OS PROJETOS DE LEI Nº 867/2015 E Nº 193/2016 DA ESCOLA ... · Universidade Estadual de Maringá,...

12
Universidade Estadual de Maringá, 11 a 14 de junho de 2018. Anais ISSN online:2326-9435 XXIII SEMANA DE PEDAGOGIA-UEM XI Encontro de Pesquisa em Educação II Seminário de Integração Graduação e Pós-Graduação OS PROJETOS DE LEI Nº 867/2015 E Nº 193/2016 DA ESCOLA SEM PARTIDO: IMPLICAÇÕES PARA UMA POLÍTICA DE MORALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO MIESSE, Maria Carolina [email protected] MOREIRA, Jani Alves da Silva (orientadora) [email protected] Universidade Estadual de Maringá (UEM) Políticas educacionais e gestão escolar INTRODUÇÃO O presente texto se refere aos resultados parciais da pesquisa de iniciação científica (PIC), realizada no período de 01/08/2017 a 31/07/2018, que tem como intuito compreender sobre as implicações do Programa Escola Sem Partido (ESP) na política curricular educacional brasileira. Como objetivo busca-se analisar as implicações dos Projetos de Lei nº 867/2015 e nº 193/2016, vinculados respectivamente, à câmara dos deputados e o outro PL ao senado, sendo de iniciativa do deputado Izalci Lucas (PSDB-DF) e do senador Magno Malta (PR-ES). Ambos tratam da inclusão do programa ESP na atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB). A pesquisa, de cunho teórico bibliográfico se refere a uma análise documental, tendo por base o estudo e a interpretação dos documentos legais e institucionais que apresentam as concepções teóricas e ideológicas sobre o tema. Destacamos também as críticas e análises realizadas por outras fontes secundárias e que produziram análises sobre a ESP. A investigação ocorreu de modo crítico e contextualizado por meio de fontes bibliográficas e documentos oficiais que auxiliam na compreensão referente à política curricular e ao contexto de reforma educacional atual, especificamente no campo da política curricular. Tal análise se estabeleceu tomando como cerne a premissa de que as políticas educacionais têm como base as mudanças concretizadas a partir da realidade histórica-concreta, desse modo, parte-se da compreensão da totalidade histórica, para em seguida, empreender os

Transcript of OS PROJETOS DE LEI Nº 867/2015 E Nº 193/2016 DA ESCOLA ... · Universidade Estadual de Maringá,...

Universidade Estadual de Maringá, 11 a 14 de junho de 2018.

Anais ISSN online:2326-9435

XXIII SEMANA DE PEDAGOGIA-UEM XI Encontro de Pesquisa em Educação

II Seminário de Integração Graduação e Pós-Graduação

OS PROJETOS DE LEI Nº 867/2015 E Nº 193/2016 DA ESCOLA SEM PARTIDO:

IMPLICAÇÕES PARA UMA POLÍTICA DE MORALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO

MIESSE, Maria Carolina

[email protected]

MOREIRA, Jani Alves da Silva (orientadora)

[email protected]

Universidade Estadual de Maringá (UEM)

Políticas educacionais e gestão escolar

INTRODUÇÃO

O presente texto se refere aos resultados parciais da pesquisa de iniciação científica

(PIC), realizada no período de 01/08/2017 a 31/07/2018, que tem como intuito compreender

sobre as implicações do Programa Escola Sem Partido (ESP) na política curricular

educacional brasileira. Como objetivo busca-se analisar as implicações dos Projetos de Lei nº

867/2015 e nº 193/2016, vinculados respectivamente, à câmara dos deputados e o outro PL ao

senado, sendo de iniciativa do deputado Izalci Lucas (PSDB-DF) e do senador Magno Malta

(PR-ES). Ambos tratam da inclusão do programa ESP na atual Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Brasileira (LDB).

