OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA … · OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA...

18
OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA PÚBLICA E O PRINCÍPIO DA ISONOMIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. FONSECA, Raul Alencar Soares 1 ; VELOSO Cynara Silde Mesquita 2 Resumo: A manutenção da prerrogativa da Fazenda Pública pelo novo código de processo civil foi o tema do presente artigo. Propõe-se analisar a compatibilidade das prerrogativas relativas à diferenciação de prazos com a nova sistemática processual brasileira. Para consecução do objetivo, o estudo feito neste artigo teve por base a leitura e a análise de vários textos, contrapondo a manutenção da prerrogativa processual com os princípios constitucionais do processo. Foi possível concluir que a distinção de tratamento conservada pela nova lei processual à Fazenda Pública, com fundamento na supremacia dos interesses coletivos, é inconcebível no atual contexto do Estado Democrático de Direito e com as garantias constitucionais do processo. O princípio da isonomia no processo traz ínsita a ideia da igualdade de chances entre as partes no exercício do procedimento em contraditório. Conferir qualquer tipo de prerrogativas nas relações processuais em que a Fazenda Pública figura como uma das partes fere diretamente a igualdade argumentativa, representa um retrocesso ao Estado com feições de Leviatã, onde o interesse do Estado estaria acima dos cidadãos, e constituí um ônus na construção do sincretismo processual, aspecto intensamente cobrado do Poder Judiciário nos últimos tempos. Palavras-chave: Isonomia Processual. Fazenda Pública. Novo Código de Processo Civil. Introdução O Novo Código de Processo Civil (NCPC) trouxe em seu bojo algumas modificações que tiveram objetivos precípuos a busca pela ampliação do acesso à Justiça e de uma maior efetividade do processo. Ademais, a eficiência pretendida pelo legislador deve ser interpretada como busca pela presteza na entrega da prestação jurisdicional às partes integrantes da lide. Nas relações processuais desenvolvidas nos litígios em que a Fazenda Pública é uma das partes, a lei confere, entre outras prerrogativas, prazos maiores para o ente estatal contestar e recorrer, de acordo com o artigo 188, do CPC/1973. São concedidos prazos em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer. No NCPC, entretanto, o Poder público dispõe de prazo em dobro para todas as manifestações. Muito se discute se essa prerrogativa viola o princípio da isonomia criando desigualdade substancial em favor da Fazenda Pública. É incontestável, porém, que as 1 Graduando em Direito pela UNIMONTES. 2 Doutora em Direito Processual pela PUC Minas. Mestre em Ciências Político-Jurídicas pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professora do Curso de Direito da UNIMONTES e das FIPMoc. Orientadora deste artigo.

Transcript of OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA … · OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA...

Page 1: OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA … · OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA PÚBLICA E O PRINCÍPIO DA ISONOMIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. FONSECA, Raul

OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA PÚBLICA E O

PRINCÍPIO DA ISONOMIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

FONSECA, Raul Alencar Soares1; VELOSO Cynara Silde Mesquita2

Resumo:

A manutenção da prerrogativa da Fazenda Pública pelo novo código de processo civil foi o

tema do presente artigo. Propõe-se analisar a compatibilidade das prerrogativas relativas à

diferenciação de prazos com a nova sistemática processual brasileira. Para consecução do

objetivo, o estudo feito neste artigo teve por base a leitura e a análise de vários textos,

contrapondo a manutenção da prerrogativa processual com os princípios constitucionais do

processo. Foi possível concluir que a distinção de tratamento conservada pela nova lei

processual à Fazenda Pública, com fundamento na supremacia dos interesses coletivos, é

inconcebível no atual contexto do Estado Democrático de Direito e com as garantias

constitucionais do processo. O princípio da isonomia no processo traz ínsita a ideia da

igualdade de chances entre as partes no exercício do procedimento em contraditório. Conferir

qualquer tipo de prerrogativas nas relações processuais em que a Fazenda Pública figura como

uma das partes fere diretamente a igualdade argumentativa, representa um retrocesso ao

Estado com feições de Leviatã, onde o interesse do Estado estaria acima dos cidadãos, e

constituí um ônus na construção do sincretismo processual, aspecto intensamente cobrado do

Poder Judiciário nos últimos tempos.

Palavras-chave: Isonomia Processual. Fazenda Pública. Novo Código de Processo Civil.

Introdução

O Novo Código de Processo Civil (NCPC) trouxe em seu bojo algumas modificações

que tiveram objetivos precípuos a busca pela ampliação do acesso à Justiça e de uma maior

efetividade do processo. Ademais, a eficiência pretendida pelo legislador deve ser interpretada

como busca pela presteza na entrega da prestação jurisdicional às partes integrantes da lide.

Nas relações processuais desenvolvidas nos litígios em que a Fazenda Pública é uma

das partes, a lei confere, entre outras prerrogativas, prazos maiores para o ente estatal

contestar e recorrer, de acordo com o artigo 188, do CPC/1973. São concedidos prazos em

quádruplo para contestar e em dobro para recorrer. No NCPC, entretanto, o Poder público

dispõe de prazo em dobro para todas as manifestações.

Muito se discute se essa prerrogativa viola o princípio da isonomia criando

desigualdade substancial em favor da Fazenda Pública. É incontestável, porém, que as

1 Graduando em Direito pela UNIMONTES. 2 Doutora em Direito Processual pela PUC Minas. Mestre em Ciências Político-Jurídicas pela Universidade

Federal de Santa Catarina. Professora do Curso de Direito da UNIMONTES e das FIPMoc. Orientadora deste

artigo.

Page 2: OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA … · OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA PÚBLICA E O PRINCÍPIO DA ISONOMIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. FONSECA, Raul

prerrogativas da Fazenda Pública constituem um ônus na construção do sincretismo

processual, aspecto intensamente cobrado do Poder Judiciário.

Pretendeu-se, então, elucidar até que ponto as prerrogativas concedidas à Fazenda vão

de encontro aos princípios constitucionais elencados na CRFB/88, mais especificamente a

igualdade processual inter partes e o devido processo legal.

