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Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013 1 OS PROGRAMAS PIM E FUNDO DO MILÊNIO PARA A PRIMEIRA INFÂNCIA E A PARCERIA PÚBLICO-PRIVADO PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL MORGADO, Suzana Pinguello (UEM) LARA, Angela Mara de Barros (Orientadora/UEM) Introdução Com o objetivo de compreender como se consolida a organização das políticas para a educação infantil no Brasil, mais especificamente, a partir da consideração do desenho político dos programas Primeira Infância Melhor (PIM) e Fundo do Milênio para a Primeira, é que se organiza a intencionalidade desta pesquisa 1 . Deve-se considerar, para estas análises, uma investigação bibliográfica e documental da Política Nacional de Educação Infantil (PNEI) de 2006, articulada com os demais documentos nacionais como a Constituição da República Federativa do Brasil (CF), de 1988; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996; e o Plano Nacional de Educação, de 2001, documentos estes que estruturam a educação no país 2 . Precisamos considerar ademais que estes entendimentos serão observados em um processo mais amplo, no qual as organizações multilaterais como a UNESCO e o UNICEF, compõem um marco 1 Este artigo foi elaborado a partir dos resultados da Dissertação defendida em 2011, sob o título: A Parceria Público-Privado na Educação Infantil: Os Programas PIM e Fundo do Milênio para a Primeira Infância. 2 Cabe considerar que além das leis aqui indicadas, muitos outros documentos foram considerados no processo de pesquisa e elaboração da Dissertação: Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, 1999; Diretrizes Curriculares Nacionais: Educação Básica, 2001; Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, 2009; Diretrizes Curriculares para a Formação de Docentes da Educação Infantil e dos anos Iniciais do Ensino Fundamental, em nível médio, na modalidade Normal, 1999; Diretrizes Operacionais para a Educação Infantil, 2000; Diretrizes para os Novos Planos de Carreira e de Remuneração do Magistério dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, 1997; Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990; Indicações para subsidiar a construção do Plano Nacional de Educação 2011-2020, 2009; Plano de Ação Presidente Amigo da Criança e do Adolescente 2004-2007, 2004; Decenal de Educação para Todos, 1993; e Política Nacional de Educação Infantil, 1994.

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OS PROGRAMAS PIM E FUNDO DO MILÊNIO PARA A

PRIMEIRA INFÂNCIA E A PARCERIA PÚBLICO-PRIVADO

PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL

MORGADO, Suzana Pinguello (UEM)

LARA, Angela Mara de Barros (Orientadora/UEM)

Introdução

Com o objetivo de compreender como se consolida a organização das políticas

para a educação infantil no Brasil, mais especificamente, a partir da consideração do

desenho político dos programas Primeira Infância Melhor (PIM) e Fundo do Milênio

para a Primeira, é que se organiza a intencionalidade desta pesquisa1. Deve-se

considerar, para estas análises, uma investigação bibliográfica e documental da Política

Nacional de Educação Infantil (PNEI) de 2006, articulada com os demais documentos

nacionais como a Constituição da República Federativa do Brasil (CF), de 1988; a Lei

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996; e o Plano Nacional de Educação,

de 2001, documentos estes que estruturam a educação no país2. Precisamos considerar

ademais que estes entendimentos serão observados em um processo mais amplo, no

qual as organizações multilaterais como a UNESCO e o UNICEF, compõem um marco

1 Este artigo foi elaborado a partir dos resultados da Dissertação defendida em 2011, sob o título: A Parceria Público-Privado na Educação Infantil: Os Programas PIM e Fundo do Milênio para a Primeira Infância. 2 Cabe considerar que além das leis aqui indicadas, muitos outros documentos foram considerados no processo de pesquisa e elaboração da Dissertação: Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, 1999; Diretrizes Curriculares Nacionais: Educação Básica, 2001; Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, 2009; Diretrizes Curriculares para a Formação de Docentes da Educação Infantil e dos anos Iniciais do Ensino Fundamental, em nível médio, na modalidade Normal, 1999; Diretrizes Operacionais para a Educação Infantil, 2000; Diretrizes para os Novos Planos de Carreira e de Remuneração do Magistério dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, 1997; Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990; Indicações para subsidiar a construção do Plano Nacional de Educação 2011-2020, 2009; Plano de Ação Presidente Amigo da Criança e do Adolescente 2004-2007, 2004; Decenal de Educação para Todos, 1993; e Política Nacional de Educação Infantil, 1994.