A pesquisa, de cunho teórico bibliográfico se refere a uma análise documental, tendo

por base o estudo e a interpretação dos documentos legais e institucionais que apresentam as

concepções teóricas e ideológicas sobre o tema. Destacamos também as críticas e análises

realizadas por outras fontes secundárias e que produziram análises sobre a ESP. A

investigação ocorreu de modo crítico e contextualizado por meio de fontes bibliográficas e

documentos oficiais que auxiliam na compreensão referente à política curricular e ao

contexto de reforma educacional atual, especificamente no campo da política curricular. Tal

análise se estabeleceu tomando como cerne a premissa de que as políticas educacionais têm

como base as mudanças concretizadas a partir da realidade histórica-concreta, desse modo,

parte-se da compreensão da totalidade histórica, para em seguida, empreender os

2

pressupostos e concepções presentes na política curricular que tem sido propalada pelo

Programa Escola Sem Partido.

Em conformidade as finalidades apresentadas e a fim de atender aos

encaminhamentos propostos na pesquisa, em um primeiro momento, apresentamos os

pressupostos históricos e políticos presentes nos conceitos e propostas do Programa Escola

Sem Partido. Posteriormente, analisamos os pressupostos e as concepções ideológicas

presentes no ESP. Por fim, compreendemos as implicações da projeção de um sistema

educacional público universalizado mediante a aprovação de uma política curricular

moralizante no contexto atual.

DESENVOLVIMENTO

PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS E POLÍTICOS

A origem dos Projetos de Lei nº 867/2015 e nº 193/2016 se encontra no Movimento a

favor do ESP, nascido em 2004, vinculado na Internet1, que se deu por iniciativa do advogado

paulista Miguel Nagib2, o mesmo que, a partir do movimento, fundou a Associação Escola

Sem Partido, que atua contra pessoas e instituições que estejam cometendo suposta

“doutrinação ideológica”.

No site, pode-se evidenciar que a associação citada acima, destaca o que seria essa

doutrinação, que tanto o movimento quanto os diversos projetos de lei que dele se

engendraram visam combater. Em uma de suas abas, denominada como “FAQ”, doutrinação

ideológica define-se pelo cerceamento da liberdade de aprender dos estudantes por

professores, determinados a “fazer a cabeça” dos alunos em prol do que seria a missão da

escola: “despertar a consciência crítica dos alunos”, o que, teoricamente, consiste apenas em

martelar ideias de esquerda na cabeça dos estudantes (A DOUTRINAÇÃO, [2004]). No

trecho a seguir, retirado do site do programa na aba que explica um pouco a respeito do

movimento, intitulada “Quem somos”, a mesma questão é abarcada:

A pretexto de transmitir aos alunos uma “visão crítica” (grifos do autor) da

realidade, um exército organizado de militantes travestidos de professores

prevalece-se da liberdade de cátedra e da cortina de segredo das salas de aula

para impingir-lhes a sua própria visão de mundo ( NAGIB, [2004] ).

3

O Escola Sem Partido, desse modo, defende o apartidarismo para questionar o

posicionamento de professores em sala de aula, visualizados como transmissores de

conhecimento de forma tendenciosa. Nos PL’s, objetos de estudo desse trabalho, em seus art.

2º, inciso I se defende a “neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado”. Assim,

Art. 3º. São vedadas, em sala de aula, a prática de doutrinação política e

ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de

atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou

morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes (BRASIL, 2015, p.1).

O defendido pelo ESP se encontra em dissonância com o exposto na Constituição

Federal brasileira, em seu art. 206, no qual prevê “II - liberdade de aprender, ensinar,

pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções

pedagógicas [...]” (BRASIL, 1988, p 201-202). É perceptível que ambos os Projetos de Lei

são inconstitucionais, como afirma Ximenes (2016).

No ano de 2004 não se imaginava as proporções que a iniciativa tomaria, visto sua

grande inconsistência teórica e jurídica. Entretanto, de acordo com Espinosa e Queiroz

(2017), posterior a essa onda conservadora, fortalecida após as manifestações de 2013 que

defendiam o afastamento da, democraticamente eleita, Presidente Dilma Rousseff, percebe-se

que o movimento se espalhou por todo o Brasil. Este angariou muitos adeptos principalmente

quando iniciou a combater a “ideologia de gênero”, tema temido pelos grupos conservadores.

