Os Lusíadas - Reflexões Do Poeta

18
Ficha Informativa Os Lusíadas – Reflexões do poeta 12.º ano Introdução «Camões apresenta-se nas suas reflexões como guerreiro e poeta a quem não falta na vida honesto estudo,/ Com longa experiência misturado,/ Nem engenho” (C. X, est. 154). Um poeta que, ainda que perseguido pela sorte e desprezado pelos seus contemporâneos, assume o papel humanista de intervir, de forma pedagógica, na vida contemporânea. Por isso critica a ignorância e o desprezo pela cultura dos homens de armas (C. V); denuncia o desprezo pelo bem comum, a ambição desmedida, o poder exercido com tirania, a hipocrisia dos aduladores do Rei, a exploração dos pobres (C. VII); denuncia o poder corruptor do ouro (C. VIII) e propõe um modelo humano ideal de "Heróis esclarecidos" que terão ganho o direito de ser na "Ilha de Vénus recebidos" (C. IX, est.95). Mas o poema, acima de tudo, evidencia a grandeza do passado de Portugal: um pequeno povo que cumpriu ao longo da sua História a missão de dilatar a Cristandade, que abriu novos rumos ao conhecimento, que mostrou a capacidade do Homem de concretizar o sonho. Ao cantar a gesta heróica do passado, o poeta pretende mostrar aos seus contemporâneos a falta de grandeza do Portugal presente, metido "No gosto da cobiça e na rudeza/Dhua austera, apagada e vil tristeza ." (C. X, est.145) e incentivar o Rei a conduzir os portugueses para um futuro glorioso, para uma nova era de orgulho nacional.» (In Plural, Lisboa Editora) O Poeta tece, ao longo de Os Lusíadas, diversas considerações, no início (Canto I – Dedicatória) e no fim dos Cantos da sua epopeia, criticando e aconselhando os Portugueses. Por um lado, refere os «grandes e gravíssimos perigos», a tormenta e o dano no mar, a guerra e o engano em terra; por outro lado, faz a apologia da expansão territorial para divulgar a Fé cristã, manifesta o seu patriotismo e exorta D. Sebastião a dar continuidade à obra grandiosa do povo português. Nas suas reflexões, que assumem uma feição didáctica, moral e severamente crítica, há não só louvores, mas também o lamento e o queixume de quem sente amargamente a ingratidão, ou os desconcertos do mundo. Se realça o valor das honras e da glória alcançadas por mérito próprio, lamenta, por exemplo, que os Portugueses nem sempre saibam aliar a força e a coragem ao saber e à eloquência, destacando a importância das Letras. Se critica os povos que não seguem o exemplo do povo português que, com atrevimento, chegou a todos os cantos do Mundo, não deixa de queixar-se de todos aqueles que pretendem alcançar a imortalidade, dizendo-lhes que a cobiça, a ambição e a tirania são honras vãs que não dão verdadeiro valor ao homem. Daí, também, lamentar a importância atribuída ao dinheiro, fonte de corrupção e de traições. Lembrando o seu «honesto estudo», «longa experiência» e «engenho», «Cousas que juntas se acham raramente», confessa estar cansado de «cantar a gente surda e endurecida» que não reconhecia nem incentivava as suas qualidades artísticas. 1

Transcript of Os Lusíadas - Reflexões Do Poeta

Page 1: Os Lusíadas - Reflexões Do Poeta

Ficha Informativa

Os Lusíadas – Reflexões do poeta

12.º ano

Introdução

«Camões apresenta-se nas suas reflexões como guerreiro e poeta a quem não “falta na vida honesto estudo,/ Com longa experiência misturado,/ Nem engenho” (C. X, est. 154). Um poeta que, ainda que perseguido pela sorte e desprezado pelos seus contemporâneos, assume o papel humanista de intervir, de forma pedagógica, na vida con-temporânea. Por isso critica a ignorância e o desprezo pela cultura dos homens de armas (C. V); denuncia o desprezo pelo bem comum, a ambição desmedida, o poder exercido com tirania, a hipocrisia dos aduladores do Rei, a exploração dos pobres (C. VII); denuncia o poder corruptor do ouro (C. VIII) e propõe um modelo humano ideal de "Heróis esclarecidos" que terão ganho o direito de ser na "Ilha de Vénus recebidos" (C. IX, est.95).

Mas o poema, acima de tudo, evidencia a grandeza do passado de Portugal: um pequeno povo que cumpriu ao longo da sua História a missão de dilatar a Cristandade, que abriu novos rumos ao conhecimento, que mostrou a capacidade do Homem de concretizar o sonho.

Ao cantar a gesta heróica do passado, o poeta pretende mostrar aos seus contemporâneos a falta de grandeza do Portugal presente, metido "No gosto da cobiça e na rudeza/Dhua austera, apagada e vil tristeza." (C. X, est.145) e incentivar o Rei a conduzir os portugueses para um futuro glorioso, para uma nova era de orgulho nacional.» (In Plural, Lisboa Editora)

O Poeta tece, ao longo de Os Lusíadas, diversas considerações, no início (Canto I – Dedicatória) e no fim dos Cantos da sua epopeia, criticando e aconselhando os Portugueses.

Por um lado, refere os «grandes e gravíssimos perigos», a tormenta e o dano no mar, a guerra e o engano em terra; por outro lado, faz a apologia da expansão territorial para divulgar a Fé cristã, manifesta o seu patriotismo e exorta D. Sebastião a dar continuidade à obra grandiosa do povo português.

