entradade capital na conta particular do sócio como adiantamento por conta de lucros.

Existe um acórdão' recente em que aAT recorre de umasentençade primei-ra instância e perde, tendo-lhe sido ne-gado provimento.

Na fundamentação de Direito, o acórdão considera que competeàATde-monstrar que as quantias entregues aos sócios-gerentes ou sócios constitui um adiantamento por conta de lucros para

que se verifiquem os pressupostos para a incidência da norma constante do' CIES.

Mas para quetal suceda énecessário que se prove a existência de lucros e que estes foram colorados à disposição dos sócios, sendo que não existe qualquer presunção de que, havendo lucros, estes sejam recebidos pelos sócios ou titulares.

Destacamos, no mesmo acórdão, que paraapresunçãooperar pressupõe--se o registo contabilístico naconta-cor-rente dosócio.

Nocasoem concreto, houve transfe-rência de quantias para o sócio prMre-niente de pagamentos de clientes. De acordo cpmaAT, apesar de não existir o registo contabilístico em contas de só-cios, existiam indícios concretos e sufi-cientes para considerara retirada como adiantamento por conta de lucros.

É aceite que quando os lucros distri-buídos ou adiantamentos são devida-mente registados estamos perante um rendimento sujeito a IRS. Tal não acon-tece quando os montantes que deviam ter sido registados como rendimentos acabam por não ser registados nas con-tabilidadesdestasevão acrescer o patri-mónio individual dos sócios.

Apenas os lançamentos feitos em conta de sócio (e que não prove que res-peitem a alegados mútuos), se presu-memfeitos a título de adiantamento por conta de lucros,

Não estando a quantia escriturada numa contade sócios,aAT nãopodepro-var aquela presunção, tendo perdido o recurso.

Os contribuintes têm ao seu dispor a impugnação judicial que, apesar de mo-rosa e dispendiosa, não devem deixar de utilfrarquandoentendam estarem cau-sa ilegalidades em matéria de Direito.ffi

'Acórdão do Tribunal Central Administrativo

Norte

Processo 004445/11.9BEBRG

Data do Acórdão: 07-07-2016

Este artigo está em conformidade

com o novo Acordo Ortográfico