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    Os partidos polticos: uma evoluo de tipologias sob novos contextos1

    Resumo: O artigo proposto realiza uma discusso conceitual sobre a evoluo da compreenso dos partidos polticossegundo os principais tericos do sculo XX (Robert Michels, Maurice Duverger, Seymor Lipset, Stein Rokkan,Otto Kirchheimer, Angelo Panebianco, Richard Katz e Peter Mair). No raro, o debate contemporneo sobre asorganizaes partidrias se baseia em um tipo ideal de partidos de massa, cujo surgimento ocorreu logo aps aimplementao do sufrgio universal nos pases da Europa Ocidental (primeira metade do sculo XX). Entretanto,foram vrias as anlises que apontavam que vrias caractersticas partidrias haviam sido alteradas, inserindo novasnomenclaturas para definir os partidos polticos (catch-all, profissional eleitoral, cartel). Esse artigo, alm deexaminar as alteraes partidrias ao longo das ltimas dcadas, demonstra como o a anlise sobre os sistemaspartidrios, incluindo o brasileiro, deve se basear em um novo modelo de organizaes partidrias, bastantediferente do clssico modelo de massas europeu.

    Autor: Professor Dr. Maurcio Michel Rebello (UFFS)

    Introduo

    Com exceo da lei de ferro da oligarquia (Michels, 1979), na qual toda e qualquer

    organizao complexa tende a um processo de oligarquizao, as organizaes partidrias

    apresentam-se sobre inmeras formas em diferentes contextos. A relao entre os partidos

    polticos e a sociedade vista sob anlises essencialmente distintas em cada perodo histrico.

    A origem do termo partido poltico vem da palavra parte, do latim partire, que expressa

    diviso. No seu incio, partido poltico possua associao com a palavra faco e, no caso latino,

    com a palavra seita (Sartori, 1982). No sculo XVIII, com exceo de Edmund Burke, poucos

    dissociavam partido de faco. Necessariamente partido sugere diviso e, deste modo, somente

    quando o pluralismo aceito que a dimenso conotativa da palavra partido poltico desaparece

    (Sartori, 1982).

    Nesse artigo, propomos rediscutir a evoluo das organizaes partidrias em diferentes

    contextos. Comeando pelos agrupamentos de tipo parlamentar, as organizaes de massa,

    catch-alle, finalmente, partidos cartis. No final, ainda questionamentos at que ponto a cincia

    poltica brasileira e outros que se propem a analisar o sistema partidrio brasileiro ainda esto

    vinculados a uma viso partidria baseada em modelos partidrios prvios.

    1Esse artigo foi baseado em parte da discusso terica de minha tese, defendida em 2013 na UFRGS.

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    A evoluo organizacional dos partidos polticos

    O modo pelo qual o partido moderno foi concebido como o atualmente recente em

    termos histricos. At 1850, por exemplo, somente os Estados Unidos poderiam ser includos nalista de pases que possuam alguma forma partidria moderna (Duverger, 1970). A origem dos

    partidos est associada ao desenvolvimento de grupos parlamentares. Muitas associaes e

    clubes nos sculos XVIII e XIX surgiriam e com a extenso do sufrgio universal muitos destes

    grupos formaram grupos parlamentares. Logo aps, vieram os partidos de origem exterior, onde

    j havia grupos parlamentares estabelecidos em alguns pases. Os partidos socialistas e

    comunistas so claros exemplos de origem externa ao parlamento.

    Nesta gnese dos partidos descritos por Duverger encontramos a primeira designao paraum tipo partidrio: o partido de quadros. Este tipo de partido est relacionado com os grupos

    parlamentares. Neste contexto, o vnculo dos adeptos dos partidos, sua base social, muito fraco

    em relao organizao partidria. Os principais membros so formados por notveis,

    pessoas ilustres que servem para obter votos. Os notveis detinham uma boa penetrao entre

    setores privados, como bancos e indstrias que financiavam as atividades partidrias atravs de

    doaes. No obstante, a manuteno partidria possua baixo custo financeiro, uma vez que as

    atividades partidrias so poucas e no exigem grandes gastos.