Nas suas reflexões, que assumem uma feição didáctica, moral e severamente crítica, há não só louvores, mas também o lamento e o queixume de quem sente amargamente a ingratidão, ou os desconcertos do mundo. Se realça o valor das honras e da glória alcançadas por mérito próprio, lamenta, por exemplo, que os Portugueses nem sempre saibam aliar a força e a coragem ao saber e à eloquência, destacando a importância das Letras. Se critica os povos que não seguem o exemplo do povo português que, com atrevimento, chegou a todos os cantos do Mundo, não deixa de queixar-se de todos aqueles que pretendem alcançar a imortalidade, dizendo-lhes que a cobiça, a ambição e a tirania são honras vãs que não dão verdadeiro valor ao homem. Daí, também, lamentar a importância atribuída ao dinheiro, fonte de corrupção e de traições.

Lembrando o seu «honesto estudo», «longa experiência» e «engenho», «Cousas que juntas se acham raramente», confessa estar cansado de «cantar a gente surda e endurecida» que não reconhecia nem incentivava as suas qualidades artísticas.

Canto I (est. 103 – 106)

Acontecimento motivador das reflexões - chegada a Mombaça, cujo rei fora avisado por Baco para receber os portugueses e os destruir.

Reflexões do poeta Depois de ter contado as traições e os perigos a que os navegadores estiveram sujeitos – ciladas, hostilidade disfarçada que reduz as defesas e cria esperanças – o poeta interrompe a Narração para expor as suas reflexões sobre a insegurança da vida e a impotência do homem, «um bicho da terra tão pequeno», exposto a todos os perigos e incertezas e vítima indefesa do «Céu sereno». São palavras-chave: veneno, engano, gravíssimos perigos, nunca certo, pouca segurança, mar, tormenta, dano, morte, guerra, engano.

Não será por acaso que esta reflexão surge no final do Canto I, quando o herói ainda tem um longo e penoso percurso a percorrer. Ver-se-á, no Canto X, até onde a ousadia, a coragem e o desejo de ir sempre mais além pode levar o "bicho da terra tão pequeno", tão dependente da fragilidade da sua condição humana.

1

Page 2: Os Lusíadas - Reflexões Do Poeta

Os perigos que espreitam o ser humano (o herói), tão pequeno diante das forças poderosas da natureza (tempestades, o mar, o vento...), do poder da guerra e dos traiçoeiros enganos dos inimigos.

Principais recursos expressivos Metáfora - «Mas debaxo o veneno vem coberto» - traduz a falsidade e a cobardia dos traidores Interjeições e frases exclamativas - «Oh! Grandes e gravíssimos perigos, /Oh! Caminho de vida nunca certo» -

acentuam a visão angustiada e expressiva do poeta face às traições e à precariedade da vida humana assinalada através da metáfora Caminho de vida. Através desta exclamação sentenciosa, o poeta apresenta uma síntese do negrume trágico que dá a medida da grandeza épica da história da gente lusitana.

Anáfora, «Onde», «Onde» a personificação, «Céu sereno», e a interrogação retórica «Onde….bicho da terra tão pequeno?» acentuam a visão pessimista e profundamente angustiada da condição humana marcada pelo sentimento de impotência de um ser que, perante o Céu sereno, não passa de um bicho da terra da terra tão pequeno.

Antítese e paralelismo de construção - «No mar tanta tormenta e tanto dano,(…)/Na terra tanta guerra, tanto engano.» - destacam a insegurança e os perigos que surgem em qualquer lugar. O homem, e em particular a gente lusa, não tem um lugar onde se possa sentir segura o que, mais uma vez, contribui para a glorificação deste «bicho da terra tão pequeno» que apesar de todas as adversidades vai alcançar o seu objectivo conquistando terra e ultrapassando todos os limites que lhe são impostos pelo mar.

Canto V (est. 92 – 100)

Acontecimento motivador das reflexões – final da narração de Vasco da Gama (História de Portugal e a Viagem de Belém a Melinde) e elogio do Rei de Melinde à bravura, à lealdade e à nobreza dos portugueses.

Reflexões do poetaAo longo destas estâncias, Camões apresenta uma invectiva contra os portugueses seus contemporâneos

que desprezavam a poesia. O poeta começa por mostrar como o canto, o louvor, incita à realização dos feitos; dá em seguida exemplos do apreço dos Antigos pelos seus poetas, bem como da importância dada ao conhecimento e à cultura, que levava a que as armas não fossem incompatíveis com o saber.

Não é, infelizmente, o que se passa com os portugueses: não se pode amar o que não se conhece, e a falta de cultura dos heróis nacionais é responsável pela indiferença que manifestam pela divulgação dos seus feitos. Apesar disso, o poeta, movido pelo amor da pátria, reitera o seu propósito de continuar a engrandecer, com os seus versos, as "grandes obras" realizadas. Manifesta, desta forma, a vertente pedagógica da sua epopeia, na defesa da realização plena do Homem, em todas as suas capacidades.

Est. 92 – O sujeito poético começa por manifestar a ideia de que louvar da enorme importância exprimir a sua emoção.

Est. 93 – Camões dá o exemplo de Alexandre Magno que prezava mais o poeta Homero do que os gloriosos feitos guerreiros de Aquiles.

Est. 94 – Vasco da Gama «trabalha» para mostrar as navegações cantadas pelos antigos poetas não são mais grandiosas do que a sua. O imperador Augusto ao mostrar com «mercês e favores», a sua estima pelo poeta romano Virgílio, contribuiu para que Eneias (herói da Eneida) fosse cantado e, desta forma, espalhada a glória de Roma.

Est. 95 – Portugal tem grandes chefes políticos e militares tão ilustres como os estrangeiros (Césares, Alexandros, e Augustos) porém «não lhe dá contudo aqueles dões/Cuja falta os faz duros e robustos.», a sensibilidade para as letras e, por isso, tornam-se «duros e robustos» o que os impede de cultivarem e apreciarem o canto dos escritores e poetas portugueses.

