Os Rompedores da Alvorada Volume II parte 2

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A narrativa de Nabíl, (um dos primeiros adeptos do movimento bahá’í), é uma cuidadosa coleção de fatos feita no interesse da verdade, que foi completada durante a vida de Bahá'u'lláh, e por isto tem um valor incomparável. A edição em português se fez em dois volumes. Arquivo digital em 5 partes.

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CAPÍTULO XX

A REVOLTA DE MÁZINDARÁN

(Continuação)

As forças sob o mando do Príncipe Mihdí-Qulí Mírzá haviam, entrementes, se recuperado do estado de desmora-lização completa em que haviam caído e estavam agora se preparando para renovar seu ataque contra os ocupantes da fortaleza de Tabarsí. Encontravam-se estes novamente cer-cados por uma hoste numerosa em cuja vanguarda marcha-vam 'Abbás-Qulí Khán-i-Láríjání e Sulaymán Khán-i Afshár i-Shahríyárí que, juntamente com vários regimentos de in-fantaria e cavalaria, se haviam apressado a reforçar a com-panhia dos soldados do príncipe(l). Suas forças combina-

(1) "E assim como, perplexo e sem saber para que lado virar-se, o Sháhzádih, pobre homem, deu ordens de reunir novos soldados e formar um novo exército. A população não ansiava servir a um chefe cujos mé-ritos e intrepidez não haviam suportado brilhantemente a prova. No entanto, com a ajuda de dinheiro e promessas, sobretudo os Mullás que não perdiam de vista seus próprios interesses e que seriam os mais pre-judicados, mostraram tal zelo que finalmente se reuniu um número apre-ciável de tufang-chís. Por outro lado os soldados da cavalaria das di-versas tribos montaram em seus cavalos enquanto seus chefes montaram nos seus sem perguntar sequer por quê. "Abbás-Qulí-Khán-i-Láríjání obe-deceu sem vacilar a ordem de enviar novos recrutas. Entretanto, esta vez, seja porque desconfiava de um príncipe cuja ineptidão pudesse pôr em perigo a vida de seus parentes e súditos ou porque ambicionava lo-grar distinção para si, não deu à ninguém o comando de suas forças. As dirigiu ele mesmo com um golpe de audácia e em lugar de se juntar ao exército real, atacou diretamente aos Babís em seu refúgio. Só então

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das acamparam na vizinhança do forte(2) e procederam a erigir uma série de sete barricadas a seu redor. Com arro-gância extrema, procuravam de início exibir a amplidão das forças a seu dispor e com crescente zelo se exercitavam dia-riamente no uso de suas armas.

A escassez de água havia, entrementes, obrigado os si-tiados a cavar um poço dentro do cercado do forte. No dia em que o trabalho seria completado, no oitavo dia do mês de Rabí'u'l-Avval(3), Mullá Husayn, que presenciava a exe-cução dessa tarefa pelos companheiros, observou. "Hoje te-remos toda a água de que necessitarmos para nosso banho. Purificados de todas as corrupções terrenas, iremos em bus-ca da corte do Todo-Poderoso e nos apressaremos a atingir nossa morada eterna. Quem quer que deseje participar da taça do martírio, que se prepare e aguarde a hora em que possa com seu sangue vital selar sua fé em sua Causa. Que esta noite, antes da hora do alvorecer, os que dese-jam se unir comigo estejam prontos para sair de trás des-tes muros e, mais uma vez pondo em debandada as forças negras que nos assediaram o caminho, ascendam sem obstáculo às alturas da glória."

Naquela mesma tarde, Mullá Husayn fez suas abluções, pôs vestes novas, ataviou a cabeça com o turbante do Báb e se preparou para o encontro iminente. Uma indefinível

notificou ao príncipe de que havia chegado ao forte de Shaykh Tabarsí e que o havia sitiado. Além disso fê-lo saber que não necessitava de ajuda nem de reforços e que seus efetivos eram mais que suficientes e que se sua alteza real desejava ver como ele, 'Abbás-Qulí-Khán-i-Lá-rijání, estava à ponto de t ra tar os rebeldes, seria uma honra e motivo de agrado". (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans 1'Asie Centrale", pp. 170-171).

(2) "Mihdí-Qulí Mirzá não podia fazer-se passar por guerreiro valente como já vimos, porém em lugar de uma intrepidez excessiva tinha outra qualidade muito útil para um general: não levava a sério as zom-barias dos seus subalternos. Por esta razão, temendo que pudesse acon-tecer algum dano ao nômade imprudente, enviou-lhe reforços imediatos. E foi assim que partiram com muita pressa Muhsin Khán-i-Súrití com sua cavalaria, um destacamento afegão, Muhammad-Kharím Khán-i-Ashráfí com alguns dos tufang-chís do povo e Khalil Khán de Savád-Kúh com os homens de Qádí-Kalá". (Idem, p. 171).

(3) l.o de fevereiro de 1849 A. D.

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alegria lhe iluminava a face. Serenamente se referiu à hora de sua partida e até seus derradeiros momentos continuou a animar o zelo de seus companheiros. Sozinho com Quddús, que tão poderosamente lhe fazia lembrar seu Bem-Amado, ele, enquanto sentado aos seus pés nos momentos finais de sua vida terrena, se desafogou de tudo o que uma alma ex-tasiada não mais podia reprimir. Pouco depois de meia noite, assim que nascera a estrela da manhã, estrela essa que lhe prenunciava a luz matinal de sua reunião eterna com seu Bem-Amado, pôs-se em pé e montando seu corcel, deu o sinal para se abrir o portão do forte. Enquanto saía montado na frente de trezentos e treze de seus companheiros para en-contrar o inimigo, o grito de "Yá Sáhibu'z-Zamán!"(4) no-vamente irrompia — um brado tão intenso e poderoso que floresta, forte e acampamento vibraram com seu eco retum-bante.

Mullá Husayn primeiro investiu contra a barricada cujo defensor era Zakaríyyáy-i-Qádí Kalá'í, um dos mais valentes oficiais do inimigo. Dentro de pouco tempo havia ele rom-pido essa barricada, disposto de seu comandante e deban-dando seus homens. Precipitando-se adiante com a mesma celeridade e intrepidez, superou a resistência tanto da segun-da como da terceira barricada, difundindo, à medida que avançava, desespero e consternação entre os inimigos. Não detidos pelas balas que sobre ele e seus companheiros con-tinuamente choviam, caminharam para a frente até haver capturado e derrubado todas as restantes barricadas. Em meio ao tumulto que se seguia, 'Abbás-Qulí Khán-i-Láríjání, trepara numa árvore e, escondendo-se nos ramos, ficou de emboscada à espera dos oponentes. Protegido pela escuridão que o cercava, pode de seu esconderijo acompanhar os mo-vimentos de Mullá Husayn e seus companheiros, que esta-vam expostos ao forte clarão da conflagração que haviam levantado. O corcel de Mullá Husayn emaranhou-se, de sú-bito, no cabo de uma tenda adjacente e Mullá Husayn, antes de poder desembaraçar-se, foi atingido no peito por uma bala de seu ardiloso agressor. Embora o tiro fosse bem su-

(4) Veja glossário.

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cedido, 'Abbás-Qulí Khán não percebia a identidade do ca-vaieiro que ele ferira. Mullá Husayn, que sangrava profusa-mente apeou, cambaleando, deu alguns passos e, não po-dendo proceder adiante, caiu exausto no chão. Dois de seus jovens companheiros, de Khurásán, Qulí e Hasán, vieram socorrê-lo e o levaram ao forte(5).

Tenho ouvido Mullá Sádiq e Mullá Mírzá Muhammad-i-Furúghí relatarem o seguinte: "Estávamos entre aqueles que haviam permanecido no forte com Quddús. Logo que Mullá Husayn foi trazido, parecendo estar inconsciente, pediram que nos retirássemos. "Deixem-me a sós com ele," foram as palavras de Quddús, enquanto mandava Mírzá Muhammad-Báqir fechar a porta e recusar a entrada a qualquer um que o desejasse ver. "Há certos assuntos confidenciais que eu desejo que somente ele saiba. Ficamos atônitos, poucos mo-mentos depois, quando ouvimos a voz de Mullá Husayn res-pondendo às perguntas de Quddús. Durante duas horas con-tinuaram a conversar, um com outro. Admirávamos ver Mír-zá Muhammad-Báqir tão profundamente agitado. "Eu es-tava vendo Quddús," informou-nos subseqüentemente, "por uma fenda na porta. Assim que chamou seu nome, vi Mullá Husayn levantar e se sentar, de sua maneira usual, de cóco-ras, ao seu lado. Com a cabeça inclinada e olhando para baixo, escutava toda palavra que caía dos lábios de Quddús e lhe respondia as perguntas. "Apressaste a hora de tua par-tida," pude ouvir Quddús observar, "e me abandonaste à mercê de meus inimigos. Queira Deus, breve nos reuniremos e eu saborearei a doçura dos inefáveis deleites celestiais." Consegui apanhar as seguintes palavras pronunciadas por Mullá Husayn: "Seja minha vida um resgate por ti. Estás contente comigo?"

Passou um largo tempo antes de Quddús mandar Mír-zá Muhammad-Báqir abrir a porta e admitir seus compa-nheiros. "Eu lhe disse meu último adeus," declarou, enquan-

(5) "Mesmo quando estava gravemente ferido, o chefe Babí se-guiu dando ordens, dirigindo e estimulando seus homens até que, ao ver que não se podia alcançar mais nada deu sinal de retirada, permane-cendo ele mesmo na retarguarda". (Conde de Gobineau, "Les Religions et les Philosophies dans 1'Asie Centrale", p. 174).

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to entrávamos no aposento. Coisas que eu anteriormente julgava que não me era permitido pronunciar, agora com ele partilhei. Vimos, ao aproximar-nos, que Mullá Husayn havia expirado. Um leve sorriso ainda pairava em seu rosto. Tal foi a paz em seu semblante que ele parecia haver ador-mecido. Quddús tratou do enterro, vestiu-o de sua própria camisa e deu instruções para colocá-lo em seu lugar de re-pouso próximo do santuário do Shaykh Tabarsí, do lado sul(6). "Bem-aventurado estás por haver até tua derradeira hora permanecido fiel ao Convênio de Deus," disse, enquan-to nos olhos e na testa lhe dava um beijo de despedida. "Não permita Deus, rogo-Lhe, que qualquer divisão entre tu e eu jamais seja causada." De um modo tão penetrante falou, que os sete companheiros que estavam em pé ao seu lado choraram profusamente e sentiam o desejo de que em seu lugar tivessem sido sacrificados. Quddús com as próprias mãos colocou o corpo no túmulo e acautelou aos que lhe es-tavam perto que guardassem segredo o seu lugar de des-canso e nem mesmo aos companheiros o revelassem. Mais tarde deu instruções para que os corpos dos trinta e seis mártires caídos durante aquele encontro fossem enterrados em uma mesma sepultura, ao lado norte do santuário de Shaykh Tabarsí. "Que os amados de Deus," ouviram-no observar enquanto os entregava a seu túmulo, "atentem para o exemplo destes mártires de nossa Fé. Que eles sejam e permaneçam tão unidos em vida como estes agora estão em sua morte."

Nada menos de noventa dos companheiros foram feri-dos naquela noite, dos quais a maioria sucumbiu. Desde o dia de sua chegada em Bárfurúsh até o dia em que foram primeiro atacados, que caiu no dia doze de Dhi'1-Qa'dih no ano de 1264 A.H.(7), até o dia do falecimento de Mullá Hu-sayn, ocorrido na hora do amanhecer, no dia nove de Rabí'u'l-

(6) "Seus restos mortais (de Mullá Husayn) descansam ainda no pequeno quarto no interior do santuário de Shaykh Tabarsí onde foram sepultados com reverência pelas mãos de seus dolentes camaradas, sob a direção de Mullá Muhammad-'Alí Bárfurúsh! em princípios do ano de 1849 A. D. ("A Traveller's Narrative". Nota F , p. 245).

(7) 10 de outubro de 1848 A. D.

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Avval, no ano de 1265 A.H.(8), o número de mártires, se-gundo o cálculo de Mírzá Muhammad-Báqir, atingira um total de setenta e dois.

Desde o tempo em que Mullá Husayn foi atacado pelos seus inimigos até o tempo de seu martírio, houve um pe-ríodo de cento e dezesseis dias, período esse tornado me-morável pelas façanhas tão heróicas que até mesmo os mais veementes inimigos se sentiam constrangidos a confessar sua admiração. Em quatro ocasiões distintas atingiu ele tais alturas de coragem e poder como poucos, em verdade, po-diam alcançar. O primeiro encontro realizou-se no dia doze de Dhi'l-Qa'dih(9), nas imediações de Bárfurúsh; o segundo, nos arredores do forte de Shaykh Tábarsí, no quinto dia do mês de Muharram(lO), contra as forças de 'Abdulláh Khán-i-Turkamán; o terceiro, em Vás-Kas, no vigésimo quin-to dia de Muharram(ll), e foi dirigido contra o exército do Príncipe Mihdí-Qulí Mírzá. A última e mais memorável ba-talha de todas foi dirigida contra as forças combinadas de 'Abbás-Qulí Khán, do Príncipe Mihdí-Qulí Mírzá e de Sulay-mán Khán-i-i-Afshár, auxiliadas por uma companhia de qua-renta e cinco oficiais de habilidade provada e experiência madura. De cada um desses encontros violentos e ferozes, Mullá Husayn, a despeito das forças sobrepuj antes contra ele dispostas, saía ileso e triunfante. Em cada encontro se distinguia por tais atos de valor, de cavalheirismo, de habi-lidade e de força, que qualquer um destes, sozinho, bastaria para estabelecer para todo o sempre o caráter transcenden-te de uma Fé por cuja proteção ele tão destemidamente lutara e na senda da qual tão nobremente morrera. As qua-lidades de mente e de caráter que, desde a própria juven-tude ele demonstrava, a profundidade de seus conhecimen-tos, a tenacidade de sua fé, sua coragem intrépida, a unici-dade de propósitos, seu alto senso de justiça e sua inabalá-vel devoção assinalavam-no como figura que sobressaía en-tre aqueles que, pelas suas vidas, deram testemunho da gló-

(8) 2 de fevereiro de 1849 A. D. (9) 10 de outubro de 1848 A. D.

(10) 1.° de dezembro de 1848 A. D. (11) 21 de dezembro de 1848 A. D.

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ria e do poder da nova Revelação. Ele tinha trinta e seis anos quando sorveu da taça do martírio. Com idade de de-zoito havia conhecido, em Karbilá, Siyyid Kázim-i-Rashtí e durante nove anos ficado sentado a seus pés, embebendo-se da instrução destinada a prepará-lo para a aceitação da Mensagem do Báb. Os nove anos restantes de sua vida foram passados em meio a uma atividade incessante, febril, que o levou afinal ao campo do martírio, em circunstâncias que derramaram imperecível lustre sobre a história de seu país(12).

(12) "Entre eles encontrava-se Mullá Husayn, que havia recebido a glória resplandecente do Sol da Revelação. Se não houvesse sido por ele Deus não haveria se estabelecido sobre a sede de Sua mercê nem haveria ascendido ao trono de eterna glória". (O "Kitáb-i-Iqán", p. 162 — 1* edição portuguesa). Veja nota 6. "De contextura frágil, po-rém um soldado intrépido e apaixonado amante de Deus, combinava qualidades e características que raras vezes se encontram reunidas em uma só pessoa, inclusive na aristocracia espiritual da Pérsia". (Dr. T. K. Cheyne "The Reconciliation of Races and Religions", p. 83). "Fi-nalmente", escreve o Conde de Gobineau, "ele expirou e a nova religião que recebeu nele o seu protomártir, perdeu ao mesmo tempo um homem cuja firmeza de caráter e habilidade haveriam de ter sido de grande valor caso houvesse vivido mais tempo. É natural que os muçulmanos sintam pela memória deste chefe um ódio tão profundo como é o amor e veneração que lhe mostram os Babís. Ambos podem justificar seus sentimentos contrapostos. Não há dúvida alguma que Mullá Husayn-i-Bushrúí foi o primeiro em dar ao Babismo, dentro do império Persa, a posição que um corpo religioso ou político adquire aos olhos do povo uni-camente depois que tem demonstrado sua força batalhadora". (Conde de Gobineau "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale" p. 176). "O extinto Hájí Jání escreve: "Eu que o conheci pessoalmente (Mirzá Muhammad-Hasan, o irmão menor de Mullá Husayn) quando trazia sua mãe e irmã de Karbilá à Qazvin e de Qazvín à Teerã. Sua irmã era esposa de Shaykh AbúTuráb de Qazvín, que era um erudito e filósofo como raras vezes se encontram e acreditava com a maior sinceridade e pureza de intenção, enquanto que seu amor e devoção pelo Báb eram tais que se alguém apenas mencionasse o nome de Sua Santidade Su-prema (que as almas de todos junto a sua estejam em Seu sacrifício) não podia refrear suas lágrimas. Freqüentemente o vi, quando estava ocupado lendo os escritos de Sua Santidade Suprema, à ponto de trans-tornar-se de êxtase e quase desmaiar de alegria. De sua esposa somente dizia: "Casei-me com ela há três anos em Karbilá. Era então somente uma estudante medíocre inclusive no Persa, porém agora ela pode expor textos do Alcorão e pode explicar as perguntas mais difíceis e os aspectos mais sutis da doutrina da Unidade Divina de tal forma que jamais

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Uma derrota tão completa e tão humilhante paralisou por algum tempo os esforços do inimigo. Quarenta e cinco dias passaram antes de poderem mais uma vez reunir suas forças e renovar sua investida. Durante esse intervalo, que terminou com o dia de Naw-Rúz, o frio intenso que pre-valecia induziu-os a adiar sua aventura contra um oponente que os havia coberto de tanto opróbrio e vergonha. Embora seus ataques tivessem sido suspensos, os oficiais que co-mandavam os remanescentes do exército imperial haviam

tenho visto um homem que a iguale nisso ou em rapidez de compreen-são. Estas dádivas as obteve pelas bênçãos de Sua Santidade, o Altíssimo e mediante conversas com a Sua Santidade a Pura (Qurratu'1-Ayn). Tenho visto nela uma paciência e resignação raras, inclusive entre os mais resignados dos homens, porque durante estes três anos, mesmo quando não lhe enviamos um só dinar para seus gastos e se manteve só, com grande dificuldade, nunca disse uma só palavra; e agora que ela veio para Teerã, evita completamente falar do passado e ainda quan-do, de acordo com os desejos de Jináb-i-Bábu'1-Báb, deseja ir à Khurá-sán, e literalmente não tem nada para pôr exceto um vestido muito gasto que usa, nunca pede roupa ou dinheiro para a viagem e inclusive ar-ranja desculpas razoáveis para fazer-me sentir tranqüilo e evitar que eu sinta vergonha. Sua pureza, castidade e virtude não têm limites e durante todo esse tempo, nenhuma pessoa indigna do privilégio, ouviu sequer a sua voz". Porém as virtudes da filha eram sobrepujadas pelas da mãe que era possuidora de raros dotes e qualidades e havia com-posto muitos poemas e eloqüentes elegias sobre as aflições de seus filhos. Apesar de Jináb-i-Bábu'1-Báb lhe haver advertido sobre seu próximo martírio, e lhe haver profetizado as calamidades por vir, ela seguia de-monstrando a mesma devoção entusiasta e alegre resignação, regozijan-do-se porque Deus havia aceitado o sacrifício de seus filhos e inclusive orava sempre para que eles pudessem alcançar esta elevada distinção e não se vissem privados de uma benção tão grande. É realmente mara-vilhoso meditar sobre esta família virtuosa e santa, seus filhos tão de-votos e de um autosacrifício inquebrantável; a mãe e filha tão pacientes e resignadas. Quando eu, Mirzá Janí, conheci Mirzá Muhammad-Hasan, ele só tinha dezessete anos de idade, entretanto vai nele uma dignidade, compostura e virtude que me assombraram. Depois da morte de Jináb-i-Bábu'1-Báb, Hadrat-i-Quddús lhe confiou a espada e o turbante desse glorioso mártir e o fez capitão dos exércitos do Kei Verdadeiro. Quanto a seu martírio, há uma divergência de opiniões sobre se foi morto du-rante o desjejum no acampamento ou sofreu o martírio junto com Jináb-i-Quddús na praça de Bárfurúsh". (O "Tarikh-i-Jadid", pp. 93-5). A irmã de Mullá Husayn recebeu o apoio de "Varaqatu'1-Firdaws" e en-quanto esteve em Karbilá se associou intimamente com Táhirih. ("Me-moriais of the Faithful", p . 270).

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dado ordens estritas proibindo a chegada no forte de qual-quer espécie de reforço. Quando o suprimento de suas pro-visões estava quase esgotado, Quddús deu instruções a Mírzá Muhammad-Báqir para distribuir entre seus companheiros o arroz que Mullá Husayn armazenara para a ocasião em que fosse necessário. Quando cada um havia recebido a sua porção Quddús, convocando-os, disse: "Qualquer um que se sinta bastante forte para resistir às calamidades que bre-ve nos hão de suceder, que permaneça conosco neste forte. E qualquer um que em si perceba o menor traço de hesita-ção e medo, que se vá deste recinto. Que saia de imediato, antes de haver o inimigo novamente reunido suas forças e nos atacado. Dentro em breve nos será vedada passagem diante de nossa face; muito breve haveremos de encontrar a mais severa dificuldade e cair vítimas de devastadoras aflições."

Na mesma noite em que Quddús fizera essa advertên-cia, um siyyid de Qum, Mírzá Husayn-i-Mutavallí, foi levado a trair seus companheiros. "Por que é," escrevia ele a 'Abbás-Qulí Khán-i-Láríjání, "que deixastes inacabado o trabalho que iniciastes? Já tendes disposto de um formidável oponen-te. Com a eliminação de Mullá Husayn, que era a força im-pulsora atrás destes muros, demolistes o pilar do qual de-pendiam a força e a segurança do forte. Tivésseis tido pa-ciência por mais um dia, haverieis seguramente obtido para vós os louros da vitória. Com nada mais de cem homens, dou minha palavra, dentro de dois dias podereis capturar o forte e conseguir a rendição incondicional de seus ocupantes. Estão exaustos de fome e passando por graves provações." A carta selada foi entregue a um certo Siyyid 'Alíy-i-Zargar que, enquanto levava consigo a porção do arroz que rece-bera de Quddús, saiu às escondidas da fortaleza na hora de meia-noite e levou-a a 'Abbás-Qulí Khán, a quem já conhe-cia. Veio-lhe essa mensagem num tempo em que ele havia buscado refúgio numa aldeia situada a uma distância de quatro farsangs (13) do forte e quando não sabia se deveria ou não regressar à capital e se apresentar a seu soberano

(13) Veja glossário.

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após uma derrota tão humilhante, ou se retirar para sua casa em Láríján, onde seguramente haveria de enfrentar as re-preensões de seus parentes e amigos.

Acabava ele de levantar da cama quando, na hora do nascer do sol, o siyyid lhe trouxe a carta. A notícia da mor-te de Mullá Husayn fortaleceu-o a tomar nova resolução. Com receio de que o mensageiro espalhasse a notícia concernente à morte de tão temível oponente, matou-o instantaneamente e então maquinou por alguma astúcia extraordinária desviar de si a suspeita do assassinato. Resolvido a tirar a máxima vantagem da desgraça dos sitiados e do esgotamento de suas forças, empreendeu de imediato os necessários preparativos para o reinicio de seus ataques. Dez dias antes do Naw-Rúz havia ele acampado à distância de meio farsang do forte e se certificado da exatidão da mensagem que o pérfido siyyid lhe trouxera. Na esperança de obter para si toda a honra possível de haver conseguido afinal, a rendição de seus opo-nentes, não consentiu em revelar, nem mesmo aos seus ofi-ciais mais íntimos, a informação recebida.

Mal rompera o dia quando ele içou seu estandarte (14) e, marchando na vanguarda de dois regimentos de infanta-ria e cavalaria, cercou a fortaleza e deu ordem de fogo

(14) "Desta vez o terror não teve limites: em toda a província as pessoas, profundamente alarmadas com as derrotas sucessivas do Islã, começaram a inclinar-se para a nova religião. Os chefes militares sen-tiam que sua autoridade desmoronava, os chefes religiosos viam que seu poder sobre as almas diminuíam; a situação estava extremamente crítica e o menor incidente podia precipitar Mázindarán aos pés do Reforma-dor". (A. L. M. Nicolas, "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", p. 315). "Porém quando Sa'idu'l-'Ulamá deu conta (temendo que os Babís en-trassem em Bárfurúsh e aplicassem o castigo que merecia), sentiu-se surpreendido pelas preocupações e cheio de consternação escreveu várias cartas à 'Abbás-Qulí Khán dizendo: "O felicito por vossa valentia e discrição, porém o deplorável é que depois de havermos ultrapassado tantas dificuldades, de haver perdido tantos de vós e haver conseguido finalmente tão importante vitória, não haveis rematado. Haveis feito com que uma grande multidão fosse alimento para as espadas e haveis regressado deixando somente alguns velhos decrépitos como sobreviven-tes. Que desafortunado que, depois de todos os vossos esforços e per-severança o príncipe está agora pronto para marchar contra o castelo e capturar este punhado de infelizes de modo que, depois de tudo, ele

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contra as sentinelas que guardavam as torres. "O traidor," informou Quddús a Mírzá Muhammad-Báqir, que se apres-sara a avisá-lo da gravidade da situação, "anunciou a 'Abbás-Qulí Khán a morte de Mullá Husayn. Ele agora, tornado audaz por causa de sua eliminação, está determinado a tomar de assalto nossa cidadela e obter para si a honra de ser seu único conquistador. Faze uma investida e com o auxílio de dezoito homens marchando ao teu lado, adminis-tra o devido castigo ao agressor e sua hoste. Deixa-o verifi-

levará o mérito dessa importante vitória e se apoderará de todo o di-nheiro e propriedades dos vencidos! Deveis fazer com que seja vossa preocupação primordial e a mais importante, a de regressar ao castelo antes que ele empreenda a marcha, já que o governo de uma província como Mázindarán não é uma coisa com que se possa ficar jogando. Ete-forçai vos, portanto, para que alcanceis o crédito total desta vitória e que vossos esforços, levem a termo o que vosso zelo já tinha começado". Também escreveu extensamente ao clero de Ámul, exortando-lhes com urgência que fizessem o maior esforço para obrigar o Sartíp 'Abbás-Qulí Khán a partir novamente sem muita demora. E assim, recordava-lhes a todo momento que era seu dever marchar com toda urgência con-tra o forte; e o Sartíp, ainda que soubesse que o que Sa'idu'l-'Ulamá lhe havia escrito carecia de fundamento e era completamente falso, es-tava ansioso, se lhe era possível, de compensar pelo que havia ocorrido e desta forma reabilitar-se da desgraça que havia caído aos olhos das mulheres de Láríján cujos maridos ele havia sacrificado, e ante o go-verno. Interiormente, no entanto, consumia-lhe a angústia temendo que, assim como a campanha anterior, pudesse fracassar em conseguir algo. A maioria de seus homens estava igualmente ferida, enquanto que muitos haviam fugido e haviam se ocultado nas aldeias vizinhas que estavam a quatro ou cinco farsang da cidade. E assim, em lugar disso, escreveu ao clero de 'Amul dizendo: "Se esta é, na verdade, uma guerra religiosa, vós que sois campeões tão zelosos da Fé e querem que os homens tenham um bom exemplo, deveríeis tomar a iniciativa e iniciar a ação. O clero, que não tinha preparada uma contestação adequada e que não via forma de excusar-se, viu-se obrigado a enviar uma mensa-gem dizendo que a guerra era religiosa. Grande número de comerciantes, gente comum, e rufiões foram reunidos e estes, junto com o clero e es-tudantes, empreenderam a marcha com o propósito ostensivo de cumprir com um dever religioso que na realidade tinha por objetivo o roubo e pilhagem. A maioria destes foi à Bárfurúsh e ali se uniram às tropas do Príncipe Mihdí-Qulí Mirzá que, ao chegar a uma aldeia situada a distância de um farsang do castelo, enviou um pelotão de homens para que fizessem uma operação de reconhecimento e recolhessem informações sobre os movimentos da guarnição Babí ." (O "Taríkh-i-Jadíd", pp. 72-3)

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car que embora Mullá Husayn não mais existia, o invencível poder de Deus continua ainda a sustentar seus companhei-ros e fazê-los triunfarem sobre as forças de seus inimigos."

Mal escolhera Mírzá Muhammad-Báqir seus companhei-ros quando mandou abrir-se de par em par o portão do forte. De salto montaram os corcéis e, levantando o brado de "Yá Sáhibu'z-Zamán!" arremessaram-se ao acampamento do inimigo. O exército inteiro fugiu em confusão diante de tão violento ímpeto. Com poucas exceções, conseguiram es-capar. Chegaram a Bárfurúsh completamente desmoraliza-dos e acabrunhados de vergonha. Tão abalado de medo estava 'Abbás-Qulí Khán que caiu de seu cavalo. Em sua aflição deixando uma das botas penduradas no estribo cor-reu, meio calçado e confuso, na direção que fora tomada pelo exército. Cheio de desespero, apressou-se ao príncipe e confessou o ignominioso infortúnio que ele sofrerá (15).

(15) "Os reverendos sacerdotes que haviam vindo com seus alu-nos a participar na guerra santa, apenas podiam dormir durante a noite por causa do temor (ainda que suas habitações se encontrassem em um lugar situado a dois farsangs do castelo) e em suas conversas conde-nassem o príncipe e a 'Abbás-Qulí Khán e maldizessem Sa'idu'1-Ulamá: "Estes", diziam eles, "sem uma boa razão nos fizeram largar os estudos, nossas conversas e os meios para ganharmos a vida, além de nos terem metido em grave perigo; assim como diz o versículo sagrado: "Não os lanceis ao perigo com vossas próprias mãos" era citado diariamente por eles. Um disse: "Certas circunstâncias me exoneram de participar desta guerra no momento atual". Outro (aduzindo trinta pretextos diferentes) disse: "A lei me excusa e me vejo obrigado a voltar atrás". Um terceiro disse: "Tenho filhos pequenos que dependem de mim. Que posso fazer?". Um quarto disse: "Não deixei provisões para minha mulher assim acho que devo ir-me; porém se for necessário, regressarei". Um quinto disse: "Não tenho que acertar contas com ninguém; se caio como mártir mi-nhas riquezas serão esbanjadas e se fará uma injustiça a minha mulher e às crianças; e tanto a lapidação quanto a injustiça são condenadas como repugnantes por nossa sagrada religião e desagradam a Deus". Um sexto disse: "Devo dinheiro a algumas pessoas e não tenho ninguém que me sirva de fiador. Se chegar a morrer, minha dívida não me per-mitirá cruzar a ponte de Sirát. Um sétimo disse: "Vim sem o consen-timento de minha mãe" e ela me havia dito: "Se for para lá, farei com que o leite que tem te alimentado te seja vedado". Portanto, temo ser descartado como um que não cumpre seu dever perante a sua mãe". Um oitavo chorou dizendo: "Jurei visitar Karbilá este ano; uma vez que circundar o sagrado sepulcro do Chefe dos Mártires tem mais mérito que cem mil martírios ou mil peregrinações à Meca. Temo falhar no

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Mírzá Muhammad-Báqir, por sua parte, saindo daquele en-contro, juntamente com seus dezoito companheiros, todos ilesos, e segurando na mão o estandarte que um inimigo apavorado abandonara, retirou-se com exultação ao forte onde submeteu essa evidência de sua vitória a seu chefe que nele havia inspirado tamanha coragem.

Uma derrota tão completa trouxe alívio imediato aos companheiros aflitos. Cimentou-lhes a unidade e os lembrou novamente da eficácia daquele poder do qual sua Fé os dotara. Seu alimento, infelizmente, estava agora reduzido a carne dos cavalos que haviam trazido com eles do acampa-mento abandonado pelo inimigo. Com inabalável energia suportavam as aflições que de todos os lados os assedia-vam. Seus corações concentravam-se nos desejos de Quddús; qualquer outra coisa pouco lhes importava. Nem a severi-dade de seu sofrimento, nem as ameaças contínuas do ini-migo puderam fazê-los desviarem-se, nem sequer pela largu-ra de um fio de cabelo, do caminho que os falecidos com-panheiros haviam tão heroicamente trilhado. Houve alguns poucos que subseqüentemente, na hora mais tenebrosa da adversidade, falharam. A pusilanimidade que esse elemento

cumprimento do meu juramento e desta forma perder esta grande ben-ção". Outros disseram: "Nós, de nossa parte, não temos nem visto nem ouvido desta gente nada que mostre que sejam infiéis porque eles também dizem: "Não há outro Deus senão Deus. Maomé é o Apóstolo de Deus e Ali é o Amigo de Deus". Resumindo eles afirmam que surgiu o advento do Imame Mihdí. Deixe-os tranqüilos, porque em todo caso não são piores que os Sunní que não aceitam aos doze Imames e aos quatorze santos imaculados, reconhecem a um como 'Umar por califa, preferem a 'Uthmán a 'Alí-ibn-i-Tbí-Talib e aceitam a Abú-Bakr como sucessor de nosso sagrado Profeta. Porque nossos sacerdotes deixam tranqüilos aqueles que lutam contra estes por questões sobre cuja cor-reção ou erro não se chega a nenhum acordo?". Resumindo, em todo o acampamento se escutava murmúrios de todas as línguas e se ouviam queixas de todas as bocas; cada qual cantava uma melodia diferente e inventava um novo pretexto; todos somente esperavam uma desculpa plausível para empreender a fuga. E assim quando 'Abbás-Qulí Khán se deu conta disto, temendo que o contágio de seu terror se estendesse a seus soldados, se viu obrigado a aceitar as desculpas destes reveren-dos sacerdotes e seus discípulos e seguidores os quais partiram imedia-tamente com grande júbilo e murmurando orações pelo êxito do Sartíp". ("O Tárikh-i-Jadíd", pp, 74-6).

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desprezível foi constrangido a mostrar, entretanto, empali-deceu, tornando-se insignificante em face do espírito radian-te manifestado pela grande maioria de seus companheiros, de ânimo firme, na hora da consumação do destino.

O Príncipe Mihdí-Qulí Mírzá, que estacionara em Sárí, recebeu com grande deleite a notícia da derrota que so-breviera às forças sob o comando imediato de seu colega 'Abbás-Qulí Khán. Embora desejoso, ele mesmo, de extirpar o bando que havia procurado abrigo atrás dos muros do forte, regozijou-se ao saber do insucesso de seu rival em ganhar a vitória por ele cobiçada (16). Escreveu de imediato a Teerã, ordenando que sem demora fosse despachado às proximidades do forte um reforço de bombas e artilharia de camelos, com todo o equipamento necessário, estando ele determinado a efetuar desta vez, a subjugação completa de seus obstinados ocupantes.

Enquanto seus inimigos se preparavam para ainda ou-tro e mais feroz ataque contra sua cidadela, os companhei-ros de Quddús, totalmente indiferentes para o sofrimento atormentador que os afligia, aclamaram com gratidão e jú-bilo a aproximação do Naw-Rúz. Durante esse festival ex-pressaram livremente seus sentimentos de agradecimento e louvor pelas múltiplas bênçãos que o Todo-Poderoso lhes concedera. Embora oprimidos de fome, entregavam-se ao jú-bilo e canção, desdenhando inteiramente o perigo que os cercava. O forte ressoava com a atribuição de glória e louvor que, tanto de dia como à noite, ascendia dos corações daque-le grupo jubiloso. O versículo, "Santo, santo, o Senhor nosso

(16) "Mihdí-Qulí Mirzá sentiu-se um tanto surpreendido. Sentia profunda desilusão, porém o que lhe impressionou mais ainda foi o fato que o Sardár havia sido derrotado do mesmo modo que ele e este pen-samento, que feria seu amor próprio, não o agradou. Não só temia que um dos seus subalternos pudesse conquistar a invejável glória de apoderar-se da fortaleza dos Babís; senão que não era só ele quem havia fracassado; tinha um companheiro em desgraça e um companheiro em quem imputaria a responsabilidade pelas duas derrotas. Feliz ao extremo reuniu seus oficiais de alto e baixo escalão e lhes deu a notícia, deplo-rando por certo a trágica sorte de Sardár e expressando o ardente de-sejo que este valente soldado pudesse ser mais afortunado no futuro". (Conde de Gobineau "Les Religions et les Philosophies dans 1'Asie Cen-trale", p. 179).

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Deus, Senhor dos anjos e do espírito," procedia incessante-mente de seus lábios, intensificando-lhes o entusiasmo e lhes reanimando a coragem.

Tudo o que restava do gado que trouxeram com eles para o forte, era uma vaca que Há*jí Nasíru'd-Dín-i-Qazvíní guardara e de cujo leite ele todo dia fazia um pudim para a mesa de Quddús. Não consentindo em negar aos compa-nheiros famintos seu quinhão do manjar para ele preparado pelo seu devotado companheiro, Quddús invariavelmente, após haver tomado algumas colher es de chá desse alimento, distribuía entre eles o restante. "Deixei de apreciar," nós o ouvíamos muitas vezes observar, "desde a partida de Mullá Husayn, o alimento e a bebida que para mim preparam. Meu coração sangra ao ver a meu redor meus companheiros famintos, exaustos e definhados." A despeito dessas circuns-tâncias adversas, ele continuou infalivelmente a elucidar em seu comentário o que significava o Sád de Samad e a exor-tar os amigos a perseverarem até mesmo o fim em seus heróicos esforços. De manhã e ao anoitecer, Mírzá Muham-mad-Báqir entoava, na presença dos crentes reunidos, ver-sículos desse comentário, cuja leitura despertava seu entu-siasmo e lhes aviva as esperanças.

Tenho ouvido Mullá Mírzá Muhammad-i-Furúghí atestar o seguinte: "Deus sabe que havíamos deixado de sentir fome de alimentos. Nossos pensamentos não mais se dirigiam a assuntos relativos ao nosso pão de cada dia. Tão extasiados estávamos pela melodia encantadora daqueles versículos que, fôssemos continuar nesse estado durante anos, possibilida-de alguma teria havido de um traço de tédio ou fadiga nos ofuscar o entusiasmo ou estragar nossa alegria. E sem-pre que a falta de nutrimento tendia a nos minar a vitali-dade e nos diminuir as forças, Mírzá Muhammad-Báqir apressava-se a Quddús e lhe avisava de nossa aflitiva situa-ção. Um vislumbre de sua face, a mágica de suas palavras, enquanto ele entre nós andava, transmutava em júbilo áureo nosso desalento. Éramos reforçados com um poder de tal intensidade que, tivessem as hostes de nossos inimigos de súbito em nossa frente aparecido, haveríamos nos sentido capazes de lhes subjugar as forças."

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No dia de Naw-Rúz, que caiu no dia vinte e quatro de Rabí'u'th-Thání no ano de 1265 A.H. (17), Quddús referiu-se, em uma mensagem escrita a seus companheiros, à aproxi-mação de tais provações que lhes viria no encalço o martí-rio de um número considerável de seus amigos. Poucos dias depois, uma hoste inumerável (18), comandada pelo Príncipe Mihdí-Qulí Mírzá (19) e auxiliada pelas forças com-binadas de Sulaymán Khán-i-Afshár, de 'Abbás-Qulí Khán-i-

(17) 1849 A.D. (18) "O Príncipe atribuiu a cada um, um posto que lhe corres-

ponderia durante o cerco; confiou a Hájí Khán Núri e a Mirzá 'Abu'lláh Navayy a responsabilidade de conseguir uma quantidade adequada de provisões. Como chefes militares designou Sardár 'Abbás-Qulí Khán-i-Láríjání, que gozava da maior simpatia desde seu recente fracasso; tam-bém a Nasrú'lláh-i-Bandibi, outra pessoa estulta e a Mustafá Khán de Ashraf a quem pôs como comandante dos valorosos tufang-chís da cidade e também lhe deu o comando sobre os súritís. Outros senhores de menor posição dirigiram os homens de Dúdánkih e Bálá-Rastáq assim como também vários nômades turcos e curdos que não estavam incluídos ao lado dos chefes principais. A estes nômades confiou-lhes a tarefa de observar cada movimento do inimigo. A experiência passada lhes havia demonstrado que deviam ser mais precavidos daqui para a frente. Por-tanto, se deu aos turcos e aos curdos a responsabilidade de seguir — tanto de dia como de noite — as operações do inimigo e de estar sempre alerta com o objetivo de prevenir possíveis surpresas". (Conde de Go-bineau "Les Religions et les Philosophies dans 1'Asie Centrale",, pp. 180-81).

(19) "Mihdí-Qulí Mirzá quis combinar, no entanto, técnicas mili-tares antigas com algumas invenções modernas com o objetivo de não se descuidar de nada e trouxe de Teerã duas peças de artilharia e duas peças de morteiros com as munições necessárias. Também procurou os serviços de um homem de Hirát que havia descoberto uma substância explosiva que podia projetar chamas a setecentos metros de distância e fazer arder tudo. Fez-se um ensaio e deu resultados satisfatórios. A substância incendiaria foi lançada dentro do forte e se iniciou de ime-diato um incêndio e todas as habitações e refúgios de madeira que os Babís haviam erigido, seja no interior do recinto ou sobre as mura-lhas, foram reduzidos à cinzas. Enquanto prosseguia essa destruição as bombas e balas disparadas pelos morteiros provocaram sérios danos a um edifício erigido com urgência por homens que não eram nem arqui-tetos nem engenheiros e que jamais haviam sonhado que pudessem ata-cá-los com artilharia. Em muito pouco tempo as defesas externas do forte foram desmanteladas; nada restava delas exceto vigas caídas, ma-deiras fumegantes ou que queimavam e pedras dispersadas". (Idem, pp. 181-182).

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Láríjání e de Ja'far-Qulí Khán, ajudados por cerca de qua-renta outros oficiais, acamparam na vizinhança do forte e iniciaram a construção de uma série de trincheiras e bar-ricadas nas imediações (20). No nono dia do mês de Bahá (21), o oficial em comando deu ordens àqueles incumbidos da artilharia, que atirassem em direção aos sitiados. En-quanto o bombardeio progredia, Quddús emergiu de seu aposento e andou ao centro do forte. Sua face engrinaldava-se em sorrisos e seu porte revelava a maior tranqüilidade. Enquanto andava, uma bala de canhão caiu de súbito em sua frente. "Como esses jactanciosos agressores," observou ele calmamente, rolando-a ao mesmo tempo com o pé, "es-tão de todo inconscientes do poder da ira vingativa de Deus! Terão eles se esquecido de que uma criatura tão insignifi-cante como o mosquito foi capaz de extinguir a vida do onipotente Nimród? Não terão ouvido dizer que o rugido da tempestade foi suficiente para destruir o povo de 'Ád e Tha-múd e lhes aniquilar as forças? Será que, com tão desprezí-veis evidências de sua crueldade, aspiram a intimidar os heróis de Deus, aos olhos de quem a pompa da realeza nada mais é que uma sombra vazia?" "Sois," acrescentou ele, en-quanto se volvia a seus amigos, "aqueles mesmos compa-nheiros de quem Maomé, o Apóstolo de Deus, assim falou: 'õh, quanto almejo contemplar o semblante de meus ir-mãos: meus irmãos que aparecerão no fim do mundo! Bem-aventurados somos nós, bem-aventurados são eles; maior é sua bem-aventurança do que a nossa.' Acautelai-vos para que não deixeis a usurpação do ego e do desejo deteriorar tão gloriosa posição. Não temais as ameaças dos malfeito-res, nem vos consterneis diante do clamor dos ímpios. Cada

(20) "Depois destas precauções escavaram fossas e trincheiras onde os tufang-chís tomaram posição com ordens de aniquilar qualquer Babí que pudesse aparecer. Construíram torres muito altas que se ele-vavam acima dos diversos níveis do forte, ou ainda mais altos, e graças a um fogo contínuo de cima para baixo, tornaram muito perigosa para os Babís a circulação dentro do forte. Era uma vantagem decisiva para os sitiadores, porém em poucos dias, aproveitando as longas noites, os chefes Babís elevaram as fortificações de modo que sua altura excedesse as torres do inimigo". (Idem, p. 181).

(21) É o nono dia depois do Naw-Eúz.

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um de vós tem sua hora designada e, quando chegar aquela hora, nem os assaltos de vosso inimigo, nem os esforços de vossos amigos poderão retardar ou adiantar essa hora. Se os poderes da terra contra vós se coligassem, serão im-potentes, antes de soar aquela hora, de diminuir por um jota ou um til a duração de vossa vida. Se por apenas um momento deixásseis vossos corações agitarem-se à face do troar dessas armas que, com crescente violência continua-rão a chover suas balas sobre este forte, vós vos havereis arremessado para fora da cidadela da proteção Divina."

Tão poderoso apelo não pode deixar de inspirar con-fiança nos corações dos que o ouviram. Viu-se, porém, que um pequeno grupo cujos semblantes demonstravam vacila-ção e medo se havia agachado num canto protegido do forte e com inveja e admiração contemplavam o zelo que animava seus companheiros (22).

