Ouse Ser Firme

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OUSE SER FIRME

Traduzido do original em inglês:

Dare to Stand Alone

1ª ed. Em português – 1996

Editora Fiel

Da Missão Evangélica Literária

CONTEÚDO

1 – MONTANDO O CENÁRIO

2 – A CAMINHO DE BABILÔNIA

3 – O SONHO DE NABUCODONOSOR

4 – A FORNALHA ARDENTE

5 – A OCASIÃO DE NABUCODONOSOR

6 – COMO PERDER-SE

7 – NA COVA DOS LEÕES

8 – UM INTERVALO

9 – A VISÃO DOS QUATRO ANIMAIS

11 – UMA GRANDE ORAÇÃO

12 – UM VELHO TEM UMA VISÃO

13 – DEUS É O SENHOR DA HISTÓRIA

14 – ANTÍOCO EPIFÂNIO

15 – O FIM

Introdução

"Este livro é para aqueles que gostariam não apenas de ler, mas também de apreciar o livro de Daniel. Se você deseja saber a respeito de todas as teorias enfadonhas que os estudiosos inventaram, terá de procurá-las em outro lugar. Se quiser provas de que o livro de Daniel foi escrito no sexto século A.C., e não no segundo, como muitos escritores atuais afirmam, seu ponto de partida deve ser a obra de E. J. Young, “A Commentary on Daniel”. Este livro não examina tais assuntos. Seu alvo é muito mais direto. É estimulá-la a ler Daniel pelo valor do próprio livro e ver que sua mensagem é para o nosso tempo.

Daniel é basicamente um livro muito fácil de entender. Seus primeiros seis capítulos são narrativos. Após estes, há seis capítulos repletos de símbolos e aparentemente misteriosos, sobre os quais tem havido grande controvérsia, mas que, de fato, não são tão difíceis. O livro inteiro é bastante prático – especialmente para crentes que se encontram solitários, mesmo estando entre colegas de escola, ou de trabalho, ou entre seus familiares e amigos.

Que o próprio Deus de Daniel nos abençoe, enquanto perscrutamos sua santa Palavra!

Stuart Olyott

1 – MONTANDO O CENÁRIO

Há muito tempo, Deus escolheu um homem, Abraão, e prometeu que através dele e de sua semente todas as famílias da terra seriam abençoadas.

O Panorama Histórico

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Abraão, o homem escolhido por Deus, se tornou uma família, e a família, uma nação. Finalmente, a nação desceu ao Egito, onde permaneceu por quatrocentos anos. Depois, saiu. Você já ouviu a respeito das pragas do h rito, da Páscoa e da travessia do Mar Vermelho. Por quarenta anos, a nação, guiada por Moisés, vagou no deserto, onde recebeu a lei de Deus e as instruções acerca do tabernáculo, dos sacrifícios e do sacerdócio. Quando as peregrinações no deserto terminaram, os israelitas entraram na terra prometida, sob a liderança de Josué; e, antes de sua morte, a terra foi conquistada, em grande parte, e dividida entre as doze tribos.

Isto foi seguido pela época dos juízes, homens a quem Deus levantou para livrar a nação de sucessivos conquistadores. Veio então, o período dos reis. O primeiro foi Saul, seguido por Davi, Salomão e Reoboão. Todos estes governaram sobre um reino unido, formado por doze tribos.

Logo após o início do reinado de Reoboão, a nação se dividiu em duas. Ao norte ficou o reino de Israel (ou Efraim), e ao sul, o reino de Judá. O reino do norte compunha-se de dez tribos, e sua capital era Samaria. O do sul era constituído por duas tribos; sua capital era Jerusalém. No início, os dois reinos eram inimigos. A isto, seguiu-se um período de amizade, mas tornaram-se inimigos novamente.

Houve várias dinastias no norte, porém nenhum monarca temente a Deus se assentou no trono. Finalmente, Deus castigou o reino do norte, tendo antes condenado sua apostasia, várias vezes, por intermédio de seus profetas. Os exércitos da poderosa Assíria vieram do norte e, em 722 A. C. , Samaria caiu. As dez tribos de Israel foram levadas em cativeiro e, com o tempo, perderam sua identidade como povo de Deus.

O reino do sul permaneceu por mais cem anos. Todos os seus reis pertenceram a uma mesma dinastia; eram descendentes de Davi. A vida da nação foi de crescente apostasia. Todavia, alguns reis foram tementes a Deus, e houve diversos períodos de grande despertamento espiritual. Em 609 A.C., Jeoaquim subiu ao trono. Seu governo nada fez para deter a idolatria e a imoralidade prevalecentes; pelo contrário, aumentou-as. Os profetas advertiram que, se não houvesse arrependimento, haveria julgamento, mas seus avisos não foram atendidos.

De além do horizonte, em 605 A.C., veio Nabucodonosor. Durante os vinte e três anos seguintes, em quatro estágios sucessivos, transportou quase todo o povo de Judá para Babilônia. Às margens dos rios de Babilônia, os judeus se assentavam e choravam, quando se lembravam de Sião, e perguntavam como haveriam de entoar o cântico do Senhor em terra estranha (Sl 137.1,4).

O povo não quis ouvir as advertências de Deus e estava agora à mercê de seus inimigos. No entanto, dentro da nação apóstata, existira um pequeno grupo de pessoas que mantinham-se fiéis a Deus, como haviam predito os profetas. Este minúsculo remanescente fiel existiu também durante os setenta anos do cativeiro, amando a Deus e vivendo para agradá-lo, até mesmo na longínqua Babilônia. É verdade que a nação, como um todo, eliminou a idolatria de seu meio. Mas o amoroso relacionamento com Jeová fora uma experiência que poucos desfrutaram. Após o exílio, o remanescente se tornou cada vez menor, havendo ocasião em que consistia apenas de Zacarias e Isabel, Maria e José, Simeão e Ana, e alguns pastores. Ninguém mais, na Judéia, estava pronto para receber a Semente prometida de Abraão. Ninguém mais reconheceu a Luz que viera a fim de iluminar os gentios; ninguém reconheceu a Glória de Israel, o povo de Deus.

Nos dias do cativeiro, este remanescente era representado por Daniel, Hananias, Misael e Azarias (Dn 1.6). Apenas quatro luzes, e mais algumas, brilhavam na escuridão espiritual daqueles dias. Somente algumas pessoas permaneciam fiéis a Deus. Numa época em que ninguém mais se importava, Deus e sua Palavra continuavam a ter importância para este pequeno grupo.

Deus não se interessa muito por números, mas insiste em que nunca ficará sem testemunhas. A verdadeira religião continua ininterrupta no mundo, mas raramente seus seguidores são muitos. Na Babilônia, Deus se contentou em ter seu verdadeiro Israel reduzido a um pequeníssimo grupo de pessoas. Os primeiros seis capítulos de Daniel nos contam como este minúsculo remanescente permaneceu fiel a Deus em um ambiente hostil.

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A Lição Principal

A sentença anterior nos traz à principal lição deste livro. Daniel nos revela como podemos permanecer fiéis a Deus em um ambiente hostil. Mostra-nos como viver para Deus, quando tudo está contra nós. De suas páginas, aprendemos como entoar o hino do Senhor em uma terra estranha. Daniel e seus três companheiros conseguiram; nós também podemos.

É possível uma pessoa viver para Deus quando as circunstâncias lhe são totalmente contrárias. Noé, Abraão, Moisés e Davi foram homens tementes a Deus, mas a Palavra de Deus registra que cada um deles, em determinada ocasião, cometeu uma falta grave. Cada um deles tem pelo menos uma mácula em seu caráter, e alguns deles mais que uma. A Bíblia não esconde os erros de seus principais personagens, nem pretende apresentá-los melhores do que realmente foram. Porém, o mesmo livro não registra qualquer mancha no caráter de Daniel. Espiritualidade e integridade de caráter não exigem condições ideais para se desenvolverem. Não são plantas que se desenvolvem sob a proteção da estufa, mas crescem melhor quando expostas à neve, ao vento, ao granizo, à seca e ao sol escaldante.

Pense nisto! Um garoto de quatorze anos (era esta sua idade) foi tirado de sua casa, família e amigos e forçado a marchar até uma terra estranha. Ali, foi submetido a uma poderosa e sutil forma de instrução, sobre a qual receberemos algumas informações. Anos mais tarde, foi cercado por inimigos invejosos, que conspiraram contra sua vida. Em tempo algum Daniel esteve livre da tentação de buscar a prosperidade material e pessoal às custas de afastar-se de Deus. Esteve rodeado pelo mal, na juventude, na maturidade e na velhice. Quase não há tentação conhecida que ele não tenha enfrentado. Entretanto, as Escrituras não registram uma única mancha em seu caráter!

Propôs em seu coração que agradaria a Deus e nunca apartou-se deste propósito. E possível, sim, vivermos para Deus em um mundo hostil. A verdadeira santidade pode desenvolver-se e florescer diante de condições não-ideais.

Pouquíssimos de nós enfrentamos as dificuldades que Daniel enfrentou. Ao pensar em dificuldades, normalmente nos lembramos apenas das nossas. Convencemo-nos de que todos os demais têm vida fácil e que faríamos mais progresso espiritual se estivéssemos em alguma outra situação. O operário pensa que a secretária tem maior facilidade para viver a vida cristã; a secretária está convencida de que a vida cristã é mais fácil para a dona de casa. A dona de casa acha que o estudante encontra poucas dificuldades para desenvolver sua vida cristã; o estudante anseia pelo dia em que enfrentará o desafio comparativamente mais fácil do trabalho na fábrica. E o ciclo continua. Cada um de nós imagina que ninguém tem dificuldades tão grandes quanto as nossas. Justificamos no nosso medíocre padrão de vida cristã, apontando para as circunstâncias em que nos encontramos. O livro de Daniel nos denuncia completamente. Prova que a verdadeira espiritualidade nunca dependeu de circunstâncias fáceis.

Qual era o segredo de Daniel?

É simples. Antes de interpretar o sonho de Nabucodonosor, o que Daniel fez? Orou (2.17-19). O que ele estava fazendo, quando houve a conspiração que resultou em ser lançado na cova dos leões? Estava orando (6.10). Qual o assunto do capítulo 9? Daniel em oração. Era um homem de oração. Uma adequada vida de oração é uma parte do segredo de permanecer fiel a Deus, em um mundo hostil.

A outra parte do segredo é bem simples. No capítulo 9 encontramos Daniel examinando e entendendo os “livros” (v.2). Quais livros? Os livros proféticos do Velho Testamento, os que haviam sido escritos até aquela data. Nos versos 11 e 13, vemos Daniel se referindo à “lei de Moisés”. Daniel lia e conhecia a Bíblia. Seu segredo é fácil de definir, mas nem sempre fácil de praticar. Ele permaneceu firme servindo a Deus em um mundo hostil, porque lia sua Bíblia e orava!

A prática destas verdades simples precisa ser enfatizada hoje. Pensa-se, muitas vezes, que o segredo da vida cristã jaz em termos uma nova e excepcional experiência com Deus. Palavras

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diferentes são usadas por diversas pessoas, mas a ideia é, em geral, muito semelhante. É ensinado que uma nova experiência com Deus me conduzirá a um nível mais elevado do que aquele em que vivo agora. Se apenas eu tiver esta nova experiência, jamais serei o mesmo. Todas as minhas forças devem ser dedicadas à procura desta vida mais elevada, e não devo descansar até que esta nova experiência seja minha.

Daniel teve maravilhosas experiências com o Senhor, mas não as procurou. Ele buscava a Deus pela excelência de Deus, e não pelo que Deus poderia fazer por ele. Daniel gostava de estar com o Senhor, discernindo sua vontade, através da Palavra, e de ter comunhão com Ele em oração. Enfatizamos novamente: seu segredo era simples demais para não ser percebido – lia a Bíblia e orava.

Este foi também o segredo dos primeiros mártires cristãos, dos perseguidos durante a Reforma, dos zelosos evangelistas e de seus sucessores. Este foi o segredo dos grandes missionários pioneiros que viveram no século passado. Estavam convictos de que “o povo que conhece ao seu Deus se tornará forte e ativo” (11.32). Como Daniel, viviam em dois mundos e, frequentemente, contemplavam aquele mundo que interfere nos afazeres deste. Tornaram-se amigos de Deus e muito amados (10.19) nos céus. Este era seu segredo! Sabendo isto, estudemos agora o livro de Daniel e aprendamos como permanecer firmes.

2 – A CAMINHO DE BABILÔNIA

Leia Daniel l

O primeiro capítulo de Daniel, assim como o último, é breve. É uma narrativa simples e direta, para nos ensinar inicialmente uma lição que não deveríamos esquecer. O capítulo se divide em quatro partes.

A Expedição de Nabucodonosor Contra Jerusalém

Os primeiros dois versículos nos contam sobre a expedição de Nabucodonosor contra Jerusalém. É importante lembrar que não estamos lendo uma fábula. Estamos lidando com a história, com eventos que realmente aconteceram.

Em 605 A.C., ano em que Nabucodonosor se tornara rei de Babilônia, ele marcha contra Jerusalém. Ele a sitia. Derrota-a, invade-a e leva para Babilônia as coisas e pessoas que deseja. No entanto, não deporta o rei. Jeoaquim permanece, como seu rei-fantoche, pelos oito anos seguintes. Depois disto, se rebelará e o poder lhe será tirado.

Porém, Nabucodonosor traz à Babilônia diversos cativos e uma grande parte dos tesouros do templo. Jerusalém fica intacta, mas o templo é saqueado. Isto não foi por acidente. Tal como todos os eventos históricos, este também foi obra do Senhor. Por muito tempo os judeus haviam confiado no templo e não no Senhor, que diziam louvar ali. Apesar das advertências dos profetas, haviam crido que a própria existência do templo lhes garantiria imunidade a qualquer ameaça de invasão. “Enquanto tivermos o templo, estaremos seguros”, eles proclamavam. “Você crê que Jeová permitirá que seu templo seja destruído? Claro que não! Quando o templo for ameaçado, Ele certamente virá em nosso socorro.”

Crendo nisto, a nação havia continuado em seu pecado. A idolatria, a imoralidade e a injustiça continuaram ininterruptamente. A mentira e o roubo aumentaram sem restrições. Estavam certos de que, não importando como vivessem, o templo os salvaria. Mas não os salvou. O templo estava agora em ruínas. Um rei pagão levara aos seus cofres e à casa de seu deus os tesouros do templo. Através destes acontecimentos, Deus demonstrou que não toleraria o pecado, onde quer que fosse encontrado. Teria feito cessar o seu furor, se o povo se tivesse voltado a Ele. Mas confiar no templo não era substituto para o arrependimento.

Deus reina, quer seu templo exista, quer não. Permanece Deus, aconteça o que acontecer na terra. De fato, as coisas acontecem na terra porque Ele é Deus. “O Senhor lhe entregou nas mãos a

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Jeoaquim, rei de Judá” (v.2). Deus está controlando perfeitamente a história, sendo capaz de implementar suas ameaças. A cidade conquistada, o templo saqueado, os tesouros transportados e os cativos a chorar tudo isso foi obra dele, destinadas a cumprir seus propósitos. A experiência de seu povo foi a derrota, a ruína e a destruição. Contudo, Ele permaneceu invencível, operando em e através de tudo.

Daniel e seus Três Companheiros são Apresentados

Com este cenário diante de nós, os versículos 3 a 7 agora nos apresentam os principais personagens do livro.

Nabucodonosor era brilhante. Era um gênio, e por demais sutil para cair no mesmo erro de Faraó, que havia oprimido os hebreus no Egito. Você se lembra que Faraó tratara os hebreus com ampla maldade, tornando-os escravo, afligindo-os e colocando-os sob seu cruel domínio.

Há sempre um alto risco de que pessoas tratadas desta maneira se revoltem. Isto Nabucodonosor queria evitar. Babilônia estava conquistando o mundo. Logo, o número de conquistados seria muito maior do que os conquistadores. Seria militarmente impossível para Babilônia sustentar um regime opressivo através do mundo conhecido. Simplesmente havia povos demais para serem oprimidos, e poucos soldados para fazê-lo. Um outro meio teria de ser achado, a fim de que as nações conquistadas fossem mantidas leais ao império.

O método de Nabucodonosor era deportar a nobreza de cada nação conquistada e integrá-la no serviço público de Babilônia. Deste modo, as várias partes de seu crescente império eram governadas pelos cativos. Aqueles que se rebelassem teriam de fazê-lo contra seu próprio povo, talvez contra seus próprios filhos.

Nabucodonosor utilizou este método quando conquistou Judá (v.3). Ele instruiu a Aspenaz, “chefe dos seus eunucos” (isto é, o oficial-chefe do seu serviço público), a tomar os melhores da juventude de Judá e colocá-los em lugares de responsabilidade. Deveriam entrar em seu serviço real e na crescente administração. Deveriam andar pelos corredores do poder. Aspenaz deveria achar os possíveis candidatos entre a realeza e a nobreza da nação judaica.

Alguns afirmam que Nabucodonosor fez estes jovens tornarem-se eunucos, mas isto não pode ser verdade, pois o versículo 4 nos mostra que deveriam ser inteiramente sem defeito. Este versículo também nos diz que deveriam ser de boa aparência, inteligentes, versados em todos os ramos do conhecimento, bem informados e aptos para tomar parte no serviço pessoal do rei. Nabucodonosor deveria ter somente o melhor!

Uma vez selecionados, estes jovens deveriam ingressar num abrangente programa de reeducação, onde particular importância fosse dada a um completo aprendizado da língua e literatura dos babilônios. Nada que os distraísse de seus estudos seria permitido. Além da língua e da literatura, por três anos receberiam lições de matemática, ciência, navegação, política, história e geografia; realmente, todo o conhecimento babilônio seria instilado em suas jovens mentes. Não precisariam se preocupar com sua comida e bebida. Esta lhes seria preparada e servida exatamente como se fossem membros da família real (v.5).

Quantos estudantes, que estão lendo este livro, abandonaram seus estudos porque, morando em quartos alugados, tinham de comprar sua própria comida e preparar suas refeições! Daniel, Hananias, Misael e Azarias não enfrentaram este problema. Tinham de pensar somente em seus estudos. Deveriam até mesmo esquecer que eram judeus, a fim de tornarem-se babilônios. Deveriam esquecer que eram servos de Deus, e tornarem-se servos de um rei terrestre.

Isto explica o versículo 7. Era parte da política babilônica mudar os nomes de todos os selecionados para a reeducação e treinamento especial. Daniel (que significa “Deus é meu juiz”) foi chamado de Beltessazar (“Guarda dos segredos ocultos de Bel”). Hananias (“Jeová é gracioso”) recebeu o nome de Sadraque. Não sabemos o que significa este nome, mas contém o nome da divindade pagã Marduque. Misael (“Quem é semelhante a Deus?”) passou a ser chamado de

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Mesaque, um nome que contém uma das antigas formas do nome da deusa Vênus. Azarias (“Jeová auxilia”) tornou-se Abede-Nego (“o servo de Nego”).

Quando olhamos os quatro nomes originais, vemos que dois deles terminam em “El”, que indica um dos nomes de Deus, e dois terminam em “ias”, uma versão abreviada de “Jeová”. Estes nomes foram alterados pelos babilônios para outros, que se referiam às divindades pagãs de Bel, Marduque, Venus e Nego. Os quatro rapazes deveriam ter cerca de quatorze anos de idade quando seus nomes foram mudados, pois esta era a Idade em que os babilônios introduziam os jovens em seu programa de reeducação. Não teriam descanso até que tive sem completo domínio de tudo que se exigia deles. Isto levaria três anos. Afastados de seus lares, instruídos a esquecer seu Deus e intensivamente reeducados numa cultura pagã, o que aconteceria a estes jovens rapazes? Permaneceriam fiéis ao seu Deus e ao que sabiam ser correto? Ou sucumbiriam?

Teriam eles enfrentado outro tipo de pressão? Será que, ao saírem em marcha, alguns dos judeus se alegraram e disseram: “O cativeiro não será tão mau para eles. O rei fará algo por nossos jovens. Eles serão alguém”?

Sim, os jovens seriam alguém, mas correndo o risco de perderem sua identidade como filhos de Deus. Resistiriam eles à pressão? Pode o cristão hoje permanecer firme, quando a mídia e a sociedade em geral bombardeiam sua mente dia e noite, colocando-o sob pressão para mudar sua maneira de pensar? Pode ele lembrar-se de seu privilegiado status de filho de Deus e viver dignamente, quando tudo ao seu redor o está forçando a pensar em outras coisas?

A Posição Ocupada por Eles

O que aconteceu depois encontra-se nos versículos 8 a 16. Para entendê-los devemos recordar por que, afinal, os judeus estavam sendo levados em cativeiro. A nação inteira se encontrava em um baixo nível espiritual e moral. Seu maior pecado era a idolatria. O exílio era um castigo por todos os pecados da nação, mas por este em particular. O povo deveria permanecer em Babilônia até que a idolatria fosse abandonada para sempre. Entre os erros cometidos pelos judeus no período pós-exílico, lia se inclui a idolatria. O exílio os havia curado para sempre. Mas, por ocasião do exílio, a idolatria fazia parte da vida da nação, e o que distinguia o remanescente fiel de todos os outros judeus era sua recusa inflexível de participar de qualquer forma de idolatria.

Imagine, então, estes quatro rapazes iniciando sua reeducação. São informados de que, ao invés de prepararem sua própria comida, serão alimentados da mesa real. A razão por que recusaram a comida real não foi as leis alimentares judaicas. Poderiam, ao menos, tomar vinho, pois nenhuma lei alimentar judaica o proibia. A razão para sua recu a foi que a comida da mesa real era oferecida a ídolos, antes de ser posta à mesa. Cada refeição, no palácio real de Babilônia, se iniciava com um ato de adoração pagã. Aqueles jovens mostraram-se muito mais diligentes, quanto a isto, do que muitos cristãos hoje sobre o dar graças antes de comer. Nada se comia ou se bebia antes que fosse dedicado a certos deuses pagãos. Considerava-se que aqueles que comiam o alimento haviam participado nos ritos pagãos. Foi precisamente por se recusarem a comprometer-se com a idolatria que os quatro rapazes fizeram parte do remanescente fiel. Se não se envolveram antes com a idolatria, não seria agora que o fariam.

“Mas Daniel, você não está sendo um tanto exagerado?” Isto é o que muitos diriam hoje. “Por que criar um caso sobre uma coisa tão pequena como comer alimento oferecido aos ídolos? Você perderia sua cabeça por recusar a comida da mesa real. Por que não colocar os escrúpulos de lado? Pense na influência que você pode exercer, encontrando-se no serviço público de Babilônia. Talvez você possa chegar ao auge. Não seria maravilhoso para um dos filhos de Deus estar nesta posição social? Com esta atitude, você está pondo em risco sua própria vida. Mesmo que não perca a cabeça, provavelmente você terminará em uma masmorra. Certamente jamais chegará ao topo, se não obedecer as instruções do rei.”

A resposta de Daniel, e de cada um de seus três companheiros, foi: “Não! Não comerei, e me absterei de qualquer aparência do mal. Embora signifique grande perigo pessoal e possa custar-me a

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vida, é melhor apodrecer em uma masmorra ou morrer executado a associar-me à idolatria. Prefiro a morte do que pecar, ainda que um pouco”. Este é o espírito a que nos referimos quando dizemos: “Ouse ser como Daniel!”

Naturalmente, não devemos ter a impressão que Daniel foi mal-educado, ao ter recusado a comida real. A linguagem do versículo 8 demonstra cautela: “Resolveu Daniel firmemente não contaminar-se com as finas iguarias do rei, nem com o vinho que ele bebia; então pediu ao chefe dos eunucos que lhe permitisse não contaminar-se”. Foi ao chefe dos eunucos e apresentou-lhe seu caso. Permaneceu firme em seus princípios, mas foi gentil e cortês quando pediu para ser eximido de sua obrigação de comer o alimento.

A absoluta integridade de Daniel lhe conquistara o favor do chefe dos eunucos (v.9), mas este, naturalmente, estava um pouco preocupado com sua própria vida. “Veja, Daniel, se vocês não se tornarem aquilo que o rei deseja, serei responsabilizado por isso.”

O caráter de Daniel é visto no fato de não ter ele desistido. Não voltaria atrás. Nos versículos 11 a 14 vemo-lo dirigir-se ao cozinheiro-chefe, o oficial inferior ao chefe dos eunucos, solicitando: “Experimenta, peço-te, os teus servos dez dias; e que se nos deem legumes a comer e água a beber”.

Legumes não parece ser algo apetitoso! Realmente, era uma mistura de verduras e frutas frescas. Daniel estava requisitando uma constante dieta de salada, sem importar-se quão frequentemente se alimentaria. Qualquer coisa seria melhor do que alimentos que estivessem associados a adoração aos ídolos.

“Experimente-nos dez dias; não beberemos vinho, somente água.” Este exemplo é digno de nossa sena consideração. Daniel era sábio, discreto, gentil e sensível. Mas também era firme.

Os versículos 15 e 16 nos contam o efeito desta monótona dieta. Os jovens nada sofreram por absterem-se das finas iguarias da mesa real. Após dez dias, houve uma notável melhora em suas aparências, e também mostravam-se mais sadios. Em todos os aspectos estavam melhores que os outros jovens que desfrutaram da dieta prescrita pelo rei.

Isto nos ensina que ninguém perde coisa alguma quando se recusa a comprometer sua fé. O chefe dos eunucos sentiu-se inteiramente tranquilo e permitiu que os rapazes continuassem na dieta que haviam escolhido. Ninguém fora ofendido. Porém, nem Daniel nem seus três companheiros se haviam acomodado. Foram fiéis no pouco, e isto seria o início para serem fiéis no muito.

Se Daniel não permanecesse firme nesta ocasião, teria como se mostrar firme depois, quando ameaçado com a morte, na cova dos leões? Se seus três companheiros tivessem se comprometido no início de suas vidas, em Babilônia, como reagiriam ao serem confrontados com a fornalha ardente? Por terem honrado a Deus em uma coisa pequena, puderam honrá-lo também diante de questões mais importantes. Pessoas caem em pecados sérios somente porque aprenderam a tolerar pecados menores.

O Resultado

O resultado imediato de sua ação corajosa e espiritual é registrado nos versículos 17 a 21. Eles colocaram Deus acima de todas as outras considerações. Por sua vez, Ele os honrou e despertou em suas vidas dons que nem imaginavam possuir.

Isto acontece frequentemente. Conheci um homem, há anos, que era totalmente analfabeto. Não podia ler sequer uma palavra. Quando o Senhor o salvou, concluiu que poderia melhor andar com Deus se pudesse ler a sua Palavra. Com considerável perseverança e grande esforço pessoal, aprendeu a ler. Fazendo isto, descobriu (para seu deslumbramento) que tinha uma inteligência bem aguçada. Tornou-se um ávido leitor e conseguiu um emprego como carteiro. Em anos recentes, tornou-se um pastor. Desde sua infância, todos lhe diziam que nada realizaria. Quando colocou a Deus em primeiro lugar e decidiu agradá-lo, subitamente descobriu que tinha dons que nem ele nem ninguém havia imaginado possuir.

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Foi exatamente isto o que aconteceu a Daniel, Hananias, Misael e Azarias. Puseram Deus em primeiro lugar e se aplicaram nos estudos. Foram abençoados com sabedoria.

Já aconteceu algo semelhante em sua própria experiência? Você viu alguma coisa que precisava ser feita, e, somente por causa do Senhor, começou a realizá-la. Fazendo isto, descobriu que possuía dons, os quais desconhecia inteiramente. Percebeu, por exemplo, que tinha uma propensão para administrar ou que poderia liderar facilmente os jovens. Os dons vieram à tona em sua vida simplesmente porque você colocou Deus em primeiro lugar; e, frequentemente, a descoberta destes dons ajudaram-no a aprimorar-se em seu próprio trabalho. Esta experiência não é, de modo algum, diferente da que é descrita em Daniel 1. Daniel certamente tinha outro dom que se destacará neste livro, e a primeira menção dele ocorre no versículo 17.

Assim, finalmente, o curso de três anos terminou. Era hora dos exames finais. Como nas universidades britânicas em dias passados, estes exames não eram escritos, mas orais: Os estudantes apresentaram-se ao rei, que, pessoalmente, examinou a cada um e deu seu parecer. Sua avaliação de Daniel, Hananias, Misael e Azarias é preservada para nós nos versículos 19 e 20. Eram melhores que todos os outros estudantes. Porém, isto não é tudo. Mostraram-se mais cultos que os graduados que já haviam concluído seus estudos e agora ocupavam posições de liderança no império. De fato, dez vezes mais sábios! Como resultado, cada um dos quatro foi colocado em um alto cargo, onde poderiam usar sua influência para Deus. O Senhor poderia confiar-lhes tal posição, pois haviam demonstrado que, diante de qualquer circunstância, mesmo em perigo de vida, ser-lhe-iam fiéis. Daniel permaneceria nesta posição por setenta anos (v.21).

Muitos crentes anseiam por posições mais altas, onde podem ter mais influência espiritual. Professores querem ser diretores, balconistas querem tornar-se gerentes, sócios de sindicato esperam tornar-se representantes de classe. “Se eu apenas estivesse naquele cargo”, pensam eles, “que influência poderia exercer para o Senhor!”.

Se não vivermos para Deus agora, nenhum de nos poderá fazer com que uma posição mais elevada se torne valiosa para Ele. Se não estamos dispostos a permanecer firmes e comprometidos com Ele em pequenas coisas, como o faremos quando estas forem grandes? E possível ser fiel no muito, sem primeiro ter sido fiel no pouco? Se não podemos resistir a tentações comparativamente pequenas, o que faremos quando estas forem intensificadas?

O ensino central deste capítulo pode ser resumido em uma frase: “Aos que me honram, honrarei” (1º Sm 2.30).

3 – O SONHO DE NABUCODONOSOR

Leia Daniel 2

Encontramo-nos, então, no século VI A.C. Como castigo por seus pecados, especialmente a idolatria, os judeus estão cativos em Babilônia. Deus os advertira repetidamente, e não O ouviram. Mas, em meio à nação apóstata, há ainda alguns que Lhe são fiéis; quatro destes agora ocupam importantes e influentes posições no serviço público de Babilônia. São os principais personagens do livro de Daniel. Neste capítulo, vemos como este remanescente piedoso foi, não apenas preservado, mas elevado a uma posição de grande influência na Babilônia pagã. Parecia certo que o verdadeiro Israel de Deus seria eliminado. Parecia certo que o pequeno grupo que se apegava à sua verdade seria destruído. Mas o remanescente de Deus é objeto de seu cuidado especial, e Ele governa a história para proveito deles. Isto é o que veremos agora.

O Que Nabucodonosor Viu?

Os primeiros treze versículos do capítulo 2 nos contam três coisas que o rei Nabucodonosor viu. A primeira foi um sonho, que ele se recusou a relatar ou descrever. Nabucodonosor havia se deitado, pensando sobre o futuro. Era ele o cabeça de um imenso império; e era bem natural que, como último pensamento do dia, houvesse conjecturado a respeito do que aconteceria no futuro (v.29). Isto aconteceu no segundo ano de seu reinado.

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Como sabemos, muitas vezes as coisas que passam por nossas mentes durante o dia, especialmente quando vamos dormir, são aquelas sobre as quais sonhamos. Mas o sonho de Nabucodonosor foi incomum. Foi dado por Deus. Sua vivacidade era particularmente intensa, e o rei ficou apavorado. Frequentemente, quando alguém tem um pesadelo, acorda de repente, e a impressão de seu sonho continua. No entanto, logo desaparece. Não aconteceu assim com Nabucodonosor! Agitado em espírito, acordou e não conseguiu esquecer o sonho. O sono se fora, e Nabucodonosor jazia apavorado no leito real.

Imediatamente, convocou as pessoas que acreditava poderem interpretar seu sonho e esclarecer seu significado (v.2). Em sua corte, ele possuía todo tipo de “agregado”: os adivinhadores, os mágicos, os astrólogos, os feiticeiros e um grupo especial de pessoas chamadas de “caldeus”, que não devem ser confundidos com a nação que tinha o mesmo nome. Narrou-lhes sua agitação de espírito e seu desejo de saber o significado do sonho (v.3). O sonho o perseguia. Não pôde tirá-lo de sua mente.

Do versículo 4 até o fim do capítulo 7, o livro de Daniel está escrito em siríaco, mais conhecida como língua caldeia ou aramaico. O versículo 4 registra a resposta dos homens da corte ao pedido do rei. Respondem com um outro pedido. É uma solicitação razoável, se bem que proferida um tanto arrogantemente. “Ó rei”, dizem eles, “dize o sonho a teus servos, e daremos a interpretação”. “Descreva o que viu, e lhe diremos o que significa.”

Esta solicitação aparentemente razoável é respondida com uma ameaça horripilante! Tais ameaças eram típicas dos déspotas orientais naquele tempo; Nabucodonosor poderia executar o que falou.

Quando Nabucodonosor disse: “Uma cousa é certa”, isso não significou que ele tivesse dito: “Não me lembro mais”. Ele não havia esquecido totalmente o sonho, como é frequentemente imaginado. Se este fosse o caso, como poderia o sonho ainda estar a perturbá-lo? Se o rei não pudesse lembrar sonho, então o final do versículo 9 não teria sentido. Visto que o rei se lembrava do sonho, poderia conferir se o haviam relatado corretamente e, portanto, ter confiança na sua interpretação.

Quando Nabucodonosor declarou “Uma cousa é certa”, ele quis dizer: Já está decretado que “se não me fizerdes saber o sonho e a sua interpretação, sereis despedaçados, e as vossas casas serão feitas monturo” (v.5). “Afinal, a função de vocês é interpretar sonhos; são pagos para fazer isso.”

As honras extravagantes, prometidas no versículo 6, também eram típicas dos governantes daquela época. O fracasso em contar o sonho e interpretá-lo significaria morte certa. Atender o pedido do rei significaria honra, promoção e recompensa.

Além do sonho, Nabucodonosor também viu os astrólogos tentando ganhar tempo (vv.7-11). A ameaça terrível e a promessa extravagante rapidamente curaram a arrogância deles. No versículo 7, os astrólogos falam ao rei de um modo mais reverente: “Diga o rei o sonho a seus servos, e lhe daremos a interpretação”.

A resposta do rei é áspera (vv . 8-9): “Vocês estão apenas tentando ganhar tempo, porque são totalmente incapazes de fazer o que lhes pedi. Esperam que eu mude de ideia sobre destruí-los, se não derem a interpretação. De fato, se nem podem dizer-me o que é o sonho, tampouco poderão dar-me a interpretação correta. Se não podem me contar o sonho, estão demonstrando, com certeza, que nada são, além de enganadores e charlatães. Pessoas assim são dignas apenas de uma coisa – o decreto de morte, sobre o qual já falei”. “Mas”, gaguejam os astrólogos, “o que tu pedes está acima da capacidade humana. Ninguém, em toda a história, jamais pediu tal coisa. Normalmente, só interpretamos o sonho, mas desta vez espera-se que também o contemos a ti. Isto é difícil demais para meros homens. Os únicos que poderiam fazê-lo são os próprios deuses” (v .10).

Então, Nabucodonosor encolerizou-se! “O rei muito se irou e enfureceu” (v.12).

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Deve ter sido uma cena apavorante! O mais poderoso homem do mundo num acesso de raiva! Não manifestou paciência ante a confissão de incapacidade de seus servos. Os astrólogos e magos disseram que não podiam atender o pedido do rei. Haviam feito todo o tipo de afirmações orgulhosas, mas agora Nabucodonosor podia ver o íntimo deles. Declaravam poder revelar segredos, mas nem mesmo podiam contar-lhe o conteúdo de um sonho que ainda o aterrorizava. Se não podiam fazer isto, como poderiam realizar a coisa mais profunda e difícil que prometiam, ou seja, interpretar sonhos?

“Matem a todos!”, disse o rei de Babilônia.

A ordem áspera do rei é uma indicação de quanto o sonho o preocupava. Precisava saber o que significava! Não conseguia retirá-lo de sua mente. O sonho estava roubando sua paz. Estava com ele momento a momento. Perseguia-o e nunca o deixava. Como resultado, o rei encontrava-se em uma turbulência inexprimível. Precisava saber o que significava e, portanto, não tinha paciência com aqueles que confessaram ser completamente incapazes de ajudá-lo.

“Matem todos os sábios.”

A ordem era o fim de Daniel, Hananias, Misael e Azarias. Eles não eram astrólogos, pois haviam recusado envolver-se com qualquer coisa pagã ou idólatra. Mas precisamos lembrar que haviam sido educados pelos sábios de Babilônia, e estavam, portanto, no sentido mais amplo, incluídos entre eles. O decreto do rei impaciente, se fosse realizado, significaria o fim do remanescente fiel. Os únicos no mundo que eram leais à verdade de Deus seriam eliminados. O verdadeiro Israel de Deus seria extinto. Venceram a tentação de comprometer sua fé, no capítulo 1, mas como poderiam sobreviver a isto?

O Que Daniel Viu?

Respondemos esta pergunta ao lermos do versículo 14 ao final do capítulo. Já consideramos três coisas que Nabucodonosor viu e percebeu. Agora, consideraremos três coisas percebidas por Daniel.

Primeiramente, ele viu quem é Deus (vv. 14-23). Falou discretamente com o oficial encarregado de executar os sábios e, como resultado, a realização do decreto foi adiada.

O próximo passo de Daniel foi dirigir-se ao rei. Conseguiu uma audiência real (v.16). “Dá-me tempo”, pediu, “e satisfarei o teu pedido e dar-te-ei a interpretação”.

O rei, evidentemente, acedeu ao pedido de Daniel, pois o terceiro passo de Daniel revela isto (vv.17, 18). Voltou ao remanescente fiel e os quatro homens de fé se uniram em oração. Sua preocupação, enquanto oravam, não era que Daniel tivesse uma grande reputação como intérprete de sonhos. Desejavam as misericórdias do Deus dos céus, para que não perecessem com os demais sábios da Babilônia.

Quatro homens, em sua própria casa, começaram a orar, sem dúvida usando argumentos, como fazem todos os bons homens de oração: “Senhor, somos o teu remanescente. Foi decretada a execução de todos os sábios de Babilônia, e estamos incluídos entre eles. Se o decreto for cumprido, teu remanescente desaparecerá, e o povo de Deus será extinto da terra. O verdadeiro Israel será aniquilado. Ó Senhor, mostra tua misericórdia para conosco. Dá-nos um relato do sonho e uma compreensão do que significa”.

Do que lemos em 1.17, sabemos que Daniel tinha “inteligência de todas as visões e sonhos”. Era um dom especial de Deus para ele. Naquela noite ou em outra logo depois, a oração unânime do povo de Deus foi respondida, e Daniel soube tanto o que o rei sonhara como o que o sonho significava (v . 19). O texto bíblico não nos declara imediatamente o que era. Mas nos conta que a reação imediata de Daniel à revelação foi explodir em louvor a Deus. Daniel recebeu uma compreensão ainda mais clara a respeito do sonho e sua interpretação. Porém, adquiriu uma compreensão ainda mais clara sobre a natureza e os atributos de Deus.

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Veja a suas afirmações sobre Deus no versículo 20: Deus é gracioso , sábio e poderoso.

É este Deus que controla a história (v.21). Não é a natureza. Não são os ídolos. É Deus! Ele exerce seu poder não apenas no céu, mas também aqui na terra. Não podemos dizer que cremos na soberania de Deus, se não crermos nisto.

Daniel recebera uma sabedoria superior a de todos os sábios de Babilônia, mas observe o que ele afirma sobre este assunto (v.21): Se um homem tem sabedoria, é porque a recebeu de Deus, que é a fonte de toda a sabedoria. Daniel reconhece que o entendimento que possui agora resulta tão-somente da imerecida bondade de Deus (vv.22-23).

Daniel percebeu quem é Deus. Temos aqui uma revelação de como é o coração de um homem de Deus. Tal pessoa é disposta a erguer sua voz a Deus e admirá-Lo. Está ciente de que tudo o que é, em si mesmo, e tudo o que possui, não são de valor algum. Não reivindica méritos para si, e insiste que a Deus somente devemos dirigir nossas palavras e pensamentos de adoração.

Os versículos 24 a 45 nos contam o que Daniel viu na visão da noite. Havendo agradecido a Deus pela oração respondida, está agora pronto a se apresentar ao rei. Na corte de Babilônia havia um protocolo muito severo para que os súditos se aproximassem do rei. Sem dúvida, esta formalidade fora observada no versículo 16, mas não é relatada ali. É mencionada no versículo 24. No versículo 25, vemos que Daniel é introduzido à presença do rei por Arioque, e que Arioque toma para si todo o mérito por haver descoberto um homem que podia interpretar o sonho do rei.

“Podes?”, pergunta o rei. “Podes tu fazer-me saber o que vi no sonho e a sua interpretação?” (v.26).

“Nem encantadores, nem magos, nem astrólogos o podem revelar ao rei; mas há um Deus nos céus, o qual revela os mistérios; pois fez saber ao rei Nabucodonosor o que há de -ser nos últimos dias”, responde Daniel.

Ao ouvirmos a expressão “os últimos dias”, nossos corações ficam alertas. A Bíblia consistentemente usa esta expressão para se referir ao período entre o nascimento de Cristo e o fim do mundo. Não é usada para se referir às últimas horas antes da volta de Cristo, como alguns cristãos às vezes imaginam, mas para o período da história do mundo que começou na manjedoura de Belém. O sonho de Nabucodonosor nos dirá algo sobre o período da história em que estamos vivendo!

Daniel continua: “Este sonho é a resposta de Deus aos teus pensamentos no leito. Tu foste para a cama inquirindo sobre o futuro. Deus te respondeu através de um sonho, e eu posso relatar tanto o sonho como a sua interpretação. Eu não sou especialmente sábio ou exaltado, mas Deus me deu a interpretação simplesmente para que seja conhecida”.

Os versículos 31 a 35 mostram Daniel descrevendo o que o rei sonhou, e nos trazem ao clímax do capítulo.

O rei, em seu sonho, contemplou uma imensa estátua (v.31). Sendo quase totalmente metálica, brilhava ao sol. Seu brilho e tamanho a tornavam apavorante e assustadora.

Olhando para a imagem, o rei vira que era composta de diferentes materiais, todos metais, menos um. A cabeça era feita do melhor ouro (v.32). O peito e os dois braços eram de prata. O ventre e os quadris, de bronze. As pernas, dos joelhos para baixo, eram de ferro (v.33). Os dedos não são mencionados nesta passagem, mas os pés eram, em parte, de ferro e, em parte, de barro.

Coisas estranhas acontecem em sonhos, e o que aconteceu depois era tão estranho como qualquer coisa que alguém jamais viu. Em direção à estátua veio uma pedra insignificante. Talvez fosse como uma das pequenas pedras que achamos na estrada. Não há indicação de onde a pedra veio; parecia vir do nada. O sonho do rei não deu detalhes quanto a sua origem. Apenas notou que ela veio e caiu sobre os pés da imagem (v.34). Imediatamente, toda a imagem desmoronou e foi

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reduzida a pó. O vento soprou sobre ela e logo não havia sinal de que estivera ali. O que era tão apavorante, que parecia tão permanente e formidável, havia desaparecido.

