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1 OS PARTIDOS E A REPRESENTAÇÃO POLÍTICA: UMA RELAÇÃO POLISSÊMICA Ana Kelson Batinga de Mendonça 1 RESUMO: O desenvolvimento da representação partidária reveste-se de desenvolvimentos contrários: os partidos, enquanto organizações, surgiram em contraposição a própria representação e tornaram-se, surpreendentemente, uma das marcas do que tornou-se conhecido como “democracia contemporânea”, a despeito das críticas acerca do faccionalismo. Neste desenrolar, os partidos, enquanto facções, fortificaram ainda mais o processo eleitoral enquanto arena. Esta, de caráter polissêmico, apresenta uma dupla caracterização: ao mesmo tempo em que, seguindo a leitura Habermasiana, é um dos responsáveis pelo afastamento da política na esfera pública, permite concomitantemente que construam-se sistema de fidelidades dos militantes e simpatizantes à estrutura partidária, gerando significantes aos indivíduos e aos partidos políticos. Pretende-se aqui abordar esta polissemia de significados em sua relação com a representação política. PALAVRAS-CHAVE: partidos políticos; representação política; Habermas; democracia representativa O DESENVOLVIMENTO DA REPRESENTAÇÃO POLÍTICA NÃO- PARTIDARISTA NOS ESTADOS UNIDOS E INGLATERRA Os partidos políticos são, atualmente, considerados o símbolo da representação política, levando inúmeros autores a descrever a “crise dos partidos” 2 enquanto uma crise da representação. Porém, a conexão intrínseca dos partidos com a representação política desenvolveu-se somente a partir da segunda metade do século XIX, não estando presente nas origens da instituições representativas e de seu corpo institucional. Originalmente, a representação política, seja na Inglaterra, Estados Unidos ou França, estruturou-se de modo a evitar o poder das facções, em seus diferentes modos vistas como um mal a ser contido a partir da estrutura do Estado e da política. 1 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, [email protected], mestranda em Ciências Sociais. 2 Cf. Manin 2002.

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OS PARTIDOS E A REPRESENTAÇÃO POLÍTICA: UMA

RELAÇÃO POLISSÊMICA

Ana Kelson Batinga de Mendonça1

RESUMO: O desenvolvimento da representação partidária reveste-se de

desenvolvimentos contrários: os partidos, enquanto organizações, surgiram em

contraposição a própria representação e tornaram-se, surpreendentemente, uma das

marcas do que tornou-se conhecido como “democracia contemporânea”, a despeito das

críticas acerca do faccionalismo. Neste desenrolar, os partidos, enquanto facções,

fortificaram ainda mais o processo eleitoral enquanto arena. Esta, de caráter

polissêmico, apresenta uma dupla caracterização: ao mesmo tempo em que, seguindo a

leitura Habermasiana, é um dos responsáveis pelo afastamento da política na esfera

pública, permite concomitantemente que construam-se sistema de fidelidades dos

militantes e simpatizantes à estrutura partidária, gerando significantes aos indivíduos e

aos partidos políticos. Pretende-se aqui abordar esta polissemia de significados em sua

relação com a representação política.

PALAVRAS-CHAVE: partidos políticos; representação política; Habermas;

democracia representativa

O DESENVOLVIMENTO DA REPRESENTAÇÃO POLÍTICA NÃO-

PARTIDARISTA NOS ESTADOS UNIDOS E INGLATERRA

Os partidos políticos são, atualmente, considerados o símbolo da representação

política, levando inúmeros autores a descrever a “crise dos partidos”2 enquanto uma

crise da representação. Porém, a conexão intrínseca dos partidos com a representação

política desenvolveu-se somente a partir da segunda metade do século XIX, não estando

presente nas origens da instituições representativas e de seu corpo institucional.

Originalmente, a representação política, seja na Inglaterra, Estados Unidos ou França,

estruturou-se de modo a evitar o poder das facções, em seus diferentes modos vistas

como um mal a ser contido a partir da estrutura do Estado e da política.

1 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, [email protected], mestranda em Ciências

Sociais. 2 Cf. Manin 2002.

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A forma como se estruturou a representação partidarista, dos comitês eleitorais

aos partidos de massa dos séculos XIX e XX, se deu processualmente. Ao longo do

século XVIII, a representação era vista como contrária e superior à democracia,

considerando esta como uma forma governamental instável que permitiria o desenrolar

das facções, com possibilidades do domínio de uma maioria por uma minoria.

O uso do termo “facções” deve ser visto com cuidado, já que “desde luego,

quien disse “facción” no disse todavia “grupo parlamentário”; entre ambos hay toda la

diferencia que separa a lo inorgânico de lo organizado. Pero el segundo salió de la

primera, a través de uma evolución más o menos rápida (Duverger, 2012, 16)”. A

evolução das facções aos grupos parlamentares se deu em meio à mudanças na forma de

compreensão da política e de estruturação econômica da sociedade.

A criação do sistema representativo moderno, baseado principalmente a partir

das políticas inglesa e americana, desenrolou-se tendo em vista a neutralização das

forças, de forma a permitir a emergência de um bem-comum, sem que um “partido”

pudesse dominar os demais grupos e indivíduos. Se, atualmente, os partidos se tornaram

um dos elementos de sustentação dos regimes políticos democráticos (Panebianco,

2005), um dos símbolos da “democracia representativa”, seu peso e importância dentro

deste modelo organizacional é relativamente recente.

en 1850, ningúm país del mundo (com excepción de los Estados Unidos)

conocía partidos políticos em el sentido moderno de la palavra: había

tendências de opiniones, clubes populares, asociaciones de pensamentos,

grupos parlamentários, pero no partidos propriamente dichos. Em 1950, éstos

funcionan em la mayoria de las naciones civilizadas (Duverger, 2012, 15).

Esta mudança foi precedida, no século XVIII, pela discussão e construção do

corpo institucional representativo, em um processo de transmutação de significados

acerca da representação que não pode ser demonstrado a partir de uma imagem fixa,

simples, estabilizada. Foram diversos desenvolvimentos paralelos, em distintos países e,

mais além, em distintos autores.

Muito desta construção não se deu de maneira deliberada, a partir da ponderação

e da discussão entre indivíduos, mas sim a partir do desenrolar da própria história, que

muitas vezes não deixa espaço para o livre pensar acerca de seus sistemas institucionais.

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Este não foi o caso dos Estados Unidos, “the first people whom heaven has favoured

with an opportunity of deliberating upon, and choosing the forms of government under

which they should live” (Burgh apud Wood 1998, 127).

