Os Valores Mobiliários

56
OS VALORES MOBILIÁRIOS: CONCEITO, ESPÉCIES E REGIME JURÍDICO JOSÉ A. ENGRÁCIA ANTUNES SUMÁRIO: § 1. Introdução. 1. Noção. 2. Características. 3. Espécies. 4. Modalidades. 5. Regime Jurídico. § 2. Acções. § 3. Obrigações. § 4. Títulos de Participação. § 5. Unidades de Participação. § 6. “Warrants” Autónomos. § 7. Direitos Destacáveis. § 8. Outros Valores. § 1. INTRODUÇÃO 1. Noção I. A benefício de ulterior explicitação, designam-se “valores mobi- liários” (“securities”, “Wertpapiere” ou “Effekten”, “valeurs mobilières”, “valori mobiliari”, “valores negociables”) os instrumentos financeiros representados num título ou registo em conta, que consubstanciam posi- ções jurídicas homogéneas e fungíveis e são negociáveis em mercado organizado ( 1 ). ( 1 ) Sobre o conceito de valor mobiliário, vide, entre nós, ASCENSÃO, J. Oliveira, O Novís- simo Conceito de Valor Mobiliário, in: AAVV, “Direito dos Valores Mobiliários”, vol. VI, 139-162, Coimbra Editora, 2006; CASTRO, C. Osório, Valores Mobiliários: Conceito e Espé- cies, 9 e segs., 2.ª edição, UCP Editora, Porto, 1998; FERREIRA, A. José, Direito dos Valo- res Mobiliários, 125 e segs., AAFDL, Lisboa, 1997. Para idêntica questão, no direito com- parado, vide LOWENFELDS, Lewis/BROMBERG, Alan, What is a Security under the Federal Securities Law?, in: 56 “Albany Law Review” (1993), 473-560; FARRANDO, I. Miguel, El Concepto de Valor Negociable, in: “Estudios en Homenaje al Profesor A. Menéndez”, vol. I, 1197-1236, Civitas, Madrid, 1996; SALAMONE, Luigi, Unità e Moltiplicità della Nozione di Valore Mobiliare, Giuffrè, Milano, 1995; REYGROBELLET, Arnaud, La Notion de Valeur Mobi- lière, Diss., Paris, 1995. Saliente-se que, na Alemanha, fala-se de “Wertpapiere” mas tam-

description

Conceito

Transcript of Os Valores Mobiliários

  • OS VALORES MOBILIRIOS:CONCEITO, ESPCIES E REGIME JURDICO

    JOS A. ENGRCIA ANTUNES

    SUMRIO: 1. Introduo. 1. Noo. 2. Caractersticas. 3. Espcies. 4. Modalidades.5. Regime Jurdico. 2. Aces. 3. Obrigaes. 4. Ttulos de Participao. 5. Unidades de Participao. 6. Warrants Autnomos. 7. Direitos Destacveis. 8. Outros Valores.

    1. INTRODUO

    1. Noo

    I. A benefcio de ulterior explicitao, designam-se valores mobi-lirios (securities, Wertpapiere ou Effekten, valeurs mobilires,valori mobiliari, valores negociables) os instrumentos financeirosrepresentados num ttulo ou registo em conta, que consubstanciam posi-es jurdicas homogneas e fungveis e so negociveis em mercadoorganizado (1).

    (1) Sobre o conceito de valor mobilirio, vide, entre ns, ASCENSO, J. Oliveira, O Novs-simo Conceito de Valor Mobilirio, in: AAVV, Direito dos Valores Mobilirios, vol. VI,139-162, Coimbra Editora, 2006; CASTRO, C. Osrio, Valores Mobilirios: Conceito e Esp-cies, 9 e segs., 2. edio, UCP Editora, Porto, 1998; FERREIRA, A. Jos, Direito dos Valo-res Mobilirios, 125 e segs., AAFDL, Lisboa, 1997. Para idntica questo, no direito com-parado, vide LOWENFELDS, Lewis/BROMBERG, Alan, What is a Security under the FederalSecurities Law?, in: 56 Albany Law Review (1993), 473-560; FARRANDO, I. Miguel, ElConcepto de Valor Negociable, in: Estudios en Homenaje al Profesor A. Menndez, vol. I,1197-1236, Civitas, Madrid, 1996; SALAMONE, Luigi, Unit e Moltiplicit della Nozione diValore Mobiliare, Giuffr, Milano, 1995; REYGROBELLET, Arnaud, La Notion de Valeur Mobi-lire, Diss., Paris, 1995. Saliente-se que, na Alemanha, fala-se de Wertpapiere mas tam-

    Revis

    ta da

    Facu

    ldade

    de D

    ireito

    da U

    nivers

    idade

    do P

    orto

  • II. Os valores mobilirios so uma categoria de instrumentos finan-ceiros genericamente prevista no art. 1. do Cdigo dos Valores Mobili-rios (doravante designado abreviadamente CVM) (2). Este preceito reza oseguinte: So valores mobilirios, alm de outros que a lei como tal qua-lifique: a) as aces; b) as obrigaes; c) os ttulos de participao; d) asunidades de participao em instituies de investimento colectivo; e) oswarrants autnomos; f) os direitos destacados dos valores mobilirios refe-ridos nas alneas a) a d), desde que o destaque abranja toda a emisso ousrie ou esteja previsto no acto de emisso; g) outros documentos repre-sentativos de situaes jurdicas homogneas, desde que sejam susceptveisde transmisso em mercado.

    III. O termo valor mobilirio constitui um conceito jurdico polis-smico, ao qual no corresponde uma precisa noo legal ou doutrinaluniversalmente aceite. Vrias razes explicam esta circunstncia.

    Desde logo, o vocbulo valor mobilirio relativamente recenteem Portugal: se bem que datem j de meados do sc. XX as primeiras etmidas referncias ao mesmo, apenas com o Cdigo do Mercado deValores Mobilirios (aprovado pelo Decreto-Lei n. 142-A/91, de 10de Abril, predecessor do actual CVM de 1999) tal conceito passou a fazerdefinitivamente parte da enciclopdia juscomercial portuguesa (3).

    Depois ainda, tal vocbulo dotado de uma significativa polissemiano quadro dos ordenamentos jurdicos actuais. Com efeito, apesar do pro-gressivo afinamento do seu ncleo conceitual, a expresso valor mobi-

    Jos A. Engrcia Antunes88

    bm, em sentido estrito, de Effekten, para designar os valores mobilirios (cf. MLLER-CHRIS-TMANN, Bernd/SCHNAUDER, Frnat, Wertpapierrecht, 42, Springer, Berlin, 1992).

    (2) Os instrumentos financeiros so um conjunto de instrumentos juscomerciais sus-ceptveis de criao e/ou negociao no mercado de capitais, que tm por finalidade pri-mordial o financiamento e/ou a cobertura do risco da actividade econmica das empresas. Taisinstrumentos encontram-se hoje expressamente consagrados no art. 2., n.os 1 e 2, do CVM,podendo ser ordenados em trs categorias fundamentais: os instrumentos mobilirios (ouvalores mobilirios), os instrumentos monetrios (ou do mercado monetrio), e os instru-mentos derivados. Sobre a noo e os tipos de instrumentos financeiros, vide desenvolvi-damente ANTUNES, J. Engrcia, Os Instrumentos Financeiros, Almedina, Coimbra, 2009.

    (3) Sobre a origem e a evoluo histrica do conceito de valor mobilirio, vide,entre ns, FERREIRA, A. Jos, Valores Mobilirios Escriturais Um Novo Modo de Repre-sentao e Circulao de Direitos, 17 e segs., Almedina, Coimbra, 1997; noutros qua-drantes, CHIONNA, V. Vito, LOrigini della Nozione di Valore Mobiliare, in: 44 Rivista delleSociet (1999), 831-866.

    Revis

    ta da

    Facu

    ldade

    de D

    ireito

    da U

    nivers

    idade

    do P

    orto

  • lirio continua a ser utilizada em sentidos divergentes no plano dodireito interno recorde-se que, possuindo o seu eixo regulatrio noCVM de 1999, o termo tambm utilizado em vrios diplomas legais emsentidos e com finalidades prprias (v. g., Cdigo das Sociedades Comer-ciais de 1986, Cdigo do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colec-tivas de 1988, Regime Geral das Instituies de Crdito e SociedadesFinanceiras de 1992, Cdigo da Insolvncia e da Recuperao de Empre-sas de 2004) (4) , no plano comunitrio onde o mbito e o contedoda figura foram, e continuam sendo, objecto de sucessivas oscilaes,especialmente em sede das Directivas Comunitrias pertinentes aos mer-cados bancrio e financeiro (5), e, sobretudo, no plano do direito com-parado onde a figura regulada com designaes e alcances bastantevariados, incluindo o conceito norte-americano de security (sec. 2 (a)(1) do Securities Act de 1933), o conceito germnico de Wertpapier( 2, Abs. 1, da Wertpapierhandelsgesetz de 1998), o conceito italianode valore mobiliare (art. 1-bis do Testo Unico della Finanza de1998), ou o conceito espanhol de valor negociable (art. 2. da Ley deMercado de Valores de 1988) (6).

    Os valores mobilirios: conceito, espcies e regime jurdico 89

    (4) Sobre esta polissemia legal, vide FERREIRA, A. Jos, Direito dos Valores Mobi-lirios, 125 e segs., AAFDL, Lisboa, 1997; identicamente, na doutrina estrangeira, CAR-BONETTI, Francesco, Che Cos un Valore Mobiliare?, 286 e segs., in: XVI GiurisprudenzaCommerciale (1989), 280-303; LE CANNU, Paul, LAmbigut dun Concept Ngatif: LesValeurs Mobilires, 395, in: 4 Bulletin Joly Bourse (1993), 395-404. Para acepessectoriais, vide, por exemplo, SANCHES, J. Saldanha, O Conceito Fiscal de Valores Mobi-lirios, in: AAVV, Direito dos Valores Mobilirios, vol. III, 73-84, Coimbra Editora, 2001.

    (5) Vejam-se, por exemplo, as Directiva 89/646/CEE, de 15 de Dezembro (conhecidacomo Segunda Directiva de Coordenao Bancria), Directiva 93/22/CE, de 10 de Maio(conhecida como Directiva dos Servios de Investimento), e Directiva 2004/39/CE, de 21de Abril (denominada DMFI ou Directiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros).Cf. MOLONEY, Niahm, EC Securities Regulation, Oxford University Press, Oxford, 2002.

    (6) Aspectos dignos de nota so ainda, por um lado, a ausncia de uma noo gerale abstracta de valor mobilirio (tendo-se os legisladores estrangeiros limitado a consagrarum mero elenco casustico das suas espcies ou modalidades concretas) e, por outro, aprogressiva perda do seu protagonismo regulatrio (a ponto de nalgumas ordens jurdicaster mesmo chegado a desaparecer, como sucede actualmente, por exemplo, em Frana: cf.BONNEAU, Thierry/DRUMMOND, France, Droit des Marchs Financiers, 77, Economica,Paris, 2005). Sobre a figura no direito estrangeiro, vide desenvolvidamente BLAIR, Michael//WALKER, George, Financial Services Law, Oxford University Press, Oxford, 2006; HAZEN,T. Lee, The Law of Securities Regulation, 5th edition, Thomson/West, St. Paul, 2005;HIRTE, Heribert/MLLERS, Thomas, Klner Kommentar zum WpHG, C. Heymanns, Kln,2007; RIGHINI, Elisabetta, I Valori Mobiliari, Giuffr, Milano, 1993.

    Revis

    ta da

    Facu

    ldade

    de D

    ireito

    da U

    nivers

    idade

    do P

    orto

  • Finalmente, no se pode perder de vista que a j assinalada dinmicaprpria dos mercados financeiros, responsvel por uma incessante diver-sificao e renovao dos instrumentos nele negociados, tem decerto tam-bm contribudo, e muito, para a instabilidade conceitual (flottementnotionnel) (7) neste terreno: quem sabe hoje o que so os valores mobi-lirios? lana Alain VIANDIER o desafio (8). Com efeito, se aindaapenas h algumas dcadas atrs, a ordem jurdica apenas conhecia doisvalores mobilirios matriciais aces e obrigaes , assistiu-se desdeento a uma verdadeira diversificao neste domnio, operada por via dacomplexificao (v. g., aces especiais, obrigaes especiais), da combi-nao (v. g., obrigaes convertveis em aces, ttulos de participao,aces geminadas), da dissecao (v. g., direitos destacveis), e da inova-o (v. g., warrants autnomos, depositary receipts) (9). E no ver-dade que, como nos recorda Thomas Lee HAZEN, o conceito de valormobilirio (security) abrange hoje nos Estados Unidos da Amrica todauma infinidade de veculos de investimento de dinheiro em troca de umaexpectativa de lucro (10)?

