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Inês Freire 30792 Hematologia Janeiro de 2015 Hematologia Capítulo 24 Davidson Leucócitos Quanto à concentração no sangue: Neutrófilos, Eosinófilos, Basófilos Quanto à quantidade de grânulos: Basófilos, Eosinófilos, Neutrófilos Apresentação de problemas em hematologia 1. Anemia Sintomas não específicos: cansaço, falta de ar, edema do tornozelo, desenvolvimento de sintomas de isquémia por exemplo angina ou claudificação. Sinais não específicos: mucosas pálidas, taquipneia, aumento da pressão jugular, hipotensão postural, taquicardia. Anemia refere-se a um estado em que o nível de hemoglobina no sangue está abaixo do normal para o apropriado para cada idade e sexo. As manifestações clínicas de anemia refletem a diminuição do suprimento de oxigênio aos tecidos. Uma rápida instalação de anemia causa mais profundos sintomas do que uma anemia de desenvolvimento lento. Causas de anemia: Produção medular diminuída ou ineficaz (falta de ferro, vitamina B12 ou folato; hipoplasia; falha renal...) ou Causas periféricas (hemorragia, hemólise, hiperesplenismo) Anemias hemolíticas podem provocar ictericia. Deficiência de vitamina B12 pode estar associada com sinais neurológicos incluindo neuropatia periférica, demência e sinais de degeneração combinada subaguda da medula espinhal. Anemia falciforme pode resultar em úlceras da perna, AVC ou hipertensão pulmonar. MCV - volume celular médio (tamanho dos eritrócitos) MCH - hemoglobina média celular MCV normal (anemia normocítica) Hemorragia aguda ou anemia por doença crónica MCV baixo (anemia microcítica) Deficiência de ferro ou talassemia MCV alto (anemia macrocítica) Deficiência de vitamina B12 ou folato, mielodisplasia 1

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Inês Freire 30792 Hematologia Janeiro de 2015

Hematologia

Capítulo 24 Davidson

Leucócitos Quanto à concentração no sangue: Neutrófilos, Eosinófilos, Basófilos Quanto à quantidade de grânulos: Basófilos, Eosinófilos, Neutrófilos

Apresentação de problemas em hematologia 1. Anemia

Sintomas não específicos: cansaço, falta de ar, edema do tornozelo, desenvolvimento de sintomas de isquémia por exemplo angina ou claudificação. Sinais não específicos: mucosas pálidas, taquipneia, aumento da pressão jugular, hipotensão postural, taquicardia.

Anemia refere-se a um estado em que o nível de hemoglobina no sangue está abaixo do normal para o apropriado para cada idade e sexo. As manifestações clínicas de anemia refletem a diminuição do suprimento de oxigênio aos tecidos. Uma rápida instalação de anemia causa mais profundos sintomas do que uma anemia de desenvolvimento lento. Causas de anemia: Produção medular diminuída ou ineficaz (falta de ferro, vitamina B12 ou folato; hipoplasia; falha renal...) ou Causas periféricas (hemorragia, hemólise, hiperesplenismo) Anemias hemolíticas podem provocar ictericia. Deficiência de vitamina B12 pode estar associada com sinais neurológicos incluindo neuropatia periférica, demência e sinais de degeneração combinada subaguda da medula espinhal. Anemia falciforme pode resultar em úlceras da perna, AVC ou hipertensão pulmonar. MCV - volume celular médio (tamanho dos eritrócitos) MCH - hemoglobina média celular

MCV normal (anemia normocítica) Hemorragia aguda ou anemia por doença crónica

MCV baixo (anemia microcítica) Deficiência de ferro ou talassemia

MCV alto (anemia macrocítica) Deficiência de vitamina B12 ou folato, mielodisplasia

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2. Poliglobúlia/ Policitemia Um aumento do nível de hemoglobina acima do limite superior normal (mulheres adultas 165g/L ou hematócrito >0,48; homens adultos 180g/L ou hematócrito >0,52) pode ser devido a um aumento no número de células vermelhas (policitemia verdadeira) ou a uma redução no volume de plasma (policitemia relativa ou aparente) Causas de policitemia verdadeira: aumento da eritropoiese na medula óssea devido a um aumento dos níveis de eritropoietina na hipoxemia crônica ou a uma secreção alterada de Epo. Causas de policitemia relativa: desidratação, diuréticos ou consumo de álcool. Aqueles com policitemia verdadeira podem ter trombose arterial, prurido (pior após um banho quente), hepatoesplemomegália ou gota (devido à maior renovação de eritrócitos). 3. Leucopenia

Uma redução no número total de leucócitos circulantes é chamada de leucopenia. Pode dever-se a uma redução de todos os tipos de células brancas ou a tipos individuais (usualmente neutrófilos ou linfócitos). A leucopenia pode ocorrer em isolado ou como parte de uma redução de todas as três linhagens hematológicas: pancitopenia.