    A limitao do sufrgio contribua para que os parlamentares destes partidos no se

    preocupassem em conquistar um nmero expressivo de votos, em geral, em um ambiente de

    regime censitrio, precisavam conquistar somente o apoio das elites econmicas das quais

    tambm faziam parte. Neste perodo no havia partidos socialistas, deste modo, os partidos

    burgueses e conservadores, por exemplo, no viam a necessidade de recrutar membros e criar um

    partido competitivo em termos eleitorais.

    Com a ampliao do sufrgio, a estrutura dos partidos foi radicalmente alterada, chegando

    ao que seria o segundo estgio na histria partidria: os partidos de massa. Diferente do

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    cenrio anterior, as organizaes de massa ampliaram de forma expressiva a participao da

    populao como membros dos partidos. Tais membros eram os militantes, mais ativos na vida

    partidria do que eleitores ou simpatizantes. O Partido Social-Democrata alemo, por exemplo,

    chegou a conquistar mais de um milho de membros em 1914 (Duverger, 1970: 103). Nesteperodo, as organizaes possuam independncia financeira em relao aos grandes

    financiadores na medida em que a principal fonte de financiamento advinha dos seus membros.

    A participao do proletariado na construo dos partidos de massa ampla. A imagem

    daquele militante ativo s ocorre mais substancialmente a partir dos partidos socialistas e

    comunistas. No ltimo caso, o marxismo no apenas uma ideologia poltica, mas um quadro

    geral completo, uma filosofia de vida. Da vida cotidiana, s artes e s cincias, tudo envolve uma

    ontologia na qual o marxismo difundido. Neste extremo, o partido totalitrio, ele penetra sob

    todas as formas na vida de cada membro (Duverger, 1970). Neste contexto, o vnculo entre os

    eleitores e os partidos era muito mais forte. Ainda que nem todos os partidos polticos

    possussem a penetrao das legendas comunistas, a necessidade de competir com organizaes

    de trabalhadores cada vez mais estruturadas fez com que houvesse uma modificao nos partidos

    burgueses, ainda sob o rtulo de partidos de notveis.

    Mesmo que a gnese dos partidos de massa no possa ser desvinculada ao surgimento de

    agremiaes de esquerda, equivocado supor que a clivagem proletrio X burgus tenha sido a

    nica a estruturar tais partidos. Como j discutimos anteriormente, Lipset e Rokkan (1967)

    identificaram pelo menos quatro clivagens oriundas das revolues nacionais e industriais. A

    questo religiosa, por exemplo, foi determinante na estruturao do sistema partidrio de alguns

    pases europeus.

    Mesmo que Lipset, Rokkan e Duverger possuam bases tericas diferentes, principalmente

    no aspecto da importncia do sistema eleitoral no nmero de partidos, as escolas explicitam um

    contexto nico: a era dos partidos de massa. Naquela poca existia um forte vnculo entre os

    eleitores e os partidos. A idia de Duverger de membro partidrio com ampla aproximao com

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    a organizao demonstra muito bem a forte relao entre representantes e representados.

    Conforme veremos a seguir, aquele vnculo orgnico com o partido no existe mais. A vivncia

    cotidiana entre membros dos partidos, os jornais, as revistas, as artes, o ambiente ldico, todos os

    momentos da vida de um membro partidrio eram compartilhados com seus correligionrios.Naquele contexto, o contedo ideolgico ou programtico dos partidos era muito mais evidente.