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documental para a educação infantil - amplamente difundido no país - e também por

serem apoiadoras dos programas aqui analisados.

Buscou-se, por meio da perspectiva histórica de investigação, desvelar essa

relação estabelecida entre programas de desenvolvimento da primeira infância,

legislação nacional e documentos internacionais. As análises partem da realidade

histórica e consideram, como indicado por Marx (1982), e passam por uma

resignificação humana, a partir de seu real e das bases historicamente consolidadas. Para

as tais foram eleitas algumas categorias materialistas, as de hegemonia, reprodução,

mediação, totalidade e contradição. No intento de considerar as múltiplas determinações

que compõem o objeto de pesquisa também buscou-se entender a organização de

sociedade capitalista pela perspectiva neoliberal, isto, pois, além de consolidar a atual

forma de organização do capitalismo, se faz presente nas orientações de políticas para o

país, provenientes das organizações internacionais vinculadas à ONU.

Estas considerações compreenderam não somente a consolidação histórica da

garantia constitucional da educação infantil, mas também a organização da sociedade

brasileira, principalmente a partir da década de 1990 com o processo de reforma do

Estado. Embora haja uma temporalidade estabelecida para se entender os programas e

as políticas - primeira década do século XXI - compreendemos a necessidade de

retornar para as mudanças ocorridas nas décadas anteriores, pois as bases para a

transformação da educação infantil estão postas desde o processo de redemocratização

do Estado brasileiro. Desta forma, a pesquisa em questão, para estruturar suas análises

optou pela seguinte divisão. Primeiramente consideraremos a estruturação do

atendimento para a educação infantil no país; em seguida em como as Políticas de

Educação Infantil foram consolidadas; posteriormente entenderemos as relações entre as

organizações internacionais e as políticas, pelo país assumidas e, bem como, conhecer

os programas PIM e Fundo do Milênio para a Primeira Infância; e, por fim,

entenderemos como a Política Nacional de Educação Infantil é efetivada nos desenhos

políticos dos programas analisados.

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A educação infantil

A educação infantil, somente há pouco tempo passou a ser considerada como

pertencente à esfera educacional, a partir da garantia estabelecida pela Constituição

Federal de 1988, que a inclui como parte da educação básica. Esta conquista só pode ser

alcançada por meio das mobilizações sociais e reivindicações do período que lutavam

por um maior número de instituições de educação infantil. Antes deste processo, esta

etapa da educação era marcada ou por medidas compensatórias ou pedagógicas e era,

essencialmente, assistencialista3. O início da década de 1990, com o país sendo

signatário de vários acordos internacionais via ajustes estruturais, as políticas sociais -

dentre elas a da educação - passam a ser viabilizadas a partir de outras determinações

como os aspectos econômicos e políticos. Desta mesma forma, novas características

passam a ser assumidas pela educação como o alívio à pobreza, o saneamento de

carências, o cuidado, a educação nutricional, o enriquecimento cultural. Novamente,

observamos práticas educativas compensatórias, sendo organizadas para suprir as

carências familiares. Outro fator a ser considerado é a inexistência de padrão

pedagógico na educação infantil que compreendesse todo o país.