Neutropenia: redução na contagem de neutrófilos (< 1,5x10^9 /L). Infeções virais, bacterianas ou por protozoários, doenças autoimunes, drogas, álcool, infiltração da medula óssea (leucemia, mielodisplasia) ou doença congênita fazem parte das causas de neutropenia. As manifestações clínicas variam de sem sintomas a sepsis generalizada. Febre é a primeira manifestação de infecção. Linfopenia: redução na contagem de linfócitos (< 1x10^9 /L). Inflamação, linfoma, falência renal, sarcoidose, drogas ou doenças congênitas estão entre as causas de linfopenia. Deficiências nas células que regulam a imunidade podem causar infecções e aumentar a probabilidade de doenças malignas linfoídes ou outras provocadas principalmente por vírus (EBV, HPV, HHV-8).

4. Leucocitose Um aumento no número total de leucócitos circulantes é chamado de leucocitose. Geralmente ocorre devido a um aumento num tipo celular específico.

Neutrofilia: aumento do número de neutrófilos circulantes. Pode resultar de um aumento da produção de células por parte da medula óssea ou à redistribuição. Infecção, trauma, enfarte, inflamação, doenças malignas, doenças mieloproliferativas ou de parâmetros fisiológicos (exercício ou gravidez) estão entre as causas de neutrofilia.

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Eosinofilia: um aumento da contagem dos eosinófilos (> 0,5x10^9 /L) é geralmente secundário a infecção (parasitas), alergia, distúrbios imunológicos ou doenças malignas (linfoma). Na maior parte das vezes, tal eosinofilia é de curta duração. Nos distúrbios pr imár ios da medula óssea (d istúrbios mieloproliferativos, leucemia mieloide aguda) há um aumento persistente dos eosinófilos. A infiltração por eosinófilos pode danificar vários órgãos. Linfocitose: aumento da contagem de linfócitos (> 3,5x10^9 /L nos adultos). Infecções virais, doenças linfoproliferativas (leucemia linfocítica crônica, linfoma) ou pós-esplenectomia são causas de linfocitose.

Nódulos linfáticos que aumentarem resposta a infecção ou inflamação (nódulos reactivos) geralmente expandem rapidamente e são dolorosos. Aqueles devidos a doenças hematológicas são frequentemente indolores. Perda de peso e suores nocturnos que obriguem à troca de roupa são associados a doenças hematológicas malignas, particularmente linfomas.

Hemorragia Hemorragias nos músculos e articulações ou hemorragias retroperitoneais e intracranianas sugerem um defeito nos factores de coagulação. Púrpura, sangramento prolongado de cortes superficiais, epistaxis, hemorragia gastrointestinal ou menorragia são mais provavelmente devido a trombocitopenia, disfunção da função das plaquetas ou doença de von Willebrand. Hemorragias recorrentes sempre no mesmo local sugerem anormalidade estrutural local. 5. Trombocitopenia

A diminuição da contagem de plaquetas pode dever-se a dois mecanismos: Produção anormal ou diminuída (hipoplasia medular, infiltração medular, trombocitopatias familiares) Aumento do seu consumo na circulação (mecanismos imunes: Tromboc i topen ia púrpura , ac t ivação da coagulação: CID, microangiopatias trombóticas)

A examinação da medula óssea pode revelar o aumento do número de megacariócitos quando a causa da trombocitopenia é por aumento do consumo, ou pode revelar a falência da medula óssea por leucemia, anemia hipoplástica ou mielodisplasia. 6. Trombocitose

A causa mais comum de um aumento no número de plaquetas é quando ocorre de forma reactiva a outro processo como infecção, doença do tecido conjuntivo, malignicidade, deficiência de ferro, hemólise aguda ou hemorragia gastrointestinal.

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7. Pancitopenia Refere-se à combinação de anemia, leucopenia e trombocitopenia (diminuição dos elementos das três linhagens de elementos do sangue). Pode ser devido a uma diminuição na produção de células do sangue (falência da medula óssea, infiltração da medula óssea, hematopoiese ineficaz) ou por destruição periférica ou armazenamento pelo baço. 8. Trombose venosa

A trombose de veias profundas é cada vez mais comum à medida que a idade aumenta. Geralmente começa nas veias distais causando dor, edema, aumento de temperatura local e dilatação das veias superficiais. Tipicamente é unilateral mas também pode ocorrer bilateralmente quando o trombo atinge a veia cava inferior. Em pacientes com suspeita de trombose das veias profundas os dímeros D podem ser medidos. Naqueles com alta probabilidade de trombose venosa profunda ou com níveis de dímeros D elevados devem fazer-se testes de imagem. A ecografia de compressão é a modalidade mais escolhida. A venografia com contraste raramente é usada.

