Oscar Niemeyer

2
A s últimas entrevistas concedidas por Oscar Niemeyer foram em 2007, quando completou 100 anos de vida e participou de comemora- ções e homenagens em todo o Brasil e também em outros países. Nesses últimos três anos, o mestre da arquitetura moderna afastou-se da mídia, mas não do trabalho. Só em 2009, concluiu pelo menos dois projetos imponentes: uma torre em forma de cogumelo de 60 metros de altura, em Nite- rói – cidade localizada a 15 km do Rio de Janeiro – projetada para ficar a dez passos da baía de Guanabara e que pode ser avista- da a quilômetros de distância; e o prédio que abrigará a Biblioteca América do Sul-Países Árabes, em Argel, capital da Argélia. Poucos dias após conceder esta breve entrevista exclusiva e inédita, recebemos a notícia de que Oscar estava internado e que passaria por uma cirurgia. Foi a pri- meira de uma série de internações que o deixaram ainda mais debilitado. Forte de alma e espírito, o brasileiro ainda tem na agenda alguns projetos na fila de espera. É o caso do Museu Casa Pelé em Santos, cidade no litoral de São Paulo; o Porto da Música de Rosário, na Argentina; uma pra- ça em Brasília; um auditório em Ravello, na Itália; e um parque aquático em Postdam, na Alemanha. Respeitando seu cansaço e saúde debilitada, conseguimos que o mes- tre respondesse a quatro perguntas. As histórias, algumas já muito conhecidas e diversas vezes publicadas, ficaram de lado para dar lugar à objetividade de quem não quer perder mais tempo com bobagens. O passado ficou para trás. O que importa é o que se mantém em pé e será capaz de transformar o futuro. DA SIMPLICIDADE à GENIALIDADE Talvez, nenhum outro homem nascido no Brasil tenha sido tão bem sucedido em suas metas pessoais. Eram infinitos os sonhos de garoto que se tornaram cerca 500 tra- balhos produzidos a cada década de vida. Menções, premiações, reconhecimentos e honrarias por todo o mundo mostram o quanto grandes e poderosos homens se curvaram pessoal e moralmente diante do mestre da arquitetura moderna. Sim, moral- mente. Após mais de uma década de vivên- cias e experiências, manter-se na retidão de atitudes e pensamentos defendidos ao longo da vida é só mais um galardão que este brasileiro carrega. Carioca da zona sul, Oscar Niemeyer So- ares Filho nasceu em 15 de dezembro de 1907, no bairro das Laranjeiras. Formado em arquitetura e engenharia pela Escola ENTREVISTA Muitos grandes homens e mulheres saíram de Minas Gerais para ganhar o mundo. Mas ninguém foi tão longe quanto Oscar Niemeyer, o maior arquiteto moderno que o mundo já conheceu [ Por André Ciasca e Carla Ciasca ] o brasileiro Oscar, 20 | jornal da SBHCI edição especial

description

Reportagem sobre Oscar Niemeyer com entrevista exclusiva do arquiteto à take-a-coffee Comunicação para o Jornal da SBHCI, em 2010.

Transcript of Oscar Niemeyer

Page 1: Oscar Niemeyer

A s últimas entrevistas concedidas por Oscar Niemeyer foram em 2007, quando completou 100

anos de vida e participou de comemora-ções e homenagens em todo o Brasil e também em outros países. Nesses últimos três anos, o mestre da arquitetura moderna afastou-se da mídia, mas não do trabalho.

Só em 2009, concluiu pelo menos dois projetos imponentes: uma torre em forma de cogumelo de 60 metros de altura, em Nite-rói – cidade localizada a 15 km do Rio de Janeiro – projetada para ficar a dez passos da baía de Guanabara e que pode ser avista-da a quilômetros de distância; e o prédio que abrigará a Biblioteca América do Sul-Países Árabes, em Argel, capital da Argélia.