Para tanto, utilizou-se do método dedutivo, porque se partirá do estudo dos princípios

constitucionais do processo e do modo como foram concebidos os benefícios, relativos aos

prazos, concedidos às pessoas jurídicas de direito público para só então fazer uma breve

exposição acerca da compatibilidade ou não entre eles.

O presente artigo foi divido de modo que pudessem ser observadas de maneira

pragmática o tema abordado. Fez-se necessária a análise do Estado democrático de direito e

do processo constitucionalizado, para depois se explanar sobre a isonomia processual e o

devido processo legal. As prerrogativas da Fazenda Pública foram contextualizadas nos seus

aspectos histórico-jurídicos, pois decorrem de um longo processo evolutivo. Ao fim, discorre-

se sobre o posicionamento jurisprudencial e doutrinário sobre os prazos diferenciados e sua

manutenção no Novo Código de Processo Civil.

O Estado democrático de direito positivado pela Constituição da República Federativa

de 1988

Antes de analisar se as prerrogativas concedidas às pessoas jurídicas de direito público

estão de acordo com as garantias constitucionais do processo, faz-se necessário estudar a

configuração atual de estado, o chamado Estado Democrático de Direito, bem como os

princípios enunciativos do processo que dele derivam.

Para Karl Schmidt, o conceito de Estado não é um conceito geral válido para todos os

tempos, mas é um conceito histórico concreto, que surge quando nascem a ideia e a prática da

soberania. (DALLARI, 2013)

Em tempos passados, o Estado era concebido como a figura hobbesiana do Leviatã, em

que a soberania se encontrava na pessoa do monarca. Para Hobbes o Estado é:

uma pessoa de cujos atos se constitui em autora uma grande multidão, mediante

pactos recíprocos de seus membros, com o fim de que essa pessoa possa empregar a

força e os meios de todos, como julgar conveniente, para assegurar a paz e a defesa

comuns. (DALLARI, 2013)

Diferente do que prega Hobbes, o Brasil encontra-se hoje em um contexto social

completamente diferente. O Estado brasileiro atual é Estado Democrático de Direito. O

Page 3: OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA … · OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA PÚBLICA E O PRINCÍPIO DA ISONOMIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. FONSECA, Raul

Estado Democrático de Direito, positivado pela Constituição da República Federativa do

Brasil, introduz a soberania popular dentro do conceito de Estado, devendo o poder ser

exercido e organizado em termos democráticos, de acordo com a vontade do povo.

O Estado Democrático de Direito buscou sintetizar as conquistas das experiências

anteriores, os modelos de Estado Liberal, ou Estado de Direito, e o Estado Social, superando

suas deficiências.

A principal característica do Estado Liberal de Direito era o arquétipo do Estado

abstencionismo, respeitando as liberdades individuais, e só intervindo em questões essenciais.

No Estado de Direito, a ideia em torno da qual gravita o modelo de estado é o império e a

supremacia da lei. Diferentemente do Estado de Direito, o Estado Democrático de Direito tem

a Constituição como a sua força normativa, vinculando o legislador através de um devido

processo legislativo que corresponda aos anseios da sociedade democrática (CATTONI DE

OLIVEIRA, 2000).

Habermas (2004), em sua obra, esclarece que no modelo liberal a política e a atuação do

Estado segue o caminho determinado pelos interesses do mercado, em que a sociedade quer a

atuação do aparato administrativo apenas para que seus direitos subjetivos sejam protegidos

O Estado Social, modelo essencialmente intervencionista, decorre das diversas

inconsistências que se apresentam no modelo liberal, principalmente em relação a

marginalização da classe proletariada, em virtude da Revolução Industria. O Estado Social

tem como característica a organização de políticas compensatórias e de proteção jurídica,

sobretudo nos domínios econômico, social e laboral. A crítica a esse modele é justamente em

virtude do frequente intervencionismo estatal, que consequentemente restringe a liberdade e a

participação democrática do povo. (PELLEGRINI, 2004)

Em consequência do acentuado crescimento do constitucionalismo desenvolvido a

partir dos processos constituintes americano (1787) e francês (1789), que consagraram o

princípio de constitucionalidade da ordem jurídica, o Estado constitucionalmente estruturado,

passa a ter suas atividades regidas por leis votadas e aprovadas pelos representantes do povo,

deixando de ser uma fonte exclusiva do Estado (BRÊTAS,2003).

Nesse sentido, ensina Pellegrini (2004) ao mencionar a superação do Estado liberal,

mediante a formação de autonomia popular em Habermas:

É justamente a partir da preocupação com a crise do Estado de Direito que

Habermas propõem como forma de superação o paradigma procedimentalista do

Estado Democrático de Direito, segundo o qual os sujeitos de direitos adquirirem

importantes papéis como agentes formadores e conformadores da sociedade, a partir

do exercício de sua autonomia privada e cidadã.

Page 4: OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA … · OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA PÚBLICA E O PRINCÍPIO DA ISONOMIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. FONSECA, Raul

Conforme observa Leal (2009) a Constituição Brasileira de 1988 é a condutora da

sociedade sob a denominação de Estado Democrático de Direito, o que não permite mais que

os fundamentos processuais advenham de um Legislativo ou Judiciário comprometido com a

administração pública, mas a própria comunidade política não permitiria retrocessos em seus

alicerces constitucionais, o que garantiria o direito posto pelo devido processo constitucional.

No Estado democrático de Direito os cidadãos são portadores de direito de participação

democrática. A Constituição, nesse modelo, é reconhecida pela sua força normativa,

assegurando direitos fundamentais e abandonando o caráter meramente político, como

anteriormente era concebida. (HESSE, 1991).

O processo como instituição jurídica constitucionalizada.

Em virtude do exposto, é inadmissível uma análise do processo sem reconhecê-lo como

uma instituição constitucionalizada, pois é por intermédio do direito processual que há a

observância dos demais direitos fundamentais. Conforme bem esclarece o jurista Cattoni de

Oliveira:

Assim, não se pode opor o exercício do Poder Jurisdicional à garantia de direitos,

pois é através do processo jurisdicional realizado em contraditório entra as partes,

juntamente com o juiz ou tribunal autor do provimento, que o provimento

jurisdicional é emitido e a função jurisdicional é exercida. (CATTONI DE

OLIVEIRA, 2001).

