Os Planos de Ordenamento do Território e o Regime de Avaliação Ambiental Estratégica - Ana...
-
Upload
margarida-tavares -
Category
Documents
-
view
143 -
download
0
Transcript of Os Planos de Ordenamento do Território e o Regime de Avaliação Ambiental Estratégica - Ana...
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
Os Planos de Ordenamento
do Território e o Regime de
Avaliação Ambiental Estratégica
Relação entre o Direito do Ambiente e o Direito do Urbanismo
Direito do Ambiente
Regência: Professor Doutor Vasco Pereira da Silva
.
Ana Margarida Tavares Nº17980
Subturma 9
Maio de 2012
2
Índice
Breve exposição da relação entre o Direito do Ambiente e o Direito do
Urbanismo
3
Os planos de ordenamento do
território
Natureza jurídica 5
Conceito 7
Função 8
Tipos 9
Avaliação Ambiental Estratégica
Enquadramento histórico da
temática da Avaliação Ambiental Estratégica em Portugal
11
Os Princípios subjacentes à Avaliação Ambiental Estratégica
13
O que é a Avaliação Ambiental Estratégica?
14
Regime jurídico 15
Conclusões 17
Bibliografia 19
3
Breve exposição da relação entre o Direito do
Ambiente e o Direito do Urbanismo
O Princípio ius-ambiental do Desenvolvimento Sustentável,
expressamente consagrado no nº2 do artigo 66º da Constituição da
República Portuguesa, exige por parte dos poderes públicos a garantia da
continuidade de uma utilização qualitativa e quantitativa dos recursos
naturais, procurando uma conciliação entre o desenvolvimento
socioeconómico e a preservação do meio ambiente. A política ambiental
deve portanto pautar-se por uma otimização da intervenção do Homem no
Ambiente por forma a garantir elevados índices de produção e
simultaneamente de qualidade de vida e estabilidade dos recursos
disponíveis ao longo dos tempos. Neste campo, as políticas de ordenamento
do território e do urbanismo assumem especial importância por
“assegurarem a melhor estrutura das implantações humanas em função dos
recursos naturais e das exigências económicas, com vista ao
desenvolvimento harmónico das diferentes regiões que compõem o quadro
geográfico do país”1 procurando obter uma ordenação racional das cidades
e da sua expansão.
De facto, apesar de estarem dogmaticamente separados, os três
domínios do ordenamento do território, do ambiente e do urbanismo não
deixam de estar de algum modo associados no nosso ordenamento jurídico.
Como aponta o Professor VASCO PEREIRA DA SILVA são inúmeros os casos
na lei em que estes surgem como meios ou fins uns dos outros. Por
exemplo, no nº2 do artigo 9º da Constituição onde se considera como
tarefa fundamental do Estado “defender a natureza e o ambiente, preservar
os recursos naturais e assegurar um correto ordenamento do território”, ou
o artigo 66º nº2 alínea e) que determina que para assegurar o direito ao
ambiente é dever do Estado “ordenar e promover o ordenamento do
território”. Também na Lei de Bases do Ambiente, no artigo 27º, prescreve
como instrumentos de política do ambiente e do ordenamento do território,
o ordenamento integrado do território e os planos em matéria urbanística.
Quando por seu turno, na Lei de Bases da Política do Ordenamento do
Território e do Urbanismo aduz como finalidade, na alínea c) do artigo 3º,
“assegurar o aproveitamento racional dos recursos naturais, a preservação
do equilíbrio ambiental, a humanização das cidades e a funcionalidade dos
espaços edificados.” Por tudo isto, não podemos deixar de admitir a
imiscuidade destas três áreas que se complementam em torno de objetivos
comuns.
Por isso se defende que uma verdadeira política integrada de
ambiente e desenvolvimento nunca será conseguida se a temática do
1 Freitas do Amaral, “Ordenamento do Território, Urbanismo e Ambiente: Objeto,
Autonomia e Distinções”
4
Ordenamento do Território estiver separada das questões ambientais e da
qualidade de vida. Sabemos que um dos maiores problemas ambientais
português é efetivamente o desordenamento do território, com a população
concentrada no litoral do país, levando a que este esteja cada vez mais
invadido, poluído e desordenado. Ora, o solo é um recurso natural com
importantes funções ecológicas, económicas e sociais, desempenhando um
papel-chave em inúmeros ciclos naturais e fornecendo o suporte para os
habitats naturais. E, sendo o espaço um recurso escasso deve ser
perspetivado em função das aspirações dos cidadãos e tender para
aproximar o homem quer da natureza quer do seu local de trabalho,
assegurando a valorização da natureza, a estabilidade social e a realização
cultural dos cidadãos. Nesse sentido justifica-se a implementação de
mecanismos eficientes de Ordenamento do território por forma a conservar
e proteger as potencialidades, recursos e valores naturais do solo e dos
ecossistemas. Ora, o desordenamento do território só pode ser combatido
através de um correto planeamento que leve a um desenvolvimento
sustentado, atendendo aos diversos cenários alternativos e criando
condições para um correto uso do solo.