    2. Caractersticas

    I. Para efeitos da presente exposio, arrancaremos da definio gen-rica contida no art. 1. do CVM, que se refere aos valores mobilirioscomo os documentos representativos de situaes jurdicas homogneas,desde que sejam susceptveis de transmisso em mercado (al. g)). luz

    Jos A. Engrcia Antunes90

    (7) A expresso de Bruno OPPETIT, La Notion de Valeur Mobilire, 4, in: LEu-rope et le Droit des Valeurs Mobilires, Banque et Droit, nmero especial, Paris, 1991.

    (8) LEurope et le Droit des Valeurs Mobilires, 575, in: 6 Bulletin Mensuel dIn-formation des Socits (Bulletin Joly Socits) (1991), 575-581.

    (9) Sobre o ponto, vide ainda BONNEAU, Thierry, La Diversification des ValeursMobilires Ses Implications en Droit Commercial, in: 41 Revue Trimestrielle de DroitCommercial et de Droit conomique (1988), 535-607; LE CANNU, Paul, LAmbigut dunConcept Ngatif: Les Valeurs Mobilires, 395, in: 4 Bulletin Joly Bourse (1993), 395-404;SAROT-DANDOIS, J./WALRAVENS, L., valuation des Principales Catgories de ValeursMobilires, in: Recueil Gnral de lEnregistrement et du Notariat (1995), 411-476.

    (10) O que tm em comum pergunta o jurista norte-americano cosmticos,whiskey, cursos de imagem, castores, coelhos, chinchilas, programas de alimentao ani-mal, embries de gado, barcos de pesca, aspiradores, telefones pblicos, jazigos, contratos degravao, fundos de litigncia, e rvores de fruto? A resposta que todos eles j foramconsiderados valores mobilirios para efeitos das leis mobilirias federais e estaduais (TheLaw of Securities Regulation, 39 e seg., 5th edition, Thomson/West, St. Paul, 2005).

    Revis

    ta da

    Facu

    ldade

    de D

    ireito

    da U

    nivers

    idade

    do P

    orto

  • desta definio, podemos assim dizer que o conceito legal ou estrito de valormobilirio se caracteriza pelas seguintes notas ou traos distintivos fun-damentais: representabilidade, homogeneidade e fungibilidade, e nego-ciabilidade (11).

    II. Em primeiro lugar, nos termos da lei, os valores mobilirios sodocumentos representativos.

    Os valores mobilirios supem assim um documento: considerandoa noo lata do art. 362. do Cdigo Civil, tal documento pode consistir numdocumento de papel ou num documento electrnico (cf. art. 2., al. a), doDecreto-Lei n. 290-D/99, de 2 de Agosto) (12). Alm disso, e mais impor-tante, os valores mobilirios so documentos representativos no sen-tido em que constituem instrumentos financeiros que implicam necessa-riamente a adopo de uma forma de representao cartular (ttulo) ouescritural (registo em conta) (arts. 46. a 51. do CVM) (13). Este aspecto duplamente relevante: por uma banda, a forma representativa constitui umpressuposto da prpria existncia de um valor mobilirio, de tal modo queno se pode falar de valor mobilirio a respeito de direitos ou outras posi-es jurdicas que no se hajam (ainda) consubstanciado em ttulos ou em

    Os valores mobilirios: conceito, espcies e regime jurdico 91

    (11) No cabe no mbito da presente exposio esclarecer se a definio legal pre-vista no art. 1., al. g), do CVM poder ou no constituir a base de um conceito universalde valor mobilirio. Num sentido negativo, considerando que a funo primacial de taldefinio consiste em delimitar o poder de criao de valores mobilirios atpicos, videASCENSO, J. Oliveira, O Novssimo Conceito de Valor Mobilirio, 153 e segs., in: AAVV,Direito dos Valores Mobilirios, vol. VI, 139-162, Coimbra Editora, 2006.

    (12) Sobre os chamados documentos electrnicos, em especial a sua importncia noDireito Comercial, vide ANTUNES, J. Engrcia, Direito Comercial, em curso de publicao. Osvalores mobilirios so ainda, de outra perspectiva, bens ou coisas o que significa, comoveremos, que so susceptveis tale quale de constituir objecto de direitos de propriedade,de direitos reais menores (usufruto, penhor), e de apreenso e execuo judicial (penhora),embora naturalmente dotados de um regime prprio que exibe importantes especialidadesface ao regime juscivilista geral. No sentido aqui propugnado, vide, na doutrina, PIRES,F. Almeida, Emisso de Valores Mobilirios, 26, Lex, Lisboa, 1999; na jurisprudncia, o Acr-do da Relao do Porto de 15-IV-1991 (MIRANDA GUSMO), in 406 Boletim do Minist-rio da Justia (1991), 718-718; noutros quadrantes, ANDRS, A. Snchez, Valores Negocia-bles, Instrumentos Financieros y Otros Esquemas Contractuales de Inversin, 26, in: XXIVRevista de Derecho Bancario y Burstil (2005), 7-58; MARTIN, Didier, De la Nature Cor-porelle des Valeurs Mobilires, 47, in: Recueil Dalloz (1996), 47-52; DREYGROBELLET,Arnaud, Le Droit de Proprit du Titulaire dInstruments Financiers Dmatrialises, in: 52Revue Trimestrielle de Droit Commercial et de Droit conomique (1999), 305-316.

    (13) Sobre as formas de representao, vide infra 1, 4, II.

    Revis

    ta da

    Facu

    ldade

    de D

    ireito

    da U

    nivers

    idade

    do P

    orto

  • registos em conta (14); por outra banda, ela permite contradistinguir ovalor mobilirio de outros tipos de instrumentos financeiros que no estodependentes de forma representativa, como o caso, designadamente, dosinstrumentos derivados (v. g., futuros, opes, swaps) (15).

    III. Em segundo lugar, recorrendo novamente aos dizeres do legislador,os valores mobilirios representam situaes jurdicas homogneas.

    Desde logo, os valores mobilirios incorporam quaisquer situaesjurdicas. Tal vale por dizer que o seu contedo pode ser constitudo portoda uma panplia de posies juridicamente relevantes: assim, eles podemincorporar posies jurdicas activas (direitos), passivas (deveres), e/ououtras (v. g., nus, sujeies, meras expectativas); e mesmo dentro de umnico tipo de posio jurdica (por exemplo, posio jurdico-activa), elepoder abranger indistintamente toda uma gama de direitos, incluindodireitos sociais (v. g., aces), direitos de crdito (v. g., obrigaes), direi-tos reais (v. g., certos warrants autnomos com liquidao fsica), oudireitos hbridos (v. g., os ttulos de participao, a meio caminho entreaces e obrigaes, ou as unidades de participao, que combinam direi-tos reais, obrigacionais e outros) (16).

    Jos A. Engrcia Antunes92

    (14) certo, como j em seguida se dir, que os valores mobilirios incorporamuma determinada posio jurdica substantiva (v. g., direito social, de crdito, ou outro), aqual constitui de per si um bem jurdico autnomo que pode ser objecto de proteco e trans-misso nos termos gerais: todavia, essa posio jurdica apenas se transmuta em valormobilirio, como tal sujeita ao regime especial do CVM, a partir do momento em queassume uma representao cartular ou escritural (cf. ainda art. 47. do CVM). Suponha-mos, por exemplo, que uma sociedade annima aumenta o seu capital ou realiza umemprstimo obrigacionista: embora j a se possa falar porventura de aces e obrigaesno sentido de posies jurdicas sociais e creditcias, apenas estaremos diante dos valoresmobilirios aces e obrigaes (art. 1., als. a) e b), do CVM) aps estas terem assu-mido uma das formas legais de representao. Sobre o ponto, vide ainda infra 2,IV (aces), 3, III, espec. nota 95 (obrigaes), e 5, IV, espec. nota 124 (unidades departicipao); em sentido divergente, todavia, vide ASCENSO, J. Oliveira, Valor Mobilirioe Ttulo de Crdito, 862 e segs., in: 56 Revista da Ordem dos Advogados (1996), 837-875.

    (15) Sobre os derivados, vide desenvolvidamente ANTUNES, J. Engrcia, Os Deriva-dos, in: 30 Cadernos do Mercado de Valores Mobilirios (2008), 91-136.

    (16) Usualmente, o valor mobilirio corresponder estruturalmente a uma situao jur-dica complexa, composta simultaneamente por posies activas e passivas: as aces cons-tituem um exemplo ldimo desta estrutura complexa, enquanto valores representativos deum conjunto unitrio de direitos, obrigaes e outras posies jurdicas (maxime, nuse sujeies) de que o accionista titular em face da sociedade annima emitente. Sobrea aco enquanto valor representativo da participao social, vide infra 2, II.

    Revis

    ta da

    Facu

    ldade

    de D

    ireito

    da U

    nivers

    idade

    do P

    orto

  • Alm disso, mais relevante, os valores mobilirios respeitam exclusi-vamente a situaes jurdicas homogneas. Tal significa dizer, no essen-cial, que se trata de instrumentos financeiros homogneos e fungveis. Comefeito, os valores mobilirios so valores emitidos em massa em mercadoprprio (por vezes milhares ou at milhes) e no emitidos singularmente(um a um) (17), so valores emitidos em conjuntos ou categorias que exi-bem uma srie de caractersticas comuns maxime, lanados pela mesmaentidade, conferindo posies jurdicas idnticas, e sujeitos a regras comuns(v. g., natureza e valor nominal, condies de subscrio, forma de repre-sentao, etc.) (art. 45. do CVM) (18), e so valores fungveis no sentidoem que o trfico jurdico os reconhece pelo seu mero nmero ou quantidade,sem curar de cada valor em concreto (res quae numero consistunt) o que,justamente dispensando a necessidade de averiguar o seu contedo prprio pre-viamente a cada transaco individual, permite que os mesmos sejam pass-veis de negociao massificada no mercado de capitais (19).

    IV. Finalmente, ainda nas palavras do legislador, os valores mobiliriosdevem ser susceptveis de transmisso em mercado.

    Os valores mobilirios so, da sua origem aos nossos dias, instru-mentos tipicamente concebidos para circular no mercado de capitais, por

    Os valores mobilirios: conceito, espcies e regime jurdico 93

    (17) Este trao permite assim distinguir os valores mobilirios de outros instrumen-tos juscomerciais, seja dos ttulos de crdito tradicionais que so emitidos individual-mente e conferem posies jurdicas especficas: v. g., letras, livranas, cheques, extractosde factura, conhecimentos de embarque (cf. ANTUNES, J. Engrcia, Os Ttulos de Crdito,33 e seg., Coimbra Editora, 2009) , seja mesmo de determinados instrumentos financeiros como sucede, por exemplo, com certos instrumentos derivados que so transaccionadosnuma base bilateral, v. g., forwards, swaps, caps, floors e outros derivados de bal-co (cf. ainda ANTUNES, J. Engrcia, Os Derivados, 108 in: 30 Cadernos do Mercado deValores Mobilirios (2008), 91-136).

    (18) Sobre a noo de categoria, vide infra 2, III. Sublinhe-se que, ao contrrio doque chegou a ser sustentado no direito pretrito, no se exige forosamente a sua distribuiojunto do pblico: os valores mobilirios tanto podem seu objecto de oferta pblica, dirigidaa destinatrios indeterminados (art. 109. do CVM), como de uma oferta particular, mor-mente dirigida a investidores qualificados (art. 110. do CVM).

    (19) Como sublinha Miguel Galvo TELLES, fungibilidade significa categorialidade ouindiferena objectiva para efeitos de negociao (Fungibilidade de Valores Mobilirios eSituaes Meramente Categoriais, 186, in: AAVV, Direito dos Valores Mobilirios,vol. IV, 165-217, Coimbra Editora, 2003). Advirta-se que o conceito de fungibilidadepode ser utilizado pelo legislador em sentidos algo diferenciados, para finalidades regula-trias sectoriais (cf. art. 204., n. 2, do CVM).