    Com uma homogeneidade alta em termos de membros, havia uma forte mobilizao eleitoral no

    momento do sufrgio. No por coincidncia, a era dos partidos de massa aquela que apresenta

    maior fascnio, maiorglamourna histria partidria. Alguns analistas e agentes polticos, quando

    pensam em que tipo de organizao desejam, aspiram, sobretudo, uma organizao de massa

    Todavia, aquele momento passado, as agremiaes j no apresentam mais as

    caractersticas de outrora, desta forma, na dcada de 1960 surge outra denominao estrutura

    partidria, o partido catch-all. A utilizao de catch-all parties (partidos pega-tudo) foi

    cunhada pela primeira vez por Otto Kirchheimer em 1966. A partir de certo momento aps a

    Segunda Guerra Mundial comeavam mudanas significativas nos partidos tanto do ponto de

    vista organizacional como na relao com os eleitores. Organizaes partidrias comeavam a

    ampliar o espectro de possveis eleitores, suavizando um discurso classista; a nfase no estava

    mais em obter somente o voto de certos grupos sociais, como proletrios, burgueses, catlicos,

    protestantes, mas em conquistar o maior nmero possvel de eleitores.

    Obviamente, o processo de ampliao das bases eleitorais partidrias no ocorreu

    repentinamente, sendo que Kirchheimer demonstrava graus de diferenciao entre naes neste

    processo de mudana organizacional. Nem toda legenda poderia aspirar transformar-se em

    partido catch-all. Agremiaes pequenas, cuja raison dtre a defesa especfica de certos

    grupos, como o Partido Alemo Calvinista, no podem ter um discurso mais genrico, no

    podendo se tornar catch-all (Kirchheimer, 1966).

    Fruto de produto histrico de um eleitorado mais secular e consumidores de bens em

    massa, o partido catch-all pressiona antigos partidos classistas a tambm serem alterados.

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    Aquele membro educado pela organizao, que no possua distino entre sua vida pblica e

    privada, segundo Duverger (1970), perde espao em um ambiente com uma forte

    heterogeneidade social. A demanda em representar uma multiplicidade de grupos catalisa uma

    reconfigurao partidria em direo a uma flexibilizao de identidades coletivas.Neste momento histrico, h um maior entrecruzamento de clivagens sociais. No somente

    a clssica distino entre esquerda e direita importa, mas tambm outras inmeras formas de

    clivagens, como o religioso-secular, urbano-rural e o tradicional- moderno, todas estas clivagens

    sero fundamentais na explicao do comportamento eleitoral, por exemplo (Sartori, 1982). Se

    em outrora clivagens ficavam congeladas durante muito tempo, mostrando um

    enclausuramento de relaes sociais em dada organizao (Lipset e Rokkan, 1967), h uma

    constante ampliao da heterogeneidade social.

    Muito desta atenuao de grupos classistas se deve, em parte, a uma maior dependncia em

    relao aos meios de comunicao. Na era dos partidos de massa, a comunicao com o eleitor

    era direta; atravs de comits, de jornais prprios, os membros partidrios integravam-se aos

    partidos. Com o surgimento da televiso, a mediao entre o telespectador direta em relao ao

    veculo de comunicao. O partido perde sua preponderncia em influenciar a escolha das

    pessoas. Com esta nova modalidade de competio poltica, em detrimento de contedos

    programticos, h um fortalecimento daqueles que dominam tcnicas da comunicao. No final

    do sculo XX, a mdia possui forte impacto, como atesta Manin (1995) na sua democracia do

    pblico.

    Os partidos catch-all vieram acompanhados de algumas mudanas percebidas por

    Kirchheimer (1966): a) drstica reduo de contedo ideolgico dos partidos; com a ampliao

    do leque eleitoral das legendas, o discurso dos lderes das organizaes fica mais difuso e

    genrico na medida em que no se dirige a uma classe ou grupo especfico; b) fortalecimento das

    lideranas uma vez que estas so julgadas mais pelo grau de eficincia do que avaliadas

    internamente em relao s metas organizacionais por correligionrios, ou seja, lderes ganham

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    autonomia; c) queda do papel do militante, do membro individual, uma vez que este no ponto

    central nas campanhas; d) redirecionamento de nfase em largos setores sociais em detrimento

    da antiga classe garde, sendo assim, h um afastamento do partido sobre clientelas antigas; e)

    assegurar acesso de uma ampla gama de grupos de interesse, ganhando, com isso, umadiversificao de financiamento eleitoral.