Poucos dias após conceder esta breve entrevista exclusiva e inédita, recebemos a notícia de que Oscar estava internado e

que passaria por uma cirurgia. Foi a pri-meira de uma série de internações que o deixaram ainda mais debilitado. Forte de alma e espírito, o brasileiro ainda tem na agenda alguns projetos na fila de espera. É o caso do Museu Casa Pelé em Santos, cidade no litoral de São Paulo; o Porto da Música de Rosário, na Argentina; uma pra-ça em Brasília; um auditório em Ravello, na Itália; e um parque aquático em Postdam, na Alemanha. Respeitando seu cansaço e saúde debilitada, conseguimos que o mes-tre respondesse a quatro perguntas. As histórias, algumas já muito conhecidas e diversas vezes publicadas, ficaram de lado para dar lugar à objetividade de quem não quer perder mais tempo com bobagens. O passado ficou para trás. O que importa é o que se mantém em pé e será capaz de transformar o futuro.

DA SIMPLICIDADE à GENIALIDADETalvez, nenhum outro homem nascido no

Brasil tenha sido tão bem sucedido em suas metas pessoais. Eram infinitos os sonhos de garoto que se tornaram cerca 500 tra-balhos produzidos a cada década de vida. Menções, premiações, reconhecimentos e honrarias por todo o mundo mostram o quanto grandes e poderosos homens se curvaram pessoal e moralmente diante do mestre da arquitetura moderna. Sim, moral-mente. Após mais de uma década de vivên-cias e experiências, manter-se na retidão de atitudes e pensamentos defendidos ao longo da vida é só mais um galardão que este brasileiro carrega.

Carioca da zona sul, Oscar Niemeyer So-ares Filho nasceu em 15 de dezembro de 1907, no bairro das Laranjeiras. Formado em arquitetura e engenharia pela Escola

ENTREVISTA

Muitos grandes homens e mulheres saíram de

Minas Gerais para ganhar o mundo. Mas ninguém

foi tão longe quanto Oscar Niemeyer, o maior arquiteto

moderno que o mundo já conheceu

[ Por André Ciasca e Carla Ciasca ]

o brasileiroOscar,‘‘

20 | jornal da SBHCI edição especial

Page 2: Oscar Niemeyer

A herança cultural e intelectual do mes-tre é administrada pela família. A neta Ana Lúcia foi a idealizadora da Fundação Oscar Niemeyer. Ainda entre os netos, Ana Elisa desenvolve e acompanha os projetos, Car-los Henrique faz as maquetes e Carlos Edu-ardo fotografa. Paulo Sérgio, um dos bis-netos, também é arquiteto e assume parte do legado do bisavô, com quem mora em Ipanema, no Rio de Janeiro. Foi com a aju-da dele que conseguimos esta entrevista.

Qual foi a primeira vez em que o senhor se imaginou um arquiteto?

Quando projetei a Igreja da Pampulha e ve-rifiquei que a minha ideia de uma arquitetura mais livre e criativa foi bem recebida. Senti que estava no caminho certo.

Por diversas vezes o senhor se mostrou, de certa forma, pessimista diante da vida. Como é possível um homem tão bem sucedido ser pessimista?

É claro que isso é possível. Sempre digo que a vida é mais importante que a arquitetura; que colaborar para um mundo mais justo de-veria ser o principal objetivo para todos.

uma vez, o senhor escreveu “minha posição diante do mundo é de invariável revolta”. De onde vem este sentimento? é algo que se mantém vivo no senhor?

Eu poderia dizer que das misérias do mundo decorre esse sentimento permanente de re-volta, embora reconheça que os momentos de felicidade que o mundo às vezes nos pro-porciona nos fazem sorrir um pouco. Hoje, aos 103 anos, o senhor é capaz de refletir e dizer qual o maior prazer que encontrou ao longo de sua vida?

Um deles é sentir que as respostas que hoje acabo de lhes dar seriam as mesmas que lhes daria 50 anos atrás, o que me agrada em particular.

QUATRO PERGUNTAS PARA O MESTRE

Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, em 1934, passou a frequentar o escritório do arquiteto Lucio Costa, famoso e de ex-trema importância na história da arquitetura brasileira dos anos de 1930. Suas ideias pouco convencionais para um arquiteto da-quela época – e muitas ainda o são para alguns profissionais de hoje – ganharam o espaço e o impulso que precisavam para abrir caminho para a criação de novos e grandes marcos da arquitetura. Foi naquela época que Niemeyer conheceu Charles-Edouard Jeanneret, o renomado arquiteto franco-suíço Le Corbusier, influência defi-nitiva em seu trabalho e trajetória de vida.

