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| 1 | | 1 | | 1 | �� Os melhores de 2007 Ao seleccionarmos um conjunto de obras literárias destinadas à infância cuja qualidade – literária e plástica – as distingue, pretendemos, para além da sua divulgação junto dos mediadores e das próprias crianças, incentivar a edição de textos e de ilustrações de qualidade, colaborando na melhoria da oferta de literatura infantil em Portugal. Assim, para cada um dos grupos de leitores que integram a Casa da Leitura, foram seleccionadas oito publicações, tanto de autoria portuguesa como traduções. Um olhar atento pela selecção relativa aos pré-leitores permite constatar a relativa escassez de oferta no que ao álbum narrativo de autoria portuguesa diz respeito. Com uma ou outra excepção, as edições mais significativas para os leitores mais pequenos correspondem a traduções – algumas de obras já consideradas clássicas, como acontece com os textos de Leo Lionni e Eric Carle. No que diz respeito à autoria portuguesa, destaque-se a original edição de Os Piolhos do Miúdo e os Miúdos do Piolho, onde são propostas duas narrativas interligadas. No âmbito dos leitores iniciais, foram editadas obras de alguns nomes conceituados do panorama literário português, como é o caso de Matilde Rosa Araújo, Lídia Jorge, Luísa Ducla Soares ou António Mota. Destaque-se, também neste grupo, os álbuns de Davide Cali e Anna-Laura Cantone, nos quais a família tem um lugar de destaque, especialmente aquela marcada por alguma originalidade no que diz respeito à sua configuração mais tradicional. No que aos leitores médios diz respeito, a nossa selecção caracteriza-se pela elevada qualidade literária e plástica das propostas, assumidamente originais no que diz respeito aos temas e motivos, mas também às técnicas de ilustração utilizadas. Destacam-se os nomes incontornáveis de Luísa Dacosta, Álvaro Magalhães e João Pedro Mésseder, cujas propostas, complementadas por uma ilustração singularmente inovadora, promovem a relação do leitor com a sua língua, a sua cultura e o seu país. As traduções revelam, para além da qualidade dos textos, uma particular atenção à componente visual, sendo ilustradas por criadores de referência. Finalmente, para o grupo dos leitores autónomos, privilegiámos algumas reedições relevantes, nomeadamente dos textos de Manuel António Pina, José Jorge Letria e Teresa Balté, assim como a original adaptação de um clássico da literatura universal, a Odisseia de Homero. Procura-se, com a selecção de obras apresentada, promover o contacto dos leitores mais experientes com obras marcantes da literatura portuguesa, promovendo a reflexão e o espírito crítico. A questão da ilustração também não foi deixada ao acaso, uma vez que, nas obras seleccionadas, figuram nomes relevantes como Maria Keil, Alain Corbel e João Botelho.

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Os melhores de 2007

Ao seleccionarmos um conjunto de obras literárias destinadas à infância cuja qualidade – literária e plástica – as distingue, pretendemos, para além da sua divulgação junto dos mediadores e das próprias crianças, incentivar a edição de textos e de ilustrações de qualidade, colaborando na melhoria da oferta de literatura infantil em Portugal. Assim, para cada um dos grupos de leitores que integram a Casa da Leitura, foram seleccionadas oito publicações, tanto de autoria portuguesa como traduções.

Um olhar atento pela selecção relativa aos pré-leitores permite constatar a relativa escassez de oferta no que ao álbum narrativo de autoria portuguesa diz respeito. Com uma ou outra excepção, as edições mais significativas para os leitores mais pequenos correspondem a traduções – algumas de obras já consideradas clássicas, como acontece com os textos de Leo Lionni e Eric Carle. No que diz respeito à autoria portuguesa, destaque-se a original edição de Os Piolhos do Miúdo e os Miúdos do Piolho, onde são propostas duas narrativas interligadas.

No âmbito dos leitores iniciais, foram editadas obras de alguns nomes conceituados do panorama literário português, como é o caso de Matilde Rosa Araújo, Lídia Jorge, Luísa Ducla Soares ou António Mota. Destaque-se, também neste grupo, os álbuns de Davide Cali e Anna-Laura Cantone, nos quais a família tem um lugar de destaque, especialmente aquela marcada por alguma originalidade no que diz respeito à sua configuração mais tradicional.

No que aos leitores médios diz respeito, a nossa selecção caracteriza-se pela elevada qualidade literária e plástica das propostas, assumidamente originais no que diz respeito aos temas e motivos, mas também às técnicas de ilustração utilizadas. Destacam-se os nomes incontornáveis de Luísa Dacosta, Álvaro Magalhães e João Pedro Mésseder, cujas propostas, complementadas por uma ilustração singularmente inovadora, promovem a relação do leitor com a sua língua, a sua cultura e o seu país. As traduções revelam, para além da qualidade dos textos, uma particular atenção à componente visual, sendo ilustradas por criadores de referência.

Finalmente, para o grupo dos leitores autónomos, privilegiámos algumas reedições relevantes, nomeadamente dos textos de Manuel António Pina, José Jorge Letria e Teresa Balté, assim como a original adaptação de um clássico da literatura universal, a Odisseia de Homero. Procura-se, com a selecção de obras apresentada, promover o contacto dos leitores mais experientes com obras marcantes da literatura portuguesa, promovendo a reflexão e o espírito crítico. A questão da ilustração também não foi deixada ao acaso, uma vez que, nas obras seleccionadas, figuram nomes relevantes como Maria Keil, Alain Corbel e João Botelho.