Com o advento do Estado Democrático de Direito o processo não pode mais ser

considerado como mero instrumento da jurisdição, ou como um simples sistema

procedimental, contido em códigos e leis extravagantes, como almejam os adeptos da escola

instrumentalista e da relação jurídica, mas sim como uma instituição jurídica

constitucionalizada. Significa dizer que, o processo tem na atualidade, como lugar devido de

sua criação a lei constitucional, representando um direito-garantia das partes.

Segundo Cynara Silde Mesquita Veloso (2008), qualquer provimento, para ser legítimo,

no Estado Democrático de Direito, deve observar o Devido Processo Constitucional e suas

duas vertentes: O Devido Processo Legislativo e o Devido Processo Legal.

Conforme ensinamentos de Marcelo Cunha de Araújo o devido processo constitucional:

O devido processo constitucional democrático seria aquele conjunto mínimo de

características, previstas constitucionalmente, que, estando presentes, conferem ao

Page 5: OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA … · OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA PÚBLICA E O PRINCÍPIO DA ISONOMIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. FONSECA, Raul

processo o título de direito-garantia fundamental do cidadão, vez que permitem a

participação política do mesmo na aplicação do direito (judicação compartilhada).

(ARAÚJO, 2003,)

Portanto, o devido processo constitucional representa uma instituição regente da

estruturação dos procedimentos pelo contraditório, ampla defesa e pela isonomia.

Decorrência lógica do devido processo constitucional é o devido processo legislativo.

No Estado Democrático de Direito, como bem ressaltado, as leis são legitimadas em seu

conteúdo material por um processo de participação popular legítimo, evidenciando o caráter

democrático-constitucional. Qualquer norma, seja de natureza material, seja de natureza

processual, deve obedecer a esse paradigma. (CATTONI DE OLIVEIRA, 2000).

Cattoni ensina com propriedade a importância e essencialidade da participação do povo

na discussão e elaboração das normas, é o processo legislativo discursivo. O devido processo

legal, por sua vez representa uma coextensão procedimental do devido processo

constitucional. (LEAL, 2010)

O princípio do devido processo legal e os princípios institutivos do processo.

A expressão devido processo legal deriva da tradução da expressão inglesa “Due

Processo of Law”. Esse instituto remonta ao artigo 39 da Magna Carta, outorgada em 1215

por João Sem-Terra a seus barões que dizia que “nenhum homem livre será preso ou privado

de sua propriedade, de sua liberdade ou de seus hábitos, declarado fora da lei ou exilado ou de

qualquer forma destruído, nem o castigaremos nem mandaremos forças contra ele, salvo

julgamento legal feito por seus pares ou pela lei do país”. O direito americano adotou esse

instituto por meio da V emenda à Constituição.

No ordenamento jurídico brasileiro, o devido processo legal foi introduzido de forma

expressa pela Constituição de 1988, em seu art. 5º, LIV, segundo o qual “ninguém será

privado da liberdade ou dos seus bens sem o devido processo legal”.

Muitos doutrinadores consideram o devido processo legal como o princípio mais

importante do ordenamento processual. Segundo Nery Jr:

a amplitude da cláusula devido processo legal tornaria desnecessária qualquer outra

dogmatização principiólogica relativamente ao processo civil. Nada obstante, é

importante fixarem-se os critérios de incidência do princípio em suas variadas

manifestações, notadamente no que respeita aos limites dessa incidência, de sorte a

não tornar os direitos e garantias fundamentais como direitos absolutos, oponíveis a

tudo e a todos, pois tal irrestringibilidade não se coaduna com o estado de direito

nem atende ao interesse público (NERY JR, 2004)

Page 6: OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA … · OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA PÚBLICA E O PRINCÍPIO DA ISONOMIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. FONSECA, Raul

A doutrina costuma classificar o devido processo legal sob dois enfoques diferentes: O

devido processo legal formal (procedural due process of law), sendo entendido como garantia

do pleno acesso à Justiça, e o devido processo legal material (substantive due process of law),

representando a garantia de vida, liberdade e propriedade, do qual decorrem os princípios da

proporcionalidade e da razoabilidade.

Para Rosemiro Pereira Leal o devido processo legal se constitui em um direito-garantia

no Estado democrático de direito e se configura pela observância dos princípios institutivos

do processo contraditório, isonomia e ampla defesa. (LEAL, 2010)

Os princípios do contraditório e da ampla defesa estão previstos no art. 5º, LV, da CF ao

enunciar que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral

são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”. O

contraditório é referente lógico-jurídico do processo constitucionalizado, pois se trata de

garantia decorrente do Estado Democrático de Direito. É o direito de ser ouvido e de

participar do processo. (LEAL, 2010). O doutrinador, Elio Fazzalari, considera o princípio

do contraditório tão importante no direito processual a ponto de afirmar não haver processo

sem contraditório.

O princípio constitucional da ampla defesa significa dizer, segundo Rui Portanova que

“o cidadão tem plena liberdade de, em defesa de seus interesses, alegar fatos e propor

provas.”. (PORTANOVA, 2001, p.125) A ampla defesa nada mais é do que a dimensão

substancial do contraditório, sendo o direito das partes de influenciar na decisão. A defesa

deve ser ampla, não podendo ser suprimida a pretexto de celeridade processual.

O princípio da isonomia, por estar diretamente relacionado com o tema dessa pesquisa,

merece um estudo particularizado.

O princípio da isonomia processual.

A ideia de igualdade encontra-se intimamente ligada ao Estado Democrático de Direito,

sendo que a sociedade sempre a relacionou com o ideal de justiça. Cármen Lúcia Antunes

Rocha, ratificando essa relação, expõe que "A igualdade no direito é arte do homem. Por isto

o princípio jurídico da igualdade é tanto mais legítimo quanto mais próximo estiver o seu

conteúdo da ideia de justiça em que a sociedade acredita na pauta da história e do tempo".

(ROCHA, 1990)

O Princípio da isonomia está consagrado no artigo 5º, caput e inciso I, da Constituição

Federal, que assegura que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.