Entre as primeiras obras que surgiram em sua carreira está a construção do edi-fício do Ministério da Educação e Saúde, no centro do Rio de Janeiro, com um sis-tema de pilares de concreto que mantém o prédio “suspenso”, permitindo o trânsito livre de pedestres em seu vão. O prédio possui azulejos de Portinari, esculturas de Alfredo Ceschiatti e jardins de Burle Marx, reunindo características que o tornaram o primeiro grande marco da arquitetura mo-derna no Brasil. Foi apenas o começo.

Nas décadas seguintes, surgiram ami-zades e contatos que fortaleceram a ideia de Niemeyer de desenhar com traços mais livres e modernos. E as encomendas come-çaram a aparecer. Uma delas veio do então prefeito de Belo Horizonte, em Minas Ge-rais, Juscelino Kubitschek. Niemeyer dese-nhou um conjunto de edificações conhecido como Conjunto Arquitetônico da Pampulha. De acordo com Niemeyer, este foi o grande divisor de águas em sua carreira.

Oscar Niemeyer afirma que ao projetar

balho deste arquiteto visionário sugerem um homem grande, forte, com todo o di-reito de ser esnobe com quem e quando quiser. Mas ele não é assim. Oscar Nie-meyer é um homem baixo, de fala con-tida e que se declara desinteressado de suas conquistas e glórias terrenas. Esta é a descrição que o jornalista brasileiro e recifense Geneton Moraes Neto fez após seu último contato com o arquiteto, em 2004. Passaram-se cinco anos. Em 2007, Niemeyer completou um século de vida, foi comemorado e homenage-ado em sessões das quais participou perfeitamente lúcido e ativo. Recebeu a mais alta condecoração do governo francês pelo conjunto de sua obra: o título de Comendador da Ordem Na-cional da Legião de Honra. No mesmo ano, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional decretou o tomba-mento de 35 obras de Oscar Niemeyer, a maioria foi selecionada pelo próprio arquiteto. Hoje, sua atitude é a mesma de 2004. Niemeyer não se acanha em demonstrar enfado e pessimismo diante da vida e da humanidade. Não se trata de uma crítica, mas de um elogio que revela a retidão, a lucidez e a coerên-cia do homem centenário em relação ao jovem arquiteto que fazia declarações semelhantes há mais de meio século, ao escrever que sua “posição diante do mundo é de invariável revolta”.

Apesar de ser carioca,

Niemeyer tem seu coração em Minas.

Ele é o criador de quase todos

os cartões postais de Belo

Horizonte

‘‘

‘‘a Igreja da Pampulha, e durante a obra, percebeu, pela primeira vez, que estava no caminho certo. Suas ideias e concei-tos não eram tão absurdos quanto alguns comentavam. Pelo contrário, eram traços bem aceitos que demonstravam que a ar-quitetura livre e criativa era possível. Nie-meyer não parou mais de projetar obras de arquitetura, de arte e da humanidade que se tornariam cartões-postais. A lista é imensa. Parque do Ibirapuera e o Edifício Copan, em São Paulo; o Sambódromo do Rio de Janeiro; e, claro, Brasília, a capital do país, outra encomenda do amigo Jus-celino. Enquanto arquitetos projetam casas e edifícios, Niemeyer projetou uma cidade inteira. Ao sobrevoar a capital do Brasil, ainda hoje, Niemeyer se pergunta como foi possível, em apenas três anos, erguer uma cidade em um lugar onde não havia nada.

Em 1965, suas convicções político-partidárias o levaram ao exílio, quando instalou-se em Paris, na França, onde viveu por mais de 15 anos, durante todo o pe-ríodo da ditadura no Brasil. No exílio, sua estrela brilhou acima de todas. Na França, ele projetou a sede do Partido Comunista Francês, a Bolsa de Trabalho de Bobigny, o Centro Cultural Le Havre, e mais uma série de trabalhos pela Europa, como a Editora Mondadori, na Itália. Suas obras se esten-deram a Portugal, Alemanha, Inglaterra, Noruega, Argélia, Israel... A lista é longa.

O currículo e a grandiosidade do tra-

jornal da SBHCI edição especial | 21

Edifício Niemeyer, inaugurado em 1955, é umas das obras

mais antigas do arquiteto

A Cidade Administrativa Presidente Tancredo Neves, inaugurada em março de 2010, é a mais recente obra

de Niemeyer inaugurada em Belo Horizonte

Foto

s D

ivul

gaçã

o