O histórico americano em suas relações com a coroa inglesa é uma história na

qual os colonos associavam-na à tirania, taxações e corrupção. O poder executivo inglês

e seus governadores, que respondiam ao Império, distribuíam postos de trabalhos,

indicavam cargos, formando assim uma estrutura que permitia o crescimento cada vez

maior da coroa inglesa. Por meio de um vasto sistema de “influência” utilizado para

controlar eleições, os ministros ingleses assim mantinham as colônias americanas – com

a corrupção como uma máquina poderosa no governo (Ibidem.) e uma constante fonte

de irritação dos americanos.

O poder executivo era associado à tirania e o objetivo dos colonos era buscar a

liberdade. Buscar a liberdade não significava somente a independência – apesar de esta

ser necessária – mas erigir a base que possibilitasse a fundação de uma sociedade livre e

estável. Assim, a ação do congresso tornou-se o ponto nevrálgico e a representação sua

concepção política mais importante.

O ponto de atrito entre a Inglaterra e os Estados Unidos advinha do conflito

entre representação virtual e representação real, estruturado principalmente a partir de

Burke. Para Burke, governar significa perseguir o bem da nação, a razão geral do todo

(Pitkin 2003, 169), ao invés das paixões e vontades dos indivíduos, com o povo inglês

constituído enquanto ordem unitária e homogênea, com interesses em comum, como um

único corpo e com um único interesse definido (Wood, 1998). Assim, mesmo um não-

eleitor estaria representado pelo parlamento e pela coroa inglesa, pois formam um só

corpo unitário, lógica por trás da representação virtual. Não é o voto que substancia o

vínculo entre legisladores e a população, e sim a existência de uma identidade e

interesses compartilhados. Assim como em muitos estados pobres da Inglaterra não

havia eleições, o que não significava – por conta da representação virtual - que não eram

representados, pois teriam os mesmos interesses, a mesma relação se dava com os

colonos americanos. Estes eram representados pela coroa inglesa, vistos como um só

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corpo, parte de uma unidade homogênea que compartilhavam – para os ingleses – uma

identidade em comum. Como diz Edmund Burke, em sua teoria sobre a representação:

Parliament was not a congress of ambassadors from diferent and hostile

interests, which interests each must maintain, as an agent and advocate,

against others agents and advocates; but Parliament is a deliberative assembly

of one nation, with one interest, that of the whole, where, not local purposes,

not local prejudices ought to guide, but the general good, resulting from the

general reason of the whole. (Burke apud Wood 1998, 175)

Não são os “propósitos locais”, portanto, como afirma Burke, que deveriam

guiar a ação parlamentar, mas o bem comum. Esta foi a base teórica que fundamentou o

Estado Inglês. O parlamento representa a nação e tem como sua principal substância a

promoção dos interesses, não os interesses egoístas dos sujeitos da teoria hobbesiana,

mas sim interesses que muitas vezes vão contra as paixões dos governados, interesses

fixos, claros e definidos, acima dos desejos múltiplos e voláteis dos indivíduos3. Não

são interesses de grupos, mas econômicos e gerais, como os interesses sobre a

agricultura, por exemplo. Assim, um dos pontos de coalizão seria a comunhão de

interesse - representando o interesse nacional - para existir uma representação virtual a

partir da deliberação e do debate racional.

The inteligent, well-informed, rational man, who has studied and deliberated

and discussed the matter, is the man most likely to know the true interest of

any group. Conversely, particular individuals or groups may be mistaken

about what is to their interest. Thus the representative´s duty toward his

constituents is ‘a devotion to their interest rather than to their opinions’

(Pitkin, 2003, 176)

Os parlamentares – “superior men of wisdom and ability” (Ibidem, 169) –

representariam interesses e não opiniões – volúveis e instáveis – de seus membros, não

havendo assim uma relação de mandatos imperativos, como na Idade Média, ou de

organização das massas com vistas a embates ideológicos. Este fator, tanto do papel de

organizar as camadas mais pobres como de inseri-los na política a partir das

organizações partidárias, refletem espectros ideológicos esquerda-direita que tem inicio

3 Apesar das discussões sobre o “interesse da nação”, o desenvolvimento do parlamentarismo Inglês, com

a instituição do “Rei-no-Parlamento” (Kantorowicz 1998), resultou no “desenvolvimento parlamentar das

“facções” (Habermas 2014, 195), gerando novos campos de tensão e cisões dentro do Parlamento.

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a partir da Revolução Francesa, desenvolvendo-se com toda sua força ao longo do

século XIX.

Neste desenrolar da teoria política inglesa, a existência da representação virtual

pressupõe uma partilha de interesses. Portanto, algumas partes da nação inglesa eram

representadas “realmente” – elegendo ao parlamento um ou mais membros - enquanto

outras o eram virtualmente, com a presença de membros que perseguem o interesse real

do seu constituinte. A representação virtual seria um relacionamento no qual “there is a

communion of interest and sympathy in feelings and desires between those who act in

the name of any description of people and people in whose name they act, though the

trustees are not actually chosen by them” (Ibid., p. 173).

Assim, mesmo regiões que não possuíssem sufrágio estariam representadas se

houvesse uma comunhão de interesses, não sendo necessário a expansão do sufrágio já

que, na ótica de Burke, tais regiões seriam contempladas pelos representantes enviados

por outros condados. Para Burke, a expansão do sufrágio masculino e a igualdade

eleitoral dos distritos faria dos membros do parlamento representante das pessoas, ao

invés dos interesses gerais, introduzindo assim a “representação pessoal’.

Faz-se necessário frisar aqui que, para Burke, a representação virtual deve ter

um substrato na representação real. O sufrágio garante a promoção das reflexões dos

sentimentos populares e a conjunção de dados para fundamentar o trabalho legislativo –

dados como os sentimentos, necessidades e sintomas do povo (Ibid.). A transmissão dos

sentimentos populares seria necessária para a representação, constituindo-se como um

material a ser trabalhado. “Virtual representation cannot have a long or sure existence if

it has not a substratum in the actual. The member must have some relation to the

constituent” (Ibid., 177).

Porém, quando as divergências são grandes, quando não há compartilhamento

de identidades e interesses, pode não haver nem representação real e tampouco

representação virtual, mesmo para Burke. Assim, nega o autor que os americanos

fossem virtualmente representados, já que não haveria interesses compartilhados entre a

Inglaterra e as treze colônias, tampouco representantes no parlamento que

compartilhasse destes interesses. Se há diferenças substanciais que não estão sendo

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encontradas e protegidas no parlamento, para Burke, no caso destas localidades a

expansão do sufrágio seria necessária (Ibid., 178).