Para AUGUSTO FERREIRA DO AMARAL2, a lógica da problemática do
ambiente é exaustiva porque tudo na natureza tem relação com tudo, sendo
a lógica dos planos de ordenamento genuína e radicalmente ambiental
porque “se não houvesse preocupação ambiental não existiriam planos de
ordenamento, o ambiente é efetivamente predominante em relação a
qualquer dos demais sectores administrativos.”
Hoje em dia a relação entre estes domínios é notoriamente aceite
cabendo as decisões políticas nesta matéria ao Ministério da Agricultura,
Mar, Ambiente e Ordenamento do Território (mais especificamente à
Secretaria de Estado do Ambiente e do Ordenamento do Território).
Nestes termos, faz todo o sentido a utilização da expressão
“planeamento ambiental” quando estamos perante procedimentos em que
são tomados em consideração os efeitos ambientais, designadamente,
durante a elaboração de um plano ou programa e antes da sua aprovação,
contribuindo, assim, para a adoção de soluções inovadoras mais eficazes e
sustentáveis e de medidas de controlo que evitem ou reduzam efeitos
negativos significativos no ambiente, decorrentes da sua execução. Por
outras palavras, os eventuais efeitos ambientais negativos de uma
determinada opção de desenvolvimento passam por uma fase de
ponderação prévia, assegurando a integração global das considerações
biofísicas, económicas, sociais e políticas relevantes que possam estar em
causa.
2 “Os Planos de Ordenamento do Território e o Direito Português do Ambiente”,
Revista do Direito Português do Território, nº1, Setembro de 1995
5
Os Planos Administrativos
Natureza Jurídica dos Planos
Questão que suscita alguma divergência doutrinária é a de saber qual
a natureza jurídica dos planos. A sua importância resulta de que na prática
se verificam significativas diferenças relativamente ao regime contencioso a
seguir. A dúvida surge relacionada com o tipo de estrutura normativa que
estes planos apresentam, e assenta mais especificamente em saber se as
disposições-plano têm carácter geral e abstrato, ou concreto, ou seja, se
estamos perante regulamentos ou, por outro lado, atos administrativos.
A tese maioritária, tanto na doutrina como na jurisprudência, é a que
considera os planos urbanísticos como regulamentos administrativos. Um
dos partidários desta tese é o Professor VASCO PEREIRA DA SILVA que,
apoiando-se num critério prático de distinção das formas de atuação da
Administração, o qual prescreve que só os atos administrativos têm de
gozar simultaneamente de individualidade e concretude (de acordo com o
artigo 120º do CPA), inferindo o Professor que a contrario sensu todas as
disposições unilaterais que sejam só gerais ou só abstratas, e ainda as que
possuam ambas as características serão de considerar como regulamentos.
Outros autores que também defendem a normatividade destes atos
sustentam apenas que o grau de abstração dos mesmos decorre da ideia de
que os planos disciplinam todas as hipóteses de uso, transformação e
destino do solo e não uma utilização concreta, estendendo a sua eficácia a
todas as situações de facto que se verificarem durante a sua vigência3. O
Professor remata acrescentando que nos casos em que os planos
contenham decisões individuais e concretas, essas deverão ser tratadas,
inclusive no âmbito da sua impugnação contenciosa como atos
administrativos “destacáveis”.
Outros argumentos apontados na defesa desta tese são que os planos
resultam de uma incumbência da Constituição e do legislador ordinário
dirigida aos órgãos da Administração não podendo ser revogados pura e
simplesmente pela Administração, mas apenas alterados, revistos ou
substituídos por outros. Apontam ainda o seu carácter vinculativo não
apenas em relação aos particulares mas também à Administração, já que se
encontra obrigada a respeitá-los tanto nos atos de controlo das operações
urbanísticas dos particulares (como os licenciamentos e autorizações de
obras e de operações de loteamento urbano), como nas operações
urbanísticas de sua iniciativa no respeito do princípio da inderrogabilidade
singular dos regulamentos, nos termos do qual a Administração pode
modificar, suspender ou revogar um regulamento anterior por via geral e
3 Neste sentido, García Enterría/L. Parejo Alfonso.
6
abstrata, mas não pode derrogá-los, sem mais, em casos isolados. Estando
ademais sujeitos, sob pena de ineficácia jurídica, ao princípio da publicidade
(como todos os regulamentos) e não ao princípio da notificação). E ainda
um argumento no sentido de que os planos são atos criadores de direito, na
medida em que fixam ex novo regras jurídicas respeitantes ao regime do
uso, destino e transformação do solo.
