OS REFLEXOS DAS REDUÇÕES JESUÍTICAS DOS SETE POVOS...

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1 OS REFLEXOS DAS REDUÇÕES JESUÍTICAS DOS SETE POVOS NO PLANO URBANO DE SÃO LUIZ GONZAGA 1 Katiúze Brill Nonemacher 2 Juliana Guma 3 Resumo: O presente artigo aborda o estudo urbano das reduções jesuíticas dos Sete Povos das Missões e suas características que refletiram e/ou se mantiveram em São Luiz Gonzaga. Esta análise parte de uma pesquisa mais aprofundada, que se encontra em fase inicial, devendo abranger não só o município são-luizense, mas também as demais localidades dos Sete Povos. Primeiramente denotamos as formações das reduções jesuíticas, com suas características próprias e influências espanholas, quanto ao plano urbano. A partir disso é possível analisar em linhas gerais cada redução dos Sete Povos e, neste estudo, mais especificamente, os reflexos em São Luiz Gonzaga. Palavras-chave: Missões, Reduções Jesuíticas, Colonização, Arquitetura. INTRODUÇÃO A história dos Sete Povos das Missões tem seu princípio de domínio e organização de território, ligados às crenças postas pelo cristianismo, que conquistou a confiança e a catequização de milhares de indígenas nestas terras denominadas atualmente por “Missões”, localizadas ao noroeste do estado do Rio Grande do Sul. Esses povoados tiveram sua organização iniciada em 1682, seguindo padrões espanhóis de composição arquitetônica, formadas por padres jesuítas que buscavam catequizar os índios guaranis, detendo o avanço português em direção ao litoral Sul, sob ordem do governo espanhol. São Nicolau, São Miguel de Arcanjo, São Francisco de Borja, São Luiz Gonzaga, São Lourenço Mártin, São João Batista e Santo Ângelo Custódio formavam os Sete Povos das Dos 1 Artigo apresentado ao Grupo de Trabalho História, Patrimônio e Arquitetura do 3º Emicult; 2 Acadêmica do curso de Arquitetura e Urbanismo 5º semestre, Centro Universitário Franciscano UNIFRA. E-mail: [email protected]; 3 Arquiteta e Urbanista, mestre em Planejamento Urbano e Regional. Docente do Curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Franciscano UNIFRA. E-mail: [email protected].

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OS REFLEXOS DAS REDUÇÕES JESUÍTICAS DOS SETE POVOS NO

PLANO URBANO DE SÃO LUIZ GONZAGA1

Katiúze Brill Nonemacher2

Juliana Guma3

Resumo: O presente artigo aborda o estudo urbano das reduções jesuíticas dos Sete Povos das

Missões e suas características que refletiram e/ou se mantiveram em São Luiz Gonzaga. Esta

análise parte de uma pesquisa mais aprofundada, que se encontra em fase inicial, devendo

abranger não só o município são-luizense, mas também as demais localidades dos Sete Povos.

Primeiramente denotamos as formações das reduções jesuíticas, com suas características

próprias e influências espanholas, quanto ao plano urbano. A partir disso é possível analisar

em linhas gerais cada redução dos Sete Povos e, neste estudo, mais especificamente, os reflexos

em São Luiz Gonzaga.

Palavras-chave: Missões, Reduções Jesuíticas, Colonização, Arquitetura.

INTRODUÇÃO

A história dos Sete Povos das Missões tem seu princípio de domínio e organização de

território, ligados às crenças postas pelo cristianismo, que conquistou a confiança e a

catequização de milhares de indígenas nestas terras denominadas atualmente por “Missões”,

localizadas ao noroeste do estado do Rio Grande do Sul.

Esses povoados tiveram sua organização iniciada em 1682, seguindo padrões espanhóis

de composição arquitetônica, formadas por padres jesuítas que buscavam catequizar os índios

guaranis, detendo o avanço português em direção ao litoral Sul, sob ordem do governo

espanhol.