A partir desta lógica, os Estados Unidos não se viam contemplados dentro da

representação virtual, negando a justificação da representação parlamentar e o uso dos

impostos sobre a colônia, pois não haveriam interesses mútuos ou identidades em

comum.

By conceiving of themselves as a whole people distinct from England,

because of the ‘desparity between the two countries, in respect of situations,

numbers, age, abilities and other circumstances’, the Americans could

renounce parliamentary authority over their internal affairs without

necessarily denying the particular concept of virtual representation (Wood

1998, 178)

A objeção, portanto, não residia na necessidade de eleições enquanto

fundamento legítimo da autoridade - no fato dos parlamentares ingleses não serem

eleitos pelos americanos – mas sim na disparidade de interesses entre ambos. Os

colonos, por suas diferenças com os ingleses, jamais poderiam se sentir representados, o

que não significa que a representação virtual em si fosse negada. Segundo Hamilton, um

dos federalistas na constituinte americana, era a intima conexão de interesses que

tornava a representação viável (Ibidem, 179), sendo tal concepção política o que

permitia que continuassem sendo negados à determinadas classes de cidadãos, como

negros e mulheres, o direito ao voto, sem significar como consequência que estes

deixavam de serem representados.

Este republicanismo americano com ênfase ao bem-comum e à legislatura

“desinteressada”, representando o “todo” e não as “partes”, esbarrava em outra tradição

americana que ia na direção contrária à representação virtual. A representação enquanto

representação das partes, e não do todo. Uma concepção distinta e ao mesmo tempo

complementar à “representação virtual”, evidenciando as polissemias que cercaram a

constituição da representação política americana.

Dando forma à representação virtual, há uma concepção política que foi se

compondo com distintas características ao longo da política moderna e extremamente

forte no século XVIII. A representação virtual existe dentro de uma concepção política

na qual os indivíduos não se constituem enquanto seres hostis entre si, mas como um

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todo integrado, partilhando um interesse – criar uma nação e viver em comunidade - e

um bem comum, e na qual este representa a transcendência em relação às diferenças dos

grupos sociais.

The eighteenth century had sought to understand politics, as it had all of life,

by capturing in an integrated, ordered, changeless ideal the totality and

complexity of the world – an ideal that the concept of the mixed constitution

and the proportioned social hierarchy on which it rested perfectly expressed.

(Ibid., p.606)

Para haver representação virtual, seria necessária uma sociedade integrada, já

que se compreende que os interesses de um e de outros são compartilhados,

significando que os homens não são contrários, hostis e únicos, mas que compartilham

uma existência, na qual a sintética conexão que é feita não são entre os indivíduos em si,

mas entre legisladores e legislados, de forma a prover o bem comum e o interesse da

sociedade.

A grande revolução na teoria política realizada pelos americanos foi transformar

a concepção do homem – e da sociedade – aplicando-a ao corpo institucional que estava

se formando. Os homens deixaram de ser compreendidos somente enquanto portadores

de um interesse geral e passaram a ser vistos também como egoístas, lutando por si

mesmo e organizando-se em grupos e facções. Estas facções, que para Madison são um

“mal”, seriam inevitáveis.

Entendo por facção uma reunião de cidadãos, quer formem a maioria ou a

minoria do todo, uma vez que sejam unidos e dirigidos pelo impulso de uma

paixão ou interesse contrário aos direitos dos outros cidadãos, ou ao interesse

constante e geral da sociedade. (Hamilton and Madison 1973, 101)

As facções - ou partidos - podem impor sua força a uma maioria ou minoria,

“sem atender as regras da justiça e aos direitos do partido mais fraco” (Ibid., p. 100).

Porém, apesar de constituírem-se negativamente para a União, não haveria, para os

federalistas, meios de prevenir seu surgimento, já que os homens são distintos em suas

naturezas, havendo divisões a partir de diferentes interesses. “A natureza humana

encerra germes escondidos de facções; e nós os vemos desenvolver-se com diferentes

graus de atividade, segundo as diferentes combinações das sociedades humanas” (Ibid.,

p. 101).

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É neste contexto que a concepção de representação “real” ganha força. Já que

não há um compartilhamento implícito e tampouco relações amenas entre os seres

sociais, necessita-se de algo que crie e substancie a representação politica. A sociedade

não é um todo integrado, os interesses e os indivíduos são conflitantes e é enquanto

seres conflitantes que acordos entre eles mesmos são realizados – a constituição de um

corpo político. Assim, a origem do poder dá-se nos indivíduos, e a união dos indivíduos

não se constitui antes da formação do corpo político, com este ecoando a igualdade, mas

sim, após e por meio da instituição representativa. “It is in their legislatures (...) that the

members of a commonwealth are united and combined together into one coherent,

living body. This is the soul that gives form, life and unity to the commonwealth (Wood

1998, 162). Neste caso, a sintética conexão é a dos indivíduos entre si, de forma a criar

um sistema político que se previna perante a existência de um homem que irá perseguir

seus próprios interesses e se juntar em grupo com possibilidades de tentar controlar e

repreender as demais facções e forças existentes. É importante então atentar para o

processo de mudança no conceito representativo no corpo da teoria política.

Americans had begun the Revolution assuming that the people were a

homogeneous entity in society, set against the rulers. But such an assumption

belied American experience, and it took only a few years of independence to

convince the best American minds that distinctions in the society were

‘various and unavoidable,’ so much so that they could not be embodied in the

government (Ibidem, p. 607)

O desenvolvimento da concepção acerca do homem conecta-se ao de

representação real. Este se tornou o principal conceito político da nova Constituição

que, pressupondo os homens sem laços naturais que os una, necessita das eleições para

validar a criação de uma nova forma de poder. Se a maquinaria eleitoral tornou-se tão

importante nos Estados Unidos, com eleições para as diversas esferas de poder,

legislativo, executivo e judiciário, foi por conta do desenvolvimento do conceito de

representação real e da necessidade de gerar consenso ao poder político. Tal

representação repercutiu na construção do aparato político, na repartição de poderes e

no modo com os eleitores relacionam-se com os seus legisladores. Apesar de, durante a

convenção, o direito ao voto não ter sido a questão central que envolvia a formação do

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novo governo, pouco a pouco ele se tornou a essência do que chamar-se-ia de

“democracia americana” (Ibid.).

A república representativa americana surgiu enquanto resposta aos homens

constituídos também como seres egoístas, imperfeitos, “acessíveis às sugestões da

ambição, da avareza, da animosidade pessoal, do espírito de partido e de outros motivos

igualmente pouco louváveis” (Hamilton e Madison, 1973, 94). Uma forma de tentar

evitar a transformação da representação política em uma arena na qual as paixões

triunfem, sob o jugo dos partidos políticos. Para tanto, foi sedimentada uma concepção

de república que emergiu como a força da revolução, a república representativa, grande

novidade introduzida pelos Estados Unidos e deliberadamente vista como diferente da

democracia.