Relativamente à outra parte da doutrina, nomeadamente a italiana,
que nega o carácter normativo dos regulamentos, temos os que o tratam
como um ato administrativo individual e concreto e outros que consideram
tratar-se de uma decisão administrativa destinada a um número
indeterminado de pessoas reconhecendo-lhe portanto um cariz geral. Nesse
sentido, aludem, os primeiros, ao objeto dos planos, o qual incide sobre
bens determinados e às suas estatuições que dizem respeito aos bens em si
e só indiretamente aos proprietários e futuros adquirentes.
Cabe ainda referir uma outra parte da doutrina4 que opta pela
qualificação dos planos como atos mistos constituídos por determinações de
natureza concreta – que têm natureza de ato administrativo geral- e
previsões que regulam para o futuro, tendo um cariz mais abstrato e
abrangendo um número indefinido de situações concretas – que têm
carácter regulamentar.
Da nossa parte reconhecemos aos planos, na senda do Professor
PEREIRA DA SILVA, uma natureza regulamentar.
4 Nomeadamente, Alves Correia em “Manual de Direito do Urbanismo”.
7
Planos administrativos – um conceito
A elaboração de um conceito de plano administrativo suscita também
várias dúvidas na doutrina pelo facto de existirem múltiplos tipos de planos,
por vezes sem qualquer relação entre si do ponto de vista dogmático, pelas
questões já referidas da dificuldade de enquadrar o plano nos instrumentos
clássicos do direito administrativo (regulamentos e atos administrativos), e
por ser uma matéria relativamente moderna para que se possa elaborar um
sólido conceito de plano.
Não obstante, é possível encontrarmos, especialmente na literatura
jurídica alemã, algumas tentativas que vão no sentido de encontrar um
conceito jurídico unitário de plano administrativo. Por exemplo, K.
OBERMAYER entende que os planos têm duas características essenciais.
Primeiramente, todos eles visam a realização de um determinado fim. Como
refere também o Professor VASCO PEREIRA DA SILVA, são atuações
administrativas que constituem, na sua estrutura, “normas finalmente
programadas” permitindo à Administração uma ampla discricionariedade de
escolha dos meio necessários para alcançar esses fins. A segunda
característica é o facto de todos os planos preverem um leque de medidas,
que se posicionam numa relação indissolúvel de complementaridade e
dependência recíprocas.
Assim, com base nestas duas características, o autor alemão propõe
a seguinte noção de plano – ato de um órgão administrativo que, através de
diferentes medidas discricionárias, e interligadas, visa a realização de uma
determinada situação de ordenamento.
8
Funções dos Planos
A pluralidade de funções realizadas pelos planos pode ser
decomposta em quatro grandes grupos, de acordo com a divisão de
Fernando Alves Correia. A primeira função será a da inventariação da
realidade ou da situação existente, sob o ponto de vista do ordenamento do
espaço. Esta função implica que todos os planos devem fazer um
levantamento da situação existente, bem como das respetivas causas, e
vem expressamente contemplada no Decreto-Lei 380/99, de 22 de
setembro, que estabelece o regime jurídico dos instrumentos de gestão
territorial, nomeadamente no artigo 37º nº2 que determina que o plano é
“acompanhado por um relatório que procede ao diagnóstico da situação
territorial sobre o qual o instrumento de política sectorial intervém e à
fundamentação técnica das opções e objetivos estabelecidos”. Também no
artigo 45º nº2, alínea a), estabelece que os planos de ordenamento do
território são acompanhados por um “relatório que justifica a disciplina
definida”. Por sua vez, no artigo 85º, alínea a), prescreve que o plano
diretor municipal define um modelo de organização municipal do território,
estabelecendo “a caracterização económica, social e biofísica, a dinâmica
demográfica, a estrutura do povoamento e as perspetivas de
desenvolvimento social e cultural da região”.
A segunda função apontada é a da conformação do território. Esta é
uma função inerente a todos os planos visto que todos eles pretendem
programar, influenciar e organizar a ocupação e a transformação do
território e desenvolver harmoniosamente as diferentes parcelas do espaço.
Esta consiste numa definição de regras e princípios respeitantes à
organização do território e à racionalização da ocupação e utilização do
espaço. Podemos encontrar esta função implicitamente na definição e nos
objetivos dos vários tipos de planos disciplinados no DL 380/99
(nomeadamente nos artigos 26º, 27º, 42º, 43º, 52º, 60º, 61º, 69º e 70º).