São Nicolau, São Miguel de Arcanjo, São Francisco de Borja, São Luiz Gonzaga, São

Lourenço Mártin, São João Batista e Santo Ângelo Custódio formavam os Sete Povos das Dos

1 Artigo apresentado ao Grupo de Trabalho História, Patrimônio e Arquitetura do 3º Emicult; 2 Acadêmica do curso de Arquitetura e Urbanismo – 5º semestre, Centro Universitário Franciscano – UNIFRA.

E-mail: [email protected]; 3 Arquiteta e Urbanista, mestre em Planejamento Urbano e Regional. Docente do Curso de Arquitetura e

Urbanismo do Centro Universitário Franciscano – UNIFRA. E-mail: [email protected].

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povos missioneiros restam atualmente uma rica história integrante do contexto gaúcho e

brasileiro.

Este trabalho pertence a uma fase inicial de estudo que busca a pesquisa sobre os

reflexos das reduções às cidades existentes atualmente nestes locais, em um parâmetro de plano

urbano e arquitetônico. Buscamos evidenciar a formação dos povos e de que forma a

organização atual ainda demonstra vestígios das reduções jesuíticas.

Nesta primeira fase de estudo, iniciaremos por São Luiz Gonzaga, com uma

comparação em linhas gerais da primeira organização urbana e a atual. Na próxima etapa

iremos aprofundar esta pesquisa, identificando cada fase de evolução e através delas notando

suas características ainda existentes. Assim seguiremos este estudo para as outras cidades

formadas nos locais das reduções dos Sete Povos das Missões, que foram ainda: São Nicolau,

São Miguel das Missões, São Francisco de Borja, Santo Ângelo Custodio, São João Batista e

São Lourenço Mártir.

A ORGANIZAÇÃO URBANA DAS REDUÇÕES JESUÍTICAS

De acordo com Bruxel (1978) todas as reduções eram direcionadas através de um plano

geral, onde o centro axial era a grande praça quadra, de onde convergiam as ruas principais.

Geralmente se construía a igreja na região central, ao lado sul ou norte da praça; ao lado direito

ficava o cemitério e em seguida o Cotiguaçu, que era um asilo-orfanato, onde as viúvas

cuidavam dos órfãos até a idade em que eles casariam e, passavam então, a residir com os

demais. Aos fundos era cultivada a horta, com grande pomar. Ao lado esquerdo da igreja ficava

o colégio e em seguida as oficinas. À direita da praça era localizado o hospital e ao lado oposto

da igreja, o Cabildo e a Capela. Segundo Flores (2003) Cabildo era a câmara municipal que

existia em todos os povoados espanhóis, que tinham o objetivo de administrar e fazer justiça.

Finalizando a organização urbanística dos povos das missões, as residências ficavam nas

laterais da praça.

Conforme Bruxel (1978) as reduções guaranis, ao contrário das cidades europeias, que

possuíam diversas igrejas e capelas, tinham uma só igreja, mas grandiosa, com capacidade de

abrigar 6 mil pessoas ou mais. Com dois ou três padres, e várias missas, salienta-se que apenas

uma era a “missa do povo”, à qual todos assistiam, aos domingos e dias santos. Nas construções

primitivas das igrejas das primeiras reduções jesuítas, os padres se faziam peritos, no entanto,

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logo após ocorreu a “era” dos arquitetos, sendo os irmãos Bartolomeu Cardenosa e Domingos

Torres os pioneiros:

Por volta de 1690 apareceu o Ir. José Brasanelli (o “Miguelângelo” das Reduções),

que levantou a igreja de São Borja (...) Nas primeiras décadas do século 18 veio o Ir.

João B. Prímoli, engenhoso arquiteto das monumentais igrejas de São Miguel,

Trindade e Conceição. O Ir. Antônio Forcada construiu a igreja de São Luís.

(BRUXEL, 1978, p.53-54).

Flores (2003) descreve que o colégio era formado por salas de aula, refeitório, cozinha

e residência dos padres, de modo que através da sala de aula se tinha acesso ao pátio e à horta.

Apenas meninos eram selecionados para serem alfabetizados. Eles ainda aprendiam música,

doutrina religiosa, práticas de agricultura e técnicas artesanais:

Dividia-se a ala residencial, a começar da sacristia, em quatro ou cinco quartos de 5x5 ou 6x6 metros (para os padres e hóspedes), refeitório e cozinha com o famoso

subterrâneo: uma simples adega, de uns 3x4 metros e 2 de altura, situada sempre sob

o refeitório ou cozinha. Nunca havia dois andares para moradia. (BRUXEL, 1978, p.

