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Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011 1 OS SISTEMAS DE ENSINO NO CONTEXTO DO PROJETO REPUBLICANO: RELAÇÕES ENTRE O LOCAL E O NACIONAL NATH, Valdecir Antonio (UNIOESTE) 1 SILVA, João Carlos da (Orientador/UNIOESTE) 2 Introdução Este artigo discute o conceito de Sistema de Ensino no contexto do projeto republicano e alguns dos principais objetivos atribuídos à escola neste período, de forma preliminar. Faz uma análise sobre como a Educação foi abordada nas Constituições de 1934, 1937 e 1946, bem como as principais discussões deflagradas neste período sobre a constituição de um Sistema Nacional de Educação. A Constituição de 1934 apresenta um capítulo específico sobre a educação. A Constituição de 1937 define-se pelo conservadorismo, pelo autoritarismo e, como consequência, pelo diretivismo na educação, mediante o favorecimento ao próprio processo de elitismo. O enfoque dado anteriormente à educação de base, conforme propuseram os Pioneiros, foi substituído em 1937 pelo foco no ensino profissionalizante destinado a determinados grupos e limitado pelo Governo. A discussão também apontará alguns elementos que afirmam que a Constituição de 1946 exigiu que fossem definidas as diretrizes e bases para a educação nacional. O Projeto de Lei foi elaborado por uma comissão composta de educadores de várias tendências que, ao concluírem os trabalhos, predominou a tendência descentralizadora já prevista desde a década de 1930 pela Associação Brasileira de Educação. Foi a 1 Especialista em História da Educação Brasileira, pela UNIOESTE, Cascavel (2010); Mestrando em Educação pela UNIOESTE, Campus de Cascavel (2011); Professor da Rede Municipal de Ensino de Cascavel há 26 anos e da Secretaria de Estado da Educação, área de História. Atual Secretário Municipal de Educação do Município de Cascavel. 2 Doutor em Filosofia, História e Educação/FE-UNICAMP. Professor do Curso de Pedagogia e do Programa de Pós-graduação/Mestrado em Educação da UNIOESTE, Campus de Cascavel. Membro do grupo de pesquisa HISTEDOPR – História, sociedade e educação no Brasil – Oeste do Paraná.

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OS SISTEMAS DE ENSINO NO CONTEXTO

DO PROJETO REPUBLICANO: RELAÇÕES ENTRE

O LOCAL E O NACIONAL

NATH, Valdecir Antonio (UNIOESTE)1

SILVA, João Carlos da (Orientador/UNIOESTE)2

Introdução

Este artigo discute o conceito de Sistema de Ensino no contexto do projeto

republicano e alguns dos principais objetivos atribuídos à escola neste período, de forma

preliminar. Faz uma análise sobre como a Educação foi abordada nas Constituições de

1934, 1937 e 1946, bem como as principais discussões deflagradas neste período sobre

a constituição de um Sistema Nacional de Educação. A Constituição de 1934 apresenta

um capítulo específico sobre a educação. A Constituição de 1937 define-se pelo

conservadorismo, pelo autoritarismo e, como consequência, pelo diretivismo na

educação, mediante o favorecimento ao próprio processo de elitismo. O enfoque dado

anteriormente à educação de base, conforme propuseram os Pioneiros, foi substituído

em 1937 pelo foco no ensino profissionalizante destinado a determinados grupos e

limitado pelo Governo.

A discussão também apontará alguns elementos que afirmam que a Constituição

de 1946 exigiu que fossem definidas as diretrizes e bases para a educação nacional. O

Projeto de Lei foi elaborado por uma comissão composta de educadores de várias

tendências que, ao concluírem os trabalhos, predominou a tendência descentralizadora

já prevista desde a década de 1930 pela Associação Brasileira de Educação. Foi a

1 Especialista em História da Educação Brasileira, pela UNIOESTE, Cascavel (2010); Mestrando em Educação pela UNIOESTE, Campus de Cascavel (2011); Professor da Rede Municipal de Ensino de Cascavel há 26 anos e da Secretaria de Estado da Educação, área de História. Atual Secretário Municipal de Educação do Município de Cascavel. 2 Doutor em Filosofia, História e Educação/FE-UNICAMP. Professor do Curso de Pedagogia e do Programa de Pós-graduação/Mestrado em Educação da UNIOESTE, Campus de Cascavel. Membro do grupo de pesquisa HISTEDOPR – História, sociedade e educação no Brasil – Oeste do Paraná.

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Constituição de 1946 que apresentou, pela primeira vez, a necessidade legal de

organização de um sistema nacional de educação articulado, embora tal constatação já

estivesse elencada como necessária para o desenvolvimento educacional do país pelo

Movimento dos Pioneiros da Educação Nova.