Uma terceira função é a da conformação do direito de propriedade do
solo. O que quer dizer por outras palavras que o plano tem como um dos
principais efeitos o estabelecimento de prescrições que tocam na essência
do direito de propriedade, através da classificação e destino do solo, da
divisão do território em zonas e da definição dos parâmetros a que deve
obedecer a ocupação, uso e transformação destas. Esta função é
especialmente exercida pelos planos mais específicos e intensos e que
incidem em áreas singulares, como os planos especiais e municipais de
ordenamento do território.
Por último, os planos desenvolvem a função de gestão do território,
no sentido de que no próprio plano estão incorporadas prescrições
relacionadas com a execução ou concretização dos mesmos. As suas
disposições dizem respeito à execução concreta das suas previsões,
9
dispondo não só sobre o processo urbanístico em si mas também pelo modo
como os modelos que encerram são executados.
Tipos de Planos
A legislação portuguesa prevê uma multiplicidade de planos
territoriais que podem ser classificados de acordo com dois critérios. O
primeiro critério tem por base a finalidade, ou por outras palavras, a
natureza dos objetivos prosseguidos por eles. Dentro desta categoria
teremos os globais, os sectoriais e os especiais. Os planos globais que
estabelecem um ordenamento integral do território por eles abrangido e
disciplinam todos os usos e destinos do espaço estabelecendo modelos de
evolução da ocupação humana e da organização de redes e sistemas
urbanos assim como os parâmetros de aproveitamento do solo (de acordo
com a alínea b) do artigo 8º da Lei de Bases de Ordenamento do Território).
São espécies de instrumentos de planeamento territorial global o programa
nacional de política de ordenamento do território, os planos regionais de
ordenamento do território, os planos intermunicipais de ordenamento do
território e os planos municipais de ordenamento do território (Plano Diretor
Municipal que “estabelece a estrutura espacial, a classificação básica do
solo, bem como parâmetros de ocupação, considerando a implantação dos
equipamentos sociais, e desenvolve a qualificação dos solos urbano e rural”
– artigo 9º nº2 alínea a) da LBOTU; o Plano de Urbanização que
“desenvolve, em especial, a qualificação do solo urbano” - artigo 9º nº2
alínea b) da LBOTU; Plano de Pormenor que “que define com detalhe o uso
de qualquer área delimitada do território municipal” - artigo 9º nº2 alínea c)
da LBOTU).
Os planos sectoriais que têm por objetivo a programação e a
concretização de diversas políticas de desenvolvimento económico-social
com repercussão na organização do território (artigo 8º alínea c) da
LBOTU). As espécies de planos sectoriais vêm indicadas no artigo 9º nº3 da
LBOTU e no artigo 35º do Decreto-Lei 380/99, de 22 de setembro, e são “os
planos com incidência territorial da responsabilidade dos diversos sectores
da administração central, nomeadamente nos domínios dos transportes, das
comunicações, da energia e recursos geológicos, da educação e da
formação, da cultura, da saúde, da habitação, do turismo, da agricultura, do
comércio e indústria, das florestas e do ambiente” e os planos de
ordenamento sectorial e os regimes territoriais definidos ao abrigo de lei
especial e ainda as decisões sobre a localização e a realização de grandes
empreendimentos públicos com incidência territorial.
Ainda os planos especiais que visam a tutela de interesses públicos
específicos, através do estabelecimento de regimes de salvaguarda de
recursos e valores naturais, de modo a assegurar a permanência dos
10
sistemas indispensáveis à utilização sustentável do território. Integram esta
categoria, de acordo com o nº3 do artigo 42º do Decreto-Lei 380/99, os
planos de ordenamento de áreas protegidas, os planos de ordenamento de
albufeiras de águas públicas e os planos de ordenamento da orla costeira. E
ainda, previsto no nº7 do artigo 75º da Lei 107/2001, de 8 de setembro
(Lei do Património Cultural), o plano de ordenamento de parque
arqueológico.5
O segundo critério tem a ver com o âmbito espacial de aplicação. De
acordo com este critério é possível distinguir cinco níveis: o nacional,
regional, supramunicipal, municipal e submunicipal. No primeiro nível situa-
se o programa nacional da política de ordenamento do território, que
estabelece as grandes opções com relevância para a organização do
território nacional (artigo 9º nº1 alínea a), da Lei 48/98 e os artigos 26º a
34º do Decreto-Lei 380/99). No segundo nível estão os planos regionais de
ordenamento do território (PROT), correspondendo o seu âmbito de
aplicação à divisão do território efetuada pelo NUTE II. No nível
supramunicipal enquadram-se os planos intermunicipais de ordenamento do
território (artigo 9º nº1 alínea c), da Lei 48/98 e os artigos 60º a 68º do
Decreto-Lei 380/99). No nível municipal temos o plano diretor municipal
que abarca todo o território do município (artigo 84º do Decreto-Lei
380/99). No quinto e último nível teremos então os planos de urbanização e
os planos de pormenor já que apenas abrangem uma parte do município
(artigos 87º e 90º do Decreto-Lei 380/99).