A criação do corpo institucional que se deu durante a revolução, como apontado

anteriormente, tinha como objetivo a proteção das minorias e a prevenção ao poder

possível das facções. De tal forma, era necessário um sistema capaz de lidar com a

ambivalência da natureza humana concebida pelos federalistas, na qual coexiste a busca

de um interesse comum ao mesmo tempo em que se persegue os próprios interesses. De

tal forma, se contrapôs a república com a democracia, com a república constituindo-se

como o principal remédio “contra as facções e insurreições" (Ibid., 100).

Para Madison, a democracia pura carrega inúmeros limites. Para esta funcionar,

é necessário um território pequeno, no qual o povo – um pequeno número de pessoas -

possa se juntar e exercer pessoalmente o governo. Porém, em um governo pequeno, a

possibilidade de uma maioria exercer o poder sobre uma minoria, ou vice-versa,

aumenta, com grupos e facções sacrificando o bem-público às suas paixões e

oferecendo “o espetáculo da dissensão e da desordem” (Ibid., p. 103). Como tais

facções são inevitáveis em qualquer tempo ou lugar, o ideal tomou a forma de um

governo capaz de neutralizar a força de tais grupos.

O fim principal da legislação moderna deve ser o de submeter a regras certas

esta multidão de interesses opostos; e o espírito de partido e de facção deve

entrar sempre no cálculo das operações ordinárias e necessárias do governo.

(Ibid., p. 102)

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Fez-se necessário, portanto, uma forma de governo que permitisse um maior

território e maior número de cidadãos, com a criação de um corpo político no qual se

moderarão as forças políticas, permitindo que cresça a “variedade dos partidos e dos

interesses diferentes”, diminuindo “o perigo de que a maioria tenha um motivo comum

para violar os direitos dos outros cidadãos” (Ibid., 105). A lógica do pensamento

americano é sempre a de moderação das forças e dos poderes. Se um grupo político

torna-se perigoso, neutraliza-se na esfera legislativa, tendo de participar da contenção

do jogo político.

A república representativa, portanto, não se funda na democracia, sendo mesmo

vistas como contrárias, com a república como superior em distintos aspectos. É

necessário frisar isto, os defeitos que se viam envolvendo a democracia pura e a

negatividade com os “partidos”, que na realidade constituía-se enquanto facções

políticas.

A apreensão em relação ao perigo da facção dominante deu-se em uma época em

que os partidos ainda não estavam organizados em grupos ideológicos, com organização

de doutrinas e uma estrutura autocrática (Duverger, 2012). As preocupações dos

federalistas em relação ao poder político e à natureza egoísta dos homens deu-se em

meio à preocupação de criar um ambiente que, deixando todos em sua irrelevância,

pudesse permitir que o todo – o bem comum, o interesse geral da nação – emergisse,

evitando assim que as questões fossem decididas “pela força superior de uma maioria

interessada e opressiva” (Hamilton e Madison, 1973, 100).

A crítica à democracia, portanto, não era em relação a seu caráter igualitário – a

questão da isonomia e isegoria na política não estava em debate. O que os federalistas

buscavam era uma forma governamental possível e de qualidade em grandes territórios,

que permitiria a depuração das opiniões e, principalmente, que fosse durável e estável.

De tal forma, a imprudência da democracia seria refreada pelo corpo permanente da

república representativa – e esta evitaria a volubilidade das opiniões dos cidadãos e

haveria uma maior chance na escolha de homens com maior sabedoria que visariam ao

bem público, apesar das eleições não ser em si uma garantia à isso. A grande

preocupação dos americanos na construção de um novo corpo político, com o

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constitucionalismo já tomado como ponto nevrálgico, era a construção de uma forma de

governo garantida às futuras gerações (Arendt, 2011, 285).

The Americans had reversed in a revolutionary way the traditional

conception of politics: the stability of government no longer relied, as it had

for centuries, upon its embodiment of the basic social forces of the state.

Indeed, it now depended upon the prevention of the various social interests

from incorporating themselves too firmly in the government4 (Wood 1998,

606)

Assim, Madison examina as causas dos governos que têm “muito pouca

estabilidade; que o bem público é sempre esquecido nos conflitos dos partidos rivais”

(Hamilton e Madison, 1973, 100) e a concepção da natureza do homem e a

inevitabilidade da facção se coadunam portanto na república e no governo federativo, a

combinação considerada mais perfeita para a solução do problema dos tamanhos dos

estados, dos perigos das facções e das instruções dos eleitores em relação aos

representantes. Assim, quanto ao governo federativo, Madison afirma que “os interesses

gerais são confiados à legislatura nacional, os particulares e locais aos legisladores dos

Estados” (Ibid., 104), criando uma “república federativa, no qual podem compreender

um “maior número de cidadãos e um território mais vasto” (IBID., 105) que as

democracias e as repúblicas menores. De tal modo, a saída dada pelos americanos foi a

confederação de republicas, que “poderia resolver os problemas de países maiores,

desde que os corpos constituídos – pequenas repúblicas – fossem capazes de constituir

um novo corpo político, a República Confederada, em vez de se contentar com uma

mera aliança” (Arendt 2011, 203). Desta forma, com a “república confederada”,

buscou-se a criação de um novo centro de poder que, deixando de derivar lei e poder da

mesma fonte, permita a criação de um novo corpo político a partir dos corpos

subordinados

Os americanos destituíram sua concepção antiga de governo misto e criaram

novas explicações para suas políticas, explicações estas que descansam no princípio de

representação e que tem por base uma sociedade de indivíduos que substancia o poder.

Assim como a representação real foi se emponderando nos Estados Unidos, o voto foi

pouco a pouco se tornando a questão central na representação americana. Porém, não

4 Grifo nosso.

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era ele que transformava a política americana em representativa, ganhando com o tempo

peso e importância. Primeiramente o grande poder dado aos representantes do povo e

posteriormente a base de autoridade concedida a partir das eleições periódicas passaram

a ser vistos como os dois principais elementos democráticos, já que colocou o povo, em

sua multiplicidade e unicidade, como a base do poder – tornando assim a representação,

que inicialmente surge contra a democracia, em democrática.