Com esta constatação verifica-se que por traz dessa proposta existem várias questões

históricas, políticas e sociais envolvidas. Historicamente falando, o Brasil, país de origem

escravocrata e colonizadora, teve sempre a forte presença de uma classe dominadora que,

conforme afirma Frigotto (2017), incorporou esse estigma do início da história brasileira. Isso

é expresso no autoritarismo político e nos vários golpes e ditaduras que o país vem sofrendo

ao longo de sua história, que intentam cercear os avanços das lutas populares e da classe

trabalhadora. Essa classe dominante acabou se configurando como uma burguesia “antinação,

antipovo, antidireito universal a escola pública”, nas palavras do autor. “Esta, acaba, de uma

forma ou de outra, sempre subordinada aos centros hegemônicos do capital” (FRIGOTTO,

2017).

Em relação aos países hegemônicos economicamente, percebe-se que possuem como

cerne o sistema Neoliberal, o qual é adotado por países subordinados a estes, como no caso do

Brasil. Entre seus conceitos fundamentais se encontra o Estado de exceção, no qual se prima

por uma intervenção estatal mínima, que é comandado, conforme se afirma em

4

Frigotto(2017), pelos bancos centrais e ministérios da economia. Desse modo, visa-se o lucro

do setor privado e o sucateamento do setor público.

Essa estrutura invade a educação e está presente no ESP, visto que sua concepção de

educação vai em consonância com interesses de diversos grupos que visam, oportunidades de

ganhos econômicos, esta que possui uma concepção de ensino pautado em uma racionalidade

técnica e gerencial (Girotto, 2016).

Todo esse contexto histórico, possui uma vertente ideológica que vence, atualmente,

sobre as demais. É importante reforçarmos como a história do Brasil, desde seus primórdios,

vem se configurando com a vitória de uma frente política ideológica sobre outra. Desse modo,

ações como o ESP fazem jus a toda essa sistemática que o circunscreve: o sistema capitalista,

que prima pela ganância e pela sociedade de classes, de caráter desigual tanto econômica,

social, educacional e culturalmente, como conseqüência de um processo de ditaduras e golpes

institucionais (Frigotto, 2017).

Devemos nos lembrar que educação é um “ato político”, outro ponto para

compreendermos o que significa o Programa ESP, tanto que este era, de acordo com

Algebaile (2017), o slogan utilizado para questionar a idéia sobre educação que prevalecia

durante o período da ditadura: como algo estritamente técnico e independente da política.

Percebe-se que essa idéia acaba voltando, o que demonstra como as forças reacionárias se

mostram fortes em nossa atual conjectura.

Fica evidente que o princípio da neutralidade defendido no movimento Escola Sem

Partido é inexistente, pois se encontra vinculado a um partido, apesar deste não se associar

diretamente. Essa constatação pode ser evidenciada a partir do seguinte fato indicado por

Vasconcelos (2016): A formação da ESP se dá por partidos e pessoas da “nova direita, dentre

os quais se encontram o Movimento Brasil Livre, envolvido na direção dos protestos de

impeachment de Dilma Rousseff, Deputados dos partidos PSC, PMDB, PSDB e a bancada

evangélica.

Além dos nomes envolvidos nos referidos projetos que são objeto desse estudo,

podemos citar outros, como, conforme Brait (2016): a família Bolsonaro, no Rio de Janeiro;

Erivelto Santana (PSC-BA), que apresentou o primeiro projeto Nacional; Orley José da Silva,

militante do evangelismo universitário; João Campos, deputado federal (PSDB-GO), autor do

projeto apelidado como “cura gay”; Rogério Marinho, deputado Federal (PSDB-RN), que

apóia um ensino qualificador da mão de obra. Outro importante nome a citar é Rodrigo

5

Constantino, formado em economia e membro fundador do instituto Millenium3 (IMIL) e

autor do livro Privatize Já.