Page 7: OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA … · OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA PÚBLICA E O PRINCÍPIO DA ISONOMIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. FONSECA, Raul

Tanto o Estado-Juiz quanto o legislador e os operadores do direito devem ter como premissa o

princípio da isonomia legal para a edição e aplicação justa da norma de acordo com a ideal de

justiça que a sociedade utiliza.

Ressalta-se que igualdade entre os cidadãos não é absoluta, já que as desigualdades que

eventualmente possam existir entre as pessoas não podem ser eliminadas. A essa quebra do

princípio da isonomia é dado o nome de igualdade real ou material. A lei pode, portanto, em

determinados casos, estabelecer distinções. A percepção sobre a constitucionalidade da

discriminação proporcionada pela lei baseia‐se no fato de o elemento discriminador estar a

serviço de um fim constitucionalmente protegido. Deve haver uma justificativa para o critério

adotado, devendo ser objetivo, razoável e proporcional.

O princípio da isonomia, quando analisado sob o aspecto processual, estabelece que aos

procuradores e às partes deve ser garantido tratamento igualitário, com finalidade de que

tenham em juízo as mesmas oportunidades de suas razões serem postas em juízo. Portanto

percebe-se que a isonomia processual afasta qualquer tipo de privilégio e proíbe distinções

não autorizadas pelo texto constitucional, representando um pressuposto lógico ao

procedimento em contraditório.

A propósito, é mister destacar o posicionamento de Rosemiro Pereira Leal (2010) acerca

do princípio da isonomia:

O princípio da isonomia é direito-garantia hoje contitucionalizado em vários países

de feições democráticas. É referente lógico-jurídico indispensável do procedimento

em contraditório (processo), uma vez que a liberdade de contradizer no processo

equivale à igualdade temporal de dizer e contradizer para a construção, entre as

partes, da estrutura procedimental. A asserção de que há de se dar tratamento igual a

iguais é tautológica, porque, na estruturação do procedimento, o dizer e contradizer,

em regime de liberdade assegurada em lei, não se operam pela distinção

jurisdicional do economicamente igual ou desigual. O direito ao Processo não tem

conteúdos de criação de direitos diferenciados pela disparidade econômica das

partes, mas é direito assegurador de igualdade de realização construtiva do

procedimento. (grifos do autor)

Assim, o princípio da isonomia processual traz ínsita a ideia da igualdade de chances

entre as partes no processo, o que leva a reflexões de discriminações construídas pela lei,

como as prerrogativas processuais da Fazenda Pública.

Muito se discute se essa prerrogativa viola o princípio da isonomia criando

desigualdade substancial em favor da Fazenda Pública. É incontestável, porém, que as

prerrogativas da Fazenda Pública comprometem a prestação judicial célere.

Leal (2005) elucida o caráter inconstitucional de dispositivos que conferem tratamentos

processuais diferenciados, em flagrante desacordo com o princípio analisado:

Page 8: OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA … · OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA PÚBLICA E O PRINCÍPIO DA ISONOMIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. FONSECA, Raul

A ISONOMIA como princípio jurídico-processual de primeira geração não pode ser

descuidada na construção e exercício da constitucionalidade democrática, porque é

ela que torna possível a igualdade (simétrica paridade) entre os economicamente

desiguais, entre os física e psiquicamente diferentes e entre maioria e minoria

política, ideológica ou social. Processualmente, na democracia, é inconcebível uma

desigualdade jurídica fundamental, porque, se tal ocorresse, romper-se-ia com as

garantias constitucionais do processo em seus princípios enunciativos do

contraditório, isonomia e ampla defesa na produção, correição e aplicação do direito,

inclusive do próprio direito processual. Daí, também, a inconstitucionalidade de

diversos trechos do ordenamento jurídico brasileiro que estabelecem prazos

diferentes, foros diferentes, tratamentos pessoais e funcionais diferentes, para os

sujeitos do processo. (grifos do autor)

Pelo exposto, percebe-se que a isonomia processual afasta regalias e proíbe distinções

não autorizadas pela constituição. Há, no entanto, autores que sustentam que a diferenciação

está de acordo com a igualdade substancial, na medida em que trata partes desiguais

desigualmente.

Dessa forma, com o objetivo de analisar os aspectos relevantes da manutenção das

prerrogativas fazendárias no Novo Código de Processo Civil, faz-se necessário destacar,

primeiramente, o alcance da expressão Fazenda Pública e as posições doutrinárias e

jurisprudenciais a respeito do tema.

Fazenda Pública

O conceito de Fazenda Pública está relacionado diretamente ao ramo da Administração

Pública que versa sobre o direito financeiro, mais intrinsecamente ligado às finanças, receitas

e despesas estatais. Ademais, como assenta Cunha (2007), frequentemente denomina-se

Fazenda os órgãos federados destinados a arrecadar e fixar despesas e políticas econômicas

desenvolvidas. Nestes termos, aduz o referido autor:

A expressão Fazenda Pública identifica-se tradicionalmente como a área da

Administração Pública que trata da gestão das finanças, bem como da fixação e

implementação de políticas econômicas. Em outras palavras, Fazenda Pública é

expressão que se relaciona com as finanças estatais, estando imbricada com o termo

Erário, representando o aspecto financeiro do ente público. (CUNHA, 2007, p. 15)

Entende-se, portanto, que quando a Administração Pública ingressa juízo através de

qualquer de suas entidades, autarquias e fundações públicas ou órgãos com capacidade

postulatória, tem-se a denominação clássica de Fazenda Pública. Entretanto ficam excluídas

desse conceito as empresas públicas e a sociedades de economia mista, embora integrantes da

Administração Pública indireta, estas possuem personalidade jurídica de direito privado.

Page 9: OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA … · OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA PÚBLICA E O PRINCÍPIO DA ISONOMIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. FONSECA, Raul

Conforme se depreende da leitura do artigo 41 do Código Civil, nenhuma das empresas

públicas ou sociedades de economia mista possui prerrogativas destinadas à Fazenda. Em que

pese à referida exclusão, existe uma exceção à regra, que é a Empresa Brasileira de Correios e

Telégrafos. O art. 12 do Decreto-Lei nº 509 de 1969 dispõe que ela detém os “privilégios

concedidos à Fazenda Pública”.

