Os Memoráveis de Lídia Jorge
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Agrupamento de Escolas Nuno ÁlvaresAno letivo de 2013-14Relatório de Leitura
Nome: Carolina Carreira, nº 9 Data de entrega:9/06/2014
I. O autor
Lídia Jorge nasceu em Boliqueime, Algarve, em 1946. Licenciou-se em Filologia Românica
pela Universidade de Lisboa. Foi como professora que, em Angola e Moçambique,
assistiu ao último período da guerra colonial. O seu primeiro romance foi o "O Dia dos
Prodígios" em 1980, seguindo-se-lhe muitos outros. "A costa dos Mumúrios", "Vale de
Paixão", O Vento Assobiando nas Gruas", são uma amostra da vasta obra romanesca
desta autora.
Pelo conjunto da sua obra, foi vencedora do prestigiado prémio da Fundação Günter
Grass, na Alemanha, Albatros (2006) e do Grande prémio Sociedade Portuguesa de
Autores. Mais recentemente em 2013, a ilustre revista francesa Le Magazine Littéraire
inclui Lídia Jotge entre as "10 grandes vozes da literatura estrangueira."
“Os memoráveis” é o seu mais recente romance.
II. A obra
O romance "Os memoravéis" de Lídia Jorge foi publicado em Março de 2014 pela editora
D. Quixote.
Eu escolhi esta obra principalmente porque sempre tive uma grande curiosidade em
relação ao 25 de Abril. O que foi, como aconteceu, o que é. A outra razão que me levou a
escolher esta obra foi o facto de ser recente, e de abordar questões que apesar de
pretensamente longínquas estão bem perto de nós.
III. Categoria da narrativa selecionada e porquê:
Eu escolhi as personagens. E fiz esta escolha sobretudo porque, como o título do
romance indica, toda a narrativa é essencialmente uma mensagem sobre as pessoas que
fizeram o 25 de Abril, sobre como a nossa memória delas se desvanece. Sobre os poetas,
os fotógrafos, sobre as pessoas comuns, sobre os capitães. Sobre tudo e todos.
Fiquei fascinada pela maneira como a autora pega nas personagens e as dobra, torce, e
molda à sua maneira. Figuras inocentes e por isso trágicas na roda da história, que por
vezes mais recorda o mal do que o bem.
IV. Sinopse
Ana Machado uma repórter portuguesa em Washington, é convidada a fazer um
documentário sobre a Revolução dos Cravos. Revolução esta, que foi considerada pelo
embaixador americano à época em Lisboa como um raro momento de história. Já em
Portugal, entrevista os utópicos sonhadores de '74”, as testemunhas, e os
intervenientes. Um percurso que permite surpreender o efeito da passagem do tempo
não só sobre os heróis, como também sobre a sociedade portuguesa, na sua grandeza e
nas suas misérias.
Enredada nas teias da sua própria vida familiar e no reencontro com um pai, ela procura
encontrar o passado no presente.
V. Personagens
Apesar de haver mais personagens e mais entrevistados, eu procurei centrar-me nos que
retractam o âmago da obra.
Ana Machado - A narradora deste romance. É do escritório do pai dela que começa a
odisseia. É aí que ela encontra a fotografia. Uma fotografia, tirada em Agosto de '75”
com, várias figuras importantes da Revolução. Ela procura cada uma das pessoas desse
retrato. Ana foi influenciada desde cedo pelo intelecto do pai, e a alma livre da mãe, é
um misto dos dois. Sempre procurou sair da sombra do pai, um cronista de renome.
António Machado - "figura de papel", antigo cronista de referência, "profeta em relação
ao mundo" mas "cego em relação a si mesmo". Na sua decadência, no seu penoso
processo de desligamento e clausura, ele simboliza todos os derrotados, mesmo os
póstumos. E é dele que emana a melancolia que atravessa o livro de ponta a ponta.
Oficial de Bronze - Vasco Lourenço. Algumas personagens, não todas, têm
correspondência com pessoas reais. O Oficial de Bronze caracteriza o 25 de Abril como
um milagre. Tem memória de tudo. "É um milagre pela coincidência no tempo de tantos
factores inesperados." Ele fala dos cinco mil. Cinco mil soldados que saíram à rua. Foram
cinco mil que assaltaram o rádio clube. Foram cinco mil que dominaram o quartel-
general. Foram cinco mil que desenharam o plano e o comandaram. Foram cinco mil que
fizeram a revolução e nenhum foi mais importante que outro.
