Os Neufredianos
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA – CENTRO DE EDUCAÇÃODEPARTAMENTO DE FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃOPROFESSORA – ANDRÉA FORGIARINI CECHIN
OS NEUFREUDIANOS E O DESENVOLVIMENTO HUMANO
Muitos foram os seguidores de Freud e de suas idéias, alguns se mantiveram fiéis à
teoria por ele proposta, mais ortodoxa, outros discordavam deste ideário em alguns pontos básicos,
contestando algumas idéias do mestre. A literatura conta que, independente do grau de intimidade
que estas pessoas tinham com Freud, este rompia drasticamente as relações com quem ousava
contestálo. Um exemplo muito conhecido disto, foi o rompimento com Carl Jun, amigo pessoal ao
qual Freud considerava como herdeiro do movimento psicanalítico e futuro defensor de suas idéias.
Esses analistas que romperam com a psicanálise ortodoxa, passaram a ser conhecidos
como neofreudianos. Os maiores pontos de discordância entre partidários da corrente
neofreudiana e de Freud são os seguintes:
a) No ponto de vista freudiano, o ego está eternamente condicionado às exigências
do id. Na perspectiva neofreudiana o ego aparece com liberdade maior, podendo
realizar suas funções sem a dependência extrema do id.
b) A psicanálise ortodoxa enfatiza que as forças biológicas têm grande influência
sobre a personalidade, enquanto que os neofreudianos não atribuem tanto ênfase
aos aspectos biológicos mas, outrossim, destacam a influências dos aspectos
sociais e culturais.
c) Ao contrário de Freud, que superestima a questão da sexualidade infantil, os
neofreudianos acreditam que o desenvolvimento da personalidade é determinado
muito mais por forças psicossociais do que por forças psicossexuais e minimizam
a importância do complexo de Édipo. Para os neofreudianos, as interações sociais
desempenham um papel mais importante na infância do que as interações
sexuais, sejam elas reais ou imaginárias.
Segundo SCHULTZ & SCHULTZ (1996), a mudança no espírito intelectual do início
do século, pode ter influenciado a contestação das idéias freudianas por muitos de seus seguidores.
Estes autores afirmam que
À medida que os antropólogos publicavam seus estudos sobre diferentes culturas, ia ficando claro que alguns sintomas neuróticos e tabus presentes nas hipóteses freudianas não eram, ao contrário do que ele pensara, universais. Por exemplo, não existem tabus contra o incesto em todas as sociedades. Além disso, sociólogos e psicólogos sociais tinham descoverto que grande parte do comportamento humano parecia vir antes do condicionamento social do que de quaisquer tentativas de satisfazer necessidades biológicas. (p. 366)
Entre os diversos estudiosos integrantes da corrente neofreudiana (dissidentes ou
descendentes), podemos destacar os seguintes: Carl Jung, Anna Freud, Alfred Adler, Karen
Horney e Erik Erikson. Devido à impossibilidade de nos determos aqui numa explanação
minuciosa do ideário de cada um desses estudiosos, procuraremos abordar, suscintamente, os pontos
de divergência destes autores com a psicanálise freudiana.
2.1 CARL JUNG (1875 – 1961) Um dos pontos fundamentais de divergência entre Jung e Freud
vinculase com a questão da natureza da libido. Ao contrário de Freud que a define em termos
predominantemente sexuais, Jung a considera uma energia vital generalizada – da qual o sexo é
apenas uma parte – que o indivíduo emprega num momento particular. Schultz & Schultz (1996),
ilustram bem esta afirmação
Para Jung, entre os três e os cinco anos de vida, que ele denominava fase présexual, a energia libidinal serve às funções de nutrição e de crescimento e não tem nenhuma das nuanças sexuais da concepção freudiana desses primeiros anos. (p. 362)
Jung também rejeita a idéia do complexo de Édipo porposta por Freud, por
acreditar que o apego da criança à mãe tem a ver com uma necessidade de dependência com todas
as satisfações associadas à função materna de prover alimento.
Outra diferença marcante entre as teorias desses autores, é o fato de que, para Freud,
as pessoas são vítimas dos eventos sofridos na infância, enquanto que para Jung, o ser humano é
moldado tanto por suas metas, anseios e aspirações em relação ao futuro como pelos eventos
do passado.
Quanto aos estágios do desenvolvimento, Jung acreditava que a fase mais
importante não era a infância, como afirmava Freud, mas a meiaidade, época em que ele
próprio teve uma crise de identidade.
Podese dizer, ainda, que Jung enfatizava mais o inconsciente do que Freud.
Preocupavase mais em mergulhar na mente inconsciente, incluindolhe, inclusive, uma nova
dimensão, o inconsciente coletivo. Este último referese às experiências herdadas dos seres
humanos como espécie e dos seus ancestrais.