Não podemos desconsiderar o fato que a educação infantil, quando é pensada

para o país, passa a ter uma característica quando se trata do atendimento às crianças

pobres: a compensação de carências. De acordo com Rosemberg (2002) a carência

cultural era a teoria predominante ao se pensar sobre a educação infantil, a autora indica

que:

O novo modelo de EI foi incorporado pelo segundo Plano Setorial de Educação e Cultura. Esse Plano concebeu a EI na perspectiva de compensação de carências de populações pobres, especialmente residentes em periferias urbanas, visando ao combate à desnutrição e a sua preparação para o ensino fundamental [...] Porém, os programas foram implantados apenas no final dos anos de 1970 e início de 1980, quando apresentávamos [...] condições demográficas e políticas para expansão da EI: urbanização acentuada, redução nas taxas de natalidade, despertar do ideário feminista contemporâneo, crises

3 As informações sobre a educação infantil no Brasil foram retiradas da introdução da Política Nacional de Educação Infantil (2006).

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econômica e política em nosso contexto, do regime militar (ROSEMBERG, 2002, p. 35).

Podemos entender que embora houvesse uma discussão sobre a importância da

educação infantil, a realidade enfrentada por ela, no país a fez ficar significada entre o

atendimento de uma parte pequena da população e eliminação de carências para o

ingresso no ensino fundamental4. Este quadro passa a ser alterado com a garantia

constitucional no fim da ditadura militar brasileira.

As Políticas de Educação Infantil

Precisamos reconhecer que pós-constituição, houve no país, um crescimento na

aprovação das legislações e documentos nacionais para a educação. No entanto

precisamos considerar ainda que, parte destes documentos tiveram inspiração em

documentos aprovados internacionalmente como a Declaração Mundial sobre Educação

para Todos (1990), em que o Brasil foi - e ainda é - signatário. No entanto, estas

legislações não podem ser entendidas sem se compreender a própria estruturação do

Estado, afinal, a configuração das políticas se vinculam, especificamente, à forma como

o país entende a garantia de direitos sociais.

Neste sentido, Peroni (2003) considera que a estruturação da década de 1990

representa a reestruturação econômica da década de 1970 em que o mundo passa por

uma crise que tem como característica a crise do petróleo, o retorno da inflação, a

globalização financeira, o crescimento da pobreza e do desemprego, retorno da inflação

e aumento dos juros. A saída encontrada foi a adoção das políticas neoliberais para

organização da economia, do trabalho, da sociedade, e das políticas. Embora o

neoliberalismo seja uma nova forma do capitalismo se organizar, proveniente das

discussões do liberalismo clássico, importa aqui, entender que, esta organização de

sociedade passa por crises cíclicas cada vez mais próximas e que, a cada crise, o próprio

capitalismo encontra formas de se reorganizar - de mudar a conjuntura - sem modificar

a estrutura de trabalho. Em outras palavras, significa entender que, a partir da década de

4 Este aspecto é evidenciado ainda por outros autores como Kulmann JR (2004), Abramovay e Kramer (1984) e Franco (1988).

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1970, outras posturas precisaram ser adotadas para que a forma de produção capitalista

pudesse sobreviver, dentre elas estão: a privatização das empresas públicas;

minimização da ação do Estado sobre as políticas sociais; a flexibilização da força de

trabalho; a diminuição da inflação e entre outras, como indicado por Paulani (2006).

No Brasil, este processo ocorreu tardiamente a partir da abertura econômica feita

com a eleição de Fernando Collor de Mello, das privatizações promovidas na década de

1990 e da reforma do Aparelho de Estado realizada no governo de Fernando Henrique

Cardoso. Esta reforma, além de aproximar das orientações neoliberais, permitiu a

participação da esfera privada na garantia das políticas sociais que antes eram

asseguradas pelo Estado. Este movimento possibilita a desresponsabilização de políticas

não exclusivas do Estado e o aumento da oferta privada, além de assegurar o

cumprimento das orientações econômicas para o país.

Neste contexto, ao pensarmos sobre as políticas para a educação podemos

considerar que estas movimentações se fizeram presentes nos seus processos de

elaboração e de aprovação, como ocorreu na tramitação da LDB, como apresentado por

Peroni (2003). Como já indicado, a garantia da educação infantil, foi estabelecida na

CF, as demais leis vieram organizar e estrutura esta etapa da educação. As leis como a

LDB e as DCNEI vem determinar qual ideia de educação e sujeito defendida e como

devem ser desenvolvidas as ações para a educação. E as leis como os PCNs para a

educação infantil e a própria política propõem algumas orientações, isto, pois, não são

documentos obrigatórios, o que podemos representar com a efetivação, por exemplo,

dos programas PIM e Fundo do Milênio para a Primeira Infância, como parte da PNEI.