Anemias A classificação da anemia de acordo com o tamanho das células vermelhas (MCV) indica a causa provável. Os eritrócitos na medula óssea devem adquirir um nível mínimo de hemoglobina antes de serem libertados na corrente sanguínea. Enquanto estão na medula óssea vão sofrendo divisões celulares mediadas pela eritropoietina. Se os eritrócitos adquirem pouca hemoglobina eles vão sofrer mais divisões do que o normal e vão ter um MCV menor quando finalmente atingem a corrente sanguínea. O MCV é menor porque partes da hemoglobina não estão disponíveis: deficiência de ferro, talassemias (cadeias de globina), anemia sideroblástica (heme) e na fraca utilização de ferro na anemia de doenças crônicas. Na anemia megaloblástica, a consequência da deficiência de vitamina B12 ou folato é a incapacidade de sintetizar novas bases para formar o DNA. Neste caso, as células possuem um nível normal de hemoglobina mas irão sofrer menos divisões, pelo o que as células vão possuir um MCV elevado. O mesmo pode ocorrer com drogas citotóxicas e mielodisplasia. Condições como doença hepática, hipotiroidismo, hiperlipidemia e gravidez estão associadas com um aumento dos lípidos que incorporam a membrana celular dos eritrócitos podendo levar a um aumento no MCV. Os reticulócitos são maiores do que os eritrócitos, por isso, um aumento na sua contagem também pode levar a um aumento no MCV. �4

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Anemia por deficiência de ferro (a mais comum) A falta de ferro pode surgir de três condições:

Hemorragias crônicas Má-absorção: o ácido gástrico ajuda a libertar o ferro dos alimentos e a mantê-los num estado solúvel Demandas fisiológicas (rápidos crescimento e gravidez)

TIBC: capacidade total de ligação ao ferro Uma saturação da transferrina menor que 16% é consistente com deficiência de ferro. Anemia de doenças crónicas

É um tipo de anemia comum particularmente nos doentes internados em hospital. Ocorre em resposta a infeções crónicas, inflamações crónicas ou neoplasia. A hemoglobina encontra-se entre 85-115 g/L e, geralmente, está associada a um MCV normal mas também pode estar diminuído. O ferro livre está diminuído mas os níveis de ferritina estão normais ou aumentados.

Citocinas inflamatórias, especialmente a IL-6, aumentam a produção de hepcidina pelo fígado. A hepcidina liga-se à ferroportina na membrana das células exportadoras de ferro, como nos enterócitos e macrófagos, internalizando a ferroportina e assim inibe-a de exportar o ferro destas células para o sangue. Em situações difíceis de distinguir entre anemia por doença crónica e anemia por deficiência de ferro pode ser dado ferro oralmente. Uma resposta positiva ocorre na verdadeira deficiência de ferro mas não na anemia por doença crónica.

Ferritina Ferro livre TIBC Saturação da transferrina

Receptores de transferrina soluveis

Anemia por deficiência de ferro

⬇ ️ ⬇ ️ ⬆ ️ ⬇ ️ ⬆ ️

Ferritina Ferro livre TIBC Saturação da transferrina

Receptor de transferrina solúvel

Anemia por doença crónica

⬆ ️ /normal ⬇ ️ ⬇ ️ ⬇ ️ ⬇ ️ /normal

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Anemia megaloblástica Resulta de uma deficiência de vitamina B12 ou ácido fólico, ou por distúrbios no metabolismo do ácido fólico. O folato é um importante substrato, e a vitamina B12 um co-factor, para a geração do aminoácido essencial metionina a partir da homocisteína. A metionina é convertida a timidina monofosfato para incorporação no DNA. Deficiência de vitamina B12 ou folato resultam em níveis elevados de homocisteína e numa síntese de DNA deficiente. As células apresentam assincronia nucleocitoplasmática, dado que o citoplasma está bem desenvolvido mas o núcleo não. Todas as células proliferadoras no organismo vão exibir megaloblastose. A eritropoiese ineficaz resulta em hemólise e, por isso, os níveis de bilirrubina e lactato desidrogenase (LDH) na medula óssea vão estar aumentados. As reservas de ferro estão geralmente aumentadas. Se a anemia for severa a pancitopenia pode estar presente no sangue periférico. Sintomas:

Mal estar, falta de ar