O conceito de sistema de ensino

De acordo com o Dicionário Aurélio, a palavra “sistema’ significa:

Reunião de princípios coordenados de modo a formar uma doutrina: o sistema filosófico de Descartes. / Forma de organização administrativa, política, social ou econômica de um Estado: sistema eleitoral francês. / Modo, forma, maneira.

O Dicionário Michaellis, por sua vez, apresenta o seguinte significado para a

palavra “sistema”:

sm (gr systema) Conjunto de princípios verdadeiros ou falsos, donde se deduzem conclusões coordenadas entre si, sobre as quais se estabelece uma doutrina, opinião ou teoria. Corpo de normas ou regras, entrelaçadas numa concatenação lógica e, pelo menos, verossímil, formando um todo harmônico. Conjunto ou combinação de coisas ou partes de modo a formarem um todo complexo ou unitário: Sistema de canais. Método, combinação de meios, de processos destinados a produzir certo resultado.

De acordo com Saviani (2005), Anísio Teixeira, em 1952, quando perguntado

sobre o que seria sistema educacional, assim se expressou:

Considero a palavra “sistema”, sem dúvida alguma equívoca, pois tanto pode significar sistema de idéias, quanto conjunto de escolas ou instituições educativas. Deixemos, porém, o debate semântico ou, digamos, lógico sobre a palavra “sistema”. A verdade é que, à luz da Constituição, os Estados passam a ser responsáveis pela educação primária, pela secundária e, parcialmente, pela superior, porque esta, em virtude de outro artigo constitucional, que dá ao Governo Federal o Direito de regular o exercício das profissões, a ele pertence em parte. O que os legisladores, a meu ver, deverão, portanto, defender, relativamente ao problema do que se chama sistema estadual de educação, é que toda educação ministrada dentro do território do

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Estado fique sob a ação do respectivo governo estadual. Toda a ação federal deverá ser, apenas, supletiva (Apud, SAVIANI, 2005, p. 14).

Em Saviani (2005), ao analisar a estrutura do termo “sistema” em sua etimologia

e semântica, este considera que:

Tal enfoque levaria a considerar a educação sistemática como uma pluralidade de setores unificados entre si harmonicamente: um conjunto de partes organicamente relacionadas entre si. Fazendo abstração dos problemas concretos e das formas específicas que determinam o relacionamento entre as partes, essa concepção denuncia o seu caráter intelectualista (SAVIANI, 2005, p. 27).

O termo sistema também pode ser designado como sendo:

Um sistema é um conjunto de concepções coerentes, porém não verificadas, ou inclusive desmentidas pela experiência. Ao sistema, entretanto, não se pode exigir mais do que aquilo que sua índole organizadora e sintética pode subministrar. Sua missão não é explicar ou demonstrar, mas coordenar e unir. Reunião de princípios verdadeiros ou falsos, ligados uns aos outros de maneira a formar um corpo de doutrina. Conjunto de noções, de princípios verdadeiros ou falsos, coordenados e encadeados de modo a formar uma doutrina. Um conjunto ou reunião de coisas ligadas, associadas, ou interdependentes, de modo a formar uma unidade complexa; um todo composto de partes num arranjo ordenado de acordo com algum esquema ou plano (Apud, SAVIANI, 2005, p. 27-28).

Como decorrência deste conceito, Saviani considera que não temos um sistema

educacional no Brasil, uma vez que

Todas as soluções apresentadas até hoje, salvo raras exceções, foram ou transplantadas, sem levar em conta as exigências reais da situação ou improvisadas, o que caracteriza pela falta de planejamento, que cada vez mais enfraquece as esperanças depositadas na educação. Ora, se a educação brasileira se baseia em “teorias”, métodos e técnicas importados ou improvisados, isto significa que o Brasil não tem sistema educacional (SAVIANI, 2005, p. 2-3).

A fundamentação que leva o autor à pesquisa sobre a existência ou não de um

sistema nacional de educação no Brasil está no fato de que se age como se o “sistema”

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existisse e estivesse funcionando adequadamente, de forma a atender plenamente as

questões educacionais. No entanto, se constatada a inexistência do sistema, é necessário

propor a construção de um sistema nacional de educação articulado.

Saviani (2005) considera que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,

LDB 9394/96, não preenche as condições e características próprias da noção de

sistema. Assim, conclui que não existe sistema educacional no Brasil.

O autor sugere que a palavra “sistema” seja substituída pela palavra “estrutura”,

destacando como ponto de partida para a construção do sistema o aprofundamento das

estruturas.

É preciso tomar consciência das necessidades situacionais, aprofundar o conhecimento da situação de modo a poder intervir nela, transformando-a no sentido da promoção do homem. E como não pode haver sistema sem atividade sistematizadora, por aí é que se deve começar. Impõe-se, pois, atuar de modo sistematizado nas estruturas, tanto ao nível micro-educacional quanto da macroeducação. Essa atividade sistematizada exige capacidade de reflexão e fundamentação teórica. Desde que se faz necessário responder a problemas existenciais concretos, torna-se inviável a adoção pura e simples de uma teoria já existente tal como o pragmatismo, psicologismo, naturalismo, sociologismo, etc. (SAVIANI, 2005, p. 119).