Então, a pequena pedra começou a crescer, tornando se um seixo, e depois uma rocha. Enquanto o rei, assombrado, olhava, a pedra crescia, tornando-se maior que uma casa, maior que o prédio mais elevado e maior que os montes. De fato, tornou-se uma grande montanha, que enchia toda a terra (v. 35).

“Este é o sonho; e também a sua interpretação diremos ao rei” (v.36).

“A cabeça, ó rei Nabucodonosor, és tu! És um poder mundial. És um reino. És um império. Tu és a cabeça de ouro” (v.37). Devemos ter cuidado e notar que Daniel dirigiu suas palavras diretamente ao rei diante dele, não dando de modo algum a impressão de que falava sobre um império babilônio renascido, como pensam alguns.

“O peito e os braços são também um império, menos poderoso, que te sucederá” (v.39).

“O ventre e as coxas são outro império mundial que sucederá àquele” (v.39).

“As pernas e os pés são ainda outro império mundial que, por sua vez, sucederá ao terceiro. Este quarto império será particularmente notável pelo seu poder de destruição. Terá a força do ferro e será constituído de uma mistura de ferro com barro. Seus dois elementos finalmente serão impossibilitados de permanecerem ligados e se tornarão um reino dividido. Uma das partes permanecerá forte, mas a outra será frágil e mais facilmente destruída.”

“E a pequena pedra? Bem, durante o governo deste quarto poder mundial, ocorrerá um evento de grande significado. Nos dias destes reis, o Deus do céu suscitará um reino que não será jamais abalado. Este reino não passará a outro povo; esmiuçará e consumirá todos estes reinos, mas ele mesmo subsistirá para sempre” (v.44).

“Como viste que do monte foi cortada uma pedra, sem auxílio de mãos, e ela esmiuçou o ferro, o bronze, o barro, a prata e o ouro. O Grande Deus fez saber ao rei o que há de ser futuramente. Certo é o sonho, e fiel a sua interpretação” (v.45).

Desta forma, Daniel percebeu quem é Deus, além de ter ficado ciente do sonho e de sua interpretação. A terceira coisa que viu, foi algo que ninguém em Babilônia jamais esperaria. Lemos a este respeito na narração do versículo 46 até o final do capítulo: Ele viu o rei, humilhado; o verdadeiro Deus, glorificado; e o remanescente temente a Deus, promovido. Quem esperaria ver o mais poderoso homem da terra cair sobre o seu rosto, em atitude de homenagem?

Mas foi precisamente isto que aconteceu. Ao mesmo tempo, o rei ordenou que fosse queimado incenso em honra a Daniel. Alguns têm pensado que Nabucodonosor e lava prestando a Daniel a adoração que é devida somente a Deus. Mas não foi isto que aconteceu. Talvez possamos compreender, se lembrarmos um incidente semelhante, na vida de Alexandre, o Grande. Quando chegou a Jerusalém, prostrou-se aos pés do sumo sacerdote e foi severamente repreendido por um de seus auxiliares.

“Não faça isto”, ele disse.

“Eu não adoro o sumo sacerdote”, replicou Alexandre, “mas o Deus a quem ele ministra”.

Algo semelhante aconteceu na sala do trono de Nabucodonosor. O rei caiu aos pés de Daniel, não porque o estava adorando como Deus, mas porque reconheceu Daniel como um porta-voz de Deus. Então, o verdadeiro Deus foi glorificado. Nabucodonosor ainda não compreendia que o Deus de Israel era o único Deus, mas O reconheceu como o supremo Deus.

Ninguém poderia pensar, algumas horas antes, que isto aconteceria. Tudo indicava que os dias do remanescente fiel estavam contados. Parecia certo que os piedosos seriam mortos e que desapareceriam para sempre. Mas agora Daniel, Sadraque, Mesaque e Abede-Nego estavam todos recebendo promoção.

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Daniel foi colocado como governador da província de Babilônia e como o chefe supremo de todos os sábios. A arqueologia ainda não conseguiu esclarecer-nos o que este cargo envolvia, embora o título “o chefe supremo”, cargo ao qual Daniel foi promovido, já tenha sido encontrado entre as inscrições antigas.

Os seus três companheiros de oração foram promovidos a sub-chefes, para servir sob a autoridade de Daniel.

O remanescente fiel não apenas estaria seguro , mas exerceria influência. Tudo havia estado contra ele, mas não fora aniquilado. Não pereceram no capítulo 1 simplesmente por recusarem-se a fazer algo pecaminoso. Tampouco pereceram no incidente deste capítulo, pois se entregaram unanimemente à oração. É assim que uma testemunha de Deus é preservada no mundo. Faremos bem em guardar estas lições em nosso coração.

O Que Devemos Aprender

Neste capítulo, notamos o que Nabucodonosor e Daniel viram. O que devemos nós aprender disto? Além de algumas lições a que já nos referimos, há três coisas principais.

Em primeiro lugar, a Palavra de Deus é verdadeira. Daniel falou as palavras que Deus lhe deu, e tudo o que anunciou que aconteceria realmente aconteceu.

O império de Nabucodonosor foi sucedido por três outros. Não precisamos indagar quais os impérios referidos no sonho e na sua interpretação; três deles são identificados no próprio livro de Daniel, e a identidade do quarto é revelada por nosso Senhor Jesus Cristo. Este ponto deve ser enfatizado, especialmente nestes dias em que tantas coisas contraditórias foram escritas sobre a visão do capítulo 2. Não há dúvida possível a respeito de quais os poderes mundiais referidos aqui.

No entanto, não foram quatro imagens que Nabucodonosor viu, mas somente uma. Isto porque, num sentido muito real, todos os impérios descritos por Daniel são o mesmo império. O segundo conquistou o primeiro. O terceiro venceu o segundo. E o quarto derrotou o terceiro.

O primeiro teve um sucessor, assim como o segundo e o terceiro. O quarto não teve um sucessor, mas, no período deste quarto império, um outro reino se levantou. Pode-se afirmar com certeza que a pequena pedra destruiu os quatro impérios, e não apenas o último.

Babilônia desapareceu, como um poder mundial, quando foi conquistada e incorporada pelos medos e persas. A Medo-Pérsia, por sua vez, foi conquistada e absorvida pela Grécia. O poderoso império da Grécia foi, por sua vez, conquistado pelos romanos. Estes não apenas apropriaram-se de todas as terras do império grego, mas estabeleceram um império ainda mais abrangente e expansivo do que qualquer outro que o havia precedido. Foi nos dias do império romano que um outro reino foi estabelecido, um reino que está sempre crescendo e nunca terminará.

Pensemos um pouco mais sobre esta maravilhosa visão profética. De todos os quatro impérios, somente um era totalmente unificado. Este era Babilônia, que é, portanto, retratado como a cabeça de ouro da imagem. A Medo-Pérsia nunca possuiu a mesma glória que Babilônia, e para a sua descrição, nada melhor do que a prata. Embora formasse uma unidade, na realidade era constituída de dois braços, exatamente como o sonho da imagem havia profetizado. A Grécia veio a seguir. Sob Alexandre, o Grande, a Grécia foi um império unificado, mas eventualmente se dividiu em duas pernas, a Síria e o Egito.

Da mesma forma, o império romano teve duas grandes divisões, do oriente e do ocidente (eventualmente se dividiu em dez reinos menores, ou seja, dez dedos – um assunto que está fora do escopo deste capítulo). Foi nos dias do império romano que uma Pedra, sem origem, veio a este mundo. Não teve origem, pois existia mesmo antes de existir o tempo. João Batista proclamou a respeito dEle: “O que vem depois de mim tem, contudo, a primazia, porquanto já existia antes de mim” (Jo 1.15). O eterno Filho de Deus veio a Belém como um insignificante menino, a fim de estabelecer um reino que permanecerá para sempre. Hoje, os reinos que o antecederam estão

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aniquilados. Mas o reino de Cristo permanece, está crescendo e durará para sempre. Nunca terá sucessor. Tudo aconteceu conforme Daniel profetizou.

Quando Deus fala, o que Ele diz é verdadeiro. Um capítulo como este deve renovar nossa confiança na Palavra de Deus. Deveríamos admirá-la e descansar nela, de um modo que não fizemos antes. O capítulo deve levar-nos a recordar que “os juízos do Senhor são verdadeiros e todos igualmente justos” (Sl 19.9).

Mas devemos aprender algo mais: a história está nas mãos de Deus.

O livro de Daniel foi escrito no século VI A.C. Há muitos que não creem nisto e insistem que deve ter sido escrito no século II A.C. Esta teoria pode ser inteiramente descartada, e mais uma vez, recomendo aos leitores interessados a obra de E. J. Young. Ele, Robert Dick Wilson e outros explicam claramente a impossibilidade desta teoria. Esta visão equivocada tornou-se popular porque muitos homens e mulheres não podem aceitar a ideia da profecia preditiva. Não conseguem acreditar que a Palavra de Deus prevê corretamente os eventos antes que estes ocorram. Se não creem nisto, nem mesmo a mais bem elaborada argumentação pode convencê-los. Esta e a principal razão por que a insistência, segundo os estudiosos, em uma data do sexto século não tem sido aceita. Mas os sensatos acharão seus argumentos convincentes. É importante notar que o Senhor Jesus atribuiu a Daniel a autoria do livro que tem o seu nome (Mt 24.15). Quem ousaria dizer que o perfeito Filho de Deus estava enganado?

Podemos, então, confiantemente, afirmar que Daniel registrou a história antes de sua concretização. Como pode acontecer isto, se Deus não controla a história?

Não é suficiente dizer que Deus meramente previu o que aconteceria. Poderia Ele ter feito isto, sem ter controle dos eventos que Ele mesmo previu? Poderia Ele tê-los previsto com exatidão, se não os controlasse perfeitamente? Ninguém pode profetizar infalivelmente aquilo que não controla plenamente. Se não fosse assim, alguma coisa poderia acontecer de modo errado. Alguém poderia colocar areia na engrenagem. Alguém poderia tomar uma decisão de modo contrário às profecias feitas. Ninguém pode prever o futuro, sem ter controle sobre ele.

É exatamente isto que as Escrituras ensinam. Contam-nos que “de um só fez toda a raça humana para habitar sobre toda a face da terra, havendo fixado os tempos previamente estabelecidos e os limites da sua habitação” (At 17.26).

Daniel já havia dito que é Deus quem estabelece e remove reis (v.21). Deus controla a história. Este é um pensamento que se mostra maravilhoso para mim, enquanto escrevo estas páginas. Não vivo em um universo descontrolado. Vivo em um mundo onde os propósitos de Deus estão se cumprindo, ainda que muitos eventos sejam horríveis amedrontadores, como o eram nos dias dos impérios mencionados neste capítulo. Todos os acontecimentos estão se realizando de acordo com o que Deus planejou. Deus continua no trono.

Isto nos traz à compreensão de uma terceira verdade: não há razão para o cristão ficar desencorajado.

Cristo, a Pedra, estabeleceu um reino onde Ele mesmo governa. Não é um reino político, porque Ele dogmaticamente asseverou: “O meu reino não é deste mundo” (Jo 18.36). Ele nos explicou sobre a qualidade do seu reino: “O reino de Deus está dentro em vós” (Lc 17.21). O reino de Cristo é espiritual.

Em todo o mundo há homens, mulheres, jovens, meninos e meninas em cujos corações Cristo reina. De todas as nações, Ele tem constituído uma nova nação. Dentre as pessoas de todas as raças, Ele tem formado uma nova raça. Pessoas de todas as cidadanias têm adquirido uma nova cidadania. As barreiras entre judeus e gentios, escravos e livres, bárbaros e gregos foram destruídas. A extensão do reino de Cristo não é medida por fronteiras visíveis em um mapa. O Filho de Deus governa no coração de todas as pessoas que foram unidas a Ele pelo evangelho.

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Cristo estabeleceu este reino com a autoridade do Deus do céu (v.44). Iniciou-se nos dias do império romano, como fora profetizado, e nunca passará. Cristo permanece como o seu Rei perpétuo e nunca terá sucessor. Ele mesmo é o Deus todo-poderoso, e, portanto, seu reino jamais será conquistado. Os cidadãos do reino nunca Lhe serão tomados e jamais se revoltarão, pois cada um deles é um súdito voluntário.

Este capítulo fala deste maravilhoso reino.

Nada pode evitar o crescimento deste reino; deste fato devemos receber imenso encorajamento. O reino tem prevalecido e sempre prevalecerá contra toda oposição. Os cristãos podem ser queimados vivos (como Nero o fez), jogados às feras em anfiteatros ou exilados às ilhas. Podem ser encerrados em covas, horrivelmente torturados ou publicamente executados. Porém, nada do que é feito contra eles impede o crescimento de seu número. O sangue dos mártires é a semente da igreja. O reino cresce ... cresce ... cresce ...

Finalmente, será semelhante a uma montanha que enche toda a terra. Isto não significa, naturalmente, que todos serão salvos, mas que, por fim, haverá pessoas de todas as nações e línguas na proclamação do louvor celestial ao Senhor Jesus Cristo: “Digno é o cordeiro, que foi morto ...” (Ap 5.12).

O reino de Cristo é eterno. O dia se aproxima quando ele destruirá todas as outras autoridades, governos e poderes (1 Co 15.24). Seu governo, então, será o único a permanecer. O universo inteiro reconhecerá seu senhorio, enquanto seus súditos voluntários ficarão emocionados, ao ouvirem: “Vinde, benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo” (Mt 25.34).

Sem dúvida, o povo do Senhor será sempre um remanescente, uma pequena minoria em relação a toda a população do mundo. Porém, o ensino deste capítulo nos assegura que o remanescente existirá sempre e estará continuamente aumentando, até que se estenda aos confins da terra.

Não precisamos temer quanto ao futuro da causa de Cristo. A arca de Deus vai muito bem; não precisamos estender nossas mãos para mantê-la firme. a futuro do reino de Cristo está tão seguro quanto as promessas de Daniel 2. Este reino não falhará; em breve será o único a existir.

Portanto, vale a pena consagrar tudo que temos e somos à ampliação do reino de Cristo. Todas as nossas posses, talentos e energia devem ser devotadas ao grande trabalho de ganhar outros para Jesus. Não podemos parar. Enquanto semeamos, nem toda a semente germina; nem a maior parte. Mas uma parte dela sempre germina; e os que vão sendo salvos começam a viver uma outra vida, sob o senhorio de Cristo.

Quão maravilhoso é tornar-se um membro deste reino! Quão terrível, pela incredulidade e falta de arrependimento, é estar eternamente fora dele!

4 – A FORNALHA ARDENTE

Leia Daniel 3

Se você sorriu quando leu o texto que fala sobre os “sátrapas, os prefeitos e os governadores, os juízes, os tesoureiros, os magistrados, os conselheiros e todos os oficiais das províncias”, é porque deveria mesmo. Isto é também verdade acerca do texto da “trombeta, do pífaro, da harpa, da cítara, do saltério, da gaita de foles e de toda sorte de música”. Daniel 3 zomba da pompa e da cerimônia de idolatria pagã nele registradas. É escarnecedor.

Os capítulos anteriores nos contaram como um pequeno grupo de pessoas manteve-se fiel a Deus em um ambiente hostil. Entre os judeus, agora castigados por sua idolatria, havia apenas um número reduzido de pessoas cujos corações eram fiéis a Deus. Tentados a transigir, recusaram-se a fazê-lo. Estando aparentemente a ponto de serem aniquilados, Deus os preservou miraculosamente. a capítulo que consideramos agora, registra um outro livramento maravilhoso e, novamente, nos

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assegura que os poucos que permaneceram fiéis a Deus foram objeto, de seu especial cuidado. a estudo deste capítulo oferece enorme encorajamento e algumas importantes lições prática, para cada crente que não se encontra em harmonia com os padrões e valores do mundo ao seu redor.

Um dos mistérios deste capítulo é a ausência de Daniel. Ninguém sabe o motivo desta ausência, embora, naturalmente, já tenha havido muita especulação. Onde estava e o que fazia ele nesta ocasião não é revelado. Os seus três amigos são ressaltados neste capítulo. Sadraque, Mesaque e Abede-Nego já haviam sido mencionados algumas vezes no livro, mas Daniel fora sempre o mais proeminente. Seus três amigos foram obscurecidos por ele e colocados em segundo plano. Agora, os veremos em suas circunstâncias pessoais.

O capítulo 3 é um relato simples de como três homens corajosamente desafiaram o mais poderoso homem no mundo, a fim de não desagradarem a Deus. Para eles, agradar a Deus era mais importante do que preservar suas próprias vidas. O exemplo destes jovens nos mostra a essência da fidelidade a Deus. O capítulo também registra como Deus interviu e sustentou-lhes a fé.

O principal ensino deste capítulo não é o livramento miraculoso. Não temos dificuldades em acreditar em milagres, temos? Visto reconhecermos que Deus é todo-poderoso e crermos que Ele ressuscitou a seu Filho dentre os mortos, os milagres não são mais problemas para nós. O poderoso livramento registrado neste capítulo enche nossos corações de louvor a Deus, mas não é o assunto mais importante que devemos observar.

O principal ensino, neste capítulo, é que três crentes jovens são tentados a praticar o mal e recusam-se a fazê-lo. Estão dispostos a não trilhar o mesmo caminho que todos os demais, ainda que isto signifique uma morte horrível. “Transigir” não é uma palavra do vocabulário deles. O pecado é pecado, e eles não o cometerão, ainda que corram perigo. Não tolerarão o pecado, nem mesmo lhe darão ouvidos. A este aspecto devemos dar nossa atenção, pois nos ensina, uma vez mais, como o testemunho de Deus mantém-se vivo em um mundo pagão. Se desejamos ser fiéis a Deus em um ambiente hostil, nós mesmos precisamos seguir o exemplo de Sadraque, Mesaque e Abede-Nego.

Este capítulo traz à nossa mente a antiga indagação: “que acontece quando uma força irresistível encontra um objeto irremovível?”. Porém, neste caso há três objetos irremovíveis! Veremos primeiro a força, depois, o objetos. Finalmente, veremos o que aconteceu quando os dois se confrontaram.

A Força Irresistível

A força irresistível é o rei Nabucodonosor, e, se verificarmos os versículos 1 a 7, ficará evidente por que lhe damos este nome. A narrativa se inicia com o rei erigindo uma imagem. Precisamente quando ele fez isto, não o sabemos; e o texto não nos informa. Talvez logo após Daniel tê-lo descrito como “cabeça de ouro”. Possivelmente, esta descrição o havia enchido de orgulho e, portanto, ele seguira o sonho de uma imensa estátua, edificando uma imagem de verdade.

Era comum entre os potentados babilônios e sírios, construir imagens em sua própria honra; o que Nabucodonosor fez não era considerado particularmente inusitado. A imagem era, quase certamente, uma representação dele mesmo. Também é certo que ele estava pensando não somente em sua própria honra, mas também na honra dos deuses aos quais prestava adoração.

O custo de fabricação desta imagem deve ter sido exorbitante. Folheada a ouro, erguia-se sobre um pedestal e tinha mais de trinta metros de altura, mas sua largura era apenas dois metros e setenta centímetros. Estas proporções são um tanto grotescas, mas são típicas das estátuas de Babilônia. Não devemos concluir que Nabucodonosor fosse alto demais e pateticamente magro! Esta imagem imensa e desproporcional foi erguida no campo de Dura.

A palavra aramaica aqui traduzida por “campo” se refere a uma área plana entre montanhas. A imagem foi erguida em uma espécie de arena natural. Ao seu redor havia uma grande área

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bastante plana, com montanhas de cada lado. Provavelmente seria visível a dezenas de quilômetros, especialmente quando seu revestimento dourado brilhasse ao sol.

Ao ficar pronta a imagem, houve uma cerimônia de dedicação, como era o costume babilônio. Isto é relatado nos versículos 2 e 3. Oficiais importantes vieram dos lugares mais remotos do império babilônio; seus diversos escalões são apresentados. Talvez ninguém, no mundo inteiro, participara de uma celebração como aquela. A multidão era imensa e todo o espetáculo seria infinitamente mais esplêndido do que a mais extravagante coroação. Era uma imagem erguida pelo poderoso imperador de Babilônia, em honra a ele e a seus deuses; e, de todos os seus territórios, muitos vieram para contemplá-la.

No versículo 4, temos uma afirmação apenas indicativa. À frente desta multidão sem precedentes, “o arauto apregoava em alta voz”. Que voz teria ele! Para a multidão silenciosa, ele transmite um decreto, em nome do rei. Ninguém está isento de suas exigências. Diferentes povos, nações e línguas encontram-se presentes, de todas as partes do império babilônio. O que é ordenado se aplica a todos.

Uma orquestra também está presente à cerimônia, cujos instrumentos são listados nos versículos 5,7,10 e 15. “Toda sorte de música” é uma expressão persa, indicando que a orquestra continha alguns instrumentos persas. Isto não é surpreendente, visto que a Pérsia era um país vizinho. A “trombeta” e o “pífaro” eram semíticos e sugerem que alguns dos músicos eram judeus exilados. A “harpa”, a “cítara” e o “saltério” eram instrumentos gregos. Babilônia comerciava com a Grécia há mais de um século e, evidentemente, também acrescentara a música grega às suas próprias tradições. O arauto proclamava que, quando a orquestra tocasse, todos, quem quer que fosse ou onde quer que estivesse, deveriam prostrar-se em terra e adorar a imagem recém-erigida.

Se o versículo 6 nos traz perplexidade e nos parece irracional, há algo que devemos lembrar. Esta estátua grotesca havia sido erguida em honra do rei e seus deuses. Não curvar-se a ela somente poderia ser interpretado como um ato de infidelidade. Era insubmissão à palavra do rei; era traição. Este tipo de comportamento mau somente poderia ser recompensado com a horrível morte na fornalha de fogo ardente.

Curvar-se ao ídolo não era problema para a grande maioria das pessoas no império babilônio, ainda que procedessem de nações conquistadas. Precisavam apenas raciocinar: “É óbvio que os deuses de Babilônia são mais fortes do que os nossos, pois, doutra forma, não teríamos sido derrotados. Podemos ao menos reconhecer isto”. Até mesmo para os judeus exilados, prostrar-se ao ídolo não era problema. Por gerações haviam desobedecido a Deus e se envolvido em idolatria. As severas palavras dos profetas condenando esta prática haviam sido deliberada e continuamente ignoradas. Não teriam escrúpulos de consciência sobre o prostrarem-se ante a imagem de ouro. A idolatria estava arraigada em seus corações. Por que morrer ao se recusarem a fazer algo que por muitos anos haviam feito?

A submissão de todos ao edito do rei era esperada, pois ninguém desejaria ser oprimido ou prejudicado por ele. Ninguém, exceto o remanescente fiel a Deus. A evidência de que eles permaneciam fiéis a Deus estava no fato que de forma alguma se envolveriam no culto a deuses falsos. O primeiro mandamento era de suprema importância para eles. Nada consideravam mais importante do que amar o Senhor, seu Deus, com todo o seu coração, alma, mente e forças. Haviam recusado comer alimentos oferecidos aos ídolos e, portanto, certamente não se prostrariam diante de uma imagem. Todos os outros poderiam submeter-se ao decreto do rei, mas não eles. Há um Poder mais alto que devia ser obedecido. Somente eles seriam diferentes, não-conformistas. O pecado é pecado e não pode ser cometido, ainda que não praticá-lo implique em morte certa em uma fornalha ardente. Quando todos se curvassem, ele permaneceriam de pé!

Durante vinte séculos, os regimes totalitários disseram aos cristãos que estes deveriam conformar-se com suas exigências ímpias ou morreriam. Nunca isto foi tão verdadeiro quanto no século atual. Em muitos países do mundo, o povo de Deus sofre perseguições. Definham na prisão,

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condenados às tarefas mais insignificantes da sociedade, suportam a dor de perderem suas crianças, gritam sob tortura e morrem horrível mente. Enfrentam tudo isto para não se conformarem com as exigências das autoridades que lhes ordenam abandonar sua fé e a dar-lhes o primeiro lugar em suas vidas, o qual deve ser dado somente a Deus.

Muitos dos cristãos vivem sob tais regimes. Mas as palavras de Samuel Rutherford permanecem verdadeiras: “Você não conseguira entrar sorrateiramente no céu, acompanhado de Cristo, sem conflitos e uma cruz”. Pessoas ao nosso redor nos pressionam para que nos unamos a elas em seus pecados. Insistem repetidamente: “Todos o fazem, por que não você? Por que ser diferente? Vamos, apenas esta vez; só esta vez”.

Jovens cristãos são instados a se embriagarem com seus amigos ou a perder sua virgindade antes do casamento. São tentados a mentir, a roubar, a ler livros impróprios e a ver programas de televisão e filmes indecentes. A profanação do dia do Senhor, o desperdício de dinheiro, o mau uso do tempo, os jogos de azar, a aquisição desonesta de riquezas e muitos outros pecados e indecências são exaltados como virtudes. A coisa “legal” é ficar sob luzes piscantes e “curtir” músicas maliciosas.

O mundo tem sua própria fornalha ardente à espera daqueles que não se conformam em adorar seus ídolos. É a fornalha de ser desprezado, ridicularizado, escarnecido, repudiado e ignorado. Aqueles que temem a Deus e mantêm vidas puras são considerados “quadrados” e indiferentes, que não participam da vida e dos interesses dos outros ao seu redor. Para muitos jovens crentes, a pressão parece irresistível. Sentem-se forçados a uma escolha. Ou se identificam e vivem como todos os demais; ou assumem uma postura firme e perdem tudo.

Esta foi a escolha apresentada a Sadraque, Mesaque e Abede-Nego!

Três Objetos Irremovíveis

Tendo esta escolha muito clara diante deles, o que fizeram os três jovens? Os versículos 8 a 18 nos mostram.

Decidiram agradar a Deus, apesar das consequências. Desta posição não se arredaram, nem um centímetro. A força irresistível de um decreto do rei encontrou três objetos irremovíveis! Imaginemos a cena registrada nos versículos 8 a 12. Pensemos na imensa multidão, a agitação e o ambiente de expectativa. Finalmente, a orquestra toca, e, como ordenado, a multidão se prostra à terra. Ali, tão visíveis quanto era possível, encontram-se apenas três pessoas ainda de pé!

Sem dúvida, já vimos na igreja alguém permanecer de pé após os demais se assentarem. Ninguém deixa de percebê-lo. Todos os olhares se voltam para ele. Quão mais visíveis estariam Sadraque, Mesaque e Abede-Nego! Todos haviam se curvado, mas três, somente três, audaciosamente permaneceram de pé!

À luz do capítulo 1, provavelmente todos sabiam que estes três não aprovavam a idolatria. Mas, nesta ocasião, parece que serão arruinados. São denunciados ao rei. Sem dúvida, muitas coisas boas poderiam ser ditas a respeito deles, para contrabalançar esta denúncia. Porém, nada disto se fala. E severamente declarado que estes três proeminentes oficiais não obedecem ao rei.

Os versículos 13 a 15 contam-nos como o rei, na sua fúria, ordenou que os três fossem imediatamente trazidos a ele.

“É verdade?”, pergunta-lhes Nabucodonosor. Então lhes assegura, como o fazem as pessoas ao nosso redor, que, se for verdade, ainda há tempo para mudarem de atitude e tornarem-se como os demais: “Agora, pois, estai dispostos e, quando ouvirdes o som da trombeta, do pífaro, da cítara, da harpa, do saltério, da gaita de foles, prostrai-vos e adorai a imagem que fiz; porém, se não adorardes, sereis no mesmo instante lançados na fornalha de fogo ardente. E quem é o deus que vos poderá livrar das minhas mãos?” (v.15).

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O mundo ao nosso redor anseia ardentemente persuadir os cristãos a se conformarem aos seus padrões. Não pode tolerar a firmeza daqueles que não o fazem e, antes de tentar arruiná-los, procura persuadi-los a serem como todos os outros. Há algo inerente ao mundo que o torna muito ansioso por ver o povo de Deus conformado aos padrões do mundo. Sente-se perplexo e perturbado por aqueles que não se prostram ante os seus ídolos. Não pode compreender aqueles que possuem valores diferentes. E particularmente desapontado por aqueles que, acima de qualquer coisa ou pessoa, cultuam e amam o Deus invisível. Preferiria persuadi-los a castigá-los, mas, se não puder persuadi-los, certamente os castigará. De fato, a ameaça de punição é parte de seu argumento de persuasão.

Nabucodonosor mostra-se mais irado neste capítulo do que no anterior. Como se atrevem eles a recusar reconhecê-lo como autoridade suprema? Se não aceitarem sua supremacia desta forma, deverão fazê-lo de outro modo. A fornalha ardente demonstraria onde estava o verdadeiro poder. Depois que ele, o rei, os lançasse ali, que Deus poderia livrá-los?

Este é o homem que recentemente havia reconhecido o poder e a supremacia de Deus (2.47)! Em sua indignação, esquecera as lições do passado recente. Quando uma pessoa se entrega à ira, perde o discernimento, ficando mais propenso a empregar as ameaças do que a razão.

O versículo 16 mostra-nos porque é correto referir-se a Sadraque, Mesaque e Abede-Nego como “objetos irremovíveis”. Responderam: “Ó Nabucodonosor, quanto a isto não necessitamos de te responder”.

Isto quer dizer: “Sim, as denúncias são verdadeiras. Não temos nenhuma defesa, escusa ou desculpa a apresentar. Confirmamos os fatos. É perfeitamente verdadeiro que não nos prostramos ante a imagem de ouro. Se tu nos lançares na fornalha de fogo ardente, que assim seja. Nosso Deus pode livrar-nos. Realmente, Ele o fará. Porém, se em sua soberana vontade, escolher não nos livrar, ainda assim não cometeremos o pecado que estás ordenando” (vv .16-18).

Isto é fé em ação! É fácil recusar a prostrar-se quando a integridade física é assegurada. Estes três homens estavam confiantes no livramento. Mas sua determinação era que, embora não fossem livrados, não se prostrariam. Esta é a forma como age a fé em Deus.

Devemos lembrar um grande princípio da vida cristã. Nas palavras de C. H. Spurgeon: “Nosso dever é praticar aquilo que é correto; as consequências pertencem a Deus ... É para você e eu fazermos o correto, ainda que os céus caiam, precisamos seguir a ordem de Cristo, apesar das consequências. Senhores, o que podemos fazer em relação às consequências? Que caiam os céus, mas que o homem seja obediente a seu Senhor e fiel à sua verdade. Ó homem de Deus, seja íntegro e não tema! As consequências pertencem a Deus e não a você”.

Este princípio bíblico é exemplificado em Sadraque, Mesaque e Abede-Nego. Nosso dever é fazer o que é correto. Nada mais. Se fazer o correto significa que estamos arrumados, isto é assunto de Deus. As consequências estão em suas mãos, mas o dever está em nossas. Não importa o custo ou as consequências cumpre-nos fazer aquilo que agrada a Deus.

Sadraque, Mesaque e Abede-Nego viviam de acordo com este princípio. Segundo o nosso conhecimento, nuca antes haviam eles, intencionalmente, desapontado o rei de Babilônia. Não há indicação de que isto era algo que eles desejavam. Mas quando temos de escolher entre agradar o homem mais poderoso da terra e o Deus eterno, há somente um caminho a seguir. O pior que o mundo pode fazer é nos matar.

Este é um pensamento que nos conforta intensamente! Todos morreremos, mais cedo ou mais tarde, e compareceremos diante de Deus. Sem dúvida, é melhor ser morto prematuramente e encontrá-Lo em paz do que viver um pouco mais e apresentar-se a Ele em terror. Sabemos que a morte não é o fim de tudo. Por que, então, deixar que a mera ameaça de morte seja uma razão para não mais procurarmos agradar a Deus, a quem deveremos prestar contas após a morte? Quanto

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menos deveria a fraca ameaça de sermos escarnecidos, desviar-nos de seguir ao nosso Senhor, neste mundo?

Poucos crentes consideram a lógica do princípio que acabamos de mencionar. Isto explica porque tantos deles cedem às pressões da época. Pensam nas consequências temporárias de desagradarem o mundo e tomam suas decisões à luz dessas consequências. Sadraque, Mesaque e Abede-Nego fizeram exatamente o oposto. Não obstante as consequências, o correto é correto, e o pecado é pecado. Portanto, resolveram fazer o correto e deixar as consequências com Deus. Este tipo de raciocínio mantém vivo um testemunho de Deus no mundo. Quando o abandonamos, perdemos todo o nosso poder de influenciar para Deus aqueles que vivem ao nosso redor.

A força irresistível encontrou três objetos irremovíveis. A força mais poderosa no mundo ordenou: “Façam isto!” Encontrou a resposta mais temida pelo mal: “Não!” Nabucodonosor não voltará atrás, e Sadraque, Mesaque e Abede-Nego não abandonarão a postura que assumiram. Qual será o resultado? Os versículos 19 a 30 nos contam.

O que Aconteceu

O resultado foi que os três crentes não-conformistas foram lançados na fornalha ardente. Porém, ali receberam livramento. Devemos notar que receberam livramento no fogo e não do fogo.

A intensidade da fúria de Nabucodonosor alterou até mesmo sua aparência! (v.19) Em seu furor, ordenou que a fornalha fosse aquecida sete vezes mais do que o normal. Quando os santos se recusam a pecar, não há limites à fúria dos ímpios. Aqueles que dizem estar preparados para entrar na fornalha, por amor ao Senhor, devem ser alertados de que a fornalha pode ser consideravelmente mais quente do que podem imaginar.

É óbvio, do versículo 20, que Nabucodonosor esperava oposição à sua ordem para executar os três rebeldes, pois colocou esta tarefa nas mãos dos homens mais fortes de seu exército. Os versículos 21 a 23 nos mostram aqueles homens carregando os três jovens, atados em suas roupas palacianas, ao topo da fornalha.

A fornalha era como um grande caldeirão. Na parte lateral, ao fundo, havia uma porta através da qual se colocava a lenha. Mas a parte de cima era aberta. O remanescente fiel a Deus foi conduzido a esta parte superior. A fornalha estava tão quente que os auxiliares de Nabucodonosor, que os carregavam, foram mortos pelo intenso calor; mas não antes de lançarem para dentro Sadraque, Mesaque e Abede-Nego. Os que olhavam para a abertura cheia de fumaça, viram-nos caindo através das chamas até o fundo da fornalha. Estavam atados e indefesos; e o fogo, que já matara os de fora os mataria também. Com certeza, seria o fim do povo de Deus.

É tolice dizer isto! Nunca acontecerá o fim do povo de Deus! O remanescente fiel nunca desaparecerá. Seu número pode ser pequeno, porém jamais deixará de existir. Nunca!

O livro de Apocalipse indica que este mundo verá o fim da igreja cristã como uma instituição organizada. O tempo virá quando as pessoas procurarão igrejas no sentido em que sempre as viram, mas não as encontrarão. Contudo, isto não significa que a igreja cristã acabará. O povo de Deus estará aqui na terra até o momento da vinda de nosso Senhor.

Considere a Albânia. Não se encontra lá qualquer sinal visível da igreja cristã. Não há indicação visível de que a igreja cristã tenha exercido qualquer influência naquela nação. Nenhum livro, em qualquer biblioteca, traz o nome de Deus, a não ser com desprezo, e não há nem uma cruz em qualquer cemitério. Ainda assim, há muitos que creem e amam a Cristo naquele país. Os esforços para erradicá-los falharam. O remanescente de Deus nunca poderá ser destruído.

Nabucodonosor e seus cortesãos certamente esperavam ouvir alguns gritos e ver três corpos explodirem nas chamas. Isto, pensavam eles, seria o fim do caso. Não haveria mais rebeldes. Todos os habitantes de Babilônia seriam pessoas dispostas a curvarem-se à imagem de Nabucodonosor.

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Mas, como todos os ímpios que já maquinaram contra o povo de Deus, Nabucodonosor viu o que não desejava. Viu algo que o levou a saltar de seu trono, para averiguar com seu conselheiros!

“Quantos homens foram lançados na fornalha?”

“Três.”

“Em que condição?”

“Atados.”

“Eu, porém, vejo quatro homens soltos, que andam passeando dentro do fogo, sem nenhum dano; e o aspecto do quarto é semelhante a um filho dos deuses” (v.25).

Sem dúvida, Nabucodonosor descreveu a quarta pessoa nos termos permitidos pela sua própria capacidade religiosa. Ele o chamou de “um filho dos deuses”. Não há dúvida, porém, que a quarta Pessoa é o Filho de Deus.

A Bíblia ensina claramente que o Filho de Deus muitas vezes apareceu na terra, em forma humana, antes que vivesse entre nós, em carne humana. Frequentemente, nestas teofanias anteriores à encarnação, Ele é descrito como o “anjo do Senhor” ou “o Anjo” (Gn 48.16). Portanto, não ficamos surpresos ao ouvirmos a referência a Ele como “seu anjo” (v.28). O Senhor Jesus andou entre as chamas juntamente com Sadraque, Mesaque e Abede-Nego! Uma promessa, dada ao Israel de Deus através dos lábios de Isaías, não muito tempo antes, mostrou-se verdadeira nesta ocasião: “Quando passares pelas águas, eu serei contigo; quando pelos rios, eles não te submergirão; quando passares pelo fogo, não te queimarás, nem a chama arderá em ti” (Is 43.2).

Se os três houvessem obedecido a Nabucodonosor, jamais teriam desfrutado deste privilégio de andar com Cristo entre as chamas da fornalha. Sua comunhão com Deus teria sido quebrada e estariam atados para sempre, não com cordas e correntes, mas com um profundo sentimento de fracasso, desapontamento e inutilidade.

Ao invés disto, seis séculos antes que a segunda Pessoa da Trindade, o Filho de Deus, nascesse como homem, tiveram o privilégio de andar com Ele. Ao rejeitarem o pecado, tiveram uma experiência de comunhão com o Senhor Jesus Cristo; uma experiência quase sem igual nas páginas do Velho Testamento. Quem imaginaria ser isto possível neste mundo? Se houvessem tentado salvar suas próprias vidas, verdadeiramente as teriam perdido. A vida seria uma existência sem sentido e sem comunhão. Mas, dispondo-se a perder suas vidas, de fato as encontraram. Ninguém perde por recusar-se a pecar, apesar de tudo que se diga ao contrário. Serem livres do fogo nunca antes fora uma experiência deles. O livramento no fogo é a estratégia de Deus.

Deus consola extraordinariamente aqueles seus filhos que se recusam a desonrá-Lo. Que influência poderiam estes três ter exercido sobre os ímpios, se tivessem se prostrado como todos os demais? Nenhuma! Mas eis agora os ímpios a contemplá-los, boquiabertos e com admiração, através da abertura no lado da fornalha. Eram testemunhas de que os jovens insubmissos caminharam com Cristo, entre as chamas, e estavam inteiramente ilesos. Quanto ao que sabemos, ninguém se converteu naquele dia. Mas receberam uma impressão a respeito de Deus que por toda a sua vida jamais esqueceriam.

Ao final daquele dia inesquecível, todos conversavam sobre o Deus de Sadraque, Mesaque e Abede-Nego. Não houve mais qualquer menção da horrenda imagem! A pedido de Nabucodonosor, os três saíram da fornalha, sem ter sequer um fio de cabelo chamuscado! Nem suas roupas foram afetadas, nem mesmo havia cheiro de fumaça neles!

Que Deus! Seus servos completamente ilesos! Que grande Deus! Nabucodonosor não se convertera ainda, mas os eventos do dia foram demais para ele. Uma vez mais, é levado a um reconhecimento público acerca de Deus.

Ao escrever estas páginas, encontro-me em um escritório em Liverpool, na Inglaterra. No passado, houve dias em que até mesmo os não-convertidos desta nação tinham um certo

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reconhecimento acerca de Deus. De modo geral, os homens e as mulheres não possuíam a fé salvadora, mas ainda assim, Deus era reconhecido em toda a vida da nação. Dezenas de milhares de pessoas, inclusive as não-convertidas, iam regularmente aos locais de culto, davam graças pelas refeições e guardavam o Dia do Senhor. Recusavam-se a usar linguagem inconveniente, a mentir e a se embriagarem. Opunham-se àqueles que tentavam destruir a vida familiar, ou jogavam, ou se envolviam em qualquer forma de desonestidade. Isto acontecia não por serem homens e mulheres salvos, mas por possuírem fortes impressões a respeito de Deus, gravadas em suas consciências. A moralidade da nação estava muito ligada ao senso que o povo tinha acerca de Deus.

Nosso país não é mais assim e está, de fato, se afastando desta posição a cada minuto. O declínio se iniciou quando a igreja começou a ceder. Quanto mais buscava estar “na onda” e “levar vantagem em tudo”, menor influência manifestava sobre o povo, no sentido de aproximá-lo de Deus. Ao começarem a enfraquecer sua mensagem, por não pregar algo que fosse ofensivo, como o inferno e os milagres, as igrejas perderam seu poder.

Quando o povo de Deus responde “Não!” àquilo que desagrada a Deus, não importando quão ofensivo isto seja para os outros, somente então eles exercem forte influência sobre os ímpios.

Veja o que Nabucodonosor foi levado a reconhecer. No versículo 28, vemos que ele reconheceu quem é Deus. Compreendeu que Deus tem servos, que havia enviado seu anjo e que era mais poderoso que ele próprio, embora fosse ele o mais poderoso homem no mundo. Reconheceu que Deus é maior do que qualquer outro deus e digno de ser louvado. Não chegou a reconhecer que Deus é o único Deus, nem alcançou a fé em Cristo. Porém, certas verdades foram indelevelmente marcadas em seu coração.

Sua reação foi editar um decreto (v.29). Não há como justificar ou aprovar o que ele ordenou. Devemos lembrar que ele ainda era um homem não-convertido; e, através dos tempos, procurar trazer outros a algum tipo de fé, pelo poder da espada, tem sido uma das características de tais homens. Esta não é a maneira de pessoas chegarem à fé. Somente homens de fé têm o discernimento espiritual para compreender esta verdade. Nabucodonosor não possuía tal discernimento. Portanto, ordenou que qualquer pessoa que falasse mal do Deus de Sadraque, Mesaque e Abede-Nego fosse cortada em pedaços e sua casa reduzida a monturo. Discordamos inteiramente deste decreto, mas salientamos o fato que ele havia recebido uma poderosa influência a respeito de Deus. Os piedosos foram maravilhosamente preservados pelo gracioso poder de Deus, e o testemunho de Deus permaneceu naquele império pagão.

A continuação do verdadeiro testemunho de Deus neste mundo depende de uma única palavra. De igual modo, todo o poder do povo do Senhor para ser uma testemunha eficiente para com os que estão ao seu redor pode ser arruinado por uma única palavra.