5 Apondo algumas reservas à classificação deste como plano especial, atendendo ao
princípio da tipicidade das modalidades dos planos especiais, Alves Correia, Manual
de Direito do Urbanismo p.296
11
Avaliação Ambiental Estratégica
Enquadramento histórico da temática da Avaliação
Ambiental Estratégica em Portugal
Como temos vindo a enfatizar, existe uma íntima convivência entre o
Direito do Urbanismo e o Direito o Ambiente, no sentido de que, quando
articulados, almejam a promoção da qualidade ambiental das povoações e
da vida urbana. Neste sentido, a avaliação ambiental constitui um
instrumento importante de integração das considerações ambientais na
preparação e aprovação de determinados projetos, planos e programas que
possam produzir efeitos significativos no ambiente, uma vez que garante
que os efeitos ambientais da aplicação destes são tomados em consideração
durante a sua preparação antes da sua aprovação.
Desde cedo se tornou notório que a existência de um mecanismo
único de avaliação do impacte ambiental de projetos não era suficiente para
a prossecução destes objetivos. Com efeito, este instrumento permitia a
avaliação do impacto ambiental num momento em que a capacidade de
tomar medidas diferentes e outras alternativas, no que toca ao
desenvolvimento do projeto, eram já muito restritas. O que acontece é que,
no momento de avaliação dos efeitos que determinado projeto repercutirá
no meio ambiente, estão já pré-determinados em planos ou programas as
condições a que estes se encontram sujeitos esvaziando de utilidade e
alcance a própria avaliação de impacte ambiental. Para fazer face a este
problema, a Convenção da ONU/Comissão Económica para a Europa relativa
à avaliação do impacto ambiental num contexto transnacional, de 25 de
Fevereiro de 1991, que se aplica tanto aos Estados-Membros como a outros
Estados, encorajava as partes na Convenção a aplicarem os princípios da
mesma aos seus planos e programas.
Na segunda reunião das partes na Convenção, que se realizou em
Sofia a 26 e 27 de Fevereiro de 2001, decidiu-se elaborar um protocolo
juridicamente vinculativo sobre as avaliações de impacto ambiental, o qual
complementaria as disposições sobre a avaliação de impacto ambiental num
contexto transfronteiras. Nesse sentido, foi aprovado e assinado em Kiev
(no ano de 2003) um Protocolo relativo à avaliação ambiental estratégica,
no seio da UNECE6. Este protocolo requeria que as partes que o assinassem
promovessem a criação de um mecanismo de avaliação de impacte
ambiental relativamente a planos e programas. Reforçando a ideia de que
este instrumento, a que se recorre numa etapa prévia do processo de
decisão, tem uma especial importância, relativamente ao AIA, no sentido de
um desenvolvimento sustentável. Mencionava nesse sentido que o
AAE permite a identificação e prevenção de um possível impacto
ambiental desde o início, no processo de decisão, promovendo o
6 Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa
12
desenvolvimento de política de transportes mais sustentável, em vez de
apenas minimizar o impacto ambiental da construção de uma estrada, por
exemplo- permitindo que os objetivos ambientais sejam considerados em
pé de igualdade com as condições socioeconómicas.
Entretanto, foi aprovada em 2001 a Diretiva nº 2001/42/CE, do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Junho, que previa a avaliação
dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente. O propósito
da referida diretiva é o de assegurar que, através da adoção de um modelo
procedimental e da participação do público e de entidades com
responsabilidades em matérias ambientais, as consequências ambientais de
um determinado plano ou programa produzido ou adotado por uma
entidade no uso de poderes públicos são previamente identificadas e
avaliadas durante a fase da sua elaboração e antes da sua adoção.
A transposição desta Diretiva, por parte do poder legislativo do
Estado português, não foi imediata o que fez com que Portugal fosse
condenado pelo Tribunal Europeu, em Maio de 2007, por esse
incumprimento. No acórdão-sentença o tribunal refere que o Governo
português não pôs em causa a justeza do incumprimento que lhe era
censurado, sustentando que «está a desenvolver esforços no sentido de
aprovar e publicar rapidamente o decreto-lei de transposição». Posto isto, é
publicado a 15 de Junho de 2007 em Diário da República, o Decreto-lei
232/2008 que transpunha a tal Diretiva da União Europeia e com um
“timing” perfeito, sobretudo por causa do QREN 2007-2013, já que para os
Programas apoiados pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional e/ou
pelo Fundo de Coesão, que fazem parte do conjunto dos programas
operacionais, do próximo período de programação financeira, seria
obrigatório haver uma avaliação estratégica ambiental.