Embora tenhamos diversos documentos - obrigatórios ou não - para a educação infantil,

trataremos brevemente da Política Nacional para a Educação Infantil de 2006.

A PNEI (2006) dá ênfase na educação infantil como ação complementar a da

família, entende que as políticas para a educação devem ser articuladas às demais áreas

de desenvolvimento humano como a cultura, saúde, direitos humanos, diversidade,

assistência social e entre outras. O documento indica ainda as necessárias adequações de

infraestrutura que as instituições de educação infantil deveriam passar, sobre o aumento

de financiamento e a formação superior necessária para o desenvolvimento das

atividades pedagógicas. Entretanto, como a PNEI não tem força de lei, muitas vezes

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estas indicações não poderão se efetivar. No entanto o documento traz como indicação

clara a implementação de “[...] programas para fortalecer as funções diferenciadas das

instituições e das famílias no que diz respeito à educação e ao cuidado das crianças de 0

a 6 anos” (BRASIL, 2006, p. 23). E continua ao propor apoio técnico de “[...] momentos

de formação para as famílias e as comunidades escolares, oportunizando [lhes] o

acompanhamento de seus filhos” (BRASIL, 2006, p. 24). Podemos com isso, aproximar

as discussões expostas na PNEI (2006) com os programas aqui considerados.

No contexto reconfiguração do estado brasileiro, aproximação das políticas

neoliberais e influência das organizações internacionais é que passam a ser pensados e

efetivados os programas para a educação infantil sob a nova perspectiva adotada pelo

Estado brasileiro, a de política descentralizada e focalizada. Estas relações devem ser

compreendidas em um processo mais amplo de lutas, em um processo elástico de

garantias - ora maiores e, ora menores - dos direitos sociais, Behring (2009).

As organizações internacionais e os programas

Autoras como Rosemberg (1999, 2000 e 2002) e Kramer (1982) indicam que as

organizações multilaterais, desenvolvem trabalhos de cunho social, como as pesquisas

em educação, desde as décadas de 1950 e 1960. Cabe considerar que instituições como

a ONU, UNESCO, UNICEF, FMI e Banco Mundial surgiram em 1944 no momento de

pós-guerra no acordo de Bretton Woods. No entanto outros acordos e reuniões

internacionais passaram a vincular as políticas defendidas pelas agências com os

pressupostos assumidos pelos países signatários como o Brasil, outro exemplo tem-se

com o Consenso de Washington em 1989 e até mesmo a Conferência de Jomtien que

resultou na Declaração Mundial sobre Educação para Todos.

Neste sentido consideremos a UNESCO como uma das agências especializadas

em educação da ONU que desenvolve estudo e propostas para todas as etapas da

educação e ainda em assuntos como a prevenção do HIV/AIDS, foi criada para

desenvolver ações que promovessem a paz entre os países. Devemos considerar que,

como indicado pela UNESCO, o Brasil faz parte do E-9, grupo dos países mais

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populosos e, como isso, tem uma atenção específica da agência para a educação5. Além

do acordo assumido pelo Brasil no início da década de 1990 em Jomtien, no ano de

2000, o país retoma o acordo ao assinar o Marco de Ação em Dakar também apoiado

pela UNESCO. É fundamental sabermos ainda que, a UNESCO faz parte do Conselho

Econômico e Social da ONU e atua também no financiamento, na elaboração de

pesquisas e políticas.

Quando falamos do UNICEF, retomamos a discussão de atendimento

emergencial para as crianças, vítimas da guerra; o trabalho do fundo que antes era

emergencial, passa com a sua consolidação, a promover programas com ações a longo

prazo. O atendimento é prioritário para crianças e adolescente em situação de

vulnerabilidade social - catástrofes naturais, guerras, extrema pobreza, todas as formas

de violência e entre outras. Estas ações - tanto do UNICEF quanto da UNESCO - são

desenvolvidas a partir da produção de documentos que promovem o consenso sobre as

políticas e da proposição de programas como o PIM e o Fundo do Milênio para a

Primeira Infância que passam a organizar a educação no país.