Esta palavra é “sim”. Quando os incrédulos sugerem o pecado e aqueles que cultuam a Deus concordam em praticá-lo, estes tornam-se como todos os demais. Assim, perdem todo o seu poder para fazer qualquer bem ou preservar a verdade.

Quando as tentações são enfrentadas com um firme “Não!”, a situação é inteiramente diferente. Para começar, uma fornalha ardente é certa. Ou ficamos fora da fornalha, com Nabucodonosor, ou dentro dela, com Cristo. Não há meio termo. Mas o lugar de calor irresistível é também o lugar de comunhão intensa com o Salvador. Aqueles que andam por entre as chamas também gozam a certeza de que estão fazendo uma marca indelével, a respeito de Deus, sobre as consciências dos não-convertidos.

Não há fornalha ardente que consiga destruir o povo de Deus. Tais fornalhas, de fato, acabam se tornando o próprio meio que Deus usa para preservar seu remanescente fiel e manter viva a sua verdade, no mundo.

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5 – A OCASIÃO DE NABUCODONOSOR

Leia Daniel 4

Daniel 4 apresenta Nabucodonosor como o personagem principal e relata uma grande mudança ocorrida na vida do rei. Por estas duas razões, temos este título: “A ocasião de Nabucodonosor” .

Nabucodonosor Antes dos Eventos do Capítulo 4

Recordemos o que já lemos sobre o rei Nabucodonosor. No capítulo 1, aprendemos acerca de sua brilhante política de engajar em seu serviço público os cativos judeus, com a intenção de colocá-los em posições de liderança no seu império.

Vimos como quatro dos que foram selecionados para serem reeducados, negaram-se a comer os manjares que o rei lhes prescrevera, pois estes haviam sido oferecidos aos ídolos. O resultado foi que Deus os honrou por terem eles honrado a Deus. Estes quatro demonstraram ser melhores do que todos os seus companheiros estudantes e, ainda, melhores do que seus professores! “Então o rei falou com eles; e, entre todos, não foram achados outros como Daniel, Hananias, Misael e Azarias; por isso passaram a assistir diante do rei” (1.19).

Nabucodonosor nunca havia encontrado homens como estes! Quatro rapazes, com apenas dezessete anos, eram mais sábios do que seus mais experientes conselheiros. Estes mesmos quatro jovens destacaram-se pelo fato de temerem a Jeová. Isto deve ter causado profunda impressão na mente de Nabucodonosor.

Mas o convívio com pessoas crentes, por si só, não converte ninguém. Isto é verdade, ainda que tais crentes sejam excepcionais, como aqueles quatro rapazes. Os eventos do capítulo 2 esclarecem isto. Nabucodonosor permanecia ainda pagão. Vemo-lo ali sob o pior ângulo possível – atribulado, furioso e sem compaixão. Sua fúria para com os sábios, que não puderam contar nem interpretar seu sonho, levou-o a ordenar precipitadamente a execução de seus sábios em todo o reino. Somente um homem sem Deus poderia se comportar assim.

Atribuindo a Deus todo o mérito, Daniel interpretou o sonho. Descreveu como um reino terreno daria lugar a outro, e como, na época do quarto grande império mundial, seria estabelecido um reino que jamais findaria. O que os conselheiros pagãos não puderam ver foi revelado ao piedoso Daniel, em resposta à oração unânime do remanescente fiel. Nabucodonosor foi levado a contemplar a ruína de sua própria religião e a confessar que “Deus é o Deus de deuses, e o Senhor dos reis, e o revelador de mistérios” (2.47).

Este versículo enfatiza quanto o rei ficou impressionado. Nabucodonosor reconheceu que Deus existe, mostrando não encontrar-se na total incredulidade. Embora não tenha chegado a admitir que Ele é o único Deus, o rei confessa que Jeová é Deus verdadeiro, maior do que todos os deuses.

Mas a mente humana esquece tão cedo! Com frequência, algo que nos parece imensamente importante logo desaparece de nossas mentes. Por isso, o homem que, no final do capítulo 2, manifestava possuir profunda percepção de Deus parece não mais possuí-la ao iniciar-se o capítulo 3.

Assim, encontramos Nabucodonosor como um monarca que fez uma hedionda estátua e ordenou que deveria ser adorada. Onde estava sua forte convicção de que Deus é o maior de todos os deuses? Agiu em direta contradição às verdades que tão recentemente confessara. As palavra de sua boca não alcançaram seu coração. A vontade não se encontrava submissa àquelas verdades.

Não devemos pensar que esta atitude de Nabucodonosor seja incomum. Há muitas pessoas assim. Eles ouvem a verdade do evangelho. Ela lhes causa profunda impressão. A verdade cativa-os e os entusiasma. Ficam inquietos pelo que ouviram. Mas há algo em seu íntimo que não deseja que estas coisas sejam verdadeiras. Frequentemente, tais pessoas procuram viver como se o que

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acabaram de admitir não seja verdadeiro. Não dão lugar ao evangelho em suas vidas. Imagine um homem que sai de férias e descobre que a casa que alugou localiza-se ao lado de uma fábrica barulhenta, que trabalha vinte e quatro horas por dia! Durante a primeira noite, não consegue dormir. Jamais ouvira um barulho assim, tão terrível que parecia sacudir-lhe a cama!

Na noite seguinte, o mesmo barulho! Não é, em nada, diferente. Porém, consegue cochilar por alguns minutos. Dentro de uma semana está dormindo quase toda a noite e, antes de terminarem suas férias, dorme serenamente como os que moram na vila há muitos anos. Aquilo que o deixou tão inquieto não mais o impressiona. É como se não houvesse qualquer barulho. Não produz mais efeito sobre ele.

Comumente, esta é a experiência de muitos homens e mulheres que são expostos à Palavra de Deus. Quando a ouvem pela primeira vez, ficam inquietos, mas eventualmente chegam à indiferença em relação ao que ouvem. Não estão mais perto de dobrarem os joelhos diante de Deus do que estavam antes.

Esta era a condição de Nabucodonosor no capítulo 3, e Deus realmente teve de sacudi-lo. Sua fúria não-convertida motivou-o a lançar os três jovens na fornalha ardente, ma o livramento miraculoso, aliado à sua própria visão do Filho de Deus, levou-o à confissão apresentada nos versículos 28 e 29. Seu reconhecimento anterior de Jeová, como o maior Deus, se torna ainda mais claro. Admite que nenhum outro Deus pode livrar como o Deus daqueles jovens. Está quase para diz não há outro Deus.

Porém, a narrativa não fornece a menor indicação de que sua própria vontade foi quebrantada. Não há indícios de que chegara à ocasião de prostrar-se e adorar a Deus. No íntimo de seu coração, permanecia tão obstinado como antes. Usando a linguagem de nossos antepassados, Nabucodonosor possuía a notitia e o assensus, mas não a fiducia. Em outras palavras, ouviu a verdade e a reconheceu como verdade – aceitou o fato de que ela é a verdade. Mas não se comprometeu com aquilo que sabia ser a verdade. Não descansou nela e não a tornou o fundamento de sua confiança.

Nabucodonosor nos faz perceber quão longânimo é Deus. Deus se manifestou a ele indiretamente no capítulo 1, abordou-o diretamente no capítulo 2 e sacudiu-o no capítulo 3. Deus insistiu, insistiu e insistiu de novo. Mas o coração do rei ainda não se encontrava aberto para Deus. No capítulo 4, Deus instou mais uma vez. A graça de Deus é soberana, e, nesta ocasião, Ele agirá de tal forma que destruirá toda a resistência ao seu poder. Deus determinou entrar no coração de Nabucodonosor, e o fará!

Nabucodonosor Após os Eventos do Capítulo 4

Obviamente, o capítulo 4 foi escrito depois dos eventos ali registrados. Considerando seu início e seu final, podemos ver como os fatos ocorridos mudaram profundamente a Nabucodonosor.

O capítulo começa com uma proclamação, nos versículos 1 a 3. De um modo típico dos reis babilônios, Nabucodonosor se apresenta como o rei do mundo conhecido. Porém, o versículo 2 atrai nossa atenção. Ali, o rei declara abertamente que Deus trabalhou em sua vida. A palavra hebraica traduzida por “sinais” refere-se a um evento miraculoso. A palavra “maravilhas” significa um acontecimento com efeitos maravilhosos. Nabucodonosor está dizendo a seus leitores: “Deus trabalhou em minha vida. Fez algo miraculoso, que teve efeitos maravilhosos”.

O versículo 3 não é menos impressionante. Proclama a grandeza dos milagres que Deus faz e exalta os efeitos extraordinários produzidos nas vidas das pessoas. Mas encontramos uma nova e estranha humildade na sentença seguinte. Detectamos um sentimento de louvor reverente nas suas palavras: “O seu reino é reino sempiterno, e o seu domínio, de geração em geração” .

Estamos cientes de que o rei conhecia a verdade (notitia). Sabemos que a havia reconhecido como a verdade (assensus). Mas, agora, parece curvar-se ao Deus do céu (fiducia). Não mais fala sobre Ele comparando-O a outros deuses. Suas palavras não admitem que haja quaisquer outros.

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Uma grande mudança sobreveio a Nabucodonosor, enfatizada ainda mais pelo estudo do final do capítulo.

O versículo 34 contém o seguinte reconhecimento: “Eu, Nabucodonosor, levantei os olhos ao céu, tornou-me a vir o entendimento, e eu bendisse o Altíssimo, e louvei, e glorifiquei ao que vive para sempre, cujo domínio é sempiterno, e cujo reino é de geração em geração” .

Entretanto, há mais ainda! O versículo 35 também relata palavras de Nabucodonosor, e contém a mais abrangente afirmativa da soberania de Deus encontrada no Velho Testamento: “Todos os moradores da terra são por ele reputados em nada; e, segundo a sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes?”.

Mas isto não é tudo. O último versículo do capítulo contém a confissão de fé de Nabucodonosor: “Agora, pois, eu, Nabucodonosor, louvo, exalço e glorifico ao Rei do céu, porque todas as suas obras são verdadeiras, e os seus caminhos, justos, e pode humilhar aos que andam na soberba” (4.37).

O capítulo 4 de Daniel termina com um rei adorando. Vemos um homem prostrado perante Deus, reconhecendo-o como verdadeiro e justo. No seu louvor, há evidência tanto de entusiasmo como de humildade. Sua fé pode ter sido muito fraca, mas era real. Seu conhecimento pode ter sido deficiente, mas era verdadeiro. O fato importante é que o rei tornou-se um homem transformado. Mostrou-se diferente, mudou a direção de sua vida, foi convertido!

Graças a Deus pela conversão! Aquilo que antes era uma coisa agora é outra. Agora há vida espiritual no coração do rei. Mas quais são os eventos que transformaram sua vida?

O que causou a transformação de Nabucodonosor?

Eventos do Capítulo 4; A Conversão de Nabucodonosor

Nosso objetivo não é examinar todos os detalhes da narrativa de Daniel 4. Focalizaremos apenas dois pontos de particular importância.

O primeiro fato importante é o que Deus realizou. Foi Deus quem realizou a conversão de Nabucodonosor. Deus a concretizou!

Nos versículos 4 e 5 lemos que, quando tudo ia bem com ele, Deus interveio e lhe deu um sonho terrível. Mais uma vez, Nabucodonosor chamou aqueles que deveriam ser capazes de interpretar sonhos e, mais uma vez, não puderam ajudá-lo.

Considerando sua experiência anterior, por que motivo não chamou logo a Daniel?

A resposta é que Nabucodonosor tinha uma forte ideia a respeito do significado do sonho, mas desejava profundamente que o mesmo não fosse verdade. Por esta razão não chamou a pessoa que, conforme estava convicto, lhe contaria algo que não queria ouvir.

Na literatura babilônica era comum representar o rei como uma árvore. Nabucodonosor sabia muito bem que a árvore, em seu sonho, era ele mesmo, e os animais à sua sombra e os pássaros nos seus ramos eram os cidadãos que viviam sob sua autoridade e proteção. Ao ver a árvore ser derrubada, sabia que ele mesmo seria grandemente humilhado. O versículo 17 deixa claro que ele deve ter entendido que Deus lhe faria o que estava previsto no sonho. Em seu estado de não-convertido, esta era uma verdade que não podia enfrentar, uma verdade que não queria ouvir.

Portanto, manda que venham todos os seus intérpretes pagãos, nutrindo a esperança de receber uma interpretação diferente daquela que sua consciência sabia ser verdadeira qual Daniel lhe daria, se estivesse presente. Simplesmente não queria ser informado do fato que Deus iria prostrá-lo. Mas, visto que ninguém fornecera qualquer interpretação, obrigou se a chamar Daniel e ouvir do profeta de Deus a verdade que fizera o máximo para evitar.

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Os versículos 10 a 16 contam-nos sobre o sonho. Há uma árvore ... e cresce ... e cresce ... e cresce. Parece alcançar o céu e pode ser vista de onde se estiver, não importando a distância.

Um anjo desce e ordena que a árvore seja derrubada. Seus ramos serão cortados, suas folhas derriçadas, seus frutos espalhados. Os animais e pássaros não mais gozarão de seu refúgio. A linda árvore será destruída. Nada será deixado, além de uma cepa atada com correntes de metal.

A cepa nada é, se comparada à árvore original. Ficará no campo, com os animais que lá pastam e o orvalho a molhará. O coração lhe será tirado (v .16) e lhe será dado um coração de animal. Ficará assim “sete tempos”, que significa sete períodos definidos, embora não se saiba se estes são meses ou anos. Tudo isto acontecerá por decreto de anjos.

Nos versículos 19 a 27, Daniel, com sua habilidade de interpretar sonhos, que lhe foi dada por Deus, revela o significado.

Daniel deseja prosperidade ao rei. Fica admirado ante o pesado julgamento de Deus, prestes a cair sobre Nabucodonosor. Reluta em anunciar a interpretação, mas obedece à ordem real para fazê-lo.

“Rei Nabucodonosor, tu és a árvore. Cresceste e te fortaleceste, mas serás derrubado. Isto não acontecerá por decreto de anjos, e, sim, por decreto de Deus, a quem os anjo servem” (vv.20-24).

Qual o propósito disto tudo? O versículo 25 nos conta: “Até que conheças que o Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens e o dá a quem quer”.

“Mas”, continuou Daniel, “não perderás todo o teu reino. Depois que tudo isto te acontecer, será restaurado ao trono. Portanto, arrepende-te! Teu arrependimento não impedirá que o sonho se realize, mas talvez prolongue o período de tua tranquilidade” (vv.26-27).

“Todas estas cousas sobrevieram ao rei Nabucodonosor” (v.28). O sonho, da forma como fora interpretado por Daniel, se cumpriu em todos os seus detalhes. Este cumprimento está registrado nos versículos 28 a 33.

O momento da humilhação do rei foi durante a mais forte manifestação do seu orgulho. Ocorreu enquanto contemplava sua capital, andando no terraço de seu palácio. Dizia para si mesmo: “Não é esta a grande Babilônia que eu edifiquei para a casa real, com o meu grandioso poder e para glória da minha majestade?” (v.30). Doze meses haviam se passado desde que sua humilhação fora profetizada; talvez o rei pensasse que não mais ocorreria. Mas o propósito de Deus permanece, exatamente como sua Palavra declara, ainda que os calendários humanos considerem-no atrasado.

A história e a arqueologia nos revelam que Nabucodonosor foi um grande construtor. Em todos os seus domínios, havia grandes templos erigidos sob seu patrocínio, bem como dezenas de maravilhosos prédios públicos em sua capital. Entre as suas realizações incluíam-se os famosos jardins suspensos de Babilônia, que por muito tempo foram contados entre as sete maravilhas do mundo. Babilônia era uma cidade linda. As realizações do rei causavam admiração. Seu coração estava repleto de exaltação própria: “Eu o fiz. Foi necessário muito poder para edificar tudo isto, e fui eu quem manipulou este poder. Jamais houve majestade semelhante à minha!”

Deus humilhou um homem cujo coração transbordava de orgulho. Uma voz do céu anunciou que havia chegado a destruição prometida (vv.31-32). “Serás expulso de entre os homens, e a tua morada será com os animais do campo; e far-te-ão comer ervas como os bois, e passar-se-ão sete tempos por cima de ti, até que aprendas que o Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens e o dá a quem quer.”

E aconteceu! “No mesmo instante se cumpriu a palavra sobre Nabucodonosor; e foi expulso de entre os homens, e passou a comer erva como os bois, o seu corpo foi molhado do orvalho do céu, até que lhe cresceram os cabelos como as penas da águia, e as suas unhas como as das aves” (v. 33).

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O grande rei de Babilônia ficou completamente louco. Deus tirou-lhe o entendimento, dando-lhe um coração de animal. Seu cabelo cresceu até parecerem penas. Suas unhas logo se assemelharam a garras. Vivia como um animal, no campo, alimentando-se de capim e sendo molhado pelo orvalho da manhã, como os bois que o cercavam.

Os escritores pagãos do mundo antigo nos contam que depois de travar suas grandes batalhas e haver retomado à Babilônia, Nabucodonosor desapareceu subitamente, reaparecendo apenas um pouco antes de sua morte. Contam que, em certo dia, foi visto no terraço de seu palácio, de onde poderia apreciar toda a sua cidade. Esta foi a última ocasião em que foi visto, passando-se, então, um considerável período de tempo, até que apareceu novamente pouco antes de sua morte.

Alguns desses escritores dizem que ele foi tomado por alguma forma de divindade, enquanto outros comentam que foi afligido por uma estranha doença.

Deus humilhou este rei orgulhoso com uma doença conhecida como “licantropia”, onde a pessoa acredita ser um animal, enquanto, ao mesmo tempo, preserva suficiente consciência interior, para lembrar-se do que realmente é. Pessoas que sofrem desta terrível enfermidade, agem como o animal que imaginam ser e emitem os ruídos que o caracterizam.

Uma forma particular desta doença é chamada de “boantropia”. Muitos casos já foram registrados. No século dezenove, houve um número surpreendentemente alto de casos desta doença nas ilhas britânicas. Certas pessoas acreditavam ser bois ou vacas e agiam exatamente como estes animais, não esquecendo completamente sua verdadeira identidade.

Foi a esta situação que o Senhor trouxe o mais poderoso homem no mundo, usando-a como um castigo por seu orgulho e como um meio de ensinar-lhe uma lição espiritual que resultaria em sua conversão. Os palacianos retiraram par fora o soberano enlouquecido e o observavam com espanto, enquanto comia capim e rolava no campo, com unhas e cabelo crescidos. Quem imaginaria que tal coisa pudesse acontecer ao rei da Babilônia? O homem a quem nada parecia impossível havia sido entregue ao total desamparo. Ele, que sempre fora honrado com temor servil, era agora objeto de compaixão.

Porém, havia um propósito bondoso no julgamento divino. Já vimos que seus resultados espirituais estão registrados nos versículos 34 e 35. Ao trazer-lhe de volta o entendimento Deus também restaurou o reino de Nabucodonosor à sua glória anterior. Os conselheiros que haviam administrado o império durante sua ausência, agora dirigiam-se a ele buscando conselho e orientação, como o faziam antes. Após ter sido restaurado o rei proclamou sua confissão de fé (v. 37), governou brevemente como um rei temente a Deus e morreu pouco tempo depois, em comunhão com Deus.

Deus o fez! Aquele que se mostrara um não-convertido antes do capítulo 4 mostrou-se bem diferente depois. A mudança teve uma origem divina. Deus a realizou!

O segundo fato a observar é como Deus operou a conversão de Nabucodonosor; não foi exaltando-o, mas derrubando-o. E assim que Deus converte as pessoas!

Um dia o rei estava em sua esplêndida Babilônia, cheio de orgulho e inflado pelo seu próprio senso de realização. Em sua majestade, olha ao seu redor: os jardins, os templos e os magníficos edifícios. Não precisa de ninguém. Fez-se por si mesmo. Pode ter qualquer coisa que desejar. Tudo que ordenar será feito imediatamente.

Então, dentro de pouco tempo, encontra-se vivendo como os bois no campo!

Sete “tempos” se passam – semanas, meses ou quaisquer que sejam estes períodos de tempo. Pouco a pouco, enquanto está revirando o chão e comendo grama, vem a entender uma coisa. Quase totalmente enlouquecido, procedendo e mugindo como o animal que imagina ser, ainda possui consciência interior suficiente para reconhecer verdades que deveria ter assimilado antes. Verdades que ouvira e aceitara voltam à sua mente. Não de imediato, mas com firmeza, adquire a convicção de que Deus é o único Deus e o Rei do céu. Agora está convicto de que isto é verdade. Por fim,

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chega à fiducia e se compromete à verdade a respeito da qual foi persuadido. Nunca mais viverá como se ele, ou qualquer ser humano, fosse o centro do universo. Jamais cairá na armadilha de pensar que o mundo gira em torno de sua própria pessoa.

Deste momento em diante, viverá como um súdito do verdadeiro Rei. Buscará a Deus como um suplicante. Abraçará a Deus como uma criancinha abraçaria seu pai. Quando alguém se torna como uma pequena criança, pode ver o reino do céu (Mt 18.3).

Finalmente este grande rei está no lugar onde todo homem e mulher devem estar. Prostrado ante a face de Deus. Seu coração foi transformado, seu entendimento restaurado. Nabucodonosor volta à sua humanidade plena e à glória anterior. Caminha para a eternidade em comunhão com o Rei do céu.

Assim ocorreu sua conversão. Deus a realizou, não o levantando, mas derrubando-o!

Duas Lições a Aprender

Esta narrativa histórica nos ensina duas lições importantes.

Primeira, nunca devemos desistir da conversão de qualquer pessoa. Poderíamos imaginar que este poderoso rei, que levou cativo o povo de Deus e procurou forçar o remanescente fiel a unir-se a ele na prática da idolatria, estaria, depois, ele mesmo, em comunhão com Deus? Foi perante um rei completamente pagão que os exilados se curvaram em 605 A.C. Certamente seria impossível que este monarca se tornasse parte do povo de Deus! Contudo, para Deus nada é impossível.

E, quando se mostrou furioso e irracional, ordenando a execução dos sábios, quem poderia supor que tal homem, em algum tempo, se tornaria um crente? Parecia ainda menos provável quando virou as costas à verdade que ouvira e ordenou todo o seu povo a adorar aquela horrível estátua. Poderia este homem, que ordenou a destruição do remanescente de Deus em uma fornalha, fazer parte daquele mesmo remanescente? Isto estava fora de cogitação.

Mas, ao terminar nosso capítulo, vemo-lo como uma criancinha aos pés de Deus. Como súdito e suplicante, está adorando, louvando, exaltando e honrando o Rei do céu!

Enquanto o Deus de Nabucodonosor continuar sendo Deus, nunca devemos desistir quanto à conversão de qualquer pessoa. Muitas vezes somos tentados a questionar se há qualquer razão para prosseguirmos com o trabalho cristão. As pessoas ao nosso redor parecem intoleravelmente duras ou incrivelmente apáticas. Quase tudo lhes parece mais importante do que as coisas de Deus. Nossa mensagem a eles tem sido gentilmente ignorada ou cinicamente resistida. Temos a impressão de que são homens e mulheres que nunca serão quebrantados. Parece impossível que qualquer deles venha a se converter. Achamos difícil imaginar que alguém esteja mais longe de Deus do que eles.

Desistiremos, em desespero total, se esquecermos que Deus é onipotente. Se Ele pôde quebrantar um coração como o de Nabucodonosor, quem lhe será demasiadamente difícil? Fez o “impossível” e pode fazê-lo de novo. Sendo colaboradores dEle, é nosso dever continuar trabalhando pela conversão de todos ao nosso redor, confiando que seu infinito poder nunca será resistido por qualquer pessoa que Ele determinou salvar. Aquilo que não podemos, Ele pode! Nunca devemos perder a esperança quanto à conversão de alguém.

Há uma segunda lição a aprender deste capítulo, a qual endereço a qualquer leitor não-convertido. A razão por que até o momento você não se converteu, apesar de todo o seu interesse na Bíblia, é esta: você ainda não está suficientemente humilhado. Você tem um elevado conceito a respeito de si mesmo e não pode ir a Deus, como uma criança. E muito orgulhoso para, como um súdito, prostrar-se ante o trono divino. Acha-se muito importante para aproximar-se ao Rei como um mero pedinte.

Dirijo-me com franqueza a você. E hora de você encarar o fato de que não será salvo enquanto estiver confiando em sua respeitabilidade. Deus não o salvará se não houver humilhação

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de sua parte. Aqueles que se achegam a Deus, por meio de Cristo, precisam ir a Ele da mesma forma que o fizeram todos os demais antes deles.

O publicano nem mesmo ousou levantar os olhos ao céu, mas suplicou, de coração: “Ó Deus, sê propício a mim, pecador!” (Lc 18.13). O grande intelectual, Saulo de Tarso, converteu-se enquanto ainda estava agitado e cego na estrada de Damasco, orando: “Senhor, que queres que eu faça?” (At 9.6). O rude carcereiro de Filipos caiu de joelhos e implorou: “Senhores, que devo fazer para que seja salvo?” (At 16.30).

A única maneira de nos aproximarmos do Altíssimo é descendo ao mais baixo de todos os lugares. A conversão de Nabucodonosor nos ensina isto. E o Senhor Jesus Cristo salva pessoas que se encontram naquela posição, porque não veio chamar os justos, e, sim, os pecadores ao arrependimento (Mc 2.17).

O ato mais misericordioso que Deus pode realizar a favor de um pecador é quebrantá-lo. Nesta condição, qualquer homem ou mulher sempre estará seguro. A única direção para a qual pode voltar seus olhos é para o alto, tendo no céu o único lugar ao qual pode apelar.

Uma Advertência Final

Aqueles que relutam em prostrar-se aos pés de Deus, devem atentar a esta advertência final. Deus poderia tornar louca qualquer pessoa. Quem sabe como Deus reagirá à sua constante rejeição aos convites e advertências dEle? Deus pode quebrantar você, sem que haja cura (Pv 29.1). Se Ele decidisse tornar você louco e não restaurá-lo, como, então, você clamaria por misericórdia? Ele lhe tem dado a capacidade de raciocinar; porque não agir de acordo com o que você reconhece ser a verdade? Amanhã Ele poderá dizer: “Basta!”, e deixá-lo sem força para saber ou aceitar a sua verdade e muito menos ainda para descansar nela.

Não precisamos temer ser quebrantados por Deus. O que Ele quebranta, só Ele pode restaurar. Ele não despreza um coração quebrantado e contrito (Sl 51.17). Também não devemos ter receio de ser governados por Ele. Todas as suas obras são verdadeiras, e seus caminhos, justos (Dn 4.37).

Ao findar este capítulo, devemos lembrar a grandeza divina e admitir a nossa própria insignificância. Deus não tem boas novas para os que imaginam ser alguma coisa. Porém, Ele nunca vira as costas aos que vêm a Ele com as mãos vazias, nada tendo a reivindicar. Ele não escuta as orações que procedem de corações orgulhosos, mas súplicas que procedem de um espírito contrito ecoam alto em seus ouvidos e recebem toda a sua atenção. Cristo, nosso Salvador, já viveu de modo perfeito em nosso lugar, por isso Deus não espera que vivamos de modo perfeito, antes de sermos salvos e termos comunhão com Ele. Não há mais penalidade com a qual Ele nos castigará, porque o Filho, que enviou, já pagou tudo. Todas as súplicas repletas de orgulho são uma contradição a estas grandes verdades; somente os clamores dos quebrantados são compatíveis com elas. Por esta razão, Nabucodonosor teve de ser tão humilhado antes de entrar em comunhão com Deus.

Agora, faça da confissão de Nabucodonosor a sua confissão pessoal de fé. “Agora, pois, eu ... louvo, exalço e glorifico ao Rei do céu, porque todas as suas obras são verdadeiras, e os seus caminhos, justos, e pode humilhar aos que andam na soberba” (v.37).

6 – COMO PERDER-SE

Leia Daniel 5

Nabucodonosor foi um homem muito ímpio. Porém, no final de sua vida, tudo lhe correu bem, pois Deus o humilhou, e o orgulhoso rei se tornou servo de Deus.

Mas isto nem sempre acontece com todas as pessoas. Esta é a lição de Daniel 5.

O caminho em que andam os não-convertidos é permeado por uma linha invisível, uma linha vista somente por Deus. Deus é paciente e longânimo para com aqueles que O rejeitam e desprezam. Ele lhes oferece muitas oportunidades de converterem-se. Convida-os insistentemente a

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se voltarem para Ele e os persuade. Seu grande desejo é que eles se arrependam e O busquem, ao invés de continuarem a se afastar dEle.

Os que persistem em andar no caminho que escolheram um dia cruzam aquela linha invisível. Cruzam a tênue fronteira entre a paciência e a ira de Deus. Finalmente Ele diz: “Basta!”, e desiste deles. Não há um caminho especial que conduz ao inferno. É necessário apenas permanecer, por tempo suficiente, em nosso próprio caminho.

Homens e mulheres se perdem não por serem grande pecadores. O Senhor Jesus tem poder suficiente para salvar o maior dos pecadores. Pessoas vão ao tormento eterno não por causa do número ou da frequência de seus pecados. No inferno, há grandes pecadores e também os que são chamados de “pequenos” pecadores. Homens e mulheres perecem eternamente porque, durante sua vida, seus corações resistem a Deus e seguem os seus próprios caminhos, até que a paciência de Deus se esgota. Reprimindo suas consciências muitas vezes, chegam ao ponto em que Deus nada mais tem a dizer-lhes. Nunca procuram sua misericórdia, humildemente. Nunca se aproximam do Salvador, mas permanecem obstinados, arrogantes e voluntariosos. Por não se humilharem e prostrarem, homens e mulheres se perdem.

Este capítulo grava de modo eficaz esta lição em nossos corações. Faz isto apresentando-nos cinco personagens, e o primeiro deles é mencionado nos versículos 1 a 4.

Belsazar

“Belsazar” quer dizer “Bel proteja o rei” e é, naturalmente, um nome pagão. No passado, muitos céticos asseveraram que esta história era ficção, pois Belsazar nunca existira. Mas os documentos cuneiformes do Oriente Médio os silenciaram. Não há mais qualquer dúvida a respeito da historicidade de Belsazar. Como sempre acontece, a Bíblia estava certa, e os críticos, errados.

Daniel 5 chama Belsazar de “rei”, mas ele não era o único rei. Naquele tempo, Nabonidus era o rei de Babilônia e Belsazar era seu co-regente. Este possuía todos os direitos, prerrogativas e majestade do rei, exceto em um aspecto. Nas inscrições oficiais do império, Nabonidus era sempre chamado “o rei”, e Belsazar recebia um título menor, que designava alguém que substituía o rei. Quanto aos assuntos diários do império, ele governava juntamente com Nabonidus; ambos tiveram um relacionamento harmonioso. Se houvesse diferença de opinião entre eles, Nabonidus teria a palavra final. Porém, não sabemos de qualquer ocorrência neste sentido. Governavam juntos o vasto império de Babilônia.

Como Nabonidus, Belsazar era filho de Nabucodonosor. Mas é possível que tenha sido filho (ou filho adotivo) Nabonidus e que a palavra “pai”, neste capítulo, tenha a ideia de “antepassado” ou “avô”.

Isto significa que vivenciara, quando menino e moço. Os eventos relatados nos primeiros quatro capítulos de Daniel. Belsazar testemunhou o fato de Nabucodonosor ter descoberto que quatro jovens eram extraordinários e adoradores de Jeová. Provavelmente ele ouviu a interpretação dada por Deus, através de Daniel, do horroroso sonho de seu pai. Possivelmente participou da admiração surgida por terem Sadraque, Mesaque e Abede-Nego andado com o Filho de Deus, entre as chamas da fornalha. Deve ter visto seu pai (ou avô) tornar-se como um animal e tinha conhecimento de como Nabucodonosor passara seus últimos dias na terra gozando de uma fé pessoal no Deus vivo.

Belsazar crescera praticamente ao lado de Daniel e seus três companheiros. Estes tinham apenas catorze anos quando foram exilados; a diferença de idade entre eles não deve ter sido muito grande. Talvez tenha ouvido Daniel orar ou pregar. Certamente o viu permanecer firme por amor a Deus.

Neste capítulo, nos deparamos com um homem que, desde seus primeiros anos de vida, havia presenciado um testemunho vivo do verdadeiro Deus. Nunca devemos pensar que, em Babilônia, Nabucodonosor foi a única pessoa exposta à verdade de Deus; Belsazar teve a mesma experiência.

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Como seu pai, teve a oportunidade de acertar sua vida com Deus. O Salvador havia batido em seu coração, através dos eventos que testemunhara. Foi um homem que viu Deus tratando de modo pessoal com alguém próximo a ele. Sabia o que era a conversão, pois contemplara seu próprio pai tornar-se um servo de Jeová. O verdadeiro Deus fora louvado e adorado no palácio que agora ele ocupava, como rei.

Este homem agora dá uma festa para mil de seus dignitários!

Chegamos ao ponto em que a paciência de Deus com Belsazar está se esgotando. Ao invés de submeter-se a Deus, continua a resistir-Lhe. Permanece inquebrantável, e o dia do acerto de contas está chegando. Sem que Belsazar saiba, mais um passo no caminho da incredulidade o fará ultrapassar aquela linha invisível. Dará somente mais um passo para longe de Deus, e Deus apresentará a sua conta. Mais um ato de desprezo à pessoa de Deus causará que Este declare: “Basta!”. O dia de sua oportunidade para arrepender-se está terminando rapidamente. Não podemos ir até onde desejamos em nosso pecado, e a história de Belsazar nos mostrará isto. Mais um pecado, e será o fim de Belsazar!

A ocasião para o seu último pecado foi um enorme banquete. Tais eventos eram muito comuns na antiga Babilônia. Um grande dignitário convidara outras personalidades para se reunirem a ele, unicamente com o propósito de se embriagarem. Era uma ocasião para cânticos espalhafatosos e lascivos e para um comportamento desenfreado. A noite terminava com os hóspedes sendo ajudados a chegarem em suas casas, para, no dia seguinte, se orgulharem de que haviam “se divertido”.

Os efeitos da embriaguês são bem conhecidos, e a Palavra de Deus frequentemente alerta contra ela. À medida em que Belsazar fica sob o efeito da bebida, despoja-se de toda a decência e decoro. Convida a multidão de farristas que juntem-se a ele na profanação dos vasos que seu pai trouxera do templo de Jeová, quando conquistou Jerusalém. Embriagam-se com os vasos que haviam sido consagrados ao louvor do único Deus. Enquanto fazem isto, canções são entoadas em louvor aos ídolos babilônios. A cena é de desprezo ao Deus do céu, o Deus a respeito de quem Belsazar ouvira desde a meninice, e de rejeição ao testemunho que havia sido exposto durante toda sua vida. O rei coloca os vasos de ouro nas mãos de seus hóspedes e lidera a orgia; escarnecem do sagrado e exaltam o profano. “Beberam o vinho e deram louvores aos deuses de ouro, de prata, de bronze, de ferro, de madeira e de pedra” (v.4).

Os Dedos de Mão Humana

O segundo personagem desta narrativa são os dedos de uma mão humana. Lemos a respeito disto nos versículos 5 a 9.

Quantas reproduções imaginárias temos visto esta cena! Em quase todas, os livros retratam a escrita sendo feita por uma mão direita inteira. Mas não foi assim; eram “dedos de Mao de homem e escreviam” (v.5). Em nossa mente, podemos imaginá-los a rir e a zombar. O clima é de hilaridade e deboche, quando vozes ébrias entoam cânticos abjetos em louvor a divindades pagãs. O pecado é geral e desregrado, procurando mostrar-se como algo agradável. A atmosfera é de impiedade sem limite, e nada há que frustre suas crescentes manifestações.

Então, sobrevém um silêncio atordoante e estarrecedor!

Assim acontece; Deus pode mudar de forma rápida uma situação. Num piscar de olhos, tudo terminou para o monarca arrogante. Deus anotou todos os seus pensamentos, palavras e obras. Agora, encontra-o e apresenta-lhe a conta!

De acordo com o costume babilônio, o salão de banquetes devia ter uma pequena plataforma ou palco em uma das extremidades. Esta era muito bem iluminada com lustres e candelabros, pois ali encontrava-se a mesa do anfitrião. Através da arqueologia, sabemos que atrás desta plataforma real havia uma parede revestida de branco. Todos os olhos estão agora voltados a ela, pois, no meio da orgia altiva e desregrada, move-se uma silhueta escura. São dedos de uma mão humana.

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Nenhuma pessoa, nenhum braço, nenhuma mão; somente alguns dedos. Quatro palavras confrontam todos os rostos. Estas, diz o aramaico deste capítulo, não foram escritas, mas inscritas! A parede real parece a lápide de um túmulo, e todos viram o epitáfio sendo gravado nela: MENE, MENE, TEQUEL e PARSIM (v.25).

As faces, avermelhadas pelo vinho, se tornaram pálidas, especialmente a do rei. Onde está agora o desdenhoso e impiedoso rei de Babilônia? Com as faces descoradas e a consciência apavorada, o poderoso rei treme de medo, enquanto os joelhos batem um no outro. Em seu pavor, gagueja promessas fantásticas a qualquer um que possa interpretar a inscrição sobrenatural. Mas ninguém pode. Os caracteres não são apenas diferentes, também é preciso discernimento espiritual para entender a mensagem gravada pelos dedos sinistros. Esta qualidade não se encontra onde há bebedeiras.

Acabou-se a festa. Quatro palavras de Deus reduziram-na a pânico, medo, terror e confusão. Quando os ímpios fazem a piores coisas que podem imaginar, “ri-se aquele que habita nos céus; o Senhor zomba deles” (Sl 2.4). Devemos temer a Deus, mas nunca os ímpios.

A Rainha

O terceiro personagem a aparecer na narrativa é a rainha (vv.10-12), que não é uma das mulheres de Belsazar, pois estas já se encontravam na festa, como os versículos 2 e 3 nos revelam. Quem, então, é esta rainha? Possivelmente, é a esposa de Nabonidus. Ela possui o direito de entrar livremente na sala do banquete real, sem o protocolo exigido de outros. Seu marido é o primeiro no reino, e Belsazar, o segundo. Isto explica porque ele prometeu o terceiro lugar no reino a quem pudesse interpretar a escrita na parede.

Esta rainha não esquecera aquilo que Belsazar havia esquecido. Nos versículos 10 a 12, emprega um vocabulário pagão que devia ser-lhe peculiar. Porém, reconhece que Daniel tem uma sabedoria sobrenatural. Era necessário apenas chamá-lo, e a interpretação das palavras seria conhecida, pois ele possuía o dom de decifrar enigmas e de interpretar sentenças difíceis.

Se Deus quisesse, poderia ter usado outra maneira para dar a interpretação a Belsazar. Poderia, por exemplo, ter enviado os dedos sinistros uma segunda vez, para escrever o significado da primeira mensagem. Mas este não é o método divino. Deus não despreza o instrumento humano. Sua mensagem será apresentada pelo seu servo. Lábios humanos trarão a mensagem ao rei. Deus envolverá o remanescente nesta tarefa, não por ter necessidade de jazer isso, mas porque seu método permanente é utilizar homens e mulheres fiéis como seus cooperadores. Não prosseguirá sem eles. É assim que Ele mantém viva, neste mundo, a sua verdade. A chegada de Daniel nos traz personagem que ocupa a maior parte deste capítulo (vv.13-29).

Daniel

As perguntas dirigidas a Daniel, no versículo 13, confirmam que Belsazar já sabia bastante a respeito dele. Isto sublinha o fato que sua ignorância quanto aos caminhos de Deus era voluntária. Belsazar fora exposto às coisas sagradas desde a meninice e, quando se tornou rei, preferiu não ter Daniel na corte. Não queria, em seu palácio, um profeta de Jeová. A última pessoa que desejava como seu conselheiro e confidente era o mensageiro escolhido de Deus. Quão diferentes seriam os acontecimentos, se tivesse Daniel no palácio, desde o início de seu reinado!

De qualquer modo, Daniel encontrava-se agora diante dele. Nos versículos 14 a 16, vemos Belsazar explicando a situação ao profeta e prometendo recompensá-lo, se interpretasse o que estava escrito na parede. Não precisamos de muita imaginação para visualizar a cena, enquanto Daniel ponderava sua resposta. Mil dos grandes de Belsazar estão quietos, aterrorizados. Aqueles que há pouco zombavam do Deus vivo estão calados, pálidos e perplexos, aguardando com grande expectativa a resposta do homem de Deus.

Em suas palavras iniciais, Daniel informa sua rejeição aos presentes do rei (v .17). Diferentemente dos astrólogos e sábios ao seu redor, ele não dava interpretações visando o ganho

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pessoal. Não procurava recompensas ou favores. Não fazia isto por dinheiro. Estas palavras devem ter causado impressão naquelas pessoas, tal como ainda o fazem, quando os servos de Deus mostram não estar interessados nas honras do mundo. É claro que, apesar das consequências, Daniel proclamaria a verdade. Não aceitaria suborno para dizer o que a assembleia desejava ouvir. Tampouco se deixaria aliciar, a fim de evitar o que seria ofensivo àquele povo. A interpretação seria verdadeira.

Daniel prosseguiu, falando sobre o pai de Belsazar: “Ó rei! Deus, o Altíssimo, deu a Nabucodonosor, teu pai, o reino e grandeza, glória e majestade” (v.18).

Belsazar era somente um co-regente. O império já não era mais como antes. Em sua história, nunca houvera outro maior que Nabucodonosor; entretanto, este devia ao Deus altíssimo tudo o que possuía. Deus é maior que Nabucodonosor! Nabucodonosor era responsável perante Deus pelo exercício de seu poder. E veja o que Deus fez a ele! Daniel recorda a Belsazar como Deus humilhou seu pai: “Até que conheceu que Deus, o Altíssimo, tem domínio sobre o reino dos homens e a quem quer constitui sobre ele” (v.21).

É como se Daniel estivesse dizendo: “Tu, Belsazar, agiste como se fosses a maior pessoa que já existiu. Porém, teu pai foi maior do que tu e Deus é maior do que ele! Foi Deus quem lhe deu tudo o que ele possuía. Há um Deus altíssimo, e, embora sejas, na terra, o homem a quem todos prestam contas, tu mesmo é responsável perante Deus. Ele te deu tudo o que tens e, da mesma forma, pode tomá-lo. Isto se aplica até mesmo ao teu entendimento” .

“Sabias disto, Belsazar. Sabias como Deus humilhou a teu pai, até que este se tornou um suplicante, mas não seguiste o seu exemplo. Agiste como um homem independente e sem responsabilidades. Foste ainda mais longe. Desafiaste ao Deus do céu. Vê a quem adoraste: 'Aos deuses de prata, de ouro, de bronze, de ferro, de madeira e de pedra, que não veem, não ouvem, nem sabem”'.