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Pré-leitores Os Piolhos do Miúdo e os Miúdos do Piolho, Rita

Taborda Duarte, Luís Henriques (ilustrador)

A cabra tonta, Pep Bruno, Roger Olmos (ilustrador)

A lagartinha muito comilona, Eric Carle

Catarina, o Urso e Pedro, Christiane Pieper

Chocolata, Marisa Nuñez, Helga Bansch (ilustrador)

Nadadorzinho, de Leo Lionni

Para não quebrar o encanto – os direitos da criança, Vergílio Alberto Vieira, Rita Oliveira Dias (ilustrador)

Vermelho-cereja, François David, José Saraiva (ilustrador)

Os Piolhos do Miúdo e os Miúdos do Piolho, Rita Taborda Duarte, Luís Henriques (ilustrador), Caminho, Lisboa, 2007Área Temática: Humor, Jogo, NonsenseColecção: Livros dos Quatro Ventos

Original publicação, este livro da dupla Rita Taborda Duarte e Luís Henriques constitui um repto à capacidade de leitura (mas também de abstracção) da criança leitora pela forma original como está construída. Sem ter contra-capa, ou melhor, tendo duas capas, o livro permite dois sentidos de leitura que, lá pelo meio, se cruzam e se desafiam, desafiando também o leitor a entrar no jogo que estrutura o livro e a ligação entre as narrativas. Além disso, pela escolha da temática politicamente “incorrecta” e pelos inúmeros jogos linguísticos e outras piscadelas de olho lançadas ao leitor, é reforçada uma componente humorística que não consegue deixar ninguém indiferente, provocando mesmo algumas comichões suspeitas. As ilustrações de Luís Henriques, numa linguagem a que já nos habituou, asseguram a ligação e a unidade entre as partes, permitindo detectar o jogo de espelhos que estrutura o livro.

A cabra tonta, Pep Bruno, Roger Olmos (ilustrador), OQO, Pontevedra, 2007Área Temática: Tradição, Animais, Humor, JogoTradução: Dora Isabel Batalim

De estrutura e temática tradicionais, pelo recurso às repetições e paralelismos e à organização encadeada, o conto A cabra tonta apresenta-se igualmente com o formato de álbum característico da editora, do qual sobressaem as ilustrações de grande qualidade e sentido estético. Estas não só potenciam o significado simbólico do conto, dando conta da sua circularidade e da forma como o equilíbrio é finalmente encontrado, como apresentam inúmeros elementos dignos de

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registo. Destaquem-se, por exemplo, não só os pormenores divertidos que pontuam as imagens, apelando a uma leitura humorística do texto e propondo até uma certa subversão, como a expressividade das personagens e as opções na sua representação anatómica, os jogos de luz e sombra, as perspectivas e focalizações seleccionadas, as sugestões de mise en abîme, a representação da acção e do movimento, entre outros aspectos que exigem uma leitura e observação demoradas e atentas.

A lagartinha muito comilona, Eric Carle, Kalandraka, Lisboa, 2007Área Temática: Alimentação, Animais, Crescimento, Natureza, MetamorfoseTradução: Ana Aires, Isabelle Buratti

Possivelmente a obra mais conhecida e mais divulgada do criador Éric Carle, A lagartinha muito comilona, cuja primeira edição data já de 1969, é finalmente editada em Portugal pela mão da Kalandraka. Este álbum, cuja concepção revela um particular cuidado na articulação das componentes verbal e icónica, acompanha o processo de crescimento e de transformação do ovo em borboleta, de forma muito acessível e particularmente poética. Perante o olhar do pequeno leitor, desenrola-se, gradualmente e com expressividade (pelo recurso à variação cromática, ao recorte e ao próprio formato da edição), todo o processo de crescimento e de transformação da espécie em causa que, sob a aparência de um jogo, se torna palpável e concreto. Jogando com o mistério e com a surpresa final, o autor consegue criar uma obra capaz de captar a atenção dos leitores com eficácia e sem perder de vista as dimensões pedagógica, estética e lúdica dos livros para crianças.

Catarina, o Urso e Pedro, Christiane Pieper, Kalandraka, Lisboa, 2007Área Temática: Viagem, Aventuras, DiferençaTradução: Mariana Wallenstein, Isabelle Buratti

Segundo álbum ilustrado de Catarina e o Urso editado em Portugal, esta publicação da Kalandraka vê incluída mais uma personagem nas extraordinárias viagens daqueles dois heróis. Pedro, primo de Catarina, junta-se às restantes personagens para, mais uma vez, viver novas aventuras. A particularidade de Pedro, que se desloca numa cadeira de rodas e não é sequer referida no texto, encontrando-se apenas representada nas imagens, não limita ou condiciona a sua participação activa em jogos e brincadeiras. Trata-se, pois, de uma forma muito acessível e positiva, sem moralismos, de valorizar a diferença, promovendo um espírito de tolerância e de integração da deficiência. As ilustrações, elemento absolutamente central do livro, dão conta da universalidade das experiências vividas e recriam com expressividade diferentes paisagens e culturas.