A escolha destes dois programas foi feita pelos critérios de garantia de

atividades educativas e que contassem com o apoio das organizações multilaterais.

Queremos lembrar que esses programas não representam, diretamente, a efetivação da

PNEI (2006), no entanto, as intencionalidades tanto o PIM quanto o Fundo do Milênio

para a Primeira Infância, são identificados nas estratégias assumidas pela PNEI (2006).

Dessa forma o programa Primeira Infância Melhor (PIM), criado em 2003 tem como

objetivo orientar as famílias para a promoção do desenvolvimento integral da criança, é

considerado como atendimento às políticas públicas com baixo custo6.

O PIM seria desenvolvido com programas de ação complementar à da família,

abrangeria gestantes e crianças de até três anos de idade e atuaria no desenvolvimento

social, físico, psicológico e intelectual da criança, o que é considerado pelo programa

como o desenvolvimento integral. O que se precisa observar é que, embora o PIM seja

chamado de atendimento de baixo custo às políticas públicas, ainda sim, se trata de um

5 É importante deixar claro que as informações acerca das agencias foram retiradas dos sítios eletrônicos das organizações multilaterais. 6 As informações tanto do PIM, quanto do Fundo do Milênio para a Primeira Infância foram retirados dos sítios eletrônicos dos programas e estão referenciados ao final deste trabalho.

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programa focalizado e desenvolvido por diversas instituições privadas a partir da

relação público-privado - a relação do setor público articulado com o privado - que

passa a garantir a educação pós-reforma de Estado. Com o programa, que desenvolve

trabalho em três eixos - família comunidade e intersetorialidade - é possível inseri-lo em

um processo de garantia de atendimento, de cuidado e de educação pouco oneroso por

ter uma parceria entre poder público, comunidade e setor privado.

O Fundo do Milênio para a Primeira Infância está vinculado a um programa

maior consolidado na Conferência Mundial sobre Educação para Todos de 1990 e

ratificado na sua edição de 2000 em que, os países signatários assumiram o

compromisso de aprimorar e expandir os cuidados à primeira infância. O trabalho com o

programa propõe a discussão dos assuntos sobre a educação infantil em "mesas

educadoras" que seriam instaladas nos municípios participantes, contariam com

conselhos locais. O programa é financiado pelo Banco Mundial e conta com a

publicação da série Fundo do Milênio para a Primeira Infância7 que subsidiam as

"mesas educadoras". Após apresentados os programas cabe considerarmos de maneira

específica a aproximação entre políticas, programas e organizações.

Aproximação entre políticas, programas e organizações: as categorias de análise

A construção das análises desta pesquisa foi embasada em categorias que

permitissem a compreensão dos processos existentes no tocante à estruturação de

políticas e programas e, bem como na construção de consensos. Desta forma, foram

escolhidas categorias que apresentavam constantes repetições dos termos e que

passaram a integrar o vocabulário educacional dos documentos para a educação, são

elas: Parceria Público-Privado; Políticas Focalizadas; Competências Familiares;

Educação como Investimento; e Aquisição de Capital Humano. Estas categorias foram

elencadas no sentido de evidenciar a existência de um eixo norteador dos compromissos

assumidos pelo Brasil e constantes nos documentos internacionais.

7 Os livros são publicados pela UNESCO e são intitulados: Olhares das Ciências sobre as Crianças; A criança descobrindo, interpretando e agindo sobre o mundo; Legislação, políticas e influências pedagógicas na educação infantil; e O cotidiano no centro de educação infantil, todos de 2005.

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A Parceria Público-Privado foi considerada, pois, se faz possível desde o

precedente concedido pela CF de 1988 ao permitir a oferta privada de educação no Art.