(22) "Em uma ocasião, alguns deles saíram afim de arranjar um pouco de chá e açúcar para Jináb-i-Quddús. 0 mais destacado destes foi Mullá Sa'íd de Zarkanád. Este era um homem tão erudito que quan-do alguns homens sábios da família de Mullá Taqí de Núr dirigiram algumas perguntas escritas a Jináb-i-Quddús sobre a ciência da adivi-nhação e astrologia, este disse à Mullá Sa'íd: "Escreve com toda pressa uma resposta sucinta e completa para eles, para que não se deixe es-perando o mensageiro que enviaram e uma resposta mais detalhada será escrita mais adiante". E assim Mullá Sa'íd, mesmo pressionado pela presença do mensageiro e com as preocupações causadas pelo assédio ao forte, escreveu rapidamente uma missiva eloqüente na qual, enquanto respondia às perguntas formuladas, introduziu cerca de cem traduções bem estabelecidas relacionadas com a verdade da nova Manifestação da Prova prometida, além de várias que anunciavam que aquele que acre-ditasse no Senhor ficaria em Tabarsí e que seria martirizado. Os homens sábios de Núr se mostraram assombrados perante esta erudição e dis-seram: "A sinceridade nos obriga a admitir que esta forma de apre-sentar semelhantes questões é um grande milagre e que erudição e elo-qüência como estas são muito superiores ao que esperávamos de Mullá Sa'íd a quem conhecemos. Não temos dúvidas que este talento lhe foi conferido do alto e ele por sua vez manifestou-o à nós." Enquanto Mullá Sa'íd e seus companheiros encontravam-se fora do forte, caíram nas mãos das tropas reais e foram conduzidos perante ao príncipe. Este tentou por todos os meios que eles dessem informações sobre as condições que se encontrava a guarnição Babí, quantos eram e que quantidade de munição tinham; porém apesar de seus esforços não conseguiu coisa alguma. Quando se deu conta que Mullá Sa'íd era um homem de talento e compreensão, lhe disse: "Arrependa-te e farei com que te deixem em

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O exército do Príncipe Mihdí-Qulí Mírzá por alguns dias continuou a atirar em direção do forte. Seus homens admi-ravam-se ao verificar que o estrondo de suas armas não conseguira silenciar a voz de oração e as aclamações de júbilo que os sitiados erguiam em resposta as suas amea-ças. Em lugar da rendição incondicional que esperavam, o chamado do muezim (23), a entoação dos versículos do Al-corão e o coro de vozes jubilantes que cantavam hinos de graças e louvor atingiam seus ouvidos incessantemente.

Exasperado diante dessas evidências de inapagável fer-vor e impelido por um desejo ardente de extinguir o entu-siasmo que surgia dentro dos peitos de seus oponentes, Já' far-Qulí Khán erigiu uma torre, sobre a qual colocou seu canhão (24) e dessa elevação dirigia seu fogo ao coração do forte. Quddús de imediato chamou Mírzá Muhammad-

liberdade e não te matem". A isto Mullá Sa'íd respondeu: "Jamais nin-guém se arrependeu de obedecer o mandado de Deus; por que deveria fazê-lo, então, eu? Pelo contrário, arrependei-vos vós que estais indo contra Seu mandado e com a maior maldade que ninguém o fez até agora". Disse-lhe ainda muitas coisas mais. E assim, finalmente o en-viaram à Sarí, acorrentado onde o mataram sob circunstâncias as mais cruéis. Junto com ele, seus companheiros que parecem ter sido em número de cinco". (O "Tárikh-i-Jadíd", pp. 79-80).

(23) Veja glossário. (24) "E assim eles construíram quatro torres nos quatro lados do

castelo e as levantaram a uma altura tal que podiam dominar o interior da fortaleza com seus canhões, fazendo da guarnição alvo para suas balas. Os fiéis, ao ver isto, começaram a construir passagens subter-râneas para refugiarem-se. Porém a terra de Mázindarán estava perto da água e estava saturada pela umidade, ainda por cima chovia con-tinuamente piorando a situação, de modo que estas pobres vítimas da adversidade viviam no meio do lodo e da água até que suas roupas apo-dreciam e desmanchavam por causa da umidade. . . Cada vez que al-gum de seus camaradas apurava a copa do martírio perante seus olhos, ao invés de lamento regozijavam-se. Assim, por exemplo, em uma oca-sião caiu um obus sobre o teto de uma choça, que se incendiou. Shaykh Sálih de Shiráz chegou perto a fim de apagar o fogo. Uma bala alcançou sua cabeça e fez em pedaços seu crânio. No momento que recolhiam seu corpo uma segunda bala arrancou a mão de Áqá Mirzá Muhammad-'Alí, o filho de Siyyid Ahmad, pai de Áqá Siyyid Husayn "o bem amado". Assim como também foi morto Áqá Siyyid Husayn, "o bem amado", um menino de dez anos de idade, à vista de seu pai, caiu rodando no lodo e no sangue com suas extremidades balançando como as de um pássaro meio morto". (O "Taríkh-i-Jadíd", pp. 81-83).

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Báqir e lhe deu instruções para fazer novamente uma inves-tida e infligir ao "jactancioso recém-chegado" uma humilha-ção não menos esmagadora do que aquela sofrida por 'Abbás-Qulí Khán. "Que saiba," acrescentou ele, "que os valentes guerreiros de Deus quando constrangidos e forçados pela fome, são capazes de manifestar tais façanhas, de tal he-roísmo como nenhum ser mortal comum pode mostrar. Que saiba que, quanto maior sua fome, mais devastadores serão os feitos de sua exasperação."

Mais uma vez mandou Mírzá Muhammad-Báqir que de-zoito de seus companheiros se apressassem a montar seus corcéis e o seguissem. Abriram-se os portões do forte e o brado de "Yá Sáhibu'z-Zamán!" — mais feroz e mais emo-cionante do que nunca — espalhou pânico e consternação nas fileiras do inimigo. Ja'far-Qulí-Khán, com trinta de seus homens, caiu diante da espada dos adversários, quando, então, estes correram à torre, capturaram as armas e as arremessaram ao chão. Investiram em seguida sobre o en-trincheiramento, demoliram grande parte e, se não fosse a escuridão que se aproximava, teriam capturado e destruído o resto.

Triunfantes e ilesos, retiraram-se ao forte, levando con-sigo alguns dos garanhões mais fortes e bem nutridos que o inimigo havia deixado atrás. Passaram-se alguns dias sem nenhum sinal de um contra-ataque (25). Uma súbita explo-são em um dos depósitos de munições do inimigo, causando a morte de vários oficiais da artilharia e alguns de seus companheiros de combate, forçou-os a suspender, durante

(25) "Este estado de coisas havia durado quatro meses. O Sháh começou a mostrar-se impaciente. O êxito dos Babís havia acendido nele tal ira que, segundo o historiador persa, expressou nesta forma: "Pen-sávamos que nosso exército era capaz de passar pelo fogo e água sem vacilação e que lutaria contra um leão ou uma baleia, porém nós o enviamos para que lutasse contra um punhado de homens debilitados e indefesos e não conseguiram nada! Por acaso acreditam os dirigentes de Mázindarán que aprovamos esta demora? Por acaso é sua política permitir que esta conflagração estenda-se para assim engrandecer sua própria importância depois de uma vitória? Pois bem, deixe-lhe saber que farei como se Alláh jamais houvesse criado Mázindarán e extermi-narei seus habitantes até o último homem!". (A. L. M. Nicolas "Siyyid 'Alí-Muhammad dit le Báb", p. 322).

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um mês inteiro, seus ataques contra a fortaleza (26). Gra-ças a essa cessação de hostilidades, puderam os companhei-ros de vez em quando sair de sua cidadela e colher qual-quer erva que encontrassem no campo para lhes apaziguar a fome. A carne dos cavalos, até mesmo o couro das selas, haviam sido consumidos por esses oprimidos companheiros. Ferviam a grama e devoravam-na com avidez que causava pena (27). À medida que se declinavam suas forças e eles

(26) "O sítio havia-se prolongado por quatro meses e não havia feito progresso visível algum. As fortificações antigas haviam sido des-truídas, porém com energia indomável, os Babís haviam construído outras novas e, dia e noite, faziam reparos e ampliavam-nas. Era impossível prever o resultado desta situação, tanto porque Mázindarán não era a única região na Pérsia onde os devotos da nova Fé estavam mostrando sinais de zelo e valentia. O Rei e o Primeiro Ministro, em sua angústia, imprecavam seus lugar-tenentes. Não só os acusava de incompetência com expressões da maior amargura, como também ameaçavam subme-tê-los ao mesmo tratamento reservado aos Babís se não conseguissem uma solução definitiva a curto prazo. Por esta razão Mihdí-Qulí Mirza foi destituído do comando e este foi entregue a Afshár Sulaymán Khãn, um homem de reconhecida firmeza e cuja influência era muito grande não só em sua própria tribo, uma das mais nobres da Pérsia, como também em todos os círculos militares nos quais era muito conhecido, e se guardava grande respeito. Recebeu ordens rigorosíssimas". (Conde de Gobineau, "Les Religions et les Philosophies dans 1'Asie Centrale", pp. 183-184).

(27) Em "Memoriais of the Faithful" (pp. 16-17), 'Abdu'1-Bahá faz referência às penúrias e sofrimentos que suportaram os heróicos defensores do forte Shaykh Tabarsí. Rende um tributo glorioso a cons-tância, zelo e valentia dos sitiados, mencionando especialmente a Mullá Sádiq-i-Muqaddas. "Durante dezoito dias", disse, Ele, "passaram sem alimentos. Viviam do couro de seus sapatos, que logo acabou também e a única coisa que restava era a água. Bebiam um gole cada manhã e jaziam exaustos e famintos no interior do forte. Quando eram ataca-dos, entretanto, punham-se de pé num salto e mostravam ante o inimigo uma extraordinária valentia e uma resistência assombrosa.. . Sob tais circunstâncias é extremamente difícil manter uma fé e paciência indo-máveis e, suportar aflições tão penosas é um fenômeno excepcional".

"Os que permaneciam firmes já haviam consumido não só todos os víveres que lhes cabia, como também o pouco pasto que podiam encon-trar no recinto e a casca de todas as árvores. Só deixavam o couro de seus cinturões e a bainha de suas espadas. Tiveram que fazer uso do expediente recomendado pelo embaixador da Espanha aos soldados da liga assediados em Paris : molharam os ossos dos mortos e fizeram fa-rinha com o pó deles. Finalmente, desesperados, se viram obrigados a fazer o que lhes parecia ser uma profanação. O cavalo de Mullá Husayn

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languesciam, exaustos, dentro dos muros de seu forte, Qud-dus aumentava suas visitas a eles, com suas palavras de alegria e de esperança se esforçando para lhes aliviar o peso da angústia.

Mal começara o mês de Jamádíyu'th-Thaní (28) quando de novo se ouviu a artilharia do inimigo descarregar suas chuvas de balas sobre o forte. Simultaneamente com o es-trondo dos canhões, investiu contra ele um destacamento do exército chefiado por vários oficiais e composto por al-guns regimentos de infantaria e cavalaria. O ruído de sua aproximação impeliu Quddus a chamar logo seu destemido tenente, Mírzá Muhammad-Báqir e mandá-lo sair com trinta e seis de seus companheiros para lhes repelir o ataque. "Desde nossa ocupação desta fortaleza," acrescentou ele, "ja-mais tentamos, sob quaisquer circunstâncias, dirigir uma ofensiva contra nossos oponentes. Antes deles desencadea-rem sobre nós seu ataque, não nos levantamos para defen-der nossas vidas. Tivéssemos nós acariciado a ambição de travar contra eles uma guerra santa, tivéssemos nós acalen-tado a menor intenção de conseguir ascedêncía sobre os infiéis, através do poder de nossas armas, não haveríamos permanecido até hoje sitiados dentro destes muros. A força de nossas armas haveria até agora, assim como aconteceu com os companheiros de Maomé em dias passados, convul-sionado as nações da terra e as preparado para a aceitação de nossa Mensagem. Não foi esse o caminho, entretanto, que escolhemos para trilhar. Sempre, desde que nos retira-mos para este forte, tem sido nosso propósito único e inal-

havia morrido por causa dos ferimentos recebidos naquela noite fatal que testemunhou a morte de seu amo. Os Babís o haviam sepultado de-vido ao apreço que tinham por seu santo chefe e uma pequena porção da profunda veneração que sentiam por ele rondava a sepultura do pobre animal. Reuniram-se em conselho e, deplorando a necessidade de tal discussão, debateram a questão que só uma grande penúria lhes justificava desenterrar o sagrado corcel e consumir seus restos. Com profundo pesar, concordaram que era justificável tal conduta. Cozinha-ram os restos do cavalo com a farinha feita com os ossos dos mortos, comeram esta estranha mistura e empunharam novamente seus fuzis''. (Conde de Gobineau, "Les Religions et les Philosophies dans 1'Asie Cen-trale", pp. 186-187).

(28) 24 de abril — 23 de maio de 1849 A. D.

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terável vindicar o exaltado caráter de nossa missão através de nossos feitos e nossa prontidão para derramar nosso sangue no caminho de nossa Fé. Aproxima-se rapidamente a hora em que poderemos consumar essa tarefa."

Mírzá Muhammad Báqir ainda outra vez, com um salto, montou seu cavalo e, com os trinta e seis companheiros que selecionara, confrontou e dispersou as forças que o ha-viam assediado. Quando entrou novamente pelo portão, le-vava consigo a bandeira que um inimigo alarmado abando-nara logo que fora erguido o retumbante brado de "Yá Sá-hibu'z-Zamán!" Cinco de seus companheiros sofreram mar-tírio durante aquele encontro, os quais levou do forte e en-terrou em uma só sepultura, próxima do lugar de descanso de seus companheiros caídos.

O Príncipe Mihdí-Qulí Mírzá, atônito diante de mais essa evidência da inesgotável vitalidade de seus oponentes, con-sultou com seus chefes de estado-maior, exortando-os a in-ventar algum meio pelo qual ele pudesse terminar rapida-mente esse empreendimento dispendioso. Durante três dias deliberou com eles e finalmente chegou à conclusão de que o mais aconselhável era suspender toda espécie de hostili-dade por alguns dias na esperança de que os sitiados, exaus-tos de fome e aguilhoados pelo desespero, decidissem sair de seu refúgio e submeter-se à rendição incondicional.

Enquanto o príncipe esperava a consumação do plano que ele concebera, chegou de Teerã um mensageiro trazen-do-lhe o farmán(29) de seu soberano. Esse homem era re-sidente da aldeia de Kand, um lugar não distante da ca-pital. Conseguiu ele obter permissão do príncipe para en-trar no forte e tentar induzir dois de seus ocupantes, Mullá Mihdí e seu irmão Mullá Báqir-i-Kandí, a escaparem do imi-nente perigo ao qual estavam expostas suas vidas. Assim que se aproximava de seus muros, chamou as sentinelas e lhes pediu que informassem a Mullá Mihdíy-i-Kandí que um co-nhecido seu desejava vê-lo. Mullá Míhdí relatou isso a Qud-dús, que lhe deu permissão para encontrar com seu amigo.

Tenho ouvido Aqáy-í-Kalím narrar o seguinte, assim como lhe foi contado por aquele mesmo mensageiro, e a

(29) Veja glossário.

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quem conheceu em Teerá. "Vi," informou-me o mensageiro, "Mullá Mihdí aparecer em cima do muro, seu semblante revelando uma expressão de resolução austera que desafia-va descrição. Parecia tão feroz como um leão, cingido de espada, em cima de uma comprida camisa branca, segundo o modo dos árabes, e com um lenço branco em volta da cabeça. "O que é que procurais?" perguntou impacientemen-te. "Diga depressa, pois receio que meu mestre me chame e note minha ausência." A determinação que ardia era seus olhos me confundia. Seu aspecto e sua maneira deixaram-me mudo de espanto. Relampagueou pela minha mente, de súbito, o pensamento de que eu pudesse despertar em seu coração um sentimento, adormecido. Lembrei-o de seu filho pequeno, Rahmán, que ele deixara atrás na aldeia em sua ansiedade de se alistar sob o estandarte de Mullá Husayn. Em seu grande afeto pela criança compusera ele especial-mente um poema que entoava enquanto balançava seu berço e o embalava para adormecê-lo. "Seu bem-amado Rahmán," eu disse, "almeja pelo afeto que outrora lhe prodigalizava. Está sozinho, abandonado, e anela vê-lo." "Diga-lhe por mim," foi a resposta instantânea do pai, "que o amor do verdadeiro Rahmán(30), um amor que transcende todo amor terreno, a tal ponto me encheu o coração que nenhum lu-gar deixou para outro amor além do Seu." Essas palavras lacinantes comoveram-me a lágrimas. "Amaldiçoados", ex-clamei com indignação, "sejam aqueles que a vós e vossos co-discípulos consideram como pessoas que se tenham desvia-do do caminho de Deus!" "E se eu me aventurasse a entrar no forte e juntar-me a vós?" perguntei-lhe. "Se vosso mo-tivo é buscar e encontrar a Verdade," replicou ele calma-mente, "com satisfação vos mostrarei o caminho. E se é vosso desejo me visitar como um velho amigo de toda a vida, dar-vos-ei as boas vindas de que falou o Profeta: 'Dai boas vindas a vossos hóspedes ainda que sejam dos infiéis.' Fiel a esta injunção, eu vos oferecerei a grama fer-vida e os ossos moídos que me servem de alimento — o

(30) Referência a Deus; a palavra Rahmán significa "Misericor-dioso".

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melhor que para vós eu posso obter. Mas se for vossa in-tenção me fazer mal, eu me defenderei — advirto-vos — e vos arremessarei das alturas destes muros ao chão." Sua inabalável obstinação convenceu-me da futilidade de meus esforços. Pude perceber que de tal entusiasmo estava ele inflamado que, fossem os sacerdotes do reino reunir-se e se esforçar por dissuadi-lo do caminho que escolhera seguir ele, sozinho e sem auxílio, lhes frustraria os esforços. Nem conseguiriam todos os potentados da terra — estava eu convencido — seduzi-lo do Bem-Amado do desejo de seu coração. "Que o cálice" — senti-me impelido a dizer — "sa-boreado pelos vossos lábios vos traga todas as bênçãos que almejais." "O príncipe," acrescentei, "promete que quem quer que saia desse forte estará salvo de perigo e dele receberá até uma passagem segura, bem como quaisquer despesas que possa necessitar para a viagem a sua casa." Ele pro-meteu transmitir aos seus companheiros a mensagem do príncipe. "Há alguma coisa mais que desejais dizer-me," acrescentou. "Estou impaciente para voltar ao meu mestre." "Que Deus," respondi, "vos ajude em realizar vosso propó-sito." "Em verdade, Ele já me ajudou!" exclamou ele em exultação. "De que outro modo poderia eu me ter livrado da escuridão de minha casa-prisão em Kand? Como teria eu podido alcançar esta exaltada cidadela?" Mal pronunciara estas palavras quando, virando de mim a face, desapareceu de minha vista!"

Logo depois de se reunir com seus companheiros, Mullá Mihdí transmitiu-lhes a mensagem do príncipe. Nesse mes-mo dia a tarde, Siyyid Mírzá Husayn-i-Mutavallí, acompa-nhado de seu servo, deixando o forte, foi diretamente en-contrar-se com o príncipe em seu acampamento. No dia seguinte, Rasúl-i-Bahnimírí e mais alguns de seus compa-nheiros, não mais podendo resistir a devastação da fome e encorajados pelas explícitas promessas do príncipe, triste-mente e contra sua vontade, se separaram dos amigos. Mal haviam saído do forte quando todos instantaneamente fo-ram trucidados, segundo a ordem de 'Abbás-Qulí Khán-i-Láríjání.

Durante poucos dias após esse incidente, o inimigo, anda acampado nas proximidades do forte, restringiu-se de

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qualquer ato de hostilidade para com Quddús e seus com-panheiros. Na manhã de quarta-feira, no décimo sexto dia de Jamádíyu'th-Thání(31), um emissário do príncipe che-gou no forte e pediu que dois representantes fossem dele-gados pelos sitiados para fazerem negociações confidenciais com eles na esperança de chegarem a um acordo pacífico sobre as questões entre eles pendentes (32).

Assim deu Quddús instruções a Mullá Yúsuf-i-Ardibílí e Siyyid Ridáy-i-Khurásání para agirem como seus represen-tantes, dizendo-lhes que informassem ao príncipe que estava disposto a aceder a seu desejo. Mihdí-Qulí Mírzá recebeu-os com cortesia e os convidou a tomar o chá que ele preparara. "Consideraríamos," disseram, declinando de seu convite, "que seria um ato de deslealdade de nossa parte, fôssemos com-partilhar alimento ou bebida enquanto nosso bem-amado líder enlanguesce esgotado e faminto na fortaleza." "As hos-tilidades entre nós," observou o príncipe, "têm sido inde-vidamente prolongadas. Nós, de ambos os lados, temos com-batido longamente e sofrido penosamente. É meu fervoroso desejo conseguir um ajuste amigável de nossas diferenças." Segurou um exemplar do Alcorão que jazia de seu lado e, de próprio punho, escreveu, em confirmação de sua decla-ração, as seguintes palavras na margem da Sura introdutó-ria. "Juro por este mais sagrado Livro, pela justiça de Deus, Quem o revelou e pela Missão Daquele que foi inspirado com seus versículos, que nenhum outro propósito acaricio, se-não o de promover paz e amizade entre nós. Saí de vossa cidadela e tende certeza de que nenhuma mão contra vós será estendida. Vós próprios e vossos companheiros, solene-mente declaro, estão à sombra protetora do Todo-Poderoso de Maomé, Seu Profeta, e de Násiri'd-Dín-Sháh, nosso so-

(31) 9 de maio de 1849 A. D. (32) "Esta sombria e desesperada valentia, este inestingüível en-

tusiasmo causou grave preocupação aos chefes do exército imperial. Ha-vendo perdido todas as esperanças de derrubar as fortificações depois de haver sofrido numerosas derrotas, pensaram em recorrer a astúcia. O Príncipe era astuto por natureza e Sulaymán Khán-i-Afshár, que havia sido enviado recentemente pelo Sháh insistia que se utilizasse tal mé-todo, temeroso que a demora pudesse pôr em perigo seu prestígio e sua Vida". (A. L. M. Nicolas. "Siyyid 'Alí-Muhammad dit le Báb", p. 325).

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berano. Hipoteco minha honra que homem algum quer seja neste exército ou nesta vizinhança, jamais tentará vos ata-car. A maldição de Deus, o onipotente Vingador, sobre mim esteja, se em meu coração acaricio outro desejo, senão o que declarei."

Afixou seu selo à sua declaração e, entregando o Alcorão nas mãos de Mullá Yúsuf, lhe pediu que transmitisse suas saudações a seu líder e lhe apresentasse esta afirmação for-mal escrita. "De acordo com minha declaração," acrescentou ele, "nesta mesma tarde, despacharei ao portão do forte alguns cavalos, os quais espero que ele e seus principais companheiros aceitem e montem, a fim de virem às proxi-midades deste acampamento, onde terá sido erguida para sua recepção uma tenda especial. Eu lhes pediria que sejam nossos hóspedes até a hora em que eu possa arranjar seu regresso, a minha custa, para seus lares."

Quddús recebeu o Alcorão da mão de seu mensageiro, beijou-o reverentemente e disse: "ó nosso Senhor, decide entre nós e entre nosso povo com verdade; pois o melhor para decidir és Tu(33)." Imediatamente depois, ordenou que os companheiros restantes se preparassem para deixar o forte. "Com nossa resposta a seu convite," disse-lhes, "dar-Ihes-emos oportunidade para demonstrar a sinceridade de suas intenções."

Ao aproximar-se a hora de sua partida, Quddús ataviou a cabeça com o turbante verde que o Báb lhe enviara na ocasião em que mandou aquele que Mullá Husayn usou no dia de seu martírio. No portão do forte montaram os cava-los postos a seus dispor, Quddús montando o corcel predi-leto do príncipe enviado por ele para seu uso. Seus com-panheiros principais, estando entre eles vários siyyids e eruditos sacerdotes, montaram atrás dele e foram seguidos pelos restantes, que marchavam a pé, levando com eles tudo o que restava de suas armas e seus pertences. Assim que a companhia, em número de duzentos e dois, alcançou a tenda que, à ordem do príncipe, fora erguida para Quddús na vizinhança do banho público da aldeia de Dízvá, donde se

(33) Alcorão 7:88.

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avistava o acampamento do inimigo, todos apearam e pro-cederam a ocupar seus alojamentos nas proximidades dessa tenda

Pouco depois de sua chegada, Quddús saiu de sua tenda e, reunindo os companheiros, lhes dirigiu estas palavras: "Deveis mostrar renúncia exemplar, pois tal comportamen-to de sua parte exaltará nossa Causa e lhe redundará em glória. Qualquer coisa menos que desprendimento completo servirá apenas para lhe macular a pureza do nome e obscu-recer o esplendor. Rogai ao Todo-Poderoso que, até mesmo em vossa última hora, Ele, através de Sua graça, vos ajude a contribuir vossa parte a exaltação de sua Fé."

Poucas horas depois do pôr-do-sol, foi-lhes servido jan-tar trazido do acampamento do príncipe. O alimento, ofe-recido em bandejas separadas cada uma designada a um grupo de trinta companheiros, era pobre e insuficiente. "Nove de nós," relataram subseqüentemente aqueles que es-tavam com Quddús, "foram chamados por nosso líder para compartilhar o jantar que fora servido em sua tenda. Como ele recusou prová-lo, nós também, seguindo seu exemplo, abstivemo-nos de comer. Os servos que nos atenderam de-leitaram-se em tomar os pratos que nós havíamos recusado tocar e, com apreciação e avidez, lhes devoraram o conteú-do." Alguns dos companheiros foram ouvidos falando aos servos, pedindo permissão para comprar deles, por exor-bitante que fosse o preço, o pão de que necessitavam. Qud-dús desaprovou veementemente sua conduta e lhes repreen-deu por haverem pedido isso. Se não fosse a intercessão de Mírzá Muhammad-Báqir, ele os teria punido severamente por haverem tão completamente desatendido suas fervoro-sas exortações.

Ao amanhecer, chegou um mensageiro chamando Mírzá Muhammad Báqir à presença do príncipe. Com o consenti-mento de Quddús, respondeu a esse convite e regressou, uma hora depois, trazendo a seu chefe a informação de que o príncipe, na presença de Sulaymán Khán-i-Afshár, reitera-ra as promessas já feitas e o tratara com grande considera-ção e bondade. "Meu juramento," assegurou-me Mírzá Mu-hammad Báqir "explanou irrevogável e sagrado". Citou o caso de Ja'far-Qulí Khán que, não obstante seu ignominioso

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massacre de milhares de soldados do exército imperial, du-rante a insurreição fomentada pelo Sálár, foi perdido por seu soberano e prontamente investido de novas honras por Muhmmad-Sháh. O príncipe pretende acompanhar-vos ama-nhã pela manhã ao banho público, donde procederá a vossa tenda, depois do qual fornecerá os cavalos necessários para transportar a companhia inteira a Sang-Sar, devendo eles daí se dispersar, regressando alguns a seus lares no Iraque, enquanto outros seguirão a Khurásán. A pedido de Sulay-mán Khán, que argüia que a presença de tão grande ajunta-mento num centro assim fortificado como Sang-Sar incor-reria risco, o príncipe decidiu que a companhia se disper-sasse, antes, em Firúz-Kúh. "Sou da opinião de que aquilo que sua língua professa seu coração não acredita em abso-luto." Quddús, que compartilhava essa opinião, mandou ssus companheiros dispersarem-se naquela mesma noite, dizendo que ele mesmo breve procederia a Bárfurúsh. Apres-saram-se em lhe implorar que não se separasse deles e soli-citaram permissão para continuar a fruir as bênçãos de sua companhia. Aconselhou-os que fossem calmos e pa-cientes e lhes assegurou que — fossem quais fossem as aflições que o futuro ainda revelasse — seriam reunidos novamente. "Não choreis," foram suas palavras de despe-dida, "a reunião que haverá de seguir esta separação será tal que durará eternamente. Entregamos nossa Causa ao cuidado de Deus; qualquer que seja Sua vontade e Seu be-neplácito, isto aceitaremos jubilosamente."

O príncipe deixou de cumprir sua promessa. Em vez de ir ao encontro de Quddús em sua tenda, chamou-o, com alguns de seus companheiros, para seu quartel e lhe infor-mou, logo que alcançaram a tenda do Farrásh-Báshí(34), que ele mesmo o chamaria a sua presença ao meio-dia. Pouco depois, alguns dos servos do príncipe foram aos com-panheiros restantes e lhes disseram que Quddús dera per-missão para que se reunissem com ele no quartel do exér-cito. Vários deles foram enganados por essa informação, ficando presos e sendo, afinal, vendidos como escravos. Essas infelizes vítimas constituem o remanescente dos com-

(34) Veja glossário.

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panheiros do forte de Shaykh Tabarsí, que sobreviveram àquela luta heróica e a quem foi poupada a vida a fim de que transmitissem aos conterrâneos a lastimável história de seus sofrimentos e provações.

Logo após, os servos do príncipe instaram com Mullá Yúsuf que informasse os companheiros restantes do desejo de Quddús de que se desarmassem imediatamente. "Que é que lhes direis exatamente?" perguntaram-lhe, enquanto o conduziam a um lugar a alguma distância do quartel do exército. "Eu lhes advertirei," foi a resposta audaz, "que do-ravante qualquer que seja a natureza da mensagem que vos digneis de lhes entregar em nome de seu líder, tal mensa-gem nada é senão simples mentira." Mal escaparam de seus lábios estas palavras quando ele foi impiedosamente tru-cidado.

Depois desse ato selvagem dirigiram a atenção ao forte, saquearam o que continha e procederam a bombardeá-lo e demoli-lo completamente (35). De imediato, então, cercaram os companheiros restantes e atiraram contra eles. Qualquer um que escapasse às balas era morto pelas espadas dos oficiais e pelas lanças de seus homens (36). Até na própria agonia da morte, desses invencíveis heróis podiam ser ouvi-das estas palavras, "Santo, Santo, ó Senhor nosso Deus, Senhor dos anjos e do espírito" — palavras essas que ha-viam em momentos de exaltação caído de seus lábios e ago-ra foram por eles repetidas, não com menos fervor, na hora culminante de suas vidas.

Assim que essas atrocidades haviam sido perpetradas, o príncipe ordenou que aqueles detidos como cativos fossem

(35) "Todas as fortificações construídas pelos Babís foram demoli-das e inclusive nivelaram a terra para fazer desaparecer os sinais da heróica defesa daqueles que haviam sido mortos por causa da sua Fé. Imaginaram que isto silenciaria a história". (A. L. M. Nicolas: "Siyyíd 'Alí-Muhammad dit le Báb", p. 327).

(36) "Enfileiraram-nos e divertiram-se abrindo-lhes o abdômen com facas. Ficavam mais divertidos e satisfeitos quando dos intestinos perfurados saía o pasto não digerido, sinal eloqüente dos sofrimentos que haviam padecido assim como também da fé que os tinha mantido. Alguns, muito poucos por certo, conseguiram fugir para o bosque". (Idem).

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trazidos, um após outro, a sua presença. No caso daqueles que eram homens de reconhecida posição, tais como o pai de Badí(37), Mullá Mirzá Muhammad-i-Furughí e Hájí Na-sír-i-Qazvíní(38), ordenou aos subordinados que os condu-zissem a Teerã e obtivessem de cada um deles um resgate por sua liberdade em proporção direta a sua capacidade e riqueza. Quanto ao resto, deu ordens aos seus algozes que fossem mortos de imediato. Alguns foram despedaçados com espadas(39), outros rachados; alguns foram amarrados

(37) Hájí 'Abdu'1-Majíd-i-Níshábúrí. o qual posteriormente foi martirizado em Khúrásán.

(38) "Foi então", disse Mirzá Janí, "que o Islã deu uma vergonhosa exibição perante o mundo. Os vencedores, se assim podem ser chama-dos, desejavam gozar do êxtase da sua vitória. Acorrentaram Quddús, Mirzá Muhammad-Hasan Khán, o irmão de Bábu'1-Báb, Akhúnd Mullá Muhammad-Sádiq-i-Khurásání, Hájí Mirzá Hasan-i-Khurásání, Mirzá

Muhammad Sádiq-i-Khurásání, Shaykh Ni'matu'lláh-i-Ámulí, Hájí Nasí-i-Qazvíní, Mullá Yúsuf-i-Ardibílí, Áqá Siyyid 'Abdu'1-Azim-i-Khú'i e vá-rios outros. Colocaram-nos no centro do desfile que partiu acompanhado por toque de tambores e cada vez que passavam por um lugar habitado, eram castigados". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid 'Alí-Muhammad dit le Báb", pp. 327-328).

"A crueldade chegou mais longe ainda. Se alguns se livraram da morte ao serem vendidos como escravos, outros eles torturaram até que expirassem. Aqueles que encontraram amos bondosos foram Akhúnd Mullá Muhammad-Sádiq-i-Khurásání, Mullá Muhammad-i-Mahvalatíy-i-Dúgh-Ábádí, Áqá Siyyid 'Azim-i-Khu'í, Hají Násír-i-Qazvini, Hájí 'Abdu'l-Majíd-i-Níshabúrí e Mirzá Husayn-Matavillíy-i-Qumí. Quatro Babís so-freram martírio em Bárfurush, dois foram enviados à Ámul; um deles foi Mullá Ní'matu'lláh-i-Ámulí e o outro Mirzá Muhammad-Báqir-i-Khu-rásány-i Qá'iní, primo do nosso autor Babí. "Qá'iní havia vivido antes em Mashhad, na avenida chamada Khíyábán-Balá e sua casa tinha o nome de "Bábiyyih", era o lugar de reunião para os seguidores assim como também o lugar dos correligionários que passavam em viagem à Khúrásán. Além de seus conhecimentos religiosos, Qální era muito hábil com suas mãos e foi ele quem desenhou as fortificações de Shaykh Ta-barsí". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid 'Alí-Muhammad dit le Báb", p. 329).

(39) "Quanto aos demais prisioneiros, foram obrigados a recos-tarem-se sobre o solo, um ao lado do outro, e os verdugos lhes abriram o abdômen. Pude observar que vários destes desafortunados tinham pasto crú em seus intestinos. Uma vez terminado o massacre, acharam que ainda havia trabalho a ser feito e assassinaram os fugitivos que j á haviam sido perdoados. Havia mulheres e crianças e eles tampouco

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a árvores e crivados de balas, enquanto outros ainda foram atirados das bocas de canhões e entregues às chamas(40).

Mal terminara essa horripilante chacina quando três dos companheiros de Quddús, que eram residentes de Sang-Sar, foram levados à presença do príncipe. Um deles foi Siyyid Ahmad, cujo pai, Mírzá Muhammad-'Alí, um devotado admirador de Shaykh Ahmad-i-Ahsá'í, fora um homem de grande erudição e notável mérito. Ele, acompanhado por este mesmo Siyyid Ahmad e seu irmão, Mír Abu-1-Qásim, morto na mesma noite em que Mullá Husayn foi assassina-do, havia partido para Karbilá no ano anterior à declaração

se livraram e foram degolados. Foi por certo um dia muito ocupado com muita matança e nenhum risco". (Conde de Gobineau, "Les Religions et les Philosophies dans 1'Asie Centrale", p. 189). "Na sua chegada a Ámul, Mullá Ni'matu'lláh foi torturado com incrível ferocidade. Apa-rentemente esta cena provocou em Qá'iní um acesso de ira. Quando se aproximou o verdugo, Qá'iní rompendo suas cordas, saltou sobre ele, lhe arrancou a espada e o golpeou com tamanha violência que sua ca-beça saiu rolando até uma distância de mais ou menos quinze pés. A multidão se precipitou sobre ele, porém, com uma força descomunal der-rubou a todos aqueles que chegavam ao seu alcance e finalmente tiveram que acertar-lhe com um tiro de rifle com o objetivo de subjugá-lo. De-pois de sua morte encontraram em seu bolso um pedaço de carne assada de cavalo, prova da miséria pela qual havia padecido por sua fé". (Idem. pp. 329-330).

(40) "Todo mundo se maravilhou ante o grau de seu sacrifício.. . A mente se torna aniquilada ante suas ações, e a alma se assombra ante sua força e resistência f ís ica. . . Estas luzes sagradas têm supor-tado com heroísmo, durante dezoito anos, as aflições que têm chovido sobre elas de todos os lados, quanto amor, quanta devoção, quanta ale-gria e sagrado êxtase demonstraram ao sacrificar suas vidas no ca-minho do Todo Glorioso! Todos são testemunhas desta verdade. Como podem, então, querer reduzir esta Revelação? Se têm visto em alguma época acontecimentos de tanta significação? Se estes companheiros não são os verdadeiros buscadores de Deus, a quais outros se poderia cha-mar por este nome? Estes companheiros têm buscado o poder ou a gló-ria? Têm desejado alguma vez riquezas? Terão nutrido outro desejo que a aprovação de Deus? Se esses companheiros, com todos os seus maravilhosos testemunhos, são falsos, quem é digno, então, de reclamar para si a verdade? Por Deus! Suas próprias ações são testemunhas su-ficientes e uma prova irrefutável para todas as pessoas do mundo se os homens meditarem em seus corações sobre os mistérios da Divina Revelação. E aqueles que trabalham com injustiça logo saberão o que lhes espera!" (O 'Kitáb-i-Iqán", pp. 164-165).

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do Báb, com o propósito de apresentar seus dois filhos a Siyyid Kázim. Antes de sua chegada, o siyyid partira desta vida. Determinou ele imediatamente seguir a Najaf. Enquan-to nessa cidade, o Profeta Maomé lhe apareceu uma noite em sonho, mandando o Imame 'Ali, Comandante dos Fiéis, lhe anunciar que depois de sua morte ambos os filhos. Siyyid Ahmad e Mír Abu'1-Qásim, atingiriam a presença do prometido Qá'im e sofreriam, cada um, o martírio em Seu caminho. Assim que acordou, chamou o filho Siyyid Ahmad e lhe informou de sua vontade e seus últimos desejos. No sétimo dia após esse sonho ele faleceu.

Em Song-Sar duas outras pessoas, Karbilá'í 'Ali e Kar-bilá'í Abú-Muhammad, ambos conhecidos por sua piedade e sua percepção espiritual, esforçaram-se por preparar o povo para aceitar a prometida Revelação, cujo advento, pressen-tiam, rapidamente se aproximava. No ano de 1264 A.H. (41), anunciaram publicamente que naquele mesmo ano um ho-mem de nome Siyyid 'Ali, precedido por um Estandarte Negro e acompanhado por alguns de seus companheiros escolhidos, sairia de Khurásán e procederia a Mázindarán. Exortaram cada aderente leal do Islã a levantar-se e pres-tar-lhe todo o auxílio possível. "O estandarte que ele içará," declararam, "não será outro senão o estandarte do prome-tido Qá'ím; aquele que haverá de desfraldá-lo, nenhum ou-tro, será senão Seu tenente e o promotor principal de Sua Causa. Quem o seguir, será salvo, e quem dele se desviar, será um dos caídos." Karbilá'í Abú-Muhammad exortou seus dois filhos, Abu'1-Qásim e Muhammad-'Alí, a se levantarem para o triunfo da nova Revelação e sacrificarem toda consi-deração material a fim de atingirem esse objetivo. Tanto Karbilá'í Abú-Muhammad como Karbilá'í 'Ali morreram na primavera daquele mesmo ano.

Esses dois filhos de Karbilá'í Abú-Muhammad foram os dois companheiros que haviam sido levados juntamente com Siyyid Ahmad, à presença do príncipe. Mullá Zaynu'l-Abidín-i-Shahmírzádí, ura dos fidedignos e eruditos conse-lheiros do governo, informou o príncipe de sua história, re-

(41) 1847-1848 A. D.

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latando as experiências e atividades de seus respectivos pais. "Por que razão," perguntou-se a Siyyid Ahmad, "dese-jastes trilhar uma senda que tem envolvido a vós e aos vossos parentes em tais circunstâncias de miséria e deson-ra? Não poderíeis ter ficado satisfeito com o vasto número de sacerdotes eruditos e ilustres que se encontram nesta terra e no Iraque?" "Minha fé nesta Causa," retrucou ele destemidamente, "não nasceu de vã imitação. Indaguei de-sapaixonadamente de seus preceitos e estou convencido de sua verdade.

Quando em Najaf, aventurei-me a pedir ao preeminente mujtahid daquela cidade Shaykh Muhammad-Hasan-i-Najafí que me expusesse certas verdades relacionadas aos princípios secundários que baseiam os ensinamentos do Islã. Ele se recusou a aceder a meu pedido. Reiterei meu apelo, quando ele irosamente me repreendeu, persistindo em sua recusa. Como se pode esperar, em vista dessa experiência, que eu busque esclarecimento sobre os artigos abstrusos da Fé do Islã, de um sacerdote, por mais ilustre que seja, que se recusa a responder a minha pergunta a respeito de assuntos tão simples e comuns e expressa sua indignação por eu haver assim o interrogado?" "Qual é vossa crença concer-nente a Hájí Muhammad-*Alí?" perguntou o príncipe. "Acre-ditamos," respondeu ele, "que Mullá Husayn foi o portador do estandarte do qual disse Maomé: "Se vossos olhos avis-tarem os Estandartes Negros procedendo de Khurásán, apressai-vos em sua direção, ainda que tenhais de vos ar-rastar sobre a neve. — Por esta razão renunciamos ao mun-do e nos temos congregado em volta de seu estandarte — estandarte esse que é apenas um símbolo de nossa Fé. Se desejais me conceder um favor, mandai vosso algoz pôr fim a mim e me permitir a reunir-me com o grupo de meus companheiros imortais. Pois o mundo e todos os seus en-cantos deixaram de me seduzir. Anseio por partir desta vida e regressar a meu Deus." O príncipe, não disposto a sacri-ficar a vida de um siyyid, recusou dar ordens para sua execução. Seus dois companheiros porém, foram mortos imediatamente. Ele, com seu irmão Siyyid Abú-Tálib, foi entregue nas mãos de Mullá Zaynu'1-Ábidín, com instruções para conduzi-los a Sang-Sar.

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Entrementes, Mírzá Muhammad-Taqí, acompanhado de sete dos ulemás de Sárí, partiu dessa cidade a fim de par-ticipar no ato meritório de infligir a pena de morte aos companheiros de Quddús. Ao saberem que já haviam sido trucidados, Mírzá Muhammad-Taqí instou o príncipe a re-considerar sua decisão e ordenar a execução imediata de Siyyid Ahmad, argüindo que sua chegada em Sárí seria sinal para novos distúrbios tão graves como aqueles que já os haviam afligido. Aquiesceu afinal, o príncipe, sob uma condição expressa de que ele fosse considerado seu hóspede até sua própria chegada em Sárí, quando então ele tomaria quaisquer providências necessárias para impedi-lo de per-turbar a paz da vizinhança.

Mal partira Mírzá Muhammad-Taqí em direção a Sárí quando começou a envilecer Siyyid Ahmad e seu pai. "Por que maltratar um hóspede," instava seu cativo, "que o prín-cipe entregou a vosso cuidado? Por que desatender a injun-ção do Profeta — Honra teu hóspede, ainda que seja um infiel?" Incitado a um estouro de fúria, Mírzá Muham-mad-Taqí, junto com seus sete companheiros, desembainha-ram as espadas e lhe despedaçaram o corpo. Com a última respiração era ouvido Siyyid Ahmad a invocar o socorro do Sáhibu'z-Zamán. Quanto a seu irmão, Siyyid Abú-Tálib, ele foi conduzido são e salvo a Sang-Sar por Mullá Zaynu'K Ábidín, e até hoje reside com seu irmão, Siyyid Muham-mad Rida, em Mázindarán. Ambos ocupam-se no serviço da Causa e são contados entre seus ativos sustentáculos.

Após haver completado seu trabalho o príncipe, acom-panhado de Quddús, regressou a Bárfurúsh. Chegaram na tarde de sexta-feira, dia dezoito de Jamádíyu'th-Thání (42). O Sa'ídu'1-Ulamá, com todos os ulemás da cidade saíram para dar boas vindas ao príncipe e felicitá-lo por seu re-gresso triunfante. A cidade inteira estava decorada de ban-deiras para celebrar a vitória e as fogueiras que flamejavam à noite deram testemunho da alegria com que uma popula-ção grata saudava a volta do príncipe. Três dias de festivi-dades passaram, durante os quais ele nenhum indício deu quanto a sua intenção relativa ao destino de Quddús. Vaci-

(42) 11 de maio de 1849 A. D.

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lava em seu desígnio, estando extremamente indisposto a maltratar seu cativo. A princípio, recusou ele a permitir que o povo desse expansão a seu implacável ódio e conse-guiu lhes restringir a fúria. Fora seu plano original condu-zi-lo a Teerã e, entregando-o nas mãos de seu soberano, aliviar-se da responsabilidade que sobre ele pesava.