57)

A horta servia para alimentar os padres, os meninos, as mulheres viúvas do Cotiguaçu,

os doentes do hospital e os artesões, estes que trabalhavam nas oficinas, com tecelagem,

carpintaria e esculturas. Em referência às habitações, os relatos dos estudiosos descrevem que

possuíam semelhança às primitivas casas indígenas, onde abrigavam à muitos:

Cada bloco estava dividido em vários cômodos, conforme o número de famílias. Na

frente do bloco corria uma calcada coberta com telheiro, sustentado por pilares. Neste

local as mulheres teciam e fiavam cuidando das crianças. Cada cômodo tinha janela

e porta para a calçada e apenas uma porta para o lado oposto, coberta por telheiros e sem calçada, onde as mulheres cozinhavam. Nas peças havia redes para o homem e

para a mulher, as crianças dormiam em esteiras. No centro do quarto ardia o fogo

para espantar os insetos e aquecer os ambientes. (Flores, 2003, p.34)

Flores (2003) destaca que os animais domésticos viviam dentro da peça e cada bloco

possuía um cacique que era responsável pela distribuição das tarefas diárias e alimentos. As

mulheres do Cotiguaçu que realizavam atendimentos no hospital e cada povoado missioneiro

possuía seus ervais nativos, sendo que a coleta e a preparação da erva-mate eram feitas pelos

índios.

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Weimer (2004) observa que a origem do desenho das reduções jesuítas pouco seguem

o padrão da “leyes de Índias” – a Lei das Índias, mas é mais remota a aldeia ancestral dos

guaranis. Ele explica que há uma diferença entre os traçados das cidades e vilas hispano-

americanas dos jesuítas. Conforme:

(...) enquanto as normas felipinas (as leyes) induziam a concepções urbanas próximas aos preceitos renascentistas, nos aldeamentos jesuíticos já se empregavam os

preceitos barrocos em sua plenitude o que é perceptível no uso de avenidas

monumentais empregadas de modo a valorizar o prédio (no caso, a igreja) que

“fechava” a perspectiva. Portanto, até mesmo dentro dos parâmetros da cultura

europeia, os dois traçados pertencem a dois períodos diferentes. (WEIMER,2004,

p.31)

Weimer argumenta que não existiam razões para os jesuítas adotarem as normas

felipinas. De acordo com Lei das Índias “as ruas devem contornar a praça central de proporções

2 para 3 com a implantação dos prédios principais ao seu redor. Quanto aos demais prédios,

sua hierarquia é medida na proporção inversa a sua distância em relação à praça. ” (WEIMER,

2004, p. 31).

Desta maneira se teria uma definição da estrutura social das classes, onde, pela Lei das

Índias, os pobres ficariam na periferia e os ricos e poderosos, no centro, entre eles estariam os

remediados. O autor defende sua teoria denotando que na estrutura das aldeias dos Sete Povos

das Missões não haveria essa hierarquia de poderes, mas sim do sagrado e do profano. “Estes

dois mundos estavam plasticamente muito claramente separados entre si, através de um alto

muro que só apresentava três aberturas entre os dois universos: a central, composto de três

portas que davam para o templo, e as laterais que davam para o cemitério e para o pátio da

escola” (WEIMER, 2004, p.31)

Cita-se também a utilização das praças das Missões como um átrio que separava o

sagrado do profano e povoado de estátuas que tinham finalidade de demarcar o percurso do

deslocamento das procissões. Portanto, nos Sete Povos as praças eram cerimoniais, onde

aconteciam grandes procissões e momentos religiosos, ao contrário da Praza Mayor – da Lei

das Índias, que serviam como ponto de encontro e convivência dos cidadãos. Em resumo, para

os missioneiros a diferença era religiosa, enquanto de acordo com a Lei, a diferença era

econômica.