2.2 ANNA FREUD (1895 – 1982) Filha caçula de Freud, médica de formação e psicoterapeuta
por definição, tal como fora seu pai. Colaborou de forma substancial com a revisão da posição
teórica ortodoxa do pai, ampliando o papel do ego em seu funcionamento independente do id.
Em sua obra intitulada “O ego e os mecanismos de defesa” (1936), ela desenvolveu e
esclareceu as concepções freudianas sobre o uso dos mecanismos de defesa para proteger o ego
da ansiedade. Anna sublinha que tais mecanismos decorrem de um considerável grau de
ansiedade, podendo (se elaborados adequadamente) serem considerados normais, até certo ponto,
dependendo, sobretudo, da sua freqüência e intensidade.
Coube ainda a Anna Freud o mérito de estudar e interpretar os efeitos, geralmente
desfavoráveis, de um ambiente capaz de alterar o fluxo de normalidade do desenvolvimento,
tal como o ambiente de conflito bélico. Também as relações entre crianças e seus pais, incluídas aí
as influências externas, foram consideradas por ela como relevantes e até mesmo decisivas para o
êxito do desenvolvimento em pautas de normalidade.
Sua teoria das relações objetais também aparece como uma tentativa de modificar a
psicanálise ortodoxa, já que Anna Freud estuda a intensa relação emocional que se desenvolve entre
o bebê e a mãe, mais em termos cognitivos e afetivos do que em termos exclusivamente sexuais.
Uma outra diferença presente entre seus estudos e os do seu pai é que Anna
desenvolveu sua teoria através da observação direta de bebês e não pedindo que adultos
reconstruíssem suas primeiras experiências infantis, como Freud fazia.
2.3 ALFRED ADLER (1870 – 1937) Este autor desenvolveu uma teoria que difere da
psicanálise freudiana em muitos aspectos, especialmente no que se refere à ênfase à influência dos
fatores sexuais no desenvolvimento humano.
Adler desenvolveu seu sistema de psicologia individual ao longo de linhas sociais.
Sua teoria defende que a personalidade só pode ser compreendida se investigarmos os
relacionamentos sociais e as atitudes que a pessoa tem para com os outros. Segundo Schultz &
Schultz (1996), Adler “propôs que esse interesse social, que pode ser definido como um potencial
inato para cooperar com os outros a fim de alcançar alvos pessoais e societais, se desenvolve na
infância por meio de experiências de aprendizagem.” (p. 369)
Ao contrário de Freud, que atribui muitos comportamentos à desejos inconscientes,
Adler acentua a importância dos determinantes conscientes do comportamento. Para ele, os
seres humanos têm consciência de suas motivações.
Outra divergência é o fato de que, enquanto para Freud o comportamento humano é
determinado por experiências passadas, para Adler são as expectativas em relação ao futuro que
mais influenciam. “Esforçarse por atingir metas ou antecipar futuros eventos são elementos capazes
de afetar o nosso comportamento presente.” (Schultz & Schultz, 1996, p. 369)
Adler discorda de Freud de que o sexo é o impulso dominante do comportamento.
Segundo ele, o comportamento humano é determinado por um sentimento generalizado de
inferioridade que o impele a lutar por superioridade e perfeição. Acredita ainda que “a incapacidade
de compensar adequadamente os sentimentos de inferioridade pode ocasionar o desenvolvimento de
um complexo de inferioridade, que torna a pessoa incapaz de lidar com os problemas da vida.”
(Schultz & Schultz, 1996, p. 370)
O conceito de poder criativo pode ser considerado como a base para toda a teoria
adleriana:
Esse poder criativo representa um princípio ativo da existência humana comparável à noção de alma. Certas capacidades e experiências nos vêm por hereditariedade e pelo ambiente, mas é o modo como usamos e interpretamos essas experiências que nos fornece a base da nossa atitude diante da vida. Isso significa que estamos concientemente envolvidos no processo de dar forma à nossa personalidade e ao nosso destino. (Schultz & Schultz, 1996, p. 370)
2.4 KAREN HORNEY (1885 – 1952) – Uma das primeiras feministas, foi treinada na psicanálise
freudiana em Berlim e descreveu sua obra como uma modificação e extensão do sistema de Freud e
não como um esforço m superálo.
A teoria de Horney discorda de Freud quanto ao fato de a personalidade
depender de forças biológicas imutáveis. Ela nega a posição destacada dos fatores sexuais,
contesta a validade da teoria edipiana e descarta os conceitos de libido e da estrutura freudiana da
personalidade.
Se opõe veementemente à idéia de Freud de que a mulher é motivada pela inveja do
pênis e afirmou que os homens é que são motivados pela inveja do útero, afirmando que eles
invejam a capacidade feminina de gerar filhos. Karen Horney acredita que esta inveja do útero e o
conseqüente ressentimento se manifestam inconsciente no homem através de comportamentos
voltados a depreciar ou diminuir as mulheres.