Em 2011, foi alterado uma parte do regime da AAE pelo Decreto-lei
58/2011, de 4 de Maio, que visou tornar mais transparente o processo de
divulgação de informação relativa à avaliação e aprovação de planos e
programas com significativo impacto ambiental.
13
Os Princípios subjacentes à Avaliação Ambiental
Estratégica
No contexto europeu e em vários textos de direito internacional tem
vindo a ser introduzida a expressão “boa governação”. A boa governação ou
good governance desconstrói-se em vários princípios, nomeadamente, os
da abertura, participação, transparência, responsabilização, eficácia e
coerência. O princípio da abertura traduz-se numa maior disponibilidade por
parte dos diferentes poderes para a negociabilidade das decisões; o
princípio da participação reconhece aos cidadãos a possibilidade de intervir
nos procedimentos, numa crescente interação entre todos os participantes
democráticos; o princípio da transparência promove o caráter público da
atuação dos órgãos políticos; o princípio da responsabilização; o princípio da
eficácia impõe que as políticas seguidas respondam às necessidades
sentidas pelas populações, e que sejam as mais adequadas e proporcionais;
e, o princípio da coerência que pretende a existência de políticas contínuas,
de forma a aumentar a sua qualidade e, consequentemente, a sua
legitimação).
Estes princípios manifestam-se, sem dúvida, no regime de avaliação
ambiental de planos e programas, sendo que o princípio da eficácia
corresponde à verdadeira essência deste sistema, a sua base norteadora, e
há uma ampla participação do público neste procedimento (nomeadamente
através do mecanismo da consulta pública), o que evidencia a aplicação dos
princípios da abertura, transparência e participação.
Pergunta-se por outro lado se o RAAE contraria outro princípio da boa
governação – o da redução das despesas públicas. Se é verdade que com a
exigência de um procedimento de avaliação prévio à aprovação de planos e
programas estamos a conferir mais um encargo à entidade pública que o
elabora e aprova, também não podemos deixar de notar que existem outros
valores em equação, designadamente, os ambientais. Há que ter em vista,
conjugando com o princípio do desenvolvimento sustentável, que estes
custos iniciais poderão, no longo prazo, traduzir-se em benefícios para as
populações e para o meio ambiente.
Cremos então que o procedimento de avaliação ambiental estratégica
é fundamental para a prossecução de valores como o desenvolvimento
sustentável e a promoção da solidariedade geracional no sentido de que os
custos suportados no presente poderão traduzir-se no futuro numa melhor
qualidade de vida para as populações e na preservação do meio ambiente.
14
O que é a Avaliação Ambiental Estratégica?
A Avaliação Ambiental Estratégica é um meio de avaliação de
impactes que atua a níveis estratégicos e contribui para a inclusão das
questões e objetivos ambientais e de sustentabilidade nos planos e
programas sujeitos à sua aplicação. No fundo, consiste na identificação,
descrição e avaliação dos eventuais efeitos significativos no Ambiente
resultantes de um plano ou programa, sendo realizada durante um
procedimento de preparação e elaboração do plano ou programa e antes de
o mesmo ser aprovado ou submetido a procedimento legislativo,
concretizando-se na elaboração de um relatório ambiental e na realização
de consultas, na ponderação dos resultados obtidos na decisão final sobre o
plano ou programa e na divulgação pública de informação respeitante à
decisão final.
Tem como ponto-chave garantir o controlo do projeto assim que seja
elaborado o plano ou programa onde se insere (ou seja antes da sua
concretização). Apresentando-se como um mecanismo bastante adaptável e
amplo, conjugando as novas componentes do direito administrativo com
preocupações ambientais. A longo prazo, espera-se que leve a uma redução
dos custos administrativos, assim como à redução da ocorrência de
possíveis conflitos ao resolver os problemas na fonte (nos planos e nos
programas). Nas palavras de CARLA AMADO GOMES, “o seu posicionamento
prévio e independente da existência de um qualquer projeto deixa-lhe
campo aberto para uma verdadeira ponderação de alternativas, de
hipóteses de aproveitamento de uma determinada zona” o que
inevitavelmente possibilita uma maior eficiência e sustentabilidade na
utilização de recursos.
15
Regime Jurídico
A pedra-toque deste procedimento é o relatório ambiental da
competência da entidade que aprova o plano ou programa (artigo 6º do
Regime de Avaliação Ambiental Estratégico, doravante RAAE). Não devendo
este constituir uma descrição final da situação ambiental, mas sim uma
análise inicial de base a todo esse procedimento de elaboração e cujo
conteúdo se deve ter em consideração na redação da versão final do plano
ou programa em apreço. Este relatório é posteriormente sujeito a discussão
pública por período não inferior a 30 dias (salvo circunstâncias excecionais
reconhecidas em despacho conjunto do Ministro do Ambiente e do Ministro
competente em razão da matéria) — artigo 7º do RAAE —, devendo as suas
conclusões, aditadas do resultado da consulta pública, ser levadas à
ponderação na elaboração do plano ou programa (artigo 9º do RAAE).