Bruxel (1978) descreve a Lei das Índias atuantes nas 30 reduções dos povos guaranis,

como fonte de inspiração anteriores à fundação da Companhia de Jesus. No entanto, ele destaca

o aperfeiçoamento de alguns pontos em diversas reduções. Como exemplo, o autor menciona

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as Reduções do Paraguai, onde nem as leis espanholas, assim como nem os modelos de outras

reduções tiveram papel decisivo, mas sim a experiência diária. “O plano inicial não poderia,

evidentemente, atender a todos os pormenores, mas estabeleceu as linhas-mestras, e a elas se

manteve fiel até o fim” (BRUXEL, 1978, p. 20)

CIDADES MISSIONEIRAS

Para uma compreensão melhor da história dos Sete Povos, procuramos entender a

ordem de formação dos povos e suas características próprias. A primeira redução missioneira,

dos Sete Povos, foi São Nicolau, formado por discípulos de Santo Inácio de Loyla, em 1626.

Seu fundador foi o padre Roque Gonzales de Santa Cruz, atualmente nome de uma cidade da

região.

Em 1797, São Nicolau possuía aproximadamente 5.300 habitantes. Segundo Grisólia

(1962) a redução era uma das mais constituídas, com edificações confortáveis para os padres e

também para os “selvagens”. Em seu estudo, ele descreve que em 1821, São Nicolau

encontrava-se com casas da aldeia que não passavam de divisões de compridas construções

cobertas de telhas, com telhados prolongados e sustentados por postes, formando, ao seu redor,

uma “galeria”, assim declara:

Os lados oriental e ocidental da praça possuem umas duas construções separas, como

separadas são nos ângulos das praças. Cada casa compõe-se de um só quarto.

Excetuadas algumas onde há janelas feitas ultimamente, não possuem outra abertura

além de duas portas estreitas, abrindo-se para as galerias da frente e dos fundos,

respectivamente. (GRISÓLIA, 1962, p.3)

A igreja possuía ornamentos dourados em seu altar que subiriam até a abóbada, possuía

ladrilhos regulares. A abóbada era pintada de arabescos grosseiros e em uma pequena capela

ficavam as pias de batismos. Junto a igreja ficava o cemitério, cercado de muros e com

laranjeiras, e à frente dela se tinha um edifício de um andar, com nove sacadas e telha à italiana.

Em descrição citada por Grisólia em seu artigo, feito pelo escritor e botânico Auguste de Sant-

Hilaire, em 1821, salienta-se que a rua terminada no meio do lado oriental da praça, fazia face

a uma capela quadrada cercada de galerias, “e à qual se vai por uma álea de laranjeiras copadas.

O verde escuro das laranjeiras e a sombra por elas comunicada à capela inspiram uma espécie

de respeito religioso” (SANT-HILAIRE, 1821, p.4)

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São Miguel foi a segunda redução dos Sete Povos. Fundada em 1687, pelo padre

Cristóvão de Mendonça, com auxílio dos padres Pedro Romero e Paulo Benevides. A redução

ficava localizada entre Santo Ângelo e São Luiz (que foram fundadas logo após). Para Grisólia

(1962) foi o povo que mais se desenvolveu. “Era o mais populoso e rico dos Sete Povos,

possuindo o templo mais majestoso e confortáveis habitações, com ruas benfeitas e indústria

desenvolvida” (GRISÓLIA, 1962, p.5)

Complementando uma descrição mais detalhada sobre a redução, que até hoje é

considerada a mais importante, pela sua formação em ruínas mantidas, Grisólia destaca:

A Igreja era de três naves, de trezentos e cinquenta palmos de comprimento e cento

e vinte de largura, com cinco altares de talha dourada e excelentes pinturas; ao entrar

na porta principal via-se à direita uma Capela com seu altar, e pia batismal, sendo a bacia de barro vidrado de verde, assentada sobre uma moldura de talha dourada. A

torre era também de pedra com seis sinos. Imediata ao lado direito do Capela-mor,

achava-se a sacristia, daí seguiam-se os cubículos dos padres, os quais eram muitos e

cômodos; pegava logo um lanço de quartos que olhavam para um grande pátio, com

alpendrada em roda, destinados à escola de ler, escrever, música vocal e instrumental;

dele se comunicavam para outro semelhante, formado de várias casas, numa das quais

trabalhavam vinte e quatro teares, e as outras eram oficinas de ourives, entalhadores,

pintores, uma grande ferraria, muitos armazéns, e uma casa forte, que servia de prisão,

tudo com admirável ordem. (GRISÓLIA, 1962, p.7)