Prerrogativas processuais da Fazenda Pública na doutrina e jurisprudência

No que se refere às regras outorgadas em benefício da Fazenda Pública, a doutrina não é

uníssona em firmar um entendimento pacífico sobre a sua legalidade. A divergência encontra

guarida quando se coloca em discussão o sopesamento entre primazia do interesse público

sobre o privado e o respeito aos princípios processuais constitucionais.

Corrente doutrinária contra os prazos diferenciados

Na história do ordenamento jurídico processual brasileiro, nota-se que as normas

estatuídas traziam em seu bojo favorecimento ao Estado em litígio. Dinamarco (2001) lembra

que desde o governo varguista os diplomas processuais demonstravam preocupação em

favorecer o Estado. Outrossim, a título exemplificativo cita-se os prazos diferenciados

(maiores) concedidos à Fazenda e ao Ministério Público e a vedação quase irrestrita à

penhorabilidade dos bens das pessoas jurídicas de direito público.

O argumento de que seria o Estado a parte hipossuficiente na relação jurídico-

processual é prontamente refutado por José Carlos de Araújo Almeida Filho (2006), a saber:

Feridos os princípios filosóficos, feridos os jurídicos, porque, em verdade, as

malsinadas Medidas Provisórias nada mais são do que ressuscitar, em pleno Estado

Democrático de Direito, os "famosos" decretos. Assim, ainda que o princípio

contratualista de Rousseau seja o pilar desta figura controvertida, inexiste igualdade

quando deixamos de votar no Judiciário. Inexiste independência e harmonia entre os

poderes. Enfim, impera o caos jurídico, sempre sob o pálio de uma ficção jurídica de

que estamos em um Estado Democrático, que flutua ao prazer dos criadores de

sonhos, daqueles que prometem e, ao serem prometidos, esquecem-se de sua própria

moral.

Destarte, para os autores contrários aos favorecimentos, ocorre que o Estado além de

não ser a parte mais fraca na relação processual, mas guarda certa superioridade em relação ao

indivíduo, vez que possui mais recursos econômicos, sendo que estes podem propiciar uma

maior aparelhagem do mesmo.

Page 10: OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA … · OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA PÚBLICA E O PRINCÍPIO DA ISONOMIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. FONSECA, Raul

A igualdade das partes perante a lei está esculpido no art. 5° da CRFB/88, não mais se

admitindo qualquer diferenciação na vigência do Estado Democratico de Direito. Essa

posição é inclusive sustentada por Machado (2005) que afirma que todos os privilégios da

Fazenda foram eliminados diante da redação do art. 5º da Carta, que não recepcionou o

referido dispositivo da lei processual.

No mesmo sentido, ensina Soares (2010) que, sob a análise dos princípios

constitucionais devido processo legal e isonomia, a concessão de prazos diferenciados à

Fazenda Pública não são mais cabíveis no Estado Democrático de Direito vez que fere

diretamente os referidos princípios bem como os demais elencados no bojo da CRFB/88.

A discussão parece girar em torno sobre o que realmente justifica a dilação dos prazos

concedidos a certos entes de direito público. O próprio texto da CRFB /88 em seu art. 5º, bem

como o art. 125 do CPC trazem em seu bojo a igualdade das partes perante a lei. Tal fato

parece não mais espaço na atual situação jurídica do país. Há, entretanto, posicionamento

salientando a importância da manutenção de certas garantias, nesses termos:

No Brasil, a única prerrogativa que parece ser verdadeiramente necessária para

preservar o interesse público é a proibição de execução forçada em face de bens

indispensáveis à existência do Estado e, indiretamente, a proibição de medidas de

urgência, como liminares ou cautelares, que possam permitir a execução forçada e a

tingir bens necessários à existência do Estado. Isto porque todas as demais

prerrogativas existentes no Brasil, que são muitas, não têm fundamento no interesse

público ou na supremacia do interesse público, e sim fundamento meramente

processual, no interesse econômico do Estado. (SILVA, 2006, p. 8)

Dessa forma, percebe-se que a concessão das prerrogativas à Fazenda Pública esbarra

nos pensamentos da corrente doutrinária fundamentados na estrita obediência aos princípios

constitucionais da isonomia e do devido processo legal. Com efeito, para essa corrente, a

existência da diferenciação dos prazos trata-se de violação das garantias elencadas no bojo do

texto constitucional.

Corrente doutrinária favorável aos prazos diferenciados

Parte da doutrina entende os prazos diferenciados como sendo prerrogativas e, por isso,

devem ser observadas e mantidas no ordenamento jurídico atual. A Fazenda Pública está

submetida aos princípios e regras do direito público, onde há a supremacia do interesse

coletivo sobre o individual, e estando em juízo faz-se mister a adequação de tais princípios, a

fim de que o interesse público seja preservado.

Page 11: OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA … · OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA PÚBLICA E O PRINCÍPIO DA ISONOMIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. FONSECA, Raul

O litígio para a Fazenda Pública não está voltado à defesa de seus interesses, mas do

erário público. As prerrogativas estão, portanto, protegendo o bem comum e não os interesses

administrativos do Estado. Outrossim, Morais (apud CUNHA, 2007) esclarece quais são os

bens protegidos pelos prazos diferenciados, a saber:

Quando a Fazenda Pública está em Juízo, ela está defendendo o erário. Na realidade,

aquele conjunto de receitas públicas que pode fazer face às despesas não é de

responsabilidade, na sua formação, do governante do momento. É toda a sociedade

que contribui para isso. [...] Ora, no momento em que a Fazenda Pública é

condenada, sofre um revés, contesta uma ação ou recorre de uma decisão, o que se

estará protegendo, em última análise, é o erário. É exatamente essa massa de recurso

que foi arrecadada e que evidentemente supera, aí sim, o interesse particular. Na

realidade, a autoridade pública é mera administradora.