O poder que deriva do povo – mesmo que o povo em si não seja o responsável

pela concepção das leis sob as quais ele irá viver – fez com que de 1776 a 1780

houvesse uma reviravolta nas denominações, com a confederação de repúblicas

tornando-se uma “república democrática” (Wood, 1998.). A concepção de república

democrática significa a compreensão da criação de uma forma de governo distinta tanto

da democracia pura quanto da aristocracia pura, tornando a política americana

“‘representation ingrafted upon democracy’” (Ibidem., 595). A concepção da forma de

governo que surgiu no desenrolar da revolução americana foi vista como uma melhora

da república e uma melhora em relação a democracia, iniciando a concepção de

“democracia representativa”, noção está que será legitimada por meio da Revolução

Francesa e que se tornará o grande paradigma da política moderna.

A Revolução Francesa

A Revolução Francesa pode ser compreendida como o principal evento do

século XVIII, ao menos em termos de influência mundial. É daí que emergem e

cristalizam-se noções como dos direitos humanos, da representação da nação e da

legitimação da democracia.

A formação dos grupos e facções durante a revolução se deu primeiramente por

proximidade geográfica, reunindo-se os deputados das províncias dos Estados Gerais

em Versalhes e preparando a defesa dos interesses locais. A percepção de que suas

opiniões vão além das questões regionais, mas de problemas concernentes à política

nacional, fez com que pouco a pouco começassem a surgir grupos com uma forma

ideológica, em um processo que irá reverter-se na virada do século XIX ao século XX –

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não mais sendo dos problemas locais para posteriormente reunir-se enquanto facção de

doutrinas mas o seu contrário (Duverger, 2012, 17).

Apesar deste processo de representação que, pouco a pouco, tomou forma na

Revolução Francesa, o que se buscava era uma unificação da vontade nacional (Sartori,

1962). E, em uma sociedade no qual o pensamento filosófico repercutiu e tomou

proporções muito maiores do que a prática política, cerceada pela centralização do

Estado realizado pelo Antigo Regime (Tocqueville, 2009), Rousseau se tornou um dos

principais filósofos a influenciar o desenrolar desta Revolução, conjuntamente com sua

concepção de representação política. Com uma visão acerca da liberdade próxima de

Aristóteles, na qual a liberdade só pode se realizar entre iguais, o autor defende que

deve-se uma “soma de forças capaz de prevalecer sobre a resistência, de mobilizá-las

com uma só motivação e de fazê-las operar conjuntamente" (Rousseau, 2011, 65).

Rousseau, que era “contra a indiferença do salon e contra a ‘insensibilidade da razão”

(Arendt, 2011, 126), queria a formação de uma situação de liberdade, de resistência a

essa sociedade “hipócrita”, devendo gerar uma situação na qual cada individuo, sempre

em conflito consigo mesmo – contratante em primeiro lugar de si mesmo – possa

construir a força comum.

Esta força comum não pode ser gerada em regimes políticos como a

representação eleitoral, a monarquia ou a aristocracia, pois o que vigorará será sempre a

vontade particular – mesmo que essa vontade particular seja a vontade de muitos.

Rousseau busca a formação de uma “vontade geral” que estruture a soberania, e da qual

o poder venha a surgir desta vontade. “Cada um de nós dispõe em comum da sua pessoa

e de todo o seu poder sob a suprema direção da vontade geral, e recebe, enquanto corpo,

cada membro como parte indivisível do todo” (Rousseau 2011, 66). Tal vontade é o

corpo moral e coletivo que deve reger a sociedade. Segundo Rousseau,

há uma grande diferença entre a vontade de todos e a vontade geral. Esta só

diz respeito ao interesse comum, a outra diz respeito ao interesse privado, não

sendo mais que uma soma de vontades particulares. Mas tirem dessas

mesmas vontades o mais e o menos que se anulam, e o conjunto das

diferenças será a vontade geral (Ibidem., 81)

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A criação de uma “soberania coletiva”, que segundo Constant “forneceu,

todavia, desastrosos pretextos a mais de um tipo de tirania” (Constant 1985, 04),

contraria a representação que, para Rousseau, sempre diz respeito ao interesse privado.

Buscava-se a criação de uma vontade política enquanto vontade indivisível, una, na qual

na “multidão reunida num só corpo” (Rousseau 2011, 68) dirige as forças do Estado.

somente a vontade geral pode dirigir as forças do Estado de acordo com a

finalidade da sua instituição, que é o bem comum; porque se a oposição entre

os interesses particulares tornou necessário o estabelecimento das sociedades,

foi a concordância desses mesmos interesses que o tornou possível. O que

forma o vínculo social é o que há de comum (...) Ora, é unicamente com base

nesse interesse comum que a sociedade deve ser governada (Ibidem., 77)

A “vontade geral” encaixou-se perfeitamente naquele momento histórico,

influenciando aqueles que lideraram a Revolução Francesa e gerando uma soberania

abstrata na qual os indivíduos deveriam renunciar a si em nome da nação.

Desta forma, ocorreram conflitos e transmutações, entre a “representação

política” parlamentarista e uma soberania que não é representada; entre a soberania

popular e a soberania da nação; entre o consentimento da maioria e a vontade geral,

indivisível.

Quanto mais reinar a concordância nas assembleias, isto é, quanto mais as

opiniões se aproximarem da unanimidade, mais também a vontade geral será

dominante; enquanto os longos debates, os dissensos, o tumulto, anunciam a

ascendência dos interesses particulares e o declínio do Estado (Rousseau

2011, 163)

Tal “concordância”, a busca por uma unanimidade, entra em contraposição a

uma das características da representação política, que é a presença da dissensão e do

debate – e isto representa o declínio do Estado, para Rousseau. O exercício do poder

político consiste “essencialmente na vontade geral, e a vontade não se representa: ou é a

vontade geral, ou é outra vontade” (Ibidem., 151)

Este período ao longo de todo o século XVIII na França pode ser visto como um

momento de efervescência filosófica e cultural. Se no âmbito político o Rei Luis XVI

construía um Estado centralizado e hierárquico (Tocqueville, 2009), no âmbito social

ocorria um desenvolvimento distinto, com o desenvolvimento da burguesia, que

almejava maior liberdade e livres discussões entre indivíduos, que passaram a discutir a

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cultura, o comércio e a política (Habermas, 2014). Este contexto influenciou o

posicionamento dos indivíduos contra o poder político, visando colocar o “povo” como

o centro do poder.

O mundo da argumentação e da comunicação burguesa refundou a ordem

política na França Revolucionária, com a “Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão” (Habermas, 2014, 247). A criação de uma esfera pública racionalista e

comunicativa organizou a ordem política, com formas de controle do governo por meio

da mediação realizada pela “opinião pública” entre o Estado e as necessidades da

sociedade.