Através dos relatos percebemos que São Miguel possuía as exatas características do

padrão de redução jesuítica. Notamos também sua grandiosidade em que se revela sua missão

de mil e quatrocentas famílias, que viviam em comum. Os jesuítas trabalhavam nas plantações

e colheitas de erva-mate, algodão, trigo, mandioca, cana-de-açúcar, batatas, ervilhas, favas,

feijões, aboboras, entre outros; e ainda haviam empregados nas olarias, nos curtumes, nas

estâncias de animais.

O arquiteto italiano João Batista Primoli foi o criador do Templo de São Miguel, que

mesmo em ruínas, podemos até os dias de hoje contemplar sua grandiosidade e exuberância,

levando em conta as limitações que se tinham na época, contando apenas com mão de obra,

sem máquinas ou tecnologias que usamos na atualidade. Grisólia (1962) conta que o material

utilizado para a construção da igreja foi extraído do rio Santa Bárbara, que ficava

aproximadamente 20 quilômetros da redução. Em sua fase mais populosa, a redução de São

Miguel atingiu 7 mil habitantes.

São Francisco de Borja foi a terceira redução à ser fundado, em 1682, ficando mais ao

sul de todas as sete reduções, próxima ao rio Uruguai. No entanto, a história desta redução teria

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iniciado anteriormente, quando o padre Francisco Garcia atravessava o Rio Uruguai, com quase

dois mil homens, na missão de fundar a colônia para redução de Santo Tomé, mas estes

desprenderam-se à margem em uma colônia com índios para fundação de São Borja, que mais

tarde tornou-se um dos Sete Povos devido seu crescimento. De acordo com Grisólia (1962) a

redução atingiu 2.888 habitantes em meados de 1694.

Seguindo a ordem cronológica de fundações, São Luiz Gonzaga foi a quarta formação

dos Sete Povos, este que será nosso local de maior destaque, pelo estudo que faremos mais

adiante, comparando a época da redução, a formação da cidade e seu plano urbanismo atual.

A redução de São Luiz Gonzaga, foi formada entre os arroios Piraju e Chimbocu, em

1687, pelo padre Miguel Fernandes. Segundo argumento revelado por Grisólia (1962) a igreja

da redução são-luizense possuía “trezentos palmos de comprimento por cem de largura”, com

pedras brancas e vermelhas e no interior se tinham três “naves” com pilares de grandes troncos

de árvores.

A população máxima da redução de São Luiz Gonzaga foi de 3997 habitantes. Em

descrição histórica oficial do município, revela-se que o padre Miguel Fernandes buscou um

lugar alto as margens do Arroio Chimbocu para instalação desta redução. Eram cultivados

ervas, algodão, trigo e milho. A quinta redução jesuítica dos Sete Povos das Missões foi São

Lourenço Mártin, fundada em 1690. Esta região atualmente pertence ao município de São Luiz

Gonzaga. Sua formação se constituiu da população proveniente da redução Argentina de Santa

Maria, e foi fundada pelo padre Bernardo de La Veja.

Tinha uma grande Igreja de frontispício singelo e paredes de pedras ligadas com uma

argamassa de pedra e cal. Nos umbrais da parede, do lado da epístola, se via uma

coroa ducal sobre um esferóide circundado(...) Nesse templo existia também uma

colossalpia de batismo com caprichosos lavôres. (Grisólia, 1962, p.12)

A população de São Lourenço chegou a atingir cerca de 5 mil habitantes. Nos dias atuais

ainda existem ruínas, mesmo que bem destruídas após as guerras. Já a redução de São João

Batista foi criada em 1697, sendo a sexta dos Sete Povos. De acordo com Grisólia (1962), essa

redução foi fundada por elementos vindos de São Miguel. Nela, a igreja tinha aproximadamente

trinta metros frontais e setenta de fundos. Ainda segundo o autor neste parágrafo citado, foi

nesse povo que se fundiu o primeiro ferro do Brasil. Cerca de 3,4 mil habitantes formavam esta

redução em 1707.