Para se chegar à construção de um sistema educacional é levantada uma questão

de fundamental importância: “refletir sobre os problemas que estão exigindo resposta”.

Assim, podemos considerar que ao construir o sistema educacional não devem ser

levadas em consideração apenas questões de ordem política e administrativa, mas

principalmente considerar os problemas educacionais do país numa perspectiva radical,

rigorosa e de conjunto para, a partir daí, se construir uma teoria sobre a educação

brasileira e consequentemente o próprio sistema.

O autor propõe que, na construção do sistema, devem ser verificados alguns

aspectos:

Será feita uma análise fenomenológica da estrutura do homem brasileiro, buscando captar seu caráter dialético. Serão examinadas a situação do homem brasileiro nos seus diversos a priori, suas condições de liberdade e de consciência. Esse exame acarretará a definição dos objetivos básicos da educação brasileira, indicando-se,

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a seguir, os meios para alcançá-los. Estão preenchidas assim as condições fundamentais para a construção do sistema (SAVIANI, 2005, p. 119).

Procurando analisar mais profundamente o termo sistema de ensino ou sobre a

construção de um sistema nacional de educação articulado, Saviani (2008) recorre à

interpretação dada ao tema na Constituição de 1988 e na LDB n. 9394/96, salientando

que o termo “sistema” é utilizado na educação de forma equivocada, assumindo

diferentes significados.

Ao que tudo indica, o artigo 211 da Constituição Federal de 1988 estaria tratando da organização das redes escolares que, no caso dos municípios, apenas por analogia, são chamadas aí de sistema. Com efeito, sabe-se que é muito comum a utilização do conceito de sistema de ensino como sinônimo de rede de escolas (SAVIANI, 2008, p. 5).

Esta é uma proposição inicial de discussão que demanda um aprofundamento

maior, haja visto a importância que o tema vem assumindo nas últimas décadas,

inclusive ao desencadear uma série de construções quando da constituição dos sistemas

de ensino nos municípios brasileiros, principalmente a partir da Constituição de 1988.

Educação e modernização na Primeira República

O Movimento Republicano iniciado em 1870 no Brasil defendia o federalismo

com maior autonomia para os Estados, na medida em que passariam a existir dois níveis

de governo: a União e os Estados. A República significava divisão e equilíbrio entre os

poderes, representando a modernidade que o Império não oferecia para a sociedade

brasileira.

O projeto educacional construído na Primeira República, no Brasil, já aparecia

no Manifesto Republicano de 1870, quando ficava claro que a mentalidade

predominante deste período seria liberal moderada, mas com uma visão conservadora de

democracia representativa. A implantação da República veio acompanhada de outras

mudanças significativas para a sociedade do final do século XIX, dentre elas a abolição

do trabalho escravo, a imigração, o trabalho assalariado, a crise do café. O início do

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processo de industrialização e a urbanização, produziu novas relações de trabalho entre

industriais e operários e, consequentemente, a construção de um projeto de educação

que pudesse atender às demandas dessa sociedade em transição.

A conquista do poder político, proclamada no Movimento Republicano,

mostrava que seus signatários não almejavam mudanças radicais, mas lentas e graduais

para implantar o projeto proposto para a sociedade.

O importante, naquele momento, era reconhecer o regime monárquico como corrupto e atrasado, reconhecendo as vantagens da descentralização política e administrativa proposta pela República, essa amiga da ordem e do progresso modernos (HILSDORF, 2003, p. 60).

O papel destinado à educação nesse contexto foi o de confirmar a ordem

estabelecida na sociedade e no projeto republicano.

A educação pelo voto e pela escola foi instituída por eles como a grande arma da transformação evolutiva da sociedade brasileira, e assim oferecida em caução do progresso prometido pelo regime republicano: a prática do voto pelos alfabetizados e, portanto, a frequência à escola que formaria o homem progressista, adequado aos tempos modernos, é que tornariam o súdito em cidadão ativo (Idem).

Articulado a um processo de mudanças no espaço produtivo do campo, surgiu a

organização da atividade industrial nas cidades e a urbanização, estabelecendo novas

relações de trabalho entre os detentores do capital e a classe operária que surgia nos

grandes centros urbanos. Neste contexto, foi construído o discurso educacional que

determinou formas de organização da escola pública, na Primeira República. O debate

educacional sobre a educação pública teve como centro o analfabetismo que

apresentava altos índices no país, a crise do sistema monárquico, a abolição do trabalho

escravo e a necessidade da formação do trabalhador livre assalariado.