Percebe-se por que nos PL’s em questão, as escolas particulares não são criticadas,

visto todo um contexto histórico e político acima explicitado. Além disso, estas podem ser

controladas pelos pais dos estudantes, assim, constata-se também uma questão de âmbito

social como pode ser visto na defesa que o Escola Sem Partido empreende tendo como base o

art.12 da Convenção dos Direitos Humanos, utilizada parcialmente para argumentação do

programa: “Os pais, e quando for o caso os tutores, têm direito a que seus filhos ou pupilos

recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções”

(ONU.OEA, 1969 p.3).

Apesar do Brasil ter como um de seus princípios a laicização do estado, conforme

Cunha (2016), este não ocorre como deveria e um exemplo clássico disso seria a permanência

do ensino religioso nas grades curriculares. Em conformidade ao mesmo autor, fazendo

menção a um dos capítulos de Maria Betânia de Melo Ávila, intitulado “Reflexões sobre

laicidade”, a Igreja Católica fez parte da colonização dos povos brasileiros impondo-os

conversões ao catolicismo; o que contribuiu para a sociedade intolerante e hierárquica que

temos em nossa cultura, assim como para o fenômeno citado anteriormente, de hegemonia da

religião cristã.

A burguesia adere a esse discurso religioso, além de estar preocupada com seus

interesses financeiros. Atualmente, com a secularização da cultura, percebe-se uma mudança

cultural, em nossa sociedade e na família, fato que amedronta os defensores da moral e dos

bons costumes cristãos. Defrontamos com um futuro incerto, no qual muitos preferem se

apoiar no que já existe, fato que engendra movimentos reacionários como o ESP. (CUNHA,

2016).

O programa Escola Sem Partido busca controlar e perseguir ideias que divergem das

suas, mostrando-se como anti-democrático, visto que não apresenta “os dois lados da moeda”

para o estudante. É um projeto educacional que vincula-se a um contexto de golpe de estado,

objetivando combater seu inimigo declarado, juntamente a sua ideologia: o Partido dos

Trabalhadores, acusados de todos os males do país (CUNHA, 2016).

Com todo esse contexto como pano de fundo do projeto de ESP fica evidente o porquê

do alvo se tornar o professor, mudando seu papel para um técnico com função de

simplesmente transmitir um programa pré-determinado. A partir desse controle se conquista o

almejado pelo estado capitalista e as frentes políticas reacionárias em nosso país: a “produção

6

de subjetividades normalizadas” (BÁRBARA, CUNHA e BICALHO, 2017), para que possam

impingir a toda a sociedade uma única ideologia.

A IDEOLOGIA DA ESCOLA SEM PARTIDO

Para compreendermos a ideologia do Escola sem Partido, faz-se necessário abordar o

conceito dessa terminologia, o que será feito a luz de Betto (2016), segundo o qual ideologia

seria

[...] o óculos que temos atrás dos olhos. Ao encarar a realidade, não vejo

meus próprios óculos, mas são eles que me permitem que me permitem

enxergá-la. A ideologia é esse conjunto de ideias incutidas em nossa cabeça

e que fundamentam nossos valores e motivam nossas atitudes (BETTO,

2016, p.66).

Compreende-se que ideias não surgem ao léu, mas possuem uma gênese, que seria o

contexto social e histórico no qual o sujeito se insere, este que é permeado por tradições,

valores familiares, princípios religioso, meios de comunicação e cultura (BETTO, 2016).

Desse modo, não existe ninguém sem uma ideologia e, com a análise anterior a respeito do

contexto que engendra o ESP, nota-se que este possui uma, relacionada aos setores

conservadores-liberais da sociedade.

