Os Maias - Educação de Pedro em Inglaterra

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Ficha de Trabalho Português Prof.ª Paula Marçal 1 5 1 0 1 5 2 0 2 5 Somente Afonso sentia que sua mulher não era feliz. Pensativa e triste, tossia sempre pelas salas. À noite sentava-se ao fogão, suspirava e ficava calada... Pobre senhora! a nostalgia do país, da parentela, das igrejas, ia-a minando. Verdadeira lisboeta, pequenina e trigueira, sem se queixar e sorrindo palidamente, tinha vivido desde que chegara num ódio surdo aquela terra de hereges e ao seu idioma bárbaro: sempre arrepiada, abafada em peles, olhando com pavor os céus fuscos ou a neve nas árvores, o seu coração não estivera nunca ali, mas longe, em Lisboa, nos adros, nos bairros batidos do sol. A sua devoção (a devoção dos Runas!) sempre grande, exaltara-se, exacerbara-se aquela hostilidade ambiente que ela sentia em redor contra os «papistas». E só se satisfazia à noite, indo refugiar-se no sótão com as criadas portuguesas, para rezar o terço agachada numa esteira - gozando ali, nesse murmúrio de avé-marias em país protestante, o encanto de uma conjuração católica! Odiando tudo o que era inglês, não consentira que seu filho, o Pedrinho, fosse estudar ao colégio de Richmond. Debalde Afonso lhe provou que era um colégio católico! Não queria: aquele catolicismo sem romarias, sem fogueiras pelo S. João, sem imagens do Senhor dos Passos, sem frades nas ruas - não lhe parecia a religião. A alma do seu Pedrinho não abandonaria ela à heresia; - e para o educar mandou vir de Lisboa o padre Vasques, capelão do Conde de Runa. O Vasques ensinava-lhe as declinações latinas, sobretudo a cartilha: e a face de Afonso da Maia cobria-se de tristeza, quando ao voltar de alguma caçada ou das ruas de Londres, de entre o forte rumor da vida livre - ouvia no quarto dos estudos a voz dormente do reverendo, perguntando como do fundo duma treva: - Quantos são os inimigos da alma?E o pequeno, mais dormente, lá ia murmurando:-Três. Mundo, Diabo e Carne...Pobre Pedrinho! Inimigo da sua alma só havia ali o reverendo

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Ficha de Trabalho

Português

Prof.ª Paula Marçal

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Somente Afonso sentia que sua mulher não era feliz. Pensativa e triste, tossia sempre pelas salas. À noite sentava-se ao fogão, suspirava e ficava calada...Pobre senhora! a nostalgia do país, da parentela, das igrejas, ia-a minando. Verdadeira lisboeta, pequenina e trigueira, sem se queixar e sorrindo palidamente, tinha vivido desde que chegara num ódio surdo aquela terra de hereges e ao seu idioma bárbaro: sempre arrepiada, abafada em peles, olhando com pavor os céus fuscos ou a neve nas árvores, o seu coração não estivera nunca ali, mas longe, em Lisboa, nos adros, nos bairros batidos do sol. A sua devoção (a devoção dos Runas!) sempre grande, exaltara-se, exacerbara-se aquela hostilidade ambiente que ela sentia em redor contra os «papistas». E só se satisfazia à noite, indo refugiar-se no sótão com as criadas portuguesas, para rezar o terço agachada numa esteira - gozando ali, nesse murmúrio de avé-marias em país protestante, o encanto de uma conjuração católica!Odiando tudo o que era inglês, não consentira que seu filho, o Pedrinho, fosse estudar ao colégio de Richmond. Debalde Afonso lhe provou que era um colégio católico! Não queria: aquele catolicismo sem romarias, sem fogueiras pelo S. João, sem imagens do Senhor dos Passos, sem frades nas ruas - não lhe parecia a religião. A alma do seu Pedrinho não abandonaria ela à heresia; - e para o educar mandou vir de Lisboa o padre Vasques, capelão do Conde de Runa.O Vasques ensinava-lhe as declinações latinas, sobretudo a cartilha: e a face de Afonso da Maia cobria-se de tristeza, quando ao voltar de alguma caçada ou das ruas de Londres, de entre o forte rumor da vida livre - ouvia no quarto dos estudos a voz dormente do reverendo, perguntando como do fundo duma treva:- Quantos são os inimigos da alma?E o pequeno, mais dormente, lá ia murmurando:-Três. Mundo, Diabo e Carne...Pobre Pedrinho! Inimigo da sua alma só havia ali o reverendo Vasques, obeso e sórdido, arrotando do fundo da sua poltrona, com o lenço do rapé sobre o joelho...Às vezes Afonso, indignado, vinha ao quarto, interrompia a doutrina, agarrava a mão do Pedrinho - para o levar, correr com ele sob as árvores do Tamisa, dissipar-lhe na grande luz do rio o pesadume crasso da cartilha. Mas a mamã acudia de dentro, em terror, a abafá-lo numa grande manta: depois lá fora o menino, acostumado ao colo das criadas e aos recantos estofados, tinha medo do vento e das árvores: e pouco a pouco, num passo desconsolado, os dois iam pisando em silêncio as folhas secas - o filho todo acobardado das sombras do bosque vivo, o pai vergando os ombros pensativo, triste daquela fraqueza do filho...