2

Page 3: Os Lusíadas - Reflexões Do Poeta

Est. 96 – Camões dá o exemplo de Júlio César, grande imperador e escritor romano, («numa mão a pena e noutra a lança»), que foi um orador tão eloquente como Cícero (orador romano) e um guerreiro da craveira de Cipião(general romano) que, por sua vez, além de ser um grande general, era também amigo e protector do comediógrafo Terêncio. O próprio Alexandre Magno apreciava tanto o poeta Homero que tinha sempre as suas obras «à cabeceira».

Est. 97 – Utilizando o articulador «Enfim» com valor conclusivo, o poeta afirma que todos os grandes guerreiros (Capitão) da Antiguidade foram eruditos e sabedores, «douto e ciente», dados às letras e ao conhecimento. Com mágoa e vergonha constata que em Portugal tal não acontece, os nossos chefes militares não protegem nem prezam «o verso e a rima», porque «quem não sabe arte» não a pode estimar. O poeta lastima o desdém a que os Portugueses votam as letras. Estes, apesar de serem de terra de heróis, não reconhecem o valor da arte.

Est. 98 – Assim, como consequência da falta de erudição e de gosto pela poesia, não só não há em Portugal grandes poetas como Virgílio e Homero como também, «se este costume» continuar nem guerreiros (Eneias e Aquiles) haverá porque não há quem os cante. «Mas o pior de tudo é que» estes guerreiros são «tão ásperos», «tão austeros» e «tão rudes» que se tornaram frouxos de espírito o que os impede de prezarem e estimarem a poesia.

Est. 98 – A ironia está presente em toda a estrofe desde o primeiro verso, onde o poeta manda «o nosso Gama» agradecer «às Musas» «o muito amor da pátria, que as obriga/A dar aos seus, na lira, nome e fama», até ao último onde Camões afirma que, se fosse pela amizade que tinham a Gama, nunca as Tágides deixariam «As telas de ouro fino» para o cantarem, pois nunca houve nenhum laço afectivo entre os Gamas e a poesia, ou seja, estes contam-se entre os que a desprezam, logo, são pelas ninfas desprezados.

Est. 100 – O poeta explica que o único objectivo das Tágides é louvar os feitos lusitanos. O amor à pátria e o apreço pelas grandes feitos, que devem ser perpetuadas, constituem a grande motivação para a escrita do poema.

Principais recursos expressivos Exclamação - «Quão doce é o louvor e a justa glória/Dos próprios feitos, quando são soados!» (Est. 92)- traduz a

frustração do poeta por verificar que aquilo que parece tão óbvio aos olhos de todos, não é entendido. Hipérbole - «Fazem mil vezes feitos sublimados» (Est. 92) - realça a importância da poesia para espalhar os

feitos gloriosos. Enumeração de figuras da Antiguidade (Est. 93 a 96) com o objectivo de reforçar as consequências da falta de

protecção aos homens das letras «Alexandro…Augusto…Césares, Alexandros….Cícero…Cipião…» Paralelismo anafórico «Tão ásperos…tão austeros/Tão rudos…tão remissos» (est. 98) – insiste na ideia de que os

guerreiros portugueses são ignorantes, rudes e desleixados de espírito. Ironia (Est. 99) – (ver explicação acima)

Canto VI (est. 95 – 99)

Acontecimento motivador das reflexões – Após Vénus ter acalmado os ventos que deram origem à tempestade desencadeada por Neptuno, a pedido de Baco, a armada portuguesa, guiada pelo piloto melindano, avista-se Calecut e Vasco da Gama agradece a Deus.

Reflexões do poetaContinuando a exercer a sua função pedagógica, o poeta defende um novo conceito de nobreza, espelho do

modelo da virtude renascentista: a fama e a imortalidade, o prestígio e o poder adquirem-se pelo esforço - na batalha ou enfrentando os elementos, sacrificando o corpo e sofrendo pela perda dos companheiros; não se é nobre por herança, permanecendo no luxo e na ociosidade, nem pela concessão de favores se deve alcançar lugar de relevo. Nestas estâncias, o Poeta realça o verdadeiro valor das honras e da glória alcançadas por mérito próprio. O herói faz-se pela sua coragem e virtude, pela generosidade da sua entrega a causas desinteressadas.

3

Page 4: Os Lusíadas - Reflexões Do Poeta

Est. 95 e 96 – É por esforço e árduo trabalho (« trabalhos graves e temores») que se alcançam «As honras imortais e graus maiores», e não por ter herdado a nobreza dos «Troncos nobres de seus antecessores» ou por se viver

luxuosamente «Nos leitos dourados, entre os finos/Animais de Moscóvia zebelinos.», (peles de marta), ou por se comer «manjares esquisitos», ou por se dar passeios ociosos ou por se ter vários e infinitos prazeres.

Est. 97 e 98 – Utilizando o articulador «Mas» com valor adversativo, o poeta declara que a fama se alcança por mérito próprio, («…com buscar, co seu esforço braço/ As honras que ele chame próprias suas»),pelo esforço na batalha,«vigiando e vestindo o forjado aço», sofrendo«tempestades e ondas cruas», vencendo «os torpes frios» em regiões inóspitas, passando necessidades «engolindo» alimentos apodrecidos, vencendo o medo que se tem face ao «pelouro ardente que assovia» e ao ver os companheiros ficarem mutilados, sem «pernas»ou sem «braços» , aprendendo a desprezar as «honras e dinheiro» dadas pela sorte («…que a ventura /Forjou…») e não obtidas pela virtude e valor próprios(« …não vertude justa e dura.»).

Est. 99 – Desta forma se cria um entendimento sereno da vida certo de que ela passa («Destarte se esclarece…humano embaraçado.»)e só esse será o caminho justo e certo sem compadrios nem favoritismos,«Direito e não de affeitos ocupado», para se chegar a ilustre mando sem pedidos.Nota – Estas estâncias, particularmente a 98 e 99, contêm a afirmação, única na obra de Camões, de que o Homem pode escolher o seu percurso de vida e determinar-se impondo a sua própria vontade.