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Chocolata, Marisa Nuñez, Helga Bansch (ilustrador), OQO, Pontevedra, 2007Área Temática: Animais, Aventuras, Viagem, HumorTradução: Dora Isabel Batalim

Narrativa protagonizada por um hipopótomo fêmea, Chocolata narra as aventuras de um animal num habitat humano, sublinhando as diferenças existentes através do humor que resulta do cómico de situação e também de personagem. A circularidade da narrativa, com o regresso da protagonista ao local de origem, permite perceber um certo elogio da vida em ambiente natural e livre das restrições que os homens conhecem na vida urbana que, de alguma forma, o texto põe a ridículo. O álbum narrativo, das mesmas autoras de Quiquiriqui estabelece, sobretudo do ponto de vista da ilustração, mas também do próprio texto, uma relação intertextual com aquele outro álbum, repetindo personagens que apenas aparecem na narrativa visual. São referidos e representados, além disso, outras publicações da editora OQO que os leitores facilmente identificarão, permitindo a sua iniciação num curioso jogo dialógico recorrente na literatura canónica.

Nadadorzinho, de Leo Lionni, Kalandraka, Lisboa, 2007Área Temática: Natureza, Amizade, Animais, AventurasTradução: Isabelle Buratti, Mariana Wallenstein

Verdadeiro clássico, este álbum narrativo da autoria de Leo Lionni tematiza a importância e o significado da amizade e da vida em sociedade como forma de protecção dos elementos mais frágeis. A solidariedade e a entreajuda permitem a manutenção da estabilidade de todo um grupo, valorizando a união entre os seus membros. Com recurso a uma técnica simples, mas de grande impacto visual e estético, o autor recria o universo subaquático em toda a sua riqueza e diversidade, apresentando-o como cenário para uma fábula que facilmente pode ser transportada para o mundo dos homens.

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Para não quebrar o encanto – os direitos da criança, Vergílio Alberto Vieira, Rita Oliveira Dias (ilustrador), Caminho, Lisboa, 2007 Área Temática: Sonho, Família, Afectos, Infância

O texto de Vergílio Alberto Vieira, em Para não quebrar o encanto, parece constituir uma espécie de “manifesto poético”, reivindicando o reconhecimento e actualidade dos Direitos das Crianças e apelando a uma cultura mais solidária com a infância e, consequentemente, mais humana. Assim, a publicação adquire, de alguma forma, um valor lírico e documental, na medida em que articula diferentes dimensões e leituras sobre a realidade infantil, dando conta das fragilidades da criança e da existência de desigualdades e de situações insustentáveis do ponto de vista dos direitos humanos. Por seu turno, as ilustrações de Rita Oliveira Dias, ao combinarem elementos realistas e figurativos com outros desrealizantes e fantásticos, universos marcados pela positividade e outros acentuadamente disfóricos, sublinham o cariz multifacetado da publicação e da própria visão da infância que nela se plasma.

Vermelho-cereja, François David, José Saraiva (ilustrador), 2007, Porto, AmbarTradução: Maria Amélia PedrosaÁreas Temáticas: natureza, ambiente

Álbum sobre a relação do homem com a natureza e o ambiente, Vermelho-cereja é uma espécie de poema em prosa que canta uma beleza e uma perfeição em risco devido à acção humana. Neste sentido, é evidente a dimensão pedagógica que cruza o texto de forma implícita, alertando para a necessidade de protecção do meio-ambiente como forma de preservar as belezas naturais que rodeiam o homem, dando sentido e poesia à sua vida. As ilustrações de José Saraiva recriam com particular expressividade o meio natural, sublinhando a cor que dá título ao livro fazendo-a sobressair numa paleta onde estão presentes vários tons de azul e verde. Recorrendo a diferentes formas e perspectivas de representação do real, o ilustrador parece apostado em cristalizar aquelas que envolvem uma interacção do homem com o meio, destacando a beleza deste último.

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Leitores iniciais Mais Lengalengas, Luísa Ducla Soares, Sofia Castro

(ilustrador)

O grande voo do pardal, Lídia Jorge, Inês de Oliveira (ilustrador)

A Boneca Palmira, Matilde Rosa Araújo, Gémeo Luís (ilustrador)

Os Negócios do Macaco, António Mota, Júlio Vanzeler (ilustrador)

Um Papá à Medida, Davide Cali, Anna-Laura Cantone (ilustrador)

Nasredin, Odile Weulersse, Rébecca Dautremer (ilustrador)

Quero uma mamã-robot, Davide Cali, Anna-Laura Cantone (ilustrador)

Mais ou Menos Meio Metro, Ana Saldanha, Gémeo Luís (ilustrador)

Mais Lengalengas, Luísa Ducla Soares, Sofia Castro (ilustrador), Livros Horizonte, Lisboa, 2007Área Temática: Tradição, Humor, Lengalengas

Este volume testemunha uma das mais importantes tendências da produção literária de Luísa Ducla Soares: a valorização do património literário tradicional. Desta vez, à semelhança do que encontramos em obras anteriores (por exemplo, em Lenga Lengas), a autora apresenta um conjunto considerável de lengalengas (cerca de quatro dezenas). Trata-se de textos, regra geral, rimados e com uma forma breve, que se baseiam em esquemas repetitivos (por exemplo, “Arre Burro”), no encadeamento (por exemplo, “Além vem o Zé Godinho”), em perguntas-respostas (por exemplo, “Quem passou neste carreiro?”) ou, ainda, por exemplo, na enumeração regressiva (por exemplo, “Tranglomanglo). Quase sempre sem sentido lógico, em muitos deles há também o recurso a processos cumulativos, ou seja, à introdução de um elemento novo que vem alongar uma determinada frase. Muitos destes textos são marcados pelo nonsense, decorrente, não raras vezes, de jogos antitéticos ou da associação de ideias desconexas. O humor que domina estas lengalengas, bem como as possibilidades de memorização captam com facilidade a atenção de qualquer leitor.