209. Entendemos que este fator não determinou esta relação, mas sim facilitou a

desoneração futura dos gastos públicos, a partir do processo de descentralização e

privatização dos serviços públicos como a própria educação e a saúde, por exemplo.

Quando aproximamos esta discussão dos programas percebemos a vinculação que

fazem com a comunidade e as empresas privadas para a garantia do atendimento dos

programas em questão. Ao tratarmos da PNEI (2006), por sua vez há também a

orientação da necessidade do apoio da família e da comunidade para a garantia da

educação infantil. Uma vez que a responsabilidade não é somente do Estado, retira-se o

ônus da Federação que desempenhará função descentralizadora e focalizadora de

políticas.

Neste sentido considera-se a segunda categoria de Políticas Focalizadas que

aparecem tanto nos documentos nacionais quanto nos internacionais. Com a

descentralização de atividades e a responsabilidade da parceria público-privado na

realização das políticas públicas sociais, as políticas assumidas pelo Estado passam a ser

focalizadas, destinadas a uma parcela da população, aos mais vulneráveis. Isto minimiza

a quase inexistência das políticas sociais financiadas pelo Estado, no entanto, não

somente estas são focalizadas, os programas - tais como o PIM e o Fundo do Milênio

para a Primeira Infância - também focalizam suas ações e limitam o público que podem

ser atendidos pelos programas. Não é inoportuno lembrar que este processo foi possível

a partir do movimento de transformação do Estado na década de 1990 que passa a exigir

mais a participação das famílias.

Essa participação familiar, tão requerida neste processo, nos permite considerar a

categoria de Competências Familiares em que os sujeitos sociais são chamados a

serem protagonistas das políticas de educação infantil. Quando, desde a LDB, a

responsabilização recaí sobre a família e que, conforme o Art. 29 a educação infantil

será organizada como ação complementar a da família, há uma mudança no foco das

políticas. A PNEI (2006) indica que o processo deve ser o de fortalecer as famílias para

que elas trabalhem em cooperação no processo de educação das crianças. Os programas

consideram que os pais precisam ser os primeiros educadores, pois o lar é o primeiro

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local em que a criança será cuidada. A grande problemática desta discussão se consolida

em uma possibilidade e não em uma certeza, não depende exclusivamente da família o

processo de desenvolvimento das crianças. Em algumas vezes, a situação de

vulnerabilidade familiar é tão degradante que muitas crianças podem ser impedidas de

ter o mínimo para o desenvolvimento. Entretanto, percebemos a contradição presente

nesta relação, pois, esta situação degradante faz parte do argumento utilizado para

propor a participação das famílias como auxiliadoras no desenvolvimento das políticas

públicas.

Outra categoria presente e recorrente tanto nos documentos quanto nos

programas é a da Educação como Investimento, ou seja, há uma consideração de que o

investimento em programas para a educação infantil, poderão contribuir com os ganhos

futuros das crianças. Há uma argumentação marcadamente econômica na defesa dos

ganhos futuros ao se ter uma boa educação infantil. No entanto, ao considerarmos o

desenvolvimento integral das crianças e pensá-lo como ação pontual realizada em um

programa, não significa compreender como determinante para o futuro da criança.

Acreditar nesta proposta é considerar que o desempenho depende exclusivamente da

criança e não de outros aspectos tão importante quando aquilo que ela conhece, como os

aspectos políticos, culturais, sociais, econômicos, condições de empregos e salários e,

até mesmo da garantia pública de direitos sociais garantidos.

A última categoria identificada foi a Aquisição de Capital Humano, um

processo vinculado à organização neoliberal apresentado pela Escola de Chicago e é

considerada como a consolidação pessoal de conhecimento desenvolvida por cada

sujeito. A defesa é de que quanto maior a aquisição de capital humano, maiores e

melhores serão os retornos futuros e, quanto mais cedo na vida este processo começar,

melhor será o ganho. A consideração é de que uma educação infantil bem estruturada

poderá garantir a existência dos direitos fundamentais das crianças. No entanto, estes

mesmos direitos são retirados quando aquilo que é assegurado como educação é

realizado em forma de programas, focalizados, pontuais e de baixo custo como o PIM e

o Fundo do Milênio para a Primeira Infância.