Nota-se que o argumento utilizado pela corrente favorável é o interesse público sub

judice onde uma decisão injustificada por parte do poder judiciário poderia trazer prejuízos

incalculáveis ao erário. Assim, toda sociedade pode sofrer os danos oriundos dessas perdas e,

dessa forma, o melhor meio seria viabilizar o exercício da defesa da coletividade de maneira

mais ampla possível.

Dessa forma, estar-se-ia diante de prerrogativas e não de privilégios consagrados pelo

legislador. A aplicação do princípio da razoabilidade é fundamental nesse caso, pois é

aceitável que os prazos sejam diferenciados quando o erário está em jogo. Conforme os

ensinamentos de Cunha (2007):

Para que a Fazenda Pública possa, contudo, atuar da melhor e mais ampla maneira

possível, é preciso que se lhe confiram condições necessárias e suficientes a tanto.

Dentre as condições oferecidas, avultam as prerrogativas processuais, identificadas,

por alguns, como privilégios. Não se trata, a bem da verdade, de privilégios. Estes –

os privilégios – consistem em vantagens sem fundamento, criando-se uma

discriminação, com situações de desvantagens. As ‘vantagens’ processuais

conferidas à Fazenda Pública revestem o matiz de prerrogativas, eis que contêm

fundamento razoável, atendendo, efetivamente, ao princípio da igualdade, no sentido

aristotélico de tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual.

Além dos argumentos supracitados, Neri Jr (2004) aduz que os procuradores da Fazenda

Pública não possuem condições similares aos particulares na defesa de seus interesses em

juízo, uma vez que, além da defesa do interesse público, a burocracia, inerente ao serviço

público, dificulta o acesso aos fatos e o volume excessivo de trabalho traz ainda mais

dificuldades ao desempenho dos advogados públicos.

Logo, não há que se falar em igualdade plena e absoluta entre as partes litigantes no

caso em questão. Ora, o Estado possui uma aparelhagem melhor e mais recursos destinados a

Page 12: OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA … · OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA PÚBLICA E O PRINCÍPIO DA ISONOMIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. FONSECA, Raul

consecução de seus objetivos justamente pelo volume de trabalho que isso exige. Para Rocha

(1995) as regras diferenciadas mais do que justas, são necessárias, in verbis:

Assim, os poderes processuais diferenciados dispensados ao Estado em juízo, longe

de determinar um privilegio, realizam, ao contrário, uma situação de substancial

paridade, já que, em tese, são instrumentos indispensáveis ao seu adequado

aparelhamento para a defesa do interesse público, qualificado pela Constituição

como prioritário, justamente, por exprimir interesses abrangentes da sociedade, ao

contrário do privado que, de regra, só leva em conta conveniências particulares,

segmentadas e dependentes.

Posicionamento jurisprudencial

Os Tribunais têm firmando entendimento e manifestado reiteradamente que os prazos

são prerrogativas e, à vista disso, são necessárias e aceitáveis, pois, em sua visão, não ferem

em nenhum sentido o princípio da isonomia processual.

O Supremo Tribunal Federal, da mesma forma, tem mostrado posicionamento firmando

no sentido favorável aos prazos. No julgamento do Recurso Extraordinário nº 181138-2-SP, o

Ministro Celso de Mello decidiu que “(...) O benefício do prazo recursal em dobro outorgado

às pessoas estatais, por traduzir prerrogativa processual ditada pela necessidade objetiva de

preservar o próprio interesse público, não ofende o postulado constitucional da igualdade

entre as partes (...)”.

O livro “A Constituição e o Supremo” traz um julgado onde o eminente Ministro Celso

de Melo entendeu ser constitucional a existência dos prazos concedidos a algumas entidades

de direito público quando ao julgar o Agravo de Instrumento nº 349.477-1/PR, a saber:

Não se pode desconhecer, a propósito da questão pertinente à dilatação dos prazos

processuais, notadamente aqueles de índole recursal que essa matéria está sujeita a

uma estrita disciplina de caráter jurídico-legal, pois, como se sabe, as hipóteses que

dispõem sobre o benefício da ampliação do prazo recursal (contagem em dobro),

necessariamente prevista em lei de âmbito nacional, são aquelas que se referem,

unicamente, ao Ministério Público e às entidades de direito público (CPC, art. 188),

aos defensores Públicos (LC nº 80/94, art. 44, I; art. 89, I e art. 128, I) e apenas

àqueles que exercem cargo equivalente (Lei nº 1.060/50, art. 5º, § 5º, na redação

dada pela Lei nº 7.871/89) e aos litisconsortes com procuradores diversos (CPC, art.

191). (BRASIL, STF).

Percebe-se que a jurisprudência pátria, filia-se à corrente da manutenção das garantias

processuais concedida à Fazenda Pública quando em litígio vez que o interesse coletivo deve

prevalecer sobre o privado e isso, para eles, em nada fere os princípios do processo e o Estado

democrático de direito.

Page 13: OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA … · OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA PÚBLICA E O PRINCÍPIO DA ISONOMIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. FONSECA, Raul

Em que pese tal posicionamento, ao julgar a ADin 1910, o STF entendeu que a

existência dos prazos é constitucional, mas deve ser superada a medida que o Estado melhore

sua estrutura organizacional.

Prerrogativas processuais da Fazenda Pública no Novo Código de Processo Civil.

Na elaboração do NCPC, dar celeridade à prestação jurisdicional foi objetivo basilar do

legislador infraconstitucional. Calcado no artigo 5º, inciso XXXV da CRFB/88, o referido

projeto prima pela ampliação do acesso à Justiça.

A exposição de motivos do NCPC elenca os objetivos norteadores de sua criação, quais

sejam maior celeridade e justiça do processo, criação de uma jurisdição mais rente às

necessidades sociais, sendo combatida de pleno a exacerbação de sua complexidade. Os

expositores lembram que o Código de Processo Civil de 1973 já apresenta defasagem e não

mais consegue acompanhar a dinâmica social da atual realidade político-jurídico brasileira.