Principais recursos expressivos Sinédoque – Moscóvia- toma-se a parte, principado de Moscovo, pelo todo que é a Rússia do Norte famosa

pelas martas animal valioso pela pele que fornece. Adjectivação – hórridos, graves – realça o esforço gigantesco que o Homem tem de fazer para se ultrapassar a si

próprio e alcançar a imortalidade. A anteposição do adjectivo hórridos em relação ao nome, reforça a sua carga semântica e evidencia a sua forte sonoridade.

Paralelismo anafórico e anáfora - «Não encostados… Não nos leitos… Não cós…» -traduzem a ideia do poeta da necessidade do Homem recusar a fama imerecida. Insiste na ideia de que o Homem pode escolher o seu percurso de vida e autodeterminar-se.

Metáforas - «calo honroso» e «corrupto mantimento» - intensificam a ideia de sofrimento necessário para se alcançar a fama.

Conjunção adversativa - Mas (est.. 97) – Nas estrofes anteriores o poeta enumerou uma série de vícios que não conduzem à fama. Usando este articular com valor de oposição o poeta passa a enumerar as virtudes que conduzem o Homem à fama e à imortalidade.

Canto VII (est. 78 – 87)

Acontecimento motivador das reflexões – Após o desembarque de Vasco da Gama o Catual visita a nau capitaina, onde é recebido por Paulo da Gama, a quem pergunta o significado das figuras presentes nas bandeiras de seda.

Reflexões do poetaNesta reflexão Camões queixa-se da ingratidão de que é vítima. Ele que sonhava com a coroa de louros dos

poetas, vê-se votado ao esquecimento e à sorte mais mesquinha, não lhe reconhecendo, os que detêm o poder, o serviço que presta à Pátria.

Usando um texto de tom marcadamente autobiográfico Camões faz referência a várias etapas da sua vida. O poeta exprime um estado de espírito bem diferente do que caracterizava, no Canto I, a Invocação às Tágides - «cego, … insano e temerário», percorre um caminho «árduo, longo e vário», e precisa de auxílio porque, segundo diz, teme que o barco da sua vida e da sua obra não chegue a bom porto. Uma vida que tem sido cheio de adversidades, que enumera: a pobreza, a desilusão, perigos do mar e da guerra, «Nua mão sempre a espada e noutra a pena», Como não ver neste retrato a intenção de espelhar o modelo de virtude enunciado em momentos anteriores?

4

Page 5: Os Lusíadas - Reflexões Do Poeta

Em retribuição, recebe novas contrariedades - de novo a critica aos contemporâneos, e o alerta, para a inevitável inibição do surgimento de outros poetas, em consequência de tais exemplos.

Mas a crítica aumenta de tom na parte final, quando são enumerados aqueles que nunca cantará e que, implicitamente, denuncia abundarem na sociedade do seu tempo: os ambiciosos, que sobrepõem os seus interesses aos do«bem comum e do seu Rei», os dissimulados, os exploradores do povo, que não defendam "que se pague o suor da servil gente".

No final, retoma a definição do seu herói - o que arrisca a vida «por seu Deus, por seu Rei».

Est. 78 – O poeta invoca as Ninfas do Tejo e do Mondego primeiro porque vai dar início, através da voz de Paulo da Gama, à narrativa da História de Portugal e para isso precisa de ajuda sobrenatural; em segundo lugar, porque, percorre um caminho «árduo, longo e vário», e segundo diz, teme que o barco da sua vida e da sua obra não chegue a bom porto. São tantas as adversidades, que ao longo da vida lhe têm surgido, que receia não conseguir alcançar os seus objectivos: terminar o poema e imortalizar os portugueses e a História de Portugal.

Est. 79 – O poeta realça a sua persistência no cumprimento da sua missão como poeta, «…cantando/O vosso Tejo e os vossos Lusitanos», como viajante «Agora o mar…» e como guerreiro «…agora exprimentando/Os perigos Mavórcios inumanos.», em suma, como um verdadeiro humanista «Nua mão sempre a espada e noutra a pena.

Est. 80 e 81– O poeta faz referência aos seguintes aspectos da sua vida: à pobreza, à errância e ao desterro(est.80 vv.1,2); às desilusões (est. 80 vv.3,4); ao naufrágio sofrido na foz do rio Mecon, do qual escapou com vida e salvou o manuscrito do poema(est.

80 vv.5 a 8); às expectativas frustradas pelo facto daqueles que detêm o poder não reconhecerem a grandiosidade da

sua obra (est. 81, vv. 1 a 4); ao sofrimento causado pela insensibilidade dos detentores do poder que, para além de não lhe darem as

«capelas de louro» em sinal de reconhecimento ainda lhe «lhe inventaram mais trabalhos».

Est. 82 – Recorrendo à ironia, o poeta chama a atenção das Ninfas para estes «engenhos de senhores» que o «Tejo cria valerosos», denunciando o menosprezo destes pelos escritores e alertando para as consequências futuras da separação entre escritores e senhores.

Est. 83 – O poeta pede inspiração às Ninfas,«vosso favor …./Dai-mo vós, sós » para continuar a cantar os portugueses que o mereçam,«que eu tenho já jurado/Que não no empregue em quem o não mereça».