A inextinguível hostilidade do Sa'ídu'l-'Ulamã, entretan-to, impediu a execução desse plano. O ódio que Quddús e sua Causa nele inspiravam flamejava até atingir fúria fre-nética, à medida que ele testemunhava as crescentes evidên-cias da inclinação do príncipe a permitir que tão formidá-vel inimigo lhes escapasse das mãos. Protestava dia e noite e, com toda a astúcia que seu fértil cérebro podia maqui-nar, tentava dissuadi-lo de prosseguir um plano que ele achava a um tempo desastroso e covarde. Na fúria de seu desespero, apelou ao povo e tentou, inflamando-lhe as pai-xões, despertar em seus corações os mais vis sentimentos de vingança. Bárfurúsh inteira fora incitada pela persistên-cia de seu chamado. Sua habilidade diabólica breve lhe conquistou a simpatia e o apoio das massas. "Fiz votos," imperiosamente protestava ele, "de me negar alimento e re-pouso enquanto não puder com as próprias mãos dar fim à vida de Hají Muhammad-'Alí!" As ameaças de uma multi-dão agitada reforçaram-lhe o apelo e conseguiram despertar as apreensões do príncipe. Receando perigo a sua própria vida, o príncipe convocou a sua presença os principais ule-más de Bárfurúsh com o fim de lhes consultar quanto às medidas a ser tomadas para mitigar a tumultuosa excítação do povo. Todos aqueles convidados responderam com exce-ção de Mullá Muhammad-i-Hamzih, que pediu que lhe fosse escusada a assistência a essa reunião. Anteriormente, em várias ocasiões, durante o assédio do forte, havia ele se esforçado por persuadir o povo a se abster de violência. A ele Quddús entregara, poucos dias antes de abandonar o forte, por intermédio de um de seus companheiros fiéis de Mázindarán, um alforje trancado que continha o texto de sua própria interpretação do Sád de Samad, bem como seus outros escritos e papéis que possuía, cujo destino perma-nece desconhecido até hoje.

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Assim que os ulemás se reuniram, o príncipe mandou trazer Quddús à presença dele. Desde o dia em que aban-donou o forte Quddús, que havia sido entregue à custódia do Farrsáh-Báshí, não fora chamado à presença do príncipe. Quando entrou, o príncipe levantou-se e o convidou a se sentar a seu lado. Virando-se ao Sa'ídu'l-'Ulamá', solicitou-lhe que suas conversações com ele procedessem conciencio-sa e desapaixonadamente. "Vossas discussões," asseverou, "devem girar em volta dos versículos do Alcorão e das tra-dições de Maomé e nestes se basear, pois somente por meio destes podeis demonstrar a verdade ou a falsidade de vos-sos argumentos." "Por que razão," inquiriu impertinente-mente o Sa'ídul'-'Ulamá', "tendes vós, se dignado de colocar na cabeça um turbante verde, arrogando a vós um direito que somente aquele que é verdadeiro descendente do Pro-feta pode para si reclamar? Não sabeis que quem desafia essa sagrada tradição é amaldiçoado de Deus?" "Foi Siyyid Murtadá," respondeu Quddús calmamente, "a quem todos os ulemás reconhecidos elogiam e estimam, descendente do Profeta por lado do pai ou da mãe?" Um daqueles presen-tes nessa reunião declarou instantaneamente haver sido só a mãe um siyyid. "Por que, então, fazer objeção a mim," replicou Quddús, "desde que minha mãe foi sempre reco-nhecida pelos habitantes desta cidade como descendente di-reta do Imame Hasan? Não foi ela, por causa de sua linha-gem, honrada, ainda mais, venerada, por cada um de vós?"

Ninguém se atreveu a contradizer. O Sa'ídu'l-'Ulamá' es-tourou em excesso de indignação e desespero. Irosamente jogou seu turbante ao chão e se levantou para sair de reu-nião. "Este homem," vociferou ele, antes de partir, "conse-guiu provar a vós que é descendente do Imame Hasan. Den-tro em breve justificará ele a pretensão de ser portador de Deus e revelador de Sua vontade!" O príncipe sentiu-se mo-vido a fazer esta declaração: "Lavo as mãos de toda respon-sabilidade por qualquer dano que possa sobrevir a este ho-mem. Tendes liberdade para fazer com ele o que quiserdes. Vós mesmos tereis de responder a Deus no Dia do Juízo." Imediatamente depois de haver dito essas palavras, man-dou trazer o cavalo e, acompanhado de seus cortesões, par-

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tiu para Sárí. Intimidado pelas imprecações dos ulemás e esquecido de seu juramento, abjetamente entregou Quddús às mãos de um inimigo inexorável, àqueles lobos vorazes que latejavam pelo momento em que pudessem, com desen-freada violência, agarrar sua presa e sobre ela desatar as mais ferozes paixões de vingança e ódio.

Mal o príncipe os libertara das restrições que ele lhes havia imposto, quando os ulemás e o povo de Bárfurúsh, agindo sob as ordens do Sa'ídu'l-'Ulamá' (43), se levantaram para perpetrar no corpo de sua vítima atos de crueldade tão atroz que nenhuma pena os pode descrever. Pelo teste-munho de Bahá'u'lláh, aquele jovem heróico, ainda no li-miar de sua vida, foi sujeitado a tais torturas e sofreu tal morte como nem mesmo Jesus teve de enfrentar na hora de Sua maior angústia. A ausência de qualquer restrição por parte das autoridades governamentais, a engenhosa bar-baridade que os negociantes de tortura de Bárfurúsh tão habilmente exibiram, o fanatismo feroz que ardia nos peitos de seus habitantes xiitas, o apoio moral que lhes foi presta-do pelos dignitários de Igreja e Estado na capital — acima de tudo, os atos de heroísmo que sua vítima e seus compa-nheiros haviam realizado, aumentando-lhes a irritação — tudo combinava para reforçar a mão dos agressores e in-crementar a diabólica ferocidade que caracterizava seu mar-tírio.

Tais foram as circunstâncias que o Báb, então confina-do no castelo de Chihríq não pôde, durante um período de seis meses, nem escrever nem ditar. A profunda tristeza que Ele sentia emudecera a voz da revelação e silenciara

(43) "Os Babís contam, que pouco depois, o Sa'ídu'l-'Ulamà' so-freu uma estranha enfermidade. Apesar das mantas com que se cobria, apesar do fogo que ardia constantemente em seu quarto, tiritava de frio enquanto que ao mesmo tempo tinha uma febre tão alta que nada podia saciar sua intolerável sede. Faleceu em sua casa, que era muito formosa, foi abandonada e finalmente caiu em ruínas. Pouco a pouco começaram a entulhar lixo no lugar onde antes havia se erguido tão imponente. Isto impressionou a tal ponto os mazindarames que quando brigavam entre si, o último insulto era: "Que sua casa sofra a mesma sorte da casa de Sa'ídu'l-'Ulamá' "! (A. L. M. Nicolas: "Siyyid 'Alí-Muhammad dit le Báb", p. 330).

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Sua pena. Quão profundamente lastimava Ele Sua perda! Que gemidos de angústia deve Ele ter erguido quando Lhe alcançou os ouvidos e se desdobrou diante dos olhos a his-tória do assédio, dos indizíveis sofrimentos, da vergonhosa traição e do massacre geral dos companheiros de Shaykh Tabarsí! Que dores agonizantes deve Ele ter sentido ao sa-ber do tratamento ignominioso ao qual foi submetido Seu bem-amado Quddús, em sua hora de martírio, pelas mãos do povo de Bárfurúsh; como foi despido das vestimentas; como o turbante que Ele lhe dera tinha sido conspurcado; como descalço, com a cabeça descoberta e carregado de correntes, o fizeram marchar pelas ruas, seguido e zomba-do pela inteira população da cidade; como a turba gritante o execrava e nele cuspia; como foi atacado com facas e ma-chados pela escória de seus habitantes fêmeas; como seu corpo foi furado e mutilado e afinal, entregue as chamas!

Ouviu-se Quddús, em meio a seus tormentos, sussurrar perdão para seus inimigos. "Perdoa, ó meu Deus," exclamou, "as transgressões desse povo. Trata-os com Tua misericór-dia, pois não sabem o que nós já descobrimos e estimamos. Esforcei-me para mostrar-lhes o caminho que conduz a sua salvação; vê como se levantaram para me afligir e matar! Mostra-lhes, ó Deus, o caminho da verdade e em fé trans-forma Tu sua ignorância." Em sua hora de agonia, o Siyyid-i-Qumí, que tão traiçoeiramente abandonara o forte, foi vis-to a passar por seu lado. Observando seu estado de desam-paro, bateu-lhe no rosto. "Pretendeste," gritou com arrogante escárneo, "ser tua voz a voz de Deus. Se falas a verdade, rompe os laços e liberta-te das mãos de teus inimigos." Quddús fitou os olhos em sua face, suspirou profundamente e disse: "Que Deus vos recompense vosso ato, desde que contribuistes a aumentar o número de minhas aflições." Aproximando-se do Sabzih-Maydán, levantou a voz, dizendo: "Oxalá estivesse comigo minha mãe para ver com os pró-prios olhos o esplendor de minhas núpcias!" Mal pronun-ciara estas palavras, quando a multidão enfurecida sobre ele caiu e despedaçando-lhe o corpo, lançou os membros esmiu-çados no fogo já aceso para esse fim. No meio da noite, o que ainda restava dos fragmentos daquele corpo queimado

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e mutilado foi colhido pela mão de um amigo devotado (44) e enterrado em um lugar não muito distante da cena de seu martírio (45).

Seria apropriado a esta altura registrarmos os nomes daqueles mártires que participaram da defesa do forte de

(44) Em todo caso, parece que depois do martírio de Jináb Quddús, um sacerdote piedoso chamado Hájí Muhammad-'Alíy-i-Hamzim, cuja habilidade como exegeta e cujos dotes espirituais eram reconheci-dos por todos, enviou várias pessoas para sepultar em segredo os restos mutilados num colégio em ruínas. E ele, longe de aprovar a con-duta de Sa'ídu'l-'Ulamá', costumava maldizer-lhe e vituperar-lhe e ja-mais pronunciou ele mesmo sentença de morte contra nenhum Babí, pelo contrário, costumava obter digna sepultura para aqueles que haviam sido mortos por Sa'ídu'l-'Ulamá'. E quando os homens lhe perguntaram a respeito da guarnição do castelo, contestava: "Não os condeno nem falo mal deles". Por esta razão a metade de Bárfurúsh, permaneceu neutra porque no principio costumava proibir aos homens maldizer ou molestar os Babís mesmo quando mais tarde, ao se tornar mais grave a situação, ordenou que era prudente guardar silêncio e ficar em casa. A austeridade de sua vida, sua piedade, sua erudição e suas virtudes eram tão bem conhecidas pelas pessoas de Mázindarán como o eram a irreligião, a imoralidade e a atitude mundana de Sa'ídu'l-'Ulamá'. (O "Taríkh-i-Jadíd", p. 92).

(45) "Aquele que conheceu Quddús e fez com ele a peregrinação é aquele sobre o qual tem passado "oito unidades" e Deus o nomeou entre seus anjos nos céus devido a forma em que se afastou de tudo e porque estava livre de culpa aos olhos de Deus". ("O Bayan Persa", vol. 2, p. 264). Porém mais maravilhoso que os acontecimentos descri-tos acima é o relato que deles faz Abbás-Qulí Khán, com numerosas expressões de admiração, ao Príncipe Ahmad Mirzá. O extinto Hájí Mirzá Jání escreve: "Mais ou menos dois anos depois do desastre de Shaykh Tabarsí ouvi uma pessoa que, quando ainda não era um crente, mas no entanto era veraz e digna de crédito, relatar o seguinte: "Es-távamos sentados juntos quando se aludiu a guerra ocorrida entre al-guns dos presentes contra Hadrat-i-Quddús e Jináb-i-Bábu'1-Báb. O prín-cipe Ahmad Mirzá e 'Abbás-Qulí Khán faziam parte desse grupo. O príncipe perguntou à 'Abbás-Qulí Khán sobre o assunto e ele respondeu assim: "A verdade da questão é que qualquer pessoa que não houvera visto Karbilá, se houvera visto Tabarsí, não só haveria de compreender o que sucedeu ali, ou então faria questão de não compreender; e se hou-vesse visto Mullá Husayn de Bushruyih, haveria se convencido que o Chefe dos Mártires havia regressado à terra; e se houvesse presenciado minhas ações, sem dúvida teria dito: "Este Shímr que regressou com espada e lança". Juro pela sagrada pena de Sua Majestade o Centro

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Shaykh Tabarsí, na esperança de que gerações ainda por vir se possam lembrar com orgulho e gratidão dos nomes, não menos que dos atos, daqueles pioneiros que, pela sua vida e pela sua morte, tanto enriqueceram os anais da Fé imortal de Deus. Os nomes desses pioneiros que tenho po-dido colher de várias fontes — o que devo especialmente a Ismu'lláhu'1-Mím, Ismu'lláhu'1-Javád e Ismu'lláhu'1-Asad pro-cedo agora a enumerar, confiante de que seus nomes possam permanecer para sempre nas línguas dos homens, assim

do Universo, que certo dia, Mullá Husayn que levava sobre sua cabeça um turbante verde e uma capa sobre o ombro, saiu do castelo, apresen-tou-se a campo aberto e apoiando-se sobre a lança que levava em sua mão, disse: "Óh povo, por que, sob influência da paixão e prejudiciosas tergiversações e sem indagar, obrais tão cruelmente contra nós e es-forçais em derramar sem razão alguma o sangue de inocentes? Enver-gonhei-vos ante o Criador do Universo e pelo menos permiti-nos passar, para que possamos partir desta terra". Ao ver que os soldados se co-moviam, abri fogo e ordenei que as tropas gritassem para abafar sua voz. De novo o vi apoiar-se em sua lança e o ouvi gritar três vezes: "Tem alguém que queira ajudar-me?", de modo que todos ouvissem sua voz. Nesse instante todos os soldados guardaram silêncio e alguns co-meçaram a soluçar e muitos dos jinetes mostraram-se visivelmente afe-tados. Temendo que o exército pudesse sentir-se seduzido por sua aliança, ordenei mais uma vez que gritassem e disparassem. Então vi Mullá Husayn desembainhar sua espada e levantando o rosto para o céu, ouvi exclamar: "Óh Deus, tenho completado a prova para esta hoste, porém de nada tem servido!" Então começou a atacar-nos à direita e à esquer-da. Juro por Deus que nesse dia esgrimou a espada de tal forma que transcende o poder do homem. Só os jinetes de Mázindarán se mantive-ram firmes e recusaram-se a fugir. E quando Mullá Husayn estava no meio do combate alcançou um soldado fugitivo. O soldado se escondeu atrás de uma árvore e mais ainda, tratou de proteger-se com seu mos-quetão. Mullá Husayn desferiu tal golpe com sua espada que cortou o soldado, a árvore e o mosquete em seis pedaços. E durante toda essa guerra nunca errou um golpe, já que cada um que dava caía sobre um soldado. E pelas características dos soldados abatidos podia-se reconhecer todos que haviam caído sob a espada de Mullá Husayn e como havia ouvido falar e sabia que ninguém podia esgrimar a espada com perfeição, exceto o Chefe dos Crentes, e, que era pouco menos que impossível que uma espada cortasse tão certeiramente, proibi a todos que sabiam disto, que mencionasse ou desse a conhecer, para que a tropa não desanimasse da luta. Na verdade, não sei o que haviam mostrado à esta gente ou o que eles haviam visto, pois saíam à luta com tanta veemência e ale-gria, dedicando-se a batalhar com tanta rapidez e felicidade, sem mos-trar em seus rostos sinal algum de temor ou apreensão. Parecia, à

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como suas almas no mundo do além têm sido investidas da luz de glória imperecível seus nomes possam permane-cer do mesmo modo, para sempre nas línguas dos homens; que sua menção possa continuar a evocar um espírito se-melhante de entusiasmo e devoção nos corações daqueles a quem essa herança de inestimável valor foi transmitida. De meus informantes, não só tenho podido colher os nomes da maioria dos que caíram durante aquele memorável assédio, mas também consegui obter uma lista representativa, embo-ra incompleta, de todos aqueles mártires que, desde o ano de 60 (46) até o dia presente — a última parte do mês de Rabí'u'1-Avval no ano de 1306 A.H. (47) — sacrificaram a vida no caminho da Causa de Deus. É minha intenção men-cionar cada um desses nomes em relação ao acontecimento especial com que principalmente se liga. Quanto àqueles que sorveram o cálice do martírio enquanto defendiam o forte de Tabarsí, seus nomes são os seguintes:

1. Primeiro e proeminente entre eles está Quddús, a quem o Báb conferiu o nome de Ismu'lláh'u'1-Ákhar (48). Ele, a Ultima Letra dos Viventes e o companheiro escolhido

primeira vista, que para eles a afiada espada e o sangu;nário punhal não eram senão meios para alcançar a vida eterna, tão ansiosas boas-vindas davam a eles seus pescoços e peitos, enquanto circulavam como salamandras ao redor da chuva de balas. O feito assombroso, era que todos esses homens nada mais eram que estudantes e homens eruditos, de vida reclusa e sedentária, nos colégios e celas, cuidadosamente ali-mentados e de físicos débeis, acostumados, por certo, as austeridades, porém estranhos perante o rugido dos canhões, as descargas dos mos-quetes e ao campo de batalha. Durante os últimos três meses de sítio careciam inclusive de pão e água e estavam reduzidos ao grau mais extremo de debilidade por falta da mínima quantfdade de alimentos indispensáveis para manter a vida. Apesar disto, parecia que no mo-mento de entrar em luta soprava um novo espírito em seus corpos, já que a imaginação do homem não pode conceber a veemência de sua coragem e valor. Costumavam expor seus corpos as balas e aos obuses não só sem temor e valorosamente, como também com ânsia e júbilo. Pareciam considerar o campo de batalha como um banquete e estavam decididos a entregar suas vidas". (O "Taríkh-i-Jadíd", pp. 106-9).

(46) 1844 A. D. (47) Novembro — Dezembro de 1888 A. D. (48) Literalmente "O Último Nome de Deus".

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pelo Báb em Sua peregrinação a Meca e Medina, juntamen-te com Mullá Sádiq e Mullá 'Alí-Akbar-i-Ardistání, foi o pri-meiro a sofrer perseguição em solo persa por amor à Causa de Deus. Ele tinha apenas dezoito anos de idade quando deixou sua cidade natal de Bárfurúsh para Karbilá. Por cer-ca de quatro anos ficou sentado aos pés de Siyyid Kázim e, com a idade de vinte e dois anos, se encontrou com seu Bem-Amado em Shíráz e O reconheceu. Cinco anos mais tarde no vigésimo terceiro dia de Jamádiyu'th-Thání, no ano de 1265 A.H. (49), foi seu destino, no Sabzih-Maydán de Bár-furúsh, cair vítima da mais requintada e desenfreada barba-ridade nas mãos do inimigo. O Báb e, posteriormente, Ba-há'u'lláh lamentaram em inúmeras Epístolas e orações sua perda, prodigalizando-lhe seus elogios. Tal a honra que lhe foi conferida por Bahá'u'lláh que, em Seu comentário sobre o versículo de KulluVraám (50), que Ele revelou enquanto em Bagdá, lhe concedeu o proeminente grau de Nuqtiy-i-Ukhrá (51), grau esse a nenhum outro inferior, senão ao do pró-prio Báb (52).

2. Mullá Husayn, cognominado de Bábu'1-Báb, o pri-meiro a reconhecer e abraçar a nova Revelação. Também ele com a idade de dezoito, partiu de sua cidade natal de Bushrúyih em Khurasán, para Karbilá, e por um período de nove anos, permaneceu intimamente associado a Siyyid Kázim. Quatro anos antes da declaração do Báb, agindo de acordo com as instruções de Siyyid Kázim, encontrou-se em Isfahán com o erudito mujtahid Siyyid Báqir-i-Rashtí e, em Mashhad, Mírzá 'Askarí, a ambos os quais entregou, com dignidade e eloqüência, as mensagens que lhe haviam sido confiadas pelo seu mestre. As circunstâncias que acom-panharam seu martírio evocaram no Báb indizível tristeza, tristeza essa que achou expressão em tão grande número de elogios e orações que seu volume seria equivalente a três vezes o do Alcorão. Em uma de Suas Epístolas de Visitação, o Báb assevera que o próprio pó da terra onde jazem sepul-

(49) 16 de maio de 1849 A. D. (50) Alcorão 3:93. (51) Literalmente "O Último Ponto". (52) Veja nota 45, Cap. XX.

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tados os restos mortais de Mullá Husayn é dotado de tal potência que proporciona felicidade aos desconsolados e cura os enfermos. No Kitáb'u'lláh elogia com ênfase ainda maior as virtudes de Mullá Husayn. "Se não fosse ele," es-creveu, "Deus não teria se estabelecido no assento de Sua misericórdia, nem ascendido ao trono da glória eterna! "(53)

3. Mírzá Muhammad-Hasan, irmão de Mullá Husayn. 4. Mírzá Muhammad-Báqir, sobrinho de Mullá Husayn.

Ele, bem como Mírzá Muhammad-Hasan, acompanhou Mullá Husayn de Bushrúyih a Karbilá e daí a Shíráz, onde abraçaram a Mensagem do Báb e foram inscritos entre as Letras dos Viventes. Com exceção da viagem de Mullá Hu-sayn ao castelo de Máh-Kú, continuaram a acompanhá-lo até o tempo em que sofreram martírio no forte de Tabarsí.

5. O cunhado de Mullá Husayn, pai de Mírzá Abu'l-Hasan e Mírzá Muhammad-Husayn, ambos agora em Bush-rúyih, em cujas mãos foi entregue a Varaqatu'1-Firdaws, irmã de Mullá Husayn. Ambos são firmes e devotados ade-rentes da Fé.

6. O filho de Mullá Ahmad, irmão mais velho de Mullá Mírzá Muhammad-i-Furúghí. Ele, diferente do tio, Mullá Mírzá Muhmmad, sofreu martírio e era, segundo testemu-nha este último, um jovem de grande piedade e se distin-guiu por sua erudição e sua integridade de caráter.

7. Mírzá Muhammad-Báqir, conhecido por Harátí, em-bora originariamente residisse em Qáyin. Era parente íntimo do pai de Nabíl-i-Akbar e foi o primeiro em Mashhad a abraçar a Causa. Foi ele quem construiu o Bábíyyih e serviu a Quddús devotadamente durante sua estada nessa cidade. Quando Mullá Husayn içou o Estandarte Negro ele, junta-mente com seu filho, Mírzá Muhammad-Kázim, estava an-sioso de se alistar sob sua bandeira e com ele partiu para Mázindarán. Esse filho foi salvo afinal e cresceu, sendo hoje um fervoroso e ativo promotor da Fé em Mashhad. Foi Mír-zá Muhammad-Báqir que serviu como porta-estandarte da companhia, que desenhou a planta do forte, seus muros e torres e o fosso que o cercava, que foi o sucessor de Mullá Husayn em organizar as forças de seus companheiros e em

(53) Veja nota 12, Cap. XX.

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dirigir a investida contra o inimigo e que ocupava o lugar de íntimo companheiro, tenente e fiel conselheiro de Quddús até a hora em que caiu, um mártir no caminho da Causa.

8. Mírzá Muhammad-Taqíy-i-Juvayní, nativo de Sab-zihvár, que se distinguiu pela sua habilidade literária, a quem Mullá Husayn muitas vezes confiava a tarefa de diri-gir a investida contra os atacantes. Sua cabeça e a de um companheiro, Mírzá Muhammad-Báqír, foram enfiadas em lanças e levadas pelas ruas de Bárfurúsh em meio aos gri-tos e brados de um povo excitado.

9. Qambar-'Alí, o destemido e fiel servo de Mullá Hu-sayn, que o acompanhou em sua viagem a Máh-Kú e sofreu martírio na mesma noite em que seu mestre caiu vítima das balas do inimigo.

10. Hasan e 11. Qulí, que, juntamente com um homem de nome

Iskandar, nativo de Zanján, levaram o corpo de Mullá Husayn ao forte na noite de seu martírio e o pôs aos pés de Quddús. Ele, este mesmo Hasan, foi quem por ordens do chefe de polícia de Mashhad, foi conduzido de cabresto pelas ruas da cidade.

12. Muhammad-Hasan, irmão de Mullá Sádiq, que os camaradas de Khusraw mataram no caminho entre Bárfu-rúsh e o forte de Tabarsí. Ele se distinguiu por sua inabalá-vel constância e havia sido um dos servos no santuário do Imame Rida.

13. Siyyid Rida que, com Mullá Yúsuf-i-Ardibílí, foi incumbido por Quddús de um encontro com o príncipe e ao regressar, trouxe consigo o exemplar selado do Alcorão com o juramento que o príncipe escrevera. Era um dos bem conhecidos siyyids de Khurásán, de renome por sua eru-dição bem como pela integridade de seu caráter.

14. Mullá Mardán-'Alí, um dos companheiros notáveis de Khurásán, residente da aldeia de Míyámay, onde está situada, entre Sabzihvár e Sháh-Rúd, Uma cidadela bem for-tificada. Ele, com trinta e três companheiros, alistou-se sob a bandeira de Mullá Husayn no dia em que este passou por aquela aldeia. Foi no masjid de Míyámay, para o qual Mullá Husayn se havia retirado a fim de oferecer a oração con-gregacional de sexta-feira, que ele fez seu apelo profunda-

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mente comovedor, destacando o cumprimento da tradição sobre o Estandarte Negro a ser içado em Khurásán e se declarando seu portador. Seu eloqüente discurso impres-sionou profundamente seus ouvintes, tanto que, nesse mes-mo dia, a maioria dos que o ouviu, a maior parte dos quais eram homens de mérito sobressalente, se levantaram e o seguiram. Somente um daqueles trinta e três compa-nheiros, um de nome Mullá 'Isá, sobreviveu, e seus filhos estão atualmente na aldeia de Míyámay, ativos no serviço da Causa. Os nomes dos companheiros dessa aldeia que fo-ram martirizados são os seguintes:

15. Mullá Muhammad-Mihdí, 16. Mullá Muhammad-Ja'far, 17. Mullá Muhammad-ibn-i-Mullá Muhammad, 18. Mullá Rahím, 19. Mullá Muhammad-Ridá, 20. Mullá Muhammad-Husayn, 21. Mullá Muhammad, 22. Mullá Yúsuf, 23. Mullá Ya'qúb, 24. Mullá 'Ali, 25. Mullá Zaynu'l-'Abidín, 26. Mullá Muhammad, filho de Mullá ZaynuVAbidín, 27. Mullá Báqir, 28. Mullá 'Abdu'1-Muhammad, 29. Mullá Abu'1-Hasan, 30. Mullá Ismá'íl, 31. Mullá 'Abdu'l-'Alí, 32. Mullá Áqá-Bábá, 33. Mullá 'Abdu'1-Javád, 34. Mullá Muhammad Husayn, 35. Mullá Muhammad-Báqir, 36. Mullá Muhammad, 37. Hájí Hasan, 38. Karbilá'í 'Ali, 39. Mullá Karbilá'í 'Ali, 40. Karbilá'í Núr-Muhammad, 41. Muhammad-Ibráhím, 42. Muhammad-Sá'im, 43. Muhammad-Hádí,

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44. Siyyíd Mihdí, 45. Abú-Muhammad, Dos companheiros da aldeia de Sang-Sar, que forma

parte do distrito de Simnán, dezoito foram martirizados. Seus nomes são os seguintes:

46. Siyyid Ahmad, cujo corpo foi despedaçado por Mír-zá Muhammad-Taqí e pelos sete ulemás de Sarí. Era um sacerdote de renome e muito estimado por sua eloqüência ! sua piedade.

47. Mírzá Abu'1-Qásim, irmão de Siyyid Ahmad, ganhou a coroa do martírio na mesma noite em que Mullá Husayn foi morto.

48. Mírzá Mihdí, tio paterno de Siyyid Ahmad, 49. Mirzá Ibráhím, o cunhado de Siyyid Ahmad, 50. Safar-'Ali, filho de Karbilá'í 'Ali, que, com Karbi-

lá'í Muhammad, se esforçara tão fervorosamente para des-pertar o povo de Sang-Sar de seu sono de negligência. Am-bos foram impedidos pelas suas enfermidades de seguir ao forte de Tabarsí.

51. Muhammad-'Ali filho de Karbüá'í Abú-Muhammad, 52. Abu'1-Qásim, irmão de Muhammad-'Ali, 53. Karbilá'í Ibráhím. 54. 'Alí-Ahmad, 55. Mullá 'Alí-Akbar, 56. Mullá Husayn-'Ali, 57. 'Abbás-'Alí, 58. Husayn-'Ali, 59. Mullá 'Alí-Asghar, 60. Karbilá'í Ismá'íl, 61. 'Ali Khán, 62. Muhammad-Ibráhím, 63. 'Abdu'l-'Azím, Da aldeia de Shah-Mírzád, dois caíram enquanto defen-

diam o forte: 64. Mullá Abú-Rahím e 65. Karbilá'í Kázim. Quanto aos aderentes da Fé em Mázindarán, vinte e sete

mártires foram até agora registrados: 66. Mullá Riday-i-Sháh, 67. 'Azím,

169

Page 50: Os Rompedores da Alvorada Volume II parte 2

68. Karbilá'í Muhammad-Ja'far, 69. Siyyid Husayn, 70. Muhammad-Báqír, 71. Siyyid Raízáq, 72. Ustád Ibráhím, 73. Mullá Sa'id-i-Zirih-Kinárí, 74. Ridáy-i-'Arab, 75. Rasúl-i-Bahnimírí, 76. Muhammad-Husayn, irmão de Rasúl-i-Bahnimírí, 77. Táhir, 78. Shafí', 79. Qásim, 80. Mullá Muhammad-Ján, 81. Masíh, irmão de Mullá Muhammad-Ján. 82. Itá-Bábá, 83. Yúsuf, 84. Fadlulláh, 85. Babá, 86. Safí-Qulí, 87. Nizám, 88. R,úhu'lláh, 89. 'Alí-Qulí, 90. Sultán, 91. Ja'far, 92. Khalíl, Dos crentes de Savád-Kúh, os cinco nomes seguintes fo-

ram até agora verificados: 93. Karbilá-í Qambar-Kálish, 94. Mullá Nád-'Alíy-i-Mutavallí, 95. 'Abdu'1-Haqq, 96. Itábakí-Chupán, 97. Filho de Itábaki-Chúpán, Da cidade de Ardistán, os seguintes sofreram martírio: 98. Mírzá 'Alí-Muhammad, filho de Mírzá Muhammad-

Sa'íd, 99. Mírzá 'Abdu'-Vási', filho de Hájí 'Abdul-Vaháb,

100. Muhammad-Husayn, filho de Hájí Muhammad-Sá-diq,

101. Muhammad-Mihdí, filho de Hájí Muhammad-Ibrá-hím,

170

Page 51: Os Rompedores da Alvorada Volume II parte 2

102. Mírzá Ahmad, filho de Muhsin, 103. Mírzá Muhammad, filho de Mír Muhammad-Taqí, Da cidade de Isfáhán, trinta foram até agora registrados: 104. Mullá Ja'far, o peneirador de trigo, cujo nome foi

mencionado pelo Bata no Bayán Persa. 105. Ustád Áqá, cognominado Buzurg-Banná, 106. Ustád Hasan, filho de Ustád Áqá, 107. Ustád Muhammad, filho de Ustád Áqá, 108. Muhammad-Husayn, filho de Ustád Áqá, cujo ir-

mão mais moço, Ustád Ja'far, foi vendido várias vezes pelos inimigos, até que alcançou sua cidade natal, onde atualmen-te reside.

109. Ustád Qurbán-'Alíy-i-Banná, 110. 'Alí-Akbar, filho de Ustád Qurbán-'Alíy-i-Banná, 111. 'Abdu'lláh, filho de Ustád Qurbán-'Alíy-i-Banná, 112. Muhammad-i-Báqir-Naqsh, tio materno de Siyyid

Yahyá filho de Mírzá Muhammad-'Alíy-i-Nahrí. Ele tinha quatorze anos de idade e foi martirízado naquela mesma noite em que Mullá Husayn foi morto.

113. Mullá Muhammad-Taqí, 114. Mullá Muhammad-Ridá, ambos sendo irmãos do

falecido 'Abdu's-Sálih, o jardineiro do Ridván em Akká. 115. Mullá Ahmad-i-Saffár, 116. Mullá Husayn-i-Miskar, 117. Ahmad-i-Payvandí, 118. Hasan-i-Sha'r-Báf-i-Yazdí 119. Muhammad-Taqí, 120. Muhammad-'Attár, irmão de Hasan-í-Sha'r-Báf, 121. Mullá 'Abdu'1-Kháliq, que cortou sua garganta em

Badasht e a quem Táhirih deu o nome de Dhabíh. 122. Husayn, 123. Abu'1-Qásim, irmão de Husayn, 124. Mírzá Muhammad-Ridá, 125. Mullá Haydar, irmão de Mírzá Muhammad-Ridá, 126. Mírzá Mihdí, 127. Muhammad-Ibráhím, 128. Muhammad Husayn, cognominado Dastmál-Gírih-

Zan, 129. Muhammad-Hasan-i-Chít-Sáz, conhecido fabricante

de tecidos, que atingiu a presença do Báb,

171

Page 52: Os Rompedores da Alvorada Volume II parte 2

130. Muhammad-Husayn-i-'Attár, 131. Ustád Hájí Muhammad-i-Banná, 132. Mahmúd-i-Muqári'í, conhecido negociante em teci-

dos. Era recém-casado e havia atingido a presença do Báb no castelo de Chihríq. O Báb solicitou-lhe que seguisse a Jazíriy-i-Khadrá e prestasse auxílio a Quddús. Enquanto em Teerã, recebeu uma carta do irmão anunciando-lhe o nasci-mento de um filho e lhe instando que se apressasse a Isfá-hán para vê-lo e depois procedesse a qualquer lugar para que se sentisse inclinado. "Estou demasiado aceso com o amor a esta Causa para poder devotar alguma atenção a meu filho. Estou impaciente para estar com Quddús e alis-tar-me sob sua bandeira."

133. Siyyid Muhammad-Ridáy-i-Pá-Qal'iyí, eminente siy-yid e sacerdote altamente estimado, cuja declaração de seu propósito de se alistar sob o estandarte de Mullá Husayn causou grande tumulto entre os ülemás de Isfáhán.

Entre os crentes de Shíráz, os seguintes atingiram o grau de martírio:

134. Mullá *Abdu'lláh, conhecido também pelo nome de Mírzá Sálih,

135. Mullá Zaynu'l-'Abidín, 136. Mírzá Muhammad, Dos aderentes da Fé em Yazd, somente quatro foram

até agora registrados: 137. O siyyid que foi a pé todo o caminho de Khurásán

a Bárfurúsh, onde caiu vítima da bala do inimigo. 138. Siyyid Ahmad, pai de Siyyid Husayn-i-'Azíz, ama.

nuense do Báb, 139. Mírzá Muhammad-'Ali, filho de Siyyid Ahmad, que

foi decapitado pela bala de um canhão, enquanto permane-cia na entrada do forte e a quem, por causa de sua tenra idade, Quddús tinha grande amor e admiração.

140. Shaykh 'Ali, filho de Shaykh 'Abdu'1-Kháliq-i-Yazdí, residente de Mashhad, um jovem cujo entusiasmo e incan-sável energia eram muito elogiados por Mullá Husayn e Quddús.

Dos crentes de Qazvín, os seguintes foram martirizados: 141. Mírzá Muhammad-'Ali, sacerdote de renome, cujo

pai, Hájí Mullá 'Abdu'1-Vahháb, foi um dos mais eminentes

172

Page 53: Os Rompedores da Alvorada Volume II parte 2

mujtahids de Qazvín. Ele atingiu a presença do Báb em Shíráz e foi inscrito como uma das Letras dos Viventes.

142. Muhammad-Hádí, conhecido negociante, filho de Hájí 'Abdu'1-Karím, cognominado Bághtaán-Báshí,

143. Siyyid Ahmad, 144. Mírzá 'Abdu'1-Jalíl, sacerdote de renome, 145. Mírzá Mihdí, 146. Da aldeia de Lahárd, um homem chamado Hájí

Muhammad-'Alí, que havia sofrido muito em conseqüência do assassínio de Mullá Taqí em Qazvín.

Dos crentes de Khuy, os seguintes sofreram martírio. 147. Mullá Mihdí, eminente sacerdote, que fora um dos

estimados discípulos de Siyyid Kázim. Era célebre por sua erudição, sua eloqüência e sua firmeza de fé.

148. Mullá Mahmúd-i-Khu'í, irmão de Mullá Mihdí, uma das Letras dos Viventes e um sacerdote de renome.

149. Mullá Yúsuf-i-Ardibílí, uma das Letras dos Viven-tes, notável por sua erudição, seu entusiasmo e sua eloqüên-cia. Foi ele quem causou as apreensões de Hájí Karím Khán ao chegar em Kirmán e aterrorizou os corações de seus adversários. "Este homem," se ouviu Hájí Karím Khán di-zer a sua congregação, "deve forçosamente ser expulso desta cidade, pois se lhe for permitido permanecer, ele segura-mente causará o mesmo tumulto em Kirmán que já causou em Shíráz. O dano que ele infligirá será irreparável. A má-gica de sua eloqüência e a força de sua personalidade, se não já excedem as de Mullá Husayn, certamente não lhes são inferiores." Assim pode ele forçá-lo a abreviar sua es-tada em Kirmán e impedi-lo de, do púlpito, se dirigir ao povo. O Báb deu-lhe as seguintes instruções: "Deves visitar as cidades e várias localidades da Pérsia e convocar seus habitantes à Causa de Deus. No primeiro dia do mês de Muharram no ano de 1265 A.H. (54) deves estar em Mázin-darán e te levantar para prestar a Quddús todo o auxílio que puderes." Mullá Yúsuf, fiel às instruções de seu Mes-tre, recusou prolongar sua estada além de uma semana em qualquer das cidades ou localidades visitadas. Ao chegar em

(54) 27 de novembro de 1848 A. D.

173

Page 54: Os Rompedores da Alvorada Volume II parte 2

Mázindarán, foi preso pelas forças do Príncipe Mihdí-Qulí Mírzá, quem imediatamente o reconheceu e mandou encar-cerar. Foi ele solto, afinal, como já observamos, pelos com-panheiros de Mullá Husayn no dia da batalha de Vás-Kas.

150. Mullá Jalíl-i-Urúmí, uma das Letras dos Viventes, célebre por sua erudição, sua eloqüência, e pela tenacidade de sua fé.

151. Mullá Ahmad, residente de Marághih, uma das Le-tras dos Viventes e eminente discípulo de Siyyid Kázim.

152. Mullá Mihdíy-i-Kandí, companheiro de Bahá'u'Iláh e instrutor das crianças de Sua casa.

153. Mullá Báqir, irmão de Mullá Mihdí, sendo ambos homens de considerável erudição, de cujas habilidades Ba-há'u'lláh dá testemunho no "Kitáb-i-Iqán."

154. Siyyid Kázim, residente de Zanján e um de seus conhecidos mercadores. Ele atingiu a presença do Báb em Shíráz e O acompanhou a Isfáhán. Seu irmão, Siyyid Mur-tadá, foi um dos Sete Mártires de Teerã.

155. Iskandar, também residente de Zanján, que, com Hasan e Qulí, levou o corpo de Mullá Husayn ao forte.

156. Ismá'íl, 157. Karbilá'í-'Abdu'l-'Alí, 158. 'Abdu'1-Muhammad, 159. Hájí 'Abbás, 160. Siyyid Ahmad — todos residentes de Zanján. 161. Siyyid Husayn-i-Kuláh-Dúz, residente de Bárfurúsh,

cuja cabeça foi posta numa lança e exibida nas ruas. 162. Mullá Hasan-i-Rashtí, 163. Mullá Hasan-i-Bayájmandí, 164. Mullá Ni'matu'lláh-i-Bárfurúshí, 165. Mullá Muhammad-Taqíy-i-Qarákhílí, 166. Ustád Zaynu'l-'Abidín, 167. Ustád Qásim. filho de Ustád Zaynu'1-Abidín, 168. Ustád 'Alí-Akbar, irmão de Ustád Zaynu'1-Abidín. Os três últimos foram pedreiros de profissão, nativos

de Kirmán, e residiram em Qáyin na província de Khurásán. 169 e 170. Mullá Ridáy-i-Sháh e um jovem de Bahnimir

foram trucidados dois dias depois que Quddús abandonou a fortaleza, no Panj-Shanbih-Bázár de Bárfurúsh. Hájí Mullá Muhammad-i-Hamzih, cognominado Sharí'at-Madár, conse-

174

Page 55: Os Rompedores da Alvorada Volume II parte 2

guiu enterrar seus corpos na vizinhança de Masjid-i-Kázím-Big e induzir seu assassino a se arrepender e pedir perdão.

171. Mullá Muhammad-i-Mu'allim-i-Núrí, íntimo compa-nheiro de Bahá'u'lláh e com Ele estreitamente associado em Núr, em Teerã e em Mázindarán. Era famoso por sua inte-ligência e erudição e foi sujeitado às mais severas atroci-dades que sobrevieram a qualquer defensor do forte de Tabarsí, excetuando-se somente Quddús. O príncipe havia prometido libertá-lo se ele execrasse o nome de Quddús, e lhe tinha dado sua palavra que, se ele consentisse em se retratar, o levaria a Teerã e o faria o instrutor de seus filhos. "Nunca consentirei," respondeu, "em vilificar o bem-amado de Deus a mando de um homem como vós. Fosseis vós me conferir o reino inteiro da Pérsia, nem por um mo-mento voltaria a face de meu bem-amado mestre. Meu corpo está à mercê de vós, minh'alma não tendes o poder de dominar. Torturai-me como quiserdes, a fim de que eu vos possa demonstrar a verdade do versículo: 'Desejai, pois, a morte, se sois homens da verdade (55).'" O príncipe, enfu-recido com sua resposta, deu ordens para que seu corpo fosse despedaçado e não fossem poupados esforços para lhe infligir o mais humilhante castigo.

172. Hájí Muhammad-i-Karrádí, cuja casa era situada em uma das alamedas de palmeiras adjacentes à velha ci-dade de Bagdá, homem de grande coragem, que lutara e chefiara cem homens na guerra contra Ibráhím Páshá do Egito. Fora fervoroso discípulo de Siyyid Kazím, sendo au-tor de um longo poema no qual se estendia sobre as virtu-des e os méritos do siyyid. Tinha a idade de setenta e cinco anos quando abraçou a Fé do Báb, a quem, semelhante-mente, elogiou em um poema minucioso e eloqüente. Dis-tinguiu-se pelos atos heróicos durante o assédio do forte e foi, afinal, vítima das balas do inimigo.

173. Sa'íd-i-Jabbáví, nativo de Bagdá, que exibiu cora-gem extraordinária durante o assédio. Embora gravemente ferido, com um tiro no abdômen, conseguiu ir a pé até alcan-çar a presença de Quddús. Jubilosamente se lançou a seus pés e expirou.

(55) Alcorão 2:94.

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As circunstâncias do martírio destes dois últimos com-panheiros foram relatadas por Siyyid Abú-Tálib-I-Sang-Sarí, um dos que sobreviveram àquele memorável assédio, em uma comunicação dirigida a Bahá'u'lláh. Nela relata ele tam-bém sua própria história, bem como a de seus dois irmãos, Siyyid Ahmad e Mír Abu'1-Qásim, ambos martirizados en-quanto defendiam o forte. "No dia em que Khusraw foi morto," escreveu ele, "aconteceu que eu era hóspede de um certo Karbilá'í 'Alí-Ján, o kad-khudá (56) de uma das aldeias nas proximidades do forte. Ele havia ido dar sua assistên-cia para a proteção de Khusraw e, ao regressar, me relatou as circunstâncias que acompanharam sua morte. Nesse mes-mo dia informou-me um mensageiro de que dois árabes haviam chegado naquela aldeia e estavam ansiosos de se unir com os ocupantes do forte. Expressaram seu medo do povo da aldeia de Qádí-Kalá e prometeram recompensar amplamente qualquer um que consentisse em conduzi-los a seu destino. Recordei os conselhos de meu pai, Mír Muham-mad-'Alí, que me exortava a levantar-me e ajudar a promo-ver a Causa do Báb. De imediato decidi aproveitar a opor-tunidade a mim apresentada e, na companhia desses dois árabes, e com o auxílio do kad-khudá, alcancei o forte, en-contrei com Mullá Husayn e determinei consagrar os dias restantes de minha vida ao serviço da Causa que ele se dignara seguir."

Os nomes de alguns dos oficiais que se distinguiram entre os opositores dos companheiros de Quddús, são os seguintes:

1. O Príncipe Mihdí-Qulí Mírzá, irmão do falecido Mu-hammad Sháh,

2. Sulaymán Khán-i-Afshár, 3. Hájí Mustafá Khán-i-Súr-Tíj, 4. 'Abdu'lláh Khán, irmão de Hájí Mustafá Khán, 5. 'Abbás-Qulí Khán-i-Láríjání, que fuzilou Mullá Hu-

sayn, 6. Núru'lláh Khán-i-Afghán, 7. Habídu'lláh Khán-i-Afghán, 8. Dhu'-Faqár Khán-i-Karávulí,

(56) Veja glossário.

