Os limites da liberdade de imprensa
-
Upload
antonio-nabo -
Category
Documents
-
view
29 -
download
0
description
Transcript of Os limites da liberdade de imprensa
1
Aniversário da Folha
Os limites da liberdade de imprensa
Com a chegada de abril, muda o calendário da Folha que neste mês comemora 26 anos de
atividade. Em cada ano que passa sentimos que vamos cumprindo a nossa parte para com a
comunidade montemorense, levando as notícias sobre o que aqui se vai passando, e
cimentando a nossa relação com quem nos lê e com quem nos vai suportando. Apesar das
dificuldades e da crise que teima em não nos dar tréguas, a Folha vai sendo escrita, tentando
inovar e trazer mais pessoas para a redação, no sentido de alargar o nosso espaço e partilhar
outras visões da sociedade em que vivemos.
Neste ano que passou, a principal questão que fez abanar o jornalismo em todas as suas
facetas, sejam os jornais grandes ou pequenos, foi o ataque terrorista ao jornal francês Charlie
Hebdo, no passado dia 8 de janeiro. Depois dos ânimos serenados, é tempo de pensar um
pouco mais sobre o que aconteceu e levantar a principal questão que originou o ataque: até
onde pode ir a liberdade de imprensa?
Este não é um assunto fácil de tratar devido a imensas questões que lhe estão diretamente
associadas. Do ponto de vista legal, por um lado, a liberdade de imprensa é um tema que está
2
expresso na nossa Constituição da República, onde se afirma que “é garantida a liberdade de
imprensa”, o que implica a liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores.
Por outro lado, a Lei de Imprensa vem referir que “a liberdade de imprensa tem como únicos
limites os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a
objetividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da
vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem
democrática”.
Ainda nos limites legais, convém não esquecer que a Constituição que vigorou durante a
ditadura, referia que era garantida “a liberdade de expressão do pensamento sob qualquer
forma”, embora essa situação fosse moderada por outras normas. E o que é mais curioso é a
razão legal para a existência da censura à imprensa: “impedir a perversão da opinião pública
na sua função de força social por forma a defendê-la de todos os fatores que a desorientem
contra a verdade, a justiça, a moral, a boa administração e o bem comum”, de forma a evitar
que fossem “atacados os principais fundamentos da organização da sociedade”.
Colocando esta situação apenas no plano legal, importa salientar que apenas caberá aos
tribunais apreciar e, nesse sentido, os tribunais nacionais têm feito o seu trabalho. Num caso
que envolveu António Barreto e Manuel Maria Carrilho, onde aquele criticou fortemente este,
o juiz referiu no acórdão que “no dia em que os Tribunais servirem de mordaça a essa
liberdade, no dia em for calada pelo jus imperii do judicial uma voz livre que seja em nome da
defesa da honra de políticos quando estes são, enquanto políticos, atacados, estaremos todos
de luto”.
Também o código deontológico do Jornalista sublinha que “o jornalista deve combater a
censura e o sensacionalismo”. Contudo, Fernando Correia realça que a questão do
cumprimento ou não cumprimento da deontologia está diretamente ligada a uma outra: as
relações entre os jornalistas e o público, questionando se os jornais respeitam os seus leitores.
De igual modo, aqui, os limites da liberdade de imprensa estão muitas vezes em causa face à
necessidade de se obterem mais audiências, o que se acaba por se traduzir em mais receitas, o
que, para quem tem a responsabilidade de manter a empresa jornalística a funcionar pode ser
algo a considerar. O necessário equilíbrio entre até onde se pode e, principalmente, se deve ir
na cobertura jornalística e nas opiniões, marca a forma como a imprensa se relaciona com o
seu próprio público.
Escrever sem limites é, como é lógico, o desejo de todos aqueles que deixam a sua marca nos
jornais. Contudo, essa situação é praticamente impossível, porque há sempre um limite que,
de facto, está em cada um dos nós: no final, nós somos o nosso próprio limite. Por muito que
queiramos ser livres na escrita e isentos na análise e na interpretação dos factos, não podemos
fugir aos nossos próprios olhos e à nossa forma de pensar. Rodrigues dos Santos sublinha que
“os jornalistas, tal como todos os seres humanos, não têm acesso à realidade em si, mas
apenas à manifestação da realidade. O que eles fazem é elaborar um discurso que constitui,
ele próprio, uma construção da realidade. Não é, claro, uma construção aleatória ou
puramente arbitrária. Ela emerge da perceção humana, do seu funcionamento cognitivo e das
características e limitações do discurso. Mais do que uma construção, esse discurso é, em bom
rigor, uma reconstrução”. No mesmo sentido, Oriana Fallaci, uma jornalista italiana de relevo
3
incapaz de ficar indiferente àquilo que via, referiu que “não me sinto, nunca me senti como
uma fria máquina registadora do que ouço e vejo. Vibro a cada experiência profissional,
participo naquilo que ouço e vejo como se de mim se tratasse ou como se tivesse o dever de
tomar posição (e tomo-a, sempre, dentro de uma rigorosa escolha moral)”.
A.M. Santos Nabo