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O grande voo do pardal, Lídia Jorge, Inês de Oliveira (ilustrador), Dom Quixote, Lisboa, 2007Área Temática: Natureza, Afectos, Animais, Liberdade, Amizade

Narrativa sobre o valor da amizade e sobre a sua acção transformadora (e regeneradora) na vida humana, o mais recente texto de Lídia Jorge capta os leitores desde o primeiro momento, prendendo-os à história dos afectos entre um homem e um pequeno pardal. Este parece conseguir acordar sentimentos protectores e muda por completo a vida (mas também os comportamentos e os valores) do homem, fazendo-o descobrir alegrias desconhecidas e o valor da partilha e dos afectos, sobretudo quando vividos em liberdade.As ilustrações de Inês de Oliveira sublinham, com subtileza e expressividade, a tonalidade dominante na narrativa, cristalizando a união entre o homem e o pássaro e proporcionando ao leitor diferentes perspectivas dessa original ligação. Para além dos afectos, a representação do voo simboliza a liberdade que também é mote central.

A Boneca Palmira, Matilde Rosa Araújo, Gémeo Luís (ilustrador), Edições Eterogémeas, Porto, 2007 Área Temática: Maravilhoso, Sonho, Natureza

Uma boneca de porcelana, muito frágil, de nome Palmira, nunca pôde brincar com a sua dona, Raquel; por isso, foi ficando esquecida, encostada a uma almofada cor de mel, com quem conversava frequentemente. Um dia, aproveitando uma janela aberta, as duas amigas resolveram fugir com o espanador de penas, voando sobre a cidade e os campos. Ao anoitecer, desceram e poisaram nos ramos de um pinheiro bravo. Os três amigos dormiram ali, envolvidos pelo silêncio da Natureza e pela luz ténue da Lua; de madrugada, acordados pelos pássaros, continuariam a voar pelo mundo.

Os Negócios do Macaco, António Mota, Júlio Vanzeler (ilustrador), Gailivro, Gaia, 2007Área Temática: Humor, Tradição, Identidade/Alteridade

Esta obra guarda uma versão da história tradicional portuguesa conhecida como “O macaco do rabo cortado”. Com um título renovado e bastante original, esta narrativa é recontada animadamente e num registo bastante próximo do destinatário infantil. A dimensão humorística – consubstanciada através do cómico de carácter e de situação –, decorrente, em larga medida, do constante “vaivém” de ofertas e arrependimentos/desejo de recuperação protagonizado pelo hesitante macaco, a vivacidade dos diálogos, bem como a introdução de elementos do quotidiano facilmente reconhecíveis pelo leitor são estratégias fundamentais para a captação da atenção do receptor. A componente pictórica dá conta dos momentos principais da diegese, concedendo especial relevo à recriação das figuras participantes na acção, quase sempre com traços humorísticos.

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Um Papá à Medida, Davide Cali, Anna-Laura Cantone (ilustrador), Ambar, Porto, 2007Área Temática: Família, Afectos, Humor

Esta é a história de um menino que procura um “papá” que “combine” com a sua extraordinária “mamã”, uma mamã que, além de jogar matraquilhos e berlindes, de saber andar de patins, fazer contas de cabeça e fazer puzzles, é maior, mais forte, mais bonita, mais inteligente e mais desportista do que as outras mamãs. Narrado na primeira pessoa, coincidente com uma voz infantil, este conto em formato de álbum narrativo estrutura-se a partir de um conjunto de estruturas paralelísticas, um esquema no qual o adjectivo, primeiro no grau normal e, depois, no grau comparativo de superioridade, a servir ao narrador o seu propósito de enaltecimento das qualidades da sua “mamã”, é o recurso fundamental. Esta estratégia marca também a segunda parte do texto, momento em que a atenção do sujeito de enunciação se centra na idealização de um “papá” perfeito para a sua “mamã”. A interacção semântica do texto verbal e do texto icónico é, neste livro, muito expressiva, sustentando, inclusive, muito do seu sentido cómico.

Nasredin, Odile Weulersse, Rébecca Dautremer (ilustrador), Educação Nacional, Gaia, 2007Tradução: Lucília Carvalho

Versão árabe da narrativa tradicional portuguesa “O Velho, o Rapaz e o Burro”, Nasredin destaca-se, para além da revisitação do universo oriental, com os seus costumes, as suas paisagens e as particularidades da sua cultura, pela excepcional qualidade das suas ilustrações que, de forma muito clara e particularmente poética e afectiva, recriam o universo cultural que suporta a intriga, para além dos laços afectivos existentes entre os protagonistas. Com recurso a uma técnica muito apurada, a ilustradora recria com cor local e com marcas de exotismo um cenário cheio de referências espaciais, com especial atenção para o tratamento de elementos como a luz e a sombra, os reflexos e espelhamentos, sugestões de movimento, noções de perspectiva, entre outros. Para ler e reler, para observar e saborear, este livro é a prova de que as tradições não são exclusivas de países, culturas ou línguas e que unem civilizações.

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Quero uma mamã-robot, Davide Cali, Anna-Laura Cantone (ilustrador), Livros Horizonte, Lisboa, 2007 Área Temática: Afectos, Família, Humor, CasaTradução: Manuela Pessoa

De forma bem-humorada, a narrativa dá conta, em discurso de primeira pessoa, das queixas de uma criança em relação à falta de tempo e de atenção da mãe, ao mesmo tempo que ensaia a sua substituição por um robot. Mas o elemento mais cativante do livro, além da pertinência e actualidade da temática, é, sem dúvida, a ilustração. Particularmente cuidada e com recurso a uma técnica que combina desenho, pintura e colagem, a componente pictórica do livro recria o universo familiar e doméstico da criança, dando conta da sua visão particular e subjectiva do mundo que a rodeia e exigindo, num momento em concreto, a modificação da forma de leitura do livro. Assim, é a sua perspectiva que é valorizada, tanto do ponto de vista textual como imagético, promovendo a identificação, mas também a subversão irónica dessa realidade, pela presença de exageros e de várias hipérboles.