Os prazos diferenciados de que gozam alguns entes de direito público, entre eles a

Fazenda Pública, foram alvos de modificação, mas ainda permanecem no texto do NCPC. A

celeridade processual levou à redução das prerrogativas, haja vista que, conforme dispõe o

artigo 188 do CPC/1973, os referidos entes gozam de prazos em quádruplo para contestar e

em dobro para recorrer e no artigo 183 do NCPC tem-se o dobro para qualquer manifestação

processual.

Observa-se que o legislador quis trazer à prestação jurisdicional uma duração razoável

sem a necessidade de prolongá-lo de maneira desnecessária. Entretanto, a manutenção das

prerrogativas parece ir de encontro aos demais princípios processuais constitucionais, como a

isonomia e o devido processo legal.

O novo diploma processual deve ter como objetivo não só a celeridade, mas a

observância dos ditames elencados na Lei Maior. A CRFB/88 é, como acreditam os juristas,

fundamento de validade de todas as normas hierarquicamente inferiores.

Com todo o respeito ao entendimento adverso, as normas diferenciadas concedidas a

Fazenda Pública não se sustentam mais na concepção atual de Estado Democrático de Direito.

Torna-se claro que as prerrogativas relativas aos prazos processuais mantidos pelo Novo

Código de Processo Civil, ferem o princípio da isonomia processual uma vez que, conforme

demonstrado, na atual ordem constitucional do Estado Brasileiro, o interesse público é

monopólio do povo sendo exercido e organizado em termos democráticos, através do devido

Page 14: OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA … · OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA PÚBLICA E O PRINCÍPIO DA ISONOMIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. FONSECA, Raul

processo legislativo. Dessa forma, contestável é a hipótese que os privilégios processuais

justificam-se em virtude da supremacia do interesse público sobre o privado.

A concessão desses “privilégios processuais” é característica de modelos em que onde

os interesses do Estado estaria acima dos cidadãos. Nas sapiências palavras de Nery Junior é

tradição do direito brasileiro a concessão de benefícios de prazos no processo:

Especificamente quanto ao benefício de prazo para a Fazenda Estadual, a primazia

foi adotada pelo CPC de Minas Gerais (CPC-Mg 147Par.ún.), repetindo preceito do

federal, que concedia o benefício apenas para a Fazenda Federal.

Nestas duas disposições – do processo federal e do código mineiro -, inspirou-se o

CPC de 1939, ao dispor sobre o benefício de prazo para a Fazenda Pública, no art.

32. Os Códigos estaduais, em sua maioria, dispunham sobre prazos judiciais,

atribuindo ao juiz o poder de dilatar prazos de acordo com a necessidade de cada

caso concreto. Tomem-se como exemplos: CPC-RS 313; CPC-SP 162 §1.°; CPC-

SC 668 §1.°; CPC-PE 119 §1.°; e CPC-RJ 1211 caput. (NERY JR, 2004)

É possível observar que o modelo infraconstitucional do processo civil brasileiro, fora

concebido primeiramente sob o governo autoritário de Getúlio Vargas no Código de 1939 e

após em 1973, período em que o Brasil encontrava-se sob o controle de uma ditadura militar.

Em períodos em que há um rígido dirigismo estatal é comum que os interesses do Estado

sejam colocados acima dos direitos do cidadão, o que justificaria a previsão legal de

prerrogativas à Fazenda Pública. É inconcebível, porém, admitir o tratamento diferenciado em

um período que o processo é reconhecido como uma instituição constitucionalizada

representando um direito-garantia das partes.

Quanto ao argumento de que a Fazenda Pública não reúne as mesmas condições do

particular para defender seus interesses em juízo, visto que mantém uma burocracia inerente à

sua atividade, tendo dificuldade de ter acesso aos fatos, elementos e dados da causa, esse

também não encontra respaldo em leis ou na realidade atual. As pessoas jurídicas de direito

público, no Brasil, possuem uma estrutura organizacional potente e complexa e, além disso,

contam com procuradorias bem aparelhadas compostas por defensores habilitados.

Ademais, o Poder público dispõe de recursos infinitamente superiores ao particular, o

que possibilita um fácil acesso às informações e documentos aptos a sustentar seus

argumentos em juízo. Percebe-se que as prerrogativas não têm fundamento no interesse

público ou no excesso de demandas, e sim no interesse econômico do Estado.

Admitir a desigualdade em benefício de uma pessoa jurídica de direito público fere

diretamente a isonomia processual tendo em vista que trata desigualmente partes que

deveriam estar munidas da mesma igualdade temporal de dizer e contradizer no processo.

Aflige, consequentemente, o devido processo constitucional uma vez que há expressa

Page 15: OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA … · OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA PÚBLICA E O PRINCÍPIO DA ISONOMIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. FONSECA, Raul

incompatibilidade com as garantias constitucionais do processo e impede a efetivação do due

process of law, pois esse pressupõe a superação dos privilégios processuais do Estado com os

princípios observância dos princípios institutivos do processo.

Sem a observância do devido processo constitucional é impossível que se fale em

legitimidade de um direito democrático o que representa um retrocesso ao Estado com feições

de Leviatã, onde o interesse do Estado estaria acima dos cidadãos.

O novo Código de Processo Civil, conforme salientado, foi concebido para que seja

alcançada uma maior celeridade e justiça no processo, em comparação com o Código de

1973, que se encontra distante da realidade brasileira. Entretanto, não é apenas a demora na

solução das demandas que retira do processo de sua capacidade de solucionar conflitos.

Conforme sustenta Veloso (2008):

Os procedimentos adotados que violam a isonomia, a ampla defesa e o contraditório

podem ser apontados como uma das principais causas da crise do Judiciário.

Somente através da observância e adoção do devido processo constitucional é que se

torna possível solucionar a crise de operacionalidade do Judiciário.

Dessa forma, conclui-se que os dispositivos do novo código que infringem os princípios

institutivos do processo, além de não serem recepcionados em face do devido processo

constitucional, contrariam diretamente o objetivo do novo sistema processual. Apenas com a

aplicação de um direito democrático pela observância do devido processo constitucional é que

seria capaz de atacar as causas da crise de operacionalidade do Judiciário.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Definida como “Constituição cidadã”, a CRFB/88 trouxe, além de direitos e garantias

fundamentais, a positivação do Estado Democrático de Direito. Com isso, buscou-se sintetizar

as conquistas das experiências anteriores, os modelos de Estado Liberal, ou Estado de Direito,

e o Estado Social, superando suas deficiências.