    Neste novo momento partidrio, a previso de resultados eleitorais torna-se mais difcil. Se

    antes havia uma quase certeza do voto de certos grupos, a especulao de quem se tornar

    vencedor fica mais difusa e complexa pela queda de identificao e lealdades partidrias. Isto

    causa impacto na prpria maneira de representao, algo que Kirchheimer j percebia. Dada sua

    morte no momento do ensaio sobre partidos catch-all, o autor alemo no chegou a desenvolver

    de maneira mais sistemtica o impacto das alteraes partidrias na representao poltica.

    Segundo consta, acreditava-se que o cidado se afastava cada vez mais da vida partidria, a

    relao com a poltica partidria ficava muito mais limitada. Destarte, a pergunta que fica : at

    que ponto as organizaes partidrias ainda serviriam como elementos de ponte entre Estado e

    sociedade?

    A viso apurada de Kirchheimer sobre a tendncia de alterao dos tipos partidrios no

    pode ser considerada uma teoria acabada, como a diferenciao dos partidos de quadros e de

    massa de Duverger. Na verdade, seus artigos e ensaios podem ser considerados mais sob o ponto

    de vista de observaes histricas coerentes sobre as mudanas que passavam os partidos

    polticos da poca (Safran, 2009). Alm disso, sua concepo de partidos catch-all se baseava

    quase que exclusivamente nas democracias do oeste europeu. Ainda que muitas crticas possam

    ser feitas caracterizao dos partidos realizada por Kirchheimer (Wolinetz, 2002), a idia de

    partidos cada vez mais difusos e afastados daqueles partidos de massa tratada como quase

    consensual na cincia poltica. Outros autores tambm criaram outras tipologias para denominar

    estas alteraes de modelos de partidos de massas.

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    Panebianco (2005), diferente de Kirchheimer, criou uma teoria sobre partidos polticos,

    relatando de modo profundo suas estruturas organizacionais e sua adaptabilidade em distintos

    ambientes a partir do modelo originrio da organizao. Dialogando com Kirchheimer,

    Panebianco entende que toda anlise do autor alemo contm um elemento central que estimplcito na obra sobre o catch-all: a profissionalizao dos partidos polticos. Assim sendo,

    Panebianco cria o termo partido profissional-eleitoral. No partido de massas de Duverger a

    burocracia partidria mantm fortes vnculos com os filiados e tambm com a classe garde.

    Com a profissionalizao, esta burocracia profundamente modificada, na qual o papel do

    especialista, do tcnico capaz de garantir a vitria eleitoral, ganha relevo e altera a relao com

    os prprios membros partidrios, o militante perde espao frente ao eleitor (Panebianco, 2005).

    Uma observao importante que Panebianco compreende que qualquer modelo partidrio

    refere-se a um tipo ideal, seja o partido de quadros, seja o de massas, ou at mesmo, o

    profissional-eleitoral, sempre existem caractersticas dos modelos que se combinam em

    organizaes de carne e osso. Todavia, certos elementos podem ser distinguveis quando as

    agremiaes so analisadas na vida real. Desta forma, o autor indica certas diferenas entre o

    modelo burocrtico de massa e o profissional eleitoral. Tais diferenas no so inditas, uma vez

    que so muito prximas ao que Kirchheimer havia diagnosticado: a) centralizao nos

    profissionais e no mais na burocracia; b) partidos com ligaes organizativas mais fracas e

    perda de um eleitorado fiel para um de opinio; c) a escolha de dirigentes mais personalizada;

    d) financiamento eleitoral atravs de grupos de interesse ao invs do militante; e) nfase na

    liderana e na centralizao de carreiristas, pessoas mais preocupadas em receber incentivos

    seletivos (status, carreira, dinheiro) do que incentivos coletivos (identidades e ideologias) como

    os crentes, que formavam o ncleo do partido burocrtico de massa.