“Vê, Belsazar, a quem desprezaste. 'Deus, em cuja mão está a tua vida e todos os teus caminhos, a ele não glorificaste' (v.23). Por isso, os dedos vieram e inscreveram na parede. Era uma mensagem enviada por Deus!”

Belsazar foi condenado por seu orgulho. O orgulho, na Bíblia, é a ausência de humilhação. Uma pessoa orgulhosa é aquela que não se humilha perante Deus. Diante de seus colegas, pode não parecer orgulhosa. Pode mostrar-se humilde entre seus vizinhos, e sua família pode não perceber seu orgulho. Porém, um coração que não louva e adora a Deus, é um coração orgulhoso. Este orgulho caracteriza todos os homens e mulheres que seguem o caminho que conduz ao inferno. Belsazar foi um grande pecador, mas este não é o assunto em questão. Sua culpa estava no fato de nada querer com o Deus vivo e verdadeiro. Não O buscou, como uma criança, nem permitiu que Ele governasse sua vida. Permaneceu nesta situação até que chegou a zombar do Altíssimo. Neste ponto, cruzou a linha invisível. Dizemos outra vez: ninguém precisa escolher um caminho especial para ir ao inferno; necessita somente permanecer, por tempo suficiente, no caminho em que se encontra.

O versículo 25 preserva para nós o conteúdo da escrita na parede. Consistia de três termos diferentes, um dos quais foi escrito duas vezes. MENE, MENE quer dizer “contado, contado”. Após estes, TEQUEL, que significa “pesado”, seguido da palavra PARSIM.

“PARSIM” é o plural de PERES com a palavra “e” à sua frente. Por isso, a nós, que não conhecemos aramaico, parece que a interpretação difere das palavras escritas. Ao repassar cada palavra, Daniel pronunciou-as em sua forma singular e não na forma em que foram inscritas na parede.

A escritura na parede dizia, então: “Contado, contado, pesado e dividido”. Isto era tudo que Deus tinha para comunicar ao arrogante Belsazar, mas a amplitude total do significado seria explicada pelo íntegro Daniel.

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“MENE significa 'contado', porque os teus dias estão contados, rei Belsazar! Deus decidiu trazer ao fim o teu reino ímpio. Teu período de governo terminou. Durante todos estes anos, Deus tem pesado o teu domínio; agora, é tempo de findá-lo. Ele está dizendo: 'Basta!'; o teu reino acabou. Deus o acabou!” (v.26).

“TEQUEL significa 'pesado'. Belsazar, Deus tem pesado cada ato de tua vida. Ele tomou nota das oportunidades em que, na tua meninice, rejeitaste vir a Ele. Anotou todos os convites que desprezaste, convites que tinham o propósito de tornar-te um súdito dEle. Os dedos enviados por Deus, escreveram na parede o teu epitáfio. Sem dúvida, enquanto o faziam, tua vida passada flamejava em tua mente. Teus pecados ocultos e conhecidos, tuas horas desperdiçadas, tua crueldade, teu orgulho, tuas desordens e bebedeiras, tua rejeição às coisas santas e tua resistência ao que é espiritual – Deus pesou tudo. Colocou tudo em sua balança. Ponderou tua vida do princípio ao fim; ela não alcançou, não satisfez o padrão exigido por Deus” (v.27).

Quando as pessoas escarnecem do Altíssimo, Ele não o ignora. Uma vez que Deus não age imediatamente, os ímpios concluem que não o fará de modo algum. Porém, Ele pesa em sua balança toda zombaria e afronta. Nada é esquecido. Ele registra todos os convites para vir a Cristo que foram rejeitados. Anota cada desprezo à sua ordem de arrependimento. Todos que não valorizam à fé evangélica, que zombam das coisas santas e, especialmente, aqueles que rejeitam a ternura de seu Criador têm suas ações gravadas no céu. Deus registra tudo.

“A vida cristã não é para mim”, dizem alguns. “O custo é muito grande”, afirmam outros. “Não quero ser diferente. Todos pensarão que sou uma pessoa esquisita. Os crentes são fanáticos; por que deveria eu ser um extremista?” O Deus sempre-presente ouve e lembra estes e todos os demais comentários. Por fim, Ele não os aceitará mais, e a escrita aparecerá na parede. Os dias de frivolidades terminarão. Chegará o dia da condenação.

“PERES quer dizer 'dividido'. Teu reino será dividido e destruído. Isto acontecerá pelo poder dos medos e persas. 'O reino será tomado de ti, Belsazar, e será dado a outro'“ (v. 28).

E não foi somente aquele reino que Belsazar perdeu. Ele perdeu também o reino de Deus. Nosso Senhor Jesus Cristo fez uma acusação semelhante aos judeus. Disse-lhes que haviam rejeitado os profetas, apedrejando-os e matando-os. Finalmente, rejeitaram o filho de Deus. A resposta de Deus foi tomar a vinha de suas mãos e dá-la a outros (Mt 21.33-43).

Paulo repetiu esta mesma verdade. Quando os judeus rejeitaram a mensagem do evangelho, advertiu-os de que Deus tomaria seus privilégios e os daria aos gentios (At 13.44-50). Algo semelhante acontece àqueles que constante e obstinadamente rejeitam o evangelho. Deus anuncia-lhes o que aconteceu a Esaú: “Pois, sabeis também que, posteriormente, querendo herdar a bênção foi rejeitado, pois não achou lugar de arrependimento, embora, com lágrimas, o tivesse buscado” (Hb 12.17).

A linha invisível foi ultrapassada, não há mais retorno. Tudo está acabado para quem a ultrapassou. Não há mais oportunidade para alcançar misericórdia. Tudo que agora o espera é “certa expectação horrível de juízo e fogo vingador” (10.27).

Há um tempo, não sabemos quando,

Um lugar, não sabemos onde,

Que marca o destino do homem

Em glória ou desespero.

Há uma linha, para nós invisível,

Que atravessa cada caminho,

A fronteira oculta entre

A paciência e a ira de Deus.

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Oh, qual é aquela misteriosa linha

Que atravessa o caminho do homem,

Além da qual, Deus mesmo jurou,

A alma que for, estará perdida?

Quanto tempo poderei continuar em pecado?

Quanto tempo Deus me poupará?

Onde termina a esperança e

Começam os limites do desespero?

A resposta dos céus está enviada:

“Vós que de Deus vos afastais.

Enquanto o dia é hoje, arrependei-vos

E não endureçais o coração”.

Dario

Embora Daniel tenha recusado recompensas terrenas, estas lhe foram concedidas, porque Belsazar reconhecera ter ouvido a verdade (v.29). Mas tudo isto é efêmero; e este capítulo solene termina, introduzindo-nos um quinto personagem – Dario (vv.30-31).

Durante aquela noite em que Daniel profetizou, os exércitos de Nabonidus lutaram contra os medos e persas que ameaçavam as fronteiras de Babilônia. Mas Ciro, o persa, agiu rapidamente. Desviou o curso do rio Eufrates e o transpôs. Pela manhã, os exércitos dos medos e persas haviam invadido e conquistado a Babilônia. Belsazar era um cadáver no palácio e ouvia a condenação do Criador que ele tão afrontosamente havia desprezado e de quem zombara na noite anterior. A profecia de Daniel se cumprira, e Deus demonstrara, mais uma vez, que é o verdadeiro Governador da história deste mundo. A cabeça de ouro deu lugar ao peito e braços de prata. Dario, com sessenta e dois anos, ascendeu ao trono.

Não sabemos quando Deus dirá a alguém: “Mais um pecado, e será o último. Então a escrita na parede se aplicará a ti. Eu te chamarei à eternidade, enquanto todos no céu se juntarão a Mim, dizendo: 'Louco, esta noite te pedirão a tua alma!'“ (Lc 12.20). “Buscai o SENHOR enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto. Deixe o perverso o seu caminho, o iníquo, os seus pensamentos; converta-se ao SENHOR, que se compadecerá dele, e volte-se para o nosso Deus, porque é rico em perdoar” (Is 55.6-7).

7 – NA COVA DOS LEÕES

Leia Daniel 6

Chegamos agora ao último capítulo histórico do livro de Daniel, pois os seguintes são de visões proféticas. Este é um dos mais conhecidos capítulos de toda a Bíblia e, realmente, não necessita de introdução. Registra um incidente que ocorreu quando Daniel era idoso. No capítulo 1, era um jovem de apenas quatorze anos; porém, neste capítulo, podemos ver como permaneceu fiel a Deus mesmo em seus dias avançados.

Um Plano para Aniquilar Daniel

O capítulo se divide naturalmente em três seções. A primeira abrange os versículos 1 a 9 e registra um plano para aniquilar Daniel.

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A narrativa começa com uma mudança de dinastia. O império babilônio agora é algo do passado. Fora conquistado pelo poder conjunto dos medos e persas; o segundo grande império do sonho de Nabucodonosor torna-se realidade. O primeiro soberano da nova dinastia é um medo quase desconhecido, chamado Dario, que sobe ao trono com sessenta e dois anos de idade. Sabemos que não reinou por muito tempo, pois ao juntar os dados históricos, descobrimos que Ciro, o persa, assume o trono, pouco tempo depois.

Coube a Dario a difícil tarefa de governar o império babilônio e dar-lhe nova direção e identidade, sob a autoridade dos medos e persas. As dificuldades administrativas diante dele devem ter sido imensas, e os versículos iniciais do capítulo revelam como as enfrentou. Colocou os negócios do império nas mãos de cento e vinte sátrapas. Presumivelmente, cada um assumiu a responsabilidade por uma área em particular. Estes prestavam contas a três presidentes, “para que o rei não sofresse dano” (v.2). Os presidentes, por sua vez, respondiam ao próprio rei. Deste modo, Dario mantinha seu poder absoluto, e o governo não ficava distante do povo.

Daniel era um dos três presidentes, e somos informados que era tão notável que o rei pensava em colocá-lo sobre todo o reino (v.3). Contemplava-se uma mudança na hierarquia, de modo que um dos presidentes seria superior aos demais e se tornaria o representante do rei.

O que levou Daniel a alcançar imediatamente uma posição de tão grande importância no novo império? Como poderia alguém que era tão proeminente na dinastia conquistada alcançar logo tão alta posição no governo dos que a conquistaram? Com frequência, esta pergunta tem sido considerada como difícil de responder, mas a resposta, de fato, é simples.

O império babilônio caiu assim como qualquer outro grande império. Estava degenerado. Estava repleto de amor pela luxúria, e faltava-lhes o desejo pelo trabalho árduo. Havia o abandono generalizado de princípios morais e um irrestrito aumento na imoralidade e desonestidade. A situação moral era irremediável. Os oficiais de Babilônia haviam se tornado, em geral, homens que tinham como seu maior interesse o encher os próprios bolsos e acumular riquezas. A mentalidade “enriqueça-se rapidamente” governava-os de tal modo que abandonaram todos os escrúpulos e se entregaram à busca de enriquecimento e de prosperidade.

Uma mudança de governo não produz, por si só, uma mudança na situação moral. Dario não tinha qualquer garantia de que os sátrapas que havia nomeado seriam em qualquer aspecto diferentes dos oficiais babilônios. Talvez se submeteriam às mesmas táticas, tornando-se mais preocupados com seus próprios interesses do que com a correta administração do império. Portanto, era mister que não pusessem as mãos em recursos públicos com facilidade. Para evitar isto, Dario necessitava de um homem de impecável honestidade, a quem pudesse entregar o tesouro público. Se não encontrasse este homem, provavelmente toda sua administração estaria arruinada.

Reconhecia que Daniel era aquele homem. A sua espiritual idade garantia que não seria subornado ou comprado (v.3). Diz-se hoje que todo homem tem seu preço; mas não era assim com Daniel. O temor de Deus reinava em seu coração e poder-se-ia confiar que ele seria inquestionavelmente leal ao rei. Sua honestidade era indiscutível. Daniel possuía excelência moral, um espírito de integridade e pureza. Os oficiais de conduta deturpada precisavam encarar o fato de haver uma barreira insuperável entre eles e o abuso do dinheiro público. Daniel era essa barreira.

Talvez alguns de vocês vivam no mundo dos negócios. Sabem que homens poderosos, que desejam riquezas fáceis, podem ser totalmente inescrupulosos em alcançá-las. Nada os detém. Não se preocupam quando a realização de suas ambições significa a destruição de concorrentes menores e honestos. Não há medida para a sua vileza, a fim de conseguirem vultosos lucros. Não há fim para a sua desumanidade e insensibilidade na busca de seus próprios interesses.

De igual modo, os cento e vinte sátrapas e os outros dois presidentes resolveram acabar com Daniel (v.4). Sabiam que jamais poderiam acusá-lo quanto ao desempenho de seus deveres públicos. Não haveria oportunidade. Daniel era tudo o que deveria ser. Seu testemunho no trabalho era irrepreensível (um exemplo a ser seguido por todo o povo de Deus). Portanto, tinham de

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idealizar um plano diferente. Um plano que deveria resolver o caso, uma vez por todas, e tirá-lo do caminho. Logo Daniel estaria fora de cena.

O raciocínio deles era mais ou menos o seguinte: a fidelidade de Daniel a Dario ocorre porque, em primeiro lugar, Daniel é fiel a seu Deus. Sua espiritual idade garante sua integridade. Uma é a causa da outra ... Se pudermos colocá-lo em uma situação onde ele tenha de escolher entre seu Deus e o rei, sem dúvida escolherá a favor de seu Deus. Assim, cairá em desgraça perante o rei, e será morto.

Com esta lógica em suas mentes, dirigiram todos os esforços na elaboração de um plano para apanhar Daniel.

Uma pessoa que permanece firme, motivado por honestidade e justiça, causa impressão. Inevitavelmente, essa pessoa incomoda os outros, que chegam a odiá-la por isto. Os ímpios procuram colocar os crentes em situação onde tenham de escolher entre ser fiéis a Deus e perder tudo ou ficar com tudo e perder seu brilhante testemunho.

Os meios usados pelos inimigos de Daniel foram bajulação e mentiras. Estes foram os mesmos instrumentos utilizados pelo diabo no jardim do Éden; e ainda hoje ele os utiliza. Satanás disse a Eva que, ao desobedecerem a Deus, ela e seu marido se tornariam deuses – bajulação! Assegurou-lhe que, se comesse o fruto proibido, não morreria – mentira! Sua tática continua a mesma, pois, em geral, é bem-sucedida.

As propostas que os invejosos fizeram ao rei com certeza devem tê-lo bajulado. Foi-lhe sugerido que, por um período de trinta dias, seria visto como o representante terreno de qualquer deus que existisse. Foi-lhe também sugerido que nenhuma súplica deveria ser dirigida a qualquer deus, exceto através de sua mediação. Nenhuma religião seria banida ou declarada ilegal. As orações aos vários deuses prosseguiriam como antes, porém todas as orações e pedidos seriam apresentados através de Dario e “que todo homem que ... fizer petição a qualquer deus ou a qualquer homem e não a ti, ó rei, seja lançado na cova dos leões” (v.7).

Sem dúvida, os sátrapas e presidentes deram a Dario muitas boas razões para justificar a aprovação destas medidas: seria um elemento unificado r no novo império; criaria respeito para com a nova monarquia; estabeleceria a autoridade do rei em todos os afazeres de seus súditos, etc. Outros tipos de argumentos poderiam ter sido sugeridos a um rei vaidoso, como razão suficiente para que o decreto fosse promulgado.

Se o rei fosse um homem sábio, teria desconfiado imediatamente de que havia algo errado. Mas a bajulação produz um efeito surpreendente. Exalta o orgulho da pessoa e a torna cega quanto aos verdadeiros aspectos do assunto. Dario ouviu os seus mais altos oficiais sugerindo que ele deveria, de fato, ser considerado um deus. Esta sugestão fora extraída daquela que caracterizou muitos impérios antigos – a deificação dos reis. A bajulação levou-o a não perceber um detalhe importantíssimo. Por isso, as Escrituras, em particular o livro de Provérbios, falam tão diretamente contra a língua bajuladora!

Que detalhe o rei deixou de perceber? Deveria ter notado que as palavras de seus oficiais eram uma grande mentira. Diziam que “todos os presidentes do reino ... concordaram em que o rei estabeleça um decreto”. Se isto era verdade, por que Daniel, o mais excelente de seus presidentes, não se encontrava presente quando fizeram a sugestão? Se todos estavam de acordo com as propostas, por que não foram apresentadas pelo principal deles? Estes pensamentos deveriam ter passado pela mente de Dario, mas, aparentemente, não passaram. Logo depois, assinou o decreto, e, conforme o costume medo-persa, tornou-se lei permanente. Uma vez assinadas, as leis reais não poderiam ser mudadas. Se tentasse mudá-las, Dario causaria uma revolta maciça em seu império; ele não estava preparado para este tipo de acontecimento, tão cedo em seu reinado.

Já vimos como a ordem de Nabucodonosor, para que todos se curvassem à sua imagem, trouxe consequências apenas para o remanescente fiel. Agora nos deparamos com uma situação

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semelhante. Todo o império medo-persa era constituído de idólatras politeístas. Nada havia neste novo decreto que inquietasse qualquer deles. Sua religião continuaria sem alterações. Porém, não seria assim com Daniel. A lei de Deus o proibia de curvar seus joelhos diante de um homem e reconhecer nele o mediador divinamente indicado. Não poderia agradar a seu Deus e obedecer o edito do rei.

O dilema era complicado. Se Daniel orasse a Jeová, como sempre fizera, certamente incorreria na fúria do decreto real. Se não continuasse sua prática costumeira de devoção a Deus, certamente perderia sua espiritualidade e, consequentemente, sua integridade. Precisava escolher entre continuar sendo um homem de Deus que desagradaria ao rei e morreria ou um homem ímpio que viveria. De qualquer modo, tudo indicava que os ímpios triunfariam. Pois haveria apenas uma. destas duas alternativas: ou não existiria mais qualquer Daniel ou existiria um Daniel que teria sacrificado seus princípios. e renunciado a seu caráter íntegro. Parecia que os que planejaram a trama não poderiam perder.

Daniel na Cova dos Leões

A segunda parte do capítulo inclui os versículos 10 a 17, e já a partir deste texto o intitulamos de “Daniel na cova dos leões”.

Quando Daniel soube que o edito irrevogável havia sido assinado, o que fez ele?

Não fez o que a maioria de nós faria. Ficaríamos apavorados ou reagiríamos dramaticamente de algum modo diferente ao de Daniel. Se um decreto semelhante fosse promulgado hoje, a maioria de nós correria às casas uns dos outros ou procuraríamos o aeroporto mais próximo, na esperança de emigrar. Nossos corações se encheriam com o pior tipo de preocupação imaginável.

O que fez Daniel? Continuou realizando normalmente suas atividades, “como costumava fazer” (v. 10). Permaneceu firme, calmo e inalterado.

As circunstâncias certamente haviam mudado, mas não alteraram o homem de Deus. Daniel tinha o hábito de orar três vezes ao dia. Fazia isto em frente às janelas de sua residência abertas em direção a Jerusalém. Estava no exílio há muito tempo, mas não esquecera a cidade e o país de onde fora tomado. Nem havia esquecido a promessa divina de restaurar a Israel e reconstruir Jerusalém.

Como Daniel podia ser tão público em suas orações? Nosso Senhor não nos manda entrar em nossos quartos, fechar a porta e orar secretamente ao nosso Pai celestial? (Mt 6.6). Precisamos lembrar que Daniel era um importante servidor público, em um império oriental. Os servos estariam cumprindo seus deveres no interior da casa; é provável que Daniel não tivesse muita privacidade. Era impossível manter em segredo as suas devoções. E agora havia espiões por toda parte, deliberadamente atentos em descobrir se ele continuava em suas devoções particulares, durante o período do decreto. Suas devoções nunca foram pomposas, mas também nunca foram um segredo. Desempenhar suas atividades normalmente significava que sua vida devocional não poderia se tornar um segredo agora.

Três vezes ao dia, o homem de Deus se punha de joelhos e orava, como sempre fizera. A ameaça de morte não significava que deixaria de fazer o que era correto. O correto permanecia correto. As circunstâncias podem alterar-se, mas os absolutos de Deus, não. Como enfatizamos antes, nossa responsabilidade é fazer o que é correto, ainda que os céus caiam. As consequências estão nas mãos de Deus.

Mas como é que um homem idoso podia continuar tão firme e mostrar tanta coragem e fé?

Estas qualidades não surgem de repente na vida de alguém. Por ter desenvolvido, durante toda a vida, o hábito de responder “Não!” ao mal, Daniel pode fazê-lo novamente em tempos tão desesperadores.

Se quisermos a explicação do versículo 10, devemos ler novamente o versículo 8 do capítulo 1. Ali, um rapaz de quatorze anos “resolveu ... firmemente não se contaminar”. Em sua juventude,

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Daniel recusara praticar um mal relativamente pequeno. Para quaisquer males que tenha enfrentado nos anos seguintes, sua resposta foi uma consistente recusa. Desenvolvera uma inflexível disciplina de responder “Não!” ao que era errado.

Cada vez que dizemos “Não!” ao pecado, estamos mais aptos a fazê-lo novamente. Cada vez que nos rendemos a ele, nossa capacidade para resistir-lhe enfraquece.

Sugiro que a verdadeira cova dos leões era o quarto de Daniel. Sabia que se desobedecesse a ordem do rei, seria estraçalhado por animais selvagens e perderia sua vida, mas não o seu testemunho. Como notamos antes, o diabo prefere que preservemos nossas vidas e percamos nosso testemunho.

Portanto, é certo que, ao ajoelhar-se para orar, Daniel era tentado pelo diabo. Podemos facilmente imaginar o que passou em sua mente: “Por que não facilitar as coisas? Veja a sua posição e os privilégios que goza. Pense na influência que continuará exercendo, se mantiver o seu status. Assegure o seu futuro; não ore a Deus durante os próximos trinta dias. Por que sacrificar seu futuro, de longo prazo, no altar de uma alegria, de curto prazo, na oração? Ore secretamente em seu coração, se quiser; mas por que fazê-lo como sempre o fez? Certamente você será notado e perderá tudo. É só uma questão de princípios? Vale realmente a pena? Pelo menos, você poderia orar onde nem os espiões, nem os servos, pudessem vê-lo. Por que criar um problema, ao ser visto orando? Afinal, após somente trinta dias, o perigo terá passado, e você manterá suas devoções exatamente como antes”.

Esta tentação pode ter vindo a Daniel pela manhã, ao meio-dia e à noite. Deve ter escutado mil razões plausíveis a fim de parar com o que estava fazendo. Quem pode dizer quão repetidas e cansativas foram estas tentações diárias?

Há muitos crentes fortes que não podem ser derrubados por tentações drásticas e súbitas, mas cuja resistência pode ser arruinada. Prejudicar os santos do Altíssimo (Dn 7.25) é uma das táticas do maligno. Ele bem sabe que a água, pingando constantemente, desgasta a pedra dura. Assim, muitas de suas tentações não são violentas, mas sutis e suaves. Apresenta as mesmas sugestões uma, duas, três ou mais vezes, até que estas nos impressionem. Semeia a ideia de que um determinado pecado talvez não seja prejudicial, podendo até mesmo ser útil. E, mau como é, pode preferir manifestar-se como um anjo de luz. Com frequência, a resistência de um crente desmorona diante destas abordagens, arruinando o seu testemunho.

Esta bem experimentada tática foi totalmente infrutífera com Daniel. A pressão exercida por esta tentação diária foi sua verdadeira prova, sua cova dos leões. Mas, em cada ocasião, ele dizia “Não!”, punha-se de joelhos “e orava, e dava graças, diante do seu Deus, como costumava fazer” (v.10).

Os espiões viram uma inquebrantável firmeza em Daniel. Nada o havia mudado, era o mesmo; estava tão firme como sempre. Certamente devemos concordar que sua inflexível recusa em ser intimidado por ameaças ou entregar-se às habilidosas sugestões do diabo eram um milagre maior do que seu posterior livramento da boca dos leões.

Quando se tornou evidente que Daniel não obedecia ao decreto do rei, os que tramavam contra ele apressaram os acontecimentos que levariam à sua execução. O primeiro passo deles foi denunciá-lo ao rei (v.12). Ao fazerem isto, nada mencionaram de sua conhecida integridade. Nem uma palavra foi dita elogiando sua honestidade ou sobre quão bem havia cumprido suas responsabilidades em sua atual função. Ao contrário, os conspiradores lembraram ao rei que Daniel nada mais é do que um exilado cativo, insinuando uma deslealdade e infidelidade política. Este preconceito e falta de justiça é característica do modo como as pessoas más agem.

Daniel profetizara a Nabucodonosor que o reino posterior ao seu seria mais fraco (Dn 2.39). Os eventos que seguem mostram quão verdadeira era esta profecia. Nabucodonosor havia sido um

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monarca absoluto, mas agora vemos o rei Dario preso na teia de suas próprias leis, sendo manipulado por seus cortesãos e conselheiros. O rei do império se tornou um tolo!

Assinou algo a respeito do qual não pensara seriamente. Estava agora experimentando o remorso, mas nada podia fazer. Seu dilema era terrível. Sua própria lei condenara Daniel, porém, em seu coração, deseja salvá-lo. Em sua própria estupidez, assinara um decreto que condenou o homem de Deus. No entanto, agora seu desejo pessoal mais profundo é salvá-lo. Durante todo o dia, tenta encontrar na lei uma brecha pela qual a vida de Daniel pudesse ser poupada, mas é rudemente lembrado pelos conspiradores que não pode voltar atrás em seu decreto. Os ímpios estavam dando as cartas e triunfando.

Muitos dos que têm escrito sobre o livro de Daniel, pedem-nos que façamos uma pausa neste ponto, a fim de considerar “uma outra Lei e um outro Amor” (Gaebelein). Havia uma lei justa que nos condenava. Mas Aquele que a estabeleceu ansiava salvar-nos com um coração repleto de amor.

A sabedoria divina resolveu o dilema enviando o Senhor Jesus Cristo ao mundo. As exigências da lei divina foram satisfeitas por Ele, em nosso lugar – tanto a exigência de cumpri-la como a de suportar o castigo por nós, visto que a transgredimos. Deus resolveu o dilema através da vida, morte e ressurreição de seu Filho.

Mas não havia solução para o problema do rei Dario. Nesta situação, ele nada mais é do que um rei fraco e incapaz, que publicara um impensado decreto, estando a lamentar sua própria estupidez. Manifesta profunda tristeza, ao enviar Daniel à cova dos leões, expressando sua esperança de que Deus intervenha para livrá-lo. Seu coração sente repugnância pela lei que fizera. Porém, ainda será testemunha de grande ironia. Um selo é posto na entrada da cova dos leões, para demonstrar a todos que Daniel fora posto ali pela autoridade do rei e qualquer tentativa de soltá-lo seria um ato de traição e rebeldia à palavra do rei.

Sem dúvida, os conspiradores se regozijavam ao voltarem às suas casas; mas não o rei. Diante dele estava uma noite de insônia. Não desejou qualquer alimento e sabia não haver música capaz de fazê-lo esquecer a insensatez de suas ações. Todos os seus pensamentos eram a respeito de seu querido e fiel amigo Daniel, trancado na cova dos leões.

Daniel achava-se em grande perigo físico; contudo, devemos lembrar, não estava em qualquer perigo espiritual. Havia enfrentado as tentações do maligno tendo escapado inteiramente de suas garras. Satanás não tivera qualquer influência sobre Daniel. Não obteve qualquer vitória e em nenhum aspecto conseguiu ter Daniel sob seu poder. “Resisti ao diabo, e ele fugirá de vós”, afirmam as Escrituras (Tg 4.7); Daniel provara a verdade destas palavras, antes mesmo que fossem escritas. Sua integridade e espiritualidade permaneceram inalteradas e intactas. Todos nós precisamos imitar seu exemplo.

O único modo de escapar ao diabo é enfrentá-lo com determinação. Não há outro jeito de evitarmos suas garras e permanecermos livres de seu poder: “Resisti-lhe firmes na fé” (1ª Pe 5.9). Ao dizer “Não!” à tentação, Daniel forçou o diabo a deixá-lo. É verdade que estava na cova dos leões, mas ali não precisava tolerar a companhia de Satanás. Como veremos a seguir, sua companhia era muito melhor!

O Livramento de Daniel e o Resultado Final

O restante deste capítulo, a partir do versículo 18, nos conta a grande história do livramento de Daniel e o resultado final.

Após uma noite sem dormir, Dario volta à cova dos leões, logo ao romper da manhã. Havia uma abertura no topo da cova, para que os espectadores pudessem ver o que se passava lá embaixo. Através desta abertura, Dario grita com lamento e com voz cheia de ansiedade: “Dar-se-ia o caso que o teu Deus, a quem tu continuamente serves, tenha podido livrar-te dos leões?” (v.20). Realmente, não esperava qualquer resposta; esperava apenas ver o que restara do servo de Deus, que morrera de forma horrível, durante a noite.

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“Ó rei, vive eternamente!”, responde-lhe uma voz firme, a qual o rei não esperava ouvir novamente. A voz do homem que todos pensavam haver morrido, responde cortesmente, desejando vida ao rei!

Com que transbordante alegria Dario ouviu a resposta! “O meu Deus enviou o seu anjo e fechou a boca aos leões, para que não me fizessem dano, porque foi achada em mim inocência diante dele; também contra ti, ó rei, não cometi delito algum” (v. 22).

Naquela noite, Satanás não incomodou Daniel, porque este lhe havia resistido. Daniel teve a companhia do Senhor Jesus Cristo! O Anjo do Senhor, que guiou a Jacó através de sua longa vida, o Anjo que andou com Sadraque, Mesaque e Abede-Nego na fornalha de fogo – este mesmo Anjo abençoou a Daniel, estando ao seu lado durante aquela noite. Aquele que, anos depois, mostraria sua autoridade sobre os ventos e as ondas do mar, naquela noite, havia demonstrado sua autoridade sobre os leões, restringido todos os seus instintos naturais a fim de não matarem brutalmente a vítima que lhes, fora apresentada!

Dario não pôde esperar até que o selo fosse retirado. Desceram cordas imediatamente, e Daniel foi erguido para fora. Ao sair examinaram-no meticulosamente. Não havia um arranhão sequer! Tampouco Daniel se mostrava apavorado!

Uma vez mais, Deus livrou seu servo em meio à dificuldade e não da dificuldade, como fez com os jovens na fornalha ardente. Aconteceu o mesmo com o apóstolo Paulo. Que lista de sofrimentos ele nos mostra em 2 Coríntios 11.23-33! Porém, no contexto de sofrimento, estava persuadido de que nada poderia separá-lo de seu Salvador (Rm 8.35-39). Esta será também a nossa experiência. Todos que querem manter vidas cristãs fiéis a Deus estejam certos da perseguição (2ª Tm 3.12). Não é correto afirmar que Deus se encarrega de nos livrar de dificuldades e experiências dolorosas e apavorantes. Entretanto, é verdade que Ele nos livrará na dificuldade, até mesmo no martírio. Em todas as situações que enfrentarmos, Cristo estará ao nosso lado. E não há sofrimento, ainda que seja o martírio, do qual não saiamos vivos!

Os ímpios não têm estas consolações para proteger-lhes os corações. Esta verdade é enfatizada pelo versículo 24 – um versículo terrível. Os conspiradores são lançados à sua condenação e, de acordo com o costume persa, também suas mulheres e crianças. E uma cena horrível!

As Escrituras não dizem que isto foi ordenado por Deus; foi a ordem de um rei não-convertido. A Palavra de Deus não o aprova. Mas registra o fato. Logo que os perversos conspiradores e suas pobres mulheres e crianças foram jogados na cova, foram devorados pela ferocidade dos leões. Esta terrível cena deve nos entristecer. Também deve servir para enfatizar, em nossas mentes, quão miraculoso foi o livramento de Daniel, naquela mesma cova. Deus o realizou!

Dario foi levado a reconhecer isto, como se torna evidente do decreto, no final do capítulo. Escrevendo a todos os povos de seu reino, confessa ser Deus o grande Deus, embora, como Nabucodonosor após o acontecimento da fornalha ardente, não O confesse como o único Deus.

A cegueira espiritual é algo que nos causa admiração. Uma pessoa pode chegar a perceber que Deus é grande, que seu domínio é eterno e seu reino não terá fim. Pode ser levada a temer e tremer ante o Deus que reconhece permanecer para sempre. Pode, de fato, reconhecer que este Deus faz o que Lhe agrada, tanto no céu quanto na terra. E, ainda assim, pode deixar de compreender que Ele é o único Deus. Tal pessoa pode viver e morrer sem qualquer aliança pessoal com Ele. Isto foi o que aconteceu a Dario.

Então, Dario saiu do cenário da história. O rei medo foi substituído por Ciro, o persa (v .28). Assim como os impérios, reis surgem e desaparecem. O remanescente, porém, permanece. Esta é a principal lição deste capítulo e não deveria jamais deixar de nos animar e encorajar.

Mas, se o sal vier a perder o sabor? Até mesmo em nossos dias, o remanescente é colocado em situações onde tem de escolher entre agradar o seu Deus ou satisfazer os outros. Dizem-lhes que

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somente agradando os outros têm esperança de sobreviver; mas, se agirem desta forma, sabem que perderão o brilho de seu testemunho. O remanescente, que nos dá seu testemunho através deste texto da Escritura, sem dúvida viveria um pouco mais, mas a sua piedade, que o identifica como remanescente, desapareceria. Se o testemunho de Deus deve ser mantido no mundo, é essencial que o remanescente não pense em sua sobrevivência física, mas apenas em sua pureza espiritual.

A preocupação pela pureza espiritual – uma consistente recusa em praticar qualquer mal – torna a cova dos leões uma certeza para os que são fiéis ao Senhor. Mas estes podem estar certos de que ali desfrutarão da comunhão com Cristo e que seu poder assegurará a sobrevivência física de tantos quantos sejam necessários para que seu testemunho seja mantido. De qualquer modo, embora tenham de enfrentar o martírio, todos os fiéis podem estar seguros de que sairão vivos de suas tribulações!

Um dia, os ímpios terão de entrar na cova. Não será a cova da malícia de um conspirador, mas a cova da justa indignação de Deus. Quando os ímpios entrarem lá, irão sós. Nada saberão a respeito da presença e do resgate divino. Seu castigo será para sempre ... sempre ... sempre ...

Que grande diferença existe entre o crente e o descrente! O descrente os eternos sofrimentos do inferno a suportar perseguição por Cristo e seu evangelho, nesta vida presente. Ao contrário, o crente considera a comunhão com Deus a coisa mais preciosa no mundo. Prefere gozar desta comunhão do que viver, e afirma constantemente: “Tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não são para comparar com a glória por vir a ser revelada em nós” (Rm 8. 18).

8 – UM INTERVALO

Antes de prosseguir aos próximos seis capítulos de Daniel, é necessário um pequeno intervalo. Precisamos olhar estes seis capítulos como um todo. Desta forma, então, teremos condições de examiná-los um a um.

Apocalíptico

Isto se deve ao fato que a segunda parte do livro de Daniel é bem diferente da primeira. A diferença mais óbvia é a mudança de estilo. Os primeiros seis capítulos foram narrativos e históricos e, portanto, fáceis de considerar. Os próximos seis capítulos são principalmente apocalípticos.

O que é isto? É um tipo singular de literatura judaica, da qual os seis últimos capítulos de Daniel são o exemplo mais antigo. Grande quantidade desta literatura foi produzida pelos judeus entre 200 A.C. e 100 D.C. Estes livros não foram divinamente inspirados e, portanto, não se encontram em nossas Bíblias. Mas há passagens apocalípticas em diversos dos profetas; bons exemplos são Isaías 24 a 27, Joel e Zacarias 9 a 14. Os exemplos do Novo Testamento são o discurso de nosso Senhor no monte das Oliveiras (Mateus 24) e, de modo especial, o livro de Apocalipse.

A maior parte da literatura apocalíptica foi escrita para encorajar os fiéis em tempos de perseguição. Seus principais temas são sempre os mesmos: o crescimento do mal, o cuidado de Deus por seu povo e a segurança de que o mal não prevalecerá. A única coisa de duração eterna é o reino de Deus.

Todos os escritos apocalípticos afirmam ser revelações de Deus, dadas de modo extraordinário, em geral através de visões e sonhos. Foi assim que surgiram os primeiros textos apocalípticos; e não nos surpreende que tal afirmação seja atribuída também aos livros não-inspirados. Todos, em maior ou menor grau, são baseados nos admiráveis capítulos que estudaremos agora.

A característica mais notável da literatura apocalíptica é seu simbolismo. Em Daniel 7 a 12, o futuro curso da história será delineado pelo profeta, através de números, animais e chifres. A

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linguagem é misteriosa. De fato, às vezes é quase grotesca. Mas, quando tentados a pensar que é desnecessariamente extravagante, devemos apenas lembrar que sua linguagem é simples e modesta, se a compararmos aos falsos apocalipses de anos posteriores. Nestes a linguagem é quase ininteligível, e os autores anônimos utilizaram todos os tipos de animais em suas supostas visões. A Palavra de Deus está livre destes extremos fantasiosos.

A literatura apocalíptica é história escrita sob o disfarce de profecia. Naturalmente, no caso de textos apocalípticos das Escrituras, a história é genuinamente profética. Os eventos foram registrados antes de acontecerem. Os escritos apocalípticos que não se encontram na Bíblia são diferentes. Os eventos já haviam acontecido quando os autores escreveram; estes simplesmente registraram o passado. Então anexaram o nome de um autor que havia morrido há muito tempo e se esforçaram a fim de que tal escrito fosse aceito como profecia genuína. Mas, ninguém era enganado por muito tempo. Os únicos escritos apocalípticos que não foram posteriormente demonstrados como falsos são os que se encontram nas páginas da Bíblia; esta é mais uma demonstração de que a Palavra de Deus tem origem celestial, sendo inteiramente distinta das meras invenções humanas.

Chegamos, então, aos capítulos que profetizam tribulações futuras aos fiéis. Sempre viverão em um mundo hostil e perseguidor. Mas não precisam desanimar. Deus é o Senhor da história. Todos os eventos estão firmemente consumando os seus propósitos. No tempo oportuno, aniquilará o domínio do mal, estabelecendo o seu reino eterno.

Propósito

Com isto em mente, o propósito geral dos capítulos 7 a 12 já deve estar ficando claro para nós. Pessoas que permanecem firmes, sozinhas, por amor a Deus, necessitam de encorajamento. Não é suficiente que saibam como permanecer firmes; também precisam saber por que vale a pena manter esta atitude. Isto fica claro quando o crente é informado a respeito do futuro da história mundial e adquire alguma compreensão do desenrolar do plano de Deus na história.

Afinal, os capítulos que estudaremos tiveram um efeito maravilhoso sobre o próprio Daniel. Por exemplo, no capítulo 5, vemo-lo completamente sozinho na corte blasfema de Belsazar, profetizando tanto a morte iminente do rei como a imediata tomada do império babilônio pelos medos e persas. Quem pode imaginar a coragem necessária para anunciar tais coisas? Onde Daniel obteve forças para fazê-lo? Por que julgou que deveria dizer a verdade, ainda que significasse perder sua própria vida?

Compreenderemos a resposta quando tivermos lido os capítulos 7 e 8. O capítulo 7 registra um sonho; o capítulo 8, uma visão. O sonho profetizava a ascensão e queda dos impérios apresentados no sonho de Nabucodonosor (capítulo 2). Daniel chegou à compreensão de que a história humana é dirigida por uma corte celestial, que decreta que somente o reino do Senhor Jesus Cristo permanecerá eternamente. A visão que seguiu o sonho se referia a um futuro imediato. Enfatizava que o império medo-persa, o qual estava próximo, daria lugar ao império grego; deste se levantaria um terrível perseguidor do povo de Deus, mas Deus o aniquilaria, no auge de sua influência.

Daniel viu tudo isto, antes mesmo de entrar no palácio de Belsazar, naquela noite sinistra. Por duas vezes, fora lembrado de que todos os eventos na história humana servem apenas para cumprir os propósitos divinos. Deus decretara que ao império babilônio seguir-se-ia o medo-persa. Por que, então, ter receio de revelar este fato a Belsazar? Por duas vezes Daniel havia sido lembrado de que o mal jamais poderá vencer. Por que, então, temer resistir-lhe? As visões dos capítulos 7 e 8 lhe mostraram que vale a pena permanecer firme por amor a Deus.

As revelações dadas no capítulo 9 produziram o mesmo resultado. Foram dadas pelo anjo Gabriel, no primeiro ano do reinado de Dario, em uma ocasião em que Daniel orava. Seria a oração do capítulo 9 uma das que Daniel proferiu durante as provações registradas no capítulo 6? De qualquer modo, revela-nos algo a respeito do conteúdo das orações do profeta, trazendo mais informação sobre por que suas janelas estavam abertas para Jerusalém.

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Como resultado das revelações trazidas pelo anjo, Daniel tornou-se plenamente informado de que os judeus retomariam à Palestina, reconstruiriam Jerusalém e, eventualmente, testemunhariam a chegada do Messias. Havia um futuro para o povo de Deus. Deveria ele, então, envergonhar-se de pertencer a este povo? Não deveria, antes, deixar evidente que estava do lado de Deus, ainda que significasse perder a própria vida? O mal não tem futuro; então, por que capitular diante dele?

Havia também uma outra consideração. A experiência de Daniel no capítulo 9 mostrou-lhe que Deus responde à oração, às vezes até por meio de visitações angelicais. Se uma oração pode ser ouvida em um quarto de dormir, por que não em uma cova de leões? Não poderia um anjo vir com a mesma facilidade à cova dos leões? Foi precisamente o que aconteceu.

E sobre os capítulos 10 a 12? Estes constituem uma única visão, recebida quando Daniel já tinha pelo menos oitenta e seis anos. Podemos ver como os escritos dos capítulos 7 a 9 o ajudaram quando, sozinho, teve de permanecer firme. Porém, qual foi o efeito prático desta última visão? Veio no tempo em que o profeta se aproximava do final de sua vida.

Muitos crentes idosos e maduros são, às vezes, perseguidos por dúvidas. O diabo não deixa de nos tentar somente porque nos tornamos idosos! É possível que o piedoso Daniel tenha passado por esta experiência? Terá ele indagado a si mesmo se valera a pena viver toda sua vida como um “homem diferente”? Teria desperdiçado seu tempo permanecendo firme, sozinho? Não teria sido melhor comprometer-se com o pecado?

Ainda que, em sua mente, Daniel tivesse concebido tais pensamentos, a visão final, registrada nos capítulos 10 a 12, os teriam dissipado rapidamente. Nesta, ele viu não apenas alguns dos anjos santos, mas o próprio Filho de Deus. Viu também, com nova ênfase, que a história humana é governada por Deus até o seu final. A visão continha uma profecia detalhada da história do império grego e, muito especialmente, da carreira ímpia de Antíoco Epifânio. Daniel sabia que após sua morte o povo de Deus enfrentaria indescritível perseguição, não apenas de Antíoco, mas também do Anticristo, durante os últimos eventos da história do mundo. Igualmente, Daniel percebeu que o princípio de Deus é destruir o mal quando este está no auge. O mal vencerá muitas batalhas, porém jamais ganhará a guerra, jamais triunfará. Deus é Deus e não pode ser derrotado. Somente aqueles que têm sido fiéis a Ele experimentarão uma gloriosa ressurreição e um eterno descanso.