    Revis

    ta da

    Facu

    ldade

    de D

    ireito

    da U

    nivers

    idade

    do P

    orto

  • neste serem emitidos (mercado primrio) ou transaccionados (mercadosecundrio): numa palavra, so valores negociveis no mercado de capitais(cf. ainda ponto 18 do art. 4., n. 1, da Directiva 2004/39/CE, de 21de Abril). No se trata, pois, de uma negociabilidade qualquer seme-lhante mera transmissibilidade prpria da generalidade dos direitos eoutras posies jurdicas mas antes de uma negociabilidade em mercado(marktmssige Handelsbarkeit): tais valores devem ser transaccionveisna base do encontro entre oferta e procura exclusivamente em relao aorespectivo preo, sem negociao individualizada de outras condies(Austauchbarkeit), e devem ser livremente circulveis de forma massi-ficada e estandardizada, sem entraves jurdicos ou econmicos a essa cir-culao, v. g., sujeio s regras gerais da cesso de crditos (Zirkula-tionsfhigkeit) (20). Em termos gerais, ao menos no comum dos casos, talsignifica dizer, na prtica, que sero considerados valores mobilirios aque-les instrumentos financeiros que sejam susceptveis de ser admitidos negociao num ou vrios dos sistemas de negociao organizada previs-tos na lei (mercados regulamentados, sistemas de negociao multilateral,e internalizao sistemtica: cf. art. 198. do CVM) (21).

    Saliente-se ainda, por outra banda, que semelhante negociabilidadepode revestir um carcter meramente abstracto ou potencial bastandoassim que os valores em causa sejam, em abstracto, passveis de negocia-o massificada, preenchendo as condies do respectivo acesso, admissoe seleco em tais sistemas (genericamente, arts. 204. e segs., 227. e segs.,252. e segs. do CVM) (22) e ainda que o seu espao de actuao pr-

    Jos A. Engrcia Antunes94

    (20) Para requisitos congneres, embora no totalmente idnticos, vide ASSMANN,Heinz-Dieter/SCHNEIDER, Uwe (Hrsg.), Wertpapierhandelsgesetz Kommentar, 104 e seg.,4. Aufl., O. Schmidt, Kln, 2006; HIRTE, Heribert/MLLERS, Thomas (Hrsg.), Klner Kom-mentar zum WpHG, 89 e seg., Carl Heymanns, Kln, 2007.

    (21) Sobre os mercados regulamentados, vide SOARES, Antnio, Mercados Regula-mentados e No Regulamentados, in: 7 Cadernos do Mercado de Valores Mobilirios(2000), 271-287; sobre a internalizao sistemtica, que corresponde grosso modo tra-dicional negociao fora do mercado, de balco ou OTC (over-the-counter), vide PEREIRA,C. Dias, Internalizao Sistemtica Subsdios para o Estudo de uma Nova Forma Organi-zada de Negociao, in: 27 Cadernos do Mercado de Valores Mobilirios (2007), 150-160.Em sentido semelhante, HIRTE, Heribert/MLLERS, Thomas (Hrsg.), Klner Kommentarzum WpHG, 90, Carl Heymanns, Kln, 2007; SCHWARK, Eberhard (Hrsg.), Kapitalmark-trechts-Kommentar, 830, 3. Aufl., Beck, Mnchen, 2004.

    (22) No perdero assim a sua qualidade de valores mobilirios aqueles que, possuindoas condies objectivas ou abstractas da negociabilidade organizada, possam incidental-mente, no caso concreto, encontrar-se limitados ou at privados dessas condies: pense-se,

    Revis

    ta da

    Facu

    ldade

    de D

    ireito

    da U

    nivers

    idade

    do P

    orto

  • prio o mercado de capitais em sentido estrito abrangendo-se assim ape-nas os instrumentos financeiros de mdio e longo prazo (igual ou superiora dois anos), com excluso dos instrumentos prprios do mercado mone-trio (de curto prazo, ou inferior a um ano), v. g., papel comercial, bilhe-tes do Tesouro, obrigaes de caixa (23).

    3. Espcies

    I. O ordenamento jurdico portugus vigente conhece uma pluralidadede espcies de valores mobilirios, que podem ser agrupadas em dois con-juntos fundamentais: os valores mobilirios legalmente tpicos e atpicos.

    II. Por um lado, temos os valores mobilirios tpicos, expressamenteprevistos pela lei (24). Actualmente, existe quase uma dezena de tipos ouespcies legais de valores mobilirios, que justamente sero adiante objectode estudo aprofundado: so eles as aces, as obrigaes, os ttulos departicipao, as unidades de participao em instituies de investimentocolectivo, os warrants autnomos, os direitos destacveis de valoresmobilirios (art. 1., als. a) a f), do CVM), os certificados (RegulamentoCMVM n. 7/2002, de 24 de Maio), os valores mobilirios convertveis(Regulamento CMVM n. 15/2002, de 21 de Novembro) e os valoresmobilirios condicionados por eventos de crdito (Regulamento CMVMn. 16/2002, de 21 de Novembro) (25).

    Os valores mobilirios: conceito, espcies e regime jurdico 95

    por exemplo, no caso de aces sobre as quais incida uma clusula estatutria de limita-o da transmisso (art. 328., n. 2), as quais no deixaro de ser reputadas valores mobi-lirios atento que, a todo o tempo e por mera deciso dos scios, podem recuperar a sualivre circulabilidade primordial (art. 328., n. 1, ambos do Cdigo das Sociedades Comer-ciais). Em sentido diverso, aparentemente, ASSMANN, Heinz-Dieter/SCHNEIDER, Uwe (Hrsg.),Wertpapierhandelsgesetz Kommentar, 104, 4. Aufl., O. Schmidt, Kln, 2006.

    (23) Sobre os instrumentos financeiros monetrios, vide ANTUNES, J. Engrcia, Os Ins-trumentos Financeiros, 205 e segs., Almedina, Coimbra, 2009.

    (24) Tomamos aqui a palavra lei em sentido amplo, abrangendo as leis ordinrias eos regulamentos administrativos, mormente os emanados da CMVM (art. 1., n. 2, doCdigo Civil): sobre os regulamentos como fonte de Direito Comercial, vide ANTUNES,J. Engrcia, Direito Comercial, em curso de publicao; noutros pases, PDAMON, Michel,Droit Commercial, 10, Dalloz, Paris, 1994; VISENTINI, Gustavo, Argomenti di Diritto Com-merciale, 99 e seg., Giuffr, Milano, 1997.

    (25) Sublinhe-se que o elenco legal um elenco aberto podendo o legislador oua administrao vir a criar novos tipos ou espcies de valores mobilirios (cf. promio doart. 1. do CVM) e ainda que os diferentes tipos podem abranger tambm determinadossubtipos ou subespcies legais por exemplo, ao lado das obrigaes comuns (art. 1., al. b),

    Revis

    ta da

    Facu

    ldade

    de D

    ireito

    da U

    nivers

    idade

    do P

    orto

  • III. Por outro lado, temos ainda os valores mobilirios atpicos, frutoda autonomia privada dos interessados. Ultrapassada a controvrsia quedividiu a doutrina nacional relativamente questo da tipicidade ou atipi-cidade dos valores mobilirios (26), afigura-se hoje inequvoca a vignciade um princpio geral de liberdade de criao neste domnio, crescentementemarcado por um fenmeno de diversificao (27): tal significa que os sujei-tos intervenientes no mercado de capitais (v. g., emitentes, entidades ges-toras) podero assim criar valores mobilirios inominados, sejam estesresultantes da combinao dos valores legalmente tipificados (tipos mistos),sejam totalmente novos (tipos atpicos).

    Saber quais so os valores mobilirios atpicos, questo que s casoa caso poder ser apurada em definitivo. A praxis estrangeira conhece,todavia, um leque rico de candidatos potenciais, entre os quais se incluem,por exemplo, os certificados de participao (certificati finanziari) (28),os ttulos de fruio (Genusscheine) (29), os certificados de registo ou

    Jos A. Engrcia Antunes96

    do CVM), a lei regula autonomamente as obrigaes do Tesouro (Decreto-Lei n. 280/98,de 17 de Setembro), as obrigaes hipotecrias (Decreto-Lei n. 59/2006, de 20 de Maro),e as obrigaes titularizadas (Decreto-Lei n. 453/99, de 5 de Abril).

    (26) Sobre a questo, vide BAPTISTA, D. Farto, O Princpio da Tipicidade e os Valo-res Mobilirios, 87-121, in: AAVV, Jornadas sobre Sociedades Abertas, Valores Mobiliriose Intermediao Financeira, Almedina, Coimbra, 2006; VASCONCELOS, P. Pais, O Pro-blema da Tipicidade dos Valores Mobilirios, in: AAVV, Direito dos Valores Mobilirios,vol. III, 61-72, Coimbra Editora, 2001.

    (27) BONNEAU, Thierry, La Diversification des Valeurs Mobilires Ses Implicationsen Droit Commercial, in: 41 Revue Trimestrielle de Droit Commercial et de Droit co-nomique (1988), 535-607.

    (28) Os certificati finanziari so valores representativos da posio de associado naempresa do associante (GUGLIELMUCCI, Lino/MAGNANI, Corrado/JOVENITTI, Paolo, I Certi-ficati di Partecipazione: Profili Civilistici, Tributari, Negoziali, Giuffr, Milano, 1981).Sobre o contrato de associao em participao, regulado entre ns pelo Decreto-Lein. 231/81, de 28 de Julho, vide PINHAL, A. Jorge, Da Conta em Participao, Petrony, Lis-boa, 1981; VENTURA, Ral, Associao em Participao (Anteprojecto), in: 189/190 Bole-tim do Ministrio da Justia (1969), 15-136 e 5-106.

    (29) Os Genusscheine (prximos mas no idnticos aos ttulos de participao por-tugueses) so valores representativos de direitos creditcios, mas no societrios, emitidospor sociedades comerciais pblicas ou privadas, v. g., direitos sobre os seus lucros sociaisperidicos ou finais (SINGER, Uwe, Genusscheine als Finanzinstrument, Centaurus, Her-bolzheim, 1998). Advirta-se, todavia, para a flutuao do seu contedo no direito comparado,v. g., bon de jouissance, Partizipationsscheine, certificats dinvestissement, etc. (cf.VELLAS, Franois, Les Certificats dInvestissement Privilgis, in: 103 Revue des Soci-ts (1985), 807-813), bem assim como a possibilidade de serem objecto de instrumentosderivados, v. g., as Optionsgenusscheine (JASKULLA, Ekkerhard, Die Einfhrung deriva-

    Revis

    ta da

    Facu

    ldade

    de D

    ireito

    da U

    nivers

    idade

    do P

    orto

  • depsito (depositary receipts) (30), os certificados de valor garantia (cer-tificats de valeur garantie) (31), os certificados de investimento pblico(treasury investment growth receipts) (32), os ttulos de dvida subordi-nados (titres demprunt subordonns) (33), as aces geminadas (sta-pled stock, Verbundenenaktien, actions jumeles) (34), os valoresmobilirios associativos ou fundacionais (35), as fraces de determinados

    Os valores mobilirios: conceito, espcies e regime jurdico 97

    ter Finanzinstrumente an den deutschen Wertpapierbrsen als Regelungsproblem, 29 e segs.,Peter Lang, Frankfurt am Main, 1995).

    (30) Os depositary receipts so valores representativos do registo ou depsito deaces emitidos pelas respectivas entidades registrais ou depositrias. Sobre a figura a no confundir com os certificados de depsito, regulados no Decreto-Lei n. 372/91,de 8 de Outubro, que so ttulos de crdito ordem (cf. ANTUNES, J. Engrcia, Os Ttu-los de Crdito, 133 e segs., Coimbra Editora, 2009) e os certificados previstos no Regu-lamento CMVM n. 7/2002, de 24 de Maio, que so um valor mobilirio tpico (cf. infra 8, II) , vide ainda infra 2, V, especialmente nota 86.

    (31) Os certificats de valeur garantie so valores representativos de uma opo devenda diferida de aces, ancilares de uma operao de oferta pblica de aquisio outroca, que so emitidos pela sociedade oferente e distribudos aos scios da visada (DES-CLVES, Arnaud, Certificat de Valeur Garantie, Une Valeur Mobilire Multiforme, in: 579Revue Banque (1997), 50-53; DECOCQ, George, Une Nouvelle Forme de Valeur Mobilire:Les Certificats de Valeur Garantie, in: 650 Jurisclasseur Priodique dition Entre-prise (1997), 181-185; HALLEY, Stphanie, Le Certificat de Valeur Garantie, in: 70 Revuede Droit Bancaire et de la Bourse (1998), 207-218).

    (32) Os treasury investment growth receipts (TIGR) so valores representativos de umafraco de um bloco indivisvel de ttulos de dvida pblica, algures a meio caminho entre asobrigaes e as unidades de participao, que visam permitir o acesso dos pequenos inves-tidores a valores mobilirios de elevado valor unitrio (um produto financeiro atpico equi-valente dos TIGRs, desenvolvidos pela corretora Merrill Lynch, constitudo pelos cer-tificate of accrual on treasury securities ou CATs, criados pela Salomon Brothers).

