Os Três Alencares Segundo a Multividência de Antônio Cândido

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    OS TRÊS ALENCARES SEGUNDO A MULTIVIDÊNCIA DE ANTÔNIO

    CÂNDIDO

     Júlia Maués1

     Alencar foi capaz de fazer literatura de boa qualidadetanto dentro do esquematismo psicológico, quantodo senso da realidade humana. Por estender-se da poesia ao realismo quotidiano e da visão heróica àobservação da sociedade, a sua obra tem aamplitude eu tem, fazendo dele o nosso pequenoalzac. !Antonio "#ndido$

     A obra de José Martiniano de Alencar, por vinte anos, segundo Antônio

    Cândido em A Formação da Literatura Brasileira, ser variação e enri!uecimentode duas posiç"es iniciais# a complication sentimentale, tenuamente esboçada em

    Cinco Minutos e a Viuvinha, e a idealização heróica d$O Guarani.

    %os vinte e um romances escritos, nen&um é péssimo, todos merecem

    leitura e, na maioria, permanecem vivos, apesar da mudança dos padr"es de

    gosto a partir do 'aturalismo( )orém, tr*s entre eles podem ser relidos + vontade

    e o seu valor tender certamente a crescer para o leitor, + medida !ue a crtica

    soube assinalar a sua -orça criadora# Lucíola, Iracema e Senhora( . outros !ueconstituem segunda lin&a, como O Guarani( Mais do !ue isto é di-cil di/er por!ue

    a variedade da obra de Alencar é de nature/a a di-icultar a comparação dos livros

    uns com os outros( Basta atentar a sua gl0ria 1unto aos leitores 2 certamente a

    mais s0lida de nossa literatura 2 para nos certi-icarmos de !ue &, pelo menos,

    dois Alencares em !ue se desdobrou# o Alencar dos rapa/es, &er0ico,

    altissonante3 o Alencar das mocin&as, gracioso, +s ve/es canal&a, pobre mas

    pretensioso, outras, !uase trgico(

      Alencar# neste aspecto sua obras signi-icam, em nosso 4omantismo, o

    advento do &er0i, !ue a poesia não pudera criar na epopéia neoclssica, ou no

    pr0prio 5onçalves %ias( )eri, 6bira1ara, 7stcio Correa, 8As Minas de )rata9,

    Manuel Can&o 8: 5a;c&o9, Arnaldo Louredo 8:

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    ao dese1o de &erosmo e pure/a a !ue se apegava, a -im de poder acreditar em si

    mesma, uma sociedade mal a1ustada, envolvida a lutas recentes de crescimento

    poltico( 'o meio de tanta revolução sangrenta 8cada uma das !uais, depois de

    su-ocada, -icava como marco de uma liberdade perdida, de uma utopia cada ve/

    mais remota3 em meio + penosa realidade da escravidão e da vida diria 2 surgiaa visão dos seus imaculados )arsi-ais, puros, inteiriços, imobili/ados pelo son&o

    em meio a tanta mobilidade da vida e das coisas( 7 por corresponderem a

    pro-unda necessidade de son&o os seus livros -icaram, para sempre, no gosto do

    p;blico( prime o aspecto dilacerado da adolesc*ncia ,

    esta época da vida de Alencar apresenta a sua vocação para a -uga do real(

    )ortanto, a vida no romance &er0ico é aparada, é aplainada, a -im de !ue o &er0i

    camin&e numa apoteose sem -im( :s monstros, os vil"es, os perigos, são parte do

     1ogo e apenas aparentemente o constrangem3 na verdade, a luta é combinada

    como em certos tablados de bo>e, e o &er0i não pode dei>ar de vencer( A vida,

    artisticamente recortada pelo romancista, su1eita?se docilmente a um padrão ideal

    e absoluto de grande/a épica, pois no mundo -ala/ do adolescente, onde tudo é

    possvel,a l0gica decorre de princpios soberanamente arbitrrios( cepcional de Arnaldo Loureiro, não oporemos nen&uma

    ob1eção ao v*?lo dormir na copa da mais alta rvore, com uma onça no gal&o

    in-erior3 tampouco pelo mesmo motivo, + descida de )eri no precipcio, + busca deum ob1eto de Ceclia( 6ma ve/ embalado, o son&o voa célere sem dar satis-aç"es