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9. 'Alí-Asghar Khán-i-Dungi'í, 10. Khudá-Murád Khán-i-Kurd, 11. Khálíl Khán-i-Savád-Kúhí, 12. Ja'far-Qulí Khán-i-Surkh-Karri'í, 13. O Sartíp do Fawj-i-Kalbát, 14. Zakaríyyáy-i-Qádí-Kalá'í, primo de Khusraw e seu

sucessor. Quanto àqueles crentes que participaram naquele assédio

memorável e sobreviveram a seu trágico fim, não pude até agora certificar-me de seu número ou de seus nomes com-pletamente. Contentei-me com uma lista representativa, em-bora incompleta, dos nomes de seus mártires, confiante de que, nos dias vindouros, os valorosos promotores da Fé se levantarão para preencher essa lacuna e através de suas pes-quisas e sua diligência, conseguirão remedfar as imperfei-ções desta descrição, absolutamente inadequada, daquilo que para sempre permanecerá um dos mais comovedores episó-dios dos tempos modernos.

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CAPÍTULO XXI OS SETE MÁRTIRES DE TEERÃ

A notícia do trágico destino que sobreviera aos heróis de Tabarsí trouxe imensurável tristeza ao coração do Báb. Confinado em Seu castelo-prisão de Chihríq, afastado do pe-queno grupo de Seus discípulos em luta, Ele notava com ansiedade intensa o progresso de seus labores e, com inalte-rável zelo, orava por sua vitória. Como foi grande Sua tris-teza quando, nos primeiros dias de Sha'bán no ano de 1265 A.H. (1), veio a saber das provações que lhes cercaram o caminho, da agonia por eles sofrida, da traição à qual um inimigo exasperado se sentira compelido a recorrer e da abominável carnificina com a qual sua carreira terminara.

"O Báb estava de coração dilacerado," relatou subse-qüentemente Seu amanuense, Siyyid Husayn-i-'Azíz, "ao re-ceber essa inesperada notícia. Estava esmagado de pesar, um pesar que Lhe emudeceu a voz e silenciou a pena. Durante nove dias recusou Ele a receber qualquer de Seus amigos. A mim mesmo, embora Seu íntimo e constante assistente, foi recusado acesso. Qualquer que fosse o alimento ou a be-bida que Lhe oferecêssemos, Ele não estava disposto a tocá-lo. Lágrimas choviam continuamente de Seus olhos e expres-sões de angústia caíam de Seus lábios sem cessar. Eu podia ouvir, por detrás da cortina, como Ele desabafava Seus pe-sares enquanto, no isolamento de Sua cela, comungava com Seu Bem-Amado. Tentei anotar as efusões de Sua tristeza

(1) 22 de junho — 21 de julho de 1849 A. D.

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à medida que emanavam de Seu coração ferido. Suspeitando que eu estava tentando preservar as lamentações que Ele expressava, mandou que eu destruísse qualquer coisa que tivesse anotado. Nada resta dos gemidos e prantos com os quais aquele coração sobrecarregado procurava aliviar-se das dores que o haviam acabrunhado. Por um período de cinco meses Ele languescia, imerso era um oceano de abatimento e tristeza."

Com o advento de Muharram no ano de 1266 A.H. (2), o Báb reassumiu o cargo que Ele se sentira compelido a interromper. A primeira página que escreveu foi dedicada à memória de Mullá Husayn. Na Epístola de Visitação re-velada em sua honra elogiou, em termos comoventes, a inal-terável fidelidade com que serviu a Quddús durante todo o assédio do forte de Tabarsí. Prodigalizou Seus elogios pela conduta magnânima, contou suas façanhas e asseverou sua indubitável reunião no mundo do além com o mestre a quem tão nobremente servira. Escreveu que breve, também, estaria Ele com aqueles seres gêmeos imortais, dos quais cada um com sua vida e com sua morte havia prestado imperecível brilho à Fé de Deus. Por uma semana inteira continuou o Báb a escrever Seus elogios a Quddús, a Mullá Husayn e a Seus outros companheiros que ganharam a coroa do martírio em Tabarsí.

Assim que completara esses elogios daqueles que haviam imortalizado seus nomes na defesa do forte, Ele chamou no dia de Ashúrá (3), Mullá Ádí-Guzal (4), um dos crentes de Marághih que, havia dois meses, Lhe servia de assistente no lugar de Siyyid Hasan, irmão de Siyyid Husayn-i-'Azíz. Re-cebeu-o carinhosamente, conferiu-lhe o nome Sayyáh, entre-gou a seu cuidado as Epístolas de Visitação que revelara em memória dos mártires de Tabarsí e o mandou fazer, em Seu nome, uma peregrinação àquele recinto. "Levanta-te," solici-

(2) 17 de novembro — 17 de dezembro de 1849 A. D. (3) O décimo d''a do Muharram, aniversário do martírio do Ima-

me Husayn, que nesse ano caiu em 26 de novembro de 1849 A. D. (4) Segundo "Kashfu'1-Ghitá" (p. 24), seu nome completo era

Mírzá 'Alíy-i-Sayyáh-i-Marághih'í. Havia sido servente do Báb em Máh-Kú. figurava entre Seus companheiros mais destacados e posteriormen-te aceitou a mensagem de Bahá'u'lláh.

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tou-lhe Ele, "e, com desprendimento completo segue, nos tra-jes de viajante, a Mázindarán, onde deves visitar em Meu nome, o lugar que encerra os corpos daqueles imortais que, com seu sangue selaram sua fé em Minha Causa. Quando te aproximares das cercanias daquele terreno sagrado, tira os sapatos e, curvando a cabeça em reverência a sua memória, invoca seus nomes e em atitude de oração anda em volta de seu santuário. Traz-me de volta como lembrança de tua vi-sita um punhado daquela terra sagrada que cobre os restos mortais de Meus bem-amados, Quddús e Mullá Husayn. Es-força-te para regressar antes do dia do Naw-Rúz, a fim de que possas celebrar comigo esse festival, o único, provavel-mente, que hei de ver."

Fiel às instruções recebidas, Sayyáh partiu em sua pe-regrinação a Mázindarán. Chegou ao destino no primeiro dia de Rabí'u'1-Awal no ano de 1266 A.H. (5) e, antes do nono dia do mesmo mês (6), o primeiro aniversário do martírio de Mullá Husayn, havia ele consumado a visita e cumprido a missão que lhe fora confiada. Daí procedeu a Teerã.

Tenho ouvido Aqáy-i-Kalím, que recebeu Sayyáh na en-trada da casa de Bahá'u'lláh em Teerã, relatar o seguinte: "Foi em pleno inverno quando Sayyáh, voltando de sua pe-regrinação, veio visitar Bahá'u'lláh. A despeito do frio e da neve de um inverno rigoroso, ele apareceu nas vestes de um dervixe, com roupas pobres, descalço e desgrenhado. Seu coração estava inflamado com a chama que aquela pere-grinação ateara. Logo que Siyyid Yayáy-i-Dárábí, cognomi-nado Vahíd, então hospedado na casa de Bahá'u'lláh, foi in-formado do regresso de Sayyáh do forte de Tabarsí, ele, es-quecido da pompa e cerimônia à qual um homem de sua posição estava acostumado, precipitadamente lançou-se aos pés do peregrino. Em seus braços segurando-lhe as pernas, que haviam sido cobertas de lama até os joelhos, beijou-as devotadamente. Admirei-me muito naquele dia, das numero-sas evidências de amorosa solicitude mostrada por Bahá'u'-lláh a Vahíd. Conferiu-lhe tais favores como jamais eu O

(5) 15 de janeiro de 1850 A. D. (6) 23 de janeiro de 1850 A. D.

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havia visto prestar a qualquer pessoa. A Sua maneira de conversar não deixou em mim dúvida alguma de que esse mesmo Vahíd se distinguiria, dentro em breve, por façanhas não menos notáveis do que aquelas que haviam imortali-zado os defensores do forte de Tabarsí."

Sayyáh permaneceu alguns dias naquela casa. Ele não pode perceber no entanto como Vahíd, a natureza daquele poder que jazia latente em seu Anfitrião. Embora a ele mes-mo Bahá'u'lláh mostrasse extremo favor, ele não apreendeu o significado das bênçãos que lhe estavam sendo prodigali-zadas. Eu o tenho ouvido assim relatar as experiências du-rante sua estada em Famagusta: "Diante da excessiva bon-dade de Bahá'u'lláh, fiquei atônito. Quanto a Vahíd, não obstante a sua eminente posição, ele a mim dava preferência em vez de si próprio, invariavelmente, quando na presença de seu anfitrião. No dia de minha chegada de Mázindarán, ele até me beijou os pés. Assombrei-me da recepção que me foi concedida nessa casa. Embora imerso num mar de graças, deixei de apreciar, naqueles dias, a posição então ocupada por Bahá'u'lláh, nem pude eu suspeitar, nem sequer leve-mente, a natureza da Missão que Ele era destinado a cum-prir."

Antes da partida de Sayyáh de Teerã, Bahá'u'lláh lhe entregou uma epístola, o texto da qual Ele ditara a Mírzá Yahyá (7) e a mandou em nome dele. Pouco depois, foi re-cebida uma resposta escrita pelo Báb de próprio punho, na qual Ele entrega Mírzá Yahyá aos cuidados de Báhá'u'lláh e recomenda que seja prestada atenção a sua educação e a seu treino. Essa comunicação o povo do Bayán (8) tem in-terpretado erroneamente como evidência das exageradas pretensões (9) avançadas em favor de seu líder. Embora o texto dessa resposta esteja absolutamente destituído de tais pretensões e não contenha referência alguma a sua alegada posição, além do elogio que confere a Bahá'u'lláh e o pedido

(7) Apelidado Subh-i-Azal. (8) Os seguidores de Mirzá Yahyá. (9) "As pretensões deste jovem se baseavam num documento

nominativo atualmente em poder do Prof. E. G. Browne e foram apoia-das por uma carta dada numa versão francesa pelo Mons. Nicolas. Entretanto, como os falsificadores têm tido um papel tão destacado

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sobre a educação de Mírzá Yahyá, seus adeptos, entretanto, têm imaginado futilmente que essa carta constitua uma as-serção da autoridade da qual eles o têm investido (10).

A esta altura de minha narrativa, quando já tenho re-latado os acontecimentos mais salientes durante o ano de 1265 A.H. (11), lembro-me que esse mesmo ano testemunhou o acontecimento mais significativo de minha própria vida, acontecimento esse que assinalou meu renascimento espiri-tual, minha libertação dos grilhões do passado e minha acei-tação da mensagem desta Revelação. Solicito a indulgência do leitor se me estender em demasia sobre as circunstâncias dos anos iniciais de minha vida e relatar com minúcias ex-cessivas os acontecimentos que levaram a minha conversão. Meu pai pertencia à tribo de Táhirí, cujos membros viviam como nômades na província de Khurásán. Seu nome era Ghulám 'Ali, filho de Husayn-i-'Arab. Casou com a filha de Kalb-'Alí, tendo com ela três filhos e três filhas. Eu fui o segundo filho e me foi dado o nome de Yár-Muhammad. Nasci no décimo oitavo dia de Safar no ano de 1247 A.H. (12), na aldeia de Zarand. Era pastor de profissão e recebi em meus primeiros anos uma educação muito rudimentar. Eu ansiava por devotar mais tempo a meus estudos, mas não me foi possível, devido às exigências de minha situação. Lia com avidez o Alcorão e decorei algumas de suas passagens, as quais entoava enquanto seguia meu rebanho nos campos.

no Oriente, recuso-me a reconhecer a autenticidade desta nominação. E creio que nenhum grupo de homens verdadeiramente sérios e respon-sáveis aceitaria o documento pela evidência de seu próprio conhecimento sobre os insuficientes dotes de Subh-i-Azal. . . O mais provável é que ele tenha feito um arranjo, ou seja, que BaháVlláh assumisse no mo-mento a direção privada das atividades e exerceria seus grandes dotes como mestre, enquanto Subh-i-Azal (um jovem vaidoso) daria seu nome como o cabeça visível, sobretudo para os estranhos e para agentes do governo". (Dr. T. K. Cheyne "The Reconciliation of Races and Reli-gions". pp. 118-119).

(10) "Conjuro-os, por Deus, o Único, o Forte, o Onipotente, que mediteis em vosso coração os escritos que foram enviados em seu nome (de Mírzá Yahyá) ao Ponto Primordial (o Báb), para que possais distinguir, com meridiana claridade, os sinais do Verdadeiro". ("The Epistle to the Son of the Wolf", Bahá'u'lláh, p. 125).

(11) 1848-9 A. D. (12) 29 de julho de 1831 A. D.

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Eu amava a solidão e à noite, fitava as estrelas com deleite e assombro. No silêncio da selva, recitava certas orações atribuídas ao Imame 'Ali, Comandante dos Fiéis e enquanto eu volvia a face para o Qiblih (13), suplicava ao Todo-Pode-roso que guiasse meus passos e me ajudasse a encontrar a Verdade.

Meu pai muitas vezes me levava com ele a Qum, onde conheci os ensinamentos do Islã e os modos e as maneiras de seus dirigentes. Ele era um devotado seguidor dessa Fé e intimamente associado com os líderes eclesiásticos que se congregavam nessa cidade. Eu observava-o enquanto ele orava no Masjid-i-Imám-Hasan e executava, com escrupu-Ioso cuidado e extrema piedade todos os rituais e cerimônias prescritas por sua Fé. Eu ouvia a pregação de vários emi-nentes mujtahids que haviam chegado de Najaf, assistia suas conferências e escutava seus debates. Gradualmente vim a perceber sua insinceridade e a detestar a vileza de seu caráter. Por ansioso que eu estivesse de me certificar da fidedignidade dos credos e dogmas que eles queriam me impor, nem pude achar tempo nem obter as facilidades com que satisfazer meu desejo. Freqüentemente era eu repre-endido por meu pai por causa de minha temeridade e inquie-tação. "Receio," observava ele muitas vezes, "que tua aver-são a esses mujtahids te possa algum dia envolver em grandes dificuldades e te trazer censura e opróbrio."

Estava na aldeia de Rubát-Karím, visitando um tio ma-terno quando, no décimo dia após o Naw-Rúz, no ano de 1263 A.H. (14), ouvi por acaso no masjid dessa aldeia uma conversação entre dois homens por meio da qual primeiro conheci a Revelação do Báb. "Já soubeste," perguntou um deles, "que o Siyyid-i-Báb foi conduzido à aldeia de Kinár-Gird e está procedendo a Teerã?" Verificando que o amigo ignorava esse episódio, procedeu a relatar toda a história do Báb, descrevendo em detalhe as circunstâncias em que foi feita Sua Declaração, Seu aprisionamento em Shíráz, Sua partida para Isfáhán, a recepção que Lhe foi dada pelo Imám-Jum'ih como por Manúchihr Khán, os prodígios e maravilhas

(13) Veja glossário. (14) 1847 A. D.

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por Ele manifestados e o veredito que os ulemás de Isfáhán haviam contra Ele pronunciado. Cada detalhe daquela nar-ração despertou minha curiosidade e excitou em mim intensa admiração por um Homem que podia exercer tão mágica influência sobre seus conterrâneos. Sua luz parecia me ha-ver inundado a alma; sentia-me como se já estivesse con-vertido para Sua Causa.

De Rubát-Karím regressei a Zarand. Meu pai comentou minha inquietação e se admirou de meu comportamento. Eu não tinha mais apetite nem desejo de dormir, mas estava determinado a esconder de meu pai o segredo de minha agi-tação interior, para que a descoberta não viesse a impedir eventualmente a realização de minhas esperanças. Permaneci nesse estado até que um certo Siyyid Husayn-i-Zavárí'í veio a Zarand e me pode esclarecer sobre um assunto que se tor-nara a dominante paixão de minha vida. Esse conhecimento desenvolveu-se rapidamente em uma amizade que me animou a com ele compartilhar o anelo de meu coração. Para grande surpresa minha, descobri estar ele já cativado pelo segredo do tema que eu começara a lhe revelar. "Um de meus pri-mos," relatou ele, "Siyyid Ismá'íl-i-Zavárí'i de nome, con-venceu-me da verdade da Mensagem proclamada pelo Siyyid-i-Báb. Informou-me de que várias vezes se encontrara com o Siyyid-i-Báb na casa do Imám-Jum'ih de Isfáhán e de fato O havia visto revelar, na presença de Seu anfitrião, um co-mentário sobre a Sura de Va'l-'Asr (15). A rapidez com que o Báb compunha e Seu estilo dinâmico e original lhe haviam excitado a surpresa e a admiração. Espantou-lhe verificar que, enquanto revelava Seu comentário e sem diminuir a ce-leridade com que escrevia, Ele pode responder a quaisquer perguntas que aqueles presentes se sentissem movidos a Lhe fazer. A intrepidez com a qual meu primo se levantou para pregar a Mensagem, incitou a hostilidade dos kad-khudás (16) e siyyids de Zavárih, e estes o obrigaram a regressar a Isfá-hán, onde recentemente residira. Eu, também, não podendo permanecer em Zavárih, parti para Káshán, cidade era que passei o inverno e onde conheci Hájí Mirzá Jání, de quem

(15) Alcorão, 103. (16) Veja glossário.

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meu primo havia falado e quem me deu um tratado escrito pelo Báb, intitulado 'Risáliy-i-'Adlíyyih,' o qual ele me solici-tava a ler cuidadosamente e lhe devolver depois de alguns dias. Fiquei tão encantado pelo tema e pela linguagem desse tratado que de imediato procedi a transcrever o texto in-teiro. Quando fui devolvê-lo a seu dono, soube com profun-da tristeza que eu havia perdido a oportunidade de conhe-cer seu Autor. 'O próprio Siyyid-i-Báb,' disse-me ele 'chegou na véspera do dia de Naw-Rúz e passou três noites como hóspede em minha casa. Ele está agora viajando a Teerã e; se partires imediatamente, de certo O alcançarás.' Logo me levantei e parti, indo a pé todo o caminho de Káshán até uma fortaleza na vizinhança de Kinár-Gird. Eu estava descansando na sombra de seus muros, quando um homem de aspecto amável saiu da fortaleza e me pergun-tou quem eu era e aonde ia. 'Sou um pobre siyyid, res-pondi, 'em viagem e estranho nesse lugar.' Ele me levou a sua casa e me convidou a passar a noite como seu hóspede. Durante nossa conversação, ele disse: 'Suspeito que sois um seguidor do Siyyid que passou alguns dias nesta fortaleza, donde foi transferido para a aldeia de Kulayn, e que, há três dias passados, partiu para Adhirbáyján. Eu me julgo um de Seus aderentes. Meu nome é Hájí Zaynu'1-Abi-dín. Era minha intenção não me separar Dele, mas Ele me mandou permanecer neste lugar e transmitir a quaisquer de Seus amigos com quem me encontrasse neste lugar Suas amorosas saudações e dissuadi-los de O seguir. "Dize-lhes." instruiu-me Ele, "que consagrem suas vidas ao serviço de Minha Causa, para que porventura as barreiras que impe-dem o progresso desta Fé sejam removidas e assim possam Meus seguidores, com segurança e liberdade, adorar seu Deus e observar os preceitos de sua Fé." Abandonei meu projeto de imediato e, em vez de voltar a Qum, decidi vir a este lugar.'"

A história que este Siyyid Husayn-i-Zavári'í me relatou serviu para me aliviar a agitação. Ele partilhou comigo a cópia do "Risáliy-i-'Adlíyyih" que havia trazido consigo, a leitura do qual me fortaleceu e reanimou a alma. Naqueles dias era eu discípulo de um siyyid que me ensinava o Alco-rão e cuja incapacidade de me esclarecer sobre os preceitos

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de sua Fé se tornava cada vez mais evidente aos meus olhos. Siyyid Husayn, a quem pedi mais informação a respeito da Causa, me aconselhou que procurasse me encontrar com Siyyid Ismá'íl-i-Zavárí'i, cujo costume era, invariavelmente, visitar toda primavera, os santuários dos imám-zádihs (17) de Qum. Induzi meu pai, que não queria se separar de mim, a me mandar àquela cidade com o fim de aperfeiçoar meu conhecimento da língua árabe. Tomei o cuidado de lhe ocultar meu verdadeiro propósito, receoso de que sua revelação o envolvesse em alguns embaraços com o Qádí (18) e os ule-más de Zarand e me impedisse de atingir meu objetivo.

Enquanto estive em Qum, vieram minha mãe, minha irmã e meu irmão visitar-me na ocasião do festival de Naw-Rúz e passaram comigo cerca de um mês. Durante sua vi-sita, pude esclarecer minha mãe e minha irmã sobre a nova Revelação, e consegui acender em seus corações o amor de seu Autor. Poucos dias após seu regresso a Zarand, veio Siyyid Ismá'íl, a quem eu com impaciência esperava e, no decorrer de suas dissertações comigo, pôde ele expor em de-talhe tudo o que era necessário para me conquistar comple-tamente para a Causa. Deu ele ênfase à continuidade da Re-velação Divina, asseverando a unidade fundamental dos Pro-fetas do passado e explicando sua estreita relação à Missão do Báb. Revelou-me ele também a natureza do trabalho realizado por Shaykh Ahmad-i-Ahsá'í a Siyyid Kázim-i-Ra-shtí, de nenhum dos quais ouvira eu, antes disso, falar. Per-guntei a respeito do dever, no tempo atual, de cada aderente fiel da Fé. "A injunção do Báb," respondeu ele, "é que todos aqueles que aceitaram Sua Mensagem devem ir a Mázindarán e prestar auxílio a Quddús, que está agora cercado pelas forças de um inimigo implacável." Expressei minha ansie-dade de acompanhá-lo, pois ele mesmo tencionava viajar ao forte de Tabarsí. Aconselhou-me ele, entretanto, a permane-cer em Qum na companhia de um certo Mírzá Fath'lláh-i-Hakkák, jovem de minha idade recentemente por ele guiado à Causa, até receber sua mensagem de Teerã.

(17) Veja glossário. (18) Veja glossário.

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Em vão esperei essa mensagem e, vendo que não vinha dele notícia alguma, decidi partir para a capital. Meu amigo Mírzá Fathlláh seguiu-me subseqüentemente. Foi afinal pre-so e participou da sorte daqueles que foram mortos no ano de 1268 A.H. (19) em conseqüência da tentativa contra a vida do Xá. Ao chegar em Teerã, fui diretamente ao Masjid-i-Sháh, em frente de um madrisih (20), na entrada do qual eu mais tarde, inesperadamente, encontrei Siyyid Ismá'íl-i-Zavárfi. Apressou-se ele a me informar que acabava de me escrever uma carta e estava prestes a despachá-la a Qum.

Estávamos nos preparando para sair para Mázindarán, quando nos veio a notícia de que os defensores do forte de Tabarsí haviam sido traiçoeiramente trucidados e que o pró-prio forte fora arrasado. Acabrunhou-nos de angústia essa notícia horrenda e lamentamos o trágico destino daqueles que tão heroicamente defenderam sua bem-amada Causa. Um dia, inesperadamente, encontrei com meu tio materno. Naw-Rúz 'Ali, que havia vindo expressamente para me bus-car. Informei Siyyid Ismá'íl, quem me aconselhou que fosse a Zarand e não incitasse mais hostilidades por parte dos que estavam insistindo em minha volta.

Ao chegar na minha aldeia natal, tive êxito em conven-cer meu irmão da verdade da Causa já abraçada por minha mãe e minha irmã. Consegui também induzir meu pai a per-mitir que eu saísse outra vez para Teerã. Fui residir no mesmo madrisih onde fora acomodado na visita anterior e lá encontrei com um certo Mullá 'Abdu'1-Karím, a quem. eu soube subseqüentemente, Bahá'u'lláh dera o nome de Mír-zá Ahmad. Ele me recebeu afetuosamente e me disse que Siyyid Ismá'íl me entregara a seu cuidado e desejava que permanecesse em sua companhia até o regresso dele a Teerã. Os dias passados na companhia de Mírzá Ahmad jamais se-rão esquecidos. Verifiquei ser ele a própria encarnação do amor e da bondade. As palavras com as quais ele me ins-pirava e me animava a fé estão indelevelmente gravadas em meu coração.

(19) 1851-2 A. D. (20) Veja glossário.

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Por seu intermédio fui apresentado aos discípulos do Báb, com quem me associei e de quem obtive mais com-pletas informações sobre os ensinamentos da Fé. Mírzá Ah-mad naqueles dias ganhava o sustento como escrivão e dedi-cava as noites ao trabalho de copiar o Bayán Persa e outros escritos do Báb. As cópias que ele tão devotadamente pre-parava eram dadas de presente a seus co-discípulos. Fui eu mesmo várias vezes portador desses presentes dele à esposa de Mullá Mihdíy-i-Kandí, que abandonara o filho recém-nas-cido e se apressara a se unir com os ocupantes do forte de Tabarsí.

Durante aqueles dias fui informado de que Táhirih, que sempre desde o término da reunião em Badasht, residira em Núr, havia chegado em Teerã e estava confinado na casa de Mahmúd Khán-i-Kalantar onde, embora presa, era tratada com consideração e cortesia.

Um dia Mírzá Ahmad conduziu-me à casa de BaháV-lláh cuja esposa, a VaragatuVUlyá (21), mãe do Maior Ramo (22), já havia curado meus olhos com um ungüento que ela mesma preparara e me enviara por este mesmo Mírzá Ahmad. A primeira pessoa que encontrei nessa casa foi aquele mesmo bem-amado Filho seu, então uma criança de seis anos. Ele deu-me um sorriso de boas-vindas enquan-to ficava em pé na porta do aposento ocupado por Bahá'u'-Uáh. Passei essa porta e fui conduzido à presença de Mírzá Yahyá, inteiramente inconsciente da posição Daquele que ocupava o aposento que eu deixara atrás. Ao encontrar face a face com Mírzá Yahyá, fiquei chocado, logo que observei suas feições e notei sua conversação, ao perceber como era ele completamente indigno da posição à qual pretendera.

Em outra ocasião, quando visitei a mesma casa, eu es-tava prestes a entrar no aposento ocupado por Mírzá Yahyá quando Aqáy-i-Kalím, a quem conhecera anteriormente, de mim se aproximou e me pediu, porque Isfandíyár, seu ser-vo, havia ido ao mercado e não voltando ainda, que eu le-vasse "Aqá" (23) ao Madrisiy-i-Mírzá-Sálih em seu lugar e

(21) Literalmente "A Folha Mais Exaltada". (22) Título de 'Abdu'1 Bahá. (23) Significa "Mestre", titulo pelo qual se designava nesse mo-

mento à 'Abdu'1-Bahá.

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então regressasse aí. De bom grado consenti e, enquanto me preparava para sair, vi o Maior Ramo, uma criança de ex-traordinária beleza, que usava o kuláh (24) e o jubbiy-i-hi-zári'í (25), sair do aposento ocupado pelo Seu Pai e descer a escada que conduzia ao portão da casa. Avancei e estendi os braços para levá-lo. "Andaremos juntos," disse-me, en-quanto tomou minha mão e me conduziu para fora da casa. Conversamos enquanto caminhávamos de mãos dadas era direção ao madrisih, conhecido naqueles dias pelo nome de Pá-Minár. Ao chegarmos em Sua sala de aula, Ele se virou a mim e disse: "Venha outra vez esta tarde e leva-me de volta a minha casa, pois Isfandíyár não poderá vir buscar-me. Meu Pai precisará dele hoje." Com prazer aquiesci e re-gressei de imediato à casa de Bahá'u'lláh. Lá novamente en-contrei com Mírzá Yahyá, quem entregou em minhas mãos uma carta, a qual ele me pediu levasse ao Madrisiy-i-Badr e desse a Bahá'u'lláh, o qual seria encontrado no aposento ocupado por Mullá Báqir-i-Bastámí. Pediu-me que trouxesse a resposta imediatamente. Cumpri a tarefa e regressei ao madrisih em tempo para conduzir o Maior Ramo a Sua casa.

Um dia fui convidado por Mírzá Ahmad para conhecer Hájí Mírzá Siyyid 'Ali, tio materno do Báb, que recentemen-te regressara de Chihríq e estava hospedado na casa de Mu-hammad Bib-i-Chapárchí nas proximidades do portão de Shimírán. Impressionaram-me, ao fitar-lhe a face, a nobreza de suas feições e a serenidade de seu semblante. Visitas sub-seqüentes serviram para aumentar minha admiração pela doçura de seu temperamento, por sua piedade mística e for-ça de caráter. Recordo muito bem como, em uma ocasião, Aqáy-i-Kalím lhe solicitava, numa certa reunião, que saísse de Teerã, então em estado de grande fermento, e escapasse de sua perigosa atmosfera. "Por que preocupar-se com mi-nha segurança," respondeu ele, confiante. "Oxalá pudesse eu também participar do banquete que a mão da Providência está oferecendo a Seus escolhidos!"

Pouco depois, os instigadores do mal conseguiram fo-mentar um grave distúrbio nessa cidade. A causa imediata

(24) Veja glossário. (25) Certo tipo de sobretudo.

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disso foi a ação de um certo siyyid de Kashán que residia no Madrisiy-i-Dáru'sh-Shafá, em quem o conhecido Siyyid Mu-hammad confiara e a quem ele declarara haver convertido aos ensinamentos do Báb. Mírzá Muhammad-Husayn-i-Kir-mání, que tinha acomodações naquele mesmo madrisih e que era conferencista de renome sobre as doutrinas metafí-sicas do Islã, tentou várias vezes induzir Siyyid Muhammad, que era um de seus discípulos, a cortar relações com esse siyyid, por não achá-lo digno de confiança e lhe recusar acesso à reunião dos crentes. Siyyid Muhammad, entretan-to, não se dispôs a ser admoestado por essa advertência e continuou a se associar com ele até o princípio do mês de Rabí'u'th-Thání, no ano de 1266 A.H. (26), quando o siyyid traiçoeiro foi a um certo Siyyid Husayn, um dos ulemás de Káshán, em cujas mãos entregou os nomes e endereços de cerca de cinqüenta dos crentes que então residiam em Teerã. Essa mesma lista foi submetida imediatamente por Siyyid Husayn a Mahmúd Khán-i-Kalantar, que ordenou que todos eles fossem presos. Quatorze foram apreendidos e le-vados à presença das autoridades.

No dia era que foram presos, por acaso, eu estava com meu irmão e meu tio materno recém-chegados de Zarand e hospedados em um caravansarai fora do portão de Naw. Na manhã seguinte, partiram em direção a Zarand e eu, ao voltar ao Madrisiy-i-Dáru'sh-Shafá, descobri em meu quar-to um pacote, em cima do qual estava colocada uma carta endereçada a mim por Mírzá Ahmad. A carta informou-me de que o siyyid traiçoeiro nos havia denunciado, incitando uma violenta comoção na capital. "O pacote que deixei nes-te quarto," escreveu ele, "contém todos os sagrados escri-tos que possuo. Se conseguires alcançar são e salvo este lu-gar, leva-os ao caravansarai de Hájí Nad'Alí, onde encontra-rás em um de seus aposentos um homem desse nome, na-tivo de Qazvín, a quem entregarás o pacote junto com a carta que o acompanha. Daí procederás de imediato, ao Masjid-i-Sháh, onde espero poder contigo encontrar." Seguindo suas instruções, entreguei o pacote ao Hájí e consegui alcançar o masjid, onde encontrei Mírzá Ahmad. Relatou-me ele como

(26) 14 de fevereiro — 15 de março, 1850 A. D.

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havia sido atacado e como buscara refúgio no masjid, pois neste recinto estaria imune a mais agressão.

Entrementes, Bahá'u'lláh enviara do Madrisiy-i-Sadr uma mensagem a Mírzá Ahmad, informando-lhe dos desígnios de Amír-Nizám que, já em três ocasiões diferentes havia exi-gido do Imam-Jum'ih que o prendesse. Foi também adverti-do de que o Amír, não levando em conta o direito de asilo do qual o masjid fora investido, tencionava prender aqueles que haviam buscado refúgio nesse santuário. Instou a Mírzá Ah-mad que partisse disfarçado para Qum e lhe incumbiu de me mandar voltar para minha casa em Zarand.

Nesse tempo, meus parentes, que me haviam reconhe-cido no Masjid-i-Sháh, me instaram a partir para Zarand, com o argumento de que meu pai, havendo recebido a no-tícia errada de que eu estava preso, com execução pendente, estava gravemente aflito e que era meu dever apressar-me a aliviá-lo de suas ansiedades. Seguindo o conselho de Mírzá Ahmad, quem me exortou a tomar essa oportunidade man-dada por Deus, parti para Zarand e celebrei com minha fa-mília a Festa de Naw-Rúz — Festa essa que era duplamente abençoada por coincidir com o quinto dia de Jamádíyu'l-Avval no ano de 1266 A. H. (27), o aniversário do dia em que o Báb declarara Sua Missão. O Naw-Rúz daquele ano foi mencionado no "Kitáb-i-Panj-Sha'n" uma das últimas obras do Báb. "O sexto Naw-Rúz," escreveu Ele nesse Livro, "após a Declaração do Ponto do Bayán (28), caiu no quinto dia de Jamadíyu'1-Avval, no sétimo ano lunar depois daquela mes-ma Declaração." Nessa mesma passagem, o Báb menciona o fato de que o Naw-Rúz seria o último que Ele era desti-nado a celebrar nesta terra.

Em meio às festividades que meus parentes celebraram em Zarand, meu coração estava fixado em Teerã e meus pensamentos se concentravam na sorte que poderia ter so-brevindo a meus co-discípulos naquela cidade agitada. An-siava por saber de sua segurança. Embora na casa de meu pai, cercado pela solicitude paterna, sentia-me oprimido pelo pensamento de estar afastado daquele pequeno grupo, cujos

(27) 1850 A. D. (28) Um dos títulos do Báb.

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perigos eu bem podia imaginar e de cujas aflições anelava participar. A terrível ansiedade em que eu vivia enquanto confinado em minha casa foi aliviada inesperadamente pela chegada de Sádiq-i-Tabrízí, que veio de Teerã e foi recebido na casa de meu pai. Embora me livrasse das incertezas que tão severamente sobre mim pesavam, ele, para meu profundo horror, desdobrou aos meus ouvidos uma narração de tão horripilante crueldade que as ansiedades da incerteza empa-lideceram diante da luz macabra que aquela história lugu-bre projetou sobre meu coração.

As circunstâncias do martírio de meus irmãos que foram presos em Teerã — pois foi esse seu destino — procedo agora a relatar. Os quatorze discípulos do Báb que haviam sido apreendidos, permaneceram encarcerados na casa de Mahmúd Khán-i-Kalantar desde o primeiro até o vigésimo segundo dia do mês de Rabí'u'th-Thání (29), Táhirih também estava confinada no andar superior dessa mesma casa. Toda espécie de mau tratamento sofreram eles. Seus perseguido-res mediante todos os ardis, tentaram, induzi-los a fornecer a informação da qual necessitavam, mas não conseguiram obter uma resposta satisfatória. Entre os cativos se achava um certo Muhammad-Husayn-i-Marághi'í, que obstinadamen-te se recusava a pronunciar uma só palavra a despeito da severa pressão que lhe aplicaram. Torturavam-no, recorriam a todas as medidas possíveis a fim de extorquir dele qual-quer sugestão que lhes pudesse servir aos fins, mas não con-seguiram atingir seu objetivo. Tal foi a inabalável teimosia dele, que seus opressores pensavam que fosse um mudo. Perguntaram a Hájí Mullá Ismá'íl, quem o havia convertido para sua Fé, se ele podia ou não falar. "Ele está emudecido, mas não é um mudo," respondeu, "possui fluência e está li-vre de qualquer impedimento." Logo que o chamou por seu nome, a vítima respondeu, assegurando-lhe que estava pron-to para aquiescer a sua vontade.

Convencidos de que não tinham o poder de lhes alterar a vontade, levaram a questão a Mahmúd Khán quem, por sua vez, submeteu seu caso ao Amír-Nizám, Mírzá Khán (30), o

(29) 14 de fevereiro — 15 de março, 1850 A. D. (30) Era o filho de Qurbán, o cozinheiro chefe do Qá'im-Magám,

o predecessor de Hájí Mirzá Áqásí.

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Grão-Vizir de Násirid-Dín-Sháh. O soberano nesse tempo, desistia de interferência direta no que se referia a essa co-munidade perseguida, e muitas vezes ignorava as decisões sendo tomadas a respeito de seus membros. Seu Grão-Vizir foi investido de plenos poderes para tratá-los da maneira que ele achasse conveniente. Ninguém questionava suas decisões, nem se atrevia a desaprovar o modo como exercia sua auto-ridade. De imediato, emitiu ele uma ordem peremptória amea-çando de execução qualquer um dos quatorze presos que se recusasse a retratar sua fé. Sete foram compelidos a ceder diante da pressão que lhes foi aplicada e foram imediata-mente postos em liberdade. Os sete restantes constituem os Sete Mártires de Teerã:

1. Hájí Mírzá Siyyid 'Ali, cognominado Khál-i-'A'zam (31), tio materno do Báb e um dos principais mercadores de Shíráz. Foi esse mesmo tio a cuja custódia o Báb, após a morte de Seu pai, foi entregue e que, quando seu Sobrinho regressou de Sua peregrinação a Hijáz e foi preso por Hu-sayn Khán, assumiu inteira responsabilidade por Ele, hipo-tecando por escrito sua palavra. Foi ele quem O cercava, enquanto entregue a seus cuidados de infalível solicitude, quem Lhe servia com tanta devoção e era o intermediário entre Ele e a multidão de Seus seguidores que se aglomera-vam em Shíráz a fim de vê-Lo. Seu filho único, Siyyid Javád, morreu na infância. Em meados do ano de 1265 A. H, (32), esse mesmo Hájí Mírzá Siyyid 'Ali saiu de Shíráz e visitou o Báb no castelo de Chihríq. Daí foi a Teerã e, embora ele nenhuma ocupação especial tivesse, permaneceu nessa cidade até que irrompeu a sedição que levou afinal a seu martírio.

Ainda que seus amigos lhe solicitassem que escapasse do tumulto que rapidamente se aproximava, ele se recusou a atender tal conselho e até sua última hora enfrentou, com-pletamente resignado, a perseguição à qual o sujeitaram. Um número considerável entre os mais afluentes mercadores, conhecidos dele, ofereceram pagar seu resgate, oferta essa que ele rejeitou. Finalmente foi ele levado à presença do

(31) Literalmente "O Maior dos Tios". (32) 1848-9 A. D.

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Amír-Nizám. "O Magistrado-Chefe deste império," informou-lhe o Grão-Vizir, "repugna infligir o menor dano aos descen-dentes do Profeta. Eminentes mercadores de Shíráz e Teerã estão prontos ainda mais, estão ansiosos de pagar vosso res-gate. Até intercedeu por vós o Maliku't-Tujjár. Basta uma palavra vossa de retratação para vos libertar e garantir o regresso, com honras, a vossa cidade natal. Hipoteco minha palavra que, se quereis aquiescer, os dias restantes de vossa vida serão passados com honra e dignidade à sombra pro-tetora de vosso soberano." "Vossa Excelência," replicou au-dazmente Hájí Mírzá Siyyid 'Ali, "se outros antes de mim, que jubi osamente sorveram o cálice do martírio, se dignaram de rejeitar um apelo como esse que me fazeis agora, sabei com certeza que eu não estou menos desejoso de declinar tal pe-dido. Meu repúdio às verdades encerradas nesta Revelação seria equivalente a uma rejeição de todas as Revelações que a precederam. Recusar reconhecer a Missão do Siyyid-i-Báb seria apostatar da Fé de meus antepassados e negar o cará-ter Divino da Mensagem que Maomé, Jesus, Moisés e todos os Profetas do passado revelaram. Deus sabe que qualquer coisa que tenha ouvido e lido dos dizeres e dos atos daqueles Mensageiros, eu mesmo tive o privilégio de testemunhar neste Jovem, neste bem-amado Parente meu, desde seus primeiros anos até este. o trigésimo ano de Sua vida. Tudo Nele me faz lembrar de Seu ilustre Ancestral e dos imames de Sua Fé, cujas vidas nossas tradições registradas descreveram. Peço de vós somente que me permitais ser o primeiro a sa-crificar a vida no caminho de meu bem-amado Parente."

O Amír ficou estupefato diante dessa resposta. Num frenesi de desespero, e sem pronunciar nem sequer uma pa-lavra, fez um sinal para levá-lo e ser decapitado. Enquanto a vítima estava sendo conduzida a sua morte, ouviam-se es-tas palavras de Háfiz por ele repetidas várias vezes: "Grande é minha gratidão a Ti, ó meu Deus, por me haveres conce-dido tão generosamente tudo o que tenho Te pedido." "Ouvi-me, ó povo," exclamou ele à multidão que se amontoava a seu redor. "De bom grado tenho me oferecido em holocausto no caminho da Causa de Deus. A inteira província de Fárs, bem como a do Iraque, além dos confins da Pérsia, dará

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prontamente testemunho de minha integridade de conduta, minha sincera piedade e minha linhagem nobre. Por mais de mil anos orais e tornais a orar, pedindo que o prometido Qá'ím se manifeste. Ao ouvirdes mencionar Seu Nome, quan-tas vezes tendes exclamado, do íntimo do coração: — 'Apres-sa, ó Deus, Sua vinda; remove toda barreira que impede Seu aparecimento!' — E agora que Ele veio, vós O tendes expul-sado em exílio desesperador, num canto remoto e seqües-trado de Adhirbáyján, e vos tendes levantado para extermi-nar Seus companheiros. Fosse eu invocar sobre vos a mal-dição de Deus, certo estou de que a divina ira vingadora vos afligiria penosamente. Tal não é, entretanto, minha súplica. Com o último suspiro oro que o Todo Poderoso remova a mácula de vosso pecado e vos faça acordar do sono da ne-gligência (33)."

Estas palavras comoveram muito profundamente seu al-goz. Fingindo que a espada que ele segurava em prontidão em suas mãos precisasse ser novamente amolada, saiu apres-sadamente, determinado a nunca mais voltar. "Quando me foi designado este serviço," ouviu-se ele queixar, enquanto chorava amargamente, "incumbiram-se de entregar em mi-nhas mãos somente assassinos convictos e salteadores de estradas. Agora me mandam derramar o sangue de uma pessoa não menos santa que o próprio Imame Músáy-i-Ká-zim!" (34) Pouco depois, ele partiu para Khurasán e lá ten-tou ganhar a vida como porteiro e pregoeiro. Aos crentes daquela província, relatou ele a história daquela tragédia e expressou arrependimento pelo ato que fora compelido a per-petrar. Cada vez que recordava aquele incidente, cada vez que lhe era mencionado o nome de Hájí Mírzá Siyyid 'Ali,

(33) "Tirou seu turbante e levantando seu rosto para o céu, ex-clamou: "Oh Deus, Tu és testemunha como estão matando o filho do Teu honorabilíssimo Profeta sem que tenha culpa alguma". Então, vi-rando-se para o verdugo recitou este versículo: "Por quanto tempo há de dar me morte e dor da minha separação Dele? Corta minha cabeça para qua o Amor me confira uma cabeça". (Mathnaví, Livro 6, p. 649, 1, 2; ed. 'Alá'u'd-Dawlih). ("A Traveller's Narrative", Nota B, p. 174).

(34) O Sétimo Imame.

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as lágrimas que ele não podia reprimir corriam de seus olhos, lágrimas que testemunharam o afeto que aquele ho-mem santo lhe instilara no coração.

2. Mírzá Qurbán-'Alí (35), nativo de Bárfurúsh na pro-víncia de Mázindarán e proeminente figura na comunidade, conhecido pelo nome de Ni'matu'iláhí. Era homem de sin-cera piedade e dotado de uma natureza muito nobre. Tal era a pureza de sua vida que um número considerável entre as notabilidades de Mázindarán, de Khurásán e Teerã lhe haviam hipotecado sua lealdade e o estimavam como a ver-dadeira personificação da virtude. Tanto apreço lhe deram seus conterrâneos, que, na ocasião de sua peregrinação a Karbilá, uma vasta Congregação de devotados admiradores se amontoaram em seu caminho a fim de lhe prestar home-nagem. Em Hamadán, bem como em Kirmansháh, um gran-de número de pessoas sentia a influência de sua personali-dade e se uniu à companhia de seus seguidores. Onde quer que ele fosse, era saudado pelas aclamações do povo. Essas demonstrações de entusiasmo popular lhe eram, entretanto, extremamente desagradáveis. Ele evitava a multidão e des-denhava a pompa e a cerimônia de liderança. No caminho a Karbilá, enquanto passava por Mandalíj, um shaykh de grande influência a tal ponto ficou encantado com ele que renunciou a tudo o que havia anteriormente estimado e, dei-xando amigos e discípulos, o seguiu até Ya'qúbíyyih. Mírzá Qurbán-'Alí porém, conseguiu induzi-lo a regressar a Man-dalíj e reassumir o trabalho que ele abandonara.