GRUPO I

1. Localiza o excerto na estrutura do romance.2. Explica o sentido da expressão: “(...)tinha vivido desde que chegara num

ódio surdo aquela terra de hereges e ao seu idioma bárbaro” (ll. 5-6).3. Comenta a expressividade da expressão que surge entre parêntesis nas

linhas 8 e 9.

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4. O narrador pretende ridicularizar a figura do padre Vasquez. Explicita de que modo o consegue.

5. Com base no excerto, caracteriza Maria Runa.6. Identifica, explicitando, dois sentimentos de Afonso.7. Transcreve um exemplo de discurso indireto livre.8. Identifica três recursos estilísticos característicos da prosa queirosiana e

comenta a sua expressividade.

GRUPO II

1. Assinala a alínea correta:

1.1. Identifica a função sintática de “de tristeza” (l. 21)a) modificador do grupo verbalb) complemento oblíquo

c) modificador de frased) complemento do nome

1.2. O sujeito do predicado “agarrava a mão do Pedrinho” (ll. 28-29) ´éa) simplesb) nulo indeterminado

c) nulo subentendidod) nulo expletivo

1.3. Identifica o ato ilocutório em “Quantos são os inimigos da alma?” (l. 24)a) assertivob) diretivo

c) expressivod) compromissivo

1.4. O pronome pessoal “se” em “refugiar-se” (l. 11) éa) reflexob) inerente

c) passivod) recíproco

1.5. A utilização da expressão “Mas” (l. 30) contribui para a coesãoa) frásicab) interfrásica

c) lexicald) referencial

1.6. Indica o processo de formação da palavra “acostumado” (l. 32)a) derivação por prefixação e

sufixaçãob) derivação não afixal

c) derivação por prefixaçãod) derivação por

parassíntese

1.7. Na expressão “interrompia a doutrina” (l. 28) o processo de coesão referencial subjacente é aa) anafórab) catáfora

c) elipsed) coreferência não anafórica

1.8. Identifica a modalidade em “A alma do seu Pedrinho não abandonaria ela à heresia” (l. 18).a) epistémicab) deôntica

c) apreciativad) compromissiva

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1.9. Classifica o oração “desde que chegara” (l. 5)a) subordinada adverbial concessivab) subordinada adverbial temporal

c) subordinada adverbial consecutivad) subordinada substantiva completiva

1.10. O recurso estilístico presente em “o seu coração não estivera nunca ali, mas longe, em Lisboa, nos adros, nos bairros batidos do sol” (ll. 7-8) é umaa) personificaçãob) sinestesia

c) metáforad) hipálage

1.11. Indica a subclasse a que pertence a forma verbal “abandonaria” (l. 18)a) transitivo diretob) transitivo indireto

c) transitivo direto e indiretod) intransitivo

1.12. As palavras “rezar” (l. 11) e “terço” (l. 11) a) pertencem ao mesmo campo

semânticob) são merónimos

c) são sinónimosd) pertencem ao mesmo campo lexical

1.13. Identifica o tipo de deixis em “seu” (l. 14) a) pessoalb) temporal

c) espaciald) referencial

1.14. Identifica a função sintática de “o Pedrinho” (l. 14)a) sujeito simplesb) vocativo

c) modificador apositivo do nomed) modificador restritivo do nome

1.15. Classifica a oração “que ela sentia em redor contra os «papistas» (l.10)a) subordinada substantiva

completivab) subordinada substantiva relativa

c) subordinada adjetiva relativa explicativad) subordinada adjetiva relativa restritiva

2. Responde às questões:

2.1. Identifica o aspeto verbal expresso pela forma “iam pisando” (l. 33).

2.2. Indica a classe e subclasse do vocábulo “latinas” (l. 20).

2.3. Identifica o tipo de coesão textual estabelecida por “o” (l. 29).

2.4. Classifica o oração do predicado “fosse estudar ao colégio de Richmond” (ll. 14-15).

2.5. Refere a função sintática de “em silêncio” (ll. 33-34).

2.6. Indica o processo de formação da palavra “hostilidade” (l. 9)

2.7. Classifica o ato ilocutório em “Pobre Pedrinho!” (l. 25)

2.8. Indica dois recursos expressivos presentes em “a nostalgia do país, da parentela, das igrejas, ia-a minando” (l. 3).

2.9. Identifica o tipo de deixis em “lá fora” (l. 31).

2.10. Indica a função sintática de “ao quarto” (l. 28)

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