O citado anteriormente pode ser confirmado com base em Ximenes (2016), segundo o

qual, esse pretensioso controle ideológico sobre professores e alunos relaciona-se com demais

reformas de caráter gerencial. Entre elas podemos citar a diminuição de recursos destinados a

educação pública, ou seja, as investidas de privatização da mesma; as tentativas para

militarizar a educação; entre outros, fatos que dão indícios de uma intencionalidade de projeto

social relacionado a ideologia liberal-conservadora. “Nesse contexto, os direitos

fundamentais, e especificamente o direito à educação, impõem barreiras contra o

autoritarismo e o esvaziamento do sentido democrático das escolas públicas” (Ximenes, 2016.

p. 58).

É perceptível o retrocesso que estamos vivenciando atualmente, principalmente a

partir de projetos como o Escola sem Partido, que fazem inferência a tentativa de uma

sociedade totalitária, caracterizada por Picoli (2017) como a investida na anulação das

pluralidades sociais, em formar um mundo de iguais. A igualdade que se almeja, no entanto,

não contempla a de direitos, muito menos a liberdade individual, tendo em vista que a política

7

é anulada e o indivíduo não surge em sua individualidade. Complementando, o autor faz uso

da teoria de Arent (1973) para explicitar o que objetiva o totalitalismo:

Ao negar o plural, o totalitalismo busca instaurar uma realidade fictícia

ancorada na negação e alteração dos fatos. Considera ideológico o que é

científico e científico o que é ideológico, desde que corrobore com a

manutenção da racionalizção da realidade fictícia encampada (PICOLI,

2017, p.8).

O Programa Escola Sem Partido funciona em conformidade ao exposto em tela:

distorce a realidade em prol de seu objetivos específicos, de seu projeto de sociedade, desse

modo, desvirtua a história afim de retirar dos indivíduos sua capacidade de ação (PICOLI,

2017). Logo, percebe-se que a falácia da Escola Sem Partido se encontra em defender uma

escola, supostamente, sem ideologia.

Somente algumas concepções devem ser impedidas na visão do Programa, desse

modo, assume como “doutrinação ideológica”, conforme Algebaile (2017), discussões que

problematizam concepções políticas, econômicas e socioculturais, referentes a temas como

gênero, orientação sexual, modelos familiares, perspectivas críticas ao capitalismo e ao

conservadorismo.

Apesar dos Projetos de lei nº 867/2015 e nº 193/2016 reafirmarem os princípios de

pluralismo de ideias e da liberdade de aprender, essa questão não é defendida integralmente,

fato perceptível quando se inicia uma análise dos documentos, visto que, como afirma Penna

(2016), intencionalmente ignoram parte do art. 206 da Constituição, que dispõe: “II–liberdade

de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber” (BRASIL, 1988,

p.1). Para o autor em evidência esses elementos são indissociáveis assim como “III–

pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas [...]” (BRASIL, 1988, p.1), sendo que a

última terminologia também é ocultada em ambos os projetos de Lei.

Em dentrimento da pluralidade de ideias, são definidos “conteúdos, conceitos,

metodologias e ações que os docentes e discentes devem desenvolver em diferentes lugares do

país, difundem-se visões de mundo conhecimento, valores e perpectivas que representam os

interesses de determinados grupos econômicos” (GIROTTO, 2016, p.72).

Finalizando esse ponto é importante frisarmos que “[...] a censura ao posicionamento e

ao debate político possui grave fundo político” (PICOLI, 2017, p. 12), dessa forma fica

evidenciado que o Programa Escola Sem Partido pode representar a busca por controle e a

perseguição de ideias que divergem das suas. Esse objetivo se concretiza por intermédio da

8

política curricular, que objetiva uma escola de um partido único, intolerante as diversas visões

de mundo, próximo tópico a ser abordado.

A ESCOLA SEM PARTIDO NO CONTEXTO DA REFORMA CURRICULAR

A política curricular, como afirma Baldan (2017), sempre, na história da educação e

das políticas educacionais, foi um fator imprescindível para a formação de sujeitos para a

atuarem em determinadas sociedades, com suas respectivas exigências.