Ao regressar de sua peregrinação, Mírzá Qurbán-'Alí co-nheceu Mullá Husayn e por seu intermédio abraçou a ver-dade da Causa. Devido à doença, não pôde juntar-se aos de-fensores do forte de Tabarsí, e, se não fosse sua inabilidade de viajar a Mázindarán, teria sido ele o primeiro a se unir com seus ocupantes. Depois de Mullá Husayn, entre os dis-cípulos do Báb, Vahid era a pessoa a quem ele estava mais ligado. Durante minha visita a Teerã, fui informado de que ele consagrara a vida ao serviço da Causa e se levantara com

(35) Segundo a narração de Hájí Mu'inu's-Saltanih (p. 131), Mirzá Qurbán'Alí, o dervixe, conhecei! o Báb na aldeia de Khánlíq.

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devoção exemplar para lhe promover os interesses em toda parte. Muitas vezes eu ouvia Mírzá Qurtaán-'Alí, que escava então na capitai, deplorar aquela doença. "Quão profunda-mente lastimo," eu várias vezes o ouvia dizer, "haver sido privado de meu quinhão da taça da qual Mullá Husayn e seus companheiros sorveram! Anseio por me unir com Vahid e me alistar sob sua bandeira e me esforçar para compensar por minha falha anterior." Estava se preparando para sair de Teerã quando de repente foi preso. Seus trajes modestos deram testemunho do grau de seu desprendimento. Vestido em uma túnica branca, segundo o costume dos árabes, 'abá (36) de tecido grosso e usando o toucado do povo do Iraque parecia, quando andava nas ruas, a própria personificação da renúncia. Aderia escrupulosamente a todas as práticas de sua Fé e com piedade exemplar fazia suas devoções. "O pró-prio Báb se conforma às práticas de Sua Fé em seus mais minuciosos detalhes," freqüentemente ele dizia. "Deverei eu, de minha parte, descuidar das coisas que são observadas por meu Líder?"

Quando Mírzá Qurbán-'Alí foi apreendido e levado à pre-sença do Amír-Nizám, houve uma comoção tal como Teerã raramente experimentara. Grandes multidões de pessoas se aglomeravam nas entradas da sede do governo, ansiosas para saber o que lhe aconteceria. "Desde ontem à noite," disse o Amír, logo que o viu, "tenho sido assediado por oficiais es-taduais de todas as classes, que vieram interceder vigorosa-mente por vós (37). Do que tenho sabido sobre vossa posi-ção e a influência que vossas palavras exercem, não sois muito inferior ao próprio Siyyid-i-Báb. Tivésseis reclamado

(36) Veja glossário. (37) "Mirzá Qurbán-Alí era famoso entre os místicos e dervixes;

tinha muitos amigos e discípulos em Teerã além de ser conhecido pela maioria da nobreza e dirigentes, inclusive pela mãe do Sháh. Devido a amizade que sentia por ele e a compaixão que lhe provocou sua si-tuação, ela disse à sua Majestade, o Rei: "Ele não é um Babí, tem sido acusado falsamente". Por isto mandaram buscá-lo dizendo: "Tu eras um dervixe, um estudioso e um homem erudito; tu não pertences a esta seita desgraçada; estão te acusando falsamente". Ele respondeu: "Eu me considero um servo de Sua Santidade mesmo não sabendo se Ele tem me aceitado ou não". Quando tentaram persuadi-lo dando-lhe

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para vós a posição de líder, melhor teria sido do que de-clarar vossa lealdade a alguém que vos é por certo inferior em conhecimento." "O conhecimento por mim adquirido," replicou ele audazmente, "levou-me a me curvar em lealdade diante Daquele que reconheço como meu Senhor e meu Lí-der. Desde que atingi a idade de adulto, tenho considerado como os motivos dominantes de minha vida, a justiça e a eqüidade. Eu O tenho julgado equitativamente e chegado à conclusão de que, se é falso esse Jovem, cujo transcendente poder é atestado por amigo e inimigo igualmente, então todo Profeta de Deus, desde tempos imemoriais até o dia presente deve ser denunciado como a própria personificação da fal-sidade! Eu posso me assegurar da inquestionável devoção de mais de mil admiradores e, no entanto, sou impotente para mudar o coração do menor deles. Esse Jovem, porém, pro-vou-se capaz de transformar, com o elixir de Seu amor, as almas dos mais rebaixados entre Seus semelhantes. Sobre mil pessoas como eu, tem Ele, só e sem apoio, exercido uma influência tal que, embora elas nem mesmo atingissem Sua presença, rejeitaram seus próprios desejos e se aderiram apaixonadamente a Sua vontade. Com plena consciência de que o sacrifício por eles feito é inadequado, anseiam, no en-tanto, por oferecer a vida em holocausto por amor a Ele, na esperança de que seja digna de ser mencionada em Sua Cor-te mais essa evidência de sua devoção."

"Sejam de Deus, ou não, as vossas palavras", observou o Amír-Nizám, "tenho aversão de pronunciar a sentença de morte contra o possuidor de tão exaltada posição." "Por que hesitar?", exclamou a vítima, impaciente. "Não estais ciente de que todos os nomes descendem do Céu? Aquele cujo

nma pensão e salário, disse: 'Esta vida e estas gotas de meu sangue são de pouca monta; se o império do mundo fosse meu e se eu tivesse mil vidas, as lançaria livremente aos pés de Seus amigos:

"Sacrificar minha cabeça pelo Bem Amado, "parece certamente coisa fácil à minha vista; "fechar os lábios e não falar mais de mediação, "porque de mediação não necessitam os amantes.

E assim finalmente desistiram em desespero e disseram que devia morrer". (O "Taríhh-i-Jadíd", p. 254).

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nome é 'Ali (38), em cuja senda estou oferecendo minha vida, inscreveu desde tempos imemoriais meu nome, Qur-bán-'Alí (39), no pergaminho de Seus escolhidos mártires. É. este, em verdade, o dia em que celebro o festival de Qur-bán, o dia em que haverei de selar com o sangue vital minha fé em Sua Causa. Não hesiteis pois, e tende certeza de que eu jamais vos culparei por vosso ato. Quanto mais depressa me tirardes a cabeça, maior será minha gratidão a vós." "Tirem-no deste lugar!", exclamou o Amír. "Um momento a mais, e esse dervixe terá lançado sobre mim seu encanto!" "Vós sois prova contra essa magia," replicou Mírzá Qurbán-'Alí, "a qual pode cativar somente os puros de coração. A vós e àqueles que vos são iguais, jamais se poderá fazer com-preender o poder encantador do elixir Divino que, veloz como ura piscar de olhos, transforma as almas dos homens."

Exasperado com a resposta, o Amír-Nizám levantou-se de seu assento e, com todo o seu corpo trêmulo de ira, ex-clamou. "Nada, senão a lâmina da espada, pode silenciar esse povo iludido!" "Desnecessário é," disse ele aos algozes que lhe atendiam, "trazer a minha presença mais membros dessa odiosa seita. Palavras são impotentes para lhes vencer a obstinação inabalável. A qualquer um que possais induzir a retratar sua fé, soltai; quanto aos outros, tirai-lhes suas cabeças."

À medida que se aproximava da cena de sua morte, Mírzá Qurbán-'Alí, intoxicado diante da perspectiva da imi-nente reunião com seu Bem-Amado, soltou jubilosas excla-mações de exultação. "Apressai-vos a matar-me," exclamou com extático deleite, "pois com esta morte me tereis ofere-cido o cálice da vida eterna. Se bem que possais agora me extinguir o alento esmorecido, com uma miríade de vidas haverá meu Bem-Amado de me recompensar — vidas tais como nenhum coração mortal pode conceber!" "Escutai mi-nhas palavras, vós que professais ser seguidores do Apóstolo de Deus", implorou, enquanto dirigia o olhar para a multi-dão de espectadores. "Maomé, o Sol da guia Divina, que em

(38) Referência ao Báb. (39) Qurbán significa sacrifício, portanto, "Sacrifício pelo Báb".

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época anterior surgiu por cima do horizonte de Hijáz, nova-mente hoje, na pessoa de 'Aií-Muhammad, se levantou da Aurora de Shíráz, emitindo o mesmo brilho e conferindo o mesmo ardor. Uma rosa é uma rosa, seja qual for o jardim e o tempo em que floresça." Vendo por todos os lados como o povo estava surdo para seu chamado, exclamou: "óh, a perversidade dessa geração! Como lhe passa despercebida a fragrância que aquela Rosa imperecível difundiu! Embora minha alma transborde de êxtase, não posso achar um cora-ção, infelizmente, para comigo participar de seu encanto, nem mente para lhe apreender a glória."

Ao ver o corpo de Hájí Mírzá Siyyid 'Ali, decapitado e sangrento a seus pés, sua excitação febril atingiu o auge. "Saudai," exclamou, enquanto sobre ele se prostrava, "sau-dai o dia de nosso regozijo mútuo, o dia de nossa reunião com nosso Bem-Amado!" "Aproximai-vos," chamou ao algoz, enquanto segurava nos braços o corpo, "aplicai vosso golpe, pois meu companheiro fiel não consente em se livrar de meu abraço e me chama para me apressar com ele em ir à corte do Bem-Amado." Um golpe pelo algoz caiu, de ime-diato sobre sua nuca. Poucos momentos mais tarde e a alma daquele grande homem se havia expirado. Esse golpe cruel despertou naqueles que o presenciaram, sentimentos de in-dignação e compaixão ao mesmo tempo. Gemidos de tristeza e lamentos ascenderam dos corações da multidão, provo-cando uma agonia que fazia lembrar as exclamações de pesar com que o povo, todo ano, saudava o dia de 'Áshú-rá (40).

(40) "Quando o levaram ao pé do patíbulo, o verdugo levantou seu sabre e lhe feriu no pescoço por trás. O golpe somente inclinou sua cabeça e fez com que o turbante de dervixe que usava caísse a alguns passos dele, sobre o solo. Imediatamente e como se fosse como seu último alento, provocou nova aflição nos corações de todos os que eram capazes de sentir emoção ao recitar estes versos:

"Feliz aquele que por amor embriagado "tem vencido a tal ponto que apenas sabe "se aos pés do seu Bem-Amado "é sua cabeça o turbante que tem lançado!

(O "Tarihh-i-Jadíd", pp. 254-255).

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3. Veio então a vez de Hájí Mullá Ismá'íl-i-Qumí, nativo de Faráhán. Na juventude havia ele partido para Karbilá em busca da Verdade que ele diligentemente se esforçava por descobrir. Ele se associara a todos os principais ulemás de Najaf e Karbilá, havia se sentado aos pés de Siyyid Kázim e dele adquirido o conhecimento e a compreensão que lhe facilitaram, poucos anos depois, quando estava em Shíráz, reconhecer a Revelação do Báb. Distinguiu-se ele pela tena-cidade de sua fé e pelo fervor de sua devoção. Assim que lhe veio a injunção do Báb, ordenando que Seus seguidores se apressassem a Khurásán, ele entusiasticamente respondeu, juntou-se aos companheiros que estavam procedendo a Ba-dasht, onde recebeu o nome de Sirrul-Vujúd. Enquanto na companhia deles, sua compreensão da Causa tornou-se mais profunda e seu zelo em promovê-la aumentou em pro-porção correspondente. Veio a ser a própria personificação do desprendimento e se sentia cada vez mais e mais impa-ciente para demonstrar de um modo digno o espírito que sua Fé havia nele inspirado. Na exposição do significado dos versículos do Alcorão e das tradições do Islã, mostrava per-cepção que poucos podiam rivalizar e a eloqüência com que expunha essas verdades lhe ganhou a admiração de seus co-discípulos. Nos dias em que o forte de Tabarsí se havia tor-nado o ponto onde se concentravam os discípulos do Báb, ele, acamado com doença padecia em desconsolação não po-dendo prestar seu auxílio e desempenhar seu papel em de-fendê-lo. Logo que recuperara a saúde, ao saber que aquele memorável assédio havia terminado com o massacre de seus co-discípulos, levantou-se com reforçada determinação para compensar, com seus labores abnegados, a perda sofrida pela Causa. Essa determinação levou-o, afinal, ao campo do mar-tírio conferindo-lhe a coroa de mártir.

Conduzido ao cadafalso e esperando o momento de sua execução, lançou seu olhar para aqueles mártires gêmeos que o haviam precedido e ainda jaziam abraçados. "Bem fizestes, amados companheiros!", exclamou ele, enquanto fi-tava suas cabeças sangrentas. "Transformastes Teerã em um paraíso! Oxalá tivesse eu vos precedido!" Tirando do bolso uma moeda, a qual deu a seu algoz, pediu-lhe que comprasse para ele algo com que adoçar a boca. Tomou uma parte e

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lhe deu o resto, dizendo: "Já perdoei vosso ato; aproximai-vos e infligi vosso golpe. Há trinta anos anseio por presen-ciar este dia abençoado e receava levar esse desejo ao tú-mulo sem que fosse cumprido." "Aceita-me, ó meu Deus!" exclamou, enquanto volvia os olhos para o céu, "embora eu não o mereça, e conceda inscrever meu nome no pergaminho daqueles imortais que colocaram suas vidas no altar do sa-crifício." Ainda oferecia suas devoções, quando o algoz, a seu pedido, lhe interrompeu de súbito sua oração (41).

4. Mal expirara ele, quando Siyyid Husayn-i-Turshízí, o mujtahid, foi conduzido por sua vez ao cadafalso. Era na-tivo de Turshíz, uma aldeia em Khurásán, e altamente esti-mado por sua piedade e sua retidão de conduta. Ele havia estudado por alguns anos em Najaf e foi por seus colegas mujtahids incumbido de proceder a Khurásán e lá propagar os princípios que lhe haviam sido ensinados. Ao chegar em Kázimayn, encontrou com Hájí Muhammad-Taqíy-i-Kirmání, um velho conhecido seu, que era um dos principais merca-dores de Kirmán e que abrira um ramo de seu negócio em Khurásán. Como estava em viagem à Pérsia, decidiu acom-panhá-lo. Esse Hájí Muhammad-Taqí fora amigo íntimo de Hájí Mírzá Siyyid 'Ali, tio materno do Báb, e por seu inter-médio havia ele sido convertido à Causa, no ano de 1264

(41) "Pois bem, quando estavam prontos para começar seu tra-balho de decapitação e matança, ao chegar a vez de Hají Mullá Ismá'il ser morto, alguém se aproximou dele dizendo: "Um de vossos amigos dará tal soma de dinheiro para salvar vossa vida, com a condição de que repudies vossa fé, para que assim possam ser induzidos a perdoar-vos. Em caso de grande necessidade, quando se t rata de salvar vossa vida, que dano pode haver em dizer simplesmente: "Não sou um Babí", para que tenham um pretexto em vos deixar em liberdade?". Ele res-pondeu: "Se eu estivesse disposto a repudiar minha fé, inclusive sem dinheiro, nada me atingiria". Ao pressioná-lo ainda mais, sentindo-se importunado, ergueu-se o mais alto na multidão e exclamou, para que todos o ouvissem:

"Zéfiro, por favor leva uma mensagem "a esse Ismael que não foi morto; "aos que vivem no caminho do Bem-Amado "o amor não permite regressar mais.

(O "Taríhh-i-Jadíd", pp. 253-254).

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A.H. (42), enquanto se preparava para sair de Shíráz em peregrinação a Karbilá. Ao ser informado da viagem plane-jada a Chihríq por Hájí Mírzá Siyyid 'Ali com o fim de visi-tar o Báb, ele expressou seu ardente desejo de acompanhá-lo. Hájí Mírzá Siyyid 'Ali lhe aconselhou que executasse seu primeiro propósito, procedesse a Karbilá e lá aguardasse sua carta, a qual lhe informaria se seria, ou não, aconselhá-vel juntar-se a ele. De Chihríq foi Hájí Mírzá Siyyid 'Ali ordenado a partir para Teerã, na esperança de que, após uma breve demora na capital, ele pudesse renovar sua visita ao Sobrinho. Enquanto em Chihríq, expressou sua aversão para regressar a Shíráz, pois não mais podia suportar a cres-cente arrogância de seus habitantes. Quando chegou em Teerã, pediu a Hájí Muhammad-Taqí que o acompanhasse. Siyyid Husayn foi com ele de Bagdá até a capital e, por seu intermédio, se converteu à Fé.

Ao enfrentar a multidão que a seu redor se aglomerara a fim de presenciar seu martírio, Siyyid Husayn levantou a voz e disse: "Ouvi-me, ó seguidores do Islã! Meu nome é Husayn e sou descendente do Siyyidu'sh-Shuhadá, que tam-bém tinha esse nome (43). Os mujtahids das cidades santas de Najaf e Karbilá têm dado unanimente testemunho de mi-nha posição como autorizado expositor da lei e dos ensina-mentos de sua Fé. Foi só recentemente que ouvi pela pri-meira vez o nome do Síyyid-i-Báb. O domínio que eu atingira sobre as sutilezas dos ensinamentos islâmicos me capacitou a apreciação do valor da Mensagem trazida pelo Siyyid-i-Báb. Estou convencido de que, fosse eu negar a Verdade por Ele revelada, teria eu, por este mesmo ato, renunciado mi-nha lealdade a todas as Revelações precedentes. Solicito a cada um de vós que convoque os ulemás e mujta,hids desta cidade para uma reunião, na qual eu em sua presença me incumbirei de estabelecer a verdade desta Causa. Que eles então julguem se posso, ou não, demonstrar a validade das pretensões avançadas pelo Báb. Se lhes satisfizerem as pro-vas que aduzirei para sustentar meu argumento, que desis-tam de derramar o sangue dos inocentes; e se eu falhar, que

(42) 1847-8 A. D. (43) O Imame Husayn.

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me inflijam o castigo merecido." Mal haviam estas palavras saído de seus lábios, quando um oficial no serviço do Amír-Nizám se interpôs arrogantemente, dizendo: "Trago comigo vossa sentença de morte assinada e selada por sete dos re-conhecidos mujtahids de Teerã, que de próprio punho vos pronunciaram um infiel. Eu mesmo serei responsável peran-te Deus por vosso sangue no Dia do Juízo e atribuirei a res-ponsabilidade àqueles líderes em cuja opinião nos pedem por nossa confiança e a cujas decisões fomos compelidos a nos submeter." Com estas palavras desembainhou o punhal e lhe infligiu tão violento golpe que instantaneamente ele caiu morto a seus pés.

5. Pouco depois, Hájí Muhammad-Taqíy-i-Kirmání foi conduzido à cena da execução. O espetáculo macabro com o qual se defrontou provocou-lhe veemente indignação. "Aproximai-vos, tirano miserável e sem coração," exclamou ele, enquanto se volvia para seu perseguidor, "e apressai-vos a me matar, pois estou impaciente para me juntar a meu bem-amado Husayn. Sobreviver a ele é um tormento que não posso suportar."

6. Assim que Hájí Muhammad-Taqí pronunciara estas palavras, Siyyid Murtadá, um dos proeminentes mercadores de Zanján, apressou-se a preceder aos companheiros. Lan-çou-se sobre o corpo de Hájí Muhammad-Taqí e alegou que, sendo um siyyid, seu martírio seria mais meritório aos olhos de Deus do que o de Hájí-Muhammad-Taqí. Enquanto o al-goz desembainhou a espada, Siyyid Murtadá invocava a me-mória de seu irmão martirizado, que lutara lado a lado com Mullá Husayn; e tais foram suas referências que os especta-dores se maravilharam da inalterável tenacidade da fé que lhe inspirava.

7. Em meio a esse tumulto que as palavras comovedo-ras de Siyyid Murtadá provocara, Muhammad-Husayn-i-Marághi'í avançou precipitadamente e implorou que lhe fosse permitido ser martirizado de imediato, antes de serem trucidados seus companheiros. Assim que lançou o olhar sobre o corpo de Hájí Mullá Ismá'íl-i-Qumí, para quem ele tinha afeto profundo, precipitou-se sobre ele e segurando-o em seu abraço, exclamou: "Jamais consentirei em me sepa-rar de meu muito amado amigo, em quem tenho depositado

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a máxima confiança e de quem tantas evidências tenho rece-bido de um afeto sincero e profundo!"

Sua ansiedade de preceder um ao outro em sacrificar a vida pela sua Fé assombrou a multidão, e não sabiam com certeza qual dos três companheiros seria preferido. Insta-ram com tal fervor que, finalmente, foram degolados todos os três, ao mesmo tempo.

Tão grande fé e tamanha evidência de crueldade desen-freada, olhos humanos raramente contemplaram. Embora fossem poucos em número, no entanto, ao recordarmos as circunstâncias de seu martírio, somos compelidos a reconhe-cer o caráter estupendo daquela força capaz de evocar tão insólito espírito de sacrifício. Quando nos lembramos da exaltada posição que essas vítimas haviam ocupado, quando observamos o grau de sua renúncia e a vitalidade de sua fé e recordamos a pressão exercida de fontes influentes a fim de afastar o perigo que lhes ameaçava a vida — acima de tudo, quando concebemos em nossas mentes o espírito que desafiou as atrocidades que um impiedoso inimigo se degradou a ponto de lhes infligir, somos impelidos a con-siderar esse episódio uma das mais trágicas ocorrências nos anais desta Causa (44).

(44) "Depois de pormenorizar os acontecimentos expostos acima, o historiador Babí enfatiza o valor especial e o caráter único dado pelo testemunho dos "Sete Mártires de Teerã". Eram homens que re-presentavam a todas as classes mais importantes da Pérsia — sacer-dotes, dervixes, comerciantes, vendedores e oficiais do governo; eram homens que haviam gozado de respeito e consideração de todos; morreram sem temor, voluntariamente, quase com ânsia, declinando comprar a vida mediante esse repúdio verbal que, sob o nome de Kitmán ou taqíyyih, é reconhecido como um subterfúgio justificável em tempos de perigo pelos shi'ahs; não esperavam misericórdia, assim como o foram os que morreram em Shaykh Tabarsí e Zanján; e selaram sua fé com seu sangue na praça pública da capital da Pérsia onde moram os embaixadores estrangeiros credenciados ante a corte do Sháh. Nisto o historiador Babí tem razão, inclusive os que falam mal do movimento Babí em geral caracterizando-o como um comunismo destrutivo de toda ordem e moralidade, expressaram comiseração por estas vítimas inocen-tes. Bem que podemos aplicar ao dia de seu martírio a eloqüente reflexão de Gobineau feita sobre uma tragédia similar que aconteceu dois anos mais tarde: "Este dia assinalado trouxe para o Báb mais seguidores secretos do que poderiam ter feito muitos sermões. Acabo de dizer que

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A esta altura em minha narrativa tive o privilégio de submeter a Bahá'u'lláh as partes da obra já revistas e com-pletadas. Quão profusamente foram recompensados meus labores por Aquele cujo favor, tão somente, busco, e para a satisfação de quem empreendi esta tarefa! Benevolamen-te chamou-me Ele a Sua presença e me concedeu Suas bên-çãos. Eu estava em minha casa na cidade-prisão de Akká, onde residia, nas proximidades da casa de Áqáy-i-Kalím, quando me veio a notícia de que meu Bem-Amado me cha-mara. Daquele dia, o sétimo do mês de Rabí'u'th-Thání, no ano de 1306 A.H. (45), jamais esquecerei. Aqui reproduzo, em suma, Suas palavras dirigidas a mim naquela memorá-vel ocasião:

"Em uma Epístola que ontem revelamos, explicamos o significado das palavras 'Afastai vossos olhos' (46) no decorrer de Nossa referência às circunstâncias que acompa-nharam a reunião em Badasht. Celebrávamos, na companhia de várias eminentes notabilidades, as núpcias de um dos príncipes de sangue real em Teerã, quando Siyyid Ahmad-i-Yazdí, pai de Siyyid Husayn, amanuense do Báb, apareceu de súbito na porta. Ele nos fez sinal, e parecendo-nos haver trazido uma mensagem importante que ele desejava entregar imediatamente. Nós, entretanto, não podíamos no momento deixar a reunião e lhe indicamos que esperasse. Ao disper-sar-se a reunião, ele nos informou que Táhirih fora confi-nada estritamente em Qazvín, estando em grave perigo sua

a impressão criada pela prodigiosa resistência dos mártires foi profunda e duradoura. Freqüentemente tenho ouvido a repetição da história desse dia por testemunhas oculares, por homens do governo, alguns deles in-clusive funcionários de grande importância. Do que diziam, alguém poderia facilmente deduzir que todos eram Babís, tão grande era a admiração que sentiam por recordações que não honravam de forma alguma o Islã, que não havia desempenhado o melhor papel e pelo elevado conceito que tinham dos recursos, das esperanças e das pos-sibilidades de êxito da nova doutrina". ("A Traveller's Narrative", Nota B, pp. 175-176).

(45) 11 de dezembro de 1888 A. D. (46) Segundo as tradições do Islã, Fátimih, a filha de Maomé,

aparecerá sem véu enquanto cruza a ponte "Sirát" no Dia do Juízo. Quando ela aparecer uma voz do céu exclamará: "Afasta vossa vista, oh povos!".

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vida. De imediato, chamamos Muhammad-Hádiy-i-Farhádv e lhe demos as instruções necessárias para libertá-la de seu cativeiro e conduzi-la à capital. Desde que o inimigo se havia apoderado de Nossa casa, já não poderíamos acomodá-la por um tempo indefinido. Assim providenciamos sua transfe-rência de Nossa casa para a do Ministro de Guerra (47), que naqueles dias fora desonrado por seu soberano e de-portado a Káshán. A sua irmã. que ainda se contava no nú-mero de Nossos amigos, pedimos fosse a anfitriã de Táhirih.

Táhirih permaneceu em sua companhia até que o cha-mado do Báb, mandando que seguíssemos a Khurásán, che-gou a Nossos ouvidos. Decidimos que Táhirih procedesse de imediato a essa província e incumbimos Mírzá (48) de conduzi-la a um lugar fora do portão da cidade e daí a qual-quer localidade que ele julgasse aconselhável nessa vizi-nhança. Ela foi conduzida a um pomar perto do qual havia uma casa abandonada, onde encontraram um homem velho que era seu zelador. Mírzá Músá, ao regressar, nos informou da recepção que lhes fora dada e elogiou muito a beleza da paisagem circunvizinha. Providenciamos, subseqüentemente, sua partida para Khurásán, prometendo para lá seguir den-tro de poucos dias.

"Breve Nos reunimos com ela em Badasht, onde aluga-mos um jardim para seu uso, e escolhemos o mesmo Mu-hammad-Hádí que conseguira sua libertação, como vigia. Cerca de setenta de Nossos companheiros estavam conosco, acomodados em um lugar nas proximidades desse jardim.

"Adoecemos um dia, ficando acamado. Táhirih mandou um pedido de permissão para Nos visitar. Admiramo-Nos de sua mensagem e não sabíamos como deveríamos respon-der. Subitamente, Nós a vimos na porta, com o rosto des-velado diante de Nós. Quão bem Mírzá Aqá Ján (49) comen-tou esse incidente. 'A face de Fatimih,' disse ele, 'haverá de se revelar no Dia do Juízo e aparecer desvelada diante dos

(47) Mirzá Khán-i-Núrí, que foi o sucessor de Amí-Nizám como Grão-Vizir de Násiri'd-Din Sháh.

(48) Áqáy-i-Kalím, irmão de Bahá'u'lláh. (49) O amanuense de Bahá'u'lláh.

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olhos dos homens. Nesse momento se fará ouvir a voz do Invisível dizendo: "Tirai vossos olhos daquilo que tendes visto."

"Que grande consternação apoderou-se dos companhei-ros naquele dia! Receio e perplexidade inundaram seus cora-ções. Alguns, não podendo tolerar o que para eles assinalava desprezo revoltante dos costumes estabelecidos do Islã, fu-giram horrorizados de sua face. Estarrecidos, buscaram re-fúgio em um castelo abandonado na vizinhança. Entre aque-les que, escandalizando-se pela sua conduta, se afastaram completamente, havia Siyyid-i-Nahrí (50) e seu irmão Mírzá Hádí, a ambos dos quais mandamos dizer que era desne-cessário abandonar seus companheiros e buscar refúgio em um castelo.

"Dispersaram-se afinal Nossos amigos, deixando-Nos à mercê de Nossos inimigos. Quando, mais tarde, fomos a Amul, tamanho foi o tumulto provocado pelo povo, que mais de quatro mil pessoas se haviam congregado no masjid e se amontoado nos telhados de suas casas. O mullá principal da cidade Nos denunciou veementemente. 'Tendes pervertido a Fé do Islã', gritou ele em seu dialeto mázindarání, 'e lhe maculado a fama! Na noite passada eu vos vi em so-nho entrar no masjid, onde se amontoava uma multidão ávida de presenciar vossa chegada. Enquanto a turba se api-nhava a vosso redor, olhei e eis, o Qá'ím estava num canto donde fitava vosso semblante, sendo demonstrada em Suas feições grande surpresa. Considero esse sonho uma evidên-cia de vosso desvio do caminho da Verdade.' Nós lhe asseguramos que a expressão de surpresa naquele semblante era sinal da forte desaprovação, por parte do Qá'ím, do tra-tamento que ele e seus concidadãos Nos deram. Interrogou-Nos a respeito da Missão do Báb. Nós lhe informamos que, embora nunca houvéssemos com Ele encontrado face a face, nutríamos, no entanto, grande afeição por Ele. Expressamos Nossa convicção profunda de que nenhuma ação Dele, sob quaisquer circunstâncias, fora contrária à Fé do Islã.

(50) Mirzá Muhammad-'Alíy-i~Nahrí.

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"O mullá e seus seguidores, entretanto, recusaram acre-ditar em Nós e rejeitaram Nosso testemunho como uma perversão da verdade. Confinaram-Nos, afinal, e proibiram que Nossos amigos Conosco encontrassem. O governador interino de Ámul conseguiu libertar-Nos de Nosso encarce-ramento. Por uma abertura no muro que ele mandou que seus homens fizessem, possibilitou-Nos a saída daquele apo-sento e Nos conduziu a sua casa. Mal os habitantes foram informados desse ato, quando contra Nós se levantaram, assediaram a residência do governador, Nos apedrejaram e Nos lançaram na face as mais vis invectivas.

"Na ocasião em que tencionávamos enviar Muhammad-Hádiy-i-Farhádí a Qazvín, a fim de consumar a libertação de Táhirih e conduzi-la a Teerã, Shaykh Abú-Turáb Nos es-creveu, insistindo que tal tentativa acarretava graves riscos e poderia causar um tumulto sem precedentes. Recusamos-Nos a ser dissuadidos de Nosso propósito. Esse Shaykh era um homem de bom coração, simples e humilde em tempera-mento e se comportava com grande dignidade. Falta-lhe, porém, coragem e determinação e em certas ocasiões, ele demonstrava fraqueza."

Deveria se acrescentar agora uma palavra sobre as eta-pas finais da tragédia que deu testemunho do heroísmo dos Sete Mártires de Teerã. Durante três dias e três noites per-maneceram abandonados no Sabzih-Maydán, adjacente ao palácio imperial, expostos a indignidades indizíveis que um inimigo inexorável sobre eles amontoava. Milhares de xiitas devotos aglomeravam-se ao redor de seus cadáveres, neles batiam com os pés e lhes cuspiam nas faces. Eram apedre-jados, amaldiçoados e zombados pela irosa multidão. Pilhas de refugo eram jogadas sobre seus restos mortais pelos es-pectadores, e as mais vis atrocidades perpetradas em seus corpos. Nenhuma voz se levantou em protesto, nenhuma mão se estendeu para deter o braço do bárbaro opressor.

Depois de haverem mitigado o tumulto de sua paixão, enterram-nos fora do portão da capital, em um lugar entre os limites do cemitério público, adjacente ao fosso, entre os portões de Naw e de Sháh'Abdu'l-'zím. Foram todos colo-cados na mesma sepultura, assim permanecendo unidos em

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corpo, como haviam sido em espírito durante os dias de sua vida terrena (51).

A notícia de seu martírio veio como mais um golpe para o Báb, já imerso em tristeza por causa do destino que sobreviera aos heróis de Tabarsí. Na Epístola detalhada que Ele revelou em sua honra — cada palavra da qual deu tes-temunho da exaltada posição que aos Seus olhos eles ocupa-vam — referiu-se a esses heróis como aqueles mesmos "Sete Bodes" mencionados nas tradições do Islã, que no Dia do Juízo "andarão na frente do prometido Qá'ím." Simbolizarão com sua vida o mais nobre espírito de heroísmo e, pela sua morte, haverão de manifestar verdadeira aquiescência em Sua vontade. Andar na frente do Qá'im, explicou o Báb, sig-nificava que seu martírio precederá ao do próprio Qá'im, quem é seu Pastor. O que o Báb predissera, veio a ser cum-prido, já que Seu próprio martírio ocorreu quatro meses depois, em Tabríz.

Aquele ano memorável testemunhou, além do martírio do Báb e de Seus sete companheiros em Teerã, os momen-tosos acontecimentos de Nayríz, os quais culminaram na morte de Vahíd. Perto do fim daquele mesmo ano, Zanján também se tornou o centro de uma tempestade que se en-furecia com excepcional violência em todo o distrito circun-vizinho, trazendo em seu rastro o massacre de um vasto número dos mais firmes dos discípulos do Báb. Esse ano, tornado memorável pelo heroísmo magnífico que aqueces in-trépidos defensores de Sua Pé demonstraram — sem men-cionarmos as maravilhosas circunstâncias que acompanha-ram Seu próprio martírio — deve permanecer para sempre um dos mais gloriosos capítulos já registrados na sangrenta história dessa Fé. Toda a face da terra foi enegrecida pelas atrocidades que um inimigo cruel e ávido perpetrou irrestri-ta e persistentemente. De Khurásán, nos confins ocidentais da Pérsia até Tabríz, cena do martírio do Báb, e desde as cidades do norte, como Zanján e Teerã, estendendo-se para o sul até Nayríz, na província de Fárs, o país inteiro estava

(51) "Quando os verdugos haviam terminado sua sanguinária ta-refa, a turba de curiosos, aniquilados por um momento ante a paciente

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envolto de trevas — trevas que prenunciavam o alvorecer da Revelação que o esperado Husayn breve haveria de ma-nifestar, uma Revelação mais potente e mais gloriosa do que aquela que o próprio Báb proclamara (52).

coragem dos mártires, permitiu que uma vez mais explodisse seu feroz fanatismo, proferindo insultos aos restos mortais daqueles cujos espí-ritos já haviam passado além do poder da sua maldade. Cobriram os corpos inanimados com pedras e lixo, gritando: "Esta é a recompensa da pessoa que ama e daqueles que seguem o Caminho da Sabedoria e Verdade!". Tampouco permitiram que os corpos fossem enterrados num cemitério e sim o lançaram num fosso fora da Porta de Sháh Abdu'l-'Azim, que encheram posteriormente". ("A Traveller's Narrati-ve", Nota B, pp. 174-175).

(52) Enquanto esses acontecimentos se desenrolavam no norte da Pérsia, as províncias do centro e do sul foram profundamente agi-tadas pelo chamado entusiasta dos missionários da nova doutrina. A ralé — superficial, crédula, ignorante e extremamente superticiosa — estava aniquilada pelos relatos de constantes milagres que escutavam a cada instante; os Mullás, profundamente preocupados, ao sentir que seu rebanho estava prestes a escapar de seu controle, multiplicaram suas difamações e ofensas; fizeram circular as mais grosseiras menti-ras e as fantasias mais cruéis entre a aniquilada multidão que estava dividida entre o terror e a admiração". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", p. 387).

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CAPÍTULO XXII

A REVOLTA DE NAYRÍZ

Nos primeiros dias do assédio do forte de Tabarsí, Vahíd estava ocupado em difundir os ensinamentos da Causa em Burújird, bem como na província de Kurdistán. Ele havia resolvido ganhar a maioria dos habitantes daquelas regiões para a Fé do Báb e planejado seguir de lá a Fárs, onde con-tinuaria seus labores. Logo que soube da partida de Mullá Husayn para Mázindarán, apressou-se em ir à capital e em-preendeu os preparativos necessários para sua viagem ao forte de Tabarsí. Prestes estava para sair, quando Bahá'u'-lláh veio de Mázindarán e lhe informou da impossibilidade de se unir com seus irmãos. Essa notícia muito o entriste-ceu, e seu único consolo naqueles dias consistia em visitar Bahá'u'lláh freqüentemente e obter o benefício de Seus sá-bios e inestimáveis conselhos (1).

(1) "Depois de transcorrido algum tempo", escreve Mirzá Jání. "quando tive a honra de mais uma vez encontrar-me com Áqá Siyyid Yahyá em Teerã, pude observar em seu augusto rosto os sinais de uma glória e poder que não havia notado durante minha primeira viagem com ele à capital, nem em outras ocasiões que o encontrei. Me dei conta que estes sinais pressagiavam a aproximação de sua partida deste mundo. Posteriormente, disse em várias ocasiões durante a conversa: "Esta é minha última viagem e depois desta já não me poderás ver mais". Freqüentemente, seja em forma explícita ou por insinuação, expressava o mesmo pensamento. Algumas vezes, quando estávamos jun-tos e a conversa apresentava o momento propício, acentuava: "Os santos de Deus podem prever acontecimentos por vir; juro pelo Amado no poder de cuja mão jaz minha alma, que se eu posso decidir onde e

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Vahíd determinou-se, afinal, a proceder a Qazvín e lâ continuar o trabalho em que antes se havia ocupado. Daí partiu para Qum e Káshán, onde encontrou com os co-dis-cípulos e pôde lhes estimular o entusiasmo e reanimar os esforços. Continuou a viagem a Isfáhán, Ardistán e Ardikán, proclamando em cada uma destas cidades, com deleite e intrepidez, os ensinamentos fundamentais de seu Mestre, e conseguindo ganhar um número considerável de hábeis de-fensores da Causa. Chegou em Yazd em tempo de celebrar com os irmãos as festividades de Naw-Rúz, e estes expres-saram seu grande prazer em recebê-lo, muito se animando com sua presença. Como era homem de influência e reno-me, possuía ele, além de sua casa em Yazd, onde se estabe-lecera a esposa com os quatro filhos, uma casa em Dáráb, a morada de seus ancestrais, e outra em Nayráz, ricamente aparelhada.

Vahíd chegou em Yazd no primeiro dia do mês de Ja-mádíyu'1-Avval, no ano de 1266 A.H. (2), o quinto dia do qual, aniversário da Declaração do Báb, coincidiu com a festa de Naw-Rúz. Os principais ulemás e notabilidades da cidade vieram todos nesse dia para saudá-lo e lhe apresen-tar seus votos de felicidade. Navváb-i-Radaví, o mais mes-quinho e mais proeminente entre seus adversários, estava presente nessa ocasião e fez algumas insinuações maliciosas sobre a extravagância e o esplendor dessa recepção. "O ban-quete imperial do Xá," ouviu-se ele observar, "dificilmente pode esperar rivalizar a suntuosa refeição que nos ofere-cestes. Desconfio que, além deste festival nacional que hoje celebramos, estais comemorando outro." A resposta audaz e sarcástica de Vahíd provocou o riso dos que estavam pre-sentes. Todos aplaudiram por ser apropriada sua observa-ção, em vista da avareza e da malícia do Navváb. Nunca ha-vendo sido metido a ridículo em uma companhia tão grande e distinta, o Navváb se sentiu ferido por aquela resposta. O fogo que se abafava em sua mente contra o opositor, agora

como serei morto, e quem será o que me dará a morte. Quão glorioso e bendito será meu sangue se for derramado para enaltecer a Palavra da Verdade!" (O "Taríkh-i-Jadíd," p. 115).

(2) 1850 A. D.

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flamejou com crescente intensidade e o impeliu a satisfazer sua sede de vingança.

Vahíd aproveitou a ocasião para proclamar nessa reu-nião, destemidamente e sem reserva, os princípios básicos de sua Fé e demonstrar sua validade. A maioria dos que o ouviram conhecia apenas parcialmente as feições distintas da Causa ignorando seu pleno significado. Alguns entre eles se sentiram irresistivelmente atraídos e, logo, a abraçaram; os demais, não podendo lhe desafiar publicamente as pre-tensões, denunciaram-na em seus corações e juraram se va-ler de todos os meios em seu poder para extirpá-la. Diante da eloqüência e da intrepidez com que ele expunha a Ver-dade, inflamava-lhes a hostilidade e mais forte se tornava a determinação de tentar, sem demora, lhe derrubar a in-fluência. Aquele mesmo dia testemunhou a combinação de suas forças contra ele, e assinalou o início de um episódio destinado a trazer em seu rastro tanto sofrimento e afli-ção (3).

Destruir a vida de Vahíd veio a lhes ser o objetivo su-premo de suas atividades. Espalharam a notícia de que, no dia de Naw-Rúz, em meio aos reunidos dignitários da cidade, tanto civis como eclesiásticos, Siyyid Yahyáy-i-Dárábí tivera a audácia de desvelar as desafiadoras feições da Fé do Báb, e aduzira, para os fins de seu argumento, provas e evidên-cias colhidas do Alcorão, bem como das tradições do Islã. "Embora seus ouvintes," insistiam eles, "fossem alguns dos mais ilustres dos mujtahids da cidade, não se encontrou en-tre aquela congregação quem se aventurasse a protestar con-tra suas veementes asserções das pretensões de sua crença. Os que o ouviam guardavam silêncio, fato esse responsável

(3) "Sob o impulso de seu zelo e estagnado com o amor a Deus, estava ansioso por revelar à Pérsia a glória e alegria da única e eterna Verdade. 'Amar e ocultar um segredo que tenho é impossível', disse o poeta: é assim como nosso Siyyid começou a ensinar abertamente nas Mesquitas, nas ruas, nos mercados, nas praças públicas, em uma pala-vra, onde quer pudesse falar à alguém que lhe escutasse. Um entusiasmo tal traz seus frutos e as conversões foram numerosas e sinceras. Os Mullás, profundamente preocupados, denunciaram violentamente este sacrilégio perante o governador da cidade". (A. L. M. Nicolas, "Siyyid 'Ali-Muhammad dit le Báb", p. 390).

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pela onda de entusiasmo a seu favor que varreu a cidade, trazendo a seus pés nada menos que a metade de seus ha-bitantes, enquanto os restantes estão sendo rapidamente atraídos."

Tal notícia espalhou-se como uma conflagração por toda a cidade de Yazd e pelo distrito circunvizinho, ateando por um lado, a chama de violento ódio e por outro, sendo a causa de um considerável aumento dos que já se haviam identificado com essa Fé. De Ardikán e Mashhád, bem como das cidades e aldeias mais longínquas, multidões, ávidas de saber da nova Mensagem, se aglomeravam na casa de Vahíd. "Que deveremos fazer?" perguntavam-lhe. "Qual o modo que nos aconselhas para demonstrarmos a sinceridade de nossa fé e a intensidade de nossa devoção?" Desde a manhã até a noite, Vahíd absorvia-se em lhes resolver as perplexidades e dirigir os passos no caminho do serviço.

Durante quarenta dias persistiu essa atividade febril por parte dos zelosos aderentes, tanto mulheres como homens. Sua casa se tornara o centro para reunir uma hoste inu-merável de devotos que anelavam por demonstrar digna-mente o espírito da Fé que lhes havia inflamado a alma. A comoção que se seguiu forneceu ao Navváb-i-Radaví um novo pretexto para alistar em seus esforços contra o adversário o apoio do governador da cidade (4), que era jovem e inex-periente nos assuntos de Estado. Logo caiu ele vítima das intrigas e maquinações daquele perverso conspirador, que conseguiu induzi-lo a despachar uma força de homens ar-mados para assediar a casa de Vahíd. Enquanto um regi-mento do exército procedia a esse lugar, uma turba com-posta dos elementos degradados da cidade, à instigação do Navváb, dirigia seus passos ao mesmo lugar, determinada a intimidar os ocupantes com suas ameaças e imprecações.

Embora cercado por forças hostis de todos os lados, Vahíd continuou, da janela do andar superior de sua casa, a animar o zelo de seus aderentes e esclarecer qualquer coisa que ainda estivesse obscura em suas mentes. Diante do espetáculo de um regimento inteiro reforçado por um povo enfurecido, preparando-se para atacá-los, dirigiram-se

(4) Ssu nome era Áqá Khán.