A positivação do Estado Democrático de Direito trouxe consigo não só a tentativa de

superar os modelos de Estado anteriores, mas uma nova concepção do processo, não mais

entendido como mero instrumento da jurisdição. A constitucionalização do Estado

Democrático de Direito, teve como consequência sobre o processo a sua visão como direito-

garantia das partes.

O art. 5º, LIV da Lei Maior dispôs de maneira expressa a materialização do princípio do

devido processo legal. Isso significa que o “due processo of law” tornou-se direito-garantia no

Page 16: OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA … · OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA PÚBLICA E O PRINCÍPIO DA ISONOMIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. FONSECA, Raul

Estado democrático de direito. Ademais, o referido princípio traz em seu escopo outros

princípios a ele relacionados como o contraditório e a ampla defesa.

As prerrogativas processuais da Fazenda Pública apresentam-se como afronta ao

princípio constitucional da isonomia. É inegável que as diferenças dos prazos entre a Fazenda

Pública e o particular figura como patente diferenciação.

O Novo Código de Processo Civil manteve as prerrogativas processuais, ou seja, a

distinção inter partes continua. Nos moldes da mais justa aplicação do princípio

constitucional da isonomia, deve-se aplicar ao particular, quando em litígio frente a algum

órgão governamental que goze dos referidos prazos, as mesmas garantias processuais.

Portando, não restaria ferida a igualdade preconizada no texto constitucional se ambas

as partes tivessem as mesmas oportunidades e garantias na relação processual. In casu, como

a Fazenda Pública usufrui de prerrogativas processuais, à parte litigante contrária estariam (ou

deveriam estar) garantidos os mesmos direitos.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Marcelo Cunha de. O novo processo constitucional. Belo Horizonte:

Mandamento, 2003.

BRASIL Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Novo Código Civil Brasileiro. Legislação

Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso

em 19/03/2014 às 20: 32.

BRASIL. A Constituição e o Supremo. Supremo Tribunal Federal. – 4. ed. – Brasília:

Secretaria de Documentação, 2011. Disponível em:

http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoLegislacaoAnotada/anexo/Completo.pdf .

Acesso em 21 de mar. de 2014

BRASIL. Decreto-Lei nº 509, de 20 de março de 1969. Dispõe sobre a transformação do

Departamento dos Correios e Telégrafos em empresa pública, e dá outras providências.

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0509.htm. Acesso em

19/03/2014 às 19:25.

CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. São Paulo: Dialética,

2007.

DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. V.3 São Paulo:

Malheiros, 2001.

FILHO, José Carlos de Araújo Almeida. O Estado como superparte no processo: uma

violação ao princípio da isonomia. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1055, 22 maio 2006.

Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8437>. Acesso em: 22 mar.

2014.

Page 17: OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA … · OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA PÚBLICA E O PRINCÍPIO DA ISONOMIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. FONSECA, Raul

NERY JUNIOR, Nelson. Os princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 8. ed.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

ROCHA, José Albuquerque da. O Estado em Juízo e o Princípio da Isonomia. 3. ed.

Fortaleza: Revista Pensar, 1995.

SILVA, Ricardo Perlingeiro Mendes da. Revista de Informação Legislativa. A 43, nº 169

jan/mar. Disponível em: http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/pdf_169/R169-01.pdf.

Acesso em: 21 mar. 2014.

Superior Tribunal de Justiça: Recurso Especial 531308/PR Embargos de Declaração nº

2003/0070943-0. Relatora: Ministra Eliana Calmon. DJ 04.04.2005 p. 262 RDDP vol. 27 p.

122). Disponível em: <http: //www.stj.gov.br/jurisprudência>. Acesso em: 21 mar. 2014.

LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões no direito

processual democrático. – Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.

CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Devido processo legislativo: “Uma

justificação democrática do controle jurisdicional de constitucionalidade das leis e do

processo legislativo”. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000.

VELOSO, Cynara Silde Mesquita. Súmulas vinculantes como entraves ideológicos ao

processo jurídico de enunciação de uma sociedade democrática. Belo Horizonte, 2008.

CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito processual constitucional. Belo

Horizonte: Mandamentos, 2001.

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. São Paulo: Landy, 2002.

LEAL, Rosemiro Pereira. Relativização inconstitucional da coisa julgada – Temática

processual e reflexões jurídicas. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 9. ed.Rio de

Janeiro: Forense, 2010.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado - 32ª Ed. 2013.Editora:

Saraiva

MACHADO, Agapito. O princípio da isonomia e os privilégios processuais. Jus

Navigandi, Teresina, ano 10, n. 578, 5 fev. 2005 . Disponível em:

<http://jus.com.br/artigos/6242>. Acesso em: 4out. 2013.

ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. O princípio constitucional da igualdade. Belo Horizonte:

Lê, 1990.

PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. 4. Ed. – Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2001.

Page 18: OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA … · OS PRAZOS PROCESSUAIS CONCEDIDOS À FAZENDA PÚBLICA E O PRINCÍPIO DA ISONOMIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. FONSECA, Raul

PELLEGRINI, Flaviane de Magalhães Barros. O paradigma do Estado democrático de

Direito e as teorias do processo. Virtuajus: Revista Eletrônica da Faculdade Mineira de

Direito da PUC – Minas, Belo Horizonte, a. 3, n. 1, jul. 2004. Disponível em:

<http://www.fmd.pucminas.br/Virtuajus/prod_docente_ano1_2004.html//>. Acesso

em:10/04/2014.

HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Fabriseditor, Porto Alegre, 1991.

BRÊTAS C. DIAS, Ronaldo. Apontamentos sobre o Estado democrático de direito.

Virtuajus, Revista Eletrônica da Faculdade Mineira de Direito da PUC- Minas, Belo

Horizonte, a. 2, n. 1, ago. 2003. Disponível em:

<http://www.fmd.pucminas.br/Virtuajus/prod_docente_ano1_2004.html>. Acesso em:

15/05/2014.