Mais ou Menos Meio Metro, Ana Saldanha, Gémeo Luís (ilustrador), 2007, Lisboa, CaminhoÁrea Temática: ciência, afectos, poesia, jogo

Com recurso ao texto poética e forma da adivinha, Ana Saldanha e Gémeo Luís constroem um curioso álbum sobre a concepção, o desenvolvimento intra-uterino e o nascimento de um bebé, propondo, através do texto e das ilustrações, um desafo aos leitores. O recurso à rima e a presença do refrão “qual é a coisa, qual é ela?”, assim como os vocativos constantes ao leitor, sublinham a dimensão oral de um texto no qual se vão somando pistas que ajudam à descoberta do segredo. As ilustrações de Gémeo Luís, na técnica de recorte que lhe é habitual, vão sugerindo, pelas imagens que surgem recortadas, vários elementos relativos ao nascimento e solicitam uma leitura atenta, capaz de olhar a imagem reproduzida e a nova forma que o ilustrador lhe dá.

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Leitores Medianos Um milhão de borboletas, Edward van de Vendel, Carll

Cneut (ilustrador)

Romance do 25 de Abril em prosa rimada e versificada, João Pedro Mésseder, Alex Gozblau (ilustrador)

O segredo, Álvaro Magalhães, Júlio Vanzeler (ilustrador)

O rapaz que sabia acordar a Primavera, Luísa Dacosta, Cristina Valadas (ilustrador)

A Árvore das Patacas e Sementes de Macarrão, Luísa Ducla Soares, Joana Alves (ilustrador)

Aventura com asas, Maria Rosa Colaço, Ana Lúcia Pinto (ilustrador)

O sorriso de Daniela, Cármen Gil, Rebeca Luciani (ilustrador)

Eu, Ming, Clotilde Bernos, Nathalie Novi (ilustrador)

Um milhão de borboletas, Edward van de Vendel, Carll Cneut (ilustrador), Kual, Lisboa, 2007Área Temática: Amor, AfectosTradução: Leonor Pinto Ribeiro

Belíssimo álbum narrativo com ilustrações de Carll Cneut, Um milhão de borboletas cruza, com particular sensibilidade e subtileza, temas como o nascimento do amor, o crescimento e a autonomia. Narrando uma viagem iniciática da personagem masculina em busca do sentido das borboletas que o acompanham, assistimos ao abandono progressivo da infância e das actividades a ela associadas, ao mesmo tempo que assistimos ao seu deslumbramento perante a descoberta do outro e das emoções que ele provoca. Claramente cúmplices do texto, as ilustrações acrescentam-lhe sentidos e redimensionam a sua componente poética e metafórica. As ilustrações de Cneut merecem, por si só, a leitura do livro, ainda que otexto seja também de elevada qualidade narrativa e estética.

Romance do 25 de Abril em prosa rimada e versificada, João Pedro Mésseder, Alex Gozblau (ilustrador), Caminho, Lisboa, 2007Área Temática: 25 de Abril, Liberdade, História

Revisitação poética da história do 25 de Abril de 1974, com particular relevo para os antecedentes da Revolução, recriando a vida em Portugal durante a vigência do Estado Novo, Romance do 25 de Abril, de João Pedro Mésseder, sublinha ainda as consequências trágicas desse longo período da História portuguesa contemporânea, como as perseguições políticas, a censura e a Guerra Colonial, entre outros aspectos.

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A opção pelo “romance”, enquanto género da literatura tradicional, permite a valorização da memória e do cariz épico da história narrada, destinada a perdurar pela transmissão de geração em geração. Com ilustrações de Alex Gozblau, o livro ganha uma especial identidade, vendo sublinhada a dimensão referencial da narrativa através da representação iconográfica fiel das figuras cimeiras do Estado Novo. As ilustrações sugerem de forma particularmente intensa a transição entre a Ditadura e a Liberdade, servindo-se da variação cromática com evidentes intenções semânticas e pragmáticas. Vejam-se, como elementos claramente significativos do ponto de vista visual, a articulação entre a capa e a contracapa, assim como a leitura das guardas iniciais e finais, retomando alguns dos motivos simbólicos mais significativos da época revisitada. história narrada, destinada a perdurar pela transmissão de geração em geração. Com ilustrações de Alex Gozblau, o livro ganha uma especial identidade, vendo sublinhada a dimensão referencial da narrativa alguns dos motivos simbólicos mais significativos da época revisitada.