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a Vahíd em sua aflição e lhe imploraram que lhes guiasse os passos. "Esta própria espada que jaz em minha frente," foi sua resposta, enquanto permanecia sentado do lado da janela, "foi dada a mim pelo próprio Qá'im. Deus sabe, ti-vesse eu sido por Ele autorizado a travar uma guerra santa contra esse povo, eu só, sem nenhum auxílio, teria aniqui-lado suas forças. É ordenado, porém, que eu me abstenha de tal ato." "Esse mesmo corcel," acrescentou ele, ao avistar o cavalo que seu servidor Hasan havia selado e trazido para a frente de sua casa, "o falecido Xá Muhammad me deu para usar ao empreender a missão da qual me incumbira, a de conduzir uma investigação imparcial da natureza da Fé proclamada pelo Siyyid-i-Báb. Pediu-me que lhe trouxesse pessoalmente os resultados da indagação, por ser eu o único entre os principais eclesiásticos de Teerã em quem ele podia depositar implícita confiança. Empreendi essa missão, fir-memente resolvido a refutar os argumentos desse siyyid, a induzi-Lo a abandonar Suas idéias e reconhecer meu grau de líder, e determinado a conduzi-Lo comigo a Teerã como testemunho do triunfo realizado. Quando, entretanto, entrei em Sua presença e Lhe ouvi as palavras, ocorreu o contrário daquilo que eu imaginara. Durante minha primeira audiên-cia com Ele, fiquei completamente embaraçado e confuso; até o fim da segunda, me sentia tão impotente e ignorante como uma criança; a terceira me encontrou tão humilde como o pó sob Seus pés. Em verdade havia Ele cessado de ser o siyyid desprezível que eu anteriormente imaginara. Para mim era Ele a manifestação do próprio Deus, a viva personifi-cação do Espírito Divino. Sempre desde aquele dia, tenho ansiado por sacrificar minha vida por amor a Ele. Regozijo-me por estar se aproximando rapidamente o dia que eu almejava testemunhar."

Vendo a agitação que se apoderara dos amigos, exortou-lhes que permanecessem calmos e pacientes e tivessem cer-teza de que o onipotente Vingador infligiria, dentro em breve, com Sua própria mão invisível, uma derrota esmagadora sobre as forças dispostas contra Seus bem-amados. Mal pro-nunciara estas palavras quando veio a notícia de que um certo Muhammad-Abdu'lláh, que ninguém suspeitava estar ainda vivo, havia de repente aparecido com alguns de seus

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companheiros, que também não tinham sido vistos mais e, levando o brado de "Yá Sáhibu'z-Zamán!" (5), se haviam precipitado contra os assaltantes, dispersando-lhes as forças. Demonstrou tal coragem que o destacamento inteiro, aban-donando as armas, buscaram refúgio, junto com o governa-dor, no forte de Nárín.

Naquela noite, Muhammad-'Abdu'lláh pediu que o con-duzissem à presença de Vahíd. Assegurou-lhe sua fé na Cau-sa e lhe informou dos planos que concebera para subjugar o inimigo. "Embora vossa intervenção," replicou Vahíd, "te-nha afastado desta casa hoje o perigo de uma calamidade imprevista, deveis reconhecer no entanto, que até agora nossa contenda com essas pessoas se limitou a um argumento que se centraliza na Revelação do Sáhibu'z-Zamán. O Navváb, porém, doravante será induzido a instigar o povo contra nós, alegando haver eu me levantado para estabelecer minha so-berania indisputável sobre a província inteira e com a in-tenção de estendê-la sobre toda a Pérsia." Aconselhou-lhe Vahíd que de imediato partisse da cidade e o entregasse ao cuidado e proteção do Onipotente. "Antes de chegar a hora marcada," ele lhe assegurou, "nem sequer o mínimo dano poderá o inimigo nos infligir."

Muhammad-'Abdu'lláh entretanto, preferiu não levar em conta o conselho de Vahíd. "Seria covarde," ouviu-se ele comentar enquanto se retirava, "se abandonasse meus ami-gos à mercê de um adversário irado e sanguinário. Qual en-tão, seria a diferença entre mim e aqueles que, desertaram o Siyyidu'sh-Shuhadá (6), no dia Ashúrá (7), deixando-o desamparado no campo de Karbilá? Um Deus de misericór-dia, tenho confiança, será indulgente para comigo e perdoará minha ação."

Com essas palavras, dirigiu os passos ao forte de Nárín e compeliu as forças aglomeradas nas cercanias a buscar um refúgio inglorioso dentro dos muros do forte; conseguiu que o governador permanecesse confinado junto com aqueles

(5) Veja glossário. (6) O Imame Husayn. (7) O dez de Muharram, dia em que foi martirizado o Imame Husayn.

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assediados. Ele mesmo vigiava, pronto para interceptar quaisquer reforços que tentassem alcançá-los.

O Navváb, entrementes, conseguira incitar um tumulto geral com a participação da massa dos habitantes. Quando se preparavam para atacar sua casa, Vahíd chamou Siyyid 'Abdu'l-'Azím-i-Khu'í cognominado Siyyid-i-Khál-Dár que ha-via participado por alguns dias na defesa do forte de Ta-barsí, a dignidade de cujo porte atraía atenção geral e man-dou que montasse seu próprio corcel e dirigisse publica-mente, pelas ruas e nos bazares, um apelo em seu nome à população inteira, exortando-lhes que abraçassem a Causa do Sáhibu'd-Zamán. "Que saibam," acrescentou ele, "que eu nenhuma intenção tenho de contra eles travar guerra santa. Sejam advertidos, porém, de que, se persistirem em assediar minha casa e continuarem seus ataques contra mim, desa-fiando completamente minha posição e linhagem, serei cons-trangido, como medida de defesa própria, a lhes fazer re-sistência e dispersar suas forças. Se preferirem rejeitar meu conselho e ceder aos sussurros do astucioso Navváb, man-darei que sete de meus companheiros lhes repulsem igno-miniosamente suas forças e esmaguem suas esperanças."

O Siyyid-i-Khál-Dár montou de um salto o corcel e, acompanhado por quatro de seus irmãos escolhidos, seguiu pelo mercado e fez ressoar, em acentos de sobrepujante majestade, a advertência que fora incumbido de proclamar. Não contente com a mensagem que lhe fora confiada, aven-turou-se a acrescentar, de seu próprio modo inimitável algumas palavras com as quais tentou realçar o efeito que a proclamação produzira. "Acautelai-vos," bradou ele, "se desprezardes nosso apelo. Minha voz erguida advirto-vos, se há de provar suficiente para fazer tremerem os próprios muros de vosso forte, e a força de meu braço será capaz de quebrar a resistência de seus portões!"

Sua voz estentórea ressoava como uma trombeta, difun-dindo consternações nos corações daqueles que a ouviam. Unânime a população apavorada declarou sua intenção de depor as espadas e deixar de molestar Vahíd, cuja linha-gem prometeram daí em diante reconhecer e respeitar.

Constrangido por haver o povo recusado termínante-mente a lutar contra o Vahíd, o Navváb induziu-o a dirigir

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o ataque contra Muhammad-'Abdu'lláh e seus companhei-ros, estacionados nas proximidades do forte. O choque des-sas forças levou o governador a sair de seu refúgio e dar ordens ao destacamento assediado para juntar-se com aque-les recrutados pelo Navváb. Muhammad-'Abdu'lláh havia começado a dispersar a turba que se precipitara da cidade para investir contra ele quando, de súbito, foi atacado pelo fogo que as tropas abriram sobre ele por ordem do gover-nador. Uma bala atingiu-lhe o pé, jogando-o no chão. Al-guns de seus companheiros também foram feridos. De-pressa seu irmão retirou-o para um lugar de segurança, donde o levou a seu pedido, à casa de Vahíd.

O inimigo seguiu-o até essa casa, com a determinação absoluta de o prender e trucidar. O clamor do povo que se aglomerara em volta de sua casa compeliu Vahíd a man-dar que Mullá Muhammad-Ridáy-i-Manshádí um dos ule-más mais esclarecidos de Manshhád, que havia rejeitado o turbante e se oferecido como seu vigia, saísse, com o au-xílio de seis companheiros, que ele deveria escolher, disper-sasse suas forças. "Que levante a voz, cada um de vós," or-denou-lhes, "e repita sete vezes as palavras 'Alláh-u-Akbar (8) e, na sétima invocação, salte a frente, todos ao mesmo tempo, em meio a vossos assaltantes."

Mullá Muhammad-Ridá, a quem Bahá'u'lláh dera o nome de Rada'r-Rúh, pôs-se em pé e, com seus companheiros, procedeu diretamente a cumprir as instruções recebidas. Aqueles que o acompanharam, embora de físico frágil e inexperiente na arte da esgrima, estavam inflamados com uma fé que os tornou o terror de seus adversários. Sete dos mais temíveis entre o inimigo pereceram naquele dia, que era o dia vinte e sete do mês de Jamádíyu'th-Thání (9). "Mal havíamos derrotado o inimigo," relatou Mullá Muham-mad-Ridá, "e voltado à casa de Vahíd, quando encontramos Muhammad-'Abdu'lláh, que jazia ferido em nossa frente. Ele foi levado a nosso líder e participou do alimento do qual este fora servido, depois do qual o retiraram para um

(8) Deus é Todo Glorioso. (9) 10 de maio de 1850 A. D.

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esconderijo, onde permaneceu em segredo até se recuperar da ferida. Foi apreendido afinal e trucidado pelo inimigo."

Naquela mesma noite, Vahíd mandou os companheiros dispersarem-se e exercerem a máxima vigilância para lhes garantir a segurança. Aconselhou a esposa que se retirasse, com os filhos e todos os pertences, para a casa do pai, dei-xando atrás qualquer coisa que a ele pessoalmente perten-cesse. "Esta residência palaciana," informou-lhe ele, "cons-trui com a intenção única de que fosse afinal demolida na senda da Causa, e o imponente mobiliário com que a ador-nei foi comprado na esperança de que algum dia eu pudesse sacrificá-lo por amor a meu Bem-Amado. Então amigo e inimigo igualmente virão a compreender que quem possuía esta casa foi dotado de tão grande e inestimável herança que nenhuma mansão terrestre, não importando quão sun-tuosamente e com quanta magnificência estivesse adornada, tinha valor aos seus olhos; que se rebaixara, segundo sua estimativa, ao estado de uma pilha de ossos, ao qual somen-te os cães da terra se sentiriam atraídos. Oxalá pudesse tão irrefutável evidência do espírito de renúncia abrir os olhos desse povo perverso e nele despertar o desejo de seguir nas pegadas daquele que demonstrou esse espírito!"

No segundo quarto daquela mesma noite, Vahíd levan-tou-se e, juntando os escritos do Báb que estavam em seu poder, bem como cópias de todos os tratados que ele mes-mo compusera, confiou-os a seu servidor Hasan e mandou que os levasse a um lugar fora do portão da cidade, onde a estrada se desviava em direção a Mihráz. Ordenou-lhe aguardar sua chegada e o advertiu de que, fosse ele deso-bedecer suas instruções, com ele nunca mais poderia se en-contrar.

Logo que Hasan montou o cavalo e se preparou para sair, os gritos dos sentinelas, que vigiavam a entrada do forte, chegaram a seus ouvidos. Receando que o prendes-sem e apanhassem os preciosos manuscritos em seu poder, decidiu seguir por um caminho diferente daquele que seu mestre lhe ordenara tomar. Enquanto passava atrás do for-te, os sentinelas, reconhecendo-o, fuzilaram seu cavalo e o tomaram preso.

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Vahíd, entrementes, preparava-se para sair de Yazd. Deixando os dois filhos, Siyyid Ismáll e Siyyid 'Alí-Muham-mad, entregues ao cuidado da mãe partiu acompanhado por seus outros dois filhos, Siyyid Ahmad e Siyyid Mihdí, juntamente com dois de seus companheiros, ambos residen-tes de Yazd, que lhe haviam pedido permissão para acom-panhá-lo em sua viagem. O primeiro, Ghulám-Ridá de nome, era homem de coragem excepcional, enquanto o último Ghulám-Ridáy-i-Kúchik, se distinguira na arte de pontaria. Escolheu o mesmo caminho que ele havia aconselhado a seu servo a tomar e, lá chegando são e salvo nesse lugar, admirou-se de não encontrar Hasan. Vahíd sabia imediata-mente que ele desobedecera suas instruções e fora apreendi-do pelo inimigo. Deplorou-lhe a sorte e se lembrou da ação de Muhammad-'Abdulláh, que de modo semelhante não se conformara com sua vontade e em conseqüência havia so-frido dano. Foram subseqüentemente informados de que na manhã daquele mesmo dia Hasan foi atirado da boca de um canhão (10) e que um certo Mírzá Hasan, que havia sido imame de um dos distritos de Yazd, um homem conhecido por sua piedade, fora preso uma hora depois e sujeitado à mesma sorte de seu companheiro.

A notícia de que Vahíd partira de Yazd incitou o ini-migo a novos esforços. Logo foram a sua casa, saquearam-lhe as possessões e a demoliram completamente(ll). Ele

(10) "Quando estavam amarrando suas costas à boca do canhão, ele disse: "Amarrem-me, eu lhes peço, o meu rosto no canhão para que eu possa ver o momento que dispararem". Os artilheiros e curiosos que estavam próximos ficaram assombrados com a sua coragem. Certamente, pensaram eles, quem se mostra feliz em tal situação deve necessaria-mente ter grande fé." (O "Taríkh-i-Jadíd", p. 117).

(11) "Áqá Khán ao verificar o desaparecimento do rebelde deu um suspiro de alívio. Além disso, sentia que perseguir os fugitivos im-plicava em certo perigo e que portanto, seria infinitamente mais prá-tico, mais vantajoso e menos perigoso torturar os Babís ou aqueles que se presumia que fossem Babís — sempre que fossem pessoas ricas — que houvessem permanecido na cidade. Perseguiu os mais prósperos, ordenou que fossem executados e confiscou seus bens, vingando desta forma sua injuriada religião, coisa que de pouca importância valia para ele e levando para seus cofres o que lhe trazia grande satisfa-ção". (A. L. M. Nicolas: "Siyyd 'Alí-Muhammad dit le Báb", p. 391).

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próprio, entrementes, dirigia os passos a Nayríz. Embora não acostumado a caminhar, andou a pé naquela noite sete farsangs(12), enquanto os filhos foram carregados pelos companheiros por uma parte da viagem. Durante o dia se-guinte, ele se escondeu nos recessos de uma montanha nas cercanias. Seu irmão, que residia nessa vizinhança e que lhe tinha afeição profunda, ao saber de sua chegada, lhe mandou secretamente quaisquer provisões que ele necessi-tasse. Naquele mesmo dia um corpo dos subordinados do governador, que haviam partido montados à procura de Vahíd, chegaram naquela aldeia, procuraram-no na casa de seu irmão, onde suspeitavam que ele estivesse escondido, e se apoderaram de muitos de seus bens. Não podendo encon-trá-lo, regressaram a Yazd.

Enquanto isso, Vahíd caminhava através das monta-nhas até alcançar o distrito de Bavánát-i-Fárs. A maioria de seus habitantes, que se contavam entre seus fervorosos ad-miradores, abraçou prontamente a Causa. Um deles foi o muito conhecido Hájí Siyyid Ismá'il, o Shaykhu'1-Islam de Bavánát. Um número considerável deles acompanhou-o até a aldeia de Fasá, onde os habitantes se recusaram a respon-der à Mensagem que ele os convidou a seguir.

Por todo o seu caminho, em qualquer lugar que paras-se, o primeiro pensamento de Vahíd, logo depois de apear, era procurar o masjid da vizinhança, onde ele convocava o povo para ouvi-lo anunciar as boas novas do Novo Dia. De todo inconsciente das fadigas de sua jornada, ele pronta-mente subia ao púlpito e destemidamente proclamava à con-gregação o caráter da Fé que ele se levantara para defen-der. Apenas uma noite passava ele nesse lugar quando ha-via conseguido ganhar para a Causa almas das quais pu-desse confiar para propagá-la após sua partida. De outro modo, continuava ele imediatamente sua marcha, recusando associar-se mais com eles. "Por qualquer aldeia que eu passe," observava ele muitas vezes, "e não consiga inalar a fragrância da fé, nem seu alimento nem sua bebida têm para mim sabor."

(12) Veja glossário.

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Ao chegar na aldeia de Rúníz, no distrito de Fasá, Vahíd decidiu demorar-se por alguns dias. Aqueles corações que lhe pareciam receptivos a seu chamado, ele se esforçava por atrair e inflamar com o fogo do amor de Deus. Logo que chegou a Nayríz a notícia de sua chegada, a população in-teira do bairro de Shinár-Súkhtih apressou-se a sair a seu encontro. Pessoas de outros distritos também, impelidas pelo seu amor e admiração por ele, decidiram juntar-se a eles. Receando que ZaynuVAbidín Khán, governador de Nayríz, fizesse objeção a sua visita, a maior parte deles partiu à noite. Só do distrito de Shinár-Sukhtih mais de cem estudantes, precedidos pelo seu líder, Hájí Shaykh 'AbduVAlí, sogro de Vahíd, e um juiz de reconhecido pres-tígio em todo aquele distrito, sentiram-se impelidos a se unir com algumas das mais eminentes notabilidades para saudar o esperado visitante antes de sua chegada nessa ci-dade. Entre esses figuravam Muilá 'Abdu'1-Husayn, homem venerável de oitenta anos, altamente estimado por sua pie-dade e sua erudição; Mullá Báqir, que era o imame do dis-trito de Shinár-Súkhtih; Mírzá Husayn-i-Quth, o kad-khu-dá(13) do distrito de Bázár, com todos seus parentes, Mírzá Abu'1-Qásim, parente do governador; Hájí Muhammad-Taqí, que Bahá'u'lláh mencionou no "Súriy-i-Ayyúb", junto com seu genro; Mírzá Nawrá e Mírzá 'Alí-Ridá, ambos do dis-trito de Sádát(14).

(13) Veja glossário. (14) "Os Nayrizis deram calorosas boas vindas a Siyyid Yahyá.

Apenas dois dias após a sua chegada um grande número deles veio visitá-lo durante a noite por temor ao governo, disse Fárs-Námih e lhe ofereceram seus serviços, pois odiavam seus governantes. Outros, a maioria residente no distrito de Shinár-Súkhtih, converteram-se em grande número. Seu exemplo era contagioso, e logo os Babís podiam contar com os tullábs de Shinár-Súkhtih que eram mais ou menos uns cem, seu chefe Hájí Shaykh 'Abdu'l-'Auí, o pai da esposa de Siyyid Yahyá, o extinto Ákhún Mullá 'Abdu'1-Husayn, um senhor de idade muito versado em literatura religiosa, Ákhúnd Mullá Báqir, o Pish-namáz do distrito, Mullá 'Ali Kátib, outro Mullá 'Ali com seus quatro irmãos e o Kad-Khudá, o Rísh-Safíd e outros cidadãos do setor cha-mado Bazar, tais como o extinto Mashhádí Mirzá Husayn chamado Qutb, com toda a família e parentes, Mirzá Abu'1-Qásim que era so-brinho do governador. Hájí Muhammad-Táqí, apelidado de Ayyúb e

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Todos estes, alguns durante o dia e outros à noite, fo-ram até a aldeia de Rúníz a fim de dar boas vindas ao vi-sitante e lhe assegurar sua inalterável devoção. Embora o Báb tivesse revelado uma Epístola geral dirigida especial-mente àqueles que haviam recentemente abraçado Sua Cau-sa em Nayríz, os que a receberam continuavam todavia in-conscientes de seu significado e seus princípios fundamen-tais. Coube a Vahíd esclarecê-los quanto a seu verdadeiro propósito e lhes expor as feições que a distinguiam.

Logo que ZaynuVAbidín Khán soube do considerável êxodo ocorrido com o fim de dar boas vindas a Vahíd, des-pachou um mensageiro especial para alcançar aqueles que já haviam partido e lhes informar de sua determinação de tirar a vida, tornar cativas as esposas e confiscar os bens de qualquer um que persistisse em lhe hipotecar lealdade. Nenhum daqueles que haviam partido atendeu essa adver-tência mas, antes, se aderiram ainda mais apaixonadamen-te a seu líder. Consternou-se o governador diante de sua inabalável determinação e seu desdenhoso desprezo de seu mensageiro, e receoso de que contra ele se levantassem, de-cidiu transferir sua residência para a aldeia de Qutrih, onde morara originalmente e situada a uma distância de oito farsangs(15) de Nayríz. Ele escolheu essa aldeia porque nas proximidades havia uma fortaleza maciça que ele po-deria utilizar como lugar de refúgio em caso de perigo e, além disso, tinha certeza de que seus habitantes estavam treinados na arte da pontaria e de que poderia contar com eles para defendê-lo quando quer que os chamasse.

Vahíd nesse entrementes partira de Rúníz para o san-tuário de Pír-Murád, situado fora da aldeia de Istahbánát. A despeito da interdição pronunciada pelos ulemás dessa aldeia contra sua entrada, nada menos que vinte de seus habitantes saíram para lhe dar boas vindas e acompanha-

seu genro Mirzá Husayn e muitos outros do setor dos Siyyids e o filho de Mirzá Nawrá, e Mirzá 'Al-Ridá, o filho de Mirzá Husayn, o filho de Hájí 'Ali, etc. Todos foram convertidos, alguns durante a noite com grande temor, outros abertamente sem medo, e, alguns em pleno dia". (A. L. M. Nicolas: "Siyyd Alí-Muhammad dit le Báb", p. 393).

(15) Veja glossário.

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ram-no até Nayríz. Ao chegarem, na manhã do dia quinze de Rajab(16), a primeira coisa que Vahíd fez, logo que en-trou em seu distrito nativo de Shinár-Súkhtih, mesmo antes de ir a sua própria casa, foi entrar no masjid e chamar a congregação lá reunida, para reconhecer e abraçar a Men-sagem do Báb. Impaciente para se dirigir à multidão que o esperava, ainda vestindo as roupas cobertas de poeira, as-cendeu ao púlpito e com eloqüência tão convincente falou que a assistência inteira foi eletrizida por seu apelo (17). Nada menos de mil pessoas, todas nativas do distrito de Shinár-Súkhtih, e quinhentas outras dos vários distritos de Nayríz, todas as quais se haviam amontoado no prédio, res-ponderam espontaneamente. "Ouvimos e obedecemos!" ex-clamou a jubilosa multidão, com irrestrito entusiasmo, en-quanto avançava para lhe assegurar sua homenagem e sua gratidão. O efeito mágico que esse apaixonado discurso teve nos corações dos que o ouviram foi tal como Nayríz nunca antes presenciara.

"Meu objetivo único," continuou Vahíd, enquanto es-clarecia sua assistência, assim que a primeira onda de ex-citamento se acalmara, "em vir a Nayríz, é o de proclamar a Causa de Deus, Agradeço a Ele e O glorifico por me haver possibilitado tocar vossos corações com Sua Mensagem. Desnecessário é que eu demore mais em vosso meio, pois

(16) 27 de maio de 1850 A. D. (17) "Subiu ao púlpito e exclamou: "Não sou eu por acaso aquele

a quem vós haveis considerado como vosso pastor e guia? Não haveis dependido sempre de meu ensinamento para guiar vossas consciências pelo caminho da salvação? Não sou eu aquele cujas palavras de con-selho haveis obedecido sempre? Que sucedeu que me tratais como vosso inimigo e o inimigo de vossa religião? Que ações estabelecidas pela lei são proibidas? Que ações ilícitas são permitidas? De que impiedosa-mente me acusais? Os tenho guiado alguma vez para o terror? Eis aqui! Agora porque vos tenho dito a verdade, porque com lealdade tenho tratado de instruir-vos, se me submetem à opressão e se me perseguem! Meu coração arde de amor por vós e vós me perseguis! Recordai-vos! Recordai-vos bem! Quem me entristece, entristece a meu antepassado Maomé, o glorioso Profeta, e quem me ajuda, ajuda a Ele também. Em nome de tudo o que é sagrado para vós, que todos aqueles que amam o Profeta me sigam!" (A. L. M. Nicolas: "Siyyid 'Ali-Muhammad dit le Báb", p. 395).

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receio que, se prolongar minha estada, o governador vos possa tratar mal por minha causa. Ele pode buscar refor-ços de Shíráz e destruir vossos lares e vos sujeitar a incal-culáveis indignidades." "Estamos prontos e resignados à vontade de Deus," respondeu uníssona a congregação. "Con-ceda-nos Deus Sua graça para que possamos resistir às ca-lamidades que ainda nos podem sohrevir. Não podemos, entretanto, reconciliar-nos com tão abrupta e apressada se-paração de vós."

Assim que estas palavras caíram de seus lábios, homens e mulheres, de mãos dadas, conduziram Vahíd em triunfo para sua casa. Com entusiasmo extremo, exultação e júbilo cercaram-no e, com salvas e exclamações, acompanharam-no até a própria entrada de sua casa.

Os poucos dias durante os quais Vahíd consentiu em demorar-se em Nayríz, foram passados pela maior parte no masjid, onde ele continuou, com a costumeira eloqüência e sem a menor reserva, a elucidar os ensinamentos fundamen-tais que ele recebera de seu Mestre. Cada dia testemunhava um aumento do número de sua assistência, e de todos os lados se tornavam mais e mais manifestas as evidências de sua influência maravilhosa.

A fascinação que ele exercia no povo não pôde deixar de aumentar a fúria e a hostilidade latente de Zaynu'l-'Abi-dín Khán. Incitado a novos esforços, mandou levantar um exército com o declarado objetivo de erradicar uma Causa que, achava, rapidamente lhe solapava a própria posição. Breve conseguiu ele recrutar cerca de mil homens, consis-tindo tanto de cavalaria como de infantaria, todos os quais bem treinados na arte da guerra e munidos de amplos ar-mamentos. Seu plano era, por uma súbita investida, tomá-lo preso.

Ao ser informado dos desígnios do governador, Vahíd ordenou que aqueles vinte companheiros, os quais haviam partido de Istahbánát a fim de lhe dar boas vindas e o acom-panhado até Nayríz, ocupassem o forte de Khájih, situado na vizinhança do distrito de Shinár-Súkhtih. Escolheu Shaykh Hádí, filho de Shaykh Muhsin, para chefiar a companhia, e solicitou os seguidores que residiam naquele distrito a for-tificarem os portões, as torres e os muros dessa cidadela.

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O governador havia entrementes transferido a sede para sua própria casa no distrito de Bázár. A força por ele le-vantada acompanhou-o e ocupou o forte situado nas cerca-nias. Suas torres e seus muros, os quais ele começou a re-forçar, tinham vista para a cidade inteira. Havendo forçado Siyyid Abú-Tálib, o kad-khudá (18) desse distrito e um dos companheiros de Vahíd, a evacuar sua casa, fortificou o te-lhado e sobre ele estacionando alguns de seus homens, co-mandados por Muhamrnad-'Alí Khán, deu ordens para abrir fogo contra o adversário. O primeiro a sofrer foi aquele mesmo Mullá 'Abdu'1-Husayn que, a despeito de sua idade avançada, fora a pé para dar boas vindas a Vahíd. Estava oferecendo sua oração no telhado de sua casa quando uma bala lhe feriu o pé direito, fazendo-o sangrar profusamente. Esse golpe cruel evocou a compaixão de Vahíd, quem se apressou, em uma mensagem por escrito àquele sofredor, a lhe expressar seu pesar peia ferida infligida e a alegrá-lo com pensamento de que ele, nessa etapa avançada de sua vida, foi o primeiro a ser escolhido para cair vítima na senda da Causa.

Tão repentino ataque consternou alguns dos companhei-ros que haviam apressadamente abraçado a Mensagem, sem lhe apreciar o pleno significado. Tão severamente se abalou sua fé, que um pequeno número foi induzido, na calada da noite a se separar de seus companheiros e se aliar às forças do inimigo. Mal fora Vahíd informado de sua ação quando, na hora do alvorecer, se levantou e, montando seu corcel e acompanhado por alguns de seus amigos, saiu para o forte de Khájih, onde fixou residência.

Sua chegada foi sinal para um novo ataque contra ele. ZaynuVAbidín Khán despachou imediatamente seu irmão mais velho, 'Alí-Asghar Khán, juntamente com mil homens, todos munidos de armas e bem treinados, para assediarem aquele forte, no qual setenta e dois companheiros já se ha-viam refugiado. Na hora do amanhecer, certo número deles, agindo de acordo com as instruções de Vahíd, saiu e com extraordinária rapidez forçou os assediantes a se disper-sarem.

(18) Veja glossário.

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Não mais que três dos companheiros morreram durante esse encontro. O primeiro foi Táju'd-Dín, um homem notá-vel peia sua intrepidez, cuja profissão era a fabricação do kuláh (19) de lã; o segundo foi Zagníl, filho de Iskandar, um agricultor; o terceiro foi Mírzá Abu'1-Qásim, homem de mérito proeminente.

Essa derrota completa e repentina despertou as apre-ensões do Príncipe Fírúz Mírzá, o Nusratu'd-Dawlih, gover-nador de Shíráz, que deu ordens para o extermínio ime-diato dos ocupantes do forte. Zaynu'1-Abidín Khán despachou um dos subordinados do príncipe a Vahíd para com ele ins-tar que, em vista das relações críticas entre eles, partisse de Nayríz, na esperança de que breve se extinguisse o dano que fora provocado. "Diga-lhe," replicou Vahíd, "que meus dois filhos, juntamente com seus assistentes, são toda a com-panhia que tenho comigo. Se minha presença nesta cidade há de causar dano, estou pronto para partir. Por que é que, em vez de nos conceder a acolhida merecida por um des-cendente do Profeta, ele nos privou de água e incitou seus homens a nos assediarem e atacarem? Se ele persistir em nos negar as necessidades da vida, advirto-o de que sete de meus companheiros, os quais ele considera os mais despre-zíveis entre os homens, haverão de infligir as suas forças combinadas uma derrota humilhante."

Vendo que Zaynu'l-'Abidín Khán não levava em conta sua advertência, Vahíd mandou seus companheiros saírem do forte e punirem os assaltantes. Com admirável coragem e confiança, embora extremamente jovens quanto à idade e de todo inexperientes no uso de armas, conseguiram des-moralizar um exército treinado e organizado. O próprio 'Alí-Asghar Khán pereceu, e dois de seus filhos foram presos. Zaynu'l-'Abidín Khán, com o que ainda restava de suas for-ças dispersas, retirou-se ignominiosamente para a aldeia de Qutrih, informou o príncipe da gravidade da situação e o solicitou a enviar reforços imediatos, frisando a especial ne-cessidade de artilharia pesada e um destacamento grande, tanto de infantaria como de cavalaria.

(19) Veja glossário.

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Vahíd, por sua parte, certificando-se de que o inimigo estava determinado a exterminá-los, mandou fortalecer as defesas do forte, construir uma cisterna para água dentro do recinto e erguer fora dos portões as tendas que haviam levado. Designou a certos de seus companheiros, naquele dia, funções e deveres especiais. Karbilá'í Mírzá Muhammad foi indicado para guarda dos portões do forte; Shaykh Yúsuf, como guardião dos fundos; Karbilá'í Muhammad, filho de Shamsu'd-Dín, como superintendente dos jardins adjacentes ao forte e das barricadas; Mírzá Ahmad, tio de 'Alíy-i-Sardár, foi designado oficial para vigiar a torre do moinho conhe-cido pelo nome de Chinár, situado na vizinhança do forte; Shaykháy-i-Shívih-Kash para ser o executor; Mírzá Muham-mad-Jafar, primo de Zaynu'l-'Abidín Khán, para ser o cro-nista; Mírzá Fadlu'lláh como leitor destes registros; Mash-hadí Taqí-Baqqál, para ser o carcereiro; Hájí Muhammad-Taqí, o escrivão; e Ghulám-Ridáy-i-Yazdí para ser o capitão das forças. Além dos setenta e dois companheiros que esta-vam com ele no forte, os que o haviam acompanhado de Is-tahbánát a Nayríz, Vahíd foi induzido, à instância de Siyyid Ja'far-i-Yazdí, um sacerdote muito conhecido, e Shaykh-'AbduVAlí, o sogro de Vahíd, a admitir ao forte alguns resi-dentes do distrito de Bázár juntamente com vários de seus próprios parentes.

ZaynuVAbidín Khán renovou seu apelo ao príncipe e, desta vez, mandou junto com seu pedido, que era para reforços urgentes e adequados, a soma de cinco mil tú-máns (20) como seu presente pessoal a ele. Confiou sua carta a um de seus amigos íntimos, Mullá Báqír e, permi-tindo que montasse seu próprio corcel, deu-lhe instruções para entregá-la pessoalmente ao príncipe. Ele o escolhera em virtude de sua intrepidez, da fluência de seu discurso e de seu tato. Mullá Báqir tomou um caminho pouco freqüen-tado e, após uma viagem de um dia, chegou a um lugar cha-mado Hudashtak, na vizinhança do qual havia um forte a cujo redor tribos que vagavam pelo campo as vezes levan-tavam suas tendas.

(20) Veja glossário.

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Mullá Báqír apeou perto de uma dessas tendas e, en-quanto conversava com seus ocupantes, veio Hájí Siyyid Ismáll, o Shaykhu'1-Islám de Bavánát. Obtivera ele licença de Vahíd para proceder a sua aldeia nativa a fim de tratar de algum assunto urgente, devendo regressar imediatamente a Nayríz. Após o almoço, viu que um cavalo ricamente ajae-zado estava amarrado aos cabos de uma das tendas vizinhas. Ao ser informado de que pertencia a um dos amigos de Zaynu'l-'Abidín Khán, que chegara de Nayríz em viagem para Shíráz, Hájí Siyyid lsmá'íl, que era homem de cora-gem excepcional, foi de imediato àquela tenda, montou no cavalo e, desembainhando a espada, disse austeramente ao dono da tenda, com quem Mullá Báqír ainda conversava, estas palavras: "Apreende esse vilão que fugiu da face do Sáhibu'z-Zamán (21). Amarra-lhe as mãos e o entrega a mim." Aterrados pelas palavras e pela maneira de Hájí Mullá Ismá'íl, os ocupantes da tenda obedeceram imediatamente. Amarraram suas mãos e entregaram a corda que haviam usado a Hájí Siyyid Ismá'íl, que esporeou o corcel em dire-ção a Nayríz, obrigando seu cativo a segui-lo. A uma dis-tância de dois farsangs dessa cidade, alcançou a aldeia de Rastáq, onde entregou seu cativo às mãos de seu kad-khudá, cujo nome era Hájí Akbar, solicitando-o a conduzi-lo à pre-sença de Vahíd. Este, ao entrevistá-lo, indagou quanto ao objetivo de sua jornada a Shíráz e dele recebeu uma resposta franca e minuciosa. Embora Vahíd estivesse disposto a per-doá-lo, Mullá Báqír, no entanto, por causa de sua atitude para com ele, foi morto afinal pelas mãos dos companheiros.

Zaynu'l-'Abidín Khán, longe de relaxar sua determinação de solicitar o auxílio de que precisava de Shíráz, fez um apelo mais veemente ao príncipe desta vez, instando-o a re-dobrar seus esforços para exterminar o que ele considerava a mais grave ameaça à segurança de sua província. Não se contentando com essa fervorosa súplica, despachou a Shíráz vários de seus homens fidedignos, carregados de presentes para o príncipe, esperando por esse meio induzi-lo a agir logo. Em mais um esforço ainda para assegurar o êxito de

(21) Veja glossário.

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suas tentativas, dirigiu ele vários apelos aos principais ule-más e siyyids de Shíráz, nos quais imputava a Vahíd objeti-vos obviamente falsos, se estendia sobre suas atividades sub-versivas e os exortava a interceder com o príncipe e im-plorar-lhe a apressar o despacho de reforços.

Prontamente acedeu o príncipe a seu pedido. Deu ins-truções a 'Abdu'lláh Khán, o Shujá'u'1-Mulk, para sair de imediato para Nayríz, acompanhado pelos regimentos dos Itamadání e Sílákhurí, chefiados por vários oficiais e assisti-dos por uma força adequada de artilharia. Além disso, man-dou seu representante em Nayríz recrutar todos os homens aptos do distrito circunvizinho, inclusive das aldeias de Is-tahbánát, íraj, Panj-Ma'ádin, Qutrih, Bashnih, Dih-Cháh, Mushkán e Rastáq. A estes acrescentou os membros da tribo conhecida pelo nome Vísbaklaríyyih, a quem mandou uni-rem-se ao exército de Zaynu'l-'Abidín Khán.

Uma hoste inumerável cercou de súbito o forte em que Vahíd e seus companheiros estavam assediados e começou a cavar trincheiras a seu redor e levantar barricadas ao longo dessas trincheiras (22). Mal se terminara esse trabalho quando se abriu fogo contra eles. Uma bala atingiu o cavalo em que montava um dos assistentes de Vahíd enquanto vi-giava o portão. Outra bala seguiu de imediato a primeira e penetrou a torre por cima desse portão. No decorrer desse bombardeio, um dos companheiros, apontando com a es-pingarda o oficial que comandava a artilharia, matou-o ins-tantaneamente e, em conseqüência, o ruído dos canhões foi silenciado logo. Os assaltantes com isso se retiraram, escon-dendo-se dentro das trincheiras. Naquela noite, nem os as-sediados nem os atacantes se aventuraram a sair de seus abrigos.

Na segunda noite porém, Vahíd chamou Shulám-Ridáy-i-Yazdí e ordenou que ele com quatorze de seus companhei-

(22) "O autor de Násikhu't-Tavárikh afirma sem erro algum que as tropas imperiais estavam mal treinadas e não mostravam desejo algum de lutar, de modo que, sem pensar em atacar, estabeleceram um acampamento que se apressaram em fortificar de imediato". (A. L. M. Nicolas: Siyyd 'Alí-Muhammad dit le Báb", p. 401).

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ros saíssem do forte e repelissem o inimigo. Os que foram chamados para cumprir tal tarefa eram pela maior parte homens de idade avançada, os quais ninguém teria pensado serem capazes de enfrentar o choque de tão tremenda luta. Entre eles havia um sapateiro que, embora com a idade de mais de noventa anos, mostrou tanto entusiasmo e vigor como nenhum jovem poderia esperar exceder. Outros dos quatorze eram meros rapazinhos que não tiveram ainda o mínimo preparo para encarar os perigos e suportar a ten-são que tal investida acarretava. Idade pouco importava, no entanto, para aqueles heróis a quem uma intrépida vontade e uma inalterável confiança no alto destino de sua Causa haviam transformado completamente. Deu-lhes instruções seu líder para se dividirem logo depois de deixarem o abrigo do forte e, levantando simultaneamente o brado de "Allá-u-Akbar!" (23) saltarem no meio do inimigo.

Tão logo o sinal havia sido dado, quando eles levanta-ram e apressando-se a seus corcéis e rifles, saíram pelo por-tão do forte. Não intimidados, em absoluto, pelo fogo que jorrava das bocas dos canhões, nem pelas balas que cho-viam sobre suas cabeças, precipitaram-se no meio de seus adversários. Esse repentino encontro durou nada menos de oito horas, e em curso aquela destemida companhia demons-trou tamanha habilidade e bravura que os veteranos nas fi-leiras do inimigo se assombravam. Da cidade de Náyríz, bem como de suas fortificações nas cercanias, reforços apres-saram-se ao auxílio daquela pequena companhia que tão valorosamente resistira as forças combinadas de um exér-cito inteiro. À medida que se estendia o âmbito da luta le-vantaram-se de todos os lados as vozes das mulheres de Nayríz que haviam acorrido aos telhados de suas casas para aclamar o heroísmo que de um modo tão impressionante se exibia. Suas salvas exultantes adicionavam-se ao ruído dos canhões, acrescentando-se ainda maior intensidade com a ex-clamação de "Alláh-u-Akbar!" a qual os companheiros, em um frenesi de excitamento, ergueram em meio a esse tumul-

(23) Veja glossário.

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to. A comoção causada pelos elementos femininos, sua es-pantosa audácia e confiança em si próprias, desmoralizaram completamente os oponentes e lhes paralizaram os esforços. O acampamento do inimigo estava desolado e deserto, ofere-cendo um triste espetáculo enquanto regressaram ao forte. Levaram consigo, além dos gravemente feridos, nada menos que sessenta mortos, entre os quais os seguintes:

1. Ghulám-Ridáy-i-Yazdí (não deve ser confundido com o capitão das forças que tinha o mesmo nome),

2. Um irmão de Ghulám-Ridáy-i-Yazdí, 3. 'Ali, filho de Khayru'lláh, 4. Khájih Husayn-i-Qannád, filho de Khájih Ghaní, 5. Asghar, filho de Mullá Mihdí, 6. Karbilá'í 'Abdu'1-Karím, 7. Husayn, filho de Mashhadí Muhammad, 8. ZaynuVÁbidín, filho de Mashhadí Báqir-i-Sabbágh, 9. Mullá Ja'far-i-Mudhahhíb,

10. 'Abdu'lláh, filho de Mullá Músá, 11. Muhammad, filho de Mashhadí Rajab-i-Haddád, 12. Karbilá'í Hasan, filho de Karbilá'í Shamsu'd-Dín-i-

Malikí-Dúz, 13. Karbilá'í Mírzá Muhammad-i-Zárí, 14. Karbilá'í Báqir-i-Kafsh-Dúz, 15. Mírzá Ahmad, filho de Mírzá Husayn-i-Káshí-Sáz, 16. Mullá Hasan, filho de Mullá 'Abdulláh, 17. Mashhadí Hájí Muhammad, 18. Abú-Tálib, filho de Mír Ahmad-i-Nukhud-Biríz, 19. Akbar, filho de Muhammad-i-'Áshúr, 20. Taqíy-i-Yazdí, 21. Mullá 'Ali, filho de Mullá Ja'far, 22. Karbilá'í Mírzá Husayn, 23. Husayn Khán, filho de Sharíf, 24. Karbilá'í Qurbán, 25. Khájih Kázim, filho de Khájih 'Ali, 26. Aqá, filho de Hájí 'Ali, 27. Mírzá Nawrá, filho de Mírzá Mu'íná. Tão completo insucesso convenceu a Zaynu'l-'Ábidín

Khán e seu estado-maior da futilidade de seus esforços para compelir, através de uma luta aberta, a submissão de seus

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adversários (24). Assim como aconteceu no caso do exército do Príncipe Mihdí-Qulí Mírzá, que falhara miseravelmente em sua tentativa de dominar os adversários abertamente no campo, traição e fraude provaram-se, afinal, ser as únicas armas com que um povo covarde pode subjugar um inimigo invencível. Pelos ardis aos quais Zaynu'l-'Ábidín Khán e seu estado-maior se recorreram enfim, deixaram patente que, a despeito dos vastos recursos a seu dispor e do apoio moral que lhes fora prestado pelo governador de Fárs e pelos habi-tantes da província inteira, não tinham o poder de dominar o que era aparentemente apenas um punhado de pessoas desprezíveis e sem o menor treino. Em seus corações esta-vam convencidos de que, atrás dos muros daquele forte es-tava reunida uma bando de voluntários que nenhuma força sob seu comando podia enfrentar e vencer.

Erguendo o brado de paz, procuraram, através de astú-cia tão vil, seduzir aqueles corações puros e nobres. Suspen-deram por alguns dias toda espécie de hostilidade, depois do qual dirigira aos assediados um solene apelo por escrito, cujo teor foi o seguinte: "Até agora, por sermos ignorantes do verdadeiro caráter de vossa Fé, permitimos que os insti-gadores do mal nos induzissem a crer que cada um de vós tivesse violado os sagrados preceitos do Islã. Por isso foi que contra vós nos levantamos, esforçando-nos por extirpar vossa Fé. Durante estes últimos poucos dias, tornamo-nos cientes do fato de que em vossas atividades nenhum mo-tivo político se encobre que nenhum de vós alimenta qual-quer inclinação de subverter os alicerces do Estado. Nós também nos convencemos do fato de que em vossos ensina-mentos não se envolve nenhuma divergência grave dos ensi-namentos fundamentais do Islã. Parece que apenas sustentais a pretensão de haver aparecido um homem cujas palavras sejam inspiradas, cujo testemunho é certo, e a quem todos

(24) "Ainda que as perdas fossem desta vez mais ou menos as mesmas em ambos os lados, nem por isso as tropas imperiais estavam menos assustadas; a situação estava se prolongando demasiadamente e além disso podia terminar em uma confusão geral entre os muçulma-nos, motivo pelo qual resolveram recorrer à falsidade". (A. L. M. Ni-colas, "Siyyid 'Alí-Muhammad dit le Báb", p. 403).

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os aderentes do Islã devem reconhecer e apoiar. De modo al-gum poderemos nos convencer da validade dessa pretensão a menos que consintais em depositar absoluta confiança em nossa sinceridade e aceitar nosso pedido para que deixeis certos de vossos representantes saírem do forte e encontrar conosco neste acampamento, onde poderemos, dentro de poucos dias, certificar-nos do caráter de vossa crença. Se vos provardes capazes de demonstrar as verdadeiras pre-tensões de vossa Fé, nós também prontamente a abraçarei mos, pois não somos inimigos da Verdade e nenhum de nós deseja negá-la. A vosso líder temos sempre reconhecido como um dos mais fortes defensores do Islã e o consideramos nosso exemplo e guia. Este Alcorão, ao qual afixamos nossos selos, é testemunho da integridade de nosso propósito. Que esse sagrado Livro decida se é verdadeira ou falsa a preten-são que avançais. A maldição de Deus e de Seu Profeta esteja sobre nós se tentarmos vos enganar. Se aceitardes nosso convite, salvareis da destruição um exército inteiro, enquanto vossa recusa o deixará suspenso, em dúvida. Hipotecamos nossa palavra de que, uma vez convencidos da verdade de vossa Mensagem, nos esforçaremos para demonstrar o mes-mo zelo e devoção que vós, de um modo tão impressionante, já manifestastes. Vossos amigos serão nossos amigos, e vos-sos inimigos, nossos inimigos. O que vosso líder se dignar de ordenar, o mesmo nos comprometeremos a obedecer. Por outro lado, se não pudermos nos convencer da verdade de vossa pretensão, prometemos solenemente que de modo al-gum interferiremos em vosso regresso com segurança ao forte, e estaremos prontos para continuar nossa luta contra vós. Nós vos imploramos que recuseis derramar mais san-gue antes de tentardes estabelecer a verdade de vossa Causa."