    (33) Os titres demprunt subordonns (TSDI) so valores mobilirios que, de modoalgo similar aos ttulos de participao portugueses (Decreto-Lei n. 321/85, de 5 de Agosto:cf. infra 4), mas emissveis por empresas privadas, possuem natureza perptua e sorepresentativos de direitos de crdito subordinados, ou seja, cujo reembolso apenas ocorreno evento de liquidao do emitente e aps o pagamento dos demais credores (cf. LANDIER--JUGLAR, Anne/ROO, Nathalie, TSDI, Dettes ou Fonds Propres? Un Produit ComplexeAvantageux, in: 516 Revue Banque (1991), 462-475).

    (34) As stapled stock ou actions jumeles so aces cuja particularidade resideem ligar indissociavelmente as aces de duas ou mais sociedades annimas para efeitosda respectiva negociao, de tal modo que nenhuma delas pode ser transmitida autono-mamente (BORNSCHEID, Jens, Stapled Stock, 4 e segs., Peter Lang, Frankfurt am Main,2006; LAPLANCHE, Renaud/TURCK, Matt, Le Jumelage dActions, in: 592 JurisclasseurPriodique dition Gnrale (1996), 409-415).

    (35) No respeito das balizas gerais do direito das pessoas colectivas, nada pareceimpedir que uma associao ou uma fundao emitam valores mobilirios, como sucede,

    7

    Revis

    ta da

    Facu

    ldade

    de D

    ireito

    da U

    nivers

    idade

    do P

    orto

  • valores mobilirios (v. g., certificados representativos de fraces de uni-dades de participao em fundos de poupana-reforma: cf. art. 1., n. 5,do Decreto-Lei n. 158/2002, de 2 de Julho), e assim por diante (36).

    Trata-se bom sublinh-lo de um princpio geral que est longede ser absoluto (37). Com efeito, semelhante liberdade jurgena e negocialencontrar-se- sempre balizada pelos apertados limites decorrentes da pr-pria noo legal genrica de valor mobilirio prevista no art. 1., al. g),do CVM o que significa dizer, por outras palavras, que s poderoaspirar aos pergaminhos de um tal nomen iuris, enquanto tal sujeitosao regime do CVM, aqueles instrumentos financeiros atpicos que preen-cham plenamente os requisitos ou notas caracterizadoras atrs expostas(documento, representao, homogeneidade e fungibilidade, negociabili-dade) , alm, naturalmente, por todos os demais limites decorrentes dalei geral (v. g., em matria de negociao: cf. arts. 204. e 205., 227. esegs. do CVM) ou do controlo administrativo da autoridade de superviso(v. g., em matria de ofertas pblicas: cf. arts. 114. e segs. do CVM).

    4. Modalidades

    I. Os valores mobilirios podem revestir diferentes modalidades: parti-cularmente relevantes so os valores titulados e escriturais (forma de repre-sentao) e os valores nominativos e ao portador (identificao do titular) (38).

    Jos A. Engrcia Antunes98

    por exemplo, com os titres associatifs franceses (cf. REIGNE, Philippe, Les Valeurs Mobi-lires mises par les Associations, in: 107 Revue des Socits (1989), 1-37). Sobre asassociaes e fundaes como formas eventuais de organizao empresarial, vide ANTUNES,J. Engrcia, Direito Comercial, em curso de publicao; noutros quadrantes, vide BARBA,Angelo, Associazione, Fondazione e Titolarit dImpresa, Jovene, Napoli, 1996; KRONKE,Herbert, Stiftungstypus und Unternehmenstrgerstiftung Eine rechtsvergleichende Unter-suchung, Mohr, Tbingen, 1988.

    (36) Sobre os valores mobilirios atpicos, vide ainda DAGNINO, Francesco, Strumenti IbridiPartecipativi: Profili Tipologici, Diss., Palermo, 2003; MCCORMICK, Roger/CREAMER, Har-riet, Hybrid Corporate Securities: International Legal Aspects, Sweet & Maxwell, London, 1987.

    (37) RIBEIRO, J. Sousa, Autonomia Privada e Atipicidade dos Valores Mobilirios, in:AAVV, Direito dos Valores Mobilirios, vol. VI, 295-312, Coimbra Editora, 2006.

    (38) Para alm destas tipologias de base legal, seria aqui possvel elencar diversas tipo-logias doutrinais dos valores mobilirios. Particularmente divulgada aquela que, deacordo com o critrio do seu contedo, distingue entre valores corporativos (representati-vos de uma participao social: o caso das aces), creditcios (representativos de direi-tos de crdito sobre a entidade emitente: o caso das obrigaes) ou mistos (representati-vos de direitos hbridos: o caso dos ttulos de participao, a meio caminho entre as

    Revis

    ta da

    Facu

    ldade

    de D

    ireito

    da U

    nivers

    idade

    do P

    orto

  • II. Nos termos dos arts. 46. e segs. do CVM, os valores mobiliriospodem distinguir-se consoante a sua forma de representao: fala-se entode valores titulados (representao cartular) e valores escriturais (repre-sentao electrnica) (39).

    Os valores titulados, que correspondem forma representativa tradi-cional, so aqueles que so representados em documentos de papel (art. 46.,n. 1, do CVM). Tais documentos ou ttulos, cuja emisso e entrega ao titu-lar cabe entidade emitente (art. 95. do CVM), devem conter um conjuntoobrigatrio de menes legais (arts. 44., n. 1, als. a) e b), e 97., n. 1,do CVM) e ser assinados por membro do respectivo rgo de administra-o (art. 97., n. 2, do CVM), podendo representar uma ou vrias unida-des da mesma categoria (ttulo mltiplo: cf. art. 98. do CVM) ou toda aemisso ou srie (ttulo global ou megattulo: cf. art. 99., n. 2, al. b),do CVM). Os valores titulados so objecto de depsito obrigatrio em sis-tema centralizado sempre que estejam admitidos negociao em mer-cado regulamentado (ou, tratando-se de megattulos, alternativamente emintermedirio financeiro) ou depsito facultativo em intermedirio financeiroautorizado nos demais casos (art. 99. do CVM), podendo ainda no serdepositados (sendo ento correntemente designados como valores mobiliriosvivos). Os valores escriturais que, apesar de mais recente, se tornaramj na forma representativa mais divulgada so aqueles cuja representa-o se traduz em meros registos em conta (art. 46., n. 1, do CVM) (40).

    Os valores mobilirios: conceito, espcies e regime jurdico 99

    aces e obrigaes). Outras tipologias conhecidas distinguem entre valores mobilirios pbli-cos e privados (consoante a natureza da entidade emitente), valores mobilirios de curto,mdio e longo prazo (consoante o prazo de emisso), etc.

    (39) Sobre a distino, a obra de referncia de FERREIRA, A. Jos, Valores Mobi-lirios Escriturais Um Novo Modo de Representao e Circulao de Direitos, espe-cialmente 101 e segs., Almedina, Coimbra, 1997. Noutros quadrantes, vide CASTELLS,A. Recalde, La Representacin de los Valores: Ttulos y Anotaciones en Cuenta, in: AAVV,Instituciones del Mercado Financiero, vol. V, 2593-2669, La Ley, Madrid, 1999.

    (40) Esta modalidade representativa teve a sua primeira consagrao em Portugal ape-nas no final da dcada de 80, com a figura das aces escriturais (Decreto-Lei n. 229-D/88,de 4 de Julho). Manifestao ldima do actual movimento de desmaterializao dos ins-trumentos e valores juscomerciais, a sua criao apresenta indiscutveis vantagens em rela-o s tradicionais aces tituladas dispensando a necessidade de depsito e movi-mentao de quantidades incomensurveis de papel, eliminando os riscos do seu furto,falsificao ou destruio, e permitindo o mais clere e cmodo exerccio dos direitossociais , embora no seja totalmente isenta de inconvenientes (v. g., fraude inform-tica). Sobre a figura, pelo punho do seu prprio mentor, vide JORGE, F. Pessoa, AcesEscriturais: Projecto de Diploma Legal, in: 121 O Direito (1989), 93-114.

    Revis

    ta da

    Facu

    ldade

    de D

    ireito

    da U

    nivers

    idade

    do P

    orto

  • Tais valores mobilirios so objecto de um registo individualizado emconta aberta junto de intermedirio financeiro integrado em sistema cen-tralizado, de intermedirio financeiro indicado pelo emitente, ou do prprioemitente (arts. 61. a 64. do CVM), o qual deve ser efectuado em suporteinformtico (art. 65. do CVM) e conter um conjunto de menes legaisobrigatrias (arts. 44., n. 1, als. a) e b), e 68., n. 1, do CVM). O registodestes valores constitutivo da respectiva existncia (art. 73. do CVM) eas suas diversas vicissitudes jurdicas processam-se igualmente atravs demovimentos de conta (v. g., exerccio de direitos e cumprimento de obri-gaes, transmisso, bloqueio, liquidao, compensao: cf. arts. 55., 56.,71., 72., 74. e 80. do CVM).

    O regime dos valores titulados e escriturais bastante complexo, nopodendo ser aqui analisado. Entre os seus princpios rectores, merecemsalincia os princpios da tipicidade (segundo o qual os valores devemobrigatoriamente revestir uma das duas formas alternativas de representa-o: cf. art. 46., n. 2, do CVM), da liberdade (segundo o qual o emitente livre de eleger a forma representativa dos valores emitidos: cf. arts. 48.a 50. do CVM) (41), da unidade (segundo o qual os valores relativos mesma emisso, ainda que realizada em sries, devem revestir a mesmaforma: cf. art. 46., n. 2, do CVM), e da reformabilidade (segundo o qualos valores podem ser objecto de reforma judicial e reconstituio extraju-dicial em caso de perda, destruio, ou outros eventos semelhantes, nos ter-mos da lei: cf. art. 51., n.os 1 a 6, do CVM, arts. 1069. e segs. do Cdigode Processo Civil) (42).

    III. Nos termos dos arts. 52. e segs. do CVM, os valores mobiliriospodem ainda distinguir-se consoante a identificabilidade dos respectivos titu-lares e conexo regime de circulao falando-se ento em valores nomi-nativos e ao portador (43).

    Jos A. Engrcia Antunes100

    (41) Tal opo, todavia, reversvel: salvo expressa proibio estatutria, admissvela converso de valores titulados em escriturais e vice-versa (arts. 48. a 50. do CVM,arts. 24. e 25. do Regulamento CMVM n. 14/2000, de 10 de Fevereiro).

    (42) Sobre a reforma dos ttulos de crdito, vide ANTUNES, J. Engrcia, Os Ttulos deCrdito, 45 e seg., Coimbra Editora, 2009.

    (43) Sobre a distino, embora desactualizadamente, vide entre ns SERRA, A. Vaz,Aces Nominativas e ao Portador, in: 175/176 Boletim do Ministrio da Justia (1968),5-43 e 11-81: como referem Thierry BONNEAU e France DRUMMOND, a distino man-teve-se, mas no possui hoje o mesmo significado que anteriormente ao fenmeno da des-materializao (Droit des Marchs Financiers, 82, Economica, Paris, 2005). Noutros

    Revis

    ta da

    Facu

    ldade

    de D

    ireito

    da U

    nivers

    idade

    do P

    orto

  • Os valores nominativos so aqueles que permitem ao emitente conhe-cer a todo o tempo a identidade dos seus titulares: tal identidade consta dasinscries dos registos em conta (no caso dos valores escriturais: cf.arts. 61. e segs., 85., n. 1, al. c), e 102., n. 1, do CVM) ou das inscriesdocumentais (no caso dos valores titulados: cf. art. 97., n. 1, al. c), en. 3, do CVM) a que a sociedade tem acesso directa ou indirectamente.Os valores ao portador so aqueles que no permitem ao emitente iden-tificar os seus titulares: tal anonimato resulta agora fundamentalmente dofacto de tais valores (com excepo dos depositados em sistema centrali-zado) se transmitirem por mera tradio ou entrega do ttulo ao adqui-rente ou a depositrio por este indicado (art. 101., n. 1, do CVM). Entreos princpios rectores do seu regime, salientem-se os princpios da tipici-dade segundo o qual a entidade emitente deve indicar expressamente amodalidade nominativa ou ao portador dos valores emitidos (v. g., art. 272.,al. d), do Cdigo das Sociedades Comerciais) e da liberdade segundoo qual o emitente pode livremente optar pela modalidade nominativa ou aoportador dos valores no momento da sua emisso, sem prejuzo de a moda-lidade nominativa possuir aqui um carcter supletivo em geral (art. 52.,n. 2, do CVM) ou at obrigatrio em certas circunstncias especiais (v. g.,art. 299., n. 2, do Cdigo das Sociedades Comerciais), ou pode decidirposteriormente a converso da modalidade originria escolhida, ressalva-dos os limites decorrentes da lei, dos estatutos ou das condies da prpriaemisso (arts. 53. e 54. do CVM).