    A perspectiva de Panebianco sobre a profissionalizao no positiva para o sistema

    poltico por duas razes. Em primeiro lugar, a profissionalizao partidria enfraqueceria a

    organizao. Para Panebianco, haveria um processo de desinstitucionalizao, uma vez que os

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    partidos seriam muito dependentes do eleitor, possuindo menor autonomia em relao ao

    ambiente em que se encontram. Claro exemplo disto seria a perda do financiamento dos

    militantes. Neste sentido, os partidos seriam fracos, na qual a poca dos partidos fortes (de

    massa) acabou.Em segundo lugar, haveria uma queda de legitimidade do sistema, algo que Kirchheimer j

    admitia a possibilidade na medida em que se antevia um crescimento da apatia poltica com o

    afastamento das pessoas em relao s organizaes. Panebianco, considerando a diviso

    indicada por Ronald Inglehart de estabelecidos (grupos dirigentes, tanto polticos, como

    econmicos) e cidados comuns, v com certo pessimismo o partido profissional-eleitoral. O

    eleitor, embora mais autnomo em relao organizao, estaria mais desorientado. Tal

    pessimismo de Panebianco no compartilhado por ns.

    Mesmo ocorrendo uma maior indefinio no sentido programtico-ideolgico dos partidos

    polticos, no h completa perda do carter representativo dos mesmos. Se ideologias falham,

    nem sempre h uma completa desorientao, partidos profissionais-eleitorais no abdicam do

    voto do cidado, pelo contrrio, necessitam cada vez mais de variados segmentos da populao.

    Muitas vezes no se trata de um esvaziamento de identidades coletivas, mas um surgimento de

    novas identidades. A emergncia de novas questes como imigrao, globalizao, identidade

    nacional, multiculturalismo atravessam clssicas questes sobre classe impondo novos desafios

    aos lderes partidrios (Safran, 2009).

    O termo cunhado por Panebianco, de organizao profissional-eleitoral, foi uma tentativa

    de trazer melhor definio do partido catch-all.Contudo, acreditamos que o termo consagrado

    por Otto Kirchheimer possui maior valor heurstico. Sua utilizao denota de maneira clara a

    idia de pegar-tudo, de ampliao do espectro eleitoral se comparada com a poca dos partidos

    de massa. Alm disso, a idia de profissionalizao vaga se compreendermos que Duverger j

    havia relatado os diferentes graus de participao dos membros de um partido de massa, desde o

    eleitor, passando pelo simpatizante, at chegar ao militante. A profissionalizao, pensada de

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    certa maneira, j no estava implcita na oligarquia de Michels? O que seria, se no profissionais,

    a burocracia revolucionria dos partidos comunistas e socialistas (maior exemplo de

    organizaes de massas) que Lnin tanto frisava como necessria?

    Possivelmente, os profissionais partidrios j existiam no comeo do sculo XX, o que nohavia quela poca era a necessidade de pegar um nmero maior de cidados para conquistar a

    vitria eleitoral. Deste modo, razovel acreditar que o termo catch-all expressa melhor o tipo

    partidrio emergente ps Segunda Guerra Mundial. No final do sculo XX, Katz e Mair (1997)

    perceberam que talvez a evoluo partidria no tivesse estacionado no partido catch-all,

    compreendendo um novo tipo de partido: o partido cartel.

    Os autores Richard Katz e Peter Mair compreendem que o desenvolvimento partidrio

    envolve trs elementos indissociveis, a saber: sociedade civil, os prprios partidos e o Estado.