O segredo, Álvaro Magalhães, Júlio Vanzeler (ilustrador), Edições Asa, Porto, 2007Área Temática: Tradição, SegredoColecção: Biblioteca Álvaro Magalhães

Original recriação do motivo do “segredo”, com aproximações intertextuais às narrativas do segredo do Rei Midas ou do Príncipe com orelhas de burro, a mais recente publicação de Álvaro Magalhães evidencia a maturidade de um escritor que, com singular fluência e num registo inovador que integra, sob a aparência da prosa, muitos dos efeitos sonoros, rítmicos e melódicos habituais no discurso poético, incluindo a rima. Assim, a tradição é apenas o ponto de partida para um texto que a reinventa e transfigura, valorizando, do ponto de vista narrativo, a primeira pessoa e a sua perspectiva sobre o que se passa à sua volta. Assiste-se, de algum modo, a uma subversão das hierarquias sociais e do poder através da acção individual de um herói quase anónimo. As ilustrações de Júlio Vanzeler, perfeitamente identificáveis, sublinham a singularidade da escrita do autor e do universo simbólico recriado, com particular ênfase para a expressividade da figura humana e das suas múltiplas facetas, estimulando uma leitura atenta da componente pictórica e dos muitos pormenores que a integram.

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O rapaz que sabia acordar a Primavera, Luísa Dacosta, Cristina Valadas (ilustrador), Edições Asa, Porto, 2007Área Temática: Infância, Natureza, Sonho, LiberdadeColecção: Obras Completas de Luísa Dacosta Para a Infância

Aberta através da epígrafe comum aos títulos que Luísa Dacosta tem destinado à infância, «no sonho, a liberdade…», esta é a última obra publicada (Fevereiro de 2007) pela autora de O Príncipe Que Guardava Ovelhas, primeiro título da sua já vasta produção literária para crianças. A natureza, as suas cores, os seus cheiros e os seus sons, e/ou o ambiente rural são, uma vez mais, o cenário deste conto protagonizado por um rapaz sonhador de seis anos. A ligação umbilical, afectiva e onírica, até, desta figura infantil ao universo natural, reflectida, por exemplo, na sua paixão por pássaros – aspecto que se reveste de um forte sentido simbólico – dominam esta narrativa, escrita numa prosa próxima da poética (com recurso expressivo, por exemplo, ao adjectivo, à metáfora e à imagem) e que possui como linhas ideotemáticas, entre outras, a liberdade, o sonho e a capacidade criativa ou imaginativa infantil.

A Árvore das Patacas e Sementes de Macarrão, Luísa Ducla Soares, Joana Alves (ilustrador), Civilização, Porto, 2007Área Temática: Humor, Crítica Social, Tradição Colecção: Obra Completa Luísa Ducla Soares

Luísa Ducla Soares oferece, nesta obra, dois divertidos contos tendo por mote sentenças populares como «É melhor esperar sentado», «Quem quer vai, que não quer manda» e «Quem não trabuca não manduca». O primeiro conto – «A Árvore das Patacas» – desenrola-se em torno de um motivo também recorrente nas narrativas da tradição oral – a herança – e, neste, conta-se a história de um rei que tem de decidir a qual dos seus três filhos gémeos vai deixar o seu trono. No segundo texto, os protagonistas são João Pimpão e João Espertalhão. O enredo, linear e condimentado com uma boa dose de humor, baseia-se na tentativa da primeira personagem explorar o trabalho da segunda. No final, porém, a preguiça é derrotada, vencendo o esforço e a dedicação. Em ambos os textos, o discurso coloquial, os diálogos vivos e animados, o registo familiar e próximo do destinatário infantil, bem como o cómico nos seus diversos tipos (carácter, linguagem e situação) cativam, desde logo, o leitor.

Aventura com asas, Maria Rosa Colaço, Ana Lúcia Pinto (ilustrador), Porto Editora, Porto, 2007 Área Temática: Aventuras, Sonho, Natureza, Liberdade, Maravilhoso

Aventura com Asas corresponde à reedição, com novas ilustrações assinadas por Ana Lúcia Pinto, da colectânea de dois contos de Maria Rosa Colaço publicada originalmente em 1989. As ilustrações de Ana Lúcia Pinto, com recurso à técnica que lhe é habitual, caracterizada pelo uso do lápis de cor e pela promoção da sugestão de movimento através de múltiplas linhas justapostas, preenchendo manchas consideráveis da

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página. Este estilo revela-se particularmente pertinente na ilustração do conto que dá título à publicação, sugerindo o voo em resultado da extraordinária força do vento. Representando personagens e objectos em posições instáveis, a ilustradora recria o caos originado pelo ciclone e a aventura vivida pela narradora.

O sorriso de Daniela, Cármen Gil, Rebeca Luciani (ilustrador), Kalandraka, Lisboa, 2007Área Temática: Animais, AfectosTradução: Mariana Wallenstein, Isabelle Buratti

Narrativa circular e de tipo paralelístico, O sorriso de Daniela tematiza a importância do sorriso e da alegria nas relações humanas, como forma de aproximar as pessoas e de as tornar mais felizes. Apelando a uma espécie de lado bom da vida, o livro estabelece a oposição entre a tristeza, o desânimo e a melancolia e a alegria, a solidariedade e a boa-disposição. Com um sorriso, mesmo as situações mais difíceis parecem, de repente, mais fáceis de ultrapassar. Com uma linguagem poética, que recria com várias modelizações sentimentos e emoções humanas, o texto, de forma implícita e sem moralismos, incentiva o optimismo. As ilustrações de Rebeca Luciani, com recurso ao recorte e à colagem de elementos gráficos de diversas origens, recriam a circularidade e expressividade do texto e da mensagem que dele se desprende.