Percebem-se atualmente inúmeras ações políticas com intento de alterar as bases

curriculares da educação brasileira. Entre elas podemos citar: a reforma do ensino médio, que

intenta enfatizar a aprendizagem técnica em detrimento das humanidades, ao que tange a

formação dos alunos da rede pública de ensino; a nova Base Nacional Comum Curricular que,

conforme Freitas (2017, p.2), “[...] ataca a autonomia das escolas em formular seus projetos

pedagógicos, considerando suas demandas próprias [...]”; e a Emenda Constitucional no

95/2016, que congela os investimentos no setor educacional nos próximos vinte anos e que,

de certa forma, implicará em mudanças nos investimentos da formação dos professores e no

desenvolvimento do currículo.

Seguindo o raciocínio primeiramente explicitado, essas reformas curriculares advêm

de um contexto de mudanças políticas e sociais, que servem de parâmetro para a formação do

sujeito atual. Tanto estas como o ESP, dizem respeito aos mesmos fenômenos: ao avanço do

conservadorismo sobre as políticas educacionais e, consequentemente, ao controle ideológico

sobre os professores e estudantes (XIMENES, 2016).

A pretensão do Escola Sem Partido na disseminação de sua ideologia se dá por meio

da projeção de um sistema educacional público universalizado mediante a aprovação de uma

política curricular moralizante. Nesta o currículo sofre retalhamento, principalmente as

disciplinas que concernem às áreas de formação crítica como: História, Geografia, Filosofia e

Sociologia (BALDAN, 2017). Na defesa de um currículo “neutro”, se visualiza indícios de

qual cidadão se vislumbra formar, e, consequentemente, qual formação se deseja estabelecer.

Nesse aspecto afirma Ximenes (2016, p.55) que:

[...] cabe a educação escolar formal tão somente reproduzir a ideologia e a

cultura transmitidas nas demais instâncias educacionais, ainda que essas

comumente sejam discriminatórias, machistas, misóginas,

“homolesbotransfóbicas”, racistas insensíveis às injustiças econômicas

etc.[...]

9

Percebe-se, implícito nos PL’s do ESP que o currículo, como instrumento de aplicação

do que se deseja veementemente o programa e as forças sociais conservadoras que o apóiam,

visa a permanência da ordem social em vigência. Se este chegar a ser incluído na Lei de

Diretrizes e Bases da Educação teremos um grande retrocesso na política curricular

educacional do país, visto que o mesmo não se compromete a uma formação humana

democrática e emancipatória, o que engrossará ainda mais o caldo de retrocessos no país.

Essa conclusão baseia-se em todo o exposto até agora e também na leitura de Freitas

(2017), segundo o qual essa proposta irá restringir a liberdade, já que para se formar um

sujeito autônomo é preciso uma “efetiva experiência de pensamento”, desencadeada pela

mediação com o conhecimento histórico e aprofundado da realidade social, o que desenvolve

a consciência e a desalienação de cada educando.

Contudo, “A escola deve ser o campo do plural e do diverso, pois nela há o encontro

de gerações, de classes sociais, de pertencimento religioso, de origem regional, de padrão

estético, de gosto etc. [...]” (FREITAS E BALDAN, 2017, p.3). Conhecer a pluralidade é

fundamental para respeitar a mesma, que se faz presente em nossa sociedade. Entretanto,

percebe-se que este ambiente destinado a formar cidadãos para conviver em um estado

democrático de direito acaba retendo outro significado no ESP, como aponta Freitas, (2017),

sendo um espaço de prolongamento da família, e de preparação para o trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao analisarmos os Projetos de lei nº 867/2015 e nº 193/2016 fica evidente que o

Programa Escola Sem Partido advém de um contexto histórico específico, no qual é

perceptível distintas mudanças políticas e sociais no país, diante dos quais vem à tona

diversos posicionamentos. Entre eles temos o conservadorista/reacionário, o qual tende a

defender seus interesses econômicos e também ideológicos.