Tião Dolores - Eduardo Gageiro. O fotógrafo. Aquele que se diminui, assim como todos.
Aquele que esteve dentro do quartel do Carmo, e que fotografou o” czar” português. E
que mesmo assim pensa pouco de si.
Major Umbela - Uma das minhas personagens favoritas. Esta não corresponde a ninguém
em específico, fruto original da autora. Um dos que assaltou o rádio clube. Um dos que
caiu na desgraça. Caluniado pelos jornais, vexado em público, traído pelos Anfíbios.
El Campeador - Otelo Saraiva de Carvalho. Personagem marcante. A entrevista decorre
com este capitão em cima de um cavalo. Orgulhoso, forte. Relatando o que se lembrava
daquele dia de maneira extraordinária. Só para no dia seguinte estar derrotado, triste,
contrastando com a figura forte. Todos parecem acabar por ser traídos.
Charlie 8 - Salgueiro Maia. Aqui retratado através da visão da sua viúva. Mais uma
personagem que "morreu de desgosto". Desgosto pois ninguém o ouvia, Mais um
derrotado pelos anfíbios. Um eterno sonhador que foi presenteado com nada.
“O brigadeiro recebeu-o à bofetada e mandou abrir fogo sobre o tenente, mas o
coronel que deveria abrir fogo não o fez, sob o pretexto de que não podia abater
um tenente que tanto estimava. [..] Aí o meu marido pensou que estavam salvos
porque haviam cinco mil efectivos dispersos no terreno, mas unidos pela amizade.
O o meu marido era assim dizia que a amizade era a melhor ração que se podia
levar para o campo de batalha. “
Os outros - os anfíbios, os vira casacas da primeira república, aqueles que "tinham sido
concebidos e educados (...) para viverem em ambos os lados [políticos] e em todos os
regimes". São os antagonistas que estão sempre presentes, invisíveis e constantes.
VI. Excerto
Eu tenho muitas dúvidas em relação a que excerto escolher. Tantos há e com tantos
significados, que pensar num que represente a obra por inteiro é muito difícil. Eu vou
escolher o. que mais me marcou.
"Um de nos avançou e disse. Não queremos recompensa nenhuma. Não foi para
isso, senhor general, que arriscamos as nossas vidas. Não queremos nada para
nós. Este é um princípio sagrado. E tome cuidado connosco, general. Olhe que
este dia ainda não terminou, a revolução ainda está na rua, os tanques ainda não
regressaram aos quartéis, e os rapazes que têm as armas só vão precisar de
dormir lá para o mês que vem. [...] E pensando bem, esse foi o melhor momento
daquela longa noite e daquele longo dia. [...] passados trinta anos ainda existem
tanques no meio da rua à espera do que possa acontecer." Pág. 21
O livro tem um tom angustiante. Grandes homens que lutaram tão bravamente pela
democracia são depostos pelos anfíbios que nela vivem. Quando El Campeador diz estas
palavras elas ribombam através dos tempos e das páginas do livro. Hoje, nós ainda
podemos mudar tudo. Os idealistas podem fazer a diferença. Hoje ainda temos tanques
no meio da rua.
VII. A apreciação crítica do leitor.
Eu gostei muito de ler este livro. É um daqueles que ficarão comigo para sempre.
Contudo, tenho algumas críticas a fazer. Na minha opinião a autora por vezes idealiza
demasiado. Isto também dá um cariz mítico ao romance. As personagens de “Os
Memoráveis” recriam o que foi a euforia revolucionária e a desilusão que sempre se
segue a um período de euforia, no caminho sempre difícil, de avanços e recuos, para a
emancipação.
Outra crítica a fazer é o facto de as personagens estarem sob nome de código. Tenho de
admitir que foi muito divertido procurar e fazer a pesquisa sobre quem era quem, e
sobre quem não era ninguém.
Em terceiro lugar queria dizer que esta obra me fez pensar sobre o Portugal de hoje.
Será que nos esquecemos assim tanto dos nossos heróis? Ao longo do desenrolar da
narrativa, existe uma sensação incómoda, direi mesmo angustiante de sonhos perdidos
e de esperanças amassadas. Mas no fundo está sempre latente uma réstia de esperança,
é o eterno mito do Sebastianismo que faz parte dos vectores que individualizam o povo
Português e recolhem testemunhos diversos na nossa Literatura.
“Os memoráveis” é um livro de ideais, é uma ode aos que sonham, e se desiludem, aos
inocentes que se atrevem a voar demasiado perto do Sol.