Sendo isto verdade, como poderia Daniel sentir qualquer remorso por haver trilhado um caminho tão solitário, por tão longo tempo?

O efeito destas visões finais sobre Daniel tem sido o mesmo sobre incontáveis leitores desde então. Vez após vez, muitos homens e mulheres têm testemunhado que dos primeiros seis capítulos aprenderam como permanecer firmes por amor a Deus, mas foi através dos seis capítulos seguintes que aprenderam o motivo para ser fiel. Um antigo exemplo desta motivação encontramos nos judeus fiéis, perseguidos durante o reinado de Antíoco Epifânio (175 – 164 A.C.). Durante os anos mais difíceis da perseguição, o livro de Daniel foi seu principal conforto; centenas de cópias secretas foram produzidas e amplamente distribuídas. Não há dúvidas de que o encorajamento oferecido pelo livro de Daniel foi a principal razão por que tantos deles não se renderam ao poder do mal. Como poderiam? Com base nestas visões proféticas, sabiam que, assim como todo o mal, Antíoco estava condenado.

Muitas gerações se passaram desde então, mas em todo o mundo os crentes ainda têm de permanecer firmes por amor a Deus. Talvez você esteja sozinho e precise permanecer fiel em casa, na escola, na universidade ou no trabalho. Se você se encontra nesta circunstância, é provável que perguntas surjam com frequência em sua mente. Muitas vezes você poderá perguntar: “Onde vai terminar tudo isto? Todos ao meu redor parecem viver como se Deus, Cristo e até mesmo a Bíblia não existissem; e como se não houvesse morte ou julgamento. Quando acabará tudo isto?”

Ocasionalmente, chegamos a dizer: “Há alguma razão para continuar? Aqui estou eu, procurando viver de modo fiel a Deus, porém tudo o que consigo são maus tratos. Em cada esquina parece haver uma fornalha ardente ou uma cova de leões. Não importa o que faça ou quão bem eu

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viva, minha vida parece ser de constante tribulação. Há razão para continuar firme, como uma minoria perseguida?”

Graças a Deus, vale a pena continuar! Os próximos seis capítulos nos convencerão disto e nos mostrarão o motivo. Este é o seu propósito.

Conteúdo e Interpretações

Devemos ter aprendido, da seção anterior, que estes seis capítulos finais não se apresentam como seis assuntos diferentes a serem considerados, mas apenas três.

Os capítulos 7 e 8 são dois aspectos do primeiro assunto. O capítulo 7 é a visão de quatro grandes animais que se levantam do mar. Os primeiros três são facilmente reconhecidos como um leão, um urso e um leopardo. Mas o quarto é indescritível e tem dez chifres. No entanto, logo é esquecido, e a narrativa focaliza-se em um décimo primeiro chifre, que surge depois dos outros e destrói alguns deles. Este não é o único foco do capítulo. Em sua visão, Daniel também contempla a corte celestial que governa a história, assegurando-lhe que ninguém, exceto Aquele cuja aparência era “como o Filho do Homem”, governará para sempre.

O que significa tudo isto? Felizmente, o livro de Daniel é auto-interpretativo e jamais nos deixa na ignorância quanto ao significado do que está relatando, ainda que muitos detalhes não sejam claros. Neste caso, há um óbvio paralelo entre as quatro partes da imagem no sonho de Nabucodonosor (capítulo 2) e os quatro animais que sucedem um ao outro (capítulo 7). Ambos ocupam o espaço de tempo entre o império babilônio e o estabelecimento do reino de Cristo; os outros impérios situam-se entre estes dois marcos. Não achamos o capítulo 2 difícil de entender, e o capítulo 7 não é mais complexo do que ele, exceto quanto aos dez chifres e ao décimo primeiro, que são características novas.

O outro aspecto deste primeiro assunto é o capítulo 8.

Este é uma visão sobre um carneiro com dois chifres (declarado especificamente como sendo a Medo-Pérsia), derrotado por um bode do ocidente (declarado especificamente como sendo a Grécia). A visão não vai além do império grego, parando e concentrando-se em um “chifre pequeno”, que surge do bode. Este “chifre pequeno”, do capítulo 8, não deve ser confundido com o do capítulo anterior, pois não emerge do quarto império, e, sim, de uma divisão do terceiro. Veremos que se refere a Antíoco Epifânio e verificaremos por que a mesma terminologia é aplicada, tanto a ele quanto à figura profetizada no capítulo 7.

Nosso segundo assunto é o capítulo 9. Veremos ali que, enquanto Daniel examinava as Escrituras, descobriu na profecia de Jeremias que o exílio babilônio duraria setenta anos e calculou que o tempo estava quase esgotado. Portanto, começou a suplicar a misericórdia de Deus para os judeus, tendo em vista o seu retorno à Palestina. Antes de findar sua oração, recebeu a visita do anjo Gabriel, assegurando-lhe que os judeus realmente voltariam, reconstruiriam Jerusalém e, no tempo oportuno, testemunhariam a vinda do Messias.

Para os eventos profetizados, Gabriel forneceu um calendário de “setenta semanas”. Através dos anos, tem havido considerável desacordo quanto ao que exatamente Gabriel tencionava dizer, e os últimos quatro versículos do capítulo 9 são corretamente vistos como os mais difíceis de todo o livro. Este fato tem levado algumas pessoas a manterem-se afastadas deste capítulo, tornando-se relutantes em estudar qualquer parte dele. Não adotaremos tal atitude, mas teremos cuidado de não sugerir que temos solucionado todos os problemas apresentados por aqueles versículos.

Isto nos traz ao nosso terceiro e último assunto, os capítulos 10 a 12. Estes contêm uma longa visão que Daniel recebeu quando já idoso. O capítulo 10 introduz a visão, relatando-nos as circunstâncias em que foi dada. Aprenderemos que esta revelação final veio do próprio Senhor Jesus Cristo! O velho profeta tinha de ser sobrenaturalmente fortalecido para recebê-la.

Inicialmente, a visão em parte coincide com a do capítulo 8. Explica que o império grego sucederia ao da Pérsia. A profecia se torna mais e mais detalhada à medida em que prossegue. Traça

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a ascensão e queda de Alexandre, o Grande, e o relacionamento entre as duas divisões ocidentais, que surgiram após sua morte. E, novamente, nossos olhos são levados a focalizar a carreira de Antíoco Epifânio e as atrocidades que iria cometer contra o povo de Deus. Mas, prosseguindo no estudo, logo nos deparamos com alguém semelhante a ele, um arquiperseguidor do povo de Deus, que, no final dos tempos, ocupará o centro da história mundial. Finalmente, compreendemos plenamente por que tanto Antíoco como este novo personagem podem ser mencionados ao mesmo tempo. Um prefigura o outro e, como vimos nos capítulos 7 e 8, ambos podem ser descritos como o “chifre pequeno”. Mas, não concluímos o livro aterrorizados com o poder do mal. Somos assegurados de que seu poder será finalmente aniquilado, e aqueles que têm sido fiéis a Deus com certeza experimentarão uma bem-aventurada ressurreição e a glória eterna. As últimas palavras são uma exortação a Daniel, para que continue em seu viver espiritual; teremos compreendido suficientemente bem os capítulos proféticos, se nos trouxerem à mesma conclusão prática.

9 – A VISÃO DOS QUATRO ANIMAIS

Leia Daniel 7

Chegamos, então, à visão dos quatro animais. Não precisamos ficar desanimados se não pudermos decifrar cada detalhe, pois veremos que o assunto principal do capítulo é claro como cristal e sua lição central é óbvia demais para não ser percebida. A análise do capítulo 7 revigora a fé. Nenhum cristão deixará de ser fortalecido ao estudá-lo, e muitos o acham inteiramente empolgante.

O Que Daniel Viu

Primeiramente, consideremos o que Daniel viu. Isto encontra-se na primeira metade do capítulo 7, nos versículos 1 a 14.

Os eventos do capítulo 6 aconteceram durante o reinado de Dario, o medo. No entanto, os do capítulo 7 ocorreram antes disto, no primeiro ano de Belsazar (v .1), quando o império babilônio ainda existia.

Dormindo em seu leito, à noite, Daniel teve um sonho. Em muitas ocasiões esquecemos nossos sonhos logo que acordamos, enquanto em outras nos lembramos deles por todo o dia, e, às vezes, meses depois. Quando Daniel acordou, escreveu o sonho (v.1). Deixou fora os detalhes secundários, mas registrou o conteúdo principal, “a suma de todas as cousas”.

O sonho começa com quatro ventos (do norte, sul, leste e oeste), todos soprando ao mesmo tempo sobre o oceano e agitando-o. Este oceano significa a humanidade, pois o que emerge dele é algo que emerge da humanidade. Isto é claro no versículo 17.

Do mar tempestuoso surgem quatro animais que se sucedem, cada um bem diferente dos outros. O primeiro é descrito no versículo 4: “Era como leão e tinha asas como de águia; enquanto eu olhava, foram-lhe arrancadas as asas, foi levantado da terra e posto em dois pés, como homem; e lhe foi dada mente de homem”.

Este primeiro animal corresponde à cabeça de ouro do capítulo 2 e refere-se à Babilônia nos dias de Nabucodonosor. O símbolo de um leão com asas é bem conhecido nas escavações de Babilônia. Como sabemos do capítulo 4, uma grande mudança sobreveio ao império babilônio. Iniciou com um caráter semelhante ao de um animal, mas, antes de seu fim, tornou-se inegavelmente humanitário. Próximo de seu final, mostrou-se como um reino muito mais compassivo.

A causa desta mudança foi a conversão de Nabucodonosor. Apesar disto, à medida em que Babilônia se tornou mais compassiva, também perdeu grande parte de seu poder. Não podia mais voar sobre toda a terra, como uma ave de rapina, conquistando quem desejasse. Um coração muito mais humano pulsava em seu íntimo. Sem dúvida, Babilônia é o primeiro animal da visão.

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Este é seguido por um segundo animal procedente do oceano e descrito no versículo 5: “Eis aqui o segundo animal, semelhante a um urso, o qual se levantou sobre um dos seus lados; na boca, entre os dentes, trazia três costelas; e lhe diziam: Levanta-te, devora muita carne”.

A figura é de um urso com duas de suas pernas de um lado levantadas do chão. É uma postura desajeitada, mas significa que o animal estava pronto para avançar. É o império dos medos e persas, correspondendo à segunda parte da visão do capítulo 2. Quando Daniel teve este sonho, no primeiro ano do reinado de Belsazar, o império medo-persa estava quase entrando em cena.

Francamente não sei o que significam as três costelas na boca do urso. Estamos em uma parte simbólica do livro e precisamos admitir a possibilidade de os números serem símbolos, não precisando necessariamente ser interpretados literalmente como números. Mas a figura é clara. O urso tem um insaciável desejo de devorar, e esta certamente era uma característica do império medo-persa, por ocasião da visão.

Estava faminto por conquistas. Se as três costelas se referem a alguma coisa, deve ser aos três impérios conquistados pelos medo-persas, isto é, Babilônia, Lídia e Egito.

Daniel viu, então, dois impérios mundiais consecutivos. Enquanto continuava olhando, um terceiro animal emerge do oceano: “Eis aqui outro, semelhante a um leopardo, e tinha nas costas quatro asas de ave; tinha também este animal quatro cabeças, e foi-lhe dado domínio” (v.6).

Deparamo-nos agora com um leopardo que possuía quatro asas. Estas coisas acontecem em sonhos! O leopardo é duas vezes mais veloz do que o leão que surgiu primeiro. Quatro cabeças acompanham as quatro asas.

No simbolismo bíblico, o número quatro fala do mundo. A maneira como as Escrituras falam dos quatro ventos e dos quatro cantos da terra atesta este fato. Diante de nós agora temos um reino que conquista rapidamente o mundo. Isto refere-se à rápida expansão do império grego sob Alexandre, o Grande. Como poderíamos esperar, o terceiro animal corresponde ao terceiro reino da visão de Nabucodonosor, no capítulo 2. Primeiramente, tivemos Babilônia, depois, os medos e persas, e agora, a Grécia, com suas conquistas rápidas.

E o quarto animal descrito no versículo 7? E um leão? Ou um urso? Ou um leopardo? Nenhum deles. Contudo, não podemos descrevê-lo.

Este monstro esbraveja, conquista, esmaga, pisoteia. É totalmente diferente dos que lhe antecederam. A referência ao ferro mostra claramente que este quarto animal é, idêntico à quarta parte da imagem mencionada no capítulo 2. E o grande império de Roma. Temos aqui os mesmos reinos de antes e na mesma ordem. O último deles é a odiosa Roma.

Não devemos esquecer que tudo registrado neste capítulo integra o sonho do profeta. Todos os seus detalhes são símbolos. Devemos ter o cuidado de guardar isto em mente, enquanto estudamos o que acontece em seguida. Daniel vê três fases na história do quarto animal. No final do versículo 7, e no versículo 8, vê o próprio animal. Após concentrar sua atenção na estupenda força e no poder esmagador do animal, somos informados sobre seus dez chifres.

Estes dez chifres representam um estágio posterior na história deste império. Sabemos disto porque o versículo 24 afirma, especificamente, que os dez chifres saíram deste reino.

Na Bíblia, chifre simboliza poder. Dez é quase certamente um número simbólico. É difícil insistir em tomá-lo literalmente, quando todos os outros detalhes registrados, evidentemente, não devem ser tomados desta maneira.

Se desejar, não concorde com a interpretação que segue. Mas não discorde da importante lição que aprenderemos dela.

Conforme eu entendo, a visão profetiza que, sucedendo o império romano e surgindo dele, haveria uma multiplicidade de reinos. Nenhum destes surgiria sem Roma, porém nenhum deles é Roma. Por exemplo, a Europa moderna, tal como a conhecemos hoje, deve sua existência a Roma;

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no entanto, não é uma continuação do império romano. A visão ensina que uma multiplicidade de domínios surgiria de Roma. Dez significa simplesmente inteireza e não deve ser forçado a ter outro significado. É um número completo. Os que insistem em interpretá-lo literalmente encontram-se em uma terrível dificuldade. Não podem identificar os reinos envolvidos, visto que a Palavra de Deus não nos fornece o menor indício a respeito de quais reinos seriam estes. Tais intérpretes são deixados à mercê de suas próprias especulações e precisam recorrer às adivinhações. Pensamos estar em terreno mais firme, quando tão-somente dizemos que uma multiplicidade de poderes políticos surgiria de Roma e deveriam algo a ela.

Mas depois de Roma e dos dez reinos que lhe seguiriam, vem uma terceira etapa da história. E o período do pequeno chifre, referido no versículo 8. Este pequeno chifre é um undécimo chifre. O versículo 24, dogmaticamente nos conta que segue os outros. Se levanta dentre eles, desloca alguns deles e prevalece.

Neste undécimo reino, o poder concentra-se em um indivíduo. Alguém pode pensar que este indivíduo é sobrenatural; mas não é, visto ser salientado que tem olhos de homem.

Este capítulo profetiza o surgimento de um poderoso personagem, que parecerá sobrenatural, mas que, de fato, será apenas um homem. Falará “com insolência” (v.8). Na Bíblia, esta expressão se refere, consistentemente, à blasfêmias, palavras arrogantes e afirmações de vanglória. Neste ponto da visão, o quarto animal sai do foco, e nossa atenção é centralizada no pequeno chifre.

Estou convencido de que este pequeno chifre é o mesmo indivíduo mencionado em 2 Tessalonicenses 2.3-4. Ele é “o filho da perdição, o qual se opõe e se levanta contra tudo que se chama Deus ou é objeto de culto, a ponto de assentar-se no santuário de Deus, ostentando-se como se fosse o próprio Deus” .

Em Daniel 7 temos o desenrolar da história humana, desde o tempo de Daniel até o fim do mundo. Quatro grandes reinos se levantarão, um após outro, seguidos por uma multiplicidade de reinos, procedendo do quarto. Por fim, o poder se concentrará em um único e blasfemo indivíduo. Embora seja apenas um homem, parecerá sobrenatural e se mostrará como inimigo de Deus e de tudo o que é santo.

Daniel viu tudo isto e algo mais, descrito nos versículos 9 a 14. Seremos o povo menos favorecido da terra, se gastarmos todo o nosso tempo pensando apenas sobre os animais e os chifres deixando de observar as outras coisas reveladas ao profeta, naquela noite.

O pequeno chifre pronuncia suas arrogantes blasfêmias, mas, enquanto faz isto, Daniel levanta os olhos ao céu. Ali contempla diversos tronos preparados. Tronos menores circundam um grande trono. No trono central, Daniel vê (através de símbolos) o eterno Deus em sua majestade, Aquele que é digno de toda veneração e adoração. Temos diante de nós uma figura vívida da pureza e dignidade. Deus está em seu trono, e seu trono era chamas de fogo. É uma visão que emociona o coração de cada crente. A história do mundo prossegue seu curso, mas, reinando sobre tudo, com seu trono acima dos acontecimentos do mundo, está o grande Deus.

Daquele trono flui o poder que abate a todos os que se opõem a Ele (v. 10). Deus é o grande invencível. Rodeado por incontáveis seres gloriosos, Ele preside seu tribunal de julgamento. Lá se encontram livros, que registram as ações de todo homem e mulher; e os livros estão abertos.

Tal como os animais e os chifres, isto também faz parte da visão de Daniel. Ele observa e vê que, por uma simples decisão do Rei celeste, aquele último animal, e tudo que resulta dele, é destruído (v. 11). Nenhuma guerra é necessária para que isto aconteça. Uma palavra é suficiente. A sentença divina põe fim a tudo. Uma palavra do Rei, e o animal não mais existe. Deus somente é onipotente. Este é o âmago da visão.

O tribunal de julgamento não é algo tardio que surge à última hora, no final da história. O tribunal está legislando em todo o tempo. Se esquecermos isto, provavelmente não compreenderemos o versículo 12. O tribunal não somente é responsável pelo aniquilamento

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completo do mal, mas todos os demais impérios também findaram como resultado de sua decisão. Nenhum deles teve um fim tão dramático como o último. No entanto, todos eles, sem exceção, perderam seu domínio por causa de um decreto divino, embora tenham recebido permissão para continuarem existindo por um determinado tempo.

Mas a visão não termina no versículo 12. Daniel viu algo mais (v.13).

Entra uma forma humana naquele tribunal celeste, Alguém que possui toda a dignidade e honra da Divindade! É trazido à audiência divina, “um como o Filho do Homem”. Não pode ser outra pessoa senão o nosso Senhor Jesus Cristo. É usada a palavra “como”, visto que Ele não havia ainda se vestido de nossa natureza humana. Portanto, mesmo em uma visão, as Escrituras cuidam que sua aparência manifeste apenas uma sombra do que Ele seria mais tarde. Não era ainda um homem; somente parecia um. Por ocasião desta visão, a verdadeira humanidade do Filho estava no futuro.

Devemos lembrar que nosso Senhor frequentemente se referia a si próprio como “o Filho do Homem”, especialmente quando afirmava sua divindade. Usando esta expressão, estava deliberadamente nos recordando a realidade de sua natureza humana, enquanto, ao mesmo tempo, se identificava como Aquele que possui honras divinas, mencionado em Daniel 7.

A este Cristo se dá um reino eterno! Note como isto é enfatizado, tanto positiva como negativamente, no versículo 14: “Foi-lhe dado domínio, e glória, e o reino, para que os povos, nações e homens de todas a línguas o servissem; o seu domínio é domínio eterno, que não passará, e o seu remo jamais será destruído” .

Que grande visão Daniel recebeu naquela noite! Os impérios do mundo surgem, prosperam e desaparecem. Um último império permanece até quase o final do mundo. A este império seguiu-se a ascensão do anticristo, um indivíduo blasfemo que aparentemente iria governar para sempre. Porém, uma palavra do tribunal celeste de Deus o aniquila. Este tribunal, que decreta o fim do reino humano, outorga a uma Pessoa o privilégio de reinar para sempre. E o Senhor Jesus Cristo. Quando todos os reinos humanos tiverem acabado, o Homem que é Deus ainda estará reinando! Pelo decreto divino, todos os outros reinos estão condenados à ruína; no entanto, o seu reino jamais findará. Todo joelho se dobrará perante Ele, e toda língua confessará que Jesus Cristo é Senhor!

Foi isto o que Daniel viu.

A Interpretação

A visão deixou Daniel perturbado (v.15). Tornou-o ansioso. Então, ele voltou-se a um dos atendentes celestiais e pediu-lhe a explicação (v.16).

Foi-lhe dito claramente que os quatro animais representavam quatro impérios ou “reis” e que as únicas pessoas a experimentar um reino eterno seriam o povo de Deus (vv. 17-18).

Obviamente, não se trata de um reino terreno, porque nenhum destes poderia ser descrito como eterno. Podemos esquecer a ideia de um milênio terreno. O reino eterno que Daniel viu é, obviamente, o reino de Deus, que se estabelece em nossos corações quando cremos no evangelho, cuja consumação gozaremos eternamente, em glória.

Os versículos 19 a 22, deixam evidente que Daniel manifestou especial interesse pelo quarto animal. Somos informados de um detalhe adicional: o animal tinha garras de bronze. Contudo, o chifre pequeno era ainda de maior interesse. Um detalhe adicional é dado a respeito dele também: tornou-se mais forte do que qualquer dos dez chifres que o precederam (v.20). Seu poder é inigualável. Este chifre representa o indivíduo que, como nenhum outro, se opõe ao povo de Deus e pratica o mal como ninguém jamais o fez antes dele. Usa seu poder de tal modo, que o povo de Deus não prevalece diante dele. Seus dias parecem ser de triunfo final do mal sobre tudo que é bom e santo (v.21). As coisas parecerão assim, até que seja aniquilado pelo Ancião de dias, que finalmente acolherá seu povo em um reino seguro e eterno.

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A interpretação descreve o poder dos romanos, mais poderosos em suas conquistas do que quaisquer outros antes deles (v.23). Enfatizamos novamente que deste animal procedeu a multiplicidade de reinos. É importante notar isto, pois frequentemente ouvimos falar da possibilidade de um império romano restaurado, citando-se Daniel 7 como base para esta ideia. Neste capítulo não há a menor sugestão de que o império romano será restaurado. De fato, esta profecia parece ensinar o oposto. Roma dará lugar a dez reinos, que, por sua vez, serão eventualmente sucedidos pelo pequeno chifre, com toda sua agressão e presunção (v.24). Este abaterá três dos reis anteriores, mas não temos indício de como ou quando isto acontecerá, nem precisamente o que significa. Mais uma vez, expressamos nossa dúvida quanto a se tomar o número três de modo literal.

Toda a história prossegue para o surgimento do chifre pequeno, o tempo de sua blasfêmia e sua perseguição do povo de Deus (v.25). Será tão arrogante que mudará os tempos e épocas ordenados pelo próprio Deus. Serão dias terríveis, dias quando o povo de Deus estará em suas mãos!

Por quanto tempo ele exercerá seu poder? O final do versículo 25 responde: “Por um tempo, dois tempos e metade dum tempo”. Quanto tempo isto significa? Mais uma vez peço que discorde, se desejar, mas a interpretação que segue me parece razoável, e creio ser correta. Este terrível indivíduo entrará em cena, e, por um tempo, perseguirá o povo de Deus e realizará seus maus desígnios. Continuará pelo dobro deste tempo. Então, parecerá que ficará por duas vezes este dobro de tempo, dando a impressão de que ficará aqui para sempre e que jamais haverá fim ao mal irrestrito de seu reino. No entanto, ao invés disto, seu período de governo será um tempo, tempos e meio tempo! Deus o destruirá imediatamente, enquanto ele e seu poder para o mal estiverem no auge. Isto será admirável! Maravilhoso!

Esta interpretação é melhor do que interpretar o enigma da expressão “tempos” significando três e meio! Quem quiser discorde neste ponto. Porém, quaisquer que sejam os detalhes de sua própria interpretação, o ensino central do versículo 25 permanece imutável. Chegará o dia em que o tempo do anticristo acabará! Ele não permanecerá para sempre, não importa quão permanente possa parecer. Haverá um final.

E quem realizará este final? O versículo 26 nos informa. O tribunal do céu removerá o anticristo e todo o seu poder. O mal pode afigurar-se onipotente, mas é uma ilusão. O poder absoluto pertence somente a Deus; portanto, o aniquilamento do mal é uma certeza. “Se assentará o tribunal para lhe tirar o domínio, para o destruir e o consumir até ao fim” (v.26).

O mal é removido da terra por meio de uma palavra, uma palavra de Deus! A culminação da história não será o triunfo do mal, mas o triunfo do povo de Deus (v.27). Aqueles que foram oprimidos por esta pessoa má não serão mais a cauda, e, sim, a cabeça; não serão atribulados e estarão eternamente seguros, em um eterno reino de justiça. Está se aproximando o tempo quando não mais veremos, ao nosso redor, os maus e infiéis com todos os seus poderes maus!

Esta foi a visão recebida por Daniel e sua interpretação. Perturbou-o! Encheu-o de inquietação, tanto externa como internamente (v.28). Era uma verdade terrível, no amplo sentido da palavra. O bondoso profeta guardou-a em seu coração, tornando-a parte de seu arsenal. Devemos fazer o mesmo.

O Que Significa Para Nós

Daniel 7 nos ensina que não estamos nas trevas quanto à futura história do mundo. Ao final da era presente, o chifre pequeno aparecerá. O "homem do pecado" travará guerra contra o povo de Deus. Tornar-se-á mais e mais forte, e não conseguirão contê-lo. Imaginamos que a atividade missionária organizada será esmagada e que a igreja de Deus será oprimida, arruinada e destruída.

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Sua forma visível desaparecerá.

Ainda haverá cristãos, pois temos aprendido que nada pode destruir o remanescente de Deus. Mas, para o mundo ímpio, todas as coisas de Deus, seu louvor e seu povo desaparecerão. Parecerá que o mal e o diabo triunfaram. As forças do mal se manifestarão com tal liberdade que haverá a aparência de que Deus abdicou do seu trono.

É neste momento que o poder do mal será arrasado. O Senhor Jesus Cristo voltará repentinamente do céu; tomará seu povo, a fim de que este reine eternamente com Ele. Não haverá qualquer mal no novo céu e nova terra, enquanto todos que amaram e praticaram a mentira sofrerão justa e eternamente no inferno.

Este é um assunto que nós, como Daniel, precisamos manter constantemente em nossos corações.

Entretanto, devemos preparar-nos para as dificuldades à frente. Este ensino seria verdade ainda que esta fosse a única passagem da Palavra de Deus a falar deste assunto. Mas não é. Paulo apresenta este mesmo ensino em 2ª Tessalonicenses; e até mesmo uma leitura superficial do Apocalipse enfatiza a mesma verdade. Dias terríveis aguardam a igreja de Cristo.

Os homens maus se tornarão mais e mais perversos. Eventualmente, o "homem do pecado" será revelado, e as trevas prevalecerão. Não acontecerá uma segunda vinda de nos o Senhor até que este terrível personagem se manifeste (2ª Ts 2.1-12).

Porém, nesta ocasião, Deus estará tão em controle de tudo quanto sempre esteve! Nada acontecerá além do que Ele tem profetizado. Seu controle da história é absoluto, mesmo quando parece estar ausente do mundo que Ele criou.

Naqueles dias, as pessoas terão a impressão de que o mal se tornará permanente. Contudo, aquela será a ocasião da momentosa demonstração da justiça e do poder de Deus. Ele dará fim ao mundo e convocará todos os ímpios ao seu julgamento. Procuraremos o escarnecedor, o perseguidor, o vendedor de pornografia e todo aquele que transgrediu os Dez Mandamentos e veremos que todos receberam a sua merecida condenação.

Todo domínio será colocado nas mãos dAquele que traz as marcas dos açoites, da coroa de espinhos, da crucificação e da lança. O título "Senhor" será exclusivamente dEle. Os que O amaram e se submeteram a Ele, através do arrependimento e da fé no evangelho, compartilharão da sua glória. Regozijar-se-ão na insondável maravilha de estarem para sempre com Ele, como cidadãos do reino que jamais passará.

Compensa permanecer fiel a Deus em um ambiente hostil? Vale a pena tolerar o desprezo e a crueldade do mundo ao redor, a fim de identificar-se com uma minoria perseguida?

Daniel fez esta pergunta? E você? O sonho; vindo da parte de Deus, foi a resposta que Daniel necessitou, e também é suficiente às nossas necessidades. Será realmente importante entendermos todos os seus detalhes? A mensagem central é tão evidente, que nunca desejaremos estar ao lado da maioria. Não vale a pena. O futuro não lhes pertence, mas a nós. Ousemos permanecer firmes e sozinhos.

10 – O CHIFRE PEQUENO

Leia Daniel 8

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Daniel já tivera dois vislumbres do futuro; agora, neste capítulo, recebe um terceiro. Havia alguns aspectos coincidentes entre a interpretação do sonho de Nabucodonosor, no capítulo 2, e a do sonho de Daniel sobre os quatro animais que subiam do mar, no capítulo 7. Ambos falavam de quatro impérios mundiais que surgiriam. A visão do capítulo 8 também manifesta alguma coincidência com as anteriores, mas contém muitas informações novas. No versículo inicial do capítulo 8, o livro de Daniel volta a ser escrito em hebraico, deixando o aramaico, no qual fora escrito desde o capítulo 2.4.

Tanto esta visão quanto as duas anteriores se passaram enquanto Babilônia ainda existia. Esta ocorreu no terceiro ano do reinado de Belsazar (v.1), antes que os dedos da mão de homem anunciassem a sua condenação.

As visões anteriores foram reveladas durante a noite. Foram sonhos; mas não esta, que ocorreu durante o dia, enquanto Daniel estava consciente (2.27). Se não estivesse consciente ao recebê-la, como poderia ele perder a consciência ao seu final?

Foi levado pelo Espírito, mas não estava dormindo. Não era um “sonhador”, no sentido que usamos a expressão hoje. Foi uma visão espiritual, que lhe veio durante o dia. Em alguns aspectos, era similar à que havia acontecido antes; esta é a razão por que Daniel fala a respeito dela no final do versículo 1: “Depois daquela que eu tivera a princípio”.

Daniel foi transportado pelo Espírito a Susã, a cidade que, após a ruína de Babilônia, tornou-se a capital do império persa. Assentou-se às margens do rio Ulai, que era, de fato, um grande canal artificial, com trezentos metros de largura, que ligava dois rios importantes, para que os barcos pudessem passar de um para o outro. Ali recebeu a visão que estudaremos agora.

O Que Daniel Viu e Ouviu

Os versículos 3 a 14 registram o que Daniel viu e ouviu.

Assentado à beira do rio, levantou os olhos. Viu um carneiro que tinha dois chifres, e, enquanto olhava, um dos chifres se tornou maior que o outro. Os dois chifres eram enormes, mas o segundo se tornou maior.

O carneiro com seus dois chifres simboliza o império dos medos e persas. Não pode haver qualquer especulação sobre isto, pois o versículo 20 nos revela com clareza: “Aquele carneiro com dois chifres, que viste, são os reis da Média e da Pérsia” .

De acordo com a história, estas nações formariam, depois, um império e causariam a queda da Babilônia. A princípio, os medos prevaleceram e, como já vimos, Dario foi o primeiro governante do império unido. Mas esta situação não durou muito. Logo os persas prevaleceram e Ciro ascendeu ao trono imperial. O símbolo da Pérsia era um carneiro; e o rei persa portava a imagem de um carneiro à sua frente quando se dirigia à guerra. Portanto, não ficamos surpresos em saber que, na visão de Daniel, um carneiro é o símbolo do império medo-persa.

Uma característica dos carneiros é serem agressivos e darem marradas. A frente de Daniel, o carneiro pulava e dava marradas em todas as direções, exceto o leste (v.4). É um fato histórico que os medos e persas fizeram muitas conquistas militares, especialmente sob o governo de Ciro. Na visão anterior, seu império fora anunciado com as palavras: “Levanta-te, devora muita carne” (7.5). Mas não puderam ganhar muito território no oriente, e o que conquistaram ali, muito cedo perderam. O que Daniel viu, através de uma visão profética, cumpriu-se com exatidão nos eventos históricos que se seguiram.

Mas o sonho se altera (v. 5). Vindo do ocidente, tão rápido que seus pés não tocavam o chão, surge um bode que possuía um chifre no meio de sua testa.

O que é este “bode [que] vinha do ocidente sobre toda a terra”? É o império grego; o versículo 21 nos ensina isto. O chifre “é o primeiro rei” (v.21), isto é, Alexandre, o Grande. Os pés que não

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tocam o chão significam a rapidez das conquistas de Alexandre; a expressão “sobre toda a terra” fala da extensão de seu domínio.

Daniel observa e vê o bode correr contra o carneiro! (v.6). Com a cabeça abaixada e seu chifre à frente, o raivoso e impetuoso bode ataca o carneiro, vira-se sobre ele com fúria devoradora e o lança por terra. O carneiro é totalmente humilhado. Seus dois chifres são quebrados, sua resistência esmagada e seu corpo pisado. Não há escape nem livramento. É uma profecia da completa sujeição e derrota do império medo-persa pelos gregos.

Depois lemos que “o bode se engrandeceu sobremaneira” (v.8). Vangloriando-se da velocidade e do número de suas conquistas, Alexandre, o Grande, inevitavelmente, tornou-se orgulhoso. Mas sua arrogância durou pouco. No auge de seu poder, foi morto: “e, na sua força, quebrou-se-lhe o grande chifre”. O versículo não menciona precisamente quem o destruiu, pois foi a mão invisível de Deus que, com um golpe, quebrou o grande chifre, aniquilando-o para sempre.

Quatro reis substituíram Alexandre (v. 8). O império grego não desapareceu após sua morte, porém se dividiu em cinco; mas logo depois disto, firmou-se sob quatro governantes distintos. A Macedônia ficou sob Cassandro, a Trácia e Ásia Menor sob Lisímaco, a Síria sob Selêuco e o Egito sob Ptolomeu. No lugar do chifre notável, havia quatro outros, mas nenhum deles foi tão poderoso quanto o primeiro. Mais uma vez, nada aconteceu além do que as Escrituras haviam profetizado. Aquilo que outros viram depois dos fatos acontecerem, Daniel viu, antecipadamente, através desta visão profética.

Daniel agora concentra sua atenção nos quatro chifres, notando que “de um dos chifres saiu um chifre pequeno” (v.9). De um insignificante começo, cresceu até adquirir grande poder, estendendo-se alcançou o sul, o leste e a “terra gloriosa”, a terra prometida de Canaã.

Não pode haver dúvida de que o versículo 9 se refere à ascensão de um homem conhecido na história como Antíoco Epifânio. Como profetizado, ele surgiu de uma das quatro divisões do império grego. Antíoco surgiu do domínio de Selêuco e logo depois saqueou o Egito com um imenso exército. Então dirigiu sua atenção para o leste, conquistando a Armênia e as regiões próximas. Invadiu depois a terra de Canaã. Este é o homem representado pelo chifre pequeno deste capítulo.

Dos selêucidas surgiu este grande perseguidor do povo de Deus. Josefo, o historiador judeu, escreveu mais tarde sobre ele: “Surgiria deles um certo rei que guerrearia contra a nação judaica e suas leis; privá-la-ia da forma de governo baseada nestas leis, saquearia o templo e interromperia o oferecimento dos sacrifícios, por três anos. De fato, infortúnios foram experimentados por nossa nação sob o domínio de Antíoco Epifânio, tal como Daniel, muitos anos antes, previra e escrevera que aconteceriam” .

Este chifre pequeno “cresceu até atingir o exército dos céus; a alguns do exército e das estrelas lançou por terra e os pisou” (v.10).

Que significa isto? Podemos entendê-lo melhor quando nos lembramos que, em Êxodo 7.4 e 12.41, as tribos de Israel são chamadas de “as hostes do SENHOR”. Não temos aqui uma referência aos anjos, mas aos crimes de Antíoco contra o povo do Senhor, a quem cruelmente esmagou. Persegui-los é pecar contra o céu. Isto é ilustrado pelas palavras de Jesus a Saulo de Tarso, que até então havia sido o inimigo do povo de Deus: “Saulo, Saulo, porque me persegues?” (At 9.4).

Mas a atividade blasfema de Antíoco não se limitou a isto. O restante de sua carreira é perfeitamente profetizado nos versículos 11 e 12. Ele realmente desafiou a Deus, “o príncipe do exército”. Encerrou os cultos regulares do templo e, embora não tenha destruído a estrutura do templo, profanou-o a tal ponto que não se podia usá-lo. Tudo isto foi registrado, antes de ocorrer, no versículo 11 de Daniel 8.

O que significa o versículo 12? Do mesmo modo que os sacrifícios diários foram entregues nas mãos de Antíoco, e ele os profanou, assim também um enorme número das tribos de Israel

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foram postos em suas mãos e fez com eles exatamente o que desejava. Foi um tempo, na história de Israel, quando a verdade foi lançada por terra, e este homem ímpio praticou o mal sem restrições, prosperando nisto. Foi um período de sofrimento inconcebível para o povo de Deus. Tudo era trevas, e parecia não haver qualquer luz.

Esta foi a visão de Daniel, e, enquanto a contemplava, ouviu um “santo” que falava, ou seja, um anjo (v.13).

Parece que este anjo contava a um outro os próprios eventos que Daniel contemplava em sua visão. A reação do segundo anjo foi perguntar: “Até quando durará este horrível estado de coisas? Por quanto tempo este homem terrível dominará sobre o povo de Deus? Até quando Antíoco Epifânio continuará com suas transgressões, blasfêmia e perseguição?”

A resposta encontra-se no versículo 14: “Até duas mil e trezentas tardes e manhãs; e o santuário será purificado”.

Se considerarmos que um ano abrange trezentos e sessenta dias – e a maioria dos estudiosos concorda que é prudente contarmos assim, quando lidamos com números bíblicos – verificaremos que o versículo se refere a aproximadamente seis anos e quatro meses. Isto concorda com o que se tornou conhecido. De 171 a 165 A.C., Antíoco Epifânio perseguiu os judeus e continuou com suas abominações. Durante os últimos três anos e meio deste período, o templo foi usado para sacrifícios pagãos. A revolta dos macabeus permitiu que o templo fosse novamente consagrado e aberto ao culto a Jeová; pouco depois, Antíoco morreu. A promessa no final do versículo 14 se tornou realidade. Tudo aconteceu como Daniel havia antecipadamente visto e ouvido.

O Que Isto Significa

Já notamos o que tudo isto significa. A interpretação da visão é apresentada nos versículos 15 a 26. Já nos referimos a ela enquanto prosseguíamos em nossa exposição. Mas há alguns detalhes que ainda não consideramos, e agora o faremos. Ao mesmo tempo, enfatizaremos alguns dos pontos já mencionados.

Ao receber a visão, Daniel procurou entendê-la (v.15). Após sua indagação, apresentou-se diante dele alguém que não era homem, mas tinha a aparência de homem. Esta é a maneira comum de se descrever um anjo, na Bíblia. E logo Daniel compreendeu que o visitante era um anjo.

O próximo fato é que Daniel ouviu uma voz humana, dando instruções a este anjo (v .16). João Calvino estava correto ao nos lembrar que esta voz somente poderia ser de nosso Senhor Jesus Cristo. Quem mais pode dar ordens aos anjos? E ao fazê-lo com voz humana dá mais uma promessa de sua vindoura encarnação: “Gabriel”, diz Ele, “dá a entender a este a visão”.

Há dois anjos cujos nomes são apresentados nas Escrituras: Gabriel, mencionado aqui, significa “homem de Deus”; e o arcanjo Miguel, sobre quem leremos no capítulo 10.13.

Em obediência à ordem de Cristo, Gabriel se aproxima de Daniel (v .17). O profeta se enche de temor, pois se vê como um pecador na presença da pureza. Prostra-se com o rosto em terra, como qualquer um de nós faria em uma situação semelhante. Daniel não se encontra diante de Deus; contudo, estar na presença de seu mensageiro santo é suficiente para inundá-lo com um senso de indignidade. Mas o sentimento de intimidação de Daniel não impede que o anjo fale. Chama-o de “filho do homem”, a fim de ressaltar a fraqueza do profeta e prepará-lo para a divina interpretação que lhe seria dada.

“Entende, filho do homem, pois esta visão se refere ao tempo do fim” (v.17).

Isto não pode ser uma referência ao fim do mundo, porque a identificação do pequeno chifre com Antíoco Epifânio é óbvia demais para ser ignorada. A visão se refere aos dias do perseguidor grego, não ao fim do mundo. A que, então, se refere Gabriel? Somente uma resposta é possível. Deve estar falando sobre o fim destas tribulações especiais que viriam sobre os judeus, antes do tempo do reino messiânico.

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A experiência de ouvir um anjo foi demais para Daniel. Foi tão forte e profunda que ele perdeu os sentidos (v.18). Precisou ser tocado por Gabriel e ajudado a ficar de pé, antes que a interpretação prosseguisse.

As palavras Gabriel, no versículo 19, confirmam nossa interpretação do versículo 17: “Eis que te farei saber o que há de acontecer no último tempo da ira; porque esta visão se refere ao tempo determinado do fim” .

Em outras palavras, a visão se cumprirá no final da presente indignação de Deus para com os judeus, pois Ele determinou que assim será. É isto que disse o anjo. Aqueles que relegam o cumprimento desta visão ao fim do mundo, escolheram suas próprias teorias em lugar da palavras de um anjo.

É difícil ver como alguém pode deixar de compreender o que significa a visão. O carneiro é especificado como o reino medo-persa (v.20). O bode é claramente identificado como o império grego, e o chifre grande como o seu primeiro rei, que deve ser Alexandre, o Grande (v.21). Os quatro chifres que se levantaram em lugar dele são dogmaticamente anunciados como a divisão do império grego, embora não com o poder daquele primeiro rei (v.22). Então, estando quase a findar o domínio destes quatro reis surge o chifre pequeno (v.23). Considerar que a visão se reporta ao fim do mundo não é somente uma ilusão, é também desprezar uma interpretação divina transmitida por um anjo. Muitas das interpretações proféticas modernas a respeito deste capítulo são francas contradições às coisas do céu.

Ponderemos a descrição da vinda de Antíoco Epifânio, dada nos versículos 23 a 25. É descrito como “um rei de feroz catadura”. E, de fato, ele era assim. Entrou para a história como um homem cruel, determinado, inflexível e confrontador.

O texto bíblico também afirma que ele era “especialista em intrigas” – uma referência ao fato que Antíoco era um homem que praticava o engano, embora fosse difícil alguém enganá-lo.

“Grande é o seu poder, mas não por sua própria força” (v. 24). Antíoco teria grandes realizações, mas não seriam atribuídas apenas à sua astúcia. Nada poderia obter sem a providência de Deus.