Est. 84 a 86 – O poeta enumera aqueles que considera como seus preteridos e indignos do seu canto: quem antepuser o seu próprio interesse ao do bem comum e ao do rei(84, vv. 1,2); os ambiciosos que pretendem subir a «grandes cargos» com o objectivo de «com torpes exercícios»

satisfazerem os seus vícios; os egoístas, hipócritas e falsos que mudam de acordo com os seus interesses(85, vv. 1 a 4); os que para ficarem bem vistos pelo Rei não hesitam em explorar, «despir e roubar o pobre povo»; os que são muito diligentes e severos no cumprimento da lei do Rei, mas exploram o povo(86, vv.1 a 4); os exploradores que se empenham em aplicar impostos e não pagam com justiça os «trabalhos» dos

outros(86, vv. 5 a 8).

Est. 87 – O poeta termina o seu discurso afirmando que cantará somente os heróis que arriscam a vida «por seu Deus» e «por seu Rei»

Principais recursos expressivos Metáfora - «Por alto mar … que meu batel se alague cedo…»- remete para as adversidades que surgem quer na

realização da sua obra quer na sua vida. Adjectivação múltipla - «caminho tão árduo, longo e vário…» - reforça as dificuldades da vida do poeta.

5

Page 6: Os Lusíadas - Reflexões Do Poeta

Anáfora - «Agora….Agora…» - realça a variedade de situações e estados de alma do sujeito poético e cria um efeito de simultaneidade de vivências.

Anáfora – «Nenhum» (pronome) e «Nem» (conjunção) – estes dois elementos linguísticos apresentam uma carga negativa e servem para o sujeito poético enumerar e destacar os que considera indignos do seu canto.

Ironia (est 82) – Recorrendo às frases exclamativas e ao valor conotativo do adjectivo «valerosas» , o sujeito poético critica o menosprezo dos poderosos pelos escritores e alerta para as consequências futuras desse divórcio entre escritores e senhores que levará à estagnação artística.

Canto VIII (est. 96 – 99)

Acontecimento motivador das reflexões – Traição e suborno do Catual. Regresso de Gama às naus.

Reflexões do poetaNesta reflexão o poeta retoma a função pedagógica do seu canto e apontando para um dos males da

sociedade sua contemporânea, orientada por valores materialistas e faz uma severa crítica: o alvo é o poder corruptor do dinheiro e do «ouro».

A propósito da narração do suborno do Catual e das suas exigências aos navegadores, são agora enumerados os efeitos perniciosos do ouro - provoca derrotas, faz dos amigos traidores, mancha o que há de mais puro, deturpa o conhecimento e a consciência; os textos e as leis são por ele condicionados; está na origem de difamações, da tirania de Reis, corrompe até os sacerdotes, sob a aparência da virtude.

Est. 96 – Os primeiros quatro versos pertencem à sequência narrativa: Gama regressa às naus e espera para ver o que acontece.No verso cinco o poeta inicia a sua reflexão sobre a corrupção, «…o vil interesse e sede immiga/ Do dinheiro que a tudo nos obriga», tanto «no rico assi como no pobre».

Est. 97 – O poeta exemplifica o seu ponto de vista através de exemplos míticos: o Rei Treício, exemplo de um senhor rico, apodera-se do ouro que Polidoro levava e mata-o; Tarpeia, a mulher romana que deveria abrir as portas da cidade, exemplo de um ser pobre, também morre.

Est. 98 a 99 – O poeta enumera os actos de corrupção, mostrando que eles percorrem todas as classes sociais e em particular as elites:

Entregam-se bem fortificadas «fortalezas» (98,v.1); Atraiçoam-se os amigos (98,v.2); Os nobres cometem baixezas, atraiçoando os capitães (98,vv. 3,4); Corrompem-se as virgens (98,vv. 5,6); Mistifica-se a ciência (98,vv. 7,8); Interpretam-se os textos de acordo com as conveniências (99, vv.2,3); Alteram-se as leis (99, v.3) Fazem-se difamações (99, v. 4); Os Reis tornam-se «mil vezes tiranos» (99,v.5) Corrompem-se os sacerdotes que, apesar de hipocritamente terem uma aparência de grande virtude, se

deixam seduzir pelo ouro. (99,vv. 6 a 8).

Principais recursos expressivos Antítese – «rico… pobre» (est.96) – evidencia que o poder corruptor do dinheiro surge em todas as classes

sociais. Adjectivação - «metal luzente e louro » (est. 97) – realça o poder do vil metal especialmente através da

sensação visual que provoca.

6

Page 7: Os Lusíadas - Reflexões Do Poeta

Anáfora - «Este…» - a repetição do pronome demonstrativo insiste no poder corruptor do dinheiro, salientando que a maior parte dos desvios em relação aos valores que o Homem devia preservar se devem à ganância e à cobiça motivada pelo ouro.

Oxímoro - «faz e desfaz» (est. 99) – através da contradição com a mesma palavra realça-se a facilidade com que as leis são alteradas.

Hipérboles - «mil vezes Reis… mil vezes ourives» (est. 99) – através deste exagero prova-se que ninguém está imune ao valor vil do dinheiro: nem os Reis que já são ricos, nem os sacerdotes que, segundo os valores cristãos, não deviam interessar-se por questões materiais.

Canto IX (est. 51- 87 – Ilha dos Amores; est. 88 – 92,v.4 – Significado da ilha; est. 92, v. 5 – 95 Exortação do poeta dirigida aos que suspiram por imortalizar o seu nome).

Estando os navegantes na viagem de regresso a Portugal, Vénus prepara-lhes, com a ajuda das ninfas e de seu filho, Cupido, uma recompensa pelos perigos e tormentas que enfrentaram, vitoriosos. Fá-los aportar a uma ilha paradisíaca, povoada de ninfas amorosas que lhes deleitam os sentidos. Numa atitude estudada de sedução, as divindades fingem assustar-se com a presença dos marinheiros, mas logo se rendem aos prazeres do amor.

Esta ilha não existe na realidade, mas na imaginação, no sonho que dá sentido à vida. O sonho que permite atingir a plenitude da Beleza, do Amor, da Realização.