    Desde a gnese partidria, todas as etapas na evoluo das organizaes envolvem a dinmica

    entre estes trs elementos. Nos partidos de quadros, todos os trs elementos esto associados, no

    havendo maiores distines entre os trs. Nesta poca os partidos so comits de elites que esto

    integradas tambm dentro do Estado. Logo aps, no momento mais glamoroso dos partidos, o

    estgio dos partidos de massa, o partido poltico uma ponte perfeita entre Estado e sociedade

    civil, representando e mobilizando grande parte da populao agora includa pela ampliao do

    sufrgio. No estgio catch-all, h certa aproximao do partido na direo do Estado e h um

    afastamento da sociedade civil, fazendo com que haja alguma perda do vnculo entre as

    organizaes e os eleitores.

    No ltimo estgio percebido (embora no afirmem que seja o fim da histria partidria), os

    partidos no possuem nenhuma ligao com a sociedade civil e se tornam agentes do Estado.

    Independente da teleologia percebida, os autores tiveram sucesso ao incorporar o Estado como

    elemento indissocivel dos modelos partidrios. De fato, h elementos que induzem percepo

    de aproximao partidria em relao ao Estado e mais claramente ao afastamento da sociedade

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    civil. Obviamente, conceituar Estado e sociedade civil dentro desta perspectiva no so tarefas

    fceis, porm os autores apontam razoveis argumentos na alterao da tipologia partidria.

    Katz e Mair notam que em muitos pases o acesso ao governo freqente nas grandes

    organizaes partidrias, afirmando, inclusive, que mesmo partidos que esto anos na oposiopossuem acesso ao esplio estatal. Ao perceberem isso, interpretam que a continuidade de

    muitos partidos nos governos , de certa forma, uma espcie de acordo no tcito, mas que, ao

    fim e ao cabo, levam ao que eles chamam de conluio. Esta trama envolvendo as agremiaes

    que faz com que sua tese seja denominada partidos cartis, na qual as organizaes exercem uma

    competio limitada, ou, em outras palavras, gerenciada. A no competio de algumas

    agremiaes para alguns cargos, por exemplo, fruto de um clculo que envolve o cartel.

    Algumas caractersticas so visveis, segundo a tese dos partidos cartis, na diferenciao

    entre o estgio catch-alle o cartel. O objetivo da poltica no mais o melhoramento social, e

    sim uma profisso, ou seja, a poltica nada mais do que seguir uma carreira profissional. A

    disputa eleitoral no competitiva como nos catch-all, mas contida, em funo do conluio das

    organizaes. O financiamento partidrio, ao invs de depender de uma variedade de fontes,

    centra-se exclusivamente em subvenes estatais. Alm disso, os prprios canais de

    comunicao dependem da regulao estatal sobre a mdia.

    Poder-se-ia comentar que em muitos pases as legendas no apresentam tais caractersticas,

    porm, os autores so claros ao relatar que o processo de cartelizao recente e que em muitos

    pases h uma forte presena ainda de partidos catch-all. Neste sentido, podemos dizer que pode

    haver coexistncia entre partidos catch-all e partidos cartis. Quando o subsdio estatal mais

    limitado, por exemplo, h um menor incentivo no processo de cartelizao.

    Todo esse processo pode ser percebido de maneira pessimista, pois h fortes elementos que

    podem conduzir a uma viso negativa do sistema partidrio como um todo. Katz e Mair

    enfatizam que os partidos so mais fracos somente se considerarmos em comparao com

    algumas caractersticas dos partidos de massa (menor lealdade dos eleitores para com o partido,

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    menor quantidade de filiados, difuso de identidades coletivas). Na verdade, eles seriam somente

    partidos diferentes (Katz e Mair, 1997: 119).

    Esta diferena em termos partidrios envolve um processo de mudana de funo das

    organizaes partidrias no regime democrtico. Desde seu surgimento, os partidos podem servistos desempenhando diferentes funes ao longo do tempo. Esta funcionalidade sempre est

    atrelada a um contexto democrtico. Desta forma, na poca dos partidos de massa, a funo das

    agremiaes era mobilizar e integrar os cidados no regime poltico. Outra funo, tambm

    clssica, era a articulao de interesses, a despeito de nunca ter sido exclusiva dos partidos, era

    realizada de maneira central pelas legendas. Ambas as funes expressam o carter

    representativo das organizaes partidrias em outra poca (Mair, 2009).