Por fim, mas não menos importante, chegamos a formação do último povoado dos Sete

Povos, a redução de Santo Ângelo Custódio. Fundada em 1706 pelo padre Diogo Haze. A

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redução foi destruída durante a guerra guaranítica, mas após uma igreja foi construída em cima

das ruínas da igreja anterior, com preceitos da igreja de São Miguel. Entre os detalhes que

diferencia a redução de Santo Ângelo às demais, foi a construção de seu tempo voltado ao sul,

enquanto as outras seis reduções tem sua igreja voltada ao norte.

Das reduções dos Sete Povos não muito se manteve após a guerra guaranítica que

aconteceu a partir da assinatura do Tratado de Madrid, em 1750, onde os portugueses trocavam

com os espanhóis, a Colônia do Sacramento pelos Sete Povos. Os missioneiros contraditórios

à transmigração lutaram contra a ordem.

A REDUÇÃO DE SÃO LUIZ GONZAGA

O traçado da redução são-luizense compreendia seis quarteirões de cem metros de

frente, a partir da praça, formando várias ruas largas que seguiam até os campos. As residências

ficavam em três das quatro faces da praça. Tinham salas amplas, separadas por paredes

espessas e circundadas por alpendres sustentados por colunas de pedra. Na imagem 1 temos a

foto da redução de São Luiz Gonzaga, representada por uma maquete que está presente no

museu do município.

Imagem 1: Maquete da redução de São Luiz Gonzaga, exposta no Museu Arqueológico do município

Fonte: Arquivo pessoal / Foto tirada por Luiz Oneide Nonemacher

A igreja ficava voltada ao Norte. Segundo o portal de Turismo de São Luiz Gonzaga,

esta não foi concluída pela sua enorme dimensão, mas media aproximadamente cinquenta

metros de fundo por vinte de largura. Seu teto era apoiado por colunas de madeira e à vinte

metros de altura ficava a abóbada com adornos dourados que ostentava enorme lustre.

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Os vestígios desta igreja foram demolidos para a construção do novo templo, que teve

início em 1932 e inaugurada em 1945. Com estilo gótico, foi projetada pelo vigário Augusto

Preussler. Dentro dela estão guardadas 12 imagens de santos em estilo barroco, feita pelos

índios da redução de São Luiz Gonzaga. Abaixo temos a imagem 2 da igreja feita durante a

redução, feita pelo Ir. Antonio Forcada.

Imagem 2 – Igreja da redução de São Luiz Gonzaga

Fonte: Blog São Luiz Gonzaga – História

Importante para o estudo do plano urbano, mesmo que interferido anos após as

reduções, devemos citar a criação da Gruta Nossa Senhora de Lourdes, presente em um dos

pontos mais altos de São Luiz Gonzaga. Segundo Gomes (1980) a Gruta foi erguida em 1926,

em cumprimento de uma promessa feita em 1924 por um grupo de senhoras que buscavam na

fé, forças para o conflito que se previa. Na época a cidade estava dominada pelas forças

comandadas por Luiz Carlos Prestes, e as forças adversárias aproximavam-se de São Luiz

Gonzaga. Temia-se também pela falta de alimentos para as famílias. Após a promessa, em 24

de dezembro do mesmo ano de 1924, a Coluna Prestes deixou a cidade.

Analisando o mapa atual do munícipio trabalhamos em uma análise da formação da

cidade quanto ao seu plano urbanístico, refletido pela história. Na imagem 3, apresentamos

uma parte do mapa de São Luiz, evidenciando mais os pontos que abordaremos em seguida,

como a Praça da Matriz, a Igreja e a Gruta Nossa Senhora de Lourdes.

Imagem 3: Parte do mapa de São Luiz Gonzaga

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Fonte: Google Maps

Em primeiro lugar devemos ressaltar a formação de quarteirões quadrados, com

regularidade e sequenciados. Isso já é uma consequência da colonização espanhola, em que as

ruas eram contínuas, com quarteirões regulares. Já nas reduções jesuíticas percebemos esse

equilíbrio e regularidade. Não há uma desordem pela topografia ou travessas em diagonais.