A grandeza dos Descobrimentos também se mede pela grandeza do prémio, e esse foi o da imortalidade, simbolicamente representada na união homens-deusas o que faz com que os Portugueses deixem de ser simples mortais, transcendam a condição humana e recebam os dotes de uma experiência divina – são heróis - por isso poderão regressar à Pátria sem perigo. Através deste contacto deusas-heróis, estes tornam-se imortais bem como a História de Portugal.

O poeta não perde o ensejo, no final do Canto, de esboçar o perfil dos que podem ser "nesta ilha de Vénus recebidos", reiterando valores como a justiça, a coragem, o amor à Pátria, a lealdade ao Rei.

No canto X, No banquete com que homenageiam os navegantes (est. 1-4), uma ninfa profetiza futuras vitórias dos portugueses (est.5-7). Tétis, a ninfa com cujo amor Vasco da Gama fora premiado, condu-lo agora ao cume de um monte para lhe mostrar a "Máquina do Mundo" (est. 74-90) e lhe dar a noção do que será o Império Português. É o auge da glorificação - Vasco da Gama vê o que só aos deuses é dado ver. É a glorificação simbólica do conhecimento, do saber proporcionado pelo sonho da descoberta. O "bicho da terra tão pequeno" venceu as suas próprias limitações e foi além "do que prometia a força humana".

A nível da estrutura do poema, significativamente, os três planos sobrepõem-se: os viajantes confraternizam com as entidades mitológicas e ouvem a História de Portugal futura.

Est. 51 – Viagem de regresso e avistamento da «Ilha namorada».Est. 52 – Aparecimento e início da descrição da ilha feita através de uma gradação decrescente, do geral « De longe a Ilha viram, fresca e bela/ Que Vénus pelas ondas lha levava» para o particular.

A descrição da Ilha obedece a um rigor na apresentação dos elementos que a constituem seguindo as regras usadas para a descrição de uma paisagem real como se pode verificar:

Est. 53 a 55Aspecto geral

ElementosAdjectivos ou expressões

adjectivasSensações

enseada curva e quieta Visuais

- «branca areia»- «ruivas conchas»- «claras fontes e límpidas»- «…verdura tem viçosa»- «pedras alvas»- «Arvoredo»

areia branca conchas ruivas três outeiros fermosos… com soberba

graciosa…de gramíneo esmalte se adornavam

fontes claras … límpidas -

verdura viçosa

7

Page 8: Os Lusíadas - Reflexões Do Poeta

Auditivas- «sonorosa linfa»

pedras alvas

ribeiros de águas claras

vale ameno

arvoredo gentil

Est. 56 a 57Árvores

ElementosAdjectivos ou expressões

adjectivasSensações

laranjeira Visuais- «a cor que tinha Dafne nos

cabelos»- «..pesos amarelos»

Olfactivas- «pomos odoríferos»- «limões ali, cheirando» Laranjeira, cidreira, loureiros

cidreira

árvores agrestes

álamos

loureiros

mirtos

pinheiros

ciprestes agudo

Est. 58 a 59Frutos

ElementosAdjectivos ou expressões

adjectivasSensações

cerejas purpúreas Visuais- «cerejas purpúreas»- «a romã … rubicunda cor»- «cachos roxos e verdes»- «peras piramidais»

Gustativas- «Os dões…diferentes nos sabores»; as diversas frutas

pêssegos amoras romã rubicunda uvas jucunda, roxas, verdes

peras piramidais

Est. 60 a 62(até ao v.6)

Flores

ElementosAdjectivos ou expressões

adjectivasSensações

narcisos Visuais

- «... e na terra as mesmas cores…»

-« as violetas»- «o lírio roxo»

Olfactivas- «violetas»- «manjeronas »

anémonas violetas da cor dos amadores lírio roxo rosa fresca, bela

açucena cândida

manjeronas

jacintos agudo

boninas

8

Page 9: Os Lusíadas - Reflexões Do Poeta

Est. 62 e 63(est.62 desde v.7)

Animais

ElementosAdjectivos ou expressões

adjectivasSensações

cisne níveo Visuais- «níveo cisne»-«água cristalina»

Auditivas- «aves no ar cantando voam»-« níveo cisne canta»-

rouxinol veado lebre fugace gazela tímida

passarinho leve

Est. 64 e 65Habitantes da

Ilha

Elementos Adjectivos ou expressões adjectivas

Sensações

deusas incautas … belo corpo … Visuais- «belas Deusas»-«arcos de ouro»

Auditivas- «doces cítaras tocavam»-« harpas e sonoras flautas»- «o lírio roxo»

Nota – Não há dúvida que a Ilha dos Amores apresenta uma das mais belas descrições da nossa literatura clássica: o Poeta, utilizando uma gradação decrescente, partindo do geral para o particular, apresenta esse locus amoenos seguindo as regras da descrição duma paisagem real.

Est. 64 – Os marinheiros desembarcam na Ilha Namorada onde as «belas Deusas» se deixam andar como incautas. Argonauta foi o nome dado aos navegantes que, a bordo da nau Argos, fizeram a primeira viagem marítima, percorrendo o mar Negro. Est. 65 – As Ninfas mostram-se (esta estância não consta no manual)Est. 66 e 67 – Os marinheiros colocam os pés em terra e perseguem as Ninfas.Est. 68 – Descobrem-se as Ninfas.Est. 69 e 70 (v. 2)– Exortação de Veloso «Senhores (…) /Sigamos estas Deusas, e vejamos/Se fantásticas são, se verdadeiras.» e início da perseguição das Ninfas Est. 70 (vv. 3 a 8) a 74 – perseguição das Ninfas «Isto dito, velozes mais que gamos, /Se lançam a correr pelas ribeiras. /Fugindo as Ninfas vão por entre os ramos…».Est. 75 a 82 – Aventura de Lionardo, marinheiro sem sorte aos amores, é o único que terá de correr durante mais tempo atrás da sua Ninfa.Est. 83 e 84 – Casamentos entre Ninfas e Navegantes.Est. 85 e 86 – Tethis, divindade marinha e a mais célebre de todas as Nereidas, dá a Vasco da Gama a razão deste maravilhoso encontro.Est. 87 – Tethis toma Gama pela mão e leva-o até ao seu palácio.Est. 88 a 92 (v.4) – Sentido alegórico da ilha.Est.88 – Este repouso é compensação de «trabalhos tão longos» e «o prémio bem merecido»