    Ao longo do final do sculo XX, este carter representativo das agremiaes foi se

    perdendo segundo Mair. Os partidos polticos foram realizando uma funo cada vez mais

    procedimental ou processual segundo o autor. Entre estas novas funes podemos destacar a

    formulao de polticas (que combinaria elementos representativos) e duas de carter puramente

    processual: recrutamento de lderes e funcionrios para cargos pblicos; organizao do corpo

    parlamentar e formao de governo. Dentro desta perspectiva, seria correto afirmar que:

    As funes representativas dos partidos esto em declnio e foram assumidas,

    pelo menos parcialmente, por outros organismos, ao passo que suas funesprocessuais foram preservadas, chegando mesmo a adquirir maior relevncia.Por outras palavras, assim como os partidos mudaram da sociedade para oEstado, as funes que estes desempenham, e se espera que desempenhem,mudaram de uma ao principalmente representativa para uma aoprincipalmente governativa. (Mair, 2003: 285).

    A idia de perda do carter representativo dbia quando o conceito de representao no

    claro. Se partidos no possuem a capacidade de fornecer mobilizao, integrao, articulao

    de interesses e, principalmente, ideologias, existem outras formas de pessoas sentirem-se

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    representadas. Se a funo partidria governar, e se legendas tiverem xito neste sentido, elas

    tambm representaro os cidados.

    No nosso entender, o aspecto central, a idia de cartel, no suficientemente explorada.

    Este conluio, atravs das quais as organizaes manteriam o cartel, , certamente, muito dbio. Ano competio eleitoral pode ser simplesmente um clculo racional; alguns sistemas eleitorais

    evidentemente retiram a possibilidade de vitria de algumas legendas, o que pode levar

    necessidade de montagem de uma coalizo. Entretanto, isto no poderia ser considerado um

    conluio.

    Outra caracterstica apontada pelos autores na diferenciao do catch-all para o cartel

    tambm mal colocada. A idia de que o objetivo dos agentes pblicos somente a profisso

    poltica (ao invs do melhoramento social do catch-all) j havia sido levantada desde a dcada de

    1950 com o modelo de Anthony Downs (1999) onde o objetivo mximo era somente ganhar

    eleies e, ao que tudo indica, no nos parece que naquela poca havia alguma manifestao de

    partidos cartis. Se lermos atentamente a Michels (1979), e sua inconformidade com o SPD

    alemo, no incio do sculo XX, j havia a percepo de que a carreira poltica se tornava um fim

    em si mesmo.

    Concluso

    No mundo contemporneo, sejam catch-all partiesou partidos cartis, o fato incontestvel

    apontado por vrios autores (Kirchheimer, Panebianco, Katz, Mair) que as organizaes no

    mais so responsveis pela integrao, mobilizao e articulao de interesses do cidado.

    Partidos atuais no esto mais baseados em grupos especficos, como na poca dos partidos

    socialistas e comunistas do incio do sculo XX que tanto Duverger frisou como sendo as mais

    notveis organizaes de massa.

    Em nosso entender, o Brasil tambm no apresenta mais nenhuma manifestao de

    partidos de massa, se que teve algum dia. Caberia indagar, todavia, at que ponto existe total

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    desvinculao de qualquer espcie de clivagem com algum partido poltico. Ser que todas as

    legendas brasileiras, inclusive as de esquerda, esto dissociadas de qualquer vnculo com

    qualquer grupo? Com esta pergunta, poderemos averiguar at que ponto h algum

    encapsulamento social ou clivagem de toda sorte que possa estar sendo representada no casobrasileiro, solapando de vez, ou no, a idia de que ainda possam existir reminiscncias de um

    tipo partidrio europeu to glamoroso quanto houvera em um passado no to longnquo.

