OS RISCOS DO MARKETING - SciELO · apressou em pedir mil desculpas. Como uma das pioneiras do...

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4 TEND˚NCIAS OS RISCOS DO MARKETING ESPORTIVO ' 2000, RAE - Revista de Administraçªo de Empresas / EAESP / FGV, Sªo Paulo, Brasil. RAE Light v. 7 n. 4 p. 4-5 Out./Dez. 2000 Luís Fernando Pozzi O produto esporte tem uma sØrie de características œnicas e imprevisíveis, dificultando as açıes de marketing daqueles que o admi- nistram. Trata-se de um produto in- tangível, experimental e subjetivo, em que predomina a paixªo e todos os nele envolvidos se consideram experts, dada a forte identificaçªo pessoal com o produto. AlØm dis- so, o esporte tem um grande apelo global e, ao contrÆrio das demais indœstrias, nªo se pode matar a con- corrŒncia, pois os clubes dependem dos outros para participar das com- petiçıes. Nªo hÆ dœvida de que nenhum outro produto chega perto do es- porte quando o assunto Ø paixªo. Afinal de contas, onde mais encon- traremos pessoas que sªo enterra- das com a bandeira do clube sobre o caixªo ou sªo cremadas e tŒm suas cinzas esparramadas sobre o campo? Temos observado um nœmero cada vez maior de empresas inte- ressadas em investir no esporte para associar suas marcas a um produto de qualidade e que transmita uma sØrie de conceitos positivos e que trazem maior qualidade de vida, como saœde, entretenimento, plas- ticidade, competitividade, emoçªo, alegria, etc. No entanto fatores ine- rentes e incontrolÆveis do esporte, como a imprevisibilidade advinda da performance do time ou dos atletas, o clima, os resultados, etc., vŒm se juntar a outros fatores mais controlÆveis, como a desorganiza- çªo administrativa, os calendÆrios irracionais, a violŒncia dentro e fora de campo, a baixa qualidade dos estÆdios, etc. Esse conjunto de fatores pode acabar influenciando na decisªo de muitas empresas que fazem um processo sØrio de avaliaçªo das melhores oportunidades de inves- timento no esporte em vez de se- guir unicamente as preferŒncias pessoais do principal executivo da empresa. Talvez esse seja o moti- vo pelo qual as principais multi- nacionais ainda relutam em inves- tir em nosso mercado esportivo, mesmo tendo um longo histórico de associaçªo com o mercado nor- te-americano e europeu. No mo-

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RAE Light � v. 7 � n. 4 � p. 4-5 � Out./Dez. 2000

Luís Fernando Pozzi

O produto �esporte� tem umasérie de características únicas eimprevisíveis, dificultando as açõesde marketing daqueles que o admi-nistram. Trata-se de um produto in-tangível, experimental e subjetivo,em que predomina a paixão e todosos nele envolvidos se consideramexperts, dada a forte identificaçãopessoal com o produto. Além dis-so, o esporte tem um grande apeloglobal e, ao contrário das demaisindústrias, não se pode matar a con-corrência, pois os clubes dependemdos outros para participar das com-petições.

Não há dúvida de que nenhumoutro produto chega perto do es-porte quando o assunto é paixão.Afinal de contas, onde mais encon-

traremos pessoas que são enterra-das com a bandeira do clube sobreo caixão ou são cremadas e têmsuas cinzas esparramadas sobre ocampo?

Temos observado um númerocada vez maior de empresas inte-ressadas em investir no esporte paraassociar suas marcas a um produtode qualidade e que transmita umasérie de conceitos positivos e quetrazem maior qualidade de vida,como saúde, entretenimento, plas-ticidade, competitividade, emoção,alegria, etc. No entanto fatores ine-rentes e incontroláveis do esporte,como a imprevisibilidade advindada performance do time ou dosatletas, o clima, os resultados, etc.,vêm se juntar a outros fatores mais

controláveis, como a desorganiza-ção administrativa, os calendáriosirracionais, a violência dentro efora de campo, a baixa qualidadedos estádios, etc.

Esse conjunto de fatores podeacabar influenciando na decisão demuitas empresas que fazem umprocesso sério de avaliação dasmelhores oportunidades de inves-timento no esporte em vez de se-guir unicamente as preferênciaspessoais do principal executivo daempresa. Talvez esse seja o moti-vo pelo qual as principais multi-nacionais ainda relutam em inves-tir em nosso mercado esportivo,mesmo tendo um longo históricode associação com o mercado nor-te-americano e europeu. No mo-

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OS RISCOS DO MARKETING ESPORTIVO

RAE Light � v. 7 � n. 4 � Out./Dez. 2000

mento, contam-se nos dedos dasmãos tais empresas: Pirelli, Parmalat,GM, Cirio e Nike.