A proposta de educação do povo tinha como objetivo criar a unidade nacional,

uma proposta de educação com a função de qualificar mão-de-obra necessária para

efetivar a transição do trabalho escravo para o trabalho assalariado livre e unificar a luta

pela existência e consolidação da sociedade brasileira. Carvalho (1986) ampliou a

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concepção de escola existente no regime monárquico para a escola republicana e

explicita que

seu afã pedagógico é uma alegoria da opinião imigrantista, pois trata-se de ter (transplantada) uma outra população – a imigrante – no lugar da escrava e, homologamente, criar (transplantada) uma nova escola/sociedade – a republicana – no lugar da monárquica (Apud, HILSDORF, 2003, p 60).

A escola republicana tinha como objetivo principal a instauração da nova ordem,

estando presente o projeto dos cafeicultores que vislumbravam uma “sociedade branca,

imigrante, estratificada em camadas, com direitos e deveres diferenciados, segundo a

sua posição no mundo do trabalho” (HILSDORF, 2003, p 60).

A escola do projeto republicano tinha como objetivo principal atender aos

interesses e necessidades da nova sociedade que passava a se constituir após a

proclamação da República.

Esse processo passou a exigir um projeto nacional de educação, tendo em vista

“civilizar o homem nacional, consolidar o regime republicano e integrar o imigrante à

cultura brasileira” (SCHELBAUER, 1998, p. 61). O homem, sujeito deste processo, é

visto como cidadão eleitor, pois a reforma eleitoral excluía os analfabetos, suscitando

então a necessidade de difundir a instrução pública elementar, pois a condição para ser

cidadão, ser eleitor, consistia em saber ler e escrever. O analfabetismo, por sua vez, é

visto como uma herança negativa do império e os analfabetos como “entraves” para o

progresso.

Assim, o objetivo principal da educação expressava-se no desejo de conduzir o

país ao desenvolvimento e à modernização. De acordo com (SCHELBAUER, 1998),

Quintino Bocaiúva, ao escrever uma série de artigos sobre a instrução pública nas

províncias, enfatiza a “importância da educação como instrução para desenvolver

virtudes necessárias a um cidadão e país civilizado” (p. 65).

A ideologia que marcou e impregnou a Primeira República foi o Positivismo,

inspirada na doutrina do francês Augusto Comte. Os positivistas se opõem à intervenção

do Estado na Educação do Brasil. A escola passou a ser vista como instituição

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responsável pela formação do sentimento de cidadania necessário para a construção do

progresso do país e consolidação da democracia.

A educação, assim concebida pelos positivistas, propôs o ensino público

obrigatório. No entanto, restrito a uma pequena parcela da população. Educação voltada

à população livre, na sua grande maioria crianças pobres não incorporadas à sociedade;

uma instrução voltada para a educação moral e prática da criança a ser desenvolvida no

lar, evidenciando a responsabilidade da família pela instrução, principalmente a mulher.

Evidenciou-se neste período a preocupação com o ensino profissionalizante, na

obrigatoriedade do ensino agrícola e o ensino de ofícios industriais, necessários para

atender à demanda produzida pela indústria, pelo comércio e pela agricultura.

De acordo com Souza (1998), a escola graduada tornou-se, na Primeira

República, nas cidades, um espaço de encontro, de solenidades, de comemorações, e

também um espaço onde se transmitia e reproduzia o saber histórico. A partir dos

centros urbanos, os grupos escolares disseminavam sua dimensão educativa para toda a

sociedade republicana brasileira.

Os republicanos deram à educação lugar de destaque, sendo o grupo escolar representante dessa política de valorização da escola pública; dessa forma, eles conferiram a um só tempo: visibilidade à ação política do Estado e propagação do novo regime republicano. Criar um grupo escolar tinha um significado simbólico muito maior do que a criação de uma escola isolada, cuja precariedade mais se assemelhava às condições das escolas públicas do passado imperial, com o qual o novo regime queria romper. Em certo sentido, o grupo escolar, pela sua arquitetura, sua organização e suas finalidades aliava-se às grandes forças míticas que compunham o imaginário social naquele período. Isto é, a crença no progresso, na ciência e na civilização. Não podendo universalizar o ensino primário, optou-se por privilegiar as escolas urbanas com maior visibilidade política e social (SOUZA, 1998, p.91).

Neste sentido, as cidades se tornaram espaços propícios à modernização social.

Grandes transformações ocorreram no final do século XIX e início do século XX como:

o crescimento urbano, o desenvolvimento do comércio, as melhorias no saneamento

básico, iluminação, transportes, entre outros. O grupo escolar estava incluído nesse

conjunto de infra-estrutura que apontava progresso e modernidade, em atendimento às

novas demandas de escolarização.