Neste contexto, é interessante lembrar o papel que a comunicação exerce para

Habermas e a repercussão de uma forma de pensar a vida social - tal como a teoria

rousseauniana - no qual o debate e a discussão são pontos negativos dentro da

constituição do corpo político. Para Habermas, o campo da linguagem e da

comunicação estão intrinsicamente relacionadas à suspensão temporária das normas e a

possível estruturação de novos princípios operantes das sociedades. Mudanças na esfera

da comunicação, no espaço social, significam afetar as relações de poder que ocorrem

no “sistema”, “as estruturas societárias que asseguram a reprodução material e

institucional da sociedade: a economia e o Estado” (Freitag, 1993: 26). Assim, se o

século XVIII viu a formação de uma esfera pública burguesa comunicativa, tanto nos

Estados Unidos, Inglaterra e França, caracterizado pelo componente dialogal e formado

como o “oponente abstrato do poder público” (Habermas, 2014), a Revolução Francesa

gestou, por um lado, o pensamento totalizante do corpo politico construido pela

"vontade geral" e, por outro, o inicio das dicotomizações que tomarão corpo ao longo do

século XIX, interferindo na ação comunicativa e nas novas formas de estruturação da

representação política. Disto irá decorrer o surgimento dos partidos políticos de massa.

A França vivenciou desde 1789 uma grande instabilidade governamental,

estendendo-se ao século XIX inteiro. Se, segundo Marx, a Revolução Francesa vestiu-se

com as “vestes” de Roma Antiga, Arendt afirma que as revoluções do século XIX foram

vestidas a partir da Revolução Francesa (Arendt, 2011). O fato é que, a partir de 1789,

começou-se a desenhar uma série de compreensões políticas presentes até hoje no

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pensamento político contemporâneo – conceitos como esquerda e direita, progressista e

conservador, entre outros, que têm sua origem no período revolucionário, ganharam

roupagem nova no século XIX, com o aprofundamento do capitalismo e o surgimento

dos partidos liberais, socialistas e classistas (Duverger, 2012).

O desenvolvimento do pensamento político a partir da segunda metade do século

XIX desenvolve-se a partir desta tripla relação: da democracia com a representação,

acrescida da expansão da esfera pública dentro de novos modelos de compreensão da

realidade social, que reestruturaram as formas de compreensão da política e da

sociedade.

Enquanto, segundo Manin (2002), no “parlamentarismo liberal” as escolhas dos

representantes eram feitas com base em relações de confiança pessoal, a eleição dos

representantes geralmente se dando diretamente com base em sua notoriedade, a

representação partidária irá modificar a maneira de mobilização e organização dos

eleitores.

A representação liberal funcionava pelo componente plutocrático e por aqueles

que se destacam nas teias de relações sociais, em geral ocorrendo uma relação de

proximidade entre eleitores e eleitos, na qual mantém-se entre eles uma relação direta.

Deste modo, existia uma esfera pública burguesa nos séculos XVIII e inicio do XIX que

se caracterizava, na França, pela livre discussão de ideias, sem campos já

ideologicamente posicionados, nos cafés, salões, cafés e Tischgesellschaften5. Para

Habermas (2014), o processo dialogal, para ter um componente construtivo, necessita da

presença da liberdade do uso público da razão, o que significa a existência de espaços

livres de comunicação entre indivíduos, sem a organização em grupos que defendem

interesses já previamente estabelecidos. Para o autor, as discussões na democracia

5 “Mas alguns elementos semelhantes também se encontram aqui, em primeiro lugar, nas cultas

Tischgesellschaften, as antigas sociedades de conversação do século XVII. Naturalmente, são menos

atuantes e difundidas do que os cafés e os salões. (...) Todavia, como nos cafés, seu público é recrutado

entre pessoas privadas que exercem trabalho produtivo, isto é, em razão da honradez urbana da residência

principesca, com uma forte preponderância dos burguesas academicamente cultos. As ‘sociedades

alemãs’, seguindo aquela fundada por Gottsched em Leipzig em 1727, são uma continuidade das ordens

literárias do século anterior. (...) Como diz um dos documentos de fundação, elas partiam do fato ‘de que,

entre pessoas de estamentos tão desiguais, poderia haver uma igualdade e uma sociedade’”. (Habermas

2014, 148)

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liberal ainda serviam como um espaço de liberdade para se testar a razoabilidade e a

“verdade” das leis. A constituição da esfera pública permitia a escolha dos

representantes a partir da interferência no debate público, paralelo à publicização e

contestação do poder político.

Tal modelo de representação moderna vigorou ao longo do final do século XVIII

à metade do XIX, quando surgem os partidos de massa, decorrentes da industrialização,

dos conflitos de classe, da expansão do sufrágio eleitoral e do aumento populacional em

geral. Este contexto social gerou novas condições sociais e alterou a maneira como o ser

humano se relaciona com a política.

As significações dos partidos políticos na democracia representativa

As transformações societárias, como a criação de oligopólios – grandes

conglomerados econômicos e jornalísticos – e de campos de tensão em torno de

interesses organizados, como a burguesia e proletariado, além da penetração da cultura

de massa nos grupos sociais, fez com que tanto a estrutura político-partidária quanto a

relação das pessoas com estas se transformassem. De um lado, temos as movimentações

sociais, vestidas com a roupagem da Revolução Francesa, influenciadas por ideários

seja de esquerda ou direita e, de outro, a expansão do sufrágio eleitoral.

la creación electoral y parlamentaria de los partidos corresponde a uma fase

determinada de la evolución democrática: la del estabelecimento progressivo

del sufrágio universal (em la prática y no solo em los textos jurídicos,

precedendo estos generalmente a aquéllos). Se trata, entonces, de organizar

progressivamente a uma massa de electores nuevos, passando de um

escrutínio personal a um escrutínio coletivo (Duverger, 2012, 28).

Concomitante a isto, Habermas trata de uma relação de continuidade entre os

direitos fundamentais estabelecidos nas constituições liberais – como a Declaração dos

Direitos do Homem e do Cidadão - e a transposição desta mera demarcação de direitos

para um Estado que passa a ordenar a vida social, dando garantias materiais e ganhando

um novo status, de um Estado com uma obrigação de ação em relação à esfera do social.

Foi o que ocorreu o longo do século XIX, a transformação do Estado de direito liberal

para o Estado de Bem-Estar social (Habermas, 2014).