Em prol de determinado projeto de sociedade esse grupo político faz uso de distintas

ferramentas para propagar seu ideário burguês, dentre elas a distorção da realidade para

fundamentar seu discurso de caráter dominador, este que é visivelmente presente no ESP. A

política curricular acaba dotada deste, sendo o meio de vinculação do projeto de sociedade

almejado, assim propondo um sistema educacional universalizado, que impinge uma

formação com somente um visão de mundo, sem que o próprio educando possa se posicionar,

de forma crítica, frente a sua realidade.

10

A partir de aprofundamentos sobre a temática se percebe a possibilidade de

desconstrução da tese do ESP, de uma escola supostamente neutra, visto que o próprio fato de

se defender uma escola sem ideologia já é uma ação ideologica o que se mostra contraditório,

já que educar é um ato político.

Ao encerrar esse texto, faz-se importante ressaltarmos o andamento dos projetos de lei,

objetos de estudo de nossa pesquisa. O Projeto no 867/2015 segue em tramitação, sendo que

sua última ação legislativa data de cinco de outubro de 2016. O Projeto no 193/2016 foi

retirado por seu autor, Magno Malta, no dia vinte e um de novembro de 2017. Apesar dessa

suposta calmaria em relação a aprovação dos referidos PL’s, outros projetos de lei

semelhantes emergem em várias localidades do país, como recentemente o PL 606/2016,

aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da assembleia legislativa do estado

do Paraná. Contudo, faz-se necessário desprender energias intelectuais e ações práticas que

confrontem as teses da Escola Sem Partido, assim visando derrotar seu discurso, em

consonância com o hegemônico em vigência.

1 ww.escolasempartido.org 2 Advogado e Procurador do estado de São Paulo. Fundador e líder do movimento escola sem partido.

Idealizador do texto que engendrou diversos projetos de lei. Articulador, até o ano de 2013, do instituto

Millenium. 3De acordo com Silveiro (2013), o instituto Millenium é um Advocacy think tank brasileiro,conhecido no Brasil

como centro de pensamento, banco de ideias ou viveiro de ideias. Com sede no Rio de Janeiro, conta com o

apoio de importantes grupos empresariais e dos meios de comunicação de massa, buscando influenciar

a sociedade brasileira, por intermédio da disseminação de ideias liberais. Além disso, sua equipe composta por

representantes, especialistas e colunistas prestam consultoria as empresas, ofertando as mesmas, como produto

final, relatórios pagos, acessíveis ao cliente e feitos sob medida para a necessidade dele.

REFERÊNCIAS

ALGEBAILE, Eveline. Escola Sem Partido: o que é, como age, para que serve. In:

Gaudêncio Frigotto (org.). Escola “sem” partido – Esfinge que ameaça a educação e a

sociedade brasileira. Rio de Janeiro: LLP/UERJ, 2017. p.63-74.

BALDAN, Merilin. Do programa escola sem partido como apanágio do “ódio à democracia”

ou como projetos neoconservadores e liberais negam a educação para todos. Revista de

História e Estudos Culturais, v. 14, no 1, p. 1-19, jan./ jun. 2017.

BÁRBARA, Isabel Scrivano Martins Santa; CUNHA, Fabiana Lopes da; BICALHO, Pedro

Paulo Gastalho de.Escola Sem Partido: visibilizando racionalidades, analisando

governamentalidades. In: Gaudêncio Frigotto (Org.). Escola “sem” partido: esfinge que

ameaça a educação e a sociedade brasileira. Rio de Janeiro: UERJ, LLP, 2017. p. 105-120.

11

BETTO, Frei. “Escola sem Partido”?. In: Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e informação

(Org.). A ideologia do movimento Escola Sem Partido: 20 autores desmontam o discurso.

São Paulo: ação educativa, 2016. p.66-67.

BRAIT, Daniele. Os protagonistas do ESP. In: Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e

informação (Org.). A ideologia do movimento Escola Sem Partido: 20 autores desmontam o

discurso. São Paulo: ação educativa, 2016. p. 161-165.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Senado

Federal, Brasília, DF.1998.

BRASIL. Decreto nº. 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana

sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969.

Diário Oficial, Brasília, DF, 6 nov. 1992.