    + vida, a !ue se prende pelo -io t*nue, embora necessrio, da verossimil&ança

    literria(

    7sta -orça de Alencar 2 ;nico escritor de nossa literatura a criar um mito

    &er0ico, o de )eri 2 tornou?o suspeito ao gosto do dos séculos posteriores( 'ão

    ser de -ato escritor para cabeceira, nem para absorver uma vocação de leitor3

    mas não aceitar este seu lado épico, não ter vibrado com ele, é prova de

    imaginação rasteira ou @ressecamento de tudo o !ue em n0s, mesmo adultos,

    permanece puro e -le>vel( 8 p( 9(

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    convenção !ue d a um pas de mestiços o libi duma raça &er0ica, e a uma

    nação curta, a pro-undidade de tempo lendrio(

     Antonio Cândido nos di/ !ue sob uma personalidade de vel&o

    precoce, Alencar dei>a -luir a adolesc*ncia de todos os tempos a nossa e a dele

    pr0prio, tão encartolado e aba-ado antes da &ora( %ei>a ver a aspiração de&erosmo e o dese1o eterno de submeter a realidade ao ideal( :s &er0is são puros

    e ideali/ados, mas assim devem permanecer, eternos, admirveis, imutveis

    bonecos da imaginação reali/ando para n0s o milagre da inviolvel coer*ncia, da

    suprema liberdade, !ue s0 se obtém no esprito e na arte(

    “Ubirajara travou do arco de Itaquê e desdenhado finca-lo no chão, elevou-

    o acima da fronte; a flecha ornada de penas de tucano partiu (... Ubirajara lar!ou o arco

    de Itaquê para tomar o arco de "amacã. # flecha #ra!uaia tamb$m partiu e foi atravessar 

    nos ares a outra que tornava % terra. #s duas setas desceram trespassadas nos ares a outra

    que tornava % terra. #s duas setas desceram trespassadas uma pela outra como os bra&os

    de um !uerreiro quando se cru'am ao peito para eprimir a ami'ade. Ubirajara apanhou-

    as no ar)

     *ste $ o emblema da união. Ubirajara far+ a na&ão ocantim tão poderosa como a

    na&ão #ra!uaia. #mbas serão irmãs na !lria e formarão uma s, que h+ de ser a !rande

    de Ubirajara, senhora dos rios, montes e florestas.

     Nesta fusão de duas naçes !uerreiras" !raças # ener!ia su$erior de um %omem est&

    o &$i'e do %ero(smo de Alen'ar) e a ima!inação adoles'ente *não forçosamente dos

    adoles'entes+ so,e 'om as fle'%as e vem $arar" 'om elas" no s(m,olo do su$remo vi!or" o

     ,one'o U,iraara" %eri sem va'ilaçes.

     Bem diverso é o Alencar das mocin&as 2 criador de mul&eres cândidas e

    moços impecavelmente bons, !ue dançam aos ol&os do leitor uma branda

    !uadril&a ao compasso do dever e da consci*ncia, mais -ortes !ue a pai>ão( As

    regras desse 1ogo bem condu/ido e>igem inicialmente um obstculo, !ue ameace

    a união dos namorados, sem contudo destru?la# tuberculose, em Cinco Minutos;

    &onra comercial, n$A Viuvinha3 orgul&o, em Diva; erro sentimental n$A pata da

    Gaela; -idelidade ao passado, n$: Dronco do p*3 respeito + palavra, em

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    d$:uro( 7m todos esses livros, e>ceto em : Dronco do p*, a energia maior é

    sempre da mul&er, desde uma apagada viuvin&a, até a imperiosa %iva !ue

    procura compensar a -ra!ue/a e descon-iança de menina -eia, tornada de repente

    bonita, por meio de uma dese!uilibrada energia(

      0m todos esses roman'es Alen'ar a$ela $ara um final feliz $orue $are'e nãofi'ar ,em a fi,ra %eri'a dos roman'es em ue o %omem é %eri – uarani" 3 4ertaneo e o

    a5'%o" !eralmente sem finais felizes – na %armonia sentimental dos roman'es ur,anos"

    nos uais as ,ri!as ou a ,arreira não $assam de $re6m,ulo dauelas 'enas de entendimento

    final" uando sur!e" triunfante e '%eio de 'ortinas" o 7nin%o de amor em ue o ,om !osto" a

    ele!6n'ia e a sin!eleza tin%am im$rimido um 'un%o de !raça e distinção ue ,em revelava

    ue a mão do artista fora diri!ida $ela ins$iração de uma mul%er8. *A 9iuvin%a+. Nessas

    o,ras sentimos o deseo de refinada ele!6n'ia mundana" ue a $resença da mul%er ,ur!uesa

    'ondi'iona no roman'e 7de salão8 do sé'ulo :;:.