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Desde a instalação da República brasileira, a educação foi colocada como fator

essencial para o desenvolvimento social e econômico, numa sociedade que estava

transitando do trabalho escravo para o trabalho assalariado. Novas perspectivas de

desenvolvimento social e econômico faziam parte do processo no qual o Brasil estava

inserido. Estava-se passando por uma ruptura em relação ao modelo de educação que

prevalecera durante o império e buscavam-se novas propostas que viessem de encontro

ao ideal desencadeado pelo Movimento Republicano. De acordo com Silva,

A passagem do império para a República representou, no âmbito da educação, uma nova orientação pedagógica, indicando o enfraquecimento da pedagogia jesuítica, emergindo uma proposta educacional nutrida na concepção de economia livre (2009, p. 3).

Na última década da Primeira República, eram precárias as condições de

funcionamento e de atendimento do ensino primário no país. Este período foi marcado

por reformas educacionais que foram caracterizadas pela descontinuidade e

instabilidade no setor educacional. Após a Revolução de 1930, a instrução pública

popular é colocada como um dos problemas próprios de uma sociedade que começa a se

modernizar e urbanizar a partir do projeto de industrialização do país.

A educação brasileira nas constituições a partir de 1930

A Constituição de 1934 apresentou, pela primeira vez, um capítulo específico

destinado à educação e cultura. Estava explícito no texto constitucional que educação

era direito de todos e responsabilidade do Poder Público. Esta constituição apresentou

um caráter mais liberal, uma vez que foi criada nos anos anteriores ao Estado Novo

Varguista.

Art. 149 – A educação é direito de todos e deve ser ministrada pela família e pelos Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e estrangeiros domiciliados no País, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e econômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana (CONSTITUIÇÃO de 1934).

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A Constituição apresentava também as responsabilidades da União, dos Estados

e dos Municípios no que se refere à educação. Nos artigos 150, 151 e 152, estão

detalhados aspectos da estrutura organizacional da educação no Brasil a partir do

Manifesto dos Pioneiros da Educação e quais anseios fizeram parte do discurso

educacional da época e que foram contemplados no documento.

Um dos avanços desta Constituição está explicitado no artigo 151, em que

afirma a responsabilidade dos estados de “organizar e manter” sistemas de educação em

seus territórios, de acordo com as diretrizes da União. Questão essa que envolve o

presente trabalho de pesquisa, no sentido de compreendermos como se estruturou e

organizou o sistema de educação no Município de Cascavel, de forma mais específica

na década de 1980.

O texto deixa claro quais são as responsabilidades dos entes federados no

processo educacional do país, apontando a necessidade de articulação entre a União, os

Estados e os Municípios, no que se refere às suas atribuições. Também fica evidente, no

documento, que as normas e procedimentos deverão ser feitos de acordo com as

decisões emanadas da União, articulando-se aos estados e municípios, ou seja,

“compete aos Estados e ao Distrito Federal organizar e manter sistemas educativos nos

territórios respectivos, respeitadas as diretrizes estabelecidas pela União”.

Fica, portanto, evidente que a Constituição apresenta uma noção de sistema

nacional articulado de educação que começava a ser pensado. Podemos perceber que há

uma tendência em considerarmos que o movimento escolanovista, de certa forma, pode

ter influenciado na elaboração dos artigos em relação à educação, pois muitas das

aspirações dos Pioneiros da Educação Nova, começavam a ser delineadas.

Outra característica da constituição de 1934 é a previsão de recursos financeiros

para a educação, que não fora previsto nas constituições anteriores (1824 e 1891).

Nesta, os artigos 156 e 157 tratam especificamente da vinculação de recursos para

manutenção dos sistemas de ensino.

Pode-se considerar que a Constituição de 1934 estava em concordância com

muitas das reivindicações e propostas que constavam no Manifesto dos Pioneiros da

Educação Nova. As reivindicações do movimento só não foram atendidas de maneira

mais ampla devido ao artigo 153, que restringiu as matrículas, para não investir na

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criação de mais vagas e oportunidades nos estabelecimentos de ensino, limitando assim

a expansão das mesmas.

A Constituição de 1937, outorgada após o golpe de Getúlio Vargas, difere em

muitos pontos da Constituição de 1934. À Educação e Cultura não foi destinado o

enfoque, nem o espaço anterior. Se na Constituição de 1934, Getúlio Vargas era visto

como um governo mais liberal, pode-se perceber um efeito totalitarista marcado por

uma ditadura, estendendo este efeito também na educação, uma vez que o papel mais

importante para a educação, naquele momento, passou a ser o controle da mão-de-obra

em vez de formá-la, criando e separando cada vez mais as classes, através de um

processo de formação essencialmente voltado para as necessidades do mundo do

trabalho.

A Constituição de 1934 estabeleceu o direito individual e de sociedades de

iniciativa pública ou particular. Ocorreu aí um afastamento bastante considerável em

relação a esta Constituição, que estabelecia categoricamente que a educação era dever

da família e da União. A responsabilidade do governo é, sutilmente, diminuída. Reduz-

se a um suplemento educativo para aqueles que não pudessem financiar a própria

educação.