    5. Regime Jurdico

    I. Os valores mobilirios que, alm de uma profuso de leis ordi-nrias e regulamentares avulsas, constituem um dos objectos centrais de umcdigo justamente com o seu nome (o CVM de 1999) possuem umregime jurdico extremamente vasto e complexo, que no pode aqui serexaustivamente analisado (44). Ainda assim, justifica-se uma singela refe-

    Os valores mobilirios: conceito, espcies e regime jurdico 101

    quadrantes, com contedos nem sempre coincidentes, vide LASTRES, J. Garca-Pita, Accio-nes Nominativas y Acciones al Portador, in: AAVV, Derecho de Sociedades Annimas,vol. I, 583-611, Civitas, Madrid, 1994; VON ROTTENBURG, Franz, Inhaberaktien und Namen-saktien im deutschen und amerikanischen Recht, Enke, Stuttgart, 1967.

    (44) Para maiores desenvolvimentos, embora nalguns casos com dados do direitopretrito, vide CASTRO, C. Osrio, Valores Mobilirios: Conceito e Espcies, 2. edio, UCPEditora, Porto, 1998; FERREIRA, A. Jos, Direito dos Valores Mobilirios, AAFDL, Lisboa,1997; SILVA, P. Costa, Direito dos Valores Mobilirios, Lisboa, 2005.

    Revis

    ta da

    Facu

    ldade

    de D

    ireito

    da U

    nivers

    idade

    do P

    orto

  • rncia aos ncleos temticos fundamentais desse regime, incluindo a emis-so dos valores, a transmisso dos valores, e os sistemas de registo e con-trolo, de negociao e de liquidao dos valores.

    II. Em sentido amplo, a emisso de valores mobilirios (issue,Emission, mission, emissione) designa o conjunto de actos jurdicose materiais destinados respectiva criao, abrangendo actos dos emiten-tes (v. g., deliberao ou deciso de emisso, entrega ou registo dos valo-res), dos intermedirios financeiros (v. g., colocao ou distribuio), dosdestinatrios (maxime, subscrio pblica ou privada) e de outras enti-dades (v. g., registos na CMVM, registo comercial, etc.) (45). A emissopode revestir diferentes modalidades, falando-se ento de emisses singu-lares ou colectivas (consoante da iniciativa de um ou vrios emitentes),pblicas ou particulares (consoante dirigida a destinatrios indetermina-dos ou apenas a certos destinatrios), instantneas, em srie e contnuas (con-soante os valores so emitidos de uma s vez, em vrios momentos etranches predeterminados, ou ao longo de um determinado perodo tem-poral), e assim por diante.

    Aspecto central que toda a emisso de valores mobilirios estsujeita a um registo de emisso junto da entidade emitente (art. 43.do CVM): este registo, que possui um extenso contedo obrigatrio (art. 44.do CVM) e deve obedecer a modelo prprio (Portaria n. 290/2000, de 25de Maio), visa essencialmente assegurar o controlo quantitativo e qualita-tivo da emisso (46). Alm disso, ao lado deste regime geral, deve ainda

    Jos A. Engrcia Antunes102

    (45) Num sentido estrito, a emisso designa a criao dos prprios valores mobili-rios, ou seja, o acto perficiente do processo de emisso e constitutivo da gnese dos valo-res (arts. 73. e 95. do CVM). Sobre a figura, vide CMARA, Paulo, Emisso e Subscri-o de Valores Mobilirios, in: AAVV, Direito dos Valores Mobilirios, 201-241, Lex,Lisboa, 1997; PIRES, F. Almeida, Emisso de Valores Mobilirios, Lex, Lisboa, 1999; nou-tros quadrantes, vide EKKENGA, Jens/MAAS, Heyo, Das Recht der Wertpapieremissionen, ErichSchmidt, Berlin, 2006; FENGHI, Francesco, Emissione di Valori Mobiliari, in: 28 Rivistadelle Societ (1983), 478-503; GONZALEZ, J. Munguira, Rgimen sobre Emisiones, in:AAVV, Instituciones del Mercado Financiero, vol. V, 3061-3103, La Ley, Madrid, 1999;TRBULLE, Franois-Guy, Lmission des Valeurs Mobilires, Economica, Paris, 2002.

    (46) A conta de emisso (art. 44. do CVM), que aberta junto do emitente e tempor objecto a identificao dos valores emitidos no seu conjunto, no se confunde com ascontas de registo individualizado (art. 68. do CVM), que so abertas primordialmentejunto de intermedirios financeiros autorizados e tm por objecto a titularidade individualdos valores, nem com as contas de controlo (art. 91., n. 1, als. b) e c), do CVM), que cor-respondem a contas globais abertas na sociedade gestora do sistema centralizado de valo-

    Revis

    ta da

    Facu

    ldade

    de D

    ireito

    da U

    nivers

    idade

    do P

    orto

  • atentar-se na existncia de determinados processos genticos especiais: sebem que todos os valores mobilirios disponham de regras particulares deemisso, alguns deles esto sujeitos a processos sui generis de emisso( o caso das unidades de participao: cf. art. 1., al. d), do CVM) eoutros at no so sequer fruto de qualquer emisso propriamente dita( o caso dos direitos destacveis: cf. arts. 1., al. f), e 43., n. 1, infine, do CVM). Finalmente, urge no confundir a emisso com a subs-crio dos valores mobilirios (underwriting, souscription, sottoscri-zione), a qual constitui to-somente uma das suas etapas terminais: trata-se,no fundo, das declaraes jurdicas de aceitao por parte dos investido-res ou destinatrios, no mbito do processo de aquisio originria dosvalores mobilirios (47).

    III. Aspecto igualmente relevante o da transmisso dos valoresmobilirios (transfer, bertragung, transmission, trasferimento) (48).O regime legal pode ser descrito luz de uma distino fundamental entredois tipos ou segmentos transmissivos: as transmisses dentro e fora do sis-tema centralizado (49).

    Os valores mobilirios: conceito, espcies e regime jurdico 103

    res mobilirios e visam reproduzir as contas de emisso e titularidade. Cf. VEIGA,A. Brando, Sistemas de Controlo de Valores no Novo Cdigo dos Valores Mobilirios, in: 7Cadernos do Mercado de Valores Mobilirios (2000), 105-128.

    (47) A subscrio pode, ela prpria, revestir diferentes modalidades, distinguindo-seentre subscrio pblica ou particular (consoante dirigida a destinatrios indeterminados ouno: cf. arts. 109. e 110. do CVM), subscrio directa ou indirecta (consoante realizadadirectamente pelo emitente ou atravs de intermedirio financeiro: cf. GOMES, Ftima,Subscrio Indirecta e Tomada Firme, in: VIII Direito e Justia (1994), 201-292), etc.Alm disso, advirta-se que a simetria entre emisso e subscrio no absoluta: podeexistir emisso sem subscrio (v. g., no caso de aumentos de capital por incorporao dereservas: cf. art. 92. do Cdigo das Sociedades Comerciais) e, inversamente, subscrio sememisso (v. g., no caso da chamada subscrio incompleta: cf. art. 161. do CVM).

    (48) Sobre a figura, vide SILVA, P. Costa, A Transmisso dos Valores Mobilirios Forado Mercado Secundrio, in: AAVV, Direito dos Valores Mobilirios, vol. I, 217-252,Coimbra Editora, 1999; VEIGA, A. Brando, Transmisso de Valores Mobilirios, Almedina,Coimbra, 2004. Noutros quadrantes, sob diferentes ngulos, vide CIAN, Marco, TitoliDematerializzati e Circolazione Cartolare, Giuffr, Milano, 2001; GOUTAY, Philippe, LeTransfert de Proprit des Titres Cots, Diss., Paris, 1997; GUTTMAN, Egon, Modern Secu-rities Transfers, 4th edition, West Group, St. Paul, 2006; PARRA, A. Madrid, La Transmi-sin de Valores, in: I Derecho de los Negocios (1992), 90-96.

    (49) Para alm destes, seria ainda possvel falar de um terceiro sistema ou modelotransmissivo residual, exclusivo das aces e relativo s chamadas transmisses potestati-vas, efectuadas ao abrigo da aquisio e alienao potestativa (arts. 194. a 197. do CVM)

    Revis

    ta da

    Facu

    ldade

    de D

    ireito

    da U

    nivers

    idade

    do P

    orto

  • As transmisses dentro do sistema, por vezes impropriamente desig-nadas na gria transmisses em bolsa, dizem respeito aos valores mobi-lirios integrados no sistema centralizado (arts. 88. e segs. do CVM), sejaobrigatria (valores escriturais e titulados admitidos negociao em mer-cado regulamentado: cf. arts. 62. e 99., n. 2, al. a), do CVM), alterna-tiva (no caso do megattulo: cf. art. 99., n. 2, al. b), do CVM) ou volun-tariamente (por iniciativa dos titulares: cf. arts. 61., al. a), e 99., n. 1,al. b), do CVM): todos estes valores transmitem-se pelo registo na contado adquirente (arts. 80., n. 1, e 105. do CVM). As transmisses fora dosistema, tambm chamadas transmisses individualizadas, dizem respeitoa todos os demais valores mobilirios, abrangendo assim os valores escri-turais registados em intermedirio financeiro no integrado ou no emi-tente (arts. 63. e 64. do CVM), os valores titulados depositados em inter-medirio financeiro autorizado (art. 99., n. 1, al. a), e n. 2, al. b),do CVM), e os valores titulados no depositados. Neste ltimo caso,haver que distinguir consoante a modalidade dos valores em causa: os valo-res titulados nominativos transmitem-se por declarao de transmisso afavor do adquirente, seguida de registo junto da sociedade emitente(art. 102., n.os 1 e 5, do CVM), os valores titulados ao portador deposi-tados transmitem-se por registo na conta do depositrio (art. 101., n. 2,do CVM), os valores titulados ao portador no depositados transmitem-sepor mera entrega do ttulo ao adquirente (art. 101., n. 1, do CVM), etodos os valores escriturais (sejam nominativos ou ao portador) transmitem-sepelo registo na conta do adquirente (art. 80., n. 1, do CVM) (50).

    O regime transmissivo vasto e complexo envolvendo mltiplosaspectos que aqui no podem ser abordados. Pense-se, apenas a ttulo de

    Jos A. Engrcia Antunes104

    e da aquisio tendente ao domnio total (art. 490. do Cdigo das Sociedades Comer-ciais). Sobre estas figuras, vide ANTUNES, J. Engrcia, A Aquisio Tendente ao DomnioTotal, Coimbra Editora, 2000.

    (50) ostensivo o relevo crucial do registo no regime de transmisso dos valoresmobilirios: com efeito, independentemente do contexto transmissivo (dentro ou fora do sis-tema) ou da modalidade dos valores (titulada ou escritural, nominativa ou ao portador), ape-nas se prescinde dele na transmisso dos valores titulados ao portador no depositados (sobreo relevo, efeitos, natureza jurdica e vcios do registo, vide ALMEIDA, C. Ferreira, Registo deValores Mobilirios, especialmente 94 e segs., in: AAVV, Direito dos Valores Mobili-rios, vol. VI, 51-138, Almedina, Coimbra, 2006). Salientando ainda a progressiva autono-mia entre transmisso e formas de representao, vide VIDAL, Isabel, Da (Ir)relevncia daForma de Representao para Efeitos da Transmisso de Valores Mobilirios, especial-mente 301 e segs., in: 15 Cadernos do Mercado de Valores Mobilirios (2002), 287-316.

    Revis

    ta da

    Facu

    ldade

    de D

    ireito

    da U

    nivers

    idade

    do P

    orto

  • exemplo, na existncia de outras modalidades transmissivas v. g., trans-misses inter vivos ou mortis causa (arts. 101., n. 3, e 102., n. 3,do CVM), transmisses definitivas e temporrias (v. g., reporte, emprs-timo) (51), transmisses onerosas e gratuitas (v. g., doao) (52) , naproblemtica das causas transmissivas que, reconduzindo-se usualmenteao contrato de compra e venda (art. 463., n. 5, do Cdigo Comercial) (53),abrangem ainda toda uma panplia de outros factos translativos especiais,sejam negociais (v. g., mtuo: cf. art. 291., al. b), do CVM), judiciais(penhora de valores mobilirios: cf. art. 82. do CVM e art. 857. doCdigo de Processo Civil) ou sucessrios (54) , na determinao dosefeitos transmissivos com relevo para a transferncia da titularidadejusmobiliria (mormente, a natureza constitutiva ou declarativa do registo:cf. arts. 74., n. 1, e 80., n. 1, do CVM), da legitimao jusmobiliriaactiva e passiva (arts. 55. e 56. do CVM) e do risco (arts. 408., n. 1,e 796. do Cdigo Civil) (55) , ou ainda na existncia de processos espe-ciais de transmisso massificada como o caso das celebrrimas ofer-tas pblicas de aquisio, de venda e de troca (arts. 173. e segs. do CVM).