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Com esta transformação, aumenta o poder da administração do Estado sobre a

vida privada das pessoas, o que Habermas chamou de “estatização da sociedade”. Este

Estado de Direito transformou o cidadão em “cliente”, a espera dos serviços do Estado,

renunciando à participação ativa. Ao mesmo tempo, ao desenvolvimento de grupos

empresariais em oligarquias, organizações de interesses privados interferem no poder

público, como uma competição entre interesses concorrentes, gerando uma

“socialização do Estado”. Ou seja, Estado e Sociedade se interpenetram e,

conjuntamente a esse entrelaçamento, o resultado da perda do tradicional agente de

mediação entre Estado e a Sociedade, que era a “opinião pública”. Com estes

desenvolvimentos, tanto da estatização da sociedade e principalmente da socialização

do Estado, deixa de haver a discussão critica mediante razões para transformar-se em

práticas de negociação com base em interesses de grupos.

Quando a economia de mercado e o Estado racional legal (Weber, 1972), em um

movimento concomitante, englobam o mundo vivido modificando a ‘opinião pública’, o

que passa a prevalecer, da passagem do capitalismo liberal ao capitalismo tardio, é a

razão instrumental, a razão na qual as decisões são tomadas a partir de sua utilidade, de

cálculos que visam exclusivamente perseguir uma meta previamente estabelecida.

Assim, a política torna-se disputa pelo poder a partir de grupos privados concorrentes,

com a negociação de interesse, impossibilitando a discussão entre indivíduos mediante a

razão. É como se todo o movimento, de Burke aos federalistas, chegando à Rousseau,

houvesse se estruturado e desembocado em sua direção contrária, com a vitória das

“facções” ou da “vontade particular” na estrutura política. Assim, a representação

parlamentar e partidária constitui-se progressivamente enquanto arena, na qual os

partidos políticos tornam-se seu novo símbolo.

Nestes deslocamentos, o poder estatal na democracia de massa foi substituído

pelo poder social, um poder interseccionado entre o público e o privado no qual

indivíduos perdem forças e grupos econômicos se interssecionam às funções políticas,

como as oligarquias e os conglomerados jornalísticos (Habermas, 2014). O debate

institucional se transforma em busca da defesa de interesses, com uma nova relação com

o grande público, que neste processo, por um lado, deixa de debater a política e a

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cultura para seu consumo e, por outro, posiciona-se no debate não a partir do uso

público da razão, mas a partir de pontos já previamente estabelecidos, constituído dentro

de um jogo de forças. A mediação do público com a política passa a ser feita não pela

“opinião pública”, mas por instituições em cooperação com o aparato estatal. No Estado

de Bem-Estar Social, a dinâmica da esfera pública

se rende às sofisticadas técnicas dos novos meios de comunicação, usadas

para atribuir uma aura de prestígio às autoridades públicas, tal como outrora

as figuras reais usavam de uma esfera pública representativa nas cortes

feudais. A esfera pública acaba transformando a política em um espetáculo

dirigido, em que líderes e partidos pretendem, de tempos em tempos, obter

uma aclamação plebiscitária de uma população despolitizada. (Werle, 2014,

31)

A esfera pública moderna volta a assumir assim funções da esfera pública

representativa da Idade Média, no qual o público exercia a função de espectador, não de

um participante que faz uso da razão para discutir a política. São técnicas de espetáculo,

de criar uma áurea em torno da política enquanto ela se limita aos grupos organizados,

sem a livre comunicação que racionaliza o poder. Assim, “as organizações buscam

formar compromissos políticos com o Estado e entre si, excluindo ao máximo possível a

esfera pública” (Habermas, 2014, 479).

Para Habermas, o surgimento da democracia de massa é acompanhado pelo

processo de expansão e decadência da esfera pública. Esta se torna cada vez maior e, ao

mesmo tempo, apolítica.

A ausência de uma esfera pública política leva-nos a pensar no alcance e na

legitimação que a instituição representativa tem. Se a política deixa de ser pública, com

a publicidade agindo não contra o poder político, mas dentro da lógica do poder

político, a democracia de massa se torna uma representação estética, sem a livre

circulação de ideias que serão representadas no Parlamento. Na passagem do século

XIX ao XX, a estrutura social que permitia a sociabilidade apontada por Habermas6 se

esvai. Isto ocorre, pois a política tornou-se a organização em grupos de interesse e o

6 “A preponderância da cidade é consolidada por aquelas novas instituições que, com toda a sua

diversidade, assumem funções sociais iguais na Inglaterra e na França: os cafés em florescência entre

1680 e 1730, os salões no período entre a Regência e a revolução” (Habermas 2014, 143)

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cidadão tornou-se cliente e consumidor. Consumir a cultura e a política não implica em

sua discussão crítica, já que o cidadão age dentro da lógica do entretenimento, sem o

componente público de discussão. O século XX é marcado pela “abstinência da

discussão literária e política mediante razões” (Ibidem, 363). O sistema de representação

que vigorou ao longo do final do século XVIII à metade do XIX é substituído pela

representação de grupos de interesse, sem a composição de ideias por não haver espaço

público. O que caracterizaria o parlamento, a principal instituição representativa da

nossa democracia, não seria mais, portanto o debate racional de ideias, e sim uma queda

de força entre os grupos de pressão oponentes.

Para Habermas, os partidos no Estado de Bem-Estar Social “são instrumentos de

formação da vontade, mas não estão na mão do público, e sim daqueles que determinam

o aparato partidário” (Habermas, 2014, 434). Sua configuração é uma “conjunção dos

interesses organizados e sua tradução oficial na maquinaria política do partido que lhes

atribui àquela posição predominante, diante da qual o Parlamento é reduzido a uma

comissão de facções” (Ibidem, 436). Desta forma, a democracia representativa enquanto

“sistema institucionalizado de responsabilidade política”, como diz Bobbio (2010,

1105), está longe da coerção convencida pela razão, “para que não entre em contradição

consigo mesmo”, de Kant (apud Habermas 2014, 272).

A análise acerca da democracia realizada por Schumpeter no inicio do século

XX pode ser considerada como o resultado da “colonização da vida pública pelo poder

econômico” (Habermas, 2014), na qual o consumo de cultura e sem uma ética política

que norteie as ações humanas teria levado os cidadãos do Estado de Direto à

menoridade. Se a representação política necessita a existência de espaços de discussão e

da comunicação, é urgente pensar na democracia representativa com a esfera pública

desestruturada e, nesse sentido, assustador, pois o poder político mediado pela esfera do

poder social foge da proposta democrática da comunicação e do logos.