Formalmente, esta ponderação merecerá autonomização através de uma
declaração ambiental, a enviar à APA aquando da aprovação do plano ou
programa, devendo ser publicitada na página da Internet da entidade que
aprovou o plano ou programa e também na página da APA (artigo 10º do
RAAE). Carla Amado Gomes considera que a integração deste relatório
ambiental na fundamentação das opções assumidas no plano lhe confere a
natureza jurídica de um parecer. Não obstante ser a entidade que elabora o
plano a mesma responsável pela elaboração do relatório, o seu carácter
opinativo decorre da própria “fragilidade” das declarações inseridas no
relatório já que estas, nos termos do nº4 artigo 13º do RAAE, podem ser
afastadas por uma DIA relativa a projeto que esteja previsto de forma
suficientemente detalhada em plano ou programa submetido a
procedimento de avaliação ambiental, desde que devidamente
fundamentado.
Quanto ao âmbito de aplicação do RAAE, no seu artigo 3º nº 1,
determina quais os planos e programas sujeitos a avaliação ambiental
estratégica. Na alínea a), vêm previstos planos e programas para diversos
sectores de atividade e que constituam enquadramento para a futura
aprovação de projetos enunciados nos anexos I e II do D.L. 69/2000. Na
alínea b), os planos e programas que venham a produzir efeitos em sítios
da Rede Natura 2000 e que, por isso, devam ser sujeitos a uma avaliação
de incidências ambientais nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei 140/99,
de 24 de Abril, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 49/2005, de 24
de Fevereiro. Por último, na alínea c), os planos e programas, não incluídos
nas alíneas anteriores, que constituam enquadramento para a futura
aprovação de projetos (contenham disposições relevantes para a
subsequente tomada de decisões de aprovação, nomeadamente
respeitantes à sua necessidade, dimensão, localização, natureza ou
condições de operação, vem concretizado no n.º 5) e que sejam
qualificados como suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente,
cabendo essa qualificação às entidades mencionadas no n.º 6. O legislador
16
optou por introduzir no diploma uma delimitação legal do conceito de plano
ou programa considerando que estes serão os planos e programas,
incluindo os cofinanciados pela União Europeia, cuja elaboração, alteração
ou revisão por autoridades nacionais, regionais ou locais ou outras
entidades que exerçam poderes públicos, ou aprovação em procedimento
legislativo, resulte de exigência legal, regulamentar ou administrativa, e
que não respeitem unicamente à defesa nacional ou à proteção civil, não
revistam natureza financeira ou orçamental ou não sejam financiados ao
abrigo dos períodos de programação abrangidos pelos Regulamentos (CE)
n.os 1989/2006, de 21 de Dezembro, e 1257/99,do Conselho.
Numa formulação semelhante ao regime de dispensa de AIA, também
no RAAE (artigo 4º) se prevê que determinados planos e programas possam
estar isentos da avaliação de impacte ambiental. Tal sucederá apenas
quando esteja em causa a utilização de pequenas áreas a nível local e
pequenas alterações aos planos e programas indicados nas alíneas a) e b)
do n.º 1 do artigo 3º e que, cumulativamente, não sejam suscetíveis de
produzir efeitos significativos no ambiente. Nestes casos, deve a entidade
responsável pela elaboração do plano ou programa solicitar a emissão de
parecer, no prazo de 30 dias, às entidades às quais, em virtude das suas
responsabilidades ambientais específicas, possam interessar os efeitos
ambientais resultantes da aplicação do plano ou programa.
Quanto à avaliação de impacte ambiental de planos e programas,
prescreve o artigo 11º do RAAE que a entidade que aprova o plano deve
avaliar e controlar os efeitos significativos no ambiente, decorrentes da sua
aplicação e execução, verificando a adoção das medidas previstas na
declaração ambiental, a fim de identificar atempadamente e corrigir os
efeitos negativos imprevistos. Podemos admitir por esta via uma relação de
complementaridade entre a AAE e a AIA. Esta complementaridade é
especialmente notória no artigo 13º do RAAE, que tem por epígrafe
“Articulação com o regime da avaliação do impacte ambiental de projetos”.