“Causará estupendas destruições, prosperará e fará o que lhe aprouver; destruirá os poderosos e o povo santo”. Esta profecia anunciava que ele destruiria em grau extraordinário e, de força em força, prosseguiria em sua impiedade. Derrotou todos os seus adversários e, então, voltou-se contra o judeu do Velho Testamento e contra o remanescente divino, os que amavam o Cristo que viria.

“Por sua astúcia nos seus empreendimentos, fará prosperar o engano” (v.25). Foi um tempo em que o engano floresceu naquela terra. “No seu coração se engrandecerá”. Isto realmente aconteceu. À medida que seu reinado prosperava, Antíoco ensoberbeceu-se cada vez mais com um sentimento de sua própria importância. “E destruirá a muitos que vivem despreocupadamente.” Isto descreve exatamente a tática mais comum de Antíoco. Era amistoso com muita gente e, quando baixavam suas armas, não sentindo mais necessidade de manterem-se alertas, liquidava-os. “Levantar-se-á contra o Príncipe dos príncipes.” Mais uma vez é profetizado que este chifre pequeno seria francamente contra Deus. Esta seria a característica mais óbvia do terrível reino de Antíoco.

No entanto, precisamos observar o final do versículo 25: “Mas será quebrado sem esforço de mãos humanas”.

Foi uma pedra cortada “sem auxílio de mãos” que destruiu a imagem do sonho de Nabucodonosor (2.34). Foram “uns dedos de mão de homem” que anunciaram a condenação de Belsazar (5.5). A mão de Deus é invisível e seria responsável pela queda de Antíoco. Não importa quão poderoso seja o tirano, nada além do mero agir da mão invisível de Deus o remove do cenário da história!

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“A visão ... que foi dita, é verdadeira; tu, porém, preserva a visão, porque se refere a dias ainda mui distantes” (v.26).

Daniel preservou-a. Naqueles dias árduos, quando o povo de Deus era perseguido e morto às mãos de Antíoco Epifânio, necessitavam e receberam conforto deste capítulo de Daniel. Durante aquela época, foram consolados por saber que este homem ímpio não teria entrado para a história sem a permissão divina e que todos os seus atos, ainda os mais cruéis, representavam o cumprimento do que Deus profetizara séculos antes. Sabiam que no tempo de Deus, a fim de consumar o versículo 25, Antíoco seria finalmente removido. Reconhecer tudo isto trouxe-lhes um conforto indescritível, naqueles tempos horrorosos.

Este foi o efeito da visão, em dias posteriores. Mas qual foi sua ação sobre o homem que a recebeu? O versículo 27 nos conta. Daniel achou tudo tão angustiante, que, por um tempo, esteve doente e não pôde servir ao rei. Não podia retomar ao trabalho. E, quando o fez, a impressão que a visão deixara em sua mente era inesquecível. Deixava-o perplexo e estava além da compreensão de todos que ouviam a respeito dela. Daniel não podia receber com indiferença a revelação de uma vindoura e livre atividade do mal.

O Que Significa Para Nós

Não devemos deixar este capítulo sem aprendermos algumas lições.

Uma destas se encontra no fato de que o vindouro Antíoco Epifânio é descrito aqui como “um chifre pequeno” (v.9). No capítulo anterior, lemos a respeito de outro chifre pequeno, um indivíduo que surgirá no final dos tempos e causará sofrimento ao povo do Senhor, como nunca antes. Sem dúvida, achamos difícil crer, assim como temos observado, que tal pessoa realmente virá e será removida com facilidade.

Mas o capítulo que agora estudamos fala de Antíoco como um chifre pequeno. Ele surgiu exatamente como fora predito e foi removido tão facilmente como fora profetizado. Aqueles que primeiro ouviram as profecias concernentes a ele certamente as acharam difíceis de serem acreditadas. Isto não impediu que se realizassem. Os eventos futuros que esperamos são igualmente certos e devemos viver à luz deles. A certeza do surgimento do anticristo deve nos tornar sérios. A certeza de sua remoção deve nos regozijar!

Mas porque tanto Antíoco, ao final do segundo século A. C., quanto o homem de pecado, no fim do mundo, são descritos como chifres pequenos? São indivíduos diferentes. Um já veio; o outro ainda virá. Por que devem ser descritos em termos idênticos?

A razão é que, em um sentido muito real, são uma só coisa. O Novo Testamento esclarece este ponto. Conta-nos da vinda de um anticristo pessoal, como já vimos. Mas também nos ensina que o espírito do anticristo já está no mundo e que muitos anticristos já surgiram (1ª Jo 2.18-19; 4.3; 2ª Jo 7). Tais anticristos recebem o mesmo título que o vindouro, pois foram seus precursores. Porém, o último será maior em poder e em impiedade. Contudo, não será diferente, em tipo, daqueles que o precederam. Será tudo o que eles foram, mas em um grau elevado. Seu aparecimento não trará algo que o mundo nunca experimentou antes. Será aquilo que o mundo já presenciou tantas vezes, mas com muito mais intensidade.

Mas, ainda existiriam muitos chifres pequenos antes do último. Antíoco Epifânio foi um deles. Houve incontáveis outros que desafiaram a Deus e lançaram-se contra o seu povo, determinados a aniquilá-lo. Pense em Nero, em um quase inumerável número de papas, Hitler, Kruschev, Mao Tse-Tung e Haxhi Lleshi, presidente da Albânia. São todos exemplos de chifres pequenos.

Porém, devemos lembrar que, para Deus, todos são chifres pequenos. Do nosso ponto de vista, o poder destes chifres é impressionante, todavia nenhum deles é grande aos olhos de Deus. A arrogância deles pode aparentar confiança. Podem ter aparência de que permanecerão. Para Deus, isto nada significa. Ele despreza o poder da carne. Remove-os como deseja; e removerá o último

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anticristo com a mesma facilidade onipotente. Troca cada um deles sucessivamente, quando deseja. A única diferença sobre o último de todos será que ele é o último da fila.

Como Deus zomba do poder humano! Para Ele, o grande império medo-persa nada mais era do que um carneiro manco. O poder da Grécia era um bode lanudo, e Alexandre, o Grande, um chifre insignificante que podia ser quebrado com um estalar de dedos!

E quanto a Antíoco Epifânio? Seu reino nunca foi realmente muito grande; no entanto, foi de grande significado para Deus, pois o seu governante afrontou os céus. Por isso, o livro de Daniel dedica-lhe tanto espaço, quando comparado com os outros impérios mundiais ali mencionados. Deus não avalia a importância dos eventos mundiais com critérios iguais aos nossos. A importância relativa de um incidente, ou de um governo, é avaliada pelo seu efeito sobre o povo de Deus. Afinal, eles são a menina de seus olhos. Antíoco se voltou contra eles de um modo que os outros grandes impérios não fizeram. Os livros de história geral dão pouca atenção às atividades de Antíoco Epifânio, embora escrevam muito sobre a Pérsia e Roma. Deus não age desta forma. Ele anotou os detalhes de tudo o que este rei faria e prometeu ao seu povo que Antíoco seria “quebrado sem esforço de mãos humanas”. O mundo não se importa muito com o futuro do povo de Deus. Mas o infinito Deus se importa. Ele cuida do seu povo.

Quão grande é o nosso Deus! Como poderia Ele revelar a história futura a seu profeta, séculos antes que acontecesse? Isso sucede porque Ele é o Deus da história e porque todos os eventos, em toda a parte, obedecem à sua soberana vontade. Quão confortante é saber que nenhum poder do mal pode levantar-se sem o seu expresso decreto! Quão consolador é estar ciente de que Ele, que governa a história, garante que, por fim, seu Filho triunfará sobre todo governo e autoridade humana e que toda demonstração do mal será destruída! Que tolice é lutar contra este Deus! Que sabedoria é andar com Ele! Que poder convincente está no argumento: “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Rm 8.31).

Gabriel, O Anjo que Veio de Deus

Há um outro assunto que devemos considerar, antes de encerrarmos este capítulo. Em Daniel 8, lemos a respeito do anjo Gabriel vindo à terra a fim de transmitir uma mensagem de Deus. Devemos lembrar que esta não é a única ocasião em que ele fez isto.

Ao ser anunciado o nascimento de João Batista, Gabriel veio a Zacarias e disse: “Eu sou Gabriel, que assisto diante de Deus, e fui enviado para falar-te e trazer-te estas boas-novas” (Lc 1.19). Assim, o pai de João Batista teve um encontro com Gabriel.

No sexto mês da gravidez de Isabel, “foi o anjo Gabriel enviado da parte de Deus, para uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com certo homem da casa de Davi, cujo nome era José; a virgem chamava-se Maria” (Lc 1.26-27).

O anjo santo anunciou o nascimento de duas crianças! Quando a primeira nasceu, seu pai prorrompeu em louvores a Deus e falou sobre o Cristo, que logo nasceria: “Bendito seja o Senhor Deus de Israel, porque visitou e redimiu o seu povo, e nos suscitou plena e poderosa salvação na casa de Davi, seu servo” (Lc 1.68-69).

Em Daniel 8, lemos de vários chifres: um chifre que cresceu mais do que outro, um chifre quebrado, quatro que sucederam a este e um chifre pequeno que surgiu de um destes quatro. Mas o homem, no Novo Testamento, a quem Gabriel entregou sua mensagem fala de um outro chifre, uma “poderosa salvação”! No original grego, chifre é a palavra usada no versículo 69: “E nos suscitou um chifre de salvação na casa de Davi, seu servo”.

Nas Escrituras, como vimos, o chifre é um símbolo de poder principesco. Este capítulo nos falou de muitas demonstrações de poder humano que surgiram e desapareceram. Mas, ao contemplar a vinda do Messias, Zacarias, em seu cântico, nos assegura que finalmente Deus nos deu um “chifre de salvação”. Um chifre enviado pelo próprio Deus veio ao mundo.

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Zacarias está dizendo que qualquer outro governo ou domínio está destinado ao fracasso. Mas Deus tem um Rei que governará e reinará para sempre. É uma ênfase adicional a um dos principais temas do livro de Daniel. Não há governo duradouro, exceto o do Senhor Jesus Cristo!

Nem um Carneiro, Nem um Bode, Mas um Cordeiro

Quando o filho de Zacarias cresceu e iniciou seu ministério como precursor do Messias prometido, de que maneira O anunciou? “Eis o Cordeiro de Deus” (10 1.29). Quando o apóstolo João teve o privilégio de receber uma visão simbólica, quem ele viu no governo do céu? Foi um carneiro ou um bode? Ele viu um leão, um leão descrito como “um Cordeiro como tinha sido morto” (Ap 5.5-6).

Quando todos os outros chifres tiverem surgido e desaparecido, Deus ainda terá um Poderoso! Quando carneiros e bodes tiverem passado pelo cenário da história, Deus ainda terá um Cordeiro! E todo o céu proclamará: “Digno é o Cordeiro, que foi morto, de receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor. Então ouvi que toda criatura que há no céu e sobre a terra, debaixo da terra e sobre o mar, e tudo o que neles há, estava dizendo: Aquele que está sentado no trono e ao Cordeiro, seja o louvor, e a honra, e a glória, e o domínio pelos séculos dos séculos” (Ap 5.12-13).

Nossas mentes não podem deixar de comparar Daniel 8 com estas outras referências. Uma sugere as outras, especialmente porque os poderes mencionados em Daniel 8 obviamente são poderes transitórios. Indagamos onde se encontram o domínio e o governo duradouros e imediatamente recordamos o que Deus declarou a respeito do Cordeiro, o Chifre de nossa salvação.

Esta é a razão por que, sem reservas, podemos manter um testemunho cristão em nosso trabalho ou escola, ainda que fiquemos sozinhos ao fazê-lo. Se todos os nossos parentes ou vizinhos ignorarem ou rejeitarem a Cristo, podemos ainda, ousadamente, identificar-nos com Ele. Qualquer outro poder é efêmero. Nenhum reino, exceto o dEle, prevalecerá. Tudo que causa danos ao seu povo se tornará em nada, mas eles jamais serão esquecidos. Armados com estas certezas, podemos dizer:

Ouse ser um Daniel!

Ouse permanecer sozinho!

Ouse ter um propósito firme, e

Ouse fazê-lo conhecido.

11 – UMA GRANDE ORAÇÃO

Leia Daniel 9

Este capítulo registra uma grande descoberta, uma grande oração e uma grande revelação. Alguns o consideram um capítulo polêmico, mas certamente deve ser uma das mais entusiasmantes partes de todo o livro de Daniel.

Uma Grande Descoberta

A grande descoberta está registrada nos dois versículos iniciais. Para compreendê-la, devemos recordar os eventos do capítulo 1. Estes aconteceram em 605 A.C. Naquele ano, Nabucodonosor havia capturado Jerusalém, levando Daniel e muitos outros judeus para o exílio. A maior parte da nação fora expatriada depois, em intervalos. Passaram-se sessenta e oito anos desde que tudo isto ocorrera. Daniel estava em Babilônia há quase setenta anos.

Neste capítulo, Daniel é um homem velho. Tinha quatorze anos ao ser trazido em cativeiro, mas agora está com oitenta e dois anos de idade. Encontramo-nos em 537 A.C., o primeiro ano de Dario, o medo. O idoso profeta pode recordar sessenta e oito anos de corajosa firmeza por amor ao

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Senhor. Em todos estes anos, com apenas algumas outras pessoas, permaneceu firme, por amor a Deus, não sucumbindo em nenhuma ocasião à tentação de ser infiel a seu Senhor.

O império babilônio caiu, exatamente como as visões, vindas da parte de Deus, haviam profetizado. A Medo-Pérsia governa o mundo, e Dario, o medo, é o soberano da Medo-Pérsia. Quanto a Daniel, como vimos no capítulo 6, chegou a uma posição de elevada importância. Neste novo império, é o segundo homem do governo, estando abaixo somente do rei.

Muitos anos se passaram desde que Daniel saíra de Jerusalém, mas a fé do velho profeta mostra-se tão vigorosa como antes. As tribulações não a enfraqueceram. As promoções e as elevadas posições sociais não minaram sua fé nem o seduziram a amar outras coisas além de seu Deus. Assim, ao iniciarmos a leitura deste capítulo, encontramo-lo a estudar sua Bíblia. Não era um único volume, como as Bíblias impressas hoje, mas uma coleção de rolos, ou “livros”, como é traduzido em algumas versões.

Daniel foi um grande profeta e tivera extraordinárias visões e revelações, mas nunca abandonou o hábito de ler sua Bíblia. Vale a pena ressaltar seu exemplo.

Nesta ocasião, examinava os rolos de Jeremias. Quando menino, em Jerusalém, provavelmente ouvira Jeremias em pessoa. Certamente ainda sabia a respeito dele. As profecias de Jeremias haviam sido escritas e, por serem a Palavra de Deus, foram maravilhosamente preservadas nos anos seguintes. Daniel as estudava. Enquanto lia, quase não podia acreditar no que seus olhos viam!

Em sua leitura, Daniel foi levado a descobrir algo que não percebera antes. O que foi? Para saber, precisamos verificar Jeremias 25.8-11 e 29.10-14.

Em Jeremias 25, os olhos do profeta podem ter se detido nas seguintes palavras: “Portanto assim diz o SENHOR dos Exércitos: Visto que não escutastes as minhas palavras, eis que mandarei buscar todas as tribos do Norte, diz o SENHOR, como também a Nabucodonosor, rei de Babilônia, meu servo, e os trarei contra esta terra, contra os seus moradores e contra todas estas nações em redor, e os destruirei totalmente, e os porei por objeto de espanto, e de assobio, e de ruínas perpétuas” (Jr 25.8-9).

O idoso profeta refletira sobre quão verdadeiras haviam sido as profecias de Jeremias. Desde a invasão de Nabucodonosor, a terra, de fato, se tornara uma ruína.

Teria lido em seguida: “Farei cessar entre eles a voz de folguedo e a de alegria, a voz do noivo e a da noiva, e o som das mós, e a luz do candeeiro” (Jr 25.10).

Isto também o teria levado a meditar. Muitos jovens, prontos para casar, foram subitamente separados pelo cativeiro. A terra se encheu de dissabor e muitas lágrimas.

Mas, então, contemplou estas palavras: “Toda esta terra virá a ser um deserto e um espanto; estas nações servirão ao rei de Babilônia setenta anos” (Jr 25.11).

Babilônia desaparecera, mas o atual soberano do império medo-persa dominava sobre o território que constituíra o império babilônio. A mudança de governo não alterara o fato que os judeus ainda estavam em exílio, longe de casa. O próprio Daniel estava lá desde o início do cativeiro, há sessenta e oito anos. Porém, agora descobria que o exílio duraria apenas mais dois anos!

Por isso, continuou sua leitura, logo chegando a Jeremias 29.10-14: “Assim diz o SENHOR: Logo que se cumprirem para Babilônia setenta anos, atentarei para vós outros e cumprirei para convosco a minha boa palavra, tornando a trazer-vos para este lugar. Eu é que sei que pensamentos tenho a vosso respeito, diz o SENHOR; pensamentos de paz e não de mal, para vos dar o fim que desejais. Então me invocareis, passareis a orar a mim, e eu vos ouvirei. Buscar-me-eis e me achareis, quando me buscardes de todo o vosso coração. Serei achado de vós, diz o SENHOR, e

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farei mudar a vossa sorte; congregar-vos-ei de todas as nações e de todos os lugares para onde vos lancei, diz o SENHOR, e tornarei a trazer-vos ao lugar donde vos mandei para o exílio” .

Ali estava de novo! Na Escritura, Daniel, mais uma vez, lia a promessa divina de que o exílio terminaria após setenta anos. Se o povo de Deus se voltasse a Ele, seriam trazidos de volta à sua terra.

Podemos imaginar o coração do profeta a se alegrar e regozijar. Para ele, Jerusalém era apenas uma lembrança da adolescência; porém jamais a esquecera ou perdera o desejo de voltar para lá. Por sessenta e oito anos havia orado, com suas janelas abertas, em direção a Jerusalém. Tudo em Daniel ansiava por voltar. Agora estava lendo a promessa divina afirmando que, após setenta anos, o povo de Deus poderia retomar àquele lar!

Quão emocionado ficou, ao contar os anos. O tempo de cativeiro estava quase findando. Mas não havia qualquer sinal visível de que a promessa se cumpriria. O novo império não dera qualquer indicação de que aceitaria libertar os judeus cativos. Não havia qualquer sinal de que o povo exilado estivesse disposto a voltar, com todo o coração, para seu Senhor ofendido. Era verdade que haviam abandonado a idolatria, a principal causa do exílio; mas isto era tudo. Não pareciam, em nada, mais espirituais do que antes.

Daniel percebeu que apenas poucos verdadeiramente buscavam a Deus; portanto, ele mesmo determinou fazer isto. Portou-se como um homem que possuía um cheque do céu. O cheque prometia o retorno do exílio, sob a condição de uma nova busca do Senhor. De acordo com o que Daniel observava, ninguém mais estava interessado em sacar o cheque. Portanto, decidiu fazê-lo sozinho e começou a buscar a Deus em favor do retorno dos judeus exilados.

Daniel não disse a si mesmo: “Deus prometeu que aconteceria, portanto, acontecerá, não importa o que eu faça”. Sua lógica era inteiramente diferente; era assim: “Deus disse que após setenta anos podemos voltar para casa. Esta é a promessa divina. Portanto, orarei a Ele para que remova sua ira de Jerusalém e faça acontecer o retorno prometido”.

Frequentemente, na história, o povo tem utilizado as promessas de Deus como desculpa para nada fazer. Sua atitude tem sido fatalista, levando-os à inatividade, enquanto aguardam o cumprimento das promessas. Daniel nada sabia deste tipo de atitude. Para ele, a promessa divina era uma razão para se engajar no árduo trabalho de oração, não uma desculpa para a inatividade. Resolveu implorar que Deus manifestasse sua benignidade, mais uma vez, para com Jerusalém. Dentro de poucos meses, Dario não existiria mais e Ciro seria levantado para proclamar que os judeus poderiam voltar a sua terra!

Deus o prometera. Daniel orou por isto. E aconteceu!

Uma Grande Oração

Esta oração de Daniel é uma das maiores na Bíblia, estando registrada nos versículos 3 a 19. É um trecho longo; não estudaremos cada palavra e frase dele. Aprenderemos bastante se extrairmos os principais assuntos da oração e procurarmos gravá-los em nossas mentes.

Antes de considerarmos os seis assuntos da oração, deveremos lembrar quão importante é a oração, nos propósitos de Deus. A promessa divina foi a causa do retorno dos judeus. E a oração do remanescente foi motivada por esta promessa.

Independentemente de quaisquer outras lições que venhamos a aprender deste capítulo, devemos estar certos de que assimilamos esta. O motivo de Deus ao agir na história não é somente por causa de suas promessas, mas também para motivar a oração de seu povo. Isto é o que significa orar “segundo a sua vontade” (1ª Jo 5.14). O Novo Testamento aborda frequentemente este assunto, apresentando-o como um conceito assustadoramente simples. Orar de acordo com a vontade de Deus é descobrir nas Escrituras as promessas divinas e suplicar que elas se cumpram.

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Deus prometeu que o evangelho alcançará os confins da terra? Sim. Então, oremos por isto – e acontecerá!

Deus prometeu que, ao semearmos a sua Palavra, esta não voltará a Ele infrutífera? Sim. Então, oremos para que sua Palavra produza frutos naqueles que a ouvem – e acontecerá!

Deus prometeu que seu Filho voltará, em glória e grande poder, com todos os santos anjos? Sim, esta é uma clara e repetida promessa, em sua Palavra. Portanto, juntemo-nos ao apóstolo João e oremos: “Amém. Vem, Senhor Jesus” (Ap 22.20). Não seremos desapontados.

A atitude de Daniel foi exatamente a mesma. Deus fizera uma promessa, e esta motivou o profeta a orar, suplicando que a mesma se concretizasse. E aconteceu!

Ao mencionarmos aspectos de sua oração, o primeiro a observar é que Daniel chegou-se a Deus com seriedade. Seu hábito sempre fora o de orar ao Senhor três vezes ao dia. Mas, para ele, isto não excluía períodos especiais de oração. No versículo 3, lemos que voltou o seu rosto para buscar o Senhor Deus, “com oração e súplicas, com jejum, pano de saco e cinza”. Orou com intensidade acima da que era costumeira em sua vida devocional.

Depois, observamos que ele veio a Deus com reverência. Sua oração não era daquele tipo “querido Jesus” que é tão popular em nossos dias. Daniel tinha intimidade com Deus, mas não poderia jamais esquecer Aquele com quem era íntimo. Ao aproximar-se dEle, manifestava um grande senso da natureza de Deus, da sua divindade. Por isso sua oração começou: “Ah! Senhor! Deus grande e temível...” (v. 4).

Terceiro, sua oração estava repleta de contrição. Ao lermos o início da oração (v. 4), encontramos ali uma confissão, e o mesmo acontece com o seu final (v.20). É a oração de um homem humilde, vencido por uma convicção de pecado, o qual ele mesmo confessa. Nesta confissão, Daniel não pode separar-se da nação a que pertence; portanto, os pecados confessados por seus lábios são os de toda a nação.

Isto não significa que sua confissão era apenas genérica. Pelo contrário, um estudo da oração de Daniel nos mostra quão específica ela era: “Temos pecado contra ti (v.8) ... pois nos temos rebelado contra ele (v.9) ... e não obedecemos à voz do SENHOR, nosso Deus, para andarmos nas suas leis, que nos deu por intermédio de seus servos, os profetas. Sim, todo o Israel transgrediu a tua lei, desviando-se, para não obedecer à tua voz” (vv.10-11) ... pois não obedecemos à sua voz (v .14) ... temos pecado e procedido perversamente” (v.15).

É uma oração de confissão. Os príncipes, os governantes e todo o povo são culpados da mesma ofensa. Deus falou, e não ouviram. Deus ordenou, e não obedeceram. Deus fez grandes coisas por eles, e não agradeceram.

Através desta confissão, Daniel reconhece que as aflições experimentadas pela nação e seu exílio são fruto de seu pecado. Também reconhece claramente que Deus esta agindo de modo justo ao castigá-los, Isto é demonstrado no versículo 7 e também no 14: “Pois justo é o SENHOR, nosso Deus, em todas as suas obras”.

Nos versículos 11 a 14, Daniel admite que todos os acontecimentos com o seu povo não são outra coisa senão o que fora prometido por Moisés, se a. nação se virasse contra Deus. O presente castigo era o cumprimento de uma promessa divina! Será que reconhecer isto fortaleceu sua fé, quando começou a implorar pelo cumprimento de outra promessa divina – o término do exílio?

Daniel aproximou-se do Senhor não apenas com seriedade reverência e contrição. Nesta grande oração, também percebemos que ele veio a Deus confiando em sua misericórdia. Há uma esplêndida ternura no versículo 4: “Ah! Senhor! Deus grande e temível, que guardas a aliança e a misericórdia para com os que te amam”. Daniel estava cônscio da majestade divina e também conhecia sua infinita ternura.

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Esta mesma verdade se repete nos versículos 9 e 18: “Ao Senhor, nosso Deus, pertence a misericórdia e o perdão; pois nos temos rebelado contra ele ... não lançamos nossas súplicas perante a tua face fiados em nossas justiças, mas em tuas muitas misericórdias”. Parte da grandeza desta oração está no fato de que Daniel tinha consciência de não haver Deus esquecido de ser misericordioso. Alicerçado nisso, Daniel teve a coragem de aproximar-se do Senhor e confiantemente deixar perante Ele seus pedidos.

Chegamos ao último aspecto. Daniel achegou-se a Deus com pedidos específicos. Viu Jerusalém, o templo e o povo arruinados, suplicou que Deus removesse de todos os judeus a sua ira e o seu furor, tratando-os com misericórdia. Nesta oração, expressou de modo enfático suas petições: “Aparte-se a tua ira e o teu furor da tua cidade de Jerusalém, do teu santo monte (v.16); ... e sobre o teu santuário assolado faze resplandecer o teu rosto (v.17); ... abre os teus olhos e olha para a nossa desolação e para a cidade que é chamada pelo teu nome (v.18); ... não te retardes” (v.19).

Por fim, devemos observar que Daniel buscou ao Senhor com argumentos fortes e com importunação . Assim como Moisés antes dele, Daniel apresentou a Deus razões convincentes por que deveria ouvi-lo, declarando seus pedidos e argumentos com fervor e urgência. Este é um dos segredos daqueles que prevalecem com Deus.

Por exemplo, no versículo 15, lembrou a Deus que Ele realizara um grande feito na história ao libertar o povo da escravidão no Egito. Este ato trouxera grande fama a Deus. Era como se Daniel estivesse inferindo: “Já fizeste grandes coisas em favor do Teu povo; então, por que não fazê-las de novo? Libertá-los do cativeiro não é algo novo para Ti”.

No versículo 16, Daniel recorda-Lhe que Jerusalém, que está desolada, é a “tua cidade de Jerusalém,... teu santo monte”. Não deveria, então, fazer algo em favor de sua cidade? O povo que está sendo desprezado é “o teu povo”. Poderia Deus ficar impassível, nada fazendo, quando o seu próprio povo, aquele que Ele mesmo resgatara do Egito, estava sendo tratado com tanto desprezo?

A argumentação se torna mais forte no versículo 17. O templo em Jerusalém havia sido o único lugar, no mundo inteiro, devotado ao culto e à adoração do Deus verdadeiro. Aquele edifício – “o teu santuário” – agora jazia desolado. Não fará Ele coisa alguma em relação ao templo, por amor do seu nome? A cidade em que o templo estava situado, Daniel lembra a Deus, também era “chamada pelo teu nome” (v .18). O apelo de Daniel não é que Deus aja em favor de Israel, por causa do amor ao povo. Não o merecem. Perderam todo o direito ao favor divino, por causa de sua rebelião e desvios. Mas permanece o fato de que são conhecidos como o povo de Deus e têm o seu Nome. Sua permanente desolação refletirá mal sobre o caráter de Deus. Indicará que Ele não se importa ou não tem – poder suficiente para ajudá-los. O mundo julgará a Deus com base no bem-estar daqueles que são conhecidos como o seu povo. Deus precisa, então, agir, por amor ao seu próprio nome. Sua própria reputação e honra estão em jogo. Se Ele não intervir, a fim de restaurar Israel, seu Nome será blasfemado.

Desta forma, Daniel expôs seus argumentos, clamando a Deus, em agonia de espírito. A oração alcança seu ápice no versículo 19: “Ó Senhor, ouve; ó Senhor, perdoa; ó Senhor, atende-nos e age; não te retardes, por amor de ti mesmo, ó Deus meu; porque a tua cidade e o teu povo são chamados pelo teu nome”.

Quando foi a última vez que você orou assim? Este é o tipo de oração que Deus ouve.

Se quisermos ver Deus agindo, precisamos descobrir suas promessas e orar por elas desta forma. Não precisamos esperar até que sejamos acompanhados por outros, para começarmos a orar. Quando o remanescente ora deste modo, a história é mudada.

Uma Grande Revelação

O que aconteceu como resultado desta oração? Os versículos 20 a 27 nos contam. A grande descoberta levou a uma grande oração e foi seguida por uma grande revelação.

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Não sabemos por quanto tempo Daniel permaneceu em oração, mas ainda estava nesta prática quando se aproximou a noite (v. 21). A grande revelação veio enquanto ele ainda se achava dominado pela enormidade do pecado e suas consequências, implorando pelo futuro da causa de Deus.

Seus lábios ainda se moviam em oração, quando Gabriel veio novamente e o tocou. Logo Daniel foi assegurado de um tremendo fato: desde o primeiro momento de sua oração, Deus a estava ouvindo. A vinda imediata de Gabriel foi o resultado (v.23).

Daniel foi novamente tomado de pavor ao ver seu visitante celestial? Se isto ocorreu, ele foi prontamente confortado. Ficou sabendo que era muito amado no céu, possuindo uma boa reputação lá! Também foi informado que teria uma pequena visão quanto ao futuro da causa de Deus, a causa que o preocupava e pela qual estivera orando (v.23). O anjo veio dar-lhe compreensão e entendimento, para que assimilasse a revelação que lhe seria dada: “Considera, pois, a cousa e entende a visão” .

“Daniel”, disse o anjo (se podemos parafrasear os versículos 24 e 25!), “você estava pensando sobre a figura de setenta anos, Israel e Jerusalém. Bem, este não é o único setenta no programa de Deus para Jerusalém. Em setenta semanas (ou, como está no hebraico, em setenta 'setes'), Jerusalém testemunhará quatro coisas.

“Primeiro, Jerusalém testemunhará o fim das transgressões, dos pecados e uma reconciliação por causa da iniquidade. Tudo isto é uma coisa só. As transgressões não mais afrontarão a Deus. Os pecados, que clamam por seu castigo, serão removidos da presença de Deus. Será feita a reconciliação, para resolver o problema da iniquidade, que causa separação entre Deus e as pessoas. Sim, daqui a setenta 'setes', algo será feito em relação ao pecado.”

Que conforto estas palavras devem ter trazido ao velho profeta! O enorme pecado de seu povo havia sido um grande fardo em sua oração. Agora, ouve que Deus vai dar um fim ao pecado!

“Segundo, após setenta 'setes' a retidão eterna será trazida.”

O evangelho, como o conhecemos, não é apenas o perdão de pecados. O cancelamento de nossa culpa não somente nos deixa limpos aos olhos de Deus. O evangelho nos promete mais do que isto; mostra-nos como os pecadores podem ser recomendados a um Deus ofendido, tornando-os retos a seus olhos.

“Terceiro, daqui a setenta 'setes' , as visões e profecias serão seladas. Imagine os velhos rolos. Ao chegar ao final de um deles, ele é enrolado e selado. Significa que a leitura terminou. Bem, já houve muitas profecias e visões a respeito do futuro; todas se cumprirão daqui a setenta 'setes'.

“Finalmente, daqui a setenta 'setes', será ungido o Santo dos Santos.”

Com certeza, a palavra “ungido” e a palavra “Messias” ou “Cristo” são essencialmente a mesma. O Messias que vem, será o Santíssimo Deus! Jerusalém presenciará tudo isto. Setenta “setes” estão determinados; é isto que Gabriel declara ser o conteúdo da profecia quanto ao futuro.

Ao ouvir tudo isto, Daniel deve ter sentido uma indescritível satisfação. Durante a maior parte de sua vida, lamentara por Jerusalém e ansiava por sua restauração. Agora, é informado de que, setenta “setes” à frente, ela terá um futuro que ultrapassará todas as suas expectativas. O Cristo prometido virá, o pecado será expiado, e haverá um meio pelo qual os pecadores poderão ser eternamente justificados diante de Deus. O tempo para profetizar sobre o Messias terminará. Ele terá vindo a Jerusalém!

Daniel soube disto porque o anjo lhe contou. Porém, isto não era tudo que Gabriel tinha a dizer. Nos versículos 25 a 27, explicou a Daniel que os setenta “setes” seriam divididos. Existiriam três períodos; dois são mencionados no versículo 25, e o terceiro, nos versículos 26 e 27.

O primeiro período será de sete “setes”; o segundo, de sessenta e dois “setes”. Então haverá um outro “sete”, no final. A divisão é simples e fácil de lembrar.

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O marco para o início do primeiro período é “a saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém”, e deste até o Messias ocorrerão as duas primeiras divisões, de sete e de sessenta e dois “setes”, respectivamente (v.25). O final do primeiro período, de sete “setes” se dará quando “as praças e as circunvalações se reedificarão, mas em tempos angustiosos”. Certamente, esta é uma referência ao tempo de Esdras e Neemias.

A seguir, virá a segunda divisão, de sessenta e dois “setes”, durante a qual nada é predito que acontecerá. Após expirar esta segunda divisão de “setes”, “será morto o Ungido e já não estará” (v.26).

À luz de muitas interpretações fantasiosas deste texto, as quais circulam entre nós atualmente, é importante enfatizar com exatidão o que Gabriel revelou. O Messias seria morto, não durante a “semana” de número sessenta e nove, mas depois dela. Sua morte ocorreria durante a septuagésima “semana”.

Muitos leitores não entenderão porque enfatizo isto. É suficiente dizer que um grande grupo de cristãos creem que a septuagésima “semana”, mencionada nesse capítulo, foi adiada para o fim do mundo. É obviamente impossível. Gabriel indica claramente que o Messias seria morto durante aquela semana. Se a septuagésima semana foi adiada, isto significa que o Salvador ainda não morreu por nós e que ainda estamos em nossos pecados.

A interpretação moderna não concorda com os fatos. O Messias foi morto depois das sessenta e nove “semanas”, como profetizado. “Porquanto foi cortado da terra dos viventes; por causa da transgressão do meu povo foi ele ferido” (Is 53.8).

O hebraico do versículo 26 também pode ser traduzido: “O Messias será cortado e nada terá”. Se esta é uma tradução correta, provavelmente se refere à afirmação de Jesus com relação a Jerusalém, quando disse aos judeus: “Eis que a vossa casa vos ficará deserta” (Mt 23.38).

O resultado da morte do Messias é profetizado no versículo 26: “E o povo de um príncipe que há de vir destruirá a cidade e o santuário, e o seu fim será num dilúvio, e até ao fim haverá guerra; desolações são determinadas”. Esta é uma profecia óbvia anunciando que Jerusalém e seu templo seriam devastados, quando exércitos estrangeiros viriam como um dilúvio trazendo caos e destruição.

Daniel contemplou todos estes eventos no sexto século A.C., mas somente aconteceram em 70 D.C., quando Tito e os romanos cumpriram esta profecia em todos os seus detalhes. A destruição de Jerusalém não se realizou imediatamente após o evento do Calvário, mas foi determinada pelo fato de os judeus terem rejeitado a Cristo. Não se cumpriu durante a septuagésima “semana”, mas foi determinada na septuagésima “semana”. Nosso Senhor esclareceu isto, tanto em seu discurso no monte das Oliveiras quanto ao caminhar para a cruz, afirmando que sua rejeição pelos judeus significaria a destruição da cidade e do templo (Mt 23.34 a 24.37; Lc 23.27-31).

Compreenderemos melhor este assunto se voltarmos a pensar a respeito de Adão. Foi-lhe dito que morreria no dia que comesse do fruto proibido. Mas, ele não morreu, literalmente, nesta ocasião. Naquele dia, morreu espiritualmente; a sua morte física veio como resultado inevitável. Do mesmo modo, a destruição de Jerusalém foi estabelecida pela rejeição judaica do seu Messias, pouco tempo antes que o evento transcorresse. Não aconteceu na septuagésima “semana”; mas certamente fazia parte dos eventos daquela “semana”.

O que mais é profetizado, com relação a esta “semana” final? “Ele fará firme aliança com muitos por uma semana” (v.27). Ele a fez, anunciando: “Porque isto é o meu sangue, o sangue da [nova] aliança, derramado em favor de muitos, para remissão de pecados” (Mt 26.28).

“Na metade da semana, fará cessar o sacrifício e a oferta de manjares”. Fez isto também, porque foi sacrificado de uma vez por todas (Hb 7.27). O véu do templo rasgou-se ao meio, e o caminho para o Santo dos Santos foi permanentemente aberto pelo seu sacrifício, que nunca mais se

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repetiria. Não havia mais necessidade dos rituais e oblações do Velho Testamento. De fato, a destruição de Jerusalém tornou impossível a continuidade de rituais e oblações.

Para obtermos mais luz sobre estes fatos, e sobre o restante do versículo 27, nada melhor que citar E. B. Pursey. Hesitamos em citar um escritor anglo-católico, mas lembramos que o Dr. Pursey foi um erudito sem igual com relação às profecias do Velho Testamento e demonstrava uma rara percepção ao lidar com elas. Veja o que escreveu, no século passado, a respeito dos versículos 26 e 27 deste capítulo: “Tudo isto se consumou em Um no evangelho. Ele, o esperado por tanto tempo, veio;foi reconhecido como o Messias; realmente fez com que os sacrifícios da lei cessassem; foi morto e, ainda assim, fez aliança com muitos; um exército estrangeiro, de fato, destruiu o templo e a cidade. O templo, durante estes 1800 anos, permaneceu desolado; os sacrifícios típicos cessaram, não por que aqueles a quem foram originalmente ordenados desacreditassem de sua eficácia” .

O Velho Livro Comprova-se Verdadeiro

Daniel, então, foi privilegiado ao contemplar o fim do exílio e a ver onde e quando o Cristo viria e o que Ele faria.

Cuidemos em notar que a passagem não diz que as “semanas” são períodos de sete anos. O hebraico simplesmente fala de setenta “setes”. Boa parte do livro de Daniel é simbólica; devemos ter muito cuidado antes de interpretar literalmente qualquer de seus números. Isto é verdade especialmente quanto aos números sete e dez, que são tão proeminentes no simbolismo bíblico. Devemos pensar bem, antes de concluirmos que os setenta “setes” se referem a quatrocentos e noventa anos.

Quando Jeremias usou o número setenta, foi mais específico; falou de “anos”. Gabriel foi mais enigmático, quando falou de “setes”.

Havendo dito isto, permanece como um assunto de grande interesse o fato que aproximadamente oitenta anos após os eventos deste capítulo, Artaxerxes I lavrou a ordem para a restauração e reconstrução de Jerusalém. Houve “a saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém” (v. 25). Dentro de quarenta e nove anos (sete vezes sete) após esta ordem, a cidade foi reconstruída sob o ministério de Esdras, Neemias e outros.

Quatrocentos e trinta e quatro anos depois (sessenta e dois vezes sete) chegamos ao final dos anos vinte do primeiro século D.C. Foi nesta ocasião que, após três e meio anos de ministério (meia “semana”), nosso Senhor Jesus Cristo foi morto. Durante os três e meio anos seguintes, os apóstolos anunciaram que o futuro estava, não com os judeus, sob quem havia caído o julgamento, mas com os gentios.

Estes números não podem ser tomados como exatos, e têm falhado as tentativas neste sentido. Nenhum estudioso, em qualquer lugar, até mesmo aqueles armados de calculadoras e computadores, podem fazer estes números encaixarem perfeitamente em seus esquemas.

Mas suponhamos que alguém lesse o capítulo 9 de Daniel, sabendo quando o profeta viveu, e aceitasse os setenta “setes” como quatrocentos e noventa anos. Quando chegasse o ano 1 D.C., esta pessoa diria a si mesma: “Está próxima a hora. Se estiver certo, a pessoa de quem Daniel escreveu deve nascer a qualquer momento”.

Tenho uma teoria; é apenas uma teoria. Minha teoria é esta: visto que Daniel foi tão proeminente nos primeiros dias do império medo-persa, seus escritos foram colocados nas bibliotecas da Pérsia.

É somente uma teoria, porém ela propõe que, no mundo antigo, havia pessoas que frequentavam bibliotecas e faziam pesquisas, a fim de obterem títulos de doutorado daquela época!

Tiravam os documentos antigos das prateleiras, esperando encontrar algo original ou incomum, para escreverem sobre isto. Minha teoria é que leram as profecias de Daniel, mais ou

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menos por volta de 4 A.C., e disseram para si mesmos: “É chegado o tempo. O Messias falado neste capítulo, se é que ele de fato virá, pode talvez estar nascendo agora”.

Naquela época, estes mesmos estudiosos examinaram o céu e viram uma estrela que os deixou completamente perplexos, mas que lhes deu a indicação de que um grande rei havia nascido. Buscaram novamente os escritos de Daniel e viram que o grande rei nasceria mais ou menos naquela época e se encontraria em Jerusalém.

Estes homens sábios, do oriente, montaram em seus camelos, carregando ouro, incenso e mirra, foram apressadamente a Jerusalém e indagaram: “Onde está o recém-nascido Rei dos judeus?” (Mt 2.2).

Tudo isto é apenas teoria. Contudo, o que eu realmente sei é que naquela cidade, precisamente naquele momento, havia almas humildes cheias de expectativa. De algum modo, sabiam que o tempo da chegada do Messias estava próximo. Com base nas Escrituras do Velho Testamento, tinham certeza de que Ele nasceria em Belém, mas esperavam a redenção em Jerusalém! (Lc 2.38).

Como sabiam de tudo isto? É possível que, através das profecias de Daniel, houvessem concluído que o tempo estava próximo e que o Messias seria reconhecido na cidade santa, à qual Ele certamente viria? De qualquer modo, fora revelado pelo Espírito Santo a um deles, um homem velho, “que não passaria pela morte antes de ver o Cristo do Senhor” (Lc 2.26).

“Movido pelo Espírito foi ao templo; e, quando os pais trouxeram o menino Jesus para fazerem com ele o que a lei ordenava, Simeão o tomou nos braços e louvou a Deus, dizendo: Agora, Senhor, despede em paz o teu servo, segundo a tua palavra; porque os meus olhos já viram a tua salvação, a qual preparaste diante de todos os povos; luz para revelação aos gentios, e para glória do teu povo de Israel” (Lc 2.27-32).