Vahíd recebeu o Alcorão com profunda reverência e o beijou devotadamente. "Nossa hora marcada soou," observou ele. "Nossa aceitação de seu convite os fará sentirem a bai-xeza de sua traição." "Embora consciente de seus desígnios," acrescentou, enquanto se virava para seus companheiros, "sinto ser meu dever aceitar seu chamado e tomar a opor-tunidade para tentar mais uma vez desdobrar as verdades de minha bem-amada Fé." Mandou que continuassem a de-sempenhar seus deveres e não confiassem, em absoluto na-

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quilo que seus adversários talvez professassem crer. Orde-nou, além disso, que suspendessem toda espécie de hostili-dade, aguardando futuro aviso dele.

Com estas palavras ele se despediu dos companheiros e, acompanhado de cinco auxiliares, entre os quais Mullá 'Alíy-i-Mudhahhib e o traiçoeiro Hájí Siyyid 'Ábid partiu para o acampamento do inimigo. Zaynu'l-'Ábidín Khán, acompanhado por Shujá'u'1-Mulk e todos os membros do estado-maior, saíram para lhe dar boas vindas. Receberam-no cerimoniosamente e o conduziram a uma tenda especial-mente preparada para sua recepção, onde o apresentaram aos demais oficiais. Sentou-se ele em uma cadeira, enquanto o resto da companhia ficava em sua frente, em pé, com exceção de ZaynuVÁbidín Khán, Shujá'u'1-Mulk e um outro oficial, aos quais indicou que se sentassem. Tais foram as palavras que a eles dirigiu, que nem sequer um homem cujo coração fosse de pedra pudesse deixar de lhes sentir o po-der. Bahá'u'lláh, no "Súriy-i-Sabr" imortalizou esse nobre apelo, revelando a plena medida de seu significado. "Venho a vós", declarou Vahíd, "munido do testemunho que meu Senhor me confiou. Não sou eu descendente do Profeta de Deus? Por que vos levantastes para me matar? Por que ra-zão pronunciastes a sentença de minha morte, recusando re-conhecer os inquestionáveis direitos dos quais minha linha-gem me investiu?"

A majestade de seu porte, acrescentada a sua eloqüên-cia penetrante, confundia seus ouvintes. Durante três dias e três noites, ofereceram-lhe profusa hospitalidade e o trata-ram com respeito notável. Na oração congregacional seguiam-lhe invariavelmente a direção e, atentos, escutavam o dis-curso. Se bem que exteriormente parecessem estar se cur-vando diante de sua vontade, secretamente, entretanto, ma-quinavam contra sua vida e conspiravam a exterminar os restantes de seus companheiros. Bem sabiam que, fossem lhe infligir o menor dano enquanto seus companheiros per-manecessem entrincheirados atrás dos muros do forte, es-tariam se expondo a um perigo ainda maior do qüe aquele que já foram obrigados a enfrentar. Tremiam diante da fúria e da vingança das mulheres, não menos do que perante a bravura e a habilidade dos homens. Haviam verificado

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serem todos os recursos do exército impotentes para domi-nar um punhado de jovens imaturos e de decrépitos homens idosos. Nada menos de uma estratégia audaz e bem plane-jada lhes poderia assegurar a vitória final. O medo que lhes enchia os corações era em grande parte inspirado pelas pa-lavras de ZaynuVÁbidín Khán quem, com inalterável de-terminação, procurava manter sem diminuição o ódio com que lhes inflamara a alma. As repetidas exortações de Vahíd lhe haviam incitado suas apreensões de que pela -mágica das palavras, ele conseguisse induzi-los a transferir a leal-dade a um adversário tão eloqüente.

Decidiram Zaynu'l-'Ábidín Khán e seus amigos final-mente, pedir a Vahíd que de próprio punho dirigisse uma mensagem aos companheiros que ainda estavam dentro do forte, informando-lhes que fora efetivada uma amigável so-lução de suas diferenças e os solicitando a unir-se com ele no quartel do exército ou a regressar a suas casas. Embora não disposto a aceder a tal pedido, Vahíd foi forçado, afinal, a se submeter. Além dessa mensagem, em uma segunda carta, ele informou os companheiros confidencialmente dos maus desígnios do inimigo e lhes advertiu que não se deixassem enganar. Entregou ambas as cartas a Hájí Siyyid 'Abíd, man-dando-lhe que destruísse a primeira carta e entregasse a se-gunda aos seus companheiros. Incumbiu-o, além disso, de encorajá-los a escolher os mais capazes dentre eles para saírem na calada da noite e dispersarem as forças do ini-migo.

Mal recebera Hájí Siyyid 'Abíd essas instruções, quan-do as comunicou traiçoeiramente a ZaynuVÁbidín Khán. Este tentou imediatamente induzi-lo a instar os ocupantes do forte, em nome de seu líder a se dispersarem, e lhe pro-meteu retribuir esse serviço com um generoso galardão. O mensageiro desleal entregou a primeira carta aos compa-nheiros de Vahíd e lhes informou que seu líder conseguira conquistar para sua Fé o exército inteiro e que, em vista dessa conversão, lhes aconselhava que voltassem para suas casas.

Embora extremamente perplexos diante de tal mensa-gem, os companheiros não se sentiam capazes de desatender os desejos que Vahíd tão claramente expressara. Contra sua

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vontade se dispersaram, deixando desprotegidas todas as fortificações. Obedientes às ordens escritas pelo seu líder, alguns deles abandonaram as armas e dirigiram os passos a Nayríz.

Zaynu'l-'Ábidín Khán, antecipando a evacuação imediata do forte, enviou um destacamento de suas forças para lhes interceptar a entrada na cidade. Logo foram rodeados por uma multidão de homens armados que recebiam do quartel do exército reforços contínuos. Vendo-se assim inesperada-mente cercados, determinaram-se a repulsar o ataque por todos os meios em seu poder e alcançar o Masjid-i-Jámi' o mais rapidamente possível. Com as espadas e espingardas que alguns levavam, outros por meio de paus e pedras so-mente, tentaram forçar passagem para a cidade. O brado de "Alláh-u-Akbar!" (25) surgia novamente, mais feroz e mais impelente do que nunca. Alguns poucos sofreram martírio enquanto forçavam passagem através das fileiras de seus traiçoeiros agressores. Os outros, ainda que feridos e assalta-dos por novos reforços que os cercavam por todos os lados, conseguiram, afinal, alcançar o abrigo do masjid.

Entrementes, o notório Mullá Hasan, filho de Mullá Mu-hammad-'Alí, oficial do exército de ZaynuVÁbidín Khán conseguiu, juntamente com seus homens, passar na frente dos adversários e, escondendo-se em um dos minaretes desse masjid, esperava em emboscada os fugitivos. Assim que o grupo dos companheiros dispersos se aproximava do masjid, abriu fogo contra eles. Um certo Mullá Husayn, reconhecen-do o e erguendo o brado de "Alláh-u-Ákbar!", escalou o mi-narete, apontou a espingarda àquele oficial covarde e o lan-çou ao chão. Seus amigos levaram-no a um lugar de segu-rança onde ele pôde se recuperar da ferida.

Os companheiros, não mais podendo obter abrigo no masjid, foram obrigados a se esconder em qualquer lugar seguro que pudessem encontrar, até a hora em que se pudes-sem certificar da sorte de seu líder. Seu primeiro pensa-mento após essa traição foi procurar sua presença e seguir quaisquer instruções que ele lhes desejasse dar. Não pude-

(25) Veja glossário.

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ram, entretanto, descobrir o que lhe acontecera e tremiam ao pensarem que ele talvez tivesse sido morto.

Nesse entretanto, ZaynuVAbidín Khán e seu estado-maior, tornados mais audazes com a debandada dos com-panheiros, se esforçavam diligentemente em descobrir meios da fugir das obrigações que lhes foram impostas pelo seu juramento solene e proceder sem obstáculos ao extermínio de seu oponente principal. Envidaram esforços para pôr de lado, mediante algum ardil enganoso, suas sagradas promes-sas e acelerar o cumprimento de um desejo desde muito nutrido. Em meio as suas deliberações, 'Abbás-Qulí Khán, um homem notório por sua falta de compaixão, sua desu-manidade ihes assegurou que, se a lembrança de seu jura-mento lhes estava causando perplexidade, ele próprio, não havendo de forma alguma, participado nessa declaração, es-tava pronto para executar aquilo que eles se sentiam inca-pazes de efetivar. Num acesso de indignação ele disse: "Eu posso, a qualquer momento, apreender e executar a quem quer que eu julgue culpado por haver violado as leis do país." Logo, todos aqueles cujos parentes haviam perecido foram chamados para executar a sentença de morte pro-nunciada contra Vahíd. O primeiro a se apresentar foi Mullá Rida, cujo irmão, Mullá Báqir, fora preso pelo Shaykhu'l-Islám de Bavánát; o próximo foi um homem de nome Safar, cujo irmão Sha'bán perecera; o terceiro foi Áqá Khán, cujo pai, 'Alí-Asghar Khán, irmão mais velho de ZaynuVAbidín Khán, sofrerá a mesma sorte.

Ávidos de levar a cabo a sugestão de 'Abbás-Qulí Khán, esses homens arrancaram o turbante da cabeça de Vahíd, enrolaram-no em volta de seu pescoço e, amarrando-o a um cavalo, ignominiosamente o arrastaram pelas ruas (26). As

(26) "Pegou o cinturão verde de Yahyá, o símbolo de seu sagrado ancestral, amarraram ao redor do seu pescoço e começaram a arrastá-lo pelo solo. Depois veio Safar cujo irmão Sha-bán havia morrido du-rante a guerra, depois Áqá Ján, filho de 'Alí-Asghar Khán, o irmão de Zainu'1-Ábidín Khán. E os muçulmanos, excitados pela cena, apedreja-ram e mataram o pobre desafortunado com bastonadas. Depois corta-ram-lhe a cabeça, arrancaram-lhe a pele, encheram-no com palha e o enviaram como troféu à Shíráz!" (A. L. M. Nicolas, "Siyyid 'Alí-Mu-hammad dit le Báb", p. 406).

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indignidades que sobre ele foram amontoadas faziam àque-les que presenciaram esse horrendo espetáculo, lembrarem-se do destino trágico do Imame Husayn, cujo corpo foi abandonado à mercê de um inimigo enfurecido e impiedo-samente espezinhado por uma numerosa multidão de cava-laria. As mulheres de Nayríz, levadas ao máximo grau de excitação pelos gritos de triunfo que um inimigo sanguinário erguia, e com o acompanhamento de tambores e címbalos, desenfreavam seus sentimentos de irrestrito fanatismo. Ale-gremente dançavam a seu redor, desdenhosas das palavras que Vahíd, em meio a sua agonia, dissera — palavras que o Imame Husayn em época anterior e em circunstâncias similares, havia pronunciado. "Tu sabes, ó meu Bem-Amado, que abandonei o mundo por Teu amor e em Ti somente pus minha confiança. Impaciente estou para a Ti me apressar, pois a beleza de Teu semblante se desvelou aos meus olhos. Tu testemunhas os maus desígnios que meu maléfico perse-guidor contra mim nutriu. Não, jamais me submeterei a seus desejos nem lhe hipotecarei minha lealdade."

Assim veio a findar uma nobre e heróica vida. Tão me-morável e brilhante carreira, distinguida por conhecimentos tão vastos (27), coragem tão intrépida e tão raro espírito de sacrifício, deveria certamente ser coroada por uma morte tão gloriosa como aquela que consumou seu martírio (28). A extinção dessa vida foi sinal para uma investida selvagem contra as vidas e os bens daqueles que com sua Fé se ha-viam identificado. Nada menos de cinco mil homens foram

(27) Segundo o testemunho de 'Abdu'1-Bahá, ele havia memorizado não menos de trinta mil traduções. (Manuscrito que leva o nome de "Bahá'í Martyrs") .

(28) Bahá'u'lláh refere-se a ele como "aquela figura única e sem igual em sua época". (Kitáb-ilqán", p. 162, 1* edição portuguesa, 1957). O Báb, no "Dalá'il-i-Sab'ih" refere-se a ele nos seguintes termos: "Obser-va uma vez mais o número do nome de Deus, Siyyid Yahyá! Este homem vivia uma vida tranqüila e santa que ninguém podia negar seus talentos ou sua santidade; todos admiravam sua grandeza em ciências e as alturas que havia alcançado em questões de filosofia. Referiu-se ao comentário sobre o Súratu'1-Kawthar (Alcorão S. 108) e a outros tratados escritos por ele, que provam quão alto põe o lugar que ocupa aos olhos de Deus!" ("Le Livre des Sept Preuves", traduzido por A. L. M. Nicolas, pp. 54-55).

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incumbidos dessa abominável tarefa. Os homens foram pre-sos, acorrentados, sujeitos à tortura e finalmente trucida-dos. Capturando as mulheres e crianças, sujeitaram-nas a brutalidades que nenhuma pena ousa descrever. Confisca-vam-lhes as propriedades e destruíram as casas. Incendiaram e arrasaram o forte de Khájih. A maioria dos homens foi conduzida primeiro a Shíráz, acorrentada, onde a maior parte deles sofreu uma morte cruel (29). Aqueles a quem Zaynu'l-'Ábidín Khán, para fins de proveito pessoal, mergu-lhara em tenebrosas masmorras subterrâneas, foram entre-gues — logo que foi atingido seu objetivo — nas mãos de seus servis subordinados, os quais neles perpetraram atos

(29) "Siyyid Yahyá foi enforcado com seu próprio cinto por uma pessoa cujos dois irmãos foram mortos durante o cerco. Os demais Babís também morreram em mãos dos carrascos. As cabeças das vítimas fo-ram recheadas com palha e, levando consigo estes arrepiantes troféus de suas façanhas mais umas quarenta ou cinqüenta mulheres Babís e uma criança de tenra idade como prisioneiros, o exército vitorioso re-gressou à Shíráz. Sua entrada naquela cidade foi motivo de regozijo geral; os prisioneiros foram obrigados a marchar pelas ruas e finalmen-te foram conduzidos à presença do Príncipe Firúz Mirzá que estava numa festa na casa de verão chamada Kuláh-Parangí. Em sua presença, Mihr Ali Khán, Mírzá Na'ím e os demais oficiais fizeram um relato detalhado da sua vitória e receberam congratulações e condecorações. As mulheres cativas foram finalmente encarceradas em um velho ca-ravansarai fora das portas de Isfáhán. Só podemos fazer conjecturas sobre o modo como foram tratadas por seus captores". ("A Traveller's Narrative", Nota H, p. 190). "Este era um dia de festa, nos disse uma testemunha ocular. Os habitantes estavam espalhados pela campina. Traziam consigo seu alimento e muitos deles bebiam, às escondidas, botijas inteiras de vinho. O ar estava cheio de melodias, as canções dos músicos e os gritos e risadas das mulheres injuriosas. Os bazares esta-vam enfeitados com bandeiras, a alegria era geral. Repentinamente fez-se um silêncio total. Viram chegar trinta e dois camelos cada um deles levando um prisioneiro, uma mulher ou uma criança, amarrados e colocados de lado sobre a montaria, como um fardo. Ao lado deles havia soldados que levavam grandes lanças e na ponta de cada uma delas estava inserida a cabeça de um Babí que havia sido morto em Nayríz. Este espetáculo horripilante afetou profundamente a festiva população de Shiráz que regressou, entristecida, às suas casas. A hor-rível caravana passou pelos bazares e seguiu até o palácio do gover-nador. Este encontrava-se reunido num quiosque, em seu jardim, com os ricos e eminentes cidadãos de Shiráz. Pararam a música, interrom-peu-se o baile e Muhammad-'Alí Khán assim como Mírzá Na'ím, dois

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de indizível brutalidade (30). Fizeram-nos primeiro marchar pelas ruas de Nayríz, depois do qual os sujeitaram a trata-mento atroz na esperança de lhes extrair qualquer vantagem material que até então seus perseguidores anteriores não tivessem podido obter. Uma vez aplacada sua cobiça, infli-giram a cada vítima uma morte agonizante. Todo e qualquer instrumento de tortura que seus algozes pudessem tramar foi utilizado para lhes satisfazer a sede de vingança. Foram ferreados, as unhas foram arrancadas, chicotearam-nos e lhes fizeram incisões no nariz através das quais passaram uma corda, com martelo lhes bateram pregos nas mãos e nos pés e nesse lastimável estado arrastaram-nos pelas ruas, objeto de desprezo e zombaria por parte de todo o povo.

Entre eles havia um certo Siyyid Ja'far-i-Yazdí, que em dias anteriores exercera imensa influência e era altamente honrado pelo povo. Tão grande era o respeito a ele mostrado que ZaynuVÁbidín Khán lhe concedia superioridade, tra-tando-o com extrema deferência e cortesia. O turbante desse mesmo homem ele agora mandou enodar e lançar no fogo. Despido do emblema de sua linhagem, foi exposto aos olhos do público, que marchavam na sua frente, acabrunhando-o de abuso e ridículo (31).

pequenos chefes que participaram da campanha vieram relatar suas valorosas ações e numerar um por um os prisioneiros". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb". p. 407).

(30) "Parecia que, por fim, todo este derramamento de sangue havia sido suficiente para saciar o ódio e o apetite dos Muçulmanos. De maneira alguma! Mirzá Zaynu'1-Abidín Khán, sentiu-se ameaçado pelo desejo de vingança daqueles os quais havia traído e vencido, não deu trégua nem descanso aos sobreviventes da seita. Seu ódio não co-nhecia limites e iria durar toda a sua vida. Assim, só enviou para Shiráz os prisioneiros mais pobres. Os ricos ficaram detidos e ele os confiou a uma guarda que recebeu ordens de caminhar com eles pela cidade, castigando-os. As pessoas de Nayríz tiveram muitos entreteni-mentos nessa ocasião; suspenderam os Babís, pregaram-lhes pregos e vieram regozijar-se vendo a sua angústia. Puseram palha acesa debaixo das unhas destes mártires desafortunados, marcaram-lhes com ferro quente, privaram-lhes de pão e água, fizeram furos em seu nariz, pas-saram uma corda e conduziram-nos pelas ruas como se conduz um ani-mal!" (Idem, p. 408).

(31) "Áqá Siyyid Ja'Far-i-Yazdí viu os carrascos queimarem seu turbante e depois o conduziram de porta em porta obrigando-lhe a pe-

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Outra vítima de sua tirania foi Hájí Muhammad-Taqí, quem gozara em tempos idos, de tal reputação pela hones-tidade e justiça que sua opinião era invariavelmente consi-derada pelos juizes do tribunal como a última palavra em seu julgamento. Um homem tão grande, tão estimado foi em pleno inverno, despido de suas roupas e jogado em um lago, sendo então severamente chicoteado. Siyyid Ja'far e Shaykh 'AbduVAlí, que era o sogro de Vahíd e o principal sacerdote de Nayríz, bem como um juiz de renome, junta-mente com Siyyid Husayn, uma das notabilidades da cidade, foram destinados a sofrer a mesma sorte. Enquanto eles estavam expostos ao frio, a escória da plebe foi paga para amontoar sobre seus corpos trêmulos as mais abomináveis crueldades. Mais de um homem pobre, que se apresssava a obter a recompensa prometida para esse ato vil, sentiu re-volta ao ser informado da natureza da tarefa que ele fora chamado para desempenhar e, rejeitando o dinheiro, afas-tou-se com repugnância e desdém (32).

O dia do martírio de Vahíd foi o dia dezoito do mês de Sha'ban, no ano de 1266 A.H. (33) Dez dias depois, o Báb foi fuzilado em Tabríz.

dir esmola". (A. L. M. Nicolas, "Siyyid 'Alí-Muhammad dit le Báb", p. 408).

(32) "Ãqá Siyyid Abú-Tálib, que era muito rico, foi acorrentado e enviado pelo governador de Nayríz a Ma'dan e ali foi envenenado por Hájí Mirzá Nasír, o mesmo homem que havia ordenado ao Báb que beijasse a mão de Shaykh 'Abú-Turáb. Alguns Babís desejosos que Zay-nu1-'Abidín Khán fosse castigado, empreenderam viagem a Teerã para protestar ante sua Majestade pelas atrocidades que haviam sido come-tidas. Estavam perto da capital e resolveram descansar um pouco das fadigas da viagem quando uma caravana com pessoas de Shiráz passou por ali e os reconheceram. Todos foram capturados com exeessão de um tal de Zaynu'l-'Abidín que logrou escapar e chegar a Teerã. Os demais foram arrastados à Shiráz onde o Príncipe ordenou que fossem imediatamente executados, e, assim como estes homens, Karbilá'í Abu'l-Hasan, um vendedor de porcelanas; Áqá Shaykh Hádí, o tio da esposa de Vahíd, Mirzá 'Ali e Abu'1-Qásim-ibn-Hájí-Zayná, Akbar-ibn-i-Abid-Mirzá Hasan e seu irmão Mirzá Babá deram todos sua vida pela fé nessa época". (Idem, p. 408).

(33) 29 de junho de 1850 A. D.

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CAPÍTLO XXIII

MARTÍRIO DO BÁB

A história da tragédia que assinalou as etapas finais do tumulto de Nayríz espalhou-se por toda a Pérsia e ateou um espantoso entusiasmo nos corações dos que a ouviram. Lan-çou em consternação as autoridades na capital e se animou a tomar uma resolução oriunda do desespero. Especialmente se atemorizou o Amir-Nizám, Grão-Vizir de Násiri'd-Dín Sháh, diante das repetidas manifestações de uma vontade indomável, de uma feroz e inflexível tenacidade de fé. Se bem que as forças do exército imperial tivessem triunfado em toda parte, e ainda que os companheiros de Mullá Husayn e Vahíd fossem sucessivamente ceifados em uma impiedosa carnifi-cina pelas mãos de seus oficiais, estava claro e evidente, no entanto, às mentes astuciosas dos governantes de Teerã que o espírito responsável por um heroísmo tão raro, não fora de modo algum vencido, que seu poder estava longe de ser quebrado. A lealdade que os remanescentes daquela compa-nhia debandada tinham a seu Líder cativo permanecia ainda intacta. A despeito dos pavorosos prejuízos por eles sofridos, nada conseguira ainda minar essa lealdade ou solapar essa fé. Longe de estar extinto, esse espírito ardera, mais intenso e devastador do que nunca. Exasperada ao se lembrar das indignidades sofridas, essa companhia perseguida aderia cada vez mais apaixonadamente a sua Fé e, como sempre cres-cente fervor e esperança, se dirigia a seu Líder (1). Acima

(1) "Era de conhecimento de todos que havia Babís por toda parte. A Pérsia estava cheia deles e se as mentes preocupadas por

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de tudo, Aquele que ateara essa chama e nutrira esse espi-rito estava ainda vivo e, apesar de Seu isolamento, podia ainda exercer a plena medida de Sua influência. Nem se-quer uma ininterrupta vigilância pudera deter a maré que havia varrido toda a face do país, tendo como sua força mo-triz a continuada existência do Báb. Extinguir essa luz, su-focar a corrente em sua própria origem, e a torrente que trouxera tamanha devastação no encalço, secaria. Tal foi o pensamento que dominou o Grão-Vizir de Naziri'd-Dín Sháh. A esse ministro insensato levá-Lo até à morte parecia ser o modo mais eficaz de fazer seu país se recuperar do ignomí-nio em que — pensava ele — se havia mergulhado (2).

questões transcendentais, os filósofos em busca de novas fórmulas, as almas feridas e violentadas pelas injustiças e debilidades da época pre-sente se entregaram com veemência a idéia e a promessa de uma nova ordem mundial, não seria errado pensar que as imaginações turbulentas dispostas a ação, ainda que com o risco de fracassar, os corações valen-tes e apaixonados e finalmente os audazes e ambiciosos, se houvessem sentir tentados a incorporar-se a um exército que se mostrava tão bem provido com soldados dignos de constituir intrépidos batalhões. Mirzá Taqí Khán, maldizendo o modo descansado com que seu predecessor Hájí Mirzá Áqásí deixou crescer um perigo tão ameaçador, compreendeu que esta política débil não podia prosseguir e resolveu destruir o mal pela raiz. Convenceu-se que a causa principal era mesmo o Báb, o pai de todas as doutrinas, que estava despertando o povo. Decidiu fazer de-saparecer esta causa religiosa." (Conde Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans 1'Asie Centrale", pp. 210-211).

(2) "Entretanto, Hájí Mirzá Taqí resolveu golpear a cabeça des-te monstro que era o Babismo e imaginou que, uma vez golpeado, eli-minaria definitivamente o instigador desta agitação e silenciaria seu chamado, restabelecendo a ordem antiga. Pensou que a forma mais efe-tiva para destruí-lo seria arruiná-lo moralmente; tiraria de seu retiro em Chihríq onde um halo de sofrimento, santidade, ciência e eloqüên-cia brilhavam como o sol; mostrá-lo ao povo tal qual era seria a me-lhor forma de deixá-lo inócuo mediante a destruição de seu prestígio. "Via-o como um charlatão vulgar, um débil sonhador que carecia da valentia necessária para conceber, muito menos ainda de dirigir as audazes empresas de seus três apóstolos ou de sequer participar ne-las. Homem como esse, se o levassem à Teerã e se o pusessem cara à cara com os dialéticos mais sutis do Islã, não podia senão ren-der-se de forma vergonhosa. Sua influência desapareceria mais ra-pidamente que se ao destruir seu corpo, se permitisse que o fan-tasma de uma superioridade que seria consagrada pela morte, seguisse vivendo na mente do povo. Por esta razão decidiu-se prendê-lo e en-viá-lo à Teerã mostrando-o por todo o caminho para o público, acor-

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Incitado à ação, convocou seus conselheiros, participou-lhes seus receios e suas esperanças, e lhes informou da na-tureza de seus planos. "Vejam," exclamou ele, "a tempes-tade provocada pela Fé do Siyyid-i-Báb nos corações de meus conterrâneos! Nada menos que sua execução pública poderá, em minha opinião, restaurar a tranqüilidade e paz deste país desvairado. Quem se atreverá a calcular as for-ças que pereceram durante os encontros em Shaykh Tabar-sí? Quem poderá avaliar os esforços envidados a fim de obter aquela vitória? Mal se suprimira o distúrbio que havia con-vulsionado Mázindarán, quando as chamas de outra sedição se atearam na província de Fárs, seguindo-lhe na pista tanto sofrimento para meu povo. Mal conseguimos extinguir a re-volta que devastara o sul, quando irrompeu outra insur-reição no norte, varrendo em seu vórtice Zanján e suas cer-

rentado e humilhado; fazê-lo debater em todas as partes com os Mullás e silenciando-o cada vez que se fizesse demasiado audaz; em suma, obriga Io a uma série de encontros desiguais nos quais sua derrota seria inevitável já que de antemão seria desmoralizado quebrantando seu es-pírito. Era um leão que estavam ansiosos para acovardar, acorrentar, privando-lhe de suas unhas e dentes e logo entregar aos cães para mos-t ra r o quão facilmente poderia ser vencido. Uma vez derrotado, sua morte ulterior seria de pouca importância.

Este plano não carecia de sentido, porém apoiava-se sobre premissas que distavam muito de haver sido provadas. Não bastava imaginar que o Báb carecia de valentia e firmeza, era necessário que fosse realmente assim. Porém sua conduta no forte Chihríq não dava prova alguma contra ele. Orava e trabalhava sem cessar. Sua humildade não sofreu alteração alguma. Aqueles que se acercavam dele sentiam a fascinadora influência da sua personalidade, da sua atitude e de sua palavra. Seus guardas não estavam livres desta debilidade. Ele (o Báb) sentia que estava se aproximando a hora da sua morte e freqüentemente referia-se a ela com um pensamento não somente familiar senão agradável. Supo-nhamos, por um momento, que se o exibissem nesta forma através da Pérsia permanecesse ainda inquebrantável? Se em vez de mostrar-se arrogante ou temeroso, se levantasse por cima de sua adversidade? Se confundisse os eruditos, os sutis e eloqüentes doutorees com os quais iria se defrontar? E se permanecesse mais que nunca como o Báb para seus antigos seguidores e o chegasse a ser para os indiferentes e inclu-sive para seus inimigos? Era arriscar muito para ganhar muito, sem dúvida; porém também, quem sabe, para perder muito; por isto, depois de haver meditado o assunto com cuidado não se atreveram a correr o risco". (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", pp. 211-213).

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canias. Se há um remédio que me possam aconselhar, que me informem, pois meu propósito único é assegurar a paz e honra de meus compatriotas."

Nem uma só voz ousou aventurar uma resposta, salvo a de Mírzá Aqá Khán-i-Núrí, o Ministro de Guerra, quem argüiu que, se por causa dos atos perpetrados por um bando de irresponsáveis agitadores, executassem um siyyid exilado, seria este um ato de crueldade patente. Lembrou o exemplo do falecido Muhammad Sháh, cuja invariável prática fora não levar em conta as calúnias infames continuamente le-vadas a sua atenção pelos inimigos desse siyyid. O Amir Nízám desagradou-se extremamente. "Tais considerações," protestou, "são inteiramente irrelevantes à questão com a qual defrontamos. Os interesses do Estado estão em perigo, e de modo algum poderemos tolerar esses periódicos tumul-tos. Não foi o Imame Husayn, vista da suma necessidade de se salvaguardar a unidade do Estado, executado por aque-las mesmas pessoas que o haviam visto receber em mais de uma ocasião provas de excepcional afeto de Maomé, seu avô? Não recusaram em tais circunstâncias considerar os direitos que sua linhagem lhe havia conferido? Nada menos que o remédio que eu recomendo pode desarraigar esse mal e nos trazer a paz pela qual ansiámos."

Desatendendo a advertência de seu conselheiro, proce-deu o Amír-Nízám ao despacho de suas ordens a Navváb Hamzih Mírzá, governador de Adhirbáyján — que se des-tacava entre os príncipes de sangue real por seu coração bondoso e sua conduta reta — para chamar o Báb a Ta-bríz (3). Tomou cuidado para não deixar o príncipe perce-ber seu verdadeiro propósito. O Navváb, supondo ser a in-tenção do ministro possibilitar ao seu Cativo o regresso a Sua casa, imediatamente dirigiu a um de seus oficiais de confiança instruções para proceder acompanhado de uma

(3) "O primeiro ministro mandou chamar Sulaymán Khán, o Afshár, e lhe pediu que levasse uma ordem ao Príncipe Hamzih Mirzá em Tabríz. Governador de Adhirbáyján, que retirasse o Báb do forte de Chihríq e que o encarcerasse na cidadela de Tabríz onde resolveria posteriormente a sua sorte". (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans PAsie Centrale", p. 213).

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escolta montada, a Chihríq, onde o Báb ainda se encontrava confinado e conduzi-Lo de volta a Tabríz. Confiou-O a seu cuidado, instando-lhes que O tratassem com a máxima con-sideração.

Quarenta dias antes da chegada desse oficial em Chih-ríq, o Báb juntou todos os documentos e Epístolas em Seu poder e, pondo-os juntamente com Seu estojo de penas, Seus sinetes e anéis de ágata em um cofre, entregou-os aos cuida-dos de Mullá Báqir, uma das Letras dos Viventes. A ele con-fiou também uma carta endereçada a Mírzá Ahmad, Seu amanuense, na qual mandava inclusa a chave desse cofre. Instou-lhe que tomasse o máximo cuidado com essa incum-bência, acentuando seu caráter sagrado e mandando ocultar seu conteúdo de todos, salvo de Mírzá Ahmad.

Logo partiu Mullá Báqir para Qazvín. Dentro de dezoito dias alcançou essa cidade e lá foi informado que Mírzá Ahmad havia partido em direção a Qum. Saiu logo para esse destino, aí chegando em meados do mês de Shá'bán (4). Eu estava, nesse tempo em Qum, acompanhado por um certo Sádiq-i-Tabrízí, a quem Mírzá Ahmad havia mandado me buscar em Zarand. Eu estava residindo na mesma casa com Mírzá Ahmad, casa que ele alugara no bairro de Bagh-Panbih. Naqueles dias Shaykh 'Azím, Siyyid Ismá'íl e alguns outros companheiros também residiam conosco. Mullá Báqir entre-gou a encomenda nas mãos de Mírzá Ahmad e este, instado por Shaykh 'Azím, abriu-o em nossa presença. Maravilhamo-nos ao ver, entre os objetos que o cofre continha, um rolo de papel azul, da mais delicada textura, no qual o Báb, em Sua própria bela letra, de fino escrito shikastih, escrevera, em forma de uma estrela de cinco pontas, cerca de quinhen-tos versos, consistindo todos, de derivados da palavra "Bahá" (5). O estado do rolo era de perfeita preservação, sem mácula, e à primeira vista, dava a impressão de ser página impressa em vez de manuscrita. Tão fina e intrincada era a caligrafia que, quando se olhava de uma distância, o escrito parecia um simples fluxo de tinta sobre o papel.

(4) 12 de junho — 11 de julho de 1850 A.D. (5) Segundo "A Traveller's Narrative" (p. 42) o Báb havia for-

mado não menos de trezentos e sessenta derivados da palavra "Bahá".

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Admiração apoderou-se de nós enquanto contemplávamos uma obra magistral que nenhum calígrafo, acreditávamos, poderia rivalizar. O rolo foi posto novamente no cofre e en-tregue outra vez a Mírzá Ahmad quem, nesse mesmo dia em que o recebera, procedeu a Teerã. Antes de partir, ele nos informou que nada podia ser divulgado acerca dessa carta, senão a instrução para entregar a encomenda nas mãos de Jináb-i-Bahá (6) em Teerã (7). Quanto a mim, Mírzá Ahmad me mandou seguir a Zarand, onde meu pai ansiosa-mente esperava minha volta.

Fiel às instruções recebidas de Navváb Hamzih Mirzá, aquele oficial conduziu o Báb a Tabríz, mostrando-Lhe o maior respeito e considerações. O príncipe dera instruções a um de seus amigos para acomodá-Lo em sua casa e tra-tá-Lo com deferência extrema. Três dias após a chegada do Báb, foi recebida uma nova ordem do Grão-Vizir mandando que levasse a efeito a execução de seu Prisioneiro no mesmo dia em que chegasse o farmán (8). Quem quer que se pro-fessasse Seu seguidor seria também condenado à morte. O regimento armênio de Urúmíyyih, cujo coronel era Sám Khán, recebeu ordens para fuzilá-Lo, no pátio do quartel de Tabríz situado no centro da cidade.

O príncipe expressou sua consternação ao portador do farmán, Mírzá Hasan Khán, o Vazir-Nizám e irmão do Grão-Vizir. "O Amír," disse-lhe ele, "faria melhor se a mim con-fiasse serviços de mais mérito do que este, do qual ele agora me incumbe. A tarefa de mim exigida é tal que só um ho-mem ignóbil aceitaria. Eu não sou nem Ibn-i-Zíyád nem

(6) Título pelo qual se designava BaháVlláh nesses dias. (7) "O fim do ministério terreno do Báb está agora muito perto

de nós. Ele mesmo também o sabia antes que acontecesse e não mos-trava desagrado ante tal pressentimento. Já havia "posto sua casa em ordem", no que se referia as questões espirituais da comunidade Babí, as quais havia deixado, se não me engano, nas mãos da sabedoria in-tuitiva de Bahá'u ' l láh. . . É impossível não sentir que isto é muito mais provável que o ponto de vista que faz de Subh-i-Azal o custódio das escrituras sagradas e ele que devia arranjar um lugar de repouso para os restos sagrados. Tenho muito receio que os Azalís têm manipulado as tradições em interesse de seu partido". (Dr. T. K. Cheyne: "The Reconciliation of Races and Religions", pp. 65-66).

(8) Veja glossário.

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Ibn-i-Sa'd (9), para ser compelido a trucidar um homem inocente, da linhagem do Profeta de Deus." Mírzá Hasan Khán relatou essas palavras do príncipe a seu irmão, quem logo ordenou que ele mesmo, sem demora e integralmente, cumprisse as instruções já dadas. "Alivia-nos," instava o Va-zír a seu irmão, "desta ansiedade que pesa sobre nossos corações, e levemos essa questão a um término antes de se irromper sobre nós o mês de Ramadán, a fim de podermos entrar no período do jejum com ininterrupta tranqüilidade." Mírzá Hasan Khán tentou informar o príncipe dessas novas instruções, mas falhou em seus esforços, pois o príncipe fingindo doença, recusou recebê-lo. Não impedido, em abso-luto, por essa recusa, mandou que o Báb e aqueles em Sua companhia fossem imediatamente transferidos da casa na qual estavam hospedados para um dos compartimentos do quartel e, além disso, deu instruções a Sam Khán para des-pachar dez de seus homens a fim de guardar a entrada do compartimento no qual seria confinado.

Privado de Seu turbante e Seu cinto, os emblemas gê-meos de Sua linhagem nobre, o Báb, acompanhado de Siyyid Husayn, Seu amanuense, foi sujeitado a ainda outro encar-ceramento, o qual — bem sabia Ele — era apenas um passo adiante no caminho que O conduziria àquela meta que Ele para Si Próprio determinara. Aquele dia testemunhou uma comoção tremenda na cidade de Tabríz. A grande convulsão que nas idéias de seus habitantes estava associada com o Dia do Juízo, parecia, afinal, lhes haver sobrevindo. Jamais experimentara essa cidade um tumulto tão violento e tão misterioso como aquele que agitou seus habitantes no dia em que o Báb foi conduzido ao lugar destinado a ser a cena de Seu martírio. Enquanto Ele se aproximava do pátio do quartel, saltou de súbito em Sua frente um jovem que, em sua ansiedade para alcançá-Lo, havia forçado seu caminho através da multidão, sem levar em conta, de modo algum, os riscos e perigos que tal tentativa poderia acarretar. Sua face estava pálida, seus pés estavam descalços, seu cabelo desgrenhado. Ofegando de agitação e exausto de fadiga, lan-çou-se aos pés do Báb e, segurando a bainha de Suas vestes,

(9) Perseguidores dos descendentes de Maomé.

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implorou-Lhe apaixonadamente: "Não me afastes de Ti, o Mestre. Onde quer que Tu vás, permite que eu Te siga." "Muhammad-'Ali," respondeu o Báb, "levanta-te e tem con-fiança de que estarás Comigo (10). Amanhã haverás tu de testemunhar o que Deus decretou." Dois outros companhei-ros, não podendo se conter, precipitaram-se em Lhe assegu-rar sua inalterável lealdade. Estes, juntamente com Mírzá Muhammad-'Alí-i-Zunúzí, foram apreendidos e postos na mesma cela em que foram confinados o Báb e Siyyid Husayn.

Tenho ouvido Siyyid Husayn dar testemunho do seguin-te: "Naquela noite a face do Báb estava ardente de júbilo, um júbilo como jamais brilhara de Seu semblante. Indife-rente para a tempestade que a Seu redor se enfurecia, con-versava conosco com alegria e jovialidade. As tristezas que sobre Ele tão gravemente pesavam, pareciam haver se des-vanecido por completo. Seu peso dissolvera-se, aparente-mente, na consciência da vitória próxima. 'Amanhã/ disse-nos Ele, 'será o dia de Meu martírio. Oxalá pudesse um de vós agora se levantar e, com as próprias mãos, pôr fim a Minha vida. Prefiro ser morto pela mão de um amigo, antes de pela mão do inimigo.' Lágrimas choviam de nossos olhos enquanto O ouvíamos expressar esse desejo. Apavorávamo-nos, porém, ante o pensamento de tirarmos com as próprias mãos uma vida tão preciosa. Recusamos e guardamos si-lêncio. Mírzá Muhammad-'Alí de súbito se levantou, anun-ciando que estava pronto para obedecer qualquer coisa que o Báb desejasse. 'Esse mesmo jovem que se levantou para aceder à Minha vontade,' declarou o Báb, depois de haver-mos nós intervido e o forçado a abandonar tal pensamento, 'juntamente comigo sofrerá o martírio. Será ele quem Eu escolherei para compartilhar dessa coroa.'"

Cedo na manhã seguinte, Mírzá Hasan Khán mandou seu farrásh-báshí (11) conduzir o Báb à presença dos prin-cipais mujtahids da cidade e deles obter a autorização exi-

(10) Não há dúvidas que é uma coincidência singular que tanto 'Alí-Muhammad e Jesus Cristo apareçam dizendo estas palavras à um discípulo: "Neste dia estarás comigo no Paraíso". (Dr. T. K. Cheyne: "The Reconciliation of Races and Religions", p. 185).

(11) Veja glossário.

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gida para Sua execução (12). Quando o Báb estava saindo do quartel, Siyyid Husayn Lhe perguntou o que ele deveria fazer. "Não confesses sua fé," Ele lhe aconselhou. "Assim poderás, ao chegar a hora, transmitir àqueles destinados a te ouvir, as coisas das quais somente tu estás ciente." Ele estava ocupado em conversar com Siyyid Husayn confiden-cialmente quando, de súbito, o farrásh-báshí interrompeu e, segurando Siyyid Husayn pela mão, o apartou e repreendeu com severidade. "Antes de Eu lhe haver dito todas aquelas coisas que desejo dizer," o Báb advertiu ao farrásh-báshí, "nenhum poder terreno haverá de me silenciar. Embora o mundo inteiro contra Mim se arme serão impotentes, entre-tanto, para Me deter de cumprir até a última palavra Minha intenção." Espantou-se o farrásh-báshí diante de tão audaz asserção. Não respondeu porém, e mandou Siyyid Husayn levantar-se e segui-lo.

Quando Mírzá Muhammad-'Alí foi conduzido à presença dos mujtahids, instaram-lhe repetidas vezes que, em vista da

(12) "No dia seguinte, pela manhã, os guardas de Hamzih Mirzá abriram as portas da prisão fazendo sair o Báb e seus dois discípulos. Certificaram-se que os ferros que tinham ao redor do pescoço e de suas mãos estavam firmes; amarraram ao colar de ferro de cada um, uma corda que era segura por um farrash. Depois disto, com a finalidade que todos pudessem vê-los bem e reconhecê-los, conduziram-nos a pé pela cidade, pelas ruas e bazares, golpeando-lhes e insultando-lhes. A multidão veio para as ruas e as pessoas subiam nos ombros uma das outras, para poder ver melhor este homem do qual se falava tanto. Os Babís, os meio Babís, dispersos em todas as direções, tratavam de despertar certa simpatia ou um pouco de lástima entre os curiosos, com o que esperavam alguma ajuda para salvar a seu Mestre. Aqueles que eram indiferentes, os filósofos, os Shaykhís, os Sufis se afastaram da cena com asco e regressaram às suas casas ou, ao contrário, espera-ram o Báb em alguma esquina e simplesmente o olhavam com silencio-sa curiosidade. A esfarrapada multidão, inquieta e excitada, lançava insultos aos três mártires, porém todos estavam prontos a mudar de parecer, caso ocorresse alguma mudança das circunstâncias.

"Finalmente os Muçulmanos vitoriosos perseguiram os prisioneiros com insultos, tentaram romper a cadeia de guardas com o objetivo de golpeá-los na face ou sobre a cabeça e quando tinham êxito ou quando algum objeto lançado por algum menino acertava o Báb ou a um de seus companheiros na face, os guardas e a multidão caíam às garga-lhadas". (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans 1'Asie Centrale", p. 220).

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posição ocupada pelo seu padrasto, Siyyid 'Alí-i-Zunúzi, re-tratasse sua fé. "Jamais," exclamou ele, "hei de renunciar, meu Mestre. Ele é a essência de minha fé e o objeto de mi-nha mais verdadeira adoração. N'Ele encontrei meu paraíso e em observância a Sua lei reconheço a arca de minha sal-vação." "Cala-te!" vociferou Mullá Muhammad-i-Mámáqání, diante de quem esse jovem fora levado. "Tais palavras de-monstram tua loucura; bem posso desculpar as palavras pelas quais não és responsável." "Não estou louco," retor-quiu ele. "Tal acusação deveria antes, ser feita contra vós que sentenciastes à morte um homem não menos santo que o prometido Qá'im. Não é louco aquele que tem abraçado Sua Fé e anseia por derramar seu sangue em Seu caminho."

O Báb, por Sua vez, foi conduzido à presença de Mullá Muhammad-i-Mámáqání. Tão logo O reconhecera, apanhou a sentença de morte que ele mesmo escrevera anteriormente e, dando-a a seu subordinado, lhe mandou entregá-la ao farrásh-báshí. "Desnecessário é," gritou ele, "trazer a minha presença o Siyyid-i-Báb. Essa sentença escrevi naquele mes-mo dia em que o conheci na reunião presidida pelo Valí-'Ahd. É, seguramente, o mesmo homem que vi naquela oca-sião e ele não tem cedido, neste entrementes, nenhuma de suas pretensões."