9

Page 10: Os Lusíadas - Reflexões Do Poeta

Est. 89 - As Ninfas, Tethis e a «Ilha angélica pintada» constituem as «deleitosas honras, os triunfos, a coroa de louros (símbolo de honra, de vitória, de glorificação).Est. 90, 91 92 (vv. 1 a 4) - Afinal também os deuses inventados na Antiguidade («…imortalidade que fingia a antiguidade») eram deuses porque os homens os tinham transposto a esse estado glorioso, pelas grandes façanhas, «obras valerosas», pelo «trabalho imenso que se chama/Caminho da virtude, alto e fragoso» (pedregoso) que tinham realizado enquanto homens («O mundo cos varões que esforço e arte/Divinos os fizeram sendo humanos;/Que Júpiter, Mercúrio, Febo e Marte…/Todos foram de fraca carne humana»). Este percurso de árduo trabalho tornou-se «no fim, doce, alegre e deleitoso» porque estes deuses, anteriormente humanos, receberam como «prémio» e recompensa o Olimpo (a glória) e a Fama exaltando-lhes tais «obras» contribuiu para que passassem a ser chamados de «Deuses», de heróis, de Magnos.

10

Page 11: Os Lusíadas - Reflexões Do Poeta

Imagem retirada do manual Ser Em Português, Areal Editores

Acontecimento motivador das reflexões – Encontro dos marinheiros com as Deusas - Ilha dos Amores.

Exortação e reflexão do poetaexortação dirigida aos que aspiram a imortalizar o seu nome. o poeta retoma a função pedagógica do seu canto e apontando para um dos males da sociedade sua contemporânea, orientada

Est. 92 a 95 - O poeta dirige-se a todos os que aspiram a ser heróis exortando-os a: despertar «já do sono ignavo», fugindo da indolência deprimente, que torna as almas escravas (est.92, vv.5

a 8);

refrear a cobiça, a ambição, o «torpe (desonesto) e escuro/Vício da tirania » porque não acrescentam valor a ninguém: a recompensa deve ser alcançada através de esforço árduo, de honestidade de rectidão e não de forma desonesta. Por isso, o Poeta afirma que é preferível merecer os prémios (honras e riquezas) e nunca ser recompensado, do que não merecer esses prémios e, de forma desonesta, sórdida e desprezível, ser recompensado. (est. 93, vv. 4 a 8);

fazer leis equitativas (justas) que não dêem aos «grandes» o que é dos «pequenos»(est. 94, vv. 1,2) lutar contra os «Sarracenos» (Mouros)

Seguindo estes conselhos, todos os que quiserem alcançar a glória e a fama, sairão vencedores: os reinos tornar-se-ão mais fortes e todos ganham (est. 94 vv.5 e 6); as riquezas serão atribuídas àqueles que, por mérito próprio as merecerem (est. vv. 7,8); o Rei sairá glorificado através dos conselhos e da ajuda na militar que os tornará dignos dos seus

antepassados (est. 95, vv. 1 a 4);Seguindo estes conselhos e guiando-se por valores como a justiça, a coragem, o amor à Pátria e a lealdade ao

Rei, serão inscritos («numerados» est. 95, v.6) com «entre os heróis esclarecidos» e acolhidos na Ilha de Vénus.

Principais recursos expressivos Antítese – «livre… escravo» (est.92) – evidencia a ideia de que a liberdade se pode tornar numa derrota, se

estes que aspiram a heróis não despertarem da apatia em que se encontram. Hipérbole - «Tomais mil vezes» (est. 93, v.3)- permite uma crítica mais acutilante. Quiasmo – «Melhor é merecê-los (1) sem os ter (2) /Que possuí-los(3) sem os merecer(4)» (est. 93). Emprego

de palavras ou expressões agrupadas duas a duas, cuja ordem se inverte, num esquema de paralelos que faz lembrar o X (o 1º elemento corresponde ao 4º e o 2º elemento ao 3º): destaca um dos valores essenciais do humanismo –o homem só pode obter o prémio se o tiver merecido. Daí que é um desprestígio obter honras sem as merecer.

Canto X (est. 144 – 156)

Acontecimento motivador das reflexões – Após o banquete oferecido por Tethys, esta mostra a Gama uma miniatura do Universo, descobrindo, no globo terrestre, os lugares, onde os Portugueses vão praticar altos feitos e despede-se dos marinheiros que embarcam. Chegada à Pátria

Est. 144 – A viagem de regresso corre com tranquilidade como se pode verificar pelos adjectivos e advérbios usados «mar sereno (…)/Com vento sempre manso e nunca irado (», bem como pelo uso da conjugação perifrástica «foram cortando o mar». A armada entra «no Tejo ameno» e entregam os prémios à Pátria e ao Rei, concedendo-lhe novos títulos«E com títulos novos se ilustrou».

Est. 145 – O Poeta invoca a Musa «No mais, Musa, no mais...» e desabafando, mostra-lhe o seu cansaço e o seu

desânimo «que a Lira tenho/ Destemperada e a voz enrouquecida,», por verificar que canta «a gente surda e

endurecida» e que a Pátria não reconhece o seu trabalho, não o aplaude («o favor com que mais se acende o

engenho»), pois está cega pela cobiça«que está metida/No gosto da cobiça e da rudeza…».