Uma velha senhora também entrou no templo, naquele exato momento, “dava graças a Deus e falava a respeito do menino a todos os que esperavam a redenção de Jerusalém” (Lc 2:38).

Comprovou-se a verdade do velho Livro. O Cristo veio como havia sido escrito a seu respeito, e aquele idoso casal morreu alegre.

O velho Livro sempre demonstra sua veracidade. De fato, retrata a Cristo. Podemos descansar em suas afirmações, não somente com relação ao tempo, mas também quanto à eternidade.

12 – UM VELHO TEM UMA VISÃO

Leia Daniel 10

Este maravilhoso capítulo está repleto de preciosas lições para nós, especialmente quanto à nossa vida de oração. Todos os capítulos anteriores de Daniel se apresentaram como unidades autônomas. Cada um era completo em si mesmo. O capítulo 10 não manifesta esta característica. Seu propósito é introduzir uma visão, cujos detalhes se encontram nos capítulos 11 e 12. Fala-nos das circunstâncias em que a última visão do livro foi dada; contudo, precisamos esperar, até lermos os dois capítulos seguintes, para ver exatamente em que consistia a visão.

Quando e Onde Ocorreu a Visão

Os primeiros quatro versículos nos dizem onde e quando ocorreu a visão – no terceiro ano do rei Ciro (v. 1). Mais de dois anos haviam se passado desde que este imperador persa decretara o retorno dos judeus a Jerusalém, a fim de reconstruírem tanto a cidade como o templo. Zorobabel e um pequeno grupo de judeus já haviam se estabelecido com segurança na Palestina. Mas Daniel não se unira a eles. Ainda havia trabalho a realizar na Pérsia. Além disto, já tinha oitenta e seis ou oitenta e sete anos; e esta era uma idade muito avançada para se viajar longas distâncias e participar da árdua tarefa de reconstrução.

O velho havia orado em favor do retorno dos exilados, mas não fora com eles. Isto não significava que o plano de Deus findara. Deus ainda tem outra revelação para seu idoso profeta. O

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frágil servo de Deus contemplará coisas não vistas em qualquer de suas visões anteriores. Verá o Filho de Deus novamente e receberá uma mais profunda percepção quanto ao futuro. Ele compreenderá plenamente o que lhe será revelado (v.l).

Daniel envelhecera, mas não ao ponto de privar-se de exercícios religiosos especiais (vv.2-3). Por três semanas inteiras, esteve pranteando e humilhando-se. Não provou comida ou iguarias deliciosas. Pôs de lado a carne e o vinho. Deixou de ungir-se com óleo, que é amplamente usado no Oriente para se refrescar. Dedicou-se a sincera e profunda humilhação. Foi uma ocasião de tristeza e jejum.

Qual a razão para tudo isto? Por que deveria este homem idoso gastar três semanas pranteando e humilhando-se, em jejum e oração?

Não o sabemos especificamente. Mas podemos descobrir através do que conhecemos da história do Velho Testamento. Daniel havia desejado e orado para que os judeus retomassem do exílio; e, com o decreto de Ciro, sua oração fora atendida. Alguns judeus haviam retomado. Mas era como se nenhum retorno tivesse acontecido. Somente um pequeno grupo deles se apropriara da oportunidade, dada por Deus, para retomarem. A grande maioria não manifestou um verdadeiro desejo de voltar para sua pátria.

Isto deve ter entristecido o coração de Daniel. Durante setenta anos ou mais, ele não se esquecera de Jerusalém. Orava três vezes ao dia, com suas janelas abertas em direção à cidade que amava e nunca saíra de seus pensamentos. Era um amor que seus compatriotas, evidentemente, não compartilhavam. Sentiam-se mais felizes onde estavam e mostravam pouco interesse em voltar do exílio. Quem saberia quanto tempo duraria a permissão oficial? Talvez a oportunidade para retomar logo findasse.

Não somente isto, mas os poucos que voltaram enfrentavam dificuldades sem precedentes em sua tarefa de reconstruir a cidade e o templo. As fundações do templo haviam sido colocadas, mas a obra estava parada por causa da oposição dos samaritanos, que haviam apelado à Pérsia para que fosse considerada a sua própria opinião quanto à edificação. Os exilados que haviam retomado estavam sobremaneira desencorajados.

Daniel suplicara pelo retorno, mas este resultara em algo insignificante. Parecia que os poucos que haviam retomado fizeram-no sem um verdadeiro motivo. Parecia que tudo fora em vão. A situação pouco se assemelhava a uma concretização do que Deus prometera através de Jeremias.

Foi por esta razão que Daniel se humilhou e estava orando. Nesta situação, Deus, em sua terna misericórdia, deu-lhe a última visão do livro, a qual logo estudaremos.

Daniel nos conta, no versículo 4, a data exata em que ocorreu. Foi três dias após a conclusão da festa da Páscoa e dos Pães Asmos. Os exilados recém-chegados celebraram esta festa na terra prometida, pela primeira vez em três gerações. Enquanto assim faziam, o ancião Daniel estava a beira do rio Tigre. Foi nesta ocasião e lugar que recebeu a visão final.

O Que Daniel Viu e Ouviu e Como Reagiu

Os versículos 5 a 9 nos relatam o que Daniel viu e ouviu. Também nos mostram como ele reagiu.

À margem do rio Tigre, levantou os olhos, e viu homem vestido de linho. Frequentemente, na Bíblia, esta descrição se refere a um visitante celeste. Os ombros do Visitante estavam cingidos de ouro puro. A figura é de deslumbrante esplendor e majestade.

A descrição do visitante continua no versículo 6. Devemos compará-la a Apocalipse 1.13-17, onde João relata ter visto “um semelhante a filho de homem, com vestes talares e cingido, à altura do peito, com uma cinta de ouro. A sua cabeça e cabelos eram brancos como alva lã, como neve; os olhos, como chama de fogo; os pés, semelhantes ao bronze polido, como que refinado numa fornalha; a voz, como voz de muitas águas. Tinha na mão direita sete estrelas, e da boca saía-lhe

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uma afiada espada de dois gumes. O seu rosto brilhava como o sol na sua força. Quando o vi, caí a seus pés como morto. Porém ele pôs sobre mim a sua mão direita, dizendo: Não temas; eu sou o primeiro e o último” .

João encontrava-se exilado na ilha de Patmos quando escreveu estas palavras; com elas, o apóstolo narrou a visão profética que ali recebera a respeito do Senhor Jesus Cristo. Há considerável similaridade entre a visão contemplada por João e a de Daniel. Não pode haver dúvida quanto ao fato que o pranteante Daniel viu o próprio Filho de Deus! Muitas vezes, na época do Velho Testamento, muito antes que Ele realmente assumisse a carne humana, no ventre de Maria, o Senhor Jesus Cristo apareceu na forma de um homem. Este fenômeno é chamado de “teofania”; e esta, citada neste capítulo, não é a primeira no livro de Daniel, como já notamos. Mais uma vez, Daniel contemplou o pré-encarnado Senhor da glória!

O versículo 7 deixa evidente que somente Daniel teve esta gloriosa visão. Foi revelada somente a alguém espiritualmente perceptivo. Somente aqueles que possuem uma natureza espiritual podem ver as realidades do mundo espiritual.

A experiência de Daniel nesta ocasião demonstra alguma semelhança com a de Paulo, na estrada de Damasco. Quando o Senhor Jesus Cristo falou com Paulo, todos ouviram o som de sua voz, mas somente Paulo ouviu as palavras pronunciadas (At 9.7; 22.9). Da mesma forma, somente Daniel contemplou a visão. Todos os demais sentiram a presença do Visitante celestial, mas nada viram. A proximidade do Filho de Deus fez com que tremessem, e, amedrontados pela santa presença, fugiram e se esconderam. Houve uma irresistível percepção do céu na terra. Ao fugirem os demais, Daniel ficou sozinho perante o Filho de Deus.

“Fiquei, pois, eu só e contemplei esta grande visão, e não restou força em mim; o meu rosto mudou de cor e se desfigurou, e não retive força alguma” (v.8).

Um velho e fiel crente encontra-se agora sozinho diante da segunda Pessoa da bendita Trindade! Suas forças retraem-se de seu corpo mortal, e sua cor natural se altera em uma palidez fúnebre. A voz cujas palavras são “como o estrondo de muita gente” lhe fala. Esta experiência é demais para o corpo humano suportar. Daniel cai prostrado, com seu rosto em terra, e perde os sentidos. O velho profeta perde a consciência, aos pés do Senhor Jesus Cristo!

Às vezes, ouvimos homens e mulheres falarem de modo desafiante contra nosso Senhor. Afirmam que, quando o julgamento vier, “dirão a Ele algumas coisas”. Mas não será nada disto. Quando homens e mulheres veem o Senhor Jesus Cristo em seu esplendor sem véu, perdem a força e caem prostrados aos pés dEle. Quem pode descrever a majestade do Filho de Deus? Para criaturas mortais, contemplar o Filho de Deus é apavorante e avassalador.

O Que Disse o Visitante

O que nosso Senhor Jesus Cristo disse a Daniel foi registrado nos versículos 10 a 14. Primeiramente, no entanto, o velho profeta necessitava ser restaurado à sua consciência. Isto tudo não aconteceu de uma vez, e o início do processo é descrito no versículo 10. Certa mão o tocou e o acordou. Pôde, então, colocar-se de joelhos, com as palmas das mãos no chão. Porém, algumas palavras de conforto serão necessárias, antes que ele possa ficar de pé.

Estas lhe são dirigidas (v.11). O gracioso Salvador o chama pelo nome e confortavelmente lhe assegura ser ele um homem muito amado. E difícil pensar em algo mais maravilhoso que um pecador desejaria ouvir. O Filho de Deus o amava!

É instado a pôr-se de pé e a ficar atento às palavras que o Visitante lhe transmitirá. Daniel atende a estas ordens, mas continua a tremer. Está em grande tremor por causa do que está prestes a ouvir dos lábios do Filho de Deus. Encontra-se muito mais dominado do que na ocasião anterior, quando encontrou-se com Gabriel. Isto ocorre porque a glória de Deus é infinitamente maior do que a dos mais gloriosos anjos. Daniel caíra como morto aos pés de Gabriel, mas recuperou-se bem depressa. Neste capítulo, quase não recobra os sentidos, e, como vemos nesta ocasião e depois, toda

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a sua recuperação foi por causa de ter ele recebido força sobrenatural. A glória de Deus é demais para o frágil ser humano suportar.

Em seu temor, ouve o Salvador a falar-lhe novamente, chamando-o pelo nome. Com ternura o Senhor o consola com a afirmação de que não há o que temer. O Visitante é um amigo (v.12).

“Há três semanas, Daniel, você começou a orar. Desde o primeiro momento, sua oração foi ouvida. Você teve o propósito de compreender o futuro do povo de Deus e começou a humilhar-se por causa dos pecados deles. No momento em que você começou a orar, foi ouvido, e Eu lhe fui enviado. Por isso, agora você receberá a revelação que lhe trago. Por três semanas inteiras você esteve orando, mas Eu fui impedido de vir.”

O versículo 13 é certamente um dos mais misteriosos do Velho Testamento. Quem poderia ter impedido o Senhor Jesus Cristo? A resposta apresentada é “o príncipe do reino da Pérsia” .

Devemos observar as palavras usadas aqui. Foi o “príncipe” e não o “rei” da Pérsia. Não foi Dario ou Ciro que resistiram a Cristo. A Bíblia refere-se consistentemente a eles como “reis”. Este é o título dado a estes potentados terrestres. Este versículo não se refere a eles, mas ao “príncipe do reino da Pérsia”.

Para compreender isto, devemos recordar o ensino do apóstolo Paulo em 1 Coríntios 10.20. Ali, ele nos instrui que as pessoas, ao adorarem ídolos, não são propriamente os ídolos que elas adoram, apesar de que os próprios adoradores possam imaginar que façam isto. Por trás da adoração aos ídolos estão os demônios, e estes são os verdadeiros deuses dos que adoram ídolos.

Da mesma forma, por trás dos deuses nacionais da Pérsia existiam personalidades más e sobrenaturais. Foram estes espíritos maus que levaram as autoridades persas a apoiarem os samaritanos, em suas investidas contra o pequeno grupo de fiéis judeus que do exílio haviam retornado à Palestina . A situação continuara por algum tempo, mas, vinte e um dias antes Daniel solicitara ajuda celestial. Cristo envolveu-se na situação e o arcanjo Miguel com Ele. Uma batalha espiritual foi travada.

O resultado desta batalha espiritual é indicado no final do versículo 13, que não mais se refere ao “príncipe do reino da Pérsia” mas aos “reis da Pérsia”, isto é, os governantes terrenos daquele império. Aqueles espíritos maus que antes os influenciaram a fazer o mal já não estão mais ao lado deles. Ali agora estão presentes Cristo e Miguel. As forças de Deus triunfaram; e agora são elas que agem e influenciam os reis persas em suas decisões. A situação quanto aos exilados que retornaram será mudada.

Não somente a situação mudou, mas Cristo veio, a fim de revelar a Daniel o que o futuro traria. Daniel receberá uma longa revelação a respeito do futuro e contemplará o que há de acontecer ao povo de Deus (v.14). A Visão se estendera não apenas aos anos imediatamente posteriores, mas até o fim do mundo. A revelação será detalhada. Daniel 11 e 12 são dois dos mais extraordinários capítulos da Bíblia. Registram a história, escrita em considerável detalhe, antes mesmo dos eventos se realizarem. Foi para desvendar todos os fatos relatados nestes capítulos que Cristo veio a Daniel naquele dia, à beira do rio Tigre.

Como Daniel Foi Capacitado a Receber a Visão

Já observamos quando e onde a visão ocorreu. Notamos como Daniel viu, ouviu e reagiu perante o Senhor Jesus Cristo. Estudamos as palavras iniciais de nosso Senhor. O restante do capítulo, a partir do versículo 15, nos conta como o profeta foi capacitado a receber a visão que ocupará os dois próximos capítulos.

O fato é que, apesar das palavras confortantes da ordem divina – “Não temas” – ouvidas por Daniel, este ainda não se recompôs. Mais uma vez, caiu prostrado aos pés de Cristo, dominado por reverência e temor (v .15). O encontro com o Senhor foi tão impressionante que Daniel perdeu a fala. Ficou, literalmente, aturdido. Mostrou-se tão abismado diante de tudo isto, que fugiram-lhe as palavras da boca.

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Então, alguém em forma humana – certamente um anjo – o tocou, como um dos serafins o fez a Isaías, quando este viu a Cristo (Is 6.5-6). Por meio da força sobrenatural assim concedida, o profeta recuperou sua capacidade de falar. Conseguiu pronunciar algumas palavras, explicando como a angústia lhe dominou e como perdera todas as suas forças (v .16). Pergunta-lhe como ele, um mero servo, pode falar com seu Senhor (v .17) . Explica-lhe como a visão da santidade fora demais para ele e como o efeito físico dela o deixara às portas da morte.

A resposta a isto é que mais uma vez o anjo se manifesta e, sobrenaturalmente, fortalece o profeta (v.18). Este se recupera aos poucos, mas ainda não está pronto para ouvir a revelação que lhe será dada. As forças que ainda necessita vêm a ele quando, uma vez mais, o Filho de Deus lhe fala em termos afetuosos e ternos. A terna voz, duas vezes lhe ordena: “Sê forte”, e, finalmente, o frágil e idoso profeta responde: “Fala, meu senhor, pois me fortaleceste” (v.19). O homem mortal agora está pronto para a visão sobrenatural. Adquiriu força suficiente para receber as extraordinárias revelações que lhe serão dadas.

“Há um conflito espiritual em andamento, na Pérsia”, diz o Senhor (vv.20 e 21), se podemos parafraseá-Lo, “e Eu voltarei a ele. Quando este terminar, haverá um conflito espiritual com o príncipe da Grécia. Nestas lutas, meu único aliado é Miguel, vosso príncipe”.

“Mas sabe por que estou aqui? Sabe por que vim a você? Vim para mostrar-lhe o que está escrito no plano de Deus quanto ao futuro.”

Algumas Lições Para Nós

Antes de passarmos a examinar a visão, não devemos esquecer as árduas lições que Daniel 10 tem a nos ensinar. Este capítulo nos mostra quem são os verdadeiros inimigos do trabalho de Deus. Este ponto é de considerável importância, e não devemos sair deste capítulo sem notarmos isto devidamente.

Zorobabel havia retornado a Jerusalém. Todo o trabalho que ele e seus poucos companheiros esperavam empreender havia sido interrompido. Quem eram os responsáveis?

Culparíamos o próprio grupo de desencorajados? Poderíamos dizer-lhes: “É tudo culpa de vocês. O desânimo de vocês impede a realização das coisas”. Pessoas desencorajadas são os verdadeiros inimigos da obra de Deus?

Ou culparíamos os samaritanos? Haviam morado na Palestina durante todo o tempo do exílio dos judeus na Babilônia. Sentiram-se grandemente desapontados com o retorno dos judeus e seu plano de reconstruir o templo. Esta era a última coisa que os samaritanos queriam e, portanto, esforçaram-se para evitá-la. Deveríamos então dizer que os verdadeiros inimigos da obra de Deus são aqueles que a criticam e se opõem fisicamente a ela?

Ou seriam os persas os culpados? Foram as autoridades persas que primeiro autorizaram os judeus a voltarem e, então, ordenaram que o trabalho cessasse, quando os samaritanos se queixaram. Certamente, eles são os verdadeiros inimigos.

Nenhum destes são os verdadeiros inimigos da obra de Deus. Os verdadeiros inimigos são revelados nos versículos 13 e 20: “O príncipe do reino da Pérsia me resistiu”; “tornarei a pelejar contra o príncipe dos persas” .

Não é muito popular afirmar isto, mas ainda continua sendo verdade que a Bíblia contém uma concludente doutrina a respeito dos anjos. Há anjos bons e anjos maus; estes são também conhecidos como “demônios”.

É o ensino claro da Palavra de Deus que os homens maus, na terra, são dirigidos por poderes do mal. Essas más personalidades espirituais, que influenciam e penetram as mentes humanas, são os verdadeiros inimigos do trabalho de Deus.

A guerra em que estamos engajados não é, primariamente, contra nosso próprio desânimo ou contra inimigos visíveis. Não é, em primeira instância, uma guerra contra críticos ou autoridades

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que constantemente frustram as coisas que desejamos fazer. Nossa guerra é espiritual, contra inimigos espirituais. Isto e claro do capítulo que acabamos de estudar e é um fato sublinhado pelo apóstolo Paulo, ao afirmar: “Porque a nossa luta não é contra o sangue e a carne, e, sim, contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes” (Ef 6.12).

Há um reino espiritual. Há um conflito invisível, que se torna Visível em nossas próprias experiências. É muito importante reconhecer isto. Por exemplo, frequentemente, quando falamos a outros a respeito do evangelho, sua resposta é: “Não compreendo” . Quando isto acontece, nossa reação natural e ficarmos desencorajados e culpar sua falta de entendimento ou sua falta de habilidade intelectual.

Este não é o problema. Não devemos culpar nossa falta de resultados por causa de nossa má comunicação do evangelho – embora haja bastante disto por aí. Tampouco devemos concluir que são nossos métodos que estão em falta – embora estes devam ser constantemente revisados. O problema essencial também não é o triste fato de que muitas vezes fazemos o trabalho do Senhor com a atitude errada.

A razão por que homens e mulheres não creem no evangelho quando este lhes é explicado, é esta: “O deus deste século cegou o entendimento dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual e a imagem de Deus” (2 Co 4.4). O diabo e suas hostes são os verdadeiros inimigos da obra do Senhor.

Uma vez que entendemos esta verdade, também assimilamos a importância de uma segunda lição, ou seja, a identificação das únicas armas apropriadas para o conflito em que estamos engajados.

Imediatamente após identificar os nossos verdadeiros inimigos, Paulo ordena: “Tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau, e, depois de terdes vencido tudo, permanecer inabaláveis” (Ef 6.13).

A armadura que vestimos e as armas que usamos são escolhidas conforme o tipo de conflito em que estamos engajados. Como nossa luta é espiritual, é imperativo que nos valhamos de proteção e armas espirituais. Se não fizermos isto, logo seremos vencidos.

Consequentemente, o apóstolo enumera as peças da armadura que são exigidas para a batalha, mas termina mencionando uma arma para a qual não há comparação terrena: “Com toda oração e súplica, orando em todo tempo no Espírito, e para isto vigiando com toda perseverança e súplica por todos os santos e também por mim; para que me seja dada, no abrir da minha boca, a palavra, para com intrepidez fazer conhecido o mistério do evangelho” (Ef 6.18-19).

O conflito espiritual exige que recorramos à oração. De que outro modo pode ser reivindicada a ajuda celestial? Daniel 10.12 nos encoraja a perceber que, desde o momento em que começamos a orar, o auxílio está a caminho. Como Daniel, podemos ser obrigados a agonizar por longo tempo – talvez três semanas – antes que recebamos qualquer confirmação pessoal de que nossa oração foi ouvida. Mas Deus nos ouve desde o momento em que abrimos a boca.

Há tremendo poder na oração. Foi pela oração que o exílio terminou e que Ciro foi movido a fazer seu decreto histórico. Quando o trabalho de reconstrução foi interrompido, Daniel recorreu novamente à oração. Pouco depois, o trabalho recomeçou. Os inimigos foram frustrados, e Deus enviou novos líderes para exortar e encorajar o povo. Finalmente, o templo foi reconstruído, e nada pôde impedi-lo.

Pense nisto! Um velho de oitenta e sete anos, em um país distante, orou, e a história foi mudada!

Por isso devemos ser zelosos em orar pela causa de Cristo, tanto em nosso país como no exterior. O poder da oração vai além das expectativas. Este é outro assunto que foi constantemente enfatizado pelo apóstolo Paulo. Suas cartas estão cheias de pedidos de oração. Ele sabia que,

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envolvendo-se o povo de Deus na prática da oração, certamente as coisas mudavam. Seus apelos para se esforçarem juntos neste exercício são constantes. Paulo não esperava que seus leitores aguardassem para entrar na luta somente após terem entendido precisamente, como a oração possui este imenso poder suficiente saber que o momento em que oramos é o instante quando alcançamos o auxílio do céu para o conflito espiritual. Cristo e os exércitos de Miguel se unem na batalha contra as forças do mal, e a situação é inevitavelmente mudada.

Neste ponto, há uma terceira lição a aprender deste capítulo – o que a pessoa que ora pode esperar.

Em sua longa vida, esta era a ocasião em que Daniel exercera maior poder. No entanto, ele nunca estivera tão fraco e humilhado. Nunca se mostrara tão abatido e prostrado.

É verdade que a oração evoca o poder divino e a ajuda celestial. Mas nunca exalta o homem que ora; pelo contrário, o abate.

O caminho da oração é solitário e difícil. A resposta que não vem de imediato também é algo desanimador. Mas há grandes consolações na oração.

No lugar de oração, Daniel viu o Filho de Deus em sua completa majestade e ouviu, dos lábios dEle, que era muito amado nos céus. Foi tocado por anjos e assegurado de que a Situação presente mudaria. Daniel viu que, no futuro, tudo acabará bem porque Deus governa o futuro. Onde poderia ele ver qualquer destas coisas, senão ali, no lugar de oração?

Onde, exceto no lugar de oração, pode um fraco, trêmulo e mortal pecador experimentar o céu na terra?

13 – DEUS É O SENHOR DA HISTÓRIA

Leia Daniel 11:1-20

Este capítulo de Daniel é continuação imediata do anterior. Ao iniciar, o Senhor Jesus Cristo ainda está falando. O primeiro versículo deveria pertencer ao capítulo anterior; é difícil entender por que os homens que dividiram a Bíblia em capítulos resolveram fazer uma divisão exatamente neste ponto.

Neste primeiro versículo, o Senhor está dizendo que, quando o império persa assumiu o governo, foi Ele quem fortaleceu Miguel naquela etapa do conflito celestial. O império babilônio foi derrubado pelo poder de Cristo. Os medos e persas foram seus instrumentos terrenos, mas a efetiva queda de Babilônia foi um ato divino realizado pelo próprio Filho de Deus.

O restante do capítulo é resumido nas palavras iniciais do versículo 2: “Agora eu te declararei a verdade”. O Senhor mostrará a Daniel um verdadeiro retrato do futuro. O capítulo 11 é a história escrita antes que os eventos ocorressem! Estava escrita desde a eternidade nos livros divinos (10.21), mas também seria registrada no livro de Daniel bastante tempo antes que acontecesse.

O capítulo 11 é um dos mais difíceis do livro de Daniel, e, ao estudá-lo, precisaremos nos referir constantemente a outras passagens das Escrituras. O capítulo é difícil, especialmente para os que não são bons em história. Por esta razão, para o estudarmos, vamos dividi-lo. Nele encontramos grandes e confortadoras lições. Ao aprendê-las, acharemos que todo o nosso esforço foi mais do que válido.

Primeiramente, observaremos o conteúdo dos versículos 2 a 20. Ainda que entendamos estes versículos apenas de um modo geral, seremos capazes de assimilar as lições que fortalecerão grandemente nossas vidas espirituais.

O Conteúdo (versos 2 a 20)

v. 2 – Quando nosso Senhor falou a Daniel nesta visão era o terceiro ano do reinado de Ciro, da Pérsia (10.1). Revelou a Daniel que o quarto rei após Ciro “será cumulado de grandes riquezas,

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mais do que todos; e, tornado forte, por suas riquezas, empregará tudo contra o reino da Grécia”. Será alguém especial.

O quarto rei da Pérsia, depois de Ciro, foi o renomado Xerxes. Mais rico do que qualquer de seus precursores, usou sua considerável fortuna para formar e manter um imenso exército, com o qual atacou a Grécia. Ainda tenho vívidas memórias de como meu coração de menino se entusiasmou com a leitura de A História de Heródoto, que registra estas aventuras e conta as famosas batalhas em Termópilas e Salamina. A história cumpriu-se exatamente como o Senhor havia anunciado ao velho profeta.

v. 3-4 – Mas a Pérsia não permaneceu como o poder dominante. Logo a glória do mundo seria a Grécia, que foi levada à proeminência por Alexandre, o Grande, a quem se refere o versículo 3. Este jovem excepcional morreu em Babilônia, no vigor de sua vida, com a idade de trinta e dois anos. Nenhum de seus filhos herdou o império, e doze de seus generais o dividiram entre si. Foi um tempo de tramas e conspirações, e, eventualmente, o império se acalmou, sendo dividido em quatro partes distintas. Isto fora anteriormente profetizado, em Daniel 8.8. Alguns outros reinos insignificantes sobreviveram por um pouco, mas o resultado final foi que a glória do império de Alexandre desapareceu, tornando-se quatro reinos, nenhum dos quais conheceu o poder ou a glória do império original.

Deste modo, as profecias do versículo 4 cumpriram-se com exatidão, o que pode ser comprovado por um exame detalhado. Nosso método, neste capítulo, já deve estar claro. Estamos contando a história da época intertestamentária, enquanto nos referimos aos versículos específicos que profetizaram estes eventos.

v. 5 – O que foi profetizado a seguir se refere ao rei “do Sul”. Esta expressão, sem dúvida, se refere ao Egito, como o versículo 8 deixa claro. O ano 322 A.C. testemunhou o surgimento de um certo Ptolomeu Sóter, que veio a governar o Egito naquele ano e permaneceu até 305 A.C. Tomou sob sua proteção um príncipe chamado Selêuco, que se tornou um brilhante militar e, em breve, um de seus generais. Em 312 A.C., este jovem tomou Babilônia de todos os rivais e estabeleceu o que se tornou o império selêucida, independente, cuja sede encontrava-se na Síria. Cedo ultrapassou em muito o reino ptolomaico, tanto em tamanho como em poder.

v. 6 – Depois de algum tempo, estes dois reinos, do sul e do norte, estabeleceram uma aliança, por meio de um casamento. De fato, isto ocorreu trinta e cinco anos após a morte de Selêuco. Berenice, filha de Ptolomeu Filadelfo, do sul, foi recebida com grande pompa, a fim de ser a esposa de Antíoco II, no norte. Mas o casamento não teve o resultado desejado, ou seja, unir os dois reinos. Pouco depois, o pai de Berenice morreu. A história é muito longa para ser contada neste livro, mas é suficiente dizer que logo ela mesma foi morta; o mesmo aconteceu a seu marido e a seu filho. Todos foram assassinados. Pouco depois, tudo se encontrava como se não houvera uma rainha Berenice, e sem qualquer sustentação para uma aproximação entre o norte e o sul.

v. 7 – “Mas ... um renovo da linhagem dela”. De fato, seu irmão tornou-se o rei do Egito. Foi o terceiro Ptolomeu a reinar, sendo conhecido como Ptolomeu Euergetes (“o que procede bem”). Venceu uma batalha contra o norte e matou todos os que assassinaram sua irmã.

v. 8 – O sucesso do reino do sul foi amplo. Seus exércitos saquearam o norte e trouxeram seus deuses protetores para o Egito. Por algum tempo, houve considerável superioridade dos ptolomaicos sobre os selêucidas .

O versículo termina com as palavras: “Por alguns anos ele deixará em paz o rei do Norte”. E foi isto mesmo que aconteceu. Todos estes detalhes históricos foram revelados a Daniel, séculos antes que se realizassem. À medida que o capítulo prossegue, certamente ficamos admirados com a exatidão profética da Palavra de Deus!

v. 9 – O versículo nos conta: “Mas, depois, este avançará contra o reino do rei do Sul, e tornará para a sua terra”.

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E, de fato, aconteceu. Do norte, veio um homem com o estranho nome de Selêuco Calinícius. Em 240 A.C., marchou contra Ptolomeu, no sul, e derrotou-o completamente. Voltou então, à sua própria terra.

v. 10 – Após isto, os dois filhos do rei do norte Selêuco Ceraunus e Antíoco, o Grande, prepararam-se para a guerra. A linguagem do versículo 10 é muito cuidadosa e de modo específico, profetiza o que aconteceu depois. A aliança dos dois príncipes foi quebrada quando Selêuco morreu no campo de batalha, e Antíoco, o Grande, foi obrigado a continuar Sozinho. Conduziu várias expedições em muitas direções, até que tomou Gaza, nos limites do reino ptolomaico. Isto colocou novamente o norte e sul em conflito aberto.

v. 11 – A milícia de Antíoco era imensa. Em comparação, a milícia do sul era insignificante – 70.000 soldados de infantaria, 5.000 na cavalaria e 73 elefantes! No entanto motivados pela fúria de Ptolomeu Filopator, as forças do sul lutaram contra as forças vastamente superiores do norte, e as venceram! A multidão do norte foi entregue em suas mãos.

v. 12 – A surpresa e a admiração desta inesperada vitória encheram de orgulho o rei do sul, começando ele a infringir derrotas ainda maiores no norte. Mas não ganhou quaisquer vantagens duradouras e voltou novamente para o sul, para viver em tranquilidade.

v. 13 – A superioridade do sul durou pouco. Não muito mais tarde, Ptolomeu Filopator morreu, sendo sucedido por uma criança de quatro anos! Mais uma vez o norte foi o poder dominante na região.

v. 14 – Parecia, agora, que tudo estava terminado para o reino do sul. Filipe da Macedônia aliou-se com o norte, fortalecendo consideravelmente os inimigos do sul. Rebeldes surgiram dentro das próprias fronteiras do Egito, embora não permanecessem por muito tempo. Todos estes detalhes históricos aconteceram “para cumprirem a profecia”. Em outras palavras, à medida que cada evento histórico consumava o que havia sido tão especificamente profetizado por nosso Senhor a Daniel, a visão se tornava mais e mais confirmada como sendo verdadeira. Tudo que fora profetizado tornava-se realidade diante dos leitores do livro de Daniel! Nada havia de falso nesta visão. Era óbvio que se poderia confiar inteiramente neste livro. Isto demonstrou ser um tremendo encorajamento para o povo de Deus, ao atravessarem eles tempos difíceis e aprenderem das páginas de Daniel qual seria o resultado final!

v. 15 – O norte, então, teve uma decisiva vitória em Sidom. A cidade foi sitiada, e alterações no terreno foram realizadas, a fim de permitir ao exército atacante penetrar na cidade.

v. 16 – Parecia que Antíoco, o Grande, se tornara invencível. Ninguém era capaz de resistir-lhe, e, portanto, fez exatamente o que desejava. A Palestina depressa caiu em suas mãos, e, como resultado passou a sofrer drasticamente.

v. 17 – Apesar de todos os seus esforços, não conseguiu derrotar o sul. Nesta época, o conquistador mudou sua tática. E assim chegamos a um período mais conhecido na história, do qual somos lembrados na peça de Shakespeare, Antônio e Cleópatra.

Antíoco concluiu que a melhor maneira de derrotar o sul seria através de sutileza. Muito convincentemente, foi ao Egito com todo o tipo de amigos íntegros e contratou o casamento de sua filha, Cleópatra, com o rei ptolomaico. Pensou que este arranjo resultaria em que, finalmente, afirmaria seu poder sobre o reino do sul, o qual não conseguira vencer por tanto tempo.

O plano falhou miseravelmente. Após o casamento, cinco anos mais tarde, Cleópatra não satisfez as expectativas do pai e constantemente posicionava-se ao lado de seu marido, em detrimento dos interesses do pai. A profecia divina estava, mais uma vez, exatamente correta: “Isto, porém, não vingará, nem será para a sua vantagem” .

v. 18 – Este fato levou Antíoco, o Grande, a abandonar suas ambições em relação ao sul e a voltar-se para “as ilhas”, isto é, as costas do Mar Mediterrâneo. Estava particularmente interessado em anexar a Ásia Menor a seus domínios. Desta vez, tentou conseguir mais do que realmente podia.

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Contra ele marchou o romano Lúcio Scípio Asiaticus. Antíoco foi totalmente derrotado e humilhado.

v. 19 – Foi uma enorme derrota, causando o fim das ambições territoriais de Antíoco. Impossibilitado de atacar terras estrangeiras, concentrou suas atenções em assuntos de sua própria terra, onde logo desapareceu de cena.

v. 20 – Antíoco foi substituído por Selêuco Filopator. Um de seus atos iniciais foi enviar um emissário, chamado Heliodoro, para confiscar os tesouros do templo em Jerusalém. Heliodoro saiu com esta missão, mas relatou que uma aparição o advertira contra executar um ato tão perverso. Certamente, ta ordem nunca foi cumprida. Selêuco Filopator desapareceu misteriosamente pouco tempo depois – poucas semanas após o início de seu reinado. De modo geral, acredita-se que Heliodoro o envenenou. Foi um impressionante cumprimento da profecia: “Mas em poucos dias será destruído, e isto sem ira nem batalha”.

Todos estes fatos históricos são difíceis e complicados, não sendo particularmente interessantes. É quase impossível para alguém lembrar, por muito tempo, os fatos precisos a respeito dos relacionamentos entre os reinos ptolomaico e selêucida. Mas chegamos ao ponto onde um certo Antíoco Epifânio entrará no cenário da história. Já lemos sobre ele em Daniel 8. Ele é extremamente importante, e aprenderemos bastante a seu respeito na próxima seção deste livro (11.21-45).

Não devemos nos preocupar muito, se não temos uma compreensão detalhada da história do Oriente Médio, na época entre o Velho e o Novo Testamento. Nossas considerações sobre ela, neste capítulo, foram pouco mais que superficial. Nosso alvo era simplesmente notar que cada detalhe profetizado foi exatamente o que aconteceu. Aquilo que está escrito no livro de Deus, e consequentemente no de Daniel, é precisamente o que está escrito em nossos livros de História. Este fato surpreendente deve levar-nos a aprender várias lições espirituais muito úteis. São claras como cristal, e agora chegamos a elas.

Algumas Lições

Em primeiro lugar, um capítulo como este deve renovar e fortalecer nossa confiança na Bíblia.

Como já expliquei antes, meu propósito em escrever este livro é encorajar as pessoas a estudar o livro de Daniel por si mesmas. Não faz parte de minhas intenções apresentar evidências que favoreçam minha firme convicção de que Daniel foi escrito no sexto século A.C. O livro de Daniel é uma unidade, e não há evidência de que qualquer parte dele tenha sido escrita em alguma outra ocasião. Há abundantes evidências, interna e externa, de ter sido escrito no sexto século A.C. Estas evidências são explicadas nos livros dos professores Robert Dick Wilson e E. J. Young. Os que têm acesso a estas obras em inglês obteriam muito proveito estudando detalhadamente o assunto. Deve-se notar que os argumentos deles foram muitas vezes ignorados, mas nunca refutados.

O livro de Daniel é uma fantástica peça literária em que a história foi escrita antes de se realizar! Não pode haver outra explicação além desta: sua origem é sobrenatural. Não admira que nosso Senhor Jesus Cristo tenha dito a respeito do Velho Testamento em geral e, portanto, a respeito do livro de Daniel: “A tua palavra é a verdade” (J o 17.17).

A Bíblia não é somente um livro que contém verdades; não é apenas um livro verdadeiro; é a própria verdade. A grande maioria dos homens e mulheres ao nosso redor simplesmente não sabem em que crer ou para onde se voltarão em suas crenças. Estão clamando por uma palavra certa. Querem algo que reconheçam, com certeza, ser a verdade. Podemos dizer-lhes, com segurança, que confiem na Bíblia. A Palavra de Deus é a verdade. É infalível. É inerrante.

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Pense em uma pessoa conhecida sua que sempre lhe fala a verdade. Você tem certeza disto, pois em toda ocasião em que as palavras dela foram confrontadas, demonstraram ser verdadeiras. Você não crerá nesta pessoa, quando ela lhe falar sobre coisas que você não pode comprovar?

Isto também acontece com a Escritura. Em todas as áreas onde pode ser comprovada, verifica-se que ela fala a verdade. Os versículos que acabamos de estudar são uma destas áreas. Vimos o que foi profetizado e percebemos claramente que os eventos da história subsequente conferem exatamente com as profecias feitas. Em cada ponto, ela foi verdadeira.

Sendo isto assim, por que deveria eu não crer na Bíblia, quando ela me fala a respeito de outros assuntos? Fala com igual certeza sobre Deus. Revela-me o que devo crer a respeito dEle e o que Ele requer de mim. Também conta-me sobre o homem – de onde veio, porque está aqui e qual a real natureza do seu problema. De igual modo, fala sobre estes assuntos tão difíceis: como ganhar a vida eterna, como viver minha vida pessoal, como deve ser minha vida em família, minhas responsabilidades como cidadão; e um vasto número de outros assuntos importantes. É profundamente tranquilizador saber que o livro que fala de todos estes assuntos é inteiramente confiável. Tudo que preciso saber para esta vida está contido em um livro que é a “verdade verdadeira” – usando a expressão do Dr. Francis Schaeffer.

Que loucura é ignorar ou negligenciar este livro! É uma loucura ainda maior não crer ou duvidar dele! Há, neste mundo, um livro verdadeiro – verdadeiro porque vem de Deus!

É hora de pararmos de tentar justificar as declarações da Bíblia. É tempo de pararmos com a timidez quanto ao sermos evangélicos, quando nos encontramos entre aqueles que duvidam e argumentam contra as Escrituras e, abertamente, escarnecem daqueles que as amam e confiam nelas. Cremos que a Bíblia é aquilo que afirma ser – a Palavra de Deus. Esta convicção é renovada e fortalecida quando lemos um capítulo tão admirável como Daniel 11. Algo é gravado em nossos corações pelo Espírito Santo: a certeza de que abrimos o livro da verdade!

Nossa segunda lição do capítulo 11 pode ser resumida no antigo provérbio: “Deus é o Senhor da história”.

Como poderia o Senhor haver dado a Daniel uma detalhada visão do futuro, se este estivesse fora de seu controle?

Imagine o que aquelas pessoas que tinham este capítulo de Daniel em suas mãos devem ter pensado, quando viram os diferentes monarcas ptolomaicos e selêucidas surgindo e desaparecendo do modo exato como havia sido profetizado. Teriam dito: “Tudo está acontecendo como Deus disse”. Teriam a plena convicção de que Deus estava controlando tudo e que seus propósitos estavam sendo cumpridos. O que fora profetizado se realizara. Teriam concluído que as coisas profetizadas e que ainda não haviam acontecido com certeza aconteceriam.

Tudo que ocorre na história ocorre porque está escrito no livro de Deus. Neste caso, um período particular da história foi revelado a Daniel e escrito também em seu livro. Ainda que não o fosse, não alteraria o fato de que estava escrito nos planos de Deus. A história não é sem sentido ou propósito, como alguns historiadores modernos têm declarado. Tudo que acontece está consumando os decretos de Deus. E, apesar disto, não é Ele, de modo algum, o autor do pecado. Deus não o admite, nem por um momento. Não compreendemos como isto pode ser, mas permanece como fato. Veremos tudo mais claramente quando estivermos na eternidade e, com uma perspectiva melhor, pudermos olhar a história do mundo.

Há imenso conforto nesta verdade. Ao observarmos o mundo de hoje, vemos as forças do mal trabalhando por toda parte – espreitando, ameaçando, perseguindo e oprimindo. Mas forças, até mesmo elas, estão concretizando os eternos propósitos de Deus. Não estão fazendo nada diferente daquilo que faziam os grandes impérios do mundo mencionados no livro de Daniel. Aprendemos que estes impérios estavam nas mãos de Deus. Isto não é menos verdade quanto às forças do mal nos dias de hoje. A história não está fora de controle e a sua consumação não é uma questão

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duvidosa. Todas as coisas estão se movendo em direção ao triunfo final de nosso Senhor Jesus Cristo e ao castigo final e eterno dos ímpios.

Há uma terceira e última lição a aprendermos. Deus continua sendo Deus, ainda que não O vejamos em parte alguma.

Vimos o Senhor Jesus Cristo anunciando o futuro ao profeta Daniel. E, quando examinamos a visão histórica que Ele lhe deu, observamos que não há qualquer menção à pessoa de Deus. Há um verdadeiro catálogo de guerras, alianças, casamentos, batalhas e uma quantidade estonteante de reis surgindo e desaparecendo. O homem ocupa todo o cenário. Frequentemente, temos a impressão de que os acontecimentos são controlados pelo homem mais forte de sua respectiva época. Deus não é mencionado em parte alguma. Aparentemente, é como se a história nada tivesse a ver com Ele.

Mas é o próprio Senhor quem está anunciando tudo isto! E serve para enfatizar a lição que acabamos de aprender. Deus é o Senhor da história. Este fato continua sendo verdadeiro, ainda que não haja evidência de que Ele está trabalhando.

Pense no período histórico mencionado nesta seção. Exércitos cruzavam a Palestina. A atenção do mundo estava voltada para os selêucidas ou para os ptolomaicos; os judeus simplesmente não existiam no mundo político.