Entre os objetivos explicitados por esta nova ordenação jurídica e administrativa (Estado Novo), estavam as perspectivas de ordenamento da educação; a definição de competências entre os diferentes estratos de governo (Municípios, Estados e União); a articulação entre os diferentes ramos de ensino e a implantação de uma rede de ensino profissionalizante (CUNHA, 1981, p. 122).

Evidencia-se a partir daí, que a Constituição de 1937 define responsabilidades,

principalmente no que se refere ao Ensino Profissionalizante e à necessidade de serem

estabelecidas no país as respectivas competências entre as unidades federadas, em

relação à educação.

No artigo 129 desta Constituição está explicita a questão do atendimento

educacional, principalmente àqueles que não tiverem os recursos necessários para

mantê-lo. O texto define ainda questões importantes em relação ao ensino

profissionalizante, objetivando atender às demandas daquele período.

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Art 129 - A infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à educação em instituições particulares, é dever da Nação, dos Estados e dos Municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em todos os seus graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais. O ensino pré-vocacional profissional destinado às classes menos favorecidas é em matéria de educação o primeiro dever de Estado. Cumpre-lhe dar execução a esse dever, fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou associações particulares e profissionais. É dever das indústrias e dos sindicatos econômicos criar, na esfera da sua especialidade, escolas de aprendizes, destinadas aos filhos de seus operários ou de seus associados. A lei regulará o cumprimento desse dever e os poderes que caberão ao Estado, sobre essas escolas, bem como os auxílios, facilidades e subsídios a lhes serem concedidos pelo Poder Público (CONSTITUIÇÃO de 1937).

Percebe-se que o texto constitucional deixa claro o papel da educação enquanto

formadora de mão-de-obra necessária para atender à demanda para a atividade industrial

do país. Numa análise mais profunda, pode-se considerar o caráter centralizador da

educação, o controle sobre ela está centralizado na União que, neste período, continuou

controlando todo o processo educacional do país, uma vez que esta constituição instituiu

o Estado Novo, denominado de “Ditadura de Vargas”.

Outra característica dessa constituição está apresentada nos artigos 130 e 132,

que evidencia no primeiro a descaracterização da escola pública e, no segundo, mais

uma vez é reforçado o papel da educação como formadora de operários para a

industrialização do país.

Art 130 - O ensino primário é obrigatório e gratuito. A gratuidade, porém, não exclui o dever de solidariedade dos menos para com os mais necessitados; assim, por ocasião da matrícula, será exigida aos que não alegarem, ou notoriamente não puderem alegar escassez de recursos, uma contribuição módica e mensal para a caixa escolar. Art 132 - O Estado fundará instituições ou dará o seu auxílio e proteção às fundadas por associações civis, tendo umas; e outras por fim organizar para a juventude períodos de trabalho anual nos campos e oficinas, assim como promover-lhe a disciplina moral e o adestramento físico, de maneira a prepará-la ao cumprimento, dos seus deveres para com a economia e a defesa da Nação (CONSTITUIÇÃO de 1937).

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Não há evidências no texto oficial que apontem para a necessidade de criação de

um sistema nacional de educação articulado, mas sim o caráter centralizador da União

no que se refere à educação e seu papel de formar cidadãos capazes de contribuir para o

desenvolvimento do país.

É evidente que a Constituição de 1937, por ter sido produzida em tempos de

ditadura, foi menos flexível em vários pontos. O projeto de Educação nela apresentado é

bastante restritivo e determinador no que diz respeito ao âmbito social. A prova disto é

que destina aos “menos favorecidos” um tipo de ensino próprio, restringindo assim a

possibilidade de ascensão dos indivíduos das classes mais baixas e, ao mesmo tempo,

controlando este ensino, já que era o Estado quem deveria prover os meios para a

educação profissional.

Pode-se concluir então que a Constituição de 1937 definiu-se pelo

conservadorismo, pelo autoritarismo e, como conseqüência, diretivismo da educação, à

qual deu menos importância que a Constituição anterior, por um favorecimento às elites

e ao próprio processo de elitismo. O enfoque concedido anteriormente à educação de

base, conforme propuseram os Pioneiros, foi substituído em 1937 pelo foco no ensino

profissionalizante destinado a determinados grupos e limitado pelo governo.

A Constituição de 1946 e a organização do Sistema Nacional de Educação

De acordo com Saviani (2005) ao se propor a organização de um sistema de

ensino, precisava-se definir as diretrizes e bases para a educação nacional, ao que um

Projeto de Lei foi elaborado por uma comissão composta de educadores de várias

tendências, visando a criação de um sistema nacional de educação. No entanto, após a

conclusão dos trabalhos desta comissão, predominou, no Projeto de Lei, a tendência

descentralizadora já prevista desde a década de 30 pela Associação Brasileira de

Educação.

A Constituição Federal de 1946, no capítulo da Educação, define que:

Art 166 - A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve inspirar-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana.