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Considerações finais

As análises desenvolvidas no decorrer da dissertação nos possibilitaram chegar a

considerações sobre a organização das políticas, programas e sobre as relações

estabelecidas entre o Brasil e as organizações internacionais e algumas delas serão aqui

consideradas. Primeiramente não consideramos possível compreender as políticas para a

educação infantil, sem as entendê-las como parte de um processo maior, em um

movimento que considera o homem como ator e autor de sua história, neste sentido não

podemos entender que as proposições provenientes dos documentos internacionais são

assumidas da mesma forma como são pensadas. É preciso considerar que existem

sujeitos que interpretam e resignificam os documentos internacionais.

Deve ser considerado ainda que a forma como as políticas são efetivadas no país

se relaciona com o processo de reforma do Estado e da aproximação das políticas

neoliberais. Estas passaram a influenciar a estruturação das políticas públicas e a

desoneração do Estado no que tange a manutenção delas. Entendemos que se trata,

ademais da síntese de múltiplas determinações e que, para compreendermos as políticas

e os programas é necessário considerar todos os aspectos que estão envolvidos no

processo.

As políticas, são garantidas no país, em um processo de tramitação em que

entram em debate as discussões entre o público e o privado. Acerca da educação

infantil, muitas legislações foram promulgadas pós-ditadura e sofreram influências dos

documentos e organizações internacionais. Os programas para a educação infantil são

desenvolvidos pelas organizações multilaterais desde as décadas de 1960, mas sempre

mantiveram o mesmo público-alvo, hoje chamado de mais vulneráveis.

Muitas vezes as políticas públicas são efetivadas sob a forma de programas

focalizados em um processo que repassa à família, à comunidade e ao setor privado a

responsabilidade que antes era do Estado. Este processo permite que haja menos

responsabilidades e, assegura o processo de descentralização e focalização próprios da

organização neoliberal em que, o Estado é mínimo para as políticas de cunho social e

máximo para garantir as movimentações do capital. Em um processo em que muitas

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políticas públicas passam a ser efetivadas pela garantia de programas como o PIM e o

Fundo do Milênio para a Primeira Infância.

As políticas para a educação passam a cumprir dois sentidos contraditórios, ao

mesmo tempo em que precisa assegurar às famílias garantias mínimas de educação

infantil por um lado, por outro permite que a Parceria Público-Privado também oferte

a educação. Dessa forma, o Estado apenas se responsabiliza pelas Políticas Focalizadas

para aqueles que não podem pagar, a partir de ações pontuais e destinadas a grupos

determinados. Também como parte deste processo, se apresentam as discussões da

necessidade das Competências Familiares de maneira que, em colaboração, auxiliem

na garantia das políticas e programas para a educação infantil. Uma educação que tem

como base a discussão da Educação como Investimento e a Aquisição de Capital

Humano como garantia da construção de um futuro certo para as crianças. Em um

processo que não considera nenhum outro fator além da educação, como se esta fosse a

solução dos problemas enfrentados pelos sujeitos.

Podemos inferir, dessa forma, que as categorias aqui elencadas consolidam o

desenho político dos programas que atendem à educação infantil e, por serem

preconizados pelos organismos multilaterais, podem ser compreendidos como

representantes de suas características ideológicas, políticas e econômicas.

REFERÊNCIAS

ABRAMOVAY, Miriam; KRAMER, Sonia. O rei está nu: um debate sobre as funções da pré-escola. Cadernos Cedes, São Paulo, n. 9, p. 27-38, 1984. BEHRING, Elaine Rossetti. Fundamentos de política social. Disponível em: <www.fnepas.org.br/pdf/servico_social_saude/texto1-1.pdf>. Acesso em: 10 out. 2009. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Paraná: Imprensa Oficial do Paraná, 2004. ______. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil: Resolução CEB 1/99. Diário Oficial da União: Brasília, 1999.

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