Eu, Ming, Clotilde Bernos, Nathalie Novi (ilustrador), Ambar, Porto, 2007Área Temática: Tradição, Oriente, Família, Afectos, Imaginação, SonhoTradução: Maria Amélia Pedrosa

Álbum narrativo de singular beleza e poeticidade, Eu, Ming é uma narrativa em primeira pessoa onde o narrador, Ming, o avô, dá conta de todo o seu afecto pela neta e também da enorme realização pessoal que sente por ter o privilégio de a acompanhar e partilhar o seu crescimento. A realidade que vive e as rotinas de que são feitos os seus dias parecem ultrapassar o melhor dos sonhos de Ming, cuja felicidade resulta de pequenas cumplicidades. Com ilustrações de rara qualidade plástica e estética, capazes de, simultaneamente, recriarem com expressividade os referentes textuais mas também a dimensão simbólica e onírica do texto, este livro transporta-nos numa viagem ao Oriente e à afectividade. Atente-se, com particular atenção, no simbolismo das cores, na repetição de padrões e motivos, na sugestão de emoções e expressões, na recriação de ambientes exóticos e fantásticos, na promoção do diálogo intertextual com outras obras, entre muitos outros aspectos que exigem uma observação atenta e cuidada.

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Leitores Autónomos O homem que tinha uma árvore na cabeça, José Jorge

Letria, Pedro Nora (ilustrador)

A Árvore que dava olhos, João Paulo Cotrim, Maria Keil (ilustrador)

A incrível aventura de Ulisses, Bimba Landmann

O País Azul, Teresa Balté, Alain Corbel (ilustrador)

Os quatro comandantes da cama voadora, David Machado, Margarida Botelho (ilustrador)

O País das Pessoas de Pernas para o Ar, Manuel António Pina, João Botelho (ilustrador)

O grande livro dos retratos de animais, de Svetlan Junakovic

Rêve, Eugénio Roda, Gémeo Luís (ilustrador)

O homem que tinha uma árvore na cabeça, José Jorge Letria, Pedro Nora (ilustrador), Porto Editora, Porto, 2007Área Temática: Liberdade, História, Ciência, MaravilhosoColecção: Oficina dos Sonhos

Original, desconcertante e, em certa medida, inquietante, esta é a história do homem que vivia em Praga e que se chama Tenório, mas que toda a gente tratava pelo nome de Arbóreo. Neste conto de José Jorge Letria, detectamos o tratamento de temáticas maravilhosas e de outras de teor referencial, até mesmo factual, que se prendem essencialmente com a denúncia – ainda que disfarçada – da tensão, do ambiente constrangedor e da própria fragilidade das relações humanas, evidentes uma época histórica concreta (séculos XVI-XVII), um tempo e um espaço coincidentes com a vida dos cientistas João Kepler, Tycho Brahe e Isaac Newton. Essa convivência entre o maravilhoso e o factual encontra-se sugerida nos seguintes passos da nota final assinada pelo autor: «O Homem que Tinha uma Árvore na Cabeça não é um livro sobre ciência (…). Ao falar de Kepler, Brahe e Newton (…) Tentei apenas contar uma história inventada (Arbóreo nunca existiu) em que também há lugar para figuras reais, por sinal três cientistas.» Uma leitura deste livro obriga, também, a percorrer um universo profundamente simbólico, cujo ponto de partida terá de ser a exploração da implicação semântica da associação do homem a um elemento da realidade vegetal – a árvore. Por agora, retenha-se a ideia de que a árvore no mundo dos símbolos personifica «o cosmos vivo em perpétua regeneração, símbolo da vida em perpétua evolução, em ascensão para o céu.» A aproximação com o divino, a liberdade (sugerida pelos pássaros, por exemplo, e salientada também por oposição a «homens fardados e carrancudos» ou a um «grande livro de capa negra»), a amizade, a cumplicidade saudável, a pureza, a solidariedade e a tolerância são também valores ideológicos que o texto consubstancia.

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A Árvore que dava olhos, João Paulo Cotrim, Maria Keil (ilustrador), Calendário, Gaia, 2007Área Temática: Natureza, Linguagem, Afectos

Caracterizada por um profundo lirismo, que decorre não só do texto mas da sua combinação com as ilustrações, a publicação tematiza, em discurso de primeira pessoa, na voz de uma árvore, o universo interior, em particular os sonhos e as ambições. A árvore, limitada fisicamente ao quintal onde vive, exprime, de forma particularmente poética e sensível, a sua profunda riqueza interior, confidenciando ao leitor os seus desejos mais íntimos e a forma como, através da imaginação e do sonho, ultrapassa as barreiras físicas que a prendem ao espaço a que pertence. Apelando a um olhar mais atento sobre o visível, o texto dá conta de toda uma paisagem secreta e subterrânea que se esconde para lá das aparências. Uma leitura atenta pode ainda perceber que a metáfora do olhar (de olhos “bem abertos”), que o título sublinha, é a chave do sentido do texto, uma vez que a visão condiciona a apropriação do real e a relação do homem com o mundo. As ilustrações de Maria Keil articulam, de forma sábia e particularmente expressiva, a dimensão real (referencial) e a dimensão onírica que cruza a primeira e a invade através da adição de elementos visuais à figura central que é a árvore.

A incrível aventura de Ulisses, Bimba Landmann, Livros Horizonte, Lisboa, 2007Área Temática: Tradição, Maravilhoso, Viagem, AventurasTradução: Manuel Ruas

Recriação, num registo e numa linguagem diferente, da Odisseia de Homero, a versão publicada pela Livros Horizonte, caracteriza-se não só por se manter fiel à edição original no que diz respeito aos principais episódios e à estrutura narrativa, como pela exploração da dimensão simbólica do texto, muito explorada pelas ilustrações e pela forma como personagens, míticas e humanas, são representadas. Além disso, do ponto de vista visual, A incrível aventura de Ulisses está estruturada segundo uma linguagem próxima da banda desenhada, pela presença de inúmeras vinhetas de diferentes tamanhos que, sequencialmente, recriam os passos do herói Ulisses desde Tróia até ao regresso a casa. Com recurso a uma linguagem plástica original, que assenta no jogo e na alternância cromática assim como na exploração da sugestão semântica das formas e das linhas, o livro ganha uma espectacularidade que vai para além da qualidade do texto, narrativa de aventuras e viagens extraordinárias de um herói clássico e intemporal.