    IV. A encerrar, no poderia faltar uma referncia final s traves--mestras do prprio mercado de valores mobilirios, a saber, o sistemacentralizado de registo e controlo, o sistema de negociao, e os sistemasde liquidao e compensao.

    O sistema centralizado de registo e controlo (global custody), pre-visto e regulado nos arts. 88. e segs. do CVM, consiste no conjunto de enti-dades e regras relativas formao, interrelao e movimentao de con-

    Os valores mobilirios: conceito, espcies e regime jurdico 105

    (51) LUCAS, Franois-Xavier, Les Transfers Temporaires de Valeurs Mobilires,LGDJ, Paris, 1997.

    (52) KENEL, Philippe/GAEVERT, Katia, La Donation de Valeurs Mobilires: Outil dePlanification Sucssorale, Larcier, Paris, 2006.

    (53) SILVA, P. Costa, Compra, Venda e Troca de Valores Mobilirios, in: AAVV,Direito dos Valores Mobilirios, 243-266, Lex, Lisboa, 1997.

    (54) Questo particularmente interessante a que diz respeito relevncia da causano plano da transmisso dos valores mobilirios: para um exerccio de reflexo a prop-sito do valor mobilirio por excelncia, vide ALMEIDA, C. Pereira, Da Relevncia da Causana Circulao das Aces das Sociedades Annimas fora do Mercado Regulamentado,Coimbra Editora, 2007.

    (55) Sobre a questo da natureza constitutiva ou declarativa do registo, vide ALMEIDA,C. Ferreira, Registo de Valores Mobilirios, 101 e segs., in: AAVV, Direito dos ValoresMobilirios, vol. VI, 51-138, Almedina, Coimbra, 2006.

    Revis

    ta da

    Facu

    ldade

    de D

    ireito

    da U

    nivers

    idade

    do P

    orto

  • tas interligadas (maxime, contas de registo da emisso, contas deregisto individualizado, e respectivas contas de controlo) atravs dasquais se processa a constituio e transaco dos valores mobilirios aintegrados, com vista a assegurar o controlo da quantidade dos valoresem circulao (56). O sistema de negociao (trading) consiste noconjunto de entidades e regras relativas s formas organizadas de nego-ciao (mercados regulamentados, sistemas de negociao multilateral,internalizao sistemtica: cf. arts. 198. e segs. do CVM) (57) e cele-brao de negcios jurdicos destinados constituio ou transmisso devalores mobilirios (mormente, a emisso e execuo das ordens: cf.arts. 325. e segs. do CVM) (58). Enfim, os sistemas de liquidao(settlement) e compensao (clearing), previstos nos arts. 258. e segs.do CVM, consistem no conjunto de entidades e regras relativas s trans-ferncias dos valores mobilirios para os transmissrios (liquidaofsica) e do dinheiro para os transmitentes (liquidao financeira) e aoapuramento das posies lquidas dos participantes no sistema de liqui-dao (59).

    Jos A. Engrcia Antunes106

    (56) No plano nacional, a entidade gestora a INTERBOLSA Sociedade Ges-tora de Sistemas de Liquidao e de Sistemas Centralizados de Valores Mobilirios, S.A.(cf. ainda os arts. 45. e segs. do Decreto-Lei n. 357-C/2007, de 31 de Outubro, e o Regu-lamento CMVM n. 4/2007, de 5 de Novembro). No panorama internacional, entre asentidades de custdia global, destaca-se a EUROCLEAR: cf. ainda BENJAMIN, Joanna//YATES, Madeleine, The Law of Global Custody, Tottel, London, 2002.

    (57) Sobre os sujeitos e o regime de funcionamento dos mercados regulamenta-dos e sistemas de negociao multilateral, vide ainda os arts. 4. e segs. do Decreto-Lein. 357-C/2007, de 31 de Outubro, e os Regulamentos CMVM n. 3/2007 e n. 4/2007,ambos de 5 de Novembro.

    (58) Sobre os sistemas de negociao, vide PEREIRA, C. Dias, Internalizao Sistemtica Subsdios para o Estudo de uma Nova Forma Organizada de Negociao, in: 27 Cader-nos do Mercado de Valores Mobilirios (2007), 150-160; SOARES, Antnio, Negociao,Liquidao e Compensao de Operaes sobre Valores Mobilirios, in: AAVV, Direitodos Valores Mobilirios, 311-331, Lex, Lisboa, 1997.

    (59) Sobre os sistemas de liquidao e compensao, bem assim como os serviosde contraparte central, vide ainda os arts. 42. e segs. do Decreto-Lei n. 357-C/2007,de 31 de Outubro, e os Regulamentos CMVM n. 4/2007 e n. 5/2007, ambos de 5de Novembro. Cf. ainda, para alm da bibliografia da nota anterior, BALIU, P. Kirch-ner, El Servicio de Compensacin y Liquidacin de Valores, in: AAVV, Institucionesdel Mercado Financiero, vol. VII, 4437-3364, La Ley, Madrid, 1999; BAUMS, Theo-dor/CAHN, Andreas, Die Zukunft des Clearing und Settlement, De Gruyter Recht, Ber-lin, 2006; LOADER, David, Clearing, Settlement and Custody, Butterworths-Heinemann,Oxford, 2002.

    Revis

    ta da

    Facu

    ldade

    de D

    ireito

    da U

    nivers

    idade

    do P

    orto

  • 2. ACES

    I. As aces (shares, Aktien, actions, azioni) so valoresmobilirios, emitidos por sociedades annimas, representativos da parti-cipao social do accionista (60).

    II. Antes do mais, convm advertir que o termo aco constituium vocbulo polissmico, sendo utilizado tradicionalmente pela lei, dou-trina e jurisprudncia em trs sentidos diferentes.

    Desde logo, por aco entende-se a participao social ou sociali-dade, ou seja, o conjunto unitrio de direitos e obrigaes (mas tambmnus, expectativas, faculdades, e sujeies) de que uma pessoa singularou colectiva titular na sua qualidade de scio de uma sociedade an-nima (v. g., arts. 272., al. a), 276., 302. do Cdigo das SociedadesComerciais). Outras vezes, fala-se de aco para designar cada fraco docapital social das sociedades annimas e comanditrias por aces: estaacepo transparece exemplarmente do art. 271. do Cdigo das Socieda-des Comerciais, segundo o qual na sociedade annima, o capital estdividido em aces (cf. tambm os arts. 272., al. a), 276. e 465., n. 3,do Cdigo das Sociedades Comerciais). Finalmente, o termo aco tam-bm frequentemente usado para designar a particular forma de represen-tao da participao social, abrangendo simultaneamente a representaocartular (ttulo ou documento de papel) e escritural (registo em conta emsuporte informtico) (v. g., arts. 274., 301., 304. do Cdigo das Socie-dades Comerciais) (61).

    Os valores mobilirios: conceito, espcies e regime jurdico 107

    (60) Sobre as aces em geral, vide LABAREDA, Joo, Das Aces das Sociedades An-nimas, AAFDL, Lisboa, 1988; enquanto valores mobilirios, vide ASCENSO, J. Oliveira, AsAces, in: AAVV, Direito dos Valores Mobilirios, vol. II, 57-90, Coimbra Editora,2000; MARTINS, A. Soveral, Valores Mobilirios (Aces), Almedina, Coimbra, 2003.Noutros quadrantes, vide DIOS, G. Muoz, La Accin como Valor Negociable, in: 2 La Ley(1992), 1063-1080; LE NABASQUE, Henri, Les Actions comme Titres de Crances Negociables,in: Mlanges en lHonneur de Yves Guyon, 671-688, Dalloz, Paris, 2003; SIGNORELLI,Fabio, Azioni, Obbligazioni e Strumenti Finanziari Partecipativi, 7 e segs., Giuffr, Milano,2006. As aces so tambm emitidas pelas sociedades em comandita por aces, as quais,todavia, em virtude da sua importncia prtica residual, no sero objecto da nossa ateno.

    (61) Cunhada h bem mais de um sculo por Achille RENAUD, pode dizer-se queesta trplice dimenso semntica que distingue entre a dimenso societria (Aktienrecht),capitalstica (Aktienquote) e representativa (Aktienurkunde) da aco (Das Recht der

    Revis

    ta da

    Facu

    ldade

    de D

    ireito

    da U

    nivers

    idade

    do P

    orto

  • Mas as aces foram ganhando progressivamente um quarto e impor-tantssimo significado justamente acolhido no art. 1., al. a), do CVM:o de produto financeiro, ou seja, de instrumento financeiro negocivelno mercado de capitais (62). Com efeito, a sociedade annima constitui hojeum mecanismo fundamental de financiamento da grande empresa modernacom o capital aberto ao pblico investidor (public corporation): graasa ela, as grandes empresas sucedem a financiar-se directamente junto de umamirade de pequenos aforradores ou investidores que esto dispostos aaplicar as suas poupanas subscrevendo o respectivo capital social nomomento da sua emisso (mercado primrio) ou negociando-o em momentoposterior (mercado secundrio) (63). Ao colocar em contacto agentes exce-dentrios (aforradores) e deficitrios (empresas) e ao transformar capital depoupana (curto prazo) em capital empresarial (longo prazo), pode dizer-seque as aces das sociedades annimas esto hoje realmente em plenoepicentro do mercado de capitais. Ora, este novo significado ou dimensoda aco prenhe de implicaes: entre outras consequncias, tal significadizer que os pequenos accionistas, mais do que simplesmente scios de umasociedade e titulares nesta de uma participao social (regida pelo Cdigodas Sociedades Comerciais), correspondero, no comum dos casos, a merosfinanciadores de uma empresa e titulares de um produto financeirodotado de uma regulao prpria (regido pelo CVM) (64).

    III. As aces so valores mobilirios que representam uma partici-pao social ou socialidade (Mitgliedschaft, membership, socia-

    Jos A. Engrcia Antunes108

    Actiengesellschaft, 90, 2. Aufl., Tauchnitz, Leipzig, 1875) resistiu eroso do tempo,permanecendo ainda hoje operacionalmente til. Sobre ela, entre muitos outros, e com quasecem anos de intervalo, vide GONALVES, L. Cunha, Comentrio ao Cdigo Comercial Portu-gus, vol. I, 379, Ed. Jos de Bastos, Lisboa, 1916; ASCENSO, J. Oliveira, As Aces,61 e segs., in: AAVV, Direito dos Valores Mobilirios, vol. II, 57-90, Coimbra Editora, 2000.

    (62) KBLER, Friedrich, Aktie, Unternehmensfinanzierung und Kapitalmarkt, C. Heymanns,Kln, 1989.

    (63) Como evidente, a sociedade annima um tipo social elstico, podendo ser tam-bm utilizado por empresas de pequena dimenso, familiares ou fechadas, com um nmeroreduzido de scios (private corporations). Sobre as sociedades annimas abertas, videALMEIDA, A. Pereira, Sociedades Abertas, in: AAVV, Direito dos Valores Mobilirios,vol. VI, 9-49, Coimbra Editora, 2006; sobre as sociedades annimas fechadas, GONZLEZ,A. Viera, Las Sociedades de Capital Cerradas, Aranzadi, Pamplona, 2002.

    (64) Sobre as aces como produto financeiro, vide CASTRO, C. Osrio, ValoresMobilirios: Conceito e Espcies, 73 e segs., 2. edio, UCP Editora, Porto, 1998.

    Revis

    ta da

    Facu

    ldade

    de D

    ireito

    da U

    nivers

    idade

    do P

    orto

  • lit): tal significa dizer que investem o accionista num conjunto unitriode direitos, obrigaes e outras posies jurdicas (nus, expectativas,faculdades, sujeies) em face da sociedade annima emitente. Ora,tomando justamente por referncia os direitos e deveres inerentes s aces, possvel dividir estas em aces ordinrias e aces especiais (65).