    Examinar a existncia de algum vnculo social nas organizaes partidrias brasileiras

    importante, pois o alto nmero de partidos polticos existentes no Brasil sugestiona que existe

    um conjunto de vrias identidades entre diferentes grupos. Nesse caso, a teoria consociativa

    interpretaria de maneira positiva a alta fragmentao partidria para diluir conflitos entre grupos

    rivais. Todavia, so vrios os indcios de que o sistema partidrio brasileiro no possui bases

    sociais fortes. Alm disso, as agremiaes partidrias parecem ter um perfil mais condizente com

    o tipo catch-all party.

    O fraco enraizamento social dos partidos polticos brasileiros tem entre suas causas o forte

    descolamento histrico entre o perodo caracterizado como democracia de partido e o perodo de

    incipiente institucionalizao partidria que comea efetivamente a partir de 1945.

    Diferentemente de outros pases, o Brasil nunca teve uma grande continuidade nos seus sistemas

    partidrios. Desde os Liberais e os Conservadores no perodo pr-republicano, o Brasil teve sete

    configuraes partidrias distintas. Desta forma, no difcil entender o motivo pelo qual o

    Brasil visto como um caso notrio de subdesenvolvimento partidrio (Lamounier e

    Meneguello, 1986; Kinzo, 2001).

    As organizaes partidrias brasileiras mais relevantes quase sempre estiveram

    relacionadas ao Estado brasileiro e s elites conservadoras ali alojadas. interessante notar por

    este aspecto que a teoria de partido cartel sobre a aproximao dos partidos polticos em relao

    ao Estado pode ser verificvel na realidade histrica de alguns pases europeus. Em contraste,

    parte da cincia poltica brasileira sempre apontou o Estado brasileiro como importante elemento

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    norteador da vida poltica, at mesmo partidria (Souza, 1976). Desse modo, a aproximao do

    partido com o Estado pode no ser to clara no caso brasileiro quanto o exemplo europeu uma

    vez que, no primeiro caso, o alvorecer partidrio j partia do prprio ncleo do estado,

    constituindo-se como grandes exemplos o PTB e o PSD ps Estado Novo e MDB e ARENA nocomeo da ditadura militar.

    Na maioria das vezes, o surgimento dos partidos polticos brasileiros indissocivel de sua

    relao com o Estado. Em geral, a gnese destas organizaes ocorreu de cima para baixo

    (Mainwaring, 2001). Desta maneira, h claros indicativos de que o aparecimento de partidos

    pouco tem relao com claros setores sociais, em grande contraste com a formatao do sistema

    partidrio europeu (Lipset e Rokkan, 1967). No perodo da redemocratizao, apenas o PT, entre

    as agremiaes relevantes, citado como partido nascido externamente.

    Ainda assim, at mesmo o PT parece estar caminhando a um processo de se tornar catch-

    all, com maior facilidade de trnsito entre diversos grupos de interesse, ampliao das

    coligaes eleitorais (Krause e Godoi, 2010) e um discurso menos classista. Rebello (2012), por

    exemplo, analisa o grau de volatilidade eleitoral petista e afirma que o eleitorado da legenda

    mudou ao longo do tempo, mostrando uma perda de identidade petista. Embora a pesquisa do

    autor seja muito embrionria, parece claro que a maioria dos analistas partidrios j no tem a

    organizao partidria petista igual quela de outrora.

    Em suma, toda e qualquer pesquisa que envolva o sistema partidrio deve considerar as

    mudanas ocorridas no sculo XX. O Brasil no foge dessa nova caracterizao partidria.

    Assim, deve-se repensar a prpria noo do papel partidrio, indicando novos modelos de

    representao, ou, ao menos, matizando o velho discurso de que os partidos devem ser perfeitos

    representantes de grupos ou classes sociais.

    Referncias Bibliogrficas

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