    'o entanto, & um terceiro Alencar menos visvel !ue os outros e !ue

     Antonio Cândido c&amou dos adultos, -ormado por uma série de elementos pouco

    &er0icos e pouco elegantes, mas denotadores de um senso artstico e &umano

    !ue d contorno visvel a alguns de sues per-is de &omem e de mul&er( 7ste

     Alencar se concentra mais em istente nos outros bonecos e

    bonecas( Com essa energia se mostram a orgia vermel&a de Lucola, a pai>ão

    m0rbida de .orcio de Almeida por um pé, n$A pata da 5a/ela, ou o cretino

    epilético de Dil 8Brs é descrito com sangue -rio naturalista9(

    Assim o im$ulso %eri'o *ue so,revoa o 'otidiano+ e a uadril%a idealizada dos

    roman'es ur,anos *ue reto'a o 'otidiano+ se a$rofundam numa ter'eira dimensão ue

    e

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     A sociedade brasileira l&e aparece como campo de concorr*ncia pela

    -elicidade e o bem?estar, onde a segurança e a solide/ se encarnam em dois tipos#

    o comerciante e o -a/endeiro( : rapa/ de talento, !ue nos seus livros parte

    sempre + busca do amor e da consideração social, tem pela -rente o problema de

    ascender + es-era do capitalista sem !uebra da vocação( )osto em situaç"esdi-ceis, salva?os o romancista livrando?os dos apuros através do casamento com

    a -il&a do ricaço 8%iva, A )ata da 5a/ela,Dronco do p*, Dil e

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    idealismo artstico levou?o a atenuar, o mais possvel, as conse!H*ncias do

    con-lito, inclusive no -inal -eli/ da -orte &ist0ria de corrupção pelo din&eiro, !ue é

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    !ue sub1ugava os amantes é um recurso de a1ustamento por assim di/er 

    pro-issional, !ue consegue desenvolver3 uma espécie de auto?atordoamento3

    !uase de imposição de si mesma, duma personalidade de circunstância !ue se

    amoldasse + lei da prostituição, preservando intacta a pure/a !ue &ibernava sob o

    estardal&aço da mundana( 7m outras palavras, a sua sensualidade desen-readanos aparece como técnica maso!uista de re-orço do sentimento de culpa,

    renovando incessantemente as oportunidades de autopunição( 7ste processo

    ps!uico, admiravelmente tocado por Alencar no mais pro-undo de seus livros,

    redu/?se 2 em termos da presente anlise 2 a uma dialética do passado e do

    presente, cu1o des-ec&o é a redenção -inal(

    'o segundo aspecto, & sob a -orma mais elementar, é o c&o!ue do bem

    e do mal,como -orma re-inada de preocupação como desvio do e!uilbrio

    -isiol0gico ou ps!uico do &omem( 7m : 5uarani, a perversidade de Loredano, em

    %iva, uma e>ibição de malvados, em : ;ria do vel&o Couto, e mais tarde a prtica do

    vcio, torcem a personalidade de L;cia(

     A depravação com !ue L;cia se estimula e castiga ao mesmo tempo e cu1o

    momento culminante é a orgia promovida por ual de .orcio !ue cansado de amar 

    normalmente se apai>ona por um pé, a ponto de desprende?lo de todo resto do

    corpo e mudar de amor !uando sup"e !ue errara !uanto + dona( Antonio Cândido

    nos lembra !ue, ao acabar a leitura, embora sintamos a relativa arg;cia do autor,

    imaginamos pesaroso, !ue conto não teria a!uilo rendido nas mãos de Mac&ado

    de Assis( 7m a do mal, do

    anormal, do recal!ue, como obstculo + per-eição e elemento permanente na

    conduta &umana( I uma mani-estação da dialética do bem e do mal !ue percorre

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    a -icção romântica, inclusive a nossa( 7sse re-inamento pressagia Mac&ado de

     Assis e 4aul )ompéia(

     A galeria de tipos é variada e ampla e -e/ com !ue Antonio Cândido

    dividi?los em tr*s categorias# nos inteiriços 8%( Antonio de Mari/, Loredano, )eri de

    O Guarani, Arnaldo de O Sertane*o, 4icardo de idade com !ue agem# L;cia e )aulo