    As aces ordinrias investem o respectivo titular nos direitos e obri-gaes comuns ou ordinrios inerentes qualidade de accionista: trata-se,no fundo, daquele acervo de direitos e deveres, de natureza patrimonial(v. g., direito aos lucros, obrigao de entrada) e organizativa (v. g., direitode voto, direito informao, etc.), que a lei atribui, imperativa ou suple-tivamente, s aces em geral (genericamente referidos nos arts. 20. e segs.,285. e segs. do Cdigo das Sociedades Comerciais) (66). As aces espe-ciais, por vezes impropriamente designadas aces privilegiadas (67),designam aquelas aces que, pertencentes a uma determinada catego-ria, conferem ao seu titular determinados direitos e/ou obrigaes especiaisnos termos previstos nos estatutos sociais (68): tais aces podem consis-

    Os valores mobilirios: conceito, espcies e regime jurdico 109

    (65) A doutrina portuguesa fala aqui frequentemente de aces ordinrias e aces pri-vilegiadas (ou preferenciais), embora tal terminologia se afigure imprecisa: como vere-mos, as aces especiais tanto podem atribuir direitos como deveres especiais (podendo assimrevestir natureza privilegiada ou diminuda), alm de que expresso homnima utilizadapelo legislador para designar um dos vrios tipos legais de aces especiais (aces pre-ferenciais sem voto: cf. arts. 341. e segs. do Cdigo das Sociedades Comerciais).

    (66) Sobre estes direitos e deveres gerais, que constituem o contedo tpico da par-ticipao social, vide MARTINS, A. Soveral/RAMOS, M. Elisabete, As Participaes Sociais,in: AAVV, Estudos de Direito das Sociedades, 131-171, 9. edio, Almedina, Coimbra,2008; VASCONCELOS, P. Pais, A Participao Social nas Sociedades Comerciais, Alme-dina, Coimbra, 2005. Para maiores desenvolvimentos, vide HABERSACK, Mathias, Die Mit-gliedschaft subjektives und sonstiges Recht, Mohr, Tbingen, 1996; RIVOLTA, G. Carlo,La Partecipazione Sociale, Giuffr, Milano, 1965.

    (67) TELLES, I. Galvo, Aces Privilegiadas, in: 87 O Direito (1955), 302-323. Talnomenclatura tradicional deve hoje considerar-se ultrapassada, uma vez que apenas sereporta, na verdade, a um sector da realidade geral objecto de anlise: como justamente vere-mos j em seguida, a especialidade das aces no ordinrias tanto poder consistir, do pontode vista dos seus titulares, na atribuio de um privilgio como na sua privao.

    (68) As aces especiais tm a sua base na figura fundamental de categoria deaces (Aktiengattungen, catgorie dactions, categoria dazioni), acolhida nos art. 45.do CVM e art. 302. do Cdigo das Sociedades Comerciais, bem assim como no conceitode direitos especiais, previsto e regulado no art. 24. do Cdigo das Sociedades Comerciais.Sobre estas figuras, vide entre ns CASTRO, C. Osrio, Valores Mobilirios: Conceito e Esp-cies, 87 e segs., 2. edio, UCP Editora, Porto, 1998; noutros quadrantes, MOYANO, B. Peas,Las Clases de Acciones como Instrumentos Financieros en los Derechos de Sociedades Bri-

    Revis

    ta da

    Facu

    ldade

    de D

    ireito

    da U

    nivers

    idade

    do P

    orto

  • tir em aces privilegiadas v. g., atributivas de um direito majoradoao dividendo ou quota de liquidao (art. 302., n. 1, do Cdigo dasSociedades Comerciais) ou aces diminudas v. g., impondo umdever especial de efectuar prestaes acessrias alm das entradas (art. 287.do Cdigo das Sociedades Comerciais) , e tanto podem corresponder amodalidades tpicas, previstas directamente pelo legislador o casodas aces preferenciais sem voto (arts. 341. e segs. do Cdigo das Socie-dades Comerciais), das aces preferenciais remveis e das aces de frui-o (arts. 345. e 346. do Cdigo das Sociedades Comerciais) como fre-quentemente a modalidades atpicas, resultantes da pura criatividade dosscios o caso das chamadas tracking stocks, aces que atribuemaos respectivos titulares uma participao especial nos lucros ou perfor-mance de um sector econmico ou funcional particular de uma empresapluri- ou unissocietria (v. g., o negcio de internet ou cabo numaempresa de telecomunicaes) (69). O regime jurdico das aces especiais complexo: entre uma enorme variedade de aspectos que aqui no podemser analisados, sublinhe-se singelamente que as categorias especiais deaces devem constar expressamente dos estatutos sociais (art. 272., al. c),do Cdigo das Sociedades Comerciais) e que as posies jurdico-societriasespeciais que incorporam so apangio da prpria categoria, e no dos

    Jos A. Engrcia Antunes110

    tnico y Estadounidense, Aranzadi, Pamplona, 2008; POLTE, Marcel, Aktiengattungen, PeterLang, Frankfurt am Main, 2005. Com as chamadas aces especiais no se confundem aspartes de fundador, por vezes impropriamente designadas aces beneficirias, consistentesem privilgios especiais atribudos estatutariamente aos accionistas fundadores como recom-pensa pelo papel desempenhado na constituio da sociedade (arts. 16., n. 1, 19., n. 4,e 279., n. 6, al. b), e n. 8 do Cdigo das Sociedades Comerciais): tais partes no inte-gram o capital social (traduzindo-se usualmente em meras participaes nos lucros sociais)e no consubstanciam qualquer participao social (sendo assim independentes do statussocii, mantendo-se mesmo aps a sada do accionista). Cf. SAN PEDRO, L. Velasco, LasVentajas de Fundadores y Promotores en la Sociedad Annima, in: Estudios Jurdicos enHomenaje al Professor Aurelio Menndez, tomo II, 2625-2648, Civitas, Madrid, 1996.

    (69) Sobre a figura, vide TONNER, Martin, Tracking Stocks, Carl Heymanns, Kln,2002. Saliente-se que vigora um numerus apertus de aces especiais (cf. tambm oart. 302., n. 1, do Cdigo das Sociedades Comerciais). Tal significa designadamenteque, alm de direitos e obrigaes, as aces especiais podem ter por base outras posiesjurdico-societariamente atpicas: assim, poder constituir uma categoria de aces aquelaque sujeita os seus titulares a determinadas limitaes em matria de transmissibilidade (v. g.,consentimento da sociedade, preferncia dos demais accionistas) ou, inversamente, aquelaque concede aos seus titulares uma iseno especial a blindagens estatutrias em matriade transmisso.

    Revis

    ta da

    Facu

    ldade

    de D

    ireito

    da U

    nivers

    idade

    do P

    orto

  • accionistas individualmente considerados, sendo assim insusceptveis detransmisso autnoma em face das aces da respectiva categoria (art. 24.,n. 4, do Cdigo das Sociedades Comerciais) (70).

    IV. As aces so valores mobilirios sujeitos a um percurso vital, quevai desde o seu nascimento (emisso), passando por diversas vicissitudes(titularidade, transmisso, onerao, execuo), at ao seu desapareci-mento (extino).

    A emisso de aces tem usualmente a sua origem remota na consti-tuio da sociedade, atravs da outorga do acto constitutivo social (art. 7.do Cdigo das Sociedades Comerciais), ou no aumento do seu capitalsocial, atravs da subscrio de novas aces (aumento por novas entradas:cf. arts. 87. e segs. do Cdigo das Sociedades Comerciais) (71). Asaces, enquanto fraces do capital da sociedade annima (art. 271. doCSC), possuem um valor nominal igual entre si (que no pode ser inferiora 1 cntimo: cf. art. 276., n. 2, do Cdigo das Sociedades Comerciais): subli-nhe-se que o valor nominal ou facial da aco no se confunde com oseu valor de mercado (cotao) que o preo da aco resultante doencontro entre procura e oferta no mercado bolsista (falando-se assim emcapitalizao bolsista para designar o valor que o mercado atribui empresa societria, consistente no produto do nmero total das aces pelarespectiva cotao) nem com o seu valor contabilstico que ovalor resultante da diviso do montante do capital prprio pelo nmerode aces emitidas. Alm disso, as aces so subscritas mediante entra-das em dinheiro ou bens (art. 277., n. 1, do Cdigo das SociedadesComerciais) podendo o valor dessa subscrio ser superior ou igual, mas

    Os valores mobilirios: conceito, espcies e regime jurdico 111

    (70) Para alm desta distino (aces ordinrias e especiais), as aces podem sertambm objecto de outras classificaes: o caso da distino entre aces tituladas eescriturais, assente no critrio da forma de representao (arts. 41. a 56. do CVM), e entreaces nominativas e ao portador, assente no critrio da identificabilidade dos seus titulares(arts. 272., al. d), 299. e 301. do Cdigo das Sociedades Comerciais, arts. 52. a 54.do CVM). Sobre a noo e o regime legal destas modalidades, j atrs estudados a pro-psito dos valores mobilirios em geral, vide supra 1, 4.

    (71) Mais raramente, essa emisso pode ocorrer no contexto de determinadas opera-es de reorganizao societria, tais como nos casos de fuso-constituio ou fuso-incor-porao (seguida de aumento de capital da sociedade incorporante), de ciso-simples ou ciso--fuso, e ainda de transformao novatria de outra sociedade numa sociedade annima.Cf. ESPINOSA, F. Alonso, Emisin de Acciones, in: AAVV, Instituciones del MercadoFinanciero, vol. VII, 4105-4160, La Ley, Madrid, 1999.

    Revis

    ta da

    Facu

    ldade

    de D

    ireito

    da U

    nivers

    idade

    do P

    orto

  • jamais inferior, ao seu valor nominal (proibio de emisso abaixo dopar: cf. art. 298. do Cdigo das Sociedades Comerciais) e so abso-lutamente indivisveis (art. 276., n. 4, do Cdigo das Sociedades Comer-ciais) vedando-se assim o fraccionamento de uma aco em duas ou maisaces (stock split) fora do quadro da correspondente alterao estatutria(v. g., uma aco de valor nominal de 10 euros no pode ser dividida adlibitum em duas de 5 euros cada) (72). Aspecto relevante o da ciso entrea aco-participao social e a aco-valor mobilirio para efeitos da res-pectiva emisso: ao passo que a qualidade de accionista surge imediatamentecom o registo do contrato social ou a deliberao do aumento de capital(arts. 5., 88. e 274. do Cdigo das Sociedades Comerciais), a emisso daaco como valor mobilirio apenas ocorre posteriormente com a criaoe entrega do ttulo (aces tituladas: cf. art. 95. do CVM) ou o registo emconta do respectivo titular (aces escriturais: cf. art. 73., n. 1, do CVM)(cf. ainda art. 47. do CVM) (73). Enfim, para o caso especfico das acestituladas, deve ainda ter-se presente que a sociedade poder emitir ttulosprovisrios nominativos ou cautelas (Zwischenscheine) (art. 304., n. 1,do CSC, art. 96. do CVM) que no se confundem com os documen-tos de quitao da subscrio das aces (art. 304., n. 8, do Cdigo dasSociedades Comerciais) e que substituem, para todos efeitos, os ttulosdefinitivos (art. 304., n. 2, do Cdigo das Sociedades Comerciais) ,estando obrigada a emitir as aces e a entreg-las aos accionistas noprazo mximo de 6 meses a contar da data da constituio social ouaumento de capital (art. 304., n. 3, do Cdigo das Sociedades Comerciais).

    As aces so valores mobilirios cuja titularidade pode, em princ-pio, caber a qualquer pessoa singular ou colectiva, de direito privado ou

    Jos A. Engrcia Antunes112

    (72) Com esta caracterstica (indivisibilidade) no se podem confundir as situaesde cindibilidade que respeitam possibilidade do destaque e autonomizao dos direi-tos sociais inerentes aco (cf. arts. 1., al. f), e 55., n. 3, do CVM) , de contitula-ridade relativa a aces que pertencem em compropriedade a vrias pessoas (arts. 7.,n. 3, e 303. do Cdigo das Sociedades Comerciais, art. 57. do CVM) , e de con-centrao que respeita unificao documental de uma pluralidade de aces tituladas(art. 98. do CVM).

    (73) Questo complexa, sobre a qual aqui no tomaremos posio, a de saber se eem que termos a aco-participao social poder ser objecto de negociao antes do nas-cimento do valor mobilirio: sobre a questo, vide TORRES, N. Pinheiro, Da Transmisso deParticipaes Sociais no Tituladas, especialmente 60 e segs., 79 e segs., UCP, Porto,1999. Para outras facetas da autonomia das dimenses societria e representativa das aces,vide STAUFFER, Emmanuel, LActionnaire Sans Titre Ses Droits, Georg, Genve, 1977.