Em lugar dos instintos freudianos como as principais forças motivadoras do
comportamento, Horney acredita que a força propulsora do comportamento humano é essa
necessidade de segurança, de proteção e de libertação do medo que o bebê impotente busca no
mundo exterior (ansiedade básica).
Karen Horney contesta a idéia de fases ou estágios propostos por Freud por acreditar
que nada no desenvolvimento pode ser visto como universal, e que, pelo contrário, tudo depende de
fatores culturais, sociais e ambientais.
2.5 ERIK ERIKSON (1902 – 1994) – Erik Erikson foi treinado em psicanálise por Anna Freud.
Ampliou a questão dos estágios do desenvolvimento, afirmou que a personalidade continua a
se desenvolver ao longo da vida e reconheceu o impacto de forças sociais, históricas e culturais
sobre a personalidade.
Erikson preocupouse, principalmente, com o modelo social do desenvolvimento do
ego ao longo da vida humana. Para ele, a identidade é um processo, em constante mudança e
desenvolvimento, que é determinado pelo histórico do indivíduo e intimamente relacionado às
mudanças sociais. Erikson não isola a individualidade do seu contexto familiar e sóciocultural, pois
concebe o indivíduo como integrante deste amplo contexto, sem anularse como pessoa.
Erikson estabelece que, a partir da fase neonatal, cada indivíduo colocase entre dois
extremos, numa crise psicossocial, e se sua questão de equilíbrio entre os extremos não for
resolvida satisfatoriamente, todo fluxo do desenvolvimento posterior poderá estar comprometido de
alguma forma. Concebe o desenvolvimento psicológico e social do indivíduo em oito etapas, do
nascimento à velhice, cada uma delas relacionadas a um evento importante da vida.
CRISES
PSICOSSOCIAIS MODALIDADE EVENTOConfiança X
desconfiança básica Oralsensorial
(0 aos 18 meses)
alimentação
Autonomia X vergonha e
dúvida
Locomotoragenital
(18 meses – 3 anos) Controle esfincteriano
Iniciativa X culpa
Locomotoragenital
(3 – 6 anos)
Locomoção
Produtividade X
inferioridade
Latência
(6 – 12 anos) Escola
Identidade X confusão
de papéis Adolescência Relacionamento entre os
pares
Intimidade X isolamento
Adulto jovem
Relacionamento de amor
Geratividade X
estagnação
Adulto médio ou
maturidade Progenitura e criação
Integridade do ego X
desespero Velhice
Reflexão e aceitação da
vida
Schultz & Schultz (1996) afirmam que, para Erikson
Cada um desses estágios de crescimento, embora carregado de tensão o bastante para ser considerado uma crise, pode Ter desfecho positivo se for resolvido de maneira adaptativa. Além disso, a pessoa que fracassar em algum deles e ficar com uma forma desajustada de reagir, pode corrigir isso por meio da adaptação bemsucedida num estágio ulterior. Há, pois, esperança para o futuro em todos os estágios do crescimento da personalidade. (p. 382)
Como se pode perceber, algumas concepções neofreudianas sobre o desenvolvimento
tem pouca semelhança com a psicanálise ortodoxa e só são consideradas psicanalíticas por se
mostrarem distantes da tradição psicológica comportamentalista e compartilharem com Freud um
enorme interesse pela compreensão da personalidade humana.
Podese afirmar que a teoria psicanalítica sofreu muito mais com as fragmentações
do que a teoria comportamentalista. Apesar das mudanças atribuídas pelos neocomportamentalistas,
“todos partilham a crença de John B. Watson segundo a qual o comportamento, em alguma forma,
deve permanecer como foco de estudol. Em contrapartida, nem todos os seguidores de Freud
concordam que o foco do seu estudo devam ser as forças inconscientes ou biológicas, ou que o
comportamento humano é motivado pelo sexo e pela agressão.” (Schltz & Schultz, 1996, p. 384)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
AJURIAGUERRA, J. de. Manual de psiquiatria infantil. 2. Ed. Ver. Amp. Ed. Masson e Atheneu. s. d.
BOCK, Ana Maria B., FURTADO, Odair, TEIXEIRA, Maria de Lourdes T. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. São Paulo: Saraiva, 1995.
KAPLAN, Harol, SADOCK, Benjamin. Compêndio de psiquiatria dinâmica. 3. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1984.
KREBS, Ruy Jornada (org.) Desenvolvimento humano: teorias e estudos. Santa Maria: Casa Editorial, 1995.
LUNDIN, R. W. Personalidade; uma análise do comportamento. São Paulo: EPU, 1977.SCHULTZ , Duane P., SCHULTZ, Sydney Ellen. História da psicologia moderna. 8. ed. Ver.
Ampl. São Paulo: Cultrix, 1996.