11

Page 12: Os Lusíadas - Reflexões Do Poeta

Est. 146 – O Poeta refere que não sabe por que a Pátria se encontra assim, por isso, dirige-se ao Rei, pedindo-lhe

dizendo-lhe que os seus vassalos são excelentes, mesmo quando comparados com outros povos «(e vede as outras

gentes)».

Est. 147 – Continuando com um discurso apelativo, pede ao Rei que veja como os seus vassalos são corajosos e

bravos como «leões e touros» tanto na terra como no mar: na guerra, nas conquistas de «quentes regiões a plagas

frias», na expansão da fé cristã e no espírito de cruzada, «A golpes de Idolatras e de Mouros», e nas navegações «A

naufrágios, a pexes, ao profundo».

Est. 148 – Estes vassalos estão sempre preparados, «aparelhados» para servir o Rei, mostrando obediência e

lealdade («sempre obedientes/A quaisquer vossos ásperos mandados,/sem dar resposta, prontos e contentes»),

coragem para enfrentarem «Demónios infernais, negros e ardentes», o fará com que D. Sebastião seja um

vencedor e nunca um vencido («Que vencedor vos façam, não vencido»).

Est. 149 – Atendendo à excelência que D. Sebastião tem no seu reino, o Poeta pede-lhe que os favoreça com a sua

presença e que os liberte de leis rigorosas. Aconselha-o ainda a prestar especial atenção aos mais velhos («os mais

experimentados levantai-os») porque estes têm o saber possuem um saber de experiência feito e, por isso, «sabem

O como, o quando, e onde as cousas cabem».

Est. 150 – Pede-lhe que seja justo e que reconheça a competência, «talento», dos seus vassalos nos «ofícios»

(profissão/trabalho) que desempenham. Assim deve reconhecer o trabalho do «bom religioso» que cumpre com as

suas obrigações e não se deixa levar pela «Glória vã» nem pelo «dinheiro».

Est. 151 – Pede-lhe que respeite que tenha «em muita estima» os Cavaleiros que de forma corajosa espalham «não

somente a Lei de cima» (a Fé), mas também o «Império», «vencendo» a oposição de «os vivos» e «os trabalhos

excessivos».

Est. 152 – Por tudo isso, o Rei não poderá permitir que os outros povos «Alemães, Galos, Ìtalos e Ingleses» possam

alguma vez dizer que os Portugueses foram feitos para serem «mandados». Pede-lhe que «só» ouça os mais velhos,

«Que viram largos anos, largos meses» pois são os que têm experiência para melhor o poderem aconselhar.

Est. 153 – Para reforçar a importância do saber de experiência feito, refere como Aníbal, general cartaginês,

«escarnecia» de Formião, filósofo grego, por este falar teoricamente da guerra, «das artes bélicas», quando estas

só se «aprendem» através da experiência «vendo, tratando e pelejando».

Est. 154 – O Poeta volta o discurso para si «Mas eu», questionando-se sobre quem é. Mostrando que tem

consciência do seu valor, refere não lhe «falta na vida honesto estudo, /Com longa experiência misturado»,

conhecimentos teóricos e muita experiência, nem «engenho» (talento), «Coisas que juntas se acham raramente».

O estudo, a experiência e o engenho constituem os princípios fundamentais do Humanismo e, por conseguinte, do

Homem Humanista. Est. 155 – 156 – O Poeta coloca-se à disposição do Rei: como guerreiro, «braço às armas feito»; como poeta e com o seu engenho para o exaltar «Pera cantar-vos, mente às Musas dada», cantando as proezas futuras, «como a pressaga mente o vaticina», quer de D. Sebastião, quer dos Portugueses. Falta-lhe, no entanto, ser por ele reconhecido «Só me falece ser a vós aceito». Se «isto» o «Céu» lhe conceder ou se D. Sebastião e os Portugueses fizerem tremer de horror o monte Atlante, vencendo os Mouros promete «que em todo o mundo de vós cante», de tal forma que Alexandre «em vós se veja» (se reveja em D. Sebastião), sem ter «inveja à dita (glória) de Aquiles.

Principais recursos expressivos Perífrase– «vista do terreno/Em que naceram» (est. 144) – evidencia que o poder corruptor do dinheiro surge

em todas as classes sociais.

12

Page 13: Os Lusíadas - Reflexões Do Poeta

Adjectivação - «Dua austera, apagada e vil tristeza» (est. 145) – a tripla adjectivação com uma carga negativa intensa e usada para caracterizar um substantivo também ele com um efeito negativo, permitem a hiperbolização com que realça o poder do vil metal especialmente através da sensação visual que provoca.

Antíteses – «quentes regiões, a plagas frias» (est.147) – evidencia que estes súbditos são excelentes em locais díspares e inóspitos.

- «Que vencedor vos façam, não vencido» (est.148) – jogando com palavra com a mesma raiz e com o advérbio de negação, reforça a certeza de que D. Sebastião será um vencedor.

Sinédoque - «monte Atlante…campos de Amplusa…Trudante…» (est. 156) através de algumas partes designa-se o todo – Norte de África (actualmente Marrocos) - território extenso e dominado por Mouros, o que realça o espírito de cruzada sempre presente em todo o poema.

Bibliografia:- Jacinto, Conceição; Lança, Gabriela (2008) – Análise das obras Os Lusíadas - Luís de Camões / Mensagem – Fernando

Pessoa, Porto Editora;- Moreira, Vasco; Pimenta, Hilário (2010) – Preparação para o exame nacional 12º Português, Porto Editora.- Ser Em Português, Areal Editores

13