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Art 167 - O ensino dos diferentes ramos será ministrado pelos Poderes Públicos e é livre à iniciativa particular, respeitadas as leis que o regulem. Art 168 - A legislação do ensino adotará os seguintes princípios: I - o ensino primário é obrigatório e só será dado na língua nacional; II - o ensino primário oficial é gratuito para todos; o ensino oficial ulterior ao primário sê-lo-á para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos; III - as empresas industriais, comerciais e agrícolas, em que trabalhem mais de cem pessoas, são obrigadas a manter ensino primário gratuito para os seus servidores e os filhos destes; IV - as empresas industrias e comerciais são obrigadas a ministrar, em cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores menores, pela forma que a lei estabelecer, respeitados os direitos dos professores; Art 169 - Anualmente, a União aplicará nunca menos de dez por cento, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nunca menos de vinte por cento da renda resultante dos impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino. Art 170 - A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios. Parágrafo único - O sistema federal de ensino terá caráter supletivo, estendendo-se a todo o País nos estritos limites das deficiências locais. Art 171 - Os Estados e o Distrito Federal organizarão os seus sistemas de ensino. Parágrafo único - Para o desenvolvimento desses sistemas, a União cooperará com auxílio pecuniário, o qual, em relação ao ensino primário, provirá do respectivo Fundo Nacional. Art 172 - Cada sistema de ensino terá obrigatoriamente serviços de assistência educacional que assegurem aos alunos necessitados condições de eficiência escolar (CONSTITUIÇÃO de 1946).

A Constituição Federal de 1946 apresentava como proposta, nos artigos 170,

171 e 172 a importância da organização de um sistema federal de ensino, assim como da

organização dos sistemas de ensino nos Estados e no Distrito Federal.

O próprio Ministro da Educação expôs os motivos que levaram o Ministério da

Educação a aprovar a idéia de descentralização.

Descentralização do ensino é princípio fundamental adotado pela Constituição, como decorrência, por um lado, de conhecimentos elementares do processo de ensinar e, por outro, da variedade e extensão do país, que já haviam imposto, em sua organização, a forma federativa (Apud SAVIANI, 2005, p. 8).

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Ainda de acordo com Saviani ao falar em sistema contínuo e articulado de

educação, o ministro referia-se a um sistema nacional de ensino e a sistemas locais, os

chamados sistemas estaduais de educação. Empregou, ainda, as expressões “sistema de

ensino superior”, “sistemas estaduais de educação” e “sistema federal de educação”.

No relatório geral desta comissão, Almeida Júnior concluiu que:

Haverá no Brasil, é certo, um todo orgânico formado pela totalidade de seus sistemas de ensino – um supersistema coordenado e vitalizado pela diretrizes e bases nacionais e, mais ainda, pelo que de comum já existe, de norte a sul, nas tradições, nos sentimentos e nos ideais da nacionalidade. Mas o sistema de ensino de cada Estado será, por assim dizer, “individual”, terá estrutura e vida próprias, em harmonia com as peculiaridades econômicas, sociais e culturais do ambiente que o produziu (Apud SAVIANI, 2005, p. 9).

Ficou evidente, portanto, a concepção descentralizadora do sistema educacional

em consonância com o regime republicano que se tornara vitorioso em 1889, justamente

pela característica da descentralização e autonomia administrativa. Esta era a concepção

do que significava descentralização para o Ministério da Educação.

No texto do Projeto de Lei que definiria as Diretrizes e Bases da Educação

Nacional apresentava também as competências para a União, os Estados e o Distrito

Federal, sendo que era de competência da União legislar sobre diretrizes e bases da

educação nacional, organizar o sistema federal de ensino com caráter meramente

supletivo, e que os estados e o Distrito Federal organizariam seus sistemas de ensino em

concordância com as diretrizes educacionais oriundas do Sistema Nacional de Educação

(SAVIANI, 2005).

A concepção de descentralização colocada pelo relator não foi interpretada da

mesma maneira pelo ex-ministro da Educação do Estado Novo, Gustavo Capanema.

Este teria reinterpretado a expressão “diretrizes e bases”, dando um significado mais

amplo do que aquele dado pela comissão que elaborou o Projeto de Lei. Ao citar

Gustavo Lessa

Capanema atribuiu à palavra “diretrizes” um significado que inclui leis, regulamentos, programas e planos de ação administrativa, orientações traçadas pelos chefes e subchefes de serviços para a execução dos mesmos. Esta interpretação do termo “diretrizes”,

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reforçada pelo acréscimo da palavra “bases”, ensejou uma concepção centralizadora da organização da educação nacional (SAVIANI, 2005, p. 10).

Quanto à expressão “sistemas de ensino”, no texto do Projeto de Lei, Gustavo

Capanema assim definiu:

Sistema, neste caso, significa, precisamente, sistema administrativo. Sistema de ensino é aí a organização de serviço público constituída pelas atividades e instituições educativas de cada Estado ou do Distrito Federal. A Constituição quer que, em cada unidade federativa, exista e funcione, consoante às exigências locais de educação e cultura, um adequado sistema de repartições e estabelecimentos de ensino, sob a gestão, o controle ou a assistência do respectivo governo (Apud, SAVIANI, 2005, p. 11).