Porém, paralelamente a esse processo de despolitização da esfera pública e

afastamento dos indivíduos da política, os partidos de massa da sociedade industrial

tornaram-se os principais organismos capazes de canalizar para si identidades e um

compartilhamento de interesses em comum, a partir das divisões de classe social,

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carregando uma identidade classista (Castells 2003; Panebianco 2005) que, ao

reproduzir as divisões sociais, geram uma estabilidade eleitoral por conta das clivagens

nítidas quanto à divisão social do trabalho. Se as sociedades industrialmente avançadas

já contavam, exatamente por conta das interpenetrações entre Estado e Sociedade, um

aprofundamento na separação entre público e política, com um movimento decadente

desde o liberalismo burguês do século XVIII até o século XX, para alguns autores estas

estruturas partidárias ainda conferiam “aos ativistas um certo senso de direção, que

mobilizava suas energias e unificava o conjunto do partido” (Manin, 2002, 21). Os

partidos da sociedade industrial tem em seu componente uma função “integrativa”, que

organiza

as “demandas gerais” de defesa/transformação da ordem social e política. (...)

Contudo, a organização de demandas é considerada peculiar dos partidos. O

aspecto mais importante relacionado a essa função, todavia, não é a

transmissão das demandas: é, sobretudo, a formação e a manutenção de

identidades coletivas por meio do uso de uma ideologia. (Panebianco 2005,

522)

Panebianco discorre sobre essa “função” do partido a partir de Kirchhmer, que

estabelece três funções que “podem ser indicadas como tradicionalmente próprias dos

partidos” (Ibidem., 521) – a função integrativa, a formação das elites governistas e a

determinação da política estatal.

As demandas organizadas e a manutenção das identidades coletivas revela uma

polissemia de significados aos partidos políticos, no qual ao mesmo tempo que

compõem novas formas de solidariedade e de significação social, afasta o individuo da

política ao cercear a política ao embate entre grupos no poder.

Para pensar a organização e o poder nos partidos políticos, Panebianco estuda e

revê as teorias partidaristas a partir de uma linha que atravessa sua análise: partidos são

organizações com desigualdades internas, que criam sistemas de solidariedades que

ligam os cidadãos a estas organizações. Em última instancia, os partidos de massa estão

vinculados a vontade de poder, distinção e pertencimento.

Para o autor, os partidos equilibram entre si dilemas organizativos (Ibid.): ao

mesmo tempo em que se adaptam ao ambiente a sua volta, respondendo e se

equilibrando à uma diversidade de demandas que existem e o pressionam (perspectiva

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sistêmica), essa organização conta com objetivos específicos, que desempenham um

peso efetivo na organização (modelo racional); para a associação voluntária que ocorre,

geram-se incentivos de solidariedade, de identidade, que entrelaça e criam um sentido

de pertencimento a todos que participam da organização (incentivos coletivos) ao

mesmo tempo em que gera benefícios que são distribuídos somente para alguns

participantes, como benefícios materiais, honra, poder e status (incentivos seletivos); o

partido é influenciado e se adapta ao ambiente (adaptação ao ambiente) ao mesmo

tempo que a organização influencia o ambiente(teoria do predomínio); e seus líderes

podem ter mais liberdade de ação e autonomia sobre a organização (liberdade de ação)

ao mesmo tempo que são limitados pela organização (coerção organizativas), que

diminui a margem de manobra dos lideres, presos ao aparato e ideologia partidária.

Obviamente o predomínio maior de uns ou outros dilemas dependem de diversos

fatores, como o nível de institucionalização do partido, seu grau de coesão e o momento

histórico – a depender daí, algumas características podem se sobrepor de maneira mais

forte a outras.

Os partidos como instrumentos de formação da vontade, por meio da

distribuição de incentivos e do forte aparelho burocrático convive com os grandes

conglomerados do poder social, com o jornalismo político e com a indústria cultural,

que ao mesmo tempo amplia e despolitiza a esfera pública.

É este o contexto formador da nossa democracia partidária. Os partidos contém

em si componentes geradores de sentido, que geram conformações identitárias

conectadas a uma sociedade com uma determinada estrutura social. A conformação das

identidades está vinculada a uma sociedade ideologicamente organizada à uma

sociedade do trabalho.

O trabalho realiza-se em um determinado espaço, seja o chão da fábrica, o

escritório ou a bolsa de valores. Ao sair do espaço e do tempo no qual o trabalhador

deve realizar seu serviço, este adentra o espaço do tempo livre, no qual o consumo das

mídias de massa, do cinema, dos passeios aos shoppings, da televisão tornam-se cada

vez mais preponderantes. Este contexto está de acordo com as institucionalizações

partidárias e as ideologias organizativas, já que é o trabalho o grande viés que atravessa

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e conecta o social ao político. Assim, estruturaram-se partidos políticos, sindicatos,

organizações trabalhistas e todo um aparato que participou do jogo do poder

conjuntamente com a mídia de massa. O século XX portanto formou um modo muito

específico de fazer política. Até os dias atuais,

Os partidos políticos são as principais forças que moldam as alternativas

oferecidas aos eleitores em eleições parlamentares. Mesmo que candidatos de

partidos não vençam em todos os casos, o fato de que os partidos estão pelo

menos presente na maioria das disputas (já que ganham na maioria) compele

os independentes a se posicionarem em relação a eles. Consequentemente,

quando elegem representantes, os eleitores se defrontam com um mapa

cognitivo que é de fato desenhado essencialmente por partidos políticos.

(Manin, 2013, 119)

Porém, é esta unificação em torno de um partido e das divisões de classe social,

que entram na lógica do trabalho, o que aniquila a livre discussão entre indivíduos,

segundo Habermas. A discussão entre grupos estrategicamente posicionados seria

exatamente o conflito de interesses que cria o espetáculo e a refeudalização da política e

separa a política do público, suscetível aos meios de comunicação de massa e ao

paternalismo do Estado.

os sindicatos trabalhistas não formam apenas um contrapeso organizado no

mercado de trabalho, mas aspiram influenciar, por meio dos partidos

socialistas, a própria legislação. A eles opõem-se os empresários, sobretudo

‘as forças conservadoras do Estado”, como são chamadas desde então, que

buscam converter imediatamente seu poder social em poder político.

(Habermas, 2014, 334)

Nesta ótica, a representação partidária estruturou-se não em busca de novas

verdades, mas sim da reafirmação daquilo já ideologicamente organizado. Formou-se

uma lógica unidimensional, a partir de um continuum esquerda-direita, aonde este “se

afirmou em quase todos os lugares como o ‘mapa cognitivo’ por meio do qual se

organizaram as identificações partidárias e foram condicionados os posicionamentos em

relação a política” (Panebianco 2005, 526). Assim, o século XX, a partir da leitura

Habermasiana, fundou uma política sem logos e participação pública, com uma

sociedade dividida em rupturas de classe social que estruturou as identidades e o nosso

mapa cognitivo a respeito dos partidos, obrigando os indivíduos a defrontar-se com a

organização política a partir deste modelo organizacional.

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