Impérios levantaram-se e caíram, mas os judeus eram considerados como não tendo valor algum. Eram o único povo no mundo que tinha a verdade sobre o Deus vivo e, apesar disto, foram inteiramente esquecidos. Para o mundo, eram insignificantes. Tinham bastante tribulação, perplexidade e perseguição. Frequentemente, seus corações se enchiam de temor. Nos livros de história daquela época, o Deus deles não podia ser visto em lugar algum.

Mas, ainda nesta ocasião, os eventos se consumavam exatamente como o Salvador havia profetizado, e seus propósitos, tanto para os judeus em particular como para o mundo em geral, se realizavam. Nada acontecia, em lugar algum, sem que tivesse sido previamente escrito em seu livro.

Isto continuou sendo verdade, até mesmo quando parecia que Ele estava completamente ausente do seu mundo. Ele é o Senhor de toda a história. Quando não pode ser visto, Ele está governando os assuntos do mundo, da mesma forma.

Ao concluirmos este capítulo, posso perguntar se você realmente crê nisto?

Vivemos em dias de apostasia. Os homens se levantam em nome de Cristo e proclamam nada mais do que uma forma de humanismo temperado com coisas espirituais. Têm o nome de cristãos, mas não são governados por nenhuma convicção realmente espiritual, nem caracterizados por reverência ou submissão à palavra de Deus. A cada dia a igreja visível se afasta mais e mais de seus fundamentos apostólicos.

Como resultado direto desta infidelidade múltipla houve, e continua havendo, um declínio moral em todos os níveis de nossa sociedade. Além disto, vivemos à sombra de um terror nuclear; presenciamos mudanças diárias na política nacional e internacional e lemos a respeito da confusão econômica universal. Enfrentamos a possibilidade cada vez maior de sermos assaltados em nossas ruas e roubados em nossas próprias casas. Esperamos alguma diminuição na onda de perversidade, mas aguardamos em vão. Quase não há uma voz proeminente em favor da verdade, em qualquer lugar. Ficamos mais e mais acostumados com o triste fato de que todo o inferno pode ser solto, a qualquer momento.

Diante desta situação, você pode crer na verdade que este capítulo deixa tão evidente – Deus continua sendo Deus ainda que não O vejamos em parte alguma.

Três vezes abençoado é aquele a quem é dado

O instinto que pode afirmar

Que Deus está no campo, quando Ele

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É o mais invisível.

Ele se esconde tão maravilhosamente

Como se não houvesse Deus;

Ele é menos visto quando todos os poderes

Do mal estão mais espalhados.

14 – ANTÍOCO EPIFÂNIO

Leia Daniel 11:21 a 45

Daniel 11.21-45 é terreno um pouco difícil. Primeiramente examinaremos o solo e, então, extrairemos dele algumas jóias.

É uma continuação da visão que nosso Senhor concedeu ao velho profeta, no final do sexto século A.C. Sobrenaturalmente fortalecido por anjos, o profeta foi capacitado a receber uma visão do futuro. Foi-lhe anunciado que o império medo-persa daria lugar à Grécia, que, depois de se dividir em quatro reinos, seria mais tarde suplantada pelos interesses de dois reinos em particular. Até o versículo 20, Daniel 11 forneceu um resumo detalhado do relacionamento entre o reino do sul, dos Ptolomeus, sediado no Egito, e o reino do norte, dos Seleucos, cuja sede estava na Síria.

Nosso estudo sobre esta profecia já fortaleceu nossa confiança nas Escrituras, e a seção que temos diante de nós fará o mesmo. Nosso método de estudo será semelhante ao do capítulo anterior. Sem nos prendermos aos muitos detalhes históricos, relataremos o que aconteceu naquele período da história da maneira mais clara possível. Ao fazermos isto, nos referiremos aos versículos que mencionam cada grupo de eventos. Uma vez mais, veremos como cada acontecimento foi profetizado com exatidão. Novamente, teremos o privilégio de ler a história escrita antes que acontecesse!

Antíoco Epifânio

v. 21 – No capítulo anterior, aprendemos que Antíoco, o Grande, foi sucedido por Selêuco Filopator, que desapareceu misteriosamente pouco depois de assumir o trono. O monarca seguinte, no reino do norte, também chamava-se Antíoco. Deu a si mesmo o nome “Epifânio” (“Ilustre”), mas foi uma pessoa tão extraordinária que seus contemporâneos se referiam a ele como “Epimanes” (“Louco”)!

Uma curta lista de adjetivos pode, em poucas palavras, resumir o caráter de Antíoco. Era astuto, poderoso, cruel, tolo, ganancioso e imoral. Acima de todas estas coisas, era um homem de paixões violentas. Este era o novo rei “ao qual não tinham dado a dignidade real”. Por não estar na linhagem de sucessão ao trono, Antíoco não recebeu as dignidades reais. Sua ascensão ao trono se deu por meio de intriga e adulação, como este versículo acertadamente profetizou.

v. 22 – Não demorou para que este novo rei estivesse em guerra contra os Ptolomeus do Egito, a quem derrotou totalmente. Ao mesmo tempo, quebrou uma de suas alianças mais fiéis, celebrada com um amigo aqui chamado de “o príncipe da aliança”.

v. 23 – Seu próximo contato com o Egito foi realizar uma aliança com este! De alguma maneira, conquistou o coração dos egípcios. Este fato marca a verdadeira ascensão de Antíoco. Daí por diante, tornou-se uma estrela de crescente poder e influência, embora tivesse “pouca gente”.

v. 24 – Rapidamente, Antíoco Epifânio se tornou o senhor de um reino esbanjador, no qual ele pôde dispensar toda sorte de riquezas a quem desejasse. Foi também um reino pródigo e imoral. Sua nova situação, no entanto, não mudou suas ambições. Seu coração ainda estava ansioso por conquistar as “fortalezas” do Egito.

vv. 25-26 – Uma nova campanha foi empreendida contra o Egito. Por causa da traição de alguns em suas próprias fileiras, os egípcios não puderam resistir-lhe. A guerra resultou em um

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completo massacre. Ao avançarem os selêucidas por sobre os corpos dos egípcios, será que alguém lembrou-se de ta profecia: “muitos cairão traspassados”?

v. 27 – Assim, os dois reis oponentes reuniram-se em torno de uma mesa. Nosso Senhor havia contado a Daniel: “Também estes dois reis se empenham em fazer mal, e a uma só mesa falarão mentiras” . Foi precisamente o que correu. Antíoco fingiu que dividiria o poder com Filometor, que, por sua vez insinuou acreditar nele! Cada um procurou enganar o outro. Mas ainda não era a hora escolhida de Deus para findarem as guerras entre o Egito e a Síria. Isto é o que significa o final do versículo 27.

vv. 28-29 – Antíoco retomou ao seu país, rico, ímpio e aparentemente invencível. Porém, em 168 A.C., preparou outra campanha contra o Egito. “Mas não será nesta última vez como foi na primeira”, havia dito o Senhor. Este é um modo hebreu de afirmar que a nova campanha não terá o sucesso das anteriores; e foi exatamente assim que aconteceu.

v. 30 – A causa deste insucesso foram os “navios de Quitim”. Isto se refere à frota do proeminente soldado e navegador romano Popílio Laenas. Ouvindo do avanço de Antíoco, navegou imediatamente para as costas do Egito. A chegada da frota romana desanimou tão completamente a Antíoco que não pôde conquistar o Egito; partiu, então, com raiva e frustração, para a Palestina. Uma vez ali, conferenciou com os judeus que haviam deixado sua fé: Vindo a concentrar seus pensamentos apenas na terra prometida.

v. 31 – Atacou Jerusalém, tomando as mulheres e crianças como prisioneiras e consolidando a cidadela que guardava o templo. Então se iniciou uma tentativa sistemática para apagar todos os vestígios da religião judaica, introduzindo-se o pensamento e a cultura dos gregos. Não houve limites à tentativa e à selvageria de Antíoco. Seu ato mais repulsivo foi retirar do templo o altar de ofertas queimadas e erigir um altar pagão em seu lugar.

v. 32 – Com lisonjas, Antíoco persuadiu os judeus apóstatas a se tornarem seus aliados e levarem adiante seus planos. Mas nem todos eram apóstatas. Entre os judeus, ainda havia muitos homens e mulheres que conheciam a Deus e que continuavam a andar com Ele. Muitos judeus foram impulsionados a praticar incontáveis atos de valentia, para não sucumbirem aos ritos pagãos que Antíoco havia tornado compulsórios. A tortura e o martírio não os privavam da devoção pessoal, nem da adoração secreta. Uma ampla resistência a Antíoco foi rapidamente organizada; e o tempo de opressão se tornou um tempo de fortalecimento espiritual e de memoráveis façanhas para o remanescente perseguido.

v. 33 – Homens com percepção espiritual circulavam secretamente entre o povo, ensinando-lhes as Escrituras, dirigindo-os em oração e mantendo viva a esperança da vinda do Messias. O trabalho continuou de maneira incessante, embora aqueles que o realizavam tenham sido perseguidos implacavelmente – castigados pela espada, pela fogueira, aprisionados ou empobrecidos. A longa e cruel perseguição foi um período de muita fé e religião verdadeiras.

v. 34 – Parecia que o remanescente de Deus não resistiria por mais tempo. Nesta ocasião, houve a rebelião dos macabeus. Mas Judas Macabeu não conseguiu livrar os piedosos de todas as suas aflições, especialmente porque muitos hipócritas, temerosos quanto às reações dos judeus, se uniram a ele e aos fiéis.

v. 35 – O tempo de perseguição resultou na queda de alguns que professavam o nome de Deus. Para outros, foi uma experiência de purificação e, portanto, um tempo de fortalecimento espiritual. Os fiéis jamais se renderam, pois sabiam que Deus, em sua própria hora determinada, ordenaria o cessar da perseguição.

Desta forma, esta parte de Daniel 11 cobre a ascensão e a atividade de Antíoco Epifânio. Mais uma vez enfatizamos quão maravilhoso é notar que estes eventos consumados no segundo século A.C. foram profetizados quatro séculos antes. Muitos dos detalhes de Daniel 11 continuaram desconhecidos aos historiadores até recentemente, mas foram perfeitamente profetizados e

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registrados séculos antes. A origem sobrenatural das Escrituras continua a nos encorajar, assim como a lição de que Deus está, inquestionavelmente, no controle de toda a história até mesmo quando, aparentemente, não pode ser visto. Já aprendemos estas lições, mas somos tão inclinados a esquecê-las, que não temos vergonha de repeti-las.

Um Princípio Importante

Temos estudado o capítulo 11 somente até o versículo 35. Do versículo 36 em diante, acontece algo estranho. O texto parece continuar descrevendo Antíoco Epifânio. Entretanto, passa a dizer coisas que de modo algum podem ser aplicadas a ele!

Até o versículo 35, o capítulo foi historicamente perfeito. Detalhe após detalhe foi profetizado com empolgante exatidão. A partir do versículo 36, não há uma aparente mudança de assunto. Parece ainda estar falando sobre o infame Antíoco Epifânio. Porém, muitos dos detalhes simplesmente não se ajustam nem podem se ajustar a sua historia. Ao iniciarmos o capítulo 12, que é uma continuação da mesma visão, vemos que está se referindo ao fim do mundo! Há menção da ressurreição e dos destinos da vida e da desgraça eterna.

Que faremos de tudo isto? E como se o profeta, ao falar a respeito de Antíoco Epifânio, estivesse vendo através dele e o enxergasse como um tipo ou protótipo de alguém, semelhante a ele, que surgirá no futuro.

Isto não deve nos surpreender muito. Devemos lembrar que, no capítulo 7, Daniel viu “um pequeno chifre”. Aquele “pequeno chifre” era um personagem ímpio que aparecerá ao final do mundo e que causará sofrimento ao povo de Deus, como nunca antes o experimentaram.

No capítulo 8 observamos que Antíoco Epifânio, a respeito de quem estivemos lendo, foi também descrito como “um pequeno chifre”. Dois indivíduos diferentes receberam a mesma descrição em dois capítulos consecutivos do mesmo livro. Um foi uma pessoa que já viveu e morreu. O outro ainda virá. Notamos também que ambos receberam a mesma descrição porque, em certo sentido, são realmente os mesmos.

Aprendemos que o anticristo final será precedido por muitos anticristos. A história está cheia de pessoas proeminentes que se dispuseram e procuraram destruir o povo de Deus. São os antecessores do anticristo final. Quando um deles surge na história, é quase impossível saber se é apenas mais um anticristo ou se é o anticristo. Ao ser odiosamente perseguida, uma pessoa pode imaginar que seu opressor é o anticristo; somente depois que os eventos subsequentes lhe provam o contrário, é que ela percebe o erro. No momento da perseguição não é vergonha considerar que o perseguidor pode ser aquele final e terrível indivíduo cuja vinda anuncia as últimas horas da história da raça humana. É claro que, para um homem ou uma mulher de Deus, dois indivíduos distintos podem, de fato, parecer como se fossem o mesmo!

Se este é um fato da experiência cristã, não devemos ficar surpresos ao descobrir que também é um fato da experiência profética. Ao contemplar o futuro, o profeta bem pode ter visto dois indivíduos distintos como um só, e sua profecia poderia se dirigir, naturalmente, de um para o outro.

Muitos dos profetas não somente fizeram isto com relação a personalidades futuras, mas também com relação a eventos futuros. A história subsequente demonstrou que os dois conjuntos de eventos eram distintos, mas, ao profetizá-los, embora dando indícios sobre suas diferenças, o profeta falou de ambos como sendo um só. Se não pudermos assimilar esta característica da profecia, nosso conhecimento a respeito dela será sempre limitado.

É precisamente isto que notamos em Daniel 11. O Senhor faz com que Daniel veja, através de Antíoco Epifânio, a pessoa a quem este prefigura – o homem do pecado. A partir do versículo 36, Daniel, de certo modo, ainda está falando sobre Antíoco. Mas, com certeza, está falando mais a respeito do anticristo, pois aqui se dizem coisas que não podem, de maneira alguma, ser aplicadas a Antíoco. Com isto bem evidente em nossas mentes, continuaremos agora nosso estudo, partindo do versículo 36.

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O Homem do Pecado

v. 36 – O versículo 36 nos conta de um rei que agirá segundo a sua própria vontade. A figura é de um homem que chega ao poder, prospera, cresce em poder e, então, fala contra todos os deuses. É verdade que Antíoco Epifânio aceitou ser chamado de divindade, mas nunca se engrandeceu sobre todo deus pois durante sua vida, manteve alguma forma de religião. Falou contra o Deus dos deuses, mas nunca contra toda religião. Este versículo deve cumprir-se naquele que “se opõe e se levanta contra tudo que se chama Deus ou é objeto de culto” (2ª Ts 2.4).

Tendo compreendido que o capítulo se refere agora, principalmente, a uma pessoa que está além de Antíoco Epifânio, nossa interpretação de cada frase em particular e afetada. Grande parte da profecia do Velho Testamento usa a linguagem literal mas, como a interpretação dos apóstolos mostra, este tipo de linguagem não deve ser forçado. Ao anunciarem eventos escatológicos, os profetas utilizavam a única linguagem que conheciam. Mas esta linguagem era por demais limitada para descrever adequadamente os eventos proféticos a que se referiam. A linguagem literal deles, portanto, precisa receber um significado mais pleno e mais esclarecedor do que as palavras, por si mesmas, permitem.

v. 37 – Seria embaraçoso aplicar o versículo 37 a Antíoco. A pessoa deste versículo não tem respeito a nenhum deus, o que, repetimos, simplesmente não foi verdade com relação a Antíoco. A figura aqui é de um homem pisoteando aquilo que seus pais valorizavam, uma pessoa sem afeições e sem qualquer tipo de piedade.

vv. 38-39 – O único deus que esta pessoa adora é a força, devotando-lhe tudo. Com o uso da força, avançará contra seus inimigos e concederá recompensas aos que estiverem do seu lado.

v. 40 – Virá o tempo quando dois oponentes se encontrarão face a face. De um lado, estará um rei, tipificado por Antíoco Epifânio e neste versículo chamado de “o rei do norte” . Do outro lado, estará outro rei, tipificado pelos Ptolomeus e chamado de “o rei do sul”. Estes serão dias de batalha, quando o anticristo estará preocupado em busca de expansão territorial.

v. 41 – Derrotará todos que se lhe opuserem; os únicos que escaparão de sua ira serão aqueles que já são inimigos do povo de Deus.

O versículo 41 não pode se referir a nenhum evento relacionado a Antíoco, pois se refere à nação de Moabe. Esta nação não existia mais nos dias de Antíoco e não existe hoje. Então, é evidente que este versículo não pode ser interpretado literalmente, embora sua linguagem tenha uma forma literal.

Edom, Moabe e Amon são os inimigos tradicionais do povo de Deus. Como não podemos interpretá-los literalmente, devemos espiritualizar o que é ensinado aqui, como frequentemente temos de fazer com a profecia do Velho Testamento. Tomamos isto como uma referência figurativa do fato que, ao surgir o anticristo, os únicos a escapar de seu veneno serão aqueles que já se opõem ao povo de Deus.

vv. 42-44 – Nenhum lugar de todo o mundo escapará de sua fúria. Será uma força que tudo conquistará, ordenando a submissão universal. A rebelião será impossível, pois, ao ouvir rumores dela, a esmagará.

v. 45 – Finalmente, assentará seu trono na terra sagrada e gloriosa, “a ponto de assentar-se no santuário de Deus, ostentando-se como se fosse o próprio Deus” (2ª Ts 2.4), como Paulo o descreve.

Você pode não concordar comigo, porém estou satisfeito com a ideia de que nos versículos 21 a 45 temos uma visão de Antíoco Epifânio, que se funde na visão de um personagem escatológico final e terrível, que se torna a principal figura do capítulo. Este termina com uma afirmação confortadora – “chegará o seu fim, e não haverá quem o socorra” .

Uma Abordagem Séria

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Não espero que todos os leitores deste livro concordem plenamente com a interpretação apresentada. Sinta-se livre para discordar de minha interpretação, desde que você tenha uma melhor! Mas nenhum de nós está livre para discordar da verdade do surgimento de um anticristo no fim do mundo. Este fato deve trazer às nossas vidas cristãs um elemento de verdadeira seriedade.

A Palavra de Deus revela que o último dia não acontecerá, sem que primeiro venha a apostasia e seja manifestado “o homem da iniquidade, o filho da perdição” (2ª Ts 2.3).

Há alguns que nutrem pontos de vista proféticos que os levam a crer que o mundo inteiro será pelo menos “cristianizado”. Sonham com o dia quando todo governo, instituição e sociedade serão poderosamente afetados pela influência cristã. Anelam pelos dias dourados que estão adiante. De fato, tais sonhadores serão grandemente desapontados. Os homens perversos se tornarão ainda piores (2ª Tm 3.13), até que venha um indivíduo mau, cujo caráter será marcado por tal perversidade que o mundo jamais conheceu.

Quando este personagem se manifestar, perceberemos que muitos outros “pequenos chifres” da história foram apenas precursores dele. Ele será pior do que qualquer outro que já existiu, e sua perseguição ao povo de Deus será sem precedentes.

Por isso, imploramos por uma abordagem séria da vida cristã. Por isso, somos contra a frivolidade e a superficialidade tão características do cristianismo contemporâneo. Para a igreja cristã, há dias terríveis pela frente, piores do que quaisquer que lhes precederam. Haverá mártires novamente. Ninguém deve abraçar a vida cristã, sem levar em conta estes fatos e considerar o custo.

Estaremos melhor preparados para aqueles dias se pudermos assimilar deste capítulo uma lição que já aprendemos outras vezes em nossos estudos do livro de Daniel: nada acontece sem a aprovação de nosso Pai celestial. A história está nas mãos de Deus.

Os versículo 27, 29 e 35 utilizam a expressão “no tempo determinado”. O versículo 36 nos diz: “Porque aquilo que está determinado será feito”. Quando toda a história parece estar fora de controle, Deus ainda tem as rédeas em suas mãos. Se isto não fosse verdade, Ele não seria Deus!

Visto que seu controle é absoluto, as profecias deste capítulo puderam ser anunciadas. Podemos afirmar o mesmo a respeito da promessa do final do versículo 45. Visto que Deus governa a história, podemos estar certos não apenas do aparecimento do anticristo, mas também do seu aniquilamento.

Este capítulo também deve nos encorajar a compreender que nenhuma perseguição pode impedir nossa comunhão com Deus. Nas horas mais difíceis, “o povo que conhece ao seu Deus se tornará forte e ativo” (v.32).

Opressores cruéis podem acabar com todas as manifestações públicas de culto, proibir todas as reuniões cristãs e despojar-nos de nossas Bíblias e livros cristãos. Podem tornar ilegal todo o serviço cristão, eliminar todas as nossas liberdades, ameaçar-nos com penalidades cruéis e não permitir qualquer comunhão entre o povo de Deus. Contudo, não podem impedir nossa comunhão com Deus, nem privar-nos de conhecer a Deus. Até mesmo as drogas modernas, que alteram as atividades mentais, se mostraram impotentes em remover todo o gozo que resulta do conforto de sua presença. Há algumas coisas que as forças do mal são incapazes de fazer, não importando quão desenfreadas estejam. Por isso, sempre haverá um remanescente fiel. Ainda em meio à perseguição, sempre haverá aqueles que viverão com o propósito de ensinar a verdade de Deus aos seus semelhantes. As opressões têm servido tão-somente para favorecer a propagação da verdade do evangelho. As plantas de Deus não prosperam em estufas, ma em meio ao vento, o granizo, a neve e o calor escaldante.

Este não é o único encorajamento que este capítulo tem a nos oferecer. Também nos mostra, novamente, que podemos estar certos de que, no final, o mal não triunfará.

Pensemos outra vez em Antíoco Epifânio. Sua chegada ao poder parecia indicar o fim de toda verdadeira fé. A Palestina era o único país, no mundo, onde havia verdadeiro crente , e foi

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justamente neste lugar que ele teve liberdade de fazer o que desejava. Sua campanha de extermínio parecia certa de obter sucesso. Mas não teve. Ele não aniquilou a fé.

Que aconteceu a ele? Cheio de ambição por conquistar a Pérsia, deixou Lísias para lidar com os macabeus e partiu a fim de conseguir seu objetivo. No entanto, sua ambição malogrou porque os persas haviam sido avisados.

Antíoco intentava roubar considerável quantidade de tesouros da Pérsia e usá-los para financiar uma campanha contra Babilônia. Ao invés disto, teve de realizar sua campanha em estes tesouros. A caminho da Babilônia, recebeu notícias de que, em sua pátria, seu general havia sido derrotado pelos macabeus e que um altar a Jeová fora mais uma vez erguido no templo de Jerusalém.

Derrotar Antíoco em batalhas havia sido impossível, bem como assassiná-lo ou destruí-lo politicamente. Mas, ao ouvir esta notícia, este homem aparentemente invencível, sentiu-se tão mal que foi para a cama, onde morreu em terror e desapontamento. Deus soprou sobre Antíoco e ele desapareceu!

O mesmo tem acontecido com todos os anticristos e também ocorrerá com o último deles. Pensando em sua arrogância e poder, não devemos esquecer que ele não é outro senão aquele “a quem o Senhor Jesus matará com o sopro de sua boca e o destruirá pela manifestação de sua vinda” (2ª Ts 2.8).

“Dai louvores ao nosso Deus, todos os seus servos, os que o temeis, os pequenos e os grandes ... Aleluia! Pois reina o Senhor nosso Deus, o Todo-poderoso” (Ap 19.5-6).

15 – O FIM

Leia Daniel 12

O menino de quatorze anos que conhecemos no capitulo 1 agora é um velho de oitenta e seis ou oitenta e sete anos. Através de longos anos, ousou permanecer firme com Deus, estando sozinho em um ambiente hostil. Ele nos mostrou claramente que a vida espiritual não exige condições ideais para florescer e prosperar. Em qualquer circunstância, não há condições ideais em lugar algum. A vida piedosa pode crescer e desenvolver-se nos lugares mais escuros e difíceis. Assim, aquele que andou com o Senhor no amanhecer de sua vida anda muito mais perto dEle no anoitecer.

Às margens do rio Tigre, o Senhor Jesus Cristo apareceu a seu fiel profeta e deu-lhe uma visão dos principais acontecimentos históricos de centenas de anos a seguir. Mas o Senhor fez mais do que isto. Levou o idoso profeta a contemplar o futuro muito distante; e, no final do capítulo 11, Daniel viu um indivíduo perverso que surgirá no fim do mundo. Esta pessoa será completamente ímpia e muitíssimo poderosa, em todo o mundo. Infligirá perseguição inimaginável e sem precedentes contra o povo de Deus, “mas chegará ao seu fim, e não haverá quem o socorra” (11.45).

O Fim do Mundo

Os primeiros quatro versículos do nosso capítulo fazem parte daquela mesma visão e continuam a revelar o que acontecerá naqueles últimos dias.

Começam assegurando-nos que até mesmo aquela época sombria da história do mundo, com todos os seus horrores para o povo de Deus, será cercada, em todos os eventos, pelos anjos de Deus! Como em qualquer outra ocasião, a história não estará fora de controle. Os céus continuarão a segurar as rédeas dos acontecimentos na terra. Ao mesmo tempo que há aflição tal, como nenhuma nação jamais experimentou, o arcanjo Miguel se levantará para proteger o povo de Deus, ficando ao seu lado e livrando-o (v.1).

A Bíblia é clara em revelar que, naquele tempo, todas as hostes malignas terão liberdade para agir contra a igreja de Jesus Cristo. Mas não é só isto; “naquele tempo, será salvo o teu povo, todo aquele que for achado inscrito no livro”.

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Os nomes do povo de Deus estão inscritos em um livro. Jesus se referiu a este livro ao dizer: “Não obstante, alegrai-vos, não porque os espíritos se vos submetem, e, sim, porque os vossos nomes estão arrolados nos céus” (Lc 10.20). O apóstolo João se referiu a este mesmo livro, quando escreveu sobre o último julgamento: “E, se alguém não foi achado inscrito no livro da vida, esse foi lançado para dentro do lago de fogo” (Ap 20.15).

Há um livro com nomes de pessoas nele. São os nomes daqueles a quem Deus amou eternamente e por quem deu o seu Filho. São as ovelhas por quem o pastor morreu, aqueles que o seu Espírito chamou para crerem e serem salvos. E este povo, cujos nomes estão registrados no céu, que desfrutará o glorioso livramento mencionado no versículo 1 de Daniel 12.

Ao chegarmos ao fim do mundo, nada mais haverá que realmente nos preocupe, exceto o fato de os nossos nomes estarem naquele livro. Não daremos mais importância à nossa reputação e realizações entre os homens e mulheres. Nossas posses terão sido todas destruídas na grande tribulação. Somente nossa aceitação por Deus nos importará.

O dia do aniquilamento do anticristo (11.45) será também o dia quando nosso Senhor descerá do céu, com uma palavra de ordem, a voz do arcanjo e o som da trombeta de Deus (1ª Ts 4.16). Então se realizarão os eventos do versículo 2: “Muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, e outros para vergonha e horror eterno .

O último dia será o dia da ressurreição. Ser livre da morte física não é garantido aos cristãos perseguidos, mas o livramento do poder da morte é uma certeza. Não devemos ficar confusos pelo uso da palavra “muitos” neste versículo. E uma maneira hebraica de chamar atenção à grandeza dos números envolvidos, pois na verdade significa “todo”. Porém, o fato de que todos ressurgirão não significa que todos gozarão omesmo destino na ressurreição. O dia da ressurreição será também um dia de divisão. O Rei em sua glória separará os membros da raça humana uns dos outros, com um pastor separa dos cabritos as ovelhas (Mt 25.32). Todos os túmulos entregarão os seus mortos (Jo 5.28-29). Onde quer que tenham sido colocados, os mortos serão chamados ao grande Julgamento (Ap 20.13). À palavra de Cristo, cada membro da raça humana passará a um de dois destinos: “Uns para a Vida eterna, e outros para vergonha e horror eterno”.

A Bíblia tem muito a nos ensinar a respeito do eterno castigo dos ímpios, mas neste capítulo a ênfase está na recompensa, na qual entrarão os crentes fiéis (3). Isto ocorre porque o livro de Daniel foi escrito, primariamente, tendo estes crentes em mente. Mas, precisamente, quem são os “sábios” do versículo 3? Quem são os que “a muitos conduzirem à justiça”?

Para compreender isto, precisamos retornar ao capítulo 11, verso 33. Ali fomos informados que nos dias mais severos da opressão de Antíoco Epifânio havia aqueles que circulavam entre o povo, instruindo-os na verdade de Deus. Não apenas continuaram a crer, mas também tudo fizeram ao seu alcance para propagar a verdade, embora perseguidos, aprisionados, torturados e assassinados.

Durante as indescritíveis perseguições da apostasia final, haverá outras pessoas “sábias”, que a muitos conduzirão à justiça. Apesar do que lhes possa sobrevir, continuarão a crer, e levarão avante a obra de Deus. Quando todo o inferno estiver agindo livremente, não desistirão. Valerá a pena? Eles, e todos os demais que fizeram coisas similares em dias anteriores, não perderão sua recompensa eterna. Os sofrimentos do tempo presente não poderão ser comparados à glória com que se deleitarão. Dias de recompensa divina e resplendor eterno os aguardam. Por manterem a luz brilhando na hora mais escura, “resplandecerão como o fulgor do firmamento;” ... “como as estrelas, sempre e eternamente”.

Avaliado pela lógica humana, seu trabalho será considerado tolice. Esta é a estimativa que o mundo incrédulo sempre faz da propagação da mensagem do evangelho. Portanto, isto será muito mais verdadeiro quando chegarem os dias de trevas intensas. Quando todos os seus inimigos forem envergonhados e sentenciados ao desprezo eterno, então será demonstrado quão sábios foram estes pregadores da justiça. Sua recompensa não será passageira. Será eterna ... eterna ...

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Depois de estarmos lá por mil anos,

Resplandecentes como o sol,

Não teremos menos dias

Para cantar louvores a Deus

Do que quando começamos a cantar.

“Tu, porém. Daniel, encerra as palavras e sela o livro”, diz nosso Senhor. “Estas são as coisas que te revelei na visão. Sela-as.”

Isto não significa que as coisas reveladas a Daniel permaneceriam em segredo. O velho costume persa era que, uma vez copiado um livro e colocado a público, selava-se uma cópia e colocava-se na biblioteca. Assim, as futuras gerações poderiam lê-lo. E importante notar que isto era feito somente depois que muitas pessoas o tivessem lido.

O último ato profético de Daniel foi assegurar-se de que as profecias que lhe haviam sido reveladas se tornassem conhecidas, não apenas de sua geração, mas das gerações vindouras. Não é a vontade de Deus que homens e mulheres, de qualquer época, sejam ignorantes quanto ao resultado final da história. Ele deseja que todos saibam o que está por vir.

Esta é a razão por que “muitos o esquadrinharão, e o saber se multiplicará” (v.4). O que o futuro nos trará está gravado no livro que temos considerado. Apesar disto, os homens estão impacientes em sua busca de conhecimento, correndo daqui para ali, a fim de obtê-lo. Nunca antes houve tanto conhecimento acessível às pessoas. Porém, jamais houve tanta ignorância quanto ao futuro. Em toda sua esperança e temor, os homens têm se mostrado incapazes de adivinhar os eventos futuros. Estes podem ser conhecidos mente através da revelação divina. E aquilo que mais necessitam saber nos foi revelado por nosso Senhor no livro de Daniel.

É o Senhor Jesus Cristo quem terminará com mundo. Destruirá o anticristo, ressuscitará, julgará e separará s mortos, enviando-os todos a seus destinos eternos. Os únicos que entrarão à sua eterna recompensa serão os que andaram com Deus, até mesmo quando era difícil fazê-lo.

Um dos que entrarão para esta recompensa será aquele que, desde os quatorze anos, resolveu nunca desagradar a Deus, procurando orientar toda a sua longa vida por este grande princípio. Não achou fácil seguir este caminho, mas valeu a pena. O humilde autor deste livro do Velho Testamento será um dos que “resplandecerão como o fulgor do firmamento” e “como as estrelas, sempre e eternamente”.

O Final do Livro

A longa revelação concedida a Daniel, à margem do rio Tigre, termina no versículo 4. Do versículo 5 em diante, encontramos outra cena, que finaliza o livro.

Evidentemente, o Senhor Jesus Cristo permaneceu com Daniel durante todo o tempo que lhe revelava o futuro. Mas agora, encontra-se acompanhado por dois outros visitantes celestiais, um de cada lado do rio (v.5).

O Senhor não está em nenhuma das margens, mas sobre as águas do rio (v.6). Será que, ao andar sobre as águas, na época dos evangelhos, Jesus tencionava chamar atenção para esta passagem e identificar-se como Aquele que falou com Daniel? Enquanto Daniel olha, escuta um dos anjos recém-chegados perguntar a seu Senhor: “Quando se cumprirão estas maravilhas?” O anjo está indagando quando se cumprirão os eventos profetizados a respeito do fim do mundo.

“O homem vestido de linho”, que é nosso Senhor pré-encarnado, responde levantando ambas as mãos (v.7). Levantar uma das mãos, no Velho Testamento, era o sinal de um solene juramento. Levantar ambas as mãos significava que o juramento é excepcionalmente solene. Nosso Senhor responde à pergunta levantando ambas as mãos, jurando “por aquele que vive eternamente”.

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E qual foi a resposta? “Que isso seria depois de um tempo, dois tempos e metade de um tempo” (v.7).

Esta é exatamente a mesma informação, agora em hebraico, dada em aramaico, no capítulo 7, verso 25. Ali, foi anunciado sobre a vinda do anticristo: “Proferirá palavras contra o Altíssimo, magoará os santos do Altíssimo e cuidará em mudar os tempos e a lei; e os santos lhe serão entregues nas mãos, por um tempo, dois tempos e metade de um tempo”.

Que significa isto? Nós a interpretaremos como fizemos antes. O texto bíblico não diz: “Um ano, dois anos e metade de um ano”; fala de “tempos”. O anticristo dominará o mundo por um tempo. Ao parecer que ele já permaneceu por tanto tempo quanto lhe era possível, continuará dominando o mundo pelo dobro daquele tempo. Então, ter-se-á a impressão de que ele permanecerá pelo dobro deste tempo, como se fosse ficar para sempre.

Exatamente neste ponto, o anticristo será abatido, no auge de seu poder e no ápice de sua influência. Até então, praticamente terá destruído o povo de Deus. “E, quando se acabar a destruição do poder do povo santo, estas cousas todas se cumprirão” (v.7).

Se entendo corretamente o capítulo 11 de Apocalipse e sua narrativa sobre as duas testemunhas, virão os dias em que a igreja de Cristo será totalmente arruinada pelo poder do mal. Chegaremos ao ponto, na história, quando parecerá que a escuridão realmente obteve a vitória e que o anticristo permanecerá para sempre. Parecerá que a igreja foi inteiramente aniquilada, pois não haverá mais qualquer sinal dela.

Já dissemos isto antes. E reafirmamos: nesta hora o anticristo será aniquilado, de uma vez por todas e para sempre.

Por isso, não devemos desesperar, ao constatarmos o aumento da impiedade. O mal não será destruído quando estiver em baixa, mas em seu auge!

Daniel ouviu todas estas coisas, mas não as compreendeu (v.8). “Então, eu disse: Meu senhor, qual será o fim destas cousas?”

Esta não é apenas um eco da pergunta feita pelo anjo no versículo 6, pois, ao indagar sobre o “fim”, Daniel usa um termo hebraico diferente. Ouvindo a respeito dos dias maus que virão, solicita informação sobre os estágios finais daquele período. Os dias maus, aqui descritos, estão reservados para o fim do mundo. Qual será a evidência de que estes dias estão chegando à sua consumação?

A resposta divina é: Não pergunte mais nada, Daniel. Deixe de lado este assunto. Não indague mais, “porque estas palavras estão encerradas e seladas até ao tempo do fim” (v.9).

Em outras palavras, o que foi revelado está reservado para os dias a respeito dos quais a profecia fala. Não é necessário que Daniel entenda completamente tudo que foi dito, pois nem tudo tinha aplicação imediata para ele e seu tempo. Mas, quando estas profecias precisarem ser entendida, serão.

Esta resposta ilustra a natureza prática da Escrituras. A Bíblia não nos foi dada a fim de satisfazer nossa curiosidade, mas para trazer-nos à fé, sustentar-nos nesta fé e conduzir-nos mais plenamente à estatura de Cristo. O objetivo das Escrituras é santificar-nos e transformar nossas vidas. Responder nossas especulações nunca fez parte de seu propósito.

Devemos compreender que alguns dos ensinos da Bíblia, relacionados aos últimos dias, não serão entendidos até que estejamos nos últimos dias. Por esta razão, tanto é imprudente como perigoso elaborar calendários detalhados quantos aos eventos futuros. O sentido de algumas partes da Palavra de Deus não se tornarão óbvias para nós até que amanheçam os dias sobre os quais elas falam.

Pessoalmente, acho este ensinamento muito confortante em especial ao considerar os versículos 11 e 12 deste capítulo: Você logo perceberá que não posso dizer-lhe o que significam. Não tenho um indício sequer. Mas creio que os entenderemos suficientemente quando precisarmos.

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Antes de quaisquer considerações sobre estes dois versículos, observemos as palavras de nosso Senhor no versículo 10: O que significam? São uma profecia a respeito de perseguições vindouras. Pessoas serão purificadas, embranquecidas e provadas. A igreja de Cristo sofrerá um processo de purificação. Nesta ocasião, o que foi revelado será entendido. Os ímpios continuarão em sua perversidade e não compreenderão, pois não têm discernimento espiritual. Mas os sábios entenderão. O que Daniel não pôde compreender naquele momento da revelação – o que não podemos entender após séculos de estudo – os sábios entenderão, quando chegar a hora.

Quando estes terríveis dias vierem sobre a igreja de Cristo, quão alegres ficarão os crentes daqueles dias, por conhecerem o capítulo 12 de Daniel! O que os sustentará naquela ocasião em que todo o inferno estiver agindo livremente? A Bíblia! As simples e velhas páginas da Palavra de Deus! As palavras que nenhum de nós, até então, terá entendido serão para eles uma fonte de bênção, conforto e fortalecimento. Quão alegres ficarão por nunca terem abandonado a Palavra de Deus por causa de “outras coisas”!

Do modo como está escrito, ninguém até agora, em qualquer lugar, tem sido capaz de entender o versículo 11. Todas as tentativas para fazê-lo têm falhado. Este versículo fala de 1290 dias, e, ao referir-se ao anticristo vindouro nosso Senhor usa uma linguagem que é mais adequada a Antíoco Epifânio.

Considerando trinta dias como um mês, 1290 dias são iguais a três anos e sete meses. Não tenho ideia do que isto significa. Isto não me envergonha, pois acredito que você também não o entende! Mas estou certo disso: apesar do que sobrevenha a nós, estamos nas mãos de Deus. Nenhuma perseguição virá sobre a igreja de Cristo sem a determinação divina. Deus pôs um limite àqueles dias, que não continuarão por mais tempo do que o limite colocado por Ele. Portanto, embora não compreenda o que significam os 1290 dias, creio, sim, que entendo o âmago e intenção do versículo. Qualquer que seja a perseguição que venha sobre o povo de Deus, se prolongará por um tempo definido, e, ao passar e te tempo definido, a perseguição cessará!

Mantenham-se firmes, diz o versículo 12. Mantenham-se firmes! Não desistam! Até que passem 1335 dias. Mantenham-se firmes por mais quarenta e cinco dias!

Também não sei o que significa isto. Mas estou certo disto: quando a igreja cristã entrar no período de sua pior e última perseguição, aqueles dias não durarão para sempre. Poderão durar muito tempo, mas há limites divinamente estabelecidos para eles. Finalmente, a perseguição alcançará uma intensidade fortíssima e, então, acabará.

Devemos permanecer firmes durante os períodos de perseguição, visto que a igreja cristã jamais entrou em um túnel sem fim. Muitas vezes, o túnel pode ter sido mais escuro e mais longo do que alguém ousou imaginar, mas s que permaneceram firmes em sua fé, apesar de tudo, eventualmente saíram, de novo, para a luz do sol. No caso da perseguição final, o sol será o da exaltação do Salvador, no fim do mundo.

Paulo escreve a respeito deste assunto em 2ª Timóteo 3. É um capítulo sobre os “últimos dias”, uma expressão sempre usada nas Escrituras para denotar o período entre a primeira e a segunda vinda de Cristo. Paulo nos revela que nestes últimos dias “sobrevirão tempos difíceis” (v .1). A palavra grega usada aqui significa que ele estava se referindo a época da história nas quais haverá grande deflagração do mal. O período entre as duas vindas de Cristo será caracterizado por ondas e desencadeamento de maldade.

Então, conta-nos que os homens ímpios, daquelas épocas más, “não irão avante” (v.9). Para cada período de iniquidade desenfreada, há um final já decretado. Cada túnel tem um fim, e também isto é verdade a respeito do último túnel. Quando vivenciamos uma grande demonstração de forças do mal, não temos meio para saber se esta é apenas uma das muitas ondas de perversidade ou se é a apostasia final. Mas não precisamos saber. Seja lá o que for, terá um fim. Nosso dever se resume nas palavras do Senhor Jesus Cristo: “Aquele, porém, que perseverar até o fim, esse será salvo” (Mt 24.13).

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A exortação de permanecer firme por mais um pouco é seguida pelo último versículo deste grande livro: “Tu, porém, segue o teu caminho até ao fim”.

Não devemos imaginar a figura de um pai dizendo a seu filho: “Vá brincar, agora”. Estas não são palavras de despedida. Este versículo não significa: “Daniel, agora vá, pois já terminei de lhe dar a revelação”, mas: “Daniel, prossiga em sua vida espiritual, como já está fazendo”.

Até mesmo o velho profeta precisava ser exortado a perseverar! Mas, então, é avisado: “Pois descansarás e, ao fim dos dias, te levantarás para receber a tua herança”.

Daniel, tão fiel durante tantos anos, deve prosseguir em sua vida espiritual até a morte. Pouco depois, descansará no túmulo. Mas não será o fim, para ele. Após este descanso, receberá a sua recompensa. A herança que lhe está reservada será finalmente dele, e Daniel entrará no gozo de sua herança.

Sem dúvida, este crente do Velho Testamento não viu as coisas tão claramente como nós, que nos beneficiamos da revelação da Nova Aliança. Mas, para ele, como devem ter sido encorajadoras estas palavras! O Senhor não permitiu que Daniel partisse desta vida mortal sem a certeza de uma recompensa vindoura. Que consolação para ele, que através de sua vida amou primeiramente a seu Senhor e que ousou permanecer firme, ainda que sozinho! Ninguém que vive piedosamente escapa de perseguição e tribulações, nesta vida. O ambiente é sempre hostil. Mas, igualmente certo, ninguém que vive segundo a vontade de Deus perde as recompensas do céu.

Breve será o grande despertar;

Breve o romper do túmulo;

Então, o dispersar de todas as sombras,

E o fim do labor e da tristeza.