    Revis

    ta da

    Facu

    ldade

    de D

    ireito

    da U

    nivers

    idade

    do P

    orto

  • pblico, nacional ou estrangeira (74). Semelhante titularidade accionista poderevestir uma pluralidade de tonalidades especficas (75): pode assim falar-sede titularidade simples ou contitularidade (consoante as aces tm ape-nas um nico titular ou vrios contitulares: cf. arts. 7., n. 3, e 303. doCdigo das Sociedades Comerciais, arts. 57. e 68., n. 1, al. a), do CVM),de titularidade originria ou superveniente (consoante resulte de subscri-o no momento da respectiva emisso ou de posterior transmisso intervivos ou mortis causa), de titularidade directa ou indirecta (consoantese trate de uma titularidade jurdico-formal em nome prprio ou antes umatitularidade fctico-material obtida por intermdio de terceiros: cf. art. 483.,n. 2, do Cdigo das Sociedades Comerciais, arts. 20. e 20.-A do CVM),ou ainda de heterotitularidade ou autotitularidade (consoante as acesso detidas por terceiros ou pela prpria sociedade, originando as chama-das aces prprias: cf. arts. 316. a 325.-B do Cdigo das SociedadesComerciais) (76).

    Os valores mobilirios: conceito, espcies e regime jurdico 113

    (74) Do mesmo modo, para efeitos da lei jusmobiliria portuguesa, deve conside-rar-se indiferente se as aces so emitidas por uma sociedade annima ou em comanditapor aces com sede em Portugal ou no estrangeiro, conquanto sejam passveis de nego-ciao no mercado de capitais portugus (cf. ainda arts. 13., n. 1, als. b) a d), 227. e segs.do CVM). Sobre o ponto, vide tambm HIRTE, Heribert/MLLERS, Thomas (Hrsg.), Kl-ner Kommentar zum WpHG, 84, Carl Heymanns, Kln, 2007.

    (75) Falamos das dimenses jurdico-positivas e individuais da titularidade, sem pre-juzo de outras acepes. Assim, num plano macrojurdico, frequentemente referida nadoutrina a distino entre titularidade dispersa e concentrada, cujo critrio classificatrioassenta na propriedade e controlo da grande sociedade annima: a titularidade dispersa, tpicadas sociedades norte-americanas, caracteriza-se por uma enorme disperso do capital socialpelo pblico investidor, e a titularidade concentrada, que se encontra mais comummente nassociedades europeias, caracteriza-se pela concentrao da maioria do capital (ou, pelomenos, do seu controlo) nas mos de grupos coesos e activos de accionistas (cf. ANTUNES,J. Engrcia, Law & Economics Perspectives of Portuguese Corporation Law Systemand Current Developments, 334, in: II European Company and Financial Law Review(2005), 323-377).

    (76) Sublinhe-se ainda que nas aces, enquanto valores mobilirios, existe uma dis-tino entre titularidade e legitimao: a posse do ttulo (art. 104., n. 1, do CVM) ou oregisto em conta (arts. 74., 78., 80. e 105. do CVM) , em princpio, condio neces-sria e suficiente para o exerccio dos direitos relativos s aces (legitimidade activa:art. 55. do CVM) e para o cumprimento liberatrio por parte da sociedade (legitimidadepassiva: art. 56. do CVM). Sobre a proteco dos terceiros de boa-f (art. 58. do CVM),embora no quadro do direito pretrito, vide SILVA, P. Costa, Efeitos do Registo e ValoresMobilirios. A Proteco Conferida ao Terceiro Adquirente, in: 58 Revista da Ordem dosAdvogados (1998), 859-874.

    8

    Revis

    ta da

    Facu

    ldade

    de D

    ireito

    da U

    nivers

    idade

    do P

    orto

  • As aces so ainda valores mobilirios passveis de transmisso (77).As aces so, em princpio, livremente negociveis ou transmissveis(art. 328., n. 1, do Cdigo das Sociedades Comerciais): este princpio geralde liberdade pode, todavia, sofrer limitaes legais por exemplo, emsede de aces prprias (v. g., art. 317., n. 2, do Cdigo das SociedadesComerciais), de aces reciprocamente detidas (v. g., art. 485. do Cdigo dasSociedades Comerciais) ou limitaes estatutrias exclusivamente nocaso das aces nominativas, atravs das chamadas clusulas de consenti-mento, de preferncia, e de condicionamento de transmisso (art. 328.,n. 2, do Cdigo das Sociedades Comerciais) (78). O regime da transmissodas aces foi j atrs descrito: no essencial, as aces escriturais e as acestituladas em sistema centralizado transmitem-se por meros registos em conta(arts. 80. e 105. do CVM), sendo que, fora do sistema, as aces tituladasnominativas se transmitem por endosso nominal e registo no emitente(art. 102., n. 1, do CVM) e as aces tituladas ao portador se transmitempor constituto possessrio (encontrando-se depositadas: cf. art. 101., n. 2,do CVM) ou entrega material (no caso inverso: cf. art. 101., n. 1, doCVM) (79). Enfim, de enorme relevncia prtica e complexidade tcnica soainda algumas modalidades especiais de transmisso em massa: esto neste

    Jos A. Engrcia Antunes114

    (77) Sobre o ponto, vide LABAREDA, Joo, Das Aces das Sociedades Annimas,227 e segs., AAFDL, Lisboa, 1988; MENDES, Evaristo, A Transmissibilidade das Aces,Diss., Lisboa, 1989. Com incidncia especial na sua vertente mobiliria, vide EIR, Vera,A Transmisso de Valores Mobilirios As Aces em Especial, in: VI Themis Revista da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (2005), 145-185; VEIGA,A. Brando, Transmisso de Valores Mobilirios, Almedina, Coimbra, 2004.

    (78) Sobre tais clusulas, vide MARTINS, A. Soveral, Clusulas do Contrato de Socie-dade que Limitam a Transmissibilidade das Aces: Sobre os Artigos 328. e 329. do CSC,Almedina, Coimbra, 2006; noutros quadrantes, vide SANTUOSO, Daniele, Il Principio diLibera Trasferibilit delle Azioni, Giuffr, Milano, 1993.

    (79) Sobre o regime geral de transmisso dos valores mobilirios, vide supra 1, 5,III. Questo importante a da relevncia dos negcios jurdicos subjacentes, seja para efei-tos de determinao do momento da transferncia da titularidade das aces (cf. EIR,Vera, A Transmisso de Valores Mobilirios As Aces em Especial, especialmente158 e segs., in: VI Themis Revista da Faculdade de Direito da Universidade Nova deLisboa (2005), 145-185), seja para efeitos do prprio contedo dessa titularidade(cf. ALMEIDA, C. Pereira, Da Relevncia da Causa na Circulao das Aces das Socie-dades Annimas fora do Mercado Regulamentado, especialmente 92 e segs., Coimbra Edi-tora, 2007). Na jurisprudncia, vide o Acrdo do STJ de 13-III-2007 (SEBASTIO PVOAS),in: XV Colectnea de Jurisprudncia/Acrdos do STJ (2007), 118-122; confronte-seainda os Acrdos da Relao do Porto de 16-VI-2005 (ATADE DAS NEVES) e da Relaode Coimbra de 5-VII-2000 (PIRES DA ROSA), in: www. dgsi.pt.

    Revis

    ta da

    Facu

    ldade

    de D

    ireito

    da U

    nivers

    idade

    do P

    orto

  • caso as ofertas pblicas de aquisio (OPA), de troca (OPT) e de venda(OPV) de aces com destaque especial para as OPA, reguladas pelosarts. 173. a 197. do CVM e pelo Regulamento CMVM n. 3/2006, de 11de Maio (80) e as transmisses dos chamados lotes de controlo accionista(sale of control, Beteiligungskauf, cessions de contrle, pachetti azio-nari di controllo) que originam uma problemtica de todo especfica,enquanto mecanismo de transmisso indirecta de empresas (81).

    Enfim, as aces podem ainda ser objecto de onerao designada-mente, mediante usufruto ou penhor (arts. 23. e 140. do Cdigo das Socie-dades Comerciais, arts. 81. e 103. do CVM) (82), de execuomormente,atravs de penhora (art. 328., n. 5, do Cdigo das Sociedades Comerciais,arts. 857., n. 1, 861.-A, n. 14, e 902., n. 1, do Cdigo de Processo Civil,art. 82. do CVM) (83), e de extino para alm da extino social, gra-as a uma pluralidade de eventos tais como, v. g., a remisso (art. 345. doCdigo das Sociedades Comerciais) e a amortizao de aces (art. 347. doCdigo das Sociedades Comerciais), a reduo de capital (arts. 94., n. 1,al. b), e 463. do Cdigo das Sociedades Comerciais), ou a exonerao descios (arts. 45., n. 1, e 105. do Cdigo das Sociedades Comerciais) (84).

    Os valores mobilirios: conceito, espcies e regime jurdico 115

    (80) Sobre as OPA voluntrias, vide GARCIA, A. Teixeira, OPA Da Oferta Pblicade Aquisio e seu Regime Jurdico, Coimbra Editora, 1995; sobre as OPA obrigatrias,PACHECO, P. Linhares, A OPA Obrigatria no Cdigo dos Valores Mobilirios, Diss.,Porto, 2004; sobre as OPA potestativas, ANTUNES, J. Engrcia, A Aquisio Tendente aoDomnio Total, Coimbra Editora, 2000. Noutros quadrantes, com interesse, KOULORIDAS,Athanasious, The Law and Economics of Takeovers, Hart, Oxford, 2008.

    (81) Sobre a figura, vide ANTUNES, J. Engrcia, A Empresa como Objecto de Neg-cios Asset Deals versus Share Deals, in: 68 Revista da Ordem dos Advogados(2008), 715-793.

    (82) MARTINS, J. Fazenda, Direitos Reais de Gozo e Garantia sobre Valores Mobi-lirios, in: AAVV, Direito dos Valores Mobilirios, 99-120, Lex, Lisboa, 1997. Nou-tros quadrantes, DELEBECQUE, Philippe, Nantissement et Saisie des Actions, in: 117 Revuedes Socits (1999), 599-605; FASQUELLE, Daniel, Le Nantissement des Valeurs Mobili-res, in: 48 Revue Trimestrielle de Droit Commerciale et conomique (1995), 1-37; FIO-RINA, Dominique, LUsufruit dun Portefeuille de Valeurs Mobilires, in: 94 Revue Tri-mestrielle de Droit Civile (1995), 43-67.

    (83) LOURENO, P. Meira, Penhora e Outros Procedimentos de Apreenso de Valo-res Mobilirios, in: AAVV, Direito dos Valores Mobilirios, vol. VI, 241-273, CoimbraEditora, 2006. Noutros quadrantes, CANNU, Paul Le, Saisie des Valeurs Mobilires, in: 388Petites Affiches (1999), 23-30; KUNST, Susanne, Zwangsvollstreckung in Wertpapiere,C. Heymanns, Kln, 2004.

    (84) Sobre a onerao, execuo e extino das participaes sociais, vide desen-volvidamente, entre ns, FONSECA, T. Soares, Penhor de Aces, 2. edio, Almedina,

    Revis

    ta da

    Facu

    ldade

    de D

    ireito

    da U

    nivers

    idade

    do P

    orto

  • V. Por fim, com as aces no se devem confundir outros valoresmobilirios tpicos que podem dar acesso a elas por exemplo, as obri-gaes convertveis e com direito de subscrio de aces (arts. 365.e 372.-A do Cdigo das Sociedades Comerciais) ou os call warrants(Decreto-Lei n. 172/99, de 20 de Maio), os quais, como veremos, cons-tituem uma espcie autnoma de valores mobilirios (art. 1., als. b) e e),do CVM) (85) ou os valores mobilirios atpicos, embora nominados,que as representam como o caso dos certificados de depsito (depo-sitary receipts), instrumentos negociveis representativos do registo oudepsito de aces emitidos pelas respectivas entidades depositrias(art. 231., n. 3, do CVM) (86). Questo complexa a de saber se, paraalm das aces das sociedades annimas e comanditrias, podero aindaser considerados valores mobilirios (atpicos) as fraces do capital deoutras formas empresariais: se tal hiptese parece afastada partida namaioria dos casos (v. g., as quotas ou partes sociais, insusceptveis de

    Jos A. Engrcia Antunes116

    Coimbra, 2007; GRALHEIRO, Joo, Da Usucapibilidade das Quotas Sociais, in: 59 Revistada Ordem dos Advogados (1999), 1137-1152; noutros quadrantes, APFELBAUM, Sebas-tian, Die Verpfndung der Mitgliedschaft in der Aktiengesellschaft, Duncker & Humblot,Berlin, 2005; ANDERS, Dietmar, Die Zwangsvollstreckung in Gesellschaftsanteile im deuts-chen und US-amerikanischen Recht, Gieseking, Bielefeld, 2001.

    (85) controversa na doutrina a qualificao dos ttulos provisrios (art. 304., n. 1,do Cdigo das Sociedades Comerciais, art. 96. do CVM), dos ttulos mltiplos (art.