Há uma série de incidentes noesporte, assim como em qualqueroutro ramo de atividade, que com-prova que as empresas devem to-mar medidas rápidas e eficientes derelações públicas para evitar estra-gos maiores em sua imagem. Quemedidas deveriam ser tomadas, porexemplo, para atenuar a publicida-de negativa resultante de um fla-grante de doping ou qualquer outroato indevido por parte de um atletapatrocinado por sua empresa, ou deum acidente durante uma competi-ção com sua marca aparecendo como atleta morto ou ferido, ou, ainda,da descoberta de que o clube patro-cinado subornou outros jogadoresou árbitros?

O que não faltam são exemplosde episódios desse tipo. Um dosprimeiros casos de que se tem no-tícia aconteceu em abril de 1995:depois de um jogo entre Palmei-ras e Portuguesa, o ex-zagueiropalmeirense Tonhão chutou e pi-sou a camisa da Lusa, o que levouum dos diretores da Portuguesa naépoca, que era também diretor doSindicato das Panificadoras de SãoPaulo, a propor um boicote aosprodutos da Parmalat. A polêmicasó não foi adiante porque JoséCarlos Brunoro, diretor de espor-tes da multinacional na época, seapressou em pedir mil desculpas.

Como uma das pioneiras domarketing esportivo no país e comseis anos de associação com o Pal-meiras, a Parmalat teve de lidarcom uma série de incidentes poten-cialmente danosos à sua marca:

� denúncias do suposto �EsquemaParmalat�, complô em que aParmalat usaria sua influência eseu poder financeiro para serfavorecida pela arbitragem;

� necessidade de domesticar o�animal� Edmundo, cujo tem-

peramento explosivo e encren-queiro batia de frente com a ima-gem que a empresa queria pas-sar e a desgastava na hora emque o clube se utilizava de arti-fícios legais para anular as fre-qüentes suspensões do atleta;

� o vandalismo das torcidas orga-nizadas, principalmente da�Mancha Verde�, fez com que aParmalat tivesse seu nome es-tampado nas páginas policiaisem vez das esportivas;

� torcedores e alguns jogadoresdo Grêmio propuseram que seproibisse a venda de produtosParmalat em seu estádio, revol-tados com a arbitragem no últi-mo jogo das semifinais da Copado Brasil de 1996 entre Palmei-ras e Grêmio.A mobilização dos donos de pa-

daria se fez sentir novamente em1998, numa tentativa de boicote dealgumas panificadoras de São Pau-lo aos tíquetes da VR (patrocina-dora do Campeonato Paulista) emprotesto contra a atuação do árbi-tro argentino Javier Castrilli na se-mifinal entre Corinthians e Portu-guesa.

O relacionamento entre oCorinthians e o Excel Econômicotambém teve seus momentos de tur-bulência na época em que tanto otécnico Luxemburgo como a dire-toria culparam publicamente o pa-trocinador pela falta de empenhonas contratações de reforços ouquando se noticiavam atrasos nopagamento das cotas mensais dopatrocinador ao clube.

Um episódio recente e de gran-de proporção, no entanto, foi a su-posta interferência da Nike no dia-a-dia da seleção brasileira durantea Copa do Mundo, que envolveriaa escalação de jogadores e aobrigatoriedade contratual de queRonaldinho participasse de todos osjogos. Após o episódio do mal-es-tar do maior garoto-propaganda daempresa no futebol antes da final

da Copa, tal alegação poderia cri-ar, na opinião pública, a impressãode que a Nike poderia estar pondoem risco a vida do atleta para ga-rantir seus objetivos comerciais, oque traria um efeito devastador naimagem da empresa.

Não temos conhecimento de ne-nhuma pesquisa de avaliação doimpacto da imagem da Nike nomercado brasileiro após essas de-núncias, mas é fato concreto que amídia especializada passou a criti-car ainda mais a influência da em-presa nos rumos da sagrada Sele-ção Nacional, o que gerou umagrande publicidade negativa.

Temos acompanhado uma sériede publicações que louvam o mar-keting esportivo como uma das fer-ramentas de comunicação mais efi-cientes, modernas e subutilizadasem nosso mercado, com o que con-cordamos plenamente, mas parece-nos importante olhar sempre o ou-tro lado da moeda, para que os ris-cos sejam minimizados e os resul-tados práticos sejam ainda melho-res.

Para tanto, é preciso que as em-presas adotem medidas de relaçõespúblicas rápidas e transparentes,que visem a atacar o problema defrente, e não escondê-lo. Agindodessa maneira, elas demonstrarãorespeito por seus consumidores,aumentando a probabilidade dedesassociar sua marca de um acon-tecimento negativo. m

Luís Fernando Pozzi éProfessor de Marketing Esportivoda EAESP/FGV e Autor do livroA grande jogada: teoria e prática

do marketing esportivo.E-mail: [email protected]