O debate entre Almeida Júnior e Gustavo Capanema foi fundamental para

compreender que o conceito de “sistema” pode ter significados diversos, desde que

sejam consideradas as questões político-ideológicas no estudo do conceito e sua

definição. Neste caso, consideravam que o conceito estava sendo discutido sob as

posições político-ideológicas caracterizadas pela centralização e descentralização do

sistema educacional brasileiro.

A rigor, foi o texto da Carta de 1946 que apresentou, pela primeira vez, a

necessidade legal de organização de um sistema nacional de educação articulado,

embora tal constatação já estivesse elencada como necessária para o desenvolvimento

educacional do país pelos Pioneiros da Educação Nova.

O Projeto de Lei em discussão deu origem, em 1961, à Lei 4.024, em 20 de

dezembro de 1961, na qual prevaleceram as reivindicações da Igreja Católica e dos

donos de estabelecimentos particulares de ensino, no confronto com os que defendiam o

monopólio estatal para a oferta da educação aos brasileiros. A Lei 4.024 foi a primeira

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Considerações finais

A partir da produção realizada até aqui, pode-se constatar que está constituído

no Brasil o Sistema Federal de Educação, no qual cada Estado possui o seu Sistema

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Estadual de Educação. Os municípios possuem suas redes de ensino jurisdicionadas aos

sistemas estaduais de ensino, ou, então, constituirão seus próprios sistemas de ensino,

conforme preconiza a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional, LDB nº 9394/96.

Nesse contexto, pode-se considerar que efetivamente o município de Cascavel,

no decorrer de sua trajetória educacional, no que se refere ao sistema de ensino,

constituiu-se numa rede de ensino subordinada ao sistema de ensino do Estado do

Paraná, uma vez que é o Sistema Estadual de Ensino o órgão que autoriza e reconhece o

funcionamento das instituições escolares, principalmente a partir da década de 703.

Nesta perspectiva, a partir dos elementos conceituais, a sequência deste trabalho

buscará compreender como se construiu a trajetória educacional do Município de

Cascavel a partir da década de 1950, destacando a importância da escola pública

primária, considerando a escola como espaço de lutas ideológicas e espaço social, tendo

a escolarização como elemento norteador de todo o trabalho. Pretendemos desenvolver

a partir da pesquisa a fontes primárias, documentais de diferentes arquivos e instituições

do município.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Diário Oficial da União, 16 de julho de 1934, Rio de Janeiro. BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Diário Oficial da União, 10 de novembro de 1937, Rio de Janeiro. BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Diário Oficial da União, 18 de setembro de 1946, Rio de Janeiro. BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9394/96. Brasília: MEC, 1996. 3 O Município de Cascavel implantou em abril de 2011 o seu Sistema Municipal de Ensino, instituindo o Conselho Municipal de Educação que, neste momento, passa por organização e regulamentação, devendo estar em funcionamento inicial a partir de agosto de 2011. Constitui-se por uma longa discussão que remonta a década de 1990, sendo retomado através de estudos em 2003 e 2004 no sentido de organizar o Projeto de Lei que deveria ser encaminhado à Câmara Municipal para instituir o sistema e o Conselho Municipal de Educação, no entanto por questões políticas não teve continuidade o projeto, naquele período.

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BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 5692/71. Diário Oficial da União, 12 de agosto de 1971. Brasília/DF. CAPANEMA, Gustavo. “Parecer Preliminar”. p. 154. CARVALHO, Marta M. C. de. Molde nacional e forma cívica: Higiene, moral e trabalho no projeto da Associação Brasileira de Educação (1924 – 31). São Paulo: FEUSP, 1986. CUNHA, Célio da. Educação e autoritarismo no Estado Novo. São Paulo: Cortez, Autores Associados, 1981. HILSDORF, Maria Lucia Spedo. História da educação brasileira: leituras. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003. MARIANI, Clemente. Exposição de Motivos, in Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, 13, n. 36, p. 7, 1949. NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República. São Paulo: EPU/EDUSP, 1974. SAVIANI, Dermeval. Educação Brasileira: Estrutura e Sistema. São Paulo, Campinas: Autores Associados, 2005. ______. Sistema nacional de educação: conceito, papel histórico e obstáculos para sua construção no Brasil. São Paulo: UNICAMP, 2008. SCHELBAUER, Analete Regina. Idéias que não se realizam: o debate sobre a educação do povo no Brasil de 1870 a 1914. Maringá: EDUEM, 1998. SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de civilização: a implantação da escola primária graduada no Estado de São Paulo: (1890-1910). São Paulo: FUNESP, 1998, (Prismas).