BRASIL. Projeto de lei nº 193 de 2016. Inclui entre as diretrizes e bases da educação

nacional, de que trata a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, o "Programa Escola sem

Partido". Senado Federal, Brasília, DF. 04, maio, 2016.

BRASIL. Projeto de lei nº 867 de 2015. Inclui, entre as diretrizes e bases da educação

nacional, o "Programa Escola sem Partido". Câmara dos Deputados, Brasília, DF. 23, março,

2015.

CUNHA, Luiz Antônio. O projeto reacionário de educação. 2016. Disponível em:

http://www.luizantoniocunha.pro.br/uploads/livros/proj-reaccionario-de-

educacao.pdf.Acesso: maio.2016.

ESPINOSA, Betty R. Solano; QUEIROZ, Felipe B. Campanuci. Breve análise sobre as redes

do Escola sem Partido. In: Gaudêncio Frigotto (Org.). Escola “sem” partido: esfinge que

ameaça a educação e a sociedade brasileira. Rio de Janeiro: UERJ, LLP, 2017. p. 49-62.

FREITAS, Nivaldo Alexandre de; Baldan, Merilin. Dossiê Escola Sem Partido e formação

humana. Fênix, Uberlândia, v.14, n. 1, p. 1-8, jan./jun. 2017.

FREITAS, Nivaldo Alexandre de. Escola Sem Partido como instrumento de falsa formação.

Fênix, Uberlândia, v.14, n. 1, p. 1-20, jan./jun. 2017.

FRIGOTTO, Gaudêncio. A gênese das teses do Escola sem Partido: esfinge e ovo da

serpente que ameaçam a sociedade e a educação. In: Gaudêncio Frigotto (Org.). Escola

“sem” partido: esfinge que ameaça a educação e a sociedade brasileira. Rio de Janeiro:

UERJ, LLP, 2017. p. 17-33.

GIROTTO, Eduardo. Um ponto na rede: o “Escola Sem Partido” no contexto da escola do

pensamento único. In: Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e informação (Org.). A ideologia

do movimento Escola Sem Partido: 20 autores desmontam o discurso. São Paulo: ação

educativa, 2016. p. 69-76.

12

NAGIB, Miguel. A doutrinação é um problema grave na educação brasileira? Por quê?

[2004]. Disponível em: http://www.escolasempartido.org/faq. Acesso em: 31 março 2018.

NAGIB, Miguel. Quem somos. [2004]. Disponível em:

http://www.escolasempartido.org/quem-somos. Acesso em: 31 março 2018.

PENNA, Fernando de Araujo. O Escola Sem Partido como chave de leitura do fenômeno

educacional. In: Gaudêncio Frigotto (Org.). Escola “sem” partido: esfinge que ameaça a

educação e a sociedade brasileira. Rio de Janeiro: UERJ, LLP, 2017. p.35-48.

PICOLI, Bruno Antonio. Totalitarismo na escola: uma análise dos Projetos de Lei do

Movimento Escola Sem Partido. In: Simpósio Nacional de História - contra os preconceitos:

história e democracia, XXIX, 2017, Brasília. Anais...Brasília: UNB, 2017. Disponível em:

http://www.snh2017.anpuh.org/site/anais#B. Acesso em: maio 2018.

SILVEIRA, Luciana. Fabricação de ideias, produção de consenso: estudo de caso do Instituto

Millenium. 2013. Si39f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Instituto de Filosofia e

Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2013.

VASCONCELOS. Joana Salém. A escola, o autoritarismo e a emancipação. In: Ação

Educativa Assessoria, Pesquisa e informação (Org.). A ideologia do movimento Escola Sem

Partido: 20 autores desmontam o discurso. São Paulo: ação educativa, 2016. p.78-82.

XIMENES, Salomão. O que o direito à educação tem a dizer sobre “Escola Sem Partido”?. In:

Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e informação (Org.). A ideologia do movimento Escola

Sem Partido: 20 autores desmontam o discurso. São Paulo: ação educativa, 2016.p.49-58.