Nos termos do seu nº 1, deve ocorrer, simultaneamente, a realização da
AIA dos projetos sujeitos a impacto ambiental que sejam enquadrados, de
forma detalhada, num plano ou programa, com a sua própria AAE. Ainda no
que toca a estes projetos que sejam previstos de forma suficientemente
detalhada num plano ou programa, determinam os nºs 2 a 4 que os
resultados da AAE devem ser levados em conta aquando da elaboração do
EIA em relação àqueles projetos e na DIA emitida no mesmo procedimento.
17
Conclusões
Ao contrário das regras jurídicas ambientais que são intrinsecamente
orientadas à satisfação dos fins de tutela do ambiente, para as regras
urbanísticas não existe um fim direto e imediato de proteção do ambiente.
Não obstante, é indiscutível que a relação entre estes dois ramos de Direito
é de complementaridade e, no limite, podemos considerar também de
dependência.
No processo decisório do poder público é, nos dias de hoje,
imprescindível que os valores ambientais sejam equacionados com vista a
uma melhor prossecução do interesse público pela promoção da qualidade
ambiental das populações e da vida urbana.
Os planos de ordenamento do território, que considerámos terem
natureza de regulamento administrativo, são um exemplo de como se pode
conjugar os interesses socioeconómicos, urbanísticos e de gestão racional
dos recursos atendendo aos valores naturais. São sistemas indispensáveis à
utilização sustentável do território, nomeadamente por estabelecerem as
medidas básicas e os limiares de utilização que garantem a renovação e
valorização do património natural.
Os planos executam funções de inventariação, conformação do
território e do direito de propriedade, e de gestão do território, no sentido
de que no próprio plano estão incorporadas prescrições relacionadas com a
execução ou concretização dos mesmos.
Tendo como finalidade a proteção dos componentes ambientais, a
execução dos planos implica a existência de proibições, mas sobretudo
limitações ao uso habitual do espaço, quer por proprietários, quer por
visitantes. A intensidade destas limitações é determinada pelo estado do
meio ambiente, pela capacidade de regeneração dos recursos que se
sediam nesses espaços, pela sua capacidade de absorção de poluição, pela
sua maior ou menor fragilidade perante a presença humana e as atividades
em que se traduz. É a avaliação dos potenciais efeitos negativos
potenciados pelo uso dado determinada parcela do território que permite
garantir a adoção de soluções inovadoras mais eficazes e sustentáveis e de
medidas de controlo que evitem ou reduzam efeitos negativos significativos
no ambiente decorrentes da execução do plano ou programa.
A criação de um mecanismo de controlo do impacte ambiental prévio
à elaboração e aprovação de um plano ou programa justifica-se, dado que
apenas com a AIA de projetos era mais difícil proceder a uma análise eficaz
e realista dos possíveis efeitos ambientais. Com a identificação e avaliação
prévias das consequências ambientais torna-se mais fácil proceder
posteriormente à tomada de decisões, mais condicionadas é certo, mas
também mais ponderadas no que às consequências concerne.
18
A relação entre o AAE e a AAI deve ser, de acordo com o Decreto-Lei
232/2007, articulada sendo certo que ambas desempenham funções
diferentes. Se a primeira executa uma função estratégica de análise de
grandes opções, a segunda, por seu lado, tem a função de avaliar o impacte
dos projetos tal como são executados em concreto. No entanto, pode
acontecer que, no âmbito da avaliação de planos e programas, se produzam
elementos que possam ser aproveitados no âmbito da avaliação ambiental
de projetos que se insiram nesses mesmos planos ou programas. Daí que
no artigo 14º do RAAE se consagre o dever de ponderar o resultado da
avaliação ambiental de um plano ou programa na decisão final de um
procedimento de AIA relativo a um projeto que materialize escolhas
tomadas em sede do supracitado plano ou programa. Assim, a AAE não
pode ser obrigatória na ponderação a fazer em sede de AIA, não obstante
cabe à administração justificar eventuais divergências entre essa AAE e a
decisão do procedimento de AIA.
Do exposto resulta que relativamente ao recurso a estes
instrumentos de ordenamento do território estará sempre presente uma
ideia de racionalização dos recursos disponíveis e de proteção do ambiente.
Estão então estreitamente ligadas neste contexto as matérias do urbanismo
e ordenamento do território e a do ambiente.
19
Bibliografia
ALVES CORREIA, Fernando, MANUAL DE DIREITO DO URBANISMO,
volume I, 2ª edição, Almedina;
LOPES DE BRITO, António José dos Santos, A PROTEÇÃO DO
AMBIENTE E OS PLANOS REGIONAIS DO ORDENAMENTO DO
TERRITÓRIO, Almedina;
ALVES CORREIA, Fernando, ESTUDOS DE DIREITO DO URBANISMO,
Almedina;
PEREIRA DA SILVA, Vasco, VERDE A COR DO DIREITO, Almedina;
GOMES, Carla Amado, DIREITO ADMINISTRATIVO DO AMBIENTE.