Daí foi o Báb conduzido à casa de Mírzá Báqir, filho de Mírzá Ahmad, a quem ele recentemente sucedera. Ao chegarem, encontraram seu subordinado em pé no portão, segurando na mão a sentença de morte do Báb. "Não há necessidade de entrar," disse-lhes. "Meu mestre já se certi-ficou de haver seu pai tido razão ao pronunciar a sentença de morte. Melhor não pode ele fazer do que lhe seguir o exemplo."

Mullá Murtadá-Qulí, seguindo nas pegadas dos dois ou-tros mujtahids, havia emitido antes seu próprio testemunho por escrito e recusou encontrar-se face a face com seu te-mido oponente. Assim que o farrásh-báshí obtivera os do-cumentos necessários, entregou seu Cativo logo às mãos de Sám Khán, assegurando-lhe que poderia agora proceder a desempenhar sua tarefa, já que havia obtido a sanção das autoridades civis e eclesiásticas do reino.

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Siyyid Husayn havia permanecido confinado no mesmo compartimento onde passara a noite anterior com o Báb. Estavam prestes a colocar Mírzá Muhammad-'Alí nesse mes-mo compartimento quando ele, em prantos, lhe implorou permissão para permanecer com seu Mestre. Foi ele então entregue às mãos de Sám Khán com ordens de executá-lo também, caso ele persistisse em sua recusa de negar sua Fé.

Sám Khán, neste Ínterim, estava se sentindo cada vez mais afetado pelo comportamento de Seu Cativo e pelo tra-tamento que Ele estava recebendo. Apoderou-se dele grande medo de que com sua ação atraísse sobre si a ira de Deus. "'Eu professo a Fé Cristã," explicou ele ao Báb, "e nenhum desejo mau alimento contra vós. Se vossa Causa for a Causa da Verdade, habilitai-me a me aliviar da obrigação de der-ramar vosso sangue." "Segui vossas instruções," respondeu o Báb, "e se for sincera vossa intenção, o Onipotente poderá certamente vos aliviar de vossa perplexidade."

Sám Khán mandou seus homens bater um prego no pilar entre a porta do compartimento que Siyyid Husayn ocupava e a entrada para o adjacente, e segurar dois cabos àquele prego, dos quais o Báb e Seu companheiro seriam suspensos separadamente (13). Mírzá Muhammad 'Ali im-plorou a Sám Khán que o colocasse de tal modo que seu próprio corpo protegesse o do Báb (14). Foi suspenso afinal

(13) "O Báb guardou silêncio. Seu rosto pálido e formoso en-quadrado por uma barba negra e um pequeno bigode, seu aspecto e seus modos refinados, suas mãos brancas e delicadas, suas vestimentas simples e asseadas — tudo isso fazia despertar a simpatia e a com-paixão". ("Journal Asiatique", 1866, tomo 7, p. 378).

(14) "Uma prova da devoção e constância deste homem nobre se encontra numa carta de seu próprio punho e letra que se encontrava em poder de seu irmão que ainda vive em Tabríz. Esta carta ele a escreveu quando estava na prisão, dois ou três dias antes de seu mar-tírio, em contestação a seu irmão que o aconselhava a afastar-se de sua devoção e servicitude; nela ele faz sua apologia. Em vista que o mártir era o irmão menor, adota um tom respeitoso em sua carta. O texto da carta de contestação é o seguinte: "Ele é o compassivo. Oh meu Qiblih! Graças sejam dadas a Deus, não tenho nada que re-clamar em minhas circunstâncias atuais e "cada tarefa vem seguida de um descanso". Quanto ao que haveis escrito, que este assunto não tenha fim. Que assunto tem, pois, fim? Nós pelo menos não nos sen-timos descontentes com ele; nos encontramos incapazes, por certo, para

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em tal posição que sua cabeça repousava no peito de seu Mestre. Logo que foram seguramente suspensos, um regi-mento de soldados se dispôs em três fileiras, cada uma de duzentos e cinqüenta homens, os quais tiveram ordens de abrir fogo, cada um por sua vez, até haver o destacamento inteiro lançado a descarga de suas balas (15). Tão espessa foi a fumaça proveniente dos tiros dos setecentos e cinqüenta fuzis que a luz do sol de meio-dia se converteu em trevas. Havia se amontoado no telhado do quartel, bem como em cima das casas adjacentes, cerca de dez mil pessoas, todas as quais testemunharam aquela triste e comovedora cena.

Assim que se dissipara a nuvem de fumaça, uma as-sombrada multidão contemplava uma cena que seus olhos mal podiam acreditar. Lá, em pé diante deles, vivo e ileso, estava o companheiro do Báb, enquanto Ele próprio, são e salvo, desaparecera de sua vista. Embora os cabos pelos quais foram suspensos fossem despedaçados pelas balas, seus corpos no entanto, haviam milagrosamente escapado aos tiros (16). Até mesmo a túnica usada por Mírzá Muham-mad-'Alí nenhuma mancha mostrava, a despeito da espes-

expressar em grau suficiente nossa gratidão por esta bendição. Só po-deremos ser mortos por causa de Deus e oh! Quanta felicidade se en-contra nisto! A vontade do Senhor deve ser levada a cabo por Seus servos e tampouco pode a prudência modificar um destino predeter-minado. Aquilo que é a vontade de Deus, sucede: Não tem força al-guma salvo em Deus. Oh meu Qiblih! O fim da vida no mundo é a morte: "Toda alma gostará da morte". Se o destino fixado por Deus (Poderoso e glorifiçado seja Ele) me há de alcançar, então Deus é o guardião de minha família e vós sois meu fideicomisso; trabalha de tal forma que agrade a Deus. Perdoa qualquer deficiência em res-peito ou dever ante um irmão maior para que possa eu ser o culpado, procura fazer que me perdoem todos os de meu lugar e encomenda-me a Deus. Deus é minha porção e quão bondoso é Ele como guardião!". (O "Taríkh-i-Jadíd", pp. 301-303).

(15) "Quando se fuzilam os condenados na Pérsia, eles são amar-rados a um poste com a vista virada, afastada dos expectadores para que não possam ver os sinais que o oficial dá para a execução". (Journal Asiatique, 1866, Tomo 7, p. 377).

(16) "Ouviu-se um clamor intenso por parte da multidão nesse instante enquanto que os curiosos viam como o Báb, livre das cordas que O amarravam, avançava até eles. Surpreendente acreditar, porém as balas não haviam tocado no condenado e pelo contrário, haviam corta-do suas amarras deixando-o em liberdade. Era um verdadeiro mi-

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sura da fumaça. "O Siyyid-i-Báb desvaneceu de nossa vista!" exclamava a multidão perplexa. Saíram em frenética busca Dele e afinal, O encontraram sentado no mesmo comparti-mento no qual ficara na noite anterior, ocupado em com-pletar a conversação com Siyyid Husayn, que fora inter-rompida. Uma expressão de imperturbável calma se mani-festava em Sua face. Seu corpo emergira ileso da chuva de balas contra Ele dirigida pelo regimento. "Terminei Minha conversação com Siyyid Husayn," disse o Báb ao farrásh-báshí. "Agora podeis proceder ao cumprimento de vossa in-tenção." O homem estava demasiadamente abalado para con-tinuar o que já tentara. Recusando levar a cabo seu dever, ele naquele mesmo momento partiu da cena e se despediu de seu posto. Relatou ele tudo o que havia presenciado a seu vizinho, Mírzá Siyyid Muhsin, uma das notabilidades de Ta-bríz quem, ao ouvir sua narração, se converteu à Fé.

Tive o privilégio de conhecer, subseqüentemente, esse mesmo Mírzá Siyyid Muhsin, que me conduziu à cena do martírio do Báb e me mostrou a parede onde fora suspenso. Fui levado ao compartimento no qual O haviam encontrado

lagre e só Deus sabe o que houvera sucedido sem a fidelidade e sereni-dade do regimento cristão durante este sucesso. Com o objetivo de aquietar a excitação da multidão que em sua agitação estava preparada para crer nas afirmações de uma religião que demonstrava desta for-ma a sua verdade, os soldados mostraram as cordas cortadas pelas balas, demonstrando que não havia ocorrido nenhum milagre na rea-lidade. Ao mesmo tempo apreenderam o Báb e o amarraram uma vez mais no poste fatal. Desta vez a execução teve êxito. A justiça mu-çulmana e a lei eclesiástica haviam se imposto. Porém a multidão, vi-vidamente impressionada pelo espetáculo que havia visto dispersou-se lentamente, mal convencida que o Báb era um criminoso. Depois de tudo, seu crime só era um crime para os legalistas e o mundo se mos-tra indulgente perante crimes que não entende". (M. C. Huar t : "La Religion du Báb", pp. 3-4).

"Sucedeu uma coisa extraordinária, sem paralelo nos anais da história da humanidade: as balas cortaram a corda que o estavam amarrando e ele caiu de pé sem sofrer um arranhão". (A. L. M. Ni-colas: "Siyyid 'Alí-Muhammad dit le Báb", p. 375).

"Por uma estranha coincidência, as balas só tocaram as cordas que amarravam o Báb, estas se romperam e Ele caiu livre. Produziu-se um grande alvoroço por todos os lados e todos gritavam, sem compreender a princípio, o que é que havia acontecido". (Idem, p. 379).

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conversando com Siyyid Husayn e foi me mostrado o lugar exato onde Ele havia estado sentado. Vi o mesmo prego que Seus inimigos haviam batido com martelo na parede e ao qual fora ligado o cabo que sustentava Seu corpo.

Atônito também ficara Sám Khán diante da força desta tremenda revelação. Ordenou que seus homens saíssem ime-diatamente do quartel e recusou jamais se associar, ele pró-prio ou seu regimento, a qualquer ato que implicasse no menor dano ao Báb. Jurou, enquanto se retirava do pátio, nunca mais assumir tal tarefa, ainda que sua recusa lhe acarretasse a perda da própria vida.

Mal partira Sám Khán quando Aqá Ján Khán-i-Kham-sih, coronel da guarda pessoal, conhecido também pelos no-mes de Khamsih e Násírí, ofereceu cumprir a ordem de execução. Na mesma parede e do mesmo modo foram o Báb e Seu companheiro suspensos, enquanto o regimento se dis-pôs em fileiras para sobre eles abrir fogo. De modo contrário ao da ocasião anterior, quando os tiros despedaçaram apenas as cordas pelas quais haviam sido suspensos, desta vez seus corpos foram despedaçados e misturados em uma só massa de carne e ossos (17). "Tivésseis vós acreditado em Mim, ó perversa geração" — foram as últimas palavras do Báb à multidão que O fitava enquanto o regimento se preparava para a descarga final — "cada um de vós teria seguido o exemplo deste jovem que, em grau, era superior à maioria de vós e de bom grado se teria sacrificado em Meu cami-nho. Dia virá em que vós Me tereis reconhecido; naquele dia, Eu terei deixado de estar convosco (18)."

(17) Segundo "A Traveller's Narrative" (p. 45), "os peitos das vítimas foram crivados de balas e seus membros totalmente secciona-dos> exceto suas faces que ficaram pouco afetadas".

(18) "Louvado seja Deus que manifestou o Ponto (O Báb) e fez que Dele se procedesse o conhecimento de tudo que é e s e r á . . . Ele é esse Ponto do qual Deus fez um Oceano de Luz para os fiéis dentre Seus servos e uma Bola de Fogo para os negadores entre Suas criatu-ras e os ímpios entre Seu povo". (Bahá'u'lláh, o "Ishráqát", p. 3) . Do mesmo modo, em Sua interpretação da letra "Há", Ele anelava o mar-tírio, dizendo: "Pareceu-me ouvir uma Voz chamando no mais íntimo do meu ser — Sacrifica no caminho de Deus aquilo que mais amas. assim como Husayn — que a paz desça sobre ele — ofereceu a vida por Minha causa! E se eu não atentasse este inevitável mistério, por

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No momento exato em que atiraram, surgiu um venda-val de severidade excepcional e varreu a cidade inteira. Um redemoinho de pó de incrível densidade obscureceu a luz do sol e cegava os olhos do povo. Toda a cidade permane-ceu envolta nessa escuridão desde meio-dia até à noite. Nem tão estranho fenômeno, seguindo de imediato aquele ainda

Aquele que tem meu ser entre as mãos, se todos os reis da terra se co-ligassem, não teriam o poder de me privar de uma só letra; quanto menos ainda o que podem esses servos que não dignos de nenhuma atenção e que, em verdade, se acham entre os rejeitados. . . Para que todos possam conhecer o grau de Minha paciência. Minha resignação e abnegação no caminho de Deus". ("Kitáb i-Iqán", l . a edição, p. 168). "O Báb, o Senhor, o Altíssimo — que todos sacrifiquem a vida por Ele — revelou uma Epístola específica para os ulemás de todas as cidades, na qual Ele expôs de forma completa a natureza da negação e repúdio de cada um deles. Portanto, prestai atenção, ó vós que sois perspica-zes!" (BaháVlláh, "Kitáb-i-Iqán", l.a edição, p. 166). "Esta Alma ilustre levantou-se com tal poder que sacudiu as bases da religião, da moral, dos hábitos e dos costumes da Pérsia e instituiu novas regras, novas leis e uma nova religião. Mesmo quando os dirigentes do estado, quase todo o clero e os funcionários públicos se uniram e se levantaram para destruí-lo e aniquilá-lo, Ele sozinho os resistiu e mobilizou toda a Pérsia. Ele ensinou a educação Divina à uma multidão ignorante pro-duzindo resultados maravilhosos sobre os pensamentos, a moral, os cos-tumes e as condições dos persas". ('Abdu'1-Bahá, "Some Answered ques-tions", pp. 30 1). "Os cristãos estão convencidos que se Cristo quisesse descer da cruz poderia tê-Lo feito facilmente; morreu pela própria von-tade porque estava escrito que assim devia ser para que se cumprissem as profecias. O mesmo é verdade do Báb, dizem os Babís, que deu, desta forma, umo sanção clara a seus ensinamentos. Ele também morreu voluntariamente, porque Sua morte ia trazer a salvação para a huma-nidade. Quem nos dirá alguma vez as palavras que o Báb disse em meio ao tumulto sem precedente que explodiu no momento da Sua ascensão? Quem saberá as recordações que agitavam Sua alma nobre? Quem nos revelará o segredo daquela mor te . . . A visão da baixeza, os vícios e os enganos do clero violentaram a sua alma sincera e pura : Ele sentiu a necessidade de uma profunda reforma na moral pública e não há dúvi-da, que vacilou mais de uma vez, ante a idéia de uma revolução que parecia inevitável, para libertar os corpos assim como as mentes da opressão estúpida e da violência que imperava em toda a Pérsia em benefício egoísta de uns poucos. . . dos que buscavam prazeres e para grande vergonha da verdadeira religião do Profeta. Deve ter-se sentido perplexo, com profunda ansiedade, enquanto sentia a necessidade de ter o triplo escudo, que falava Horácio, para lançar-se de cabeça no oceano de superstição e ódio que fatalmente deveria engolfá-lo. Sua vida tinha sido um dos exemplos magníficos de valentia que a humanidade

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mais espantoso acontecimento — o insucesso do regimento de Sám Khán em lesar o Báb — pôde comover os corações do povo de Tabríz e induzi-lo a fazer pausa e refletir sobre o significado de eventos tão momentosos. Testemunharam o efeito que tão maravilhosa ocorrência produzira em Sám Khán; presenciaram a consternação do farrásh-báshí e o

teve o privilégio de conhecer e também uma prova admirável de amor que o Báb sentia por seus compatriotas. Sacrificou-se pela humanidade, por ela deu seu corpo e sua alma, por ela suportou privações, insultos, torturas e o martírio. Selou, com seu próprio sangue, o convênio da fra-ternidade universal. Gomo Jesus, pagou com Sua vida a proclamâção de um reino de concórdia, eqüidade e amor fraternal. Sabia, melhor do que ninguém, dos terríveis perigos que estava amontoando sobre si mesmo. Pôde ver pessoalmente a que grau de exasperação podia alcançar um fanático, despertado com astúcia; porém todas estas considerações não fizeram vacilar sua resolução. O temor não tinha lugar em sua alma e com perfeita serenidade, sem olhar para trás e em plena possessão de todas as suas faculdades, entrou caminhando na fogueira". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid Muhammad-'Alí dit le Báb", pp. 203-4-376).

"O cabeça da nova religião estava morto e, de acordo com as pre-visões do primeiro ministro, a mente do povo estaria em paz e já não havia motivos para preocupação, pelo menos desta fonte. Porém esta sobedoria política frustou-se, e, em vez de aquietar as chamas, só serviu para avivá-las alcançando maior violência ainda".

"Veremos mais adiante, quando examinarmos os dogmas predica-dos pelo Báb, que a continuidade da seita não dependia em absoluto da sua presença física; tudo podia seguir em frente e crescer sem ele. Se o primeiro ministro houvera percebido esta característica funda-mental da religião hostil, não é provável que se mostrasse tão ansioso para desfazer-se de um homem cuja existência não havia tido, depois de tudo, maior significação que sua "morte". (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans 1'Asie Centrale", pp. 224-225). "Um profeta tal", escreve o Rev. Dr. T. K. Cheyne, "era o Báb; o chamamos "profeta" na falta de um vocativo melhor; "em verdade vos digo, um profeta é mais que um "profeta". Sua combinação de mo-déstia e poder é tão excepcional que devemos colocá-lo em uma linha de homens superdotados... Diziam que, em momentos sobrepujantes da sua carreira, depois que havia estado em êxtases, fiuia de Seu rosto um resplendor e majestade de tal magnitude que ninguém podia suportar, admirar a fulgência de Sua glória e beleza. Mesmo as pessoas que não acreditavam Nele, não raro, inclinavam-se involuntariamente em humil-de reverência ao ver Süa Santidade; enquanto os moradores do castelo ainda que fossem cristãos e sunitas, se prostavam com reverência quando viam o rosto de Sua Santidade. Tais transfigurações são bem conhecidas nos santos. Consideravam-na como a colocação do selo celestial a reali-dade e totalidade do desprendimento do Báb". (The Reconciliation of

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viram tomar sua irrevogável decisão; puderam até exami-nar aquela túnica que, apesar da descarga de tantas balas, havia permanecido inteira e sem mancha; puderam ler na face do Bata, depois de haver Ele emergido ileso daquela tempestade, a expressão de inalterável serenidade enquanto continuava Sua conversação com Siyyid Husayn; e, no en-

Races and Religions", pp. 8-9). "Quem pode deixar de sentir-se atraído pelo suave espírito de Mirzá Muhammad-'Alí? Sua vida cheia de dor e perseguições; sua pureza de conduta; sua juventude; sua valentia; sua paciência sem renúncia ante as adversidades; Sua total renúncia de si mesmo; o tênue ideal de uma ordem de coisas melhor que se pode vislumbrar através das obscuras e místicas expressões do Bayán; porém mais que tudo, Sua trágica morte, tudo serve para conquistar nossa simpatia em favor do jovem profeta de Shiráz. O encanto irresistível que Lhe conquistou tanta devoção durante toda a Sua vida, todavia perdura e continua influenciando as mentes do povo persa". (Um artigo do Prof. E. G. Browne: "Os Bábís da Pérsia", Journal of the Royal Asiatic Society, 1889, p. 933). "Poucos são os que crêem que mediante estas medidas sanguinárias se desejaram propagar as doutrinas do Báb. Há um espírito de permuta entre os persas que preservará seu sistema da extinção; além disso, suas doutrinas são atraentes para os persas. Ainda que na atualidade se encontre subjugada e obrigada a manter-se oculta nos povos, difunde se cada dia mais". (Lady Shell: "GHmpses of Life and Manners in Pérsia", p. 181). "A história do Báb, que se chamava Muhammad-'Alí, foi uma história de heroísmo espiritual que não havia sido sobrepujada na experiência de Svabhava; e seu próprio espírito de aventura viu-se incendiado por ela. Que um jovem sem influência social e sem educação pudesse, mediante o simples poder intuitivo, penetrar no coração das coisas, ver a autêntica verdade, e que logo se agarra a ela com firmeza tal de convicção para apresentá-la na forma tão persuasiva que pudesse convencer os homens que ele era o Messias, e conseguir que lhe seguissem até a morte, era um daqueles feitos extraordinários da história humana sobre os quais Svabhava amava medi tar . . . A apaixonada sinceridade do Báb não se podia pòr em dúvida, porque ele deu Sua vida por Sua fé. Deve haver algo em Sua mensagem que agradava aos homens e satisfazia suas almas; podia se atestar isto pelo feito de milhares darem suas vidas por sua causa e milhões agora o seguirem. Se pela sinceridade de Seu propósito e a atração de Sua personalidade podia um jovem, em só seis anos de mi-nistério, inspirar a tal ponto ricos e pobres, cultos e ignorantes com uma fé tamanha Nele e em Suas doutrinas que permaneciam firmes mesmo quando eram perseguidos, quando eram sentenciados a morte mesmo sem julgamento, cortados em dois com um serrote, enforcados, fuzilados ou disparados de canhões; e se homens de elevado culto e posição tanto na Pérsia, Turquia e Egito aderiram em grande número às Suas doutrinas; Sua vida deve ser um daqueles acontecimentos que

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tanto nenhum deles quis se encarregar de indagar sobre o significado desses insólitos sinais e maravilhas.

O martírio do Báb ocorreu ao meio-dia no domingo, dia 28 de Sha'bán, no ano de 1266 A.H. (19), trinta e um anos lunares, sete meses e vinte e sete dias desde o dia de Seu nascimento em Shíráz.

Ao anoitecer daquele mesmo dia, os corpos esmigalha-dos do Báb e de Seu companheiro foram removidos do pátio do quartel e deixados na margem do fosso fora do portão da cidade. Quatro companhias, consistindo cada uma de dez sentinelas, receberam ordens de vigiá-los por turnos. Na ma-nhã após o dia do martírio, o cônsul russo em Tabríz, acom-panhado por um artista, foi ao lugar e mandou traçar um desenho dos restos mortais, assim como lá jaziam, do lado do fosso (20).

Tenho ouvido Hájí 'Alí-'Askar relatar o seguinte: "Um oficial do consulado russo, a quem eu tinha parentesco, mos-trou-me esse desenho no mesmo dia em que foi traçado. O retrato do Báb que contemplei era tão fiel! Nenhuma bala havia atingido Sua fronte, Suas faces ou Seus lábios. Fitei um sorriso que parecia estar ainda pairando sobre Seu sem-blante. Seu corpo, porém, fora severamente mutilado. Eu

nos últimos cem anos merece realmente ser estudada". (Sir Francis Younghusband: "The Gleam", pp. 183-184). "É assim que, aos trinta anos de idade, no ano de 1850, terminou a heróica carreira de um ver-dadeiro Homem-Deus. Da sinceridade de Sua convicção de haver sido designado por Deus, é a forma mais eloqüente possível, a forma em que morreu. Na crença que mediante ele salvaria a outros de erro de suas convicções atuais, sacrificou voluntariamente Sua vida. E do poder que tinha para atrair os homens fazia ele o testemunho convincente a apaixonada devoção com que centenas e ainda milhares de homens des-sem suas vidas em favor da Sua causa". (Idem, p. 210). "O Báb estava morto, porém não o Babismo. Ele não foi o primeiro e tampouco foi o último de uma longa cadeia de mártires os quais testemunharam que, dentro de um país gangrenado pela corrupção e atrofiado pela indife-rença como a Pérsia, a alma de uma nação sobrevive, inarticulada quem sabe, e de certa forma impotente, porém ainda capaz de espasmos de vitalidade". ("Valentine Chirol: The middle Eastern Question", p. 120) ".

(19) 9 de julho de 1850 A. D. (20) "O Imperador da Rússia", disse Hájí Mirzá Jání, "solicitou

ao cônsul deste país em Tabríz, que investigasse plenamente as cir-

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podia reconhecer os braços e a cabeça de Seu companheiro, que parecia estar sustentando-O em seu abraço. Enquanto horrorizado, eu contemplava aquele quadro, que me persis-tia na consciência, e via como aqueles nobres traços haviam sido desfigurados meu coração desfalecia dentro de mim. Em angústia virei a face e, conseguindo chegar a minha casa, me tranquei em meu quarto. Durante três dias e três noites não podia dormir nem me alimentar, tão completamente acabrunhado estava de emoção. Aquela vida curta e tumul-tuosa, com todas as suas tristezas, seus transtornos e seus desterros, coroada afinal, com o martírio que tão reverente admiração inspirava, parecia representar-se de novo diante de meus olhos. Torcia-me na cama, contraindo-me de dor e agonia."

Na tarde do segundo dia após o martírio do Báb, Hájí Sulaymán Khán, filho de Yahyá Khán, veio a Bágh-Mishih, um subúrbio de Tabríz, e foi recebido na casa do Kalan-tar (21), um de seus amigos e confidentes, que era dervixe e membro da comunidade sufi. Hájí Sulaymán Khán partira de Teerã ao ser informado do iminente perigo que ameaçava a vida do Báb, com o objetivo de conseguir Sua libertação. Consternou-se ao chegar tarde demais para levar a cabo sua intenção. Logo que seu anfitrião lhe informou das circuns-tâncias que haviam resultado na apreensão e sentença do

cunstâncias relacionadas com Sua Santidade, o Báb, e que enviasse um relatório. Quando chegou esta notícia, as autoridades persas condena-ram à morte o Báb. O cônsul da Rússia chamou Áqá Siyyid Muhammad-Husayn, o amanuense do Báb, que se encontrava encarcerado em Tabríz e o interrogou sobre os sinais e circunstâncias de Sua Santidade. De-vido a presença de muçulmanos no momento, Áqá Siyyid Husayn não se atreveu a falar com clareza sobre Seu Mestre, porém mediante insi-nuações conseguiu comunicar várias questões e também o deu (ao cônsul russo) alguns dos escritos do Báb". (Esta asseveração, é pelo menos em parte verídica, atesta o relato de Dom, o qual, ao descrever um ma-nuscrito de um dos "Comentários sobre os Nomes de Deus" do Báb, que ele chamou de "Qur'án der Bábí", disse na pág. 248 do vol. 8 do "Bulletin de 1'Académie Imperiale des Sciences de St. Pétersbourg", que foi recebida diretamente do próprio secretário do Báb que, durante seu encarceramento em Tabríz, passou o documento às mãos européias". (O "Tarikh-i Jadíd", pp. 395-396).

(21) Veja glossário.

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Báb e lhe relatou os eventos que acompanharam Seu mar-tírio, ele resolveu instantaneamente levar os corpos das ví-timas, ainda que corresse o risco de pôr em perigo a própria vida. O Kalantar aconselhou que esperasse e seguisse sua sugestão em vez de se expor àquilo que lhe traria, segundo seu parecer, morte inevitável. Instou-lhe que transferisse sua residência a outra casa e aguardasse a chegada, naquela noite, de um certo Hájí Alláh-Yár quem, disse ele, estaria pronto para executar o que ele quisesse. Na hora marcada, Hájí Sulaymán Khán encontrou com Hájí Alláh-Yár que conseguiu, no meio daquela mesma noite, transportar os corpos da margem do fosso para a fábrica de seda que era propriedade de um dos crentes de Milán. No dia seguinte foram colocados em um caixão especialmente construído em madeira e, segundo as instruções de Hájí Sulaymán Khán, transferidos a um lugar de segurança. As sentinelas, entre-mentes, tentaram justificar-se pela desculpa de que, en-quanto dormiam, animais selvagens haviam levado os cor-pos (22). Seus superiores, por sua parte, não querendo com-prometer sua própria honra, esconderam a verdade, não di-vulgando-a às autoridades (23).

Hájí Sulaymán Khán de imediato levou o assunto ao conhecimento de Bahá'u'lláh, que estava então em Teerã e que deu instruções a Aqáy-i-Kalím para mandar um mensa-geiro especial a Tabriz com o fim de transferir os corpos para a capital. Essa decisão foi motivada pelos desejos que o próprio Báb expressara no "Zíyárat-i-Sháh- AbduVAzim" uma Epístola que Ele revelara enquanto na vizinhança da-quele santuário e entregou a um certo Mírzá Sulaymán-i-

(22) "Seguindo um costume imemorial no Oriente, de que houve um bom exemplo no sítio de Béthulie assim como também no sepulcro de nosso Senhor, o sentinela é um soldado que dorme a sono solto no posto que se supõe deve vigiar". (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans 1'Asie Centrale", p. 166). "Podemos ver nesta história que classe de gente são os sentinelas persas; sua função con-siste principalmente em dormir em torno dos que estão encarregados de vigiar". (A. L. M. Nicolas: Sijryid 'Alí-Muhammad dit le Báb", p. 378).

(23) "M. de Gobineau, concordando nisto com os autores do Ná-síkhu-t-Taváríkh, de Radatu's-Safá, de Mir'átu'1-Buldán e, numa pala-

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Khatíb, com instruções para ele proceder a esse lugar, jun-tamente com alguns crentes, e dentro desse recinto entoá-la (24). "Bem-aventurado sois vós", em tais paiavras o Báb se dirigia, nas passagens concludentes dessa Epístola, ao santo lá sepultado, "por haverdes encontrado vosso lugar de descanso em Rayy, à sombra de Meu Bem-Amado. Oxalá pudesse Eu ser sepultado dentro do recinto desse solo sa-grado!"

vra com todos os historiadores oficiais, relata que, depois da execução, o corpo do Báb foi atirado em uma fossa da cidade e devorado pelos cães. Na realidade não foi assim e veremos porque havia sido difundida esta notícia pelas autoridades de Tabríz (pouco dispostas a atrair sobre suas cabeças uma reprimenda governamental por um serviço pago a tão alto preço) assim como pelos Babís os quais estavam desejosos de evitar novas investigações da polícia. O depoimento mais digno de confiança dos mesmos testemunhos do drama e de seus atores, não me deixam dúvidas de que o corpo de Siyyid 'Alí-Muhammad foi recolhido por mãos piedosas e que finalmente, depois de numerosos incidentes que relatarei, recebeu digna sepultura". (Idem, p. 377).

(23) "E assim como Teerã está dotada, em sinal de respeito, com o mausoléu e santuário do Sháh 'Abdu'1-Azím, descansando sob uma cúpula dourada cujo brilho eu havia visto de longe enquanto cavalgava para a cidade, os restos deste santo indivíduo atraem, segundo se diz, trezentas mil visitas durante o ano. Observo que a maioria dos escri-tores põe um tênue véu sobre a sua ignorância da identidade do santo, descrevendo-o como um "santo muçulmano", cujo santuário é muito visi-tado pelos piedosos Tihránís. No entanto, muito antes do advento do Islã, este havia sido um lugar sagrado como o sepulcro de uma dama muito santa, em conexão com o qual é digno de notar-se que o santuário é protegido todavia, em grande parte por mulheres. Aqui, depois da con-quista muçulmana, foi sepultado Imán-Zádih Hámzih, o filho do sétimo Imán, Musá-Kázim; a este lugar também veio fugindo Khalif Muta-vakkil, um santo personagem chamado Abu'1-Qasim 'Abdu'1-Azím, que viveu oculto em Rayy até a sua morte cerca de 861 A. D. (Este é o relato dado por Kitáb-i-Majlisí persa, que o Shayk Najáshí, o qual cita a Barkí). Posteriormente sua fama obscureceu a de seu mais ilustre predecessor. Sucessivos soberanos, especialmente os da dinastia reinante, têm aumentado e embelezado o conjunto de edifícios construídos sobre seu sepulcro cuja popularidade crescente fez com que uma aldeia se desenvolvesse ao redor do lugar sagrado. A mesquita está situada numa planície, a mais ou menos seis milhas a sudoeste da capital, um pouco além das ruínas de Rayy, a extremo do grupo de montanhas que fecham a planície de Teerã para sudoeste". (Lord Curzon: "Pérsia and the Persian Question", pp. 345 347).

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Estava eu mesmo em Teerã, na companhia de Mírzá Ahmad, quando chegaram os corpos do Báb e de Seu com-panheiro. Bahá'u'lláh havia, neste Ínterim, partido para Kar-bilá, de acordo com as instruções do Amír-Nizám. Áqáy-i-Kalím, com Mírzá Ahmad, transferiram aqueles restos mor-tais do Imám-Zadih-Hasan (25), onde foram primeiro leva-dos, para um lugar que permaneceu desconhecido de todos, menos deles mesmos. Esse lugar continuou em segredo até a partida de Bahá'u'lláh para Adrianópolis, quando ÁQáy-i-Kalím foi incumbido de informar a Munir, um de seus co-discípulos, o sítio atual em que os corpos haviam sido co-locados. Apesar de sua procura, não conseguiu encontrá-lo. Foi descoberto subseqüentemente por Jamál, velho aderente da Fé, a quem o segredo foi confiado enquanto Bahá'u'lláh estava ainda em Adrianópolis. Esse lugar está até agora des-conhecido dos crentes, nem pode qualquer pessoa conjeturar para onde os restos mortais serão finalmente transferidos.

A primeira pessoa em Teerã a saber das circunstâncias que acompanharam aquele martírio cruel foi, depois do Grão-Vizir, Mírzá Aqá Khán-i-Núrí, que havia sido exilado a Kashan por Muhammad-Sháh quando o Báb estava passando por aquela cidade. Ele assegurara a Hájí Mírzá Jání, por cujo intermédio ele havia conhecido os preceitos da Fé que, se mediante o amor que ele tinha pela nova Revelação, pu-desse recuperar a posição perdida, ele envidaria os máxi-mos esforços em prol do bem-estar e da segurança dessa comunidade que era alvo de tanta perseguição. Hájí Mírzá Jání relatou isso a seu Mestre, que lhe incumbiu de as-segurar ao ministro desonrado que dentro em breve seria chamado a Teerã e investido, por seu soberano, de uma posição secundária a nenhuma outra, senão a do próprio Xá. Foi advertido de não se esquecer de sua promessa e de se esforçar para levar a cabo sua intenção. Deleitou-se com essa mensagem e renovou a promessa que ele havia dado.

Ao chegar-lhe a notícia do martírio do Báb, já havia ele conseguido a promoção, recebendo o título de I'timádu'd-Dawlih, e ele esperava ser elevado à posição de Grão-Vizir.

(25) Um santuário local em Teerã.

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Apressou-se a informar Bahá'u'lláh, a Quem conhecia inti-mamente, da notícia recebida, expressando a esperança de que a conflagração que ele receava, pudesse algum dia tra-zer indizível calamidade a Ele, tivesse sido finalmente ex-tinta. "De modo algum," replicou Bahá'u'lláh. "Se isso é verdade, podeis ter certeza de que a chama que se ateou arderá mais intensamente do que nunca, em virtude desse próprio ato e causará uma conflagração tal que as forças combinadas dos estadistas deste reino serão impotentes para extinguir." O que estas palavras significavam, Mírzá Áqá Khán era destinado a apreciar subseqüentemente. Mal po-deria ele imaginar, quando foi pronunciada esta predição, que a Fé, após haver sofrido um golpe tão esmagador, pu-desse sobreviver ao seu Autor. Ele mesmo, em uma ocasião, fora curado por Bahá'u'lláh de uma doença, quando toda es-perança de recuperação havia sido abandonada.

Seu filho, o Nizámu'1-Mulk, perguntou-lhe um dia se não achava que Bahá'u'lláh, apesar de se haver mostrado o mais capaz entre todos os filhos do falecido Vizir, falhara, não correspondendo à tradição de Seu pai e assim desapontando as esperanças Nele depositadas. "Meu filho," respondeu ele, "acreditas realmente ser ele um filho indigno de seu pai? Tudo o que qualquer um de nós pode esperar alcançar é apenas uma lealdade efêmera e precária que se desvane-cerá logo que terminarem nossos dias. Nossa vida mortal jamais poderá estar livre das vicissitudes que cercam o ca-minho de nossa ambição terrena. Pudéssemos por acaso mes-mo segurar, durante o tempo de nossa vida, a honra de nosso nome, quem pode dizer se, após nossa morte, a ca-lúnia não venha a macular nossa memória e desfazer o tra-balho por nós realizado? Até mesmo aqueles que, enquanto nós estamos ainda vivos nos honram com seus lábios, ha-veriam de, em seus corações, nos condenar e vilificar, fos-semos nós, por apenas um momento, deixar de lhes pro-mover os interesses. Não é assim, porém, com Bahá'u'lláh. Diferente dos grandes da terra, qualquer que seja sua raça ou grau, ele é objeto de um amor e devoção tais que o tempo não pode diminuir nem o inimigo eliminar. Sua soberania, as sombras da morte jamais poderão obscurecer, nem a lin-

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gua do caluniador solapar. Tal é o domínio de sua influên-cia que nenhum entre aqueles que o amam se atreve, na calada da noite, evocar a memória do mais minúsculo desejo que pudesse, ainda que remotamente, ser visto como con-trário a sua vontade. O número dos que assim o amam ha-verá de aumentar em grande escala. O amor que eles lhe têm jamais decrescerá — antes, será transmitido de geração a geração até que o mundo seja inundado de sua glória."

A maliciosa persistência com a qual um inimigo feroz tentou lesar e finalmente destruir a vida do Báb, em seu rastro trouxe para a Pérsia e seus habitantes indizíveis cala-midades. Os homens que perpetraram tais atrocidades caí-ram vítimas de remorso mordaz, e dentro de um período incrivelmente curto tiveram que sofrer morte ignominiosa. Quanto às massas que presenciaram com sombria indife-rença a tragédia que se representava diante de seus olhos e deixaram de levantar um dedo em protesto contra aquelas hediondas crueldades, elas por sua vez caíram vítimas de uma miséria que todos os recursos da terra e a energia dos estadistas eram impotentes para aliviar. O vento da adver-sidade soprou ferozmente sobre elas, abalando até seus fun-damentos a prosperidade material. Desde aquele dia mesmo em que a mão do assaltante se estendeu contra o Báb e tentou dar o golpe fatal à Sua Fé, aflição após aflição es-magou o espírito daquele povo ingrato, levando-o até a pró-pria beira da bancarrota nacional. Pragas cujos próprios nomes lhes eram quase desconhecidos, salvo por uma breve referência nos livros empoeirados que poucos tinham dispo-sição para ler, caíram sobre elas com uma fúria da qual ninguém pode escapar. O flagelo, onde quer que grassasse, espalhava devastação. Príncipe e camponês sentiram-lhe de igual o aguilhão e se curvaram sob seu jugo. Agarrava o povo, recusando-se a relaxar o aperto de suas mãos. Tão malignas como a febre que dizimou a província de Gílan, essas repentinas provações continuaram a assolar a terra. Embora tão aflitivas essas calamidades, a ira vingadora de Deus não se limitou a esses infortúnios que sobrevieram a um povo perverso e infiel. Fez-se sentir em cada ser vivente que respirava na face daquela terra atribulada. Afetou a

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vida das plantas e dos animais igualmente, e fez o povo sentir a magnitude de sua angústia. Fome acrescentou seus horrores ao estupendo peso das aflições sob as quais o povo gemia. O sombrio espectro da morte pela fome andava em sua caçada, e a perspectiva de expirar lenta e dolorosamen-te persistia em sua visão. Tanto o povo como o governo suspirava pelo alívio que em parte nenhuma podiam obter. Receberam do cálice da angústia até a escória, completa-mente inconscientes da mão que o trouxera aos seus lábios e da Pessoa por cuja causa tiveram que sofrer.

Primeiro a levantar-se para perseguir o Báb, outro não foi, senão Husayn Khán, o governador de Shíráz. Seu ver-gonhoso tratamento de seu Cativo custou-lhe as vidas de milhares que haviam sido entregues a sua proteção e que anuíram aos seus atos. Sua província foi devastada por uma praga que a levou até a beira da destruição. Empobrecida e exausta, Fárs elanguescia, impotente sob seu peso, pedin-do a caridade de seus vizinhos e a ajuda de seus amigos. O próprio Husayn Khán presenciou com amargura a anu-lação de todos os seus labores, foi condenado a viver na obscuridade durante os dias que lhe restavam e foi camba-leando ao seu túmulo, abandonado e esquecido, tanto pelos amigos como pelos inimigos.

O segundo a tentar desafiar a Fé do Báb e lhe deter o progresso, foi Hájí Mírzá Aqásí. Ele foi quem, por motivos egoístas e a fim de cortejar o favor dos abjetos ulemás de seu tempo, se interpôs entre o Báb e Muhammad Sháh e se esforçou por impedir que se encontrassem. Ele foi quem pronunciou o desterro de seu temido Cativo para um isolado recanto de Adhirbáyján e, com vigilância tenaz, mantinha guarda sobre Seu isolamento. A ele foi dirigida aquela Epís-tola denunciadora na qual seu Prisioneiro prognosticou seu triste destino e expôs sua infâmia. Mal passaram um ano e seis meses depois que o Báb chegara às proximidades de Teerã, quando a vingança Divina tirou-o do poder e o impeliu a buscar abrigo dentro do inglorioso recinto do santuário de Sháh-'Abdu'l-'Azím, um refugiado da ira de seu próprio povo. Daí a mão do Vingador o forçou a um exílio além dos confins de sua terra natal, mergulhando-o em um

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oceano de aflições até que encontrou sua morte em circuns-tâncias de abjeta pobreza e indizível angústia.

Quanto ao regimento que, a despeito do inexplicável insucesso de Sám Khán e seus homens em destruir a vida do Báb, se havia oferecido para renovar aquela tentativa, conseguindo, afinal, Lhe cravar o corpo com suas balas, duzentos e cinqüenta de seus membros encontraram sua morte naquele mesmo ano, juntamente com seus oficiais, num terrível terremoto. Enquanto descansavam, em um quente dia de verão, à sombra de um muro em seu caminho entre Ardibíl e Tabríz, absortos em seus jogos e prazeres, a inteira estrutura de repente desmoronou e caiu sobre eles, não deixando nenhum sobrevivente. Os restantes quinhen-tos sofreram a mesma sorte que suas próprias mãos infli-giram ao Báb. Três anos após Seu martírio, esse regimento amotinou-se e seus membros foram pom isso impiedosa-mente fuzilados por ordem de Mírzá Sádiq Khãn-i-Núrí. Não contente com uma primeira descarga, ordenou que uma segunda fosse descarregada a fim de assegurar que nenhum dos amotinados tivesse sobrevivido. Seus corpos íoram depois cravados de dardos e lanças e deixados expostos à vista do povo de Tabríz. Naquele dia muitos dos habitantes da cidade, recordando as circunstâncias do martírio do Báb, admiraram-se do mesmo destino que sobreviera àqueles que O haviam trucidado. "Poderia ser, por acaso, a vingança de Deus," ouvia-se alguns poucos sussurrarem um ao outro, "que tem levado o regimento inteiro a um fim tão deson-roso e trágico? Se aquele jovem foi um impostor mentiroso, por que têm seus perseguidores sofrido tão severo castigo?" Estas dúvidas assim expressas chegaram aos ouvidos dos principais mujtahids da cidade, dos quais grande medo se apoderou, levando-os a mandar punir severamente todos aqueles que alimentavam tais dúvidas. Alguns foram chico-teados, outros foram multados, e todos foram advertidos que desistissem desses sussurros, os quais só poderiam re-vivificar a memória de um terrível adversário e novamente atear entusiasmo pela Sua Causa.

O principal incitador das forças que precipitaram o martírio do Báb, o Amír-Nizám, e também seu irmão, o

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Vazír-Nizám, seu maior cúmplice, foram, dentro de dois anos depois daquele ato selvagem, sujeitados a um horrível castigo, que terminou miseravelmente em suas mortes. O sangue do Amír-Nizám mancha, até mesmo o dia de hoje, a parede do banho de Fín (26), como testemunho das atroci-dades que sua própria mão perpetrara (27).

(26) "É verdade"> escreve Lord Gurzon, "que seu reinado (de Na-siri'd-Dín Sháh), foi desfigurado por uma ou duas ações de lamentável violência; a pior destas foi o assassinato do seu Primeiro Ministro, Mirzá Taqí Khán, o Amír-Nizám. O cunhado do Sháh e primeiro súdito do reino, atribuiu à vingativa intriga cortesã e aos zelos maliciosamente excitados de seu jovem soberano, uma desgraça com ele que não sa-tisfez seus inimigos até que obtivessem a morte da sua decadente, porém, ainda perigosa vítima". ("Pers;a and the Persian Question", vol. I, p. 402).

(27) "Todo mundo sabia que os Babís haviam predito a morte do Primeiro Ministro e haviam anunciado a forma como sucederia. Acon-teceu precisamente da forma que haviam anunciado os mártires de Zanján, Mirzá Rida Hájí Muhammad-'Alí e Hájí Mushin. Caído em desgraça e perseguido pelo ódio real, suas veias foram cortadas na aldeia de Pín, perto de Káshán, assim como haviam sido cortadas as veias de suas vítimas. Seu sucessor foi Mirzá Áqá Khán-i-Núrí de uma nobre tribo de Mázindarán, que em outro tempo havia sido ministro da guerra. Este novo oficial tomou o título de Sadr-i-A'zam que é o privi-légio dos grandes vizires do Império Otomano. Isto sucedeu em 1852. (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", p. 230).

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