Mesmo com a expansão do município, ocorrida mais tarde, se deu sequência à esta formação,

fugindo apenas em poucos locais, nas marginais da cidade.

A Praça da Matriz, que antigamente se formava a praça da redução, é o ponto central

do município. Ela é o ponto de partida às extremidades. O acesso à cidade, com pontos

principais três trevos, à nordeste, norte e leste, possuem vias que levam todos ao centro, à Praça

da Matriz. Lembramos que São Luiz Gonzaga passou por diversas fases de expansão e

evolução, no entanto, estamos aqui analisando em linhas gerais desde seu surgimento até este

presente momento, sem o estudo, à princípio, aprofundado de cada etapa.

Seguindo a análise, ao entorno da praça principal, a Praça da Matriz, foram organizados

em primeira instância os prédios públicos e residências de nobres, que mais tarde foram

comercializados e hoje passou a constituir-se de prédios públicos e comércio, com poucas

residências, ficando mais determinadas nos pavimentos superiores quando existem.

Percebemos que no decorrer dos anos, a paisagem urbana central tem se modificado pela

mudança central das edificações. Sem o tombamento, prédios antigos estão sendo

demolidos/modificados, sem a preservação histórica. Isso acontece mais diretamente nas

edificações privadas.

Seguindo a rua lateral da igreja (São João), atravessando a Praça da Matriz, temos o que

hoje é o museu Senador Pinheiro Machado, logo em seguida a Biblioteca Municipal, um centro

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comunitário e ao fim da quadra o Instituto Histórico e Geográfico. Anteriormente, onde é o

museu, era a residência do Senador Pinheiro Machado, e nele são expostas fotos e objetos

relacionados a figuras importantes politicamente para a região. No centro cultural e

comunitário antigamente funcionava a escola dos padres e onde hoje é o Instituto Histórico,

funcionava uma instituição de Aprendizado Agrícola, construído em 1911.

O quartel – 4º Regimento Dragões do Rio Grande fica à 2km ao norte da Praça da

Matriz. Ele foi fundado em 1737, em necessidade de guarnecer as fronteiras portuguesas contra

a expansão espanhola. Fica localizado em um ponto alto, no extremo da cidade. A Gruta Nossa

Senhora de Lourdes, a qual já citamos sua história, fica à 1,3 km da Praça, em direção Leste.

Seu local de instalação foi escolhido por estar no ponto mais alto da cidade.

Outros pontos e edifícios presentes ainda em São Luiz Gonzaga valem ser citados, os

quais abordaremos no decorrer da pesquisa, assim como mais detalhes sobre os locais já

citados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando as evidências já estabelecidas em um início de estudo, notamos a

necessidade de aprofundamento da pesquisa para buscar mais detalhes de compreensão na

organização urbana. Também percebemos as características iniciais do plano urbano, tendo a

necessidade de buscar informações também sobre as demais etapas, onde ocorreram desde a

recuperação do local, após a guerra guaranítica, mas também a evolução em outras fases

históricas de grande importância.

Mesmo assim, consideramos valido essa compreensão de organização e até mesmo

curiosa e interessante, percebendo que mesmo após diversas guerras, os reflexos das reduções

ainda são muito presentes na região, tendo uma influência direta aos municípios que se

formaram onde eram os Sete Povos, mas também indiretas às cidades vizinhas.

Compreendemos a importância dos tombamentos de edificações, para que a história de

um povo se mantenha presente também fisicamente, com mais compreensão às diversas

gerações humanas. Consideramos que este estudo sugere apenas uma fase inicial de uma

pesquisa bem mais extensa e detalhada que deverá ser feita, mas já nos direcionando aos pontos

de trabalho a seguir.

REFERÊNCIAS

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BRUXEL, Arnaldo. Os trinta povos guaranis. Co-edição 1978. Porto Alegre: Livraria

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GOMES, José. História de São Luiz Gonzaga. 1ª Edição. São Luiz Gonzaga: Editora: A

Notícia, 1980.

FLORES, Moacyr. História do Rio Grande do Sul. 7ª Edição. Porto Alegre: Editora

EDIPLAT, 2003.

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