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O País Azul, Teresa Balté, Alain Corbel (ilustrador), Porto Editora, Porto, 2007 Área Temática: Maravilhoso, Amor, HumorColecção: Oficina dos Sonhos

Originalmente publicado com ilustrações de Manuela Bacelar, este livro de Teresa Balté surge, agora, ilustrado por Alain Corbel. Jogando com alguns dos elementos hipercodificados dos contos de fadas, a autora conta a história de um país imaginário governado por um rei, sempre preocupado com a sua filha que vivia insatisfeita com os próprios olhos. A sua obsessão por ter os olhos azuis resulta na alteração da ordem natural de tudo o que a rodeia, até que, por fim, percebe que o mundo só faz sentido se for colorido… como o amor que acaba por descobrir. Num atractivo registo, marcado pelo dinamismo, pela vivacidade, pelo sensorialismo e pela ironia, que, aliás, sustenta o cómico que ressalta deste texto, T. Balté oferece-nos, assim, uma parábola que nos dá a conhecer um reino original e que nos sugere um olhar sobre “outros” reinos.

Os quatro comandantes da cama voadora, David Machado, Margarida Botelho (ilustrador), Editorial Presença, Lisboa, 2007Área Temática: Sonho, Maravilhoso, Viagem, Livros e Leituras, Aventuras

Do autor de A Noite dos Animais Inventados, esta narrativa volta a permitir comprovar a capacidade narrativa de David Machado, tematizando a importância da dimensão onírica na construção do imaginário infantil. Protagonizada por quatro crianças, a narrativa acompanha os heróis nas suas longas viagens a bordo de uma cama voadora, assim como dos preparativos, incluindo as preciosas leituras, que os preparam para essas grandes viagens. Depois de esgotado o mapa do mundo conhecido e alguns dos seus lugares mais distantes e mais emblemáticos, os quatro aventureiros exploram o mundo da fantasia, descobrindo o que se esconde para lá do visível. Estas viagens fantásticas são ainda testemunhadas por um sábio, o único que parece dar-se conta da verdadeira dimensão que o sonho e a imaginação ocupam na vida das crianças, incentivando-as a continuar. Com ilustrações de Margarida Botelho, que cristalizam alguns dos elementos cruciais da viagem, este novo livro de David Machado retoma alguns dos temas da sua primeira publicação.

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O País das Pessoas de Pernas para o Ar, Manuel António Pina, João Botelho (ilustrador), Editora Pé de Página, Coimbra, 2007 Área Temática: Humor, Infância, Crítica Social

Obra inaugural do universo literário que Manuel António Pina tem, desde 1973 (precisamente com este título agora reeditado), destinado ao receptor infantil, O País das Pessoas de Pernas para o Ar é composta por quatro contos: «O país das pessoas de pernas para o ar», «A vida de um peixinho vermelho», «O menino Jesus não quer ser Deus» e «O bolo e o menino Jesus». Nestes textos, repletos de piscadelas de olho ao leitor que se vê, a todo o instante, a “regressar” a narrativas como Alice no País das Maravilhas e à poesia de António Nobre ou Alberto Caeiro, por exemplo, o cómico é a nota dominante. Este é um livro em que se contraria, com humor e subtileza, a ordem do mundo e se propõe um irresistível universo às avessas, para cuja construção contribuem, de forma determinante, as ilustrações de João Botelho.

O grande livro dos retratos de animais, de Svetlan Junakovic, OQO, Pontevedra, 2006Área Temática: Arte, Animais, Jogo, Humor, História da ArteTradução: Dora Isabel Batalim

Esta publicação da OQO resulta numa interessante viagem ao mundo da arte pelas relações intertextuais – próximas do sentido original de paródia – que cada imagem (e, em certa medida, cada texto) estabelece com um quadro célebre que não é identificado, mas cuja referência emerge, de forma implícita, à superfície. História alternativa da pintura ou sua revisitação paródica, o álbum em causa pode funcionar como excelente pretexto para a descoberta das verdadeiras obras de arte que estiveram na sua origem.

Rêve, Eugénio Roda, Gémeo Luís (ilustrador), Edições Eterogémeas, Porto, 2007Área Temática: Afectos, Sonho, Natal

Álbum onde, no estilo habitual dos autores, é tematizado o sonho e a sua capacidade criadora, fonte de histórias e de laços afectivos que unem afectivamente as pessoas, Rêve é também um desafio à linguagem e à sua capacidade de significar, transformando-se em jogo que a poesia – mesmo sob a forma da prosa – habilmente percorre e vence. O recurso a um pseudo-tradução em francês – que não segue fielmente o original mas o enriquece – acentua a magia e o mistério da publicação, uma espécie de mensagem amorosa secreta que os amantes partilham. As ilustrações de Gémeo Luís, ao sugerirem mais do que afirmam, sublinham o secretismo da publicação, mostrando e revelando partes das fotografias alvo de recorte e deixando no ar diversas hipóteses de leitura, convidam à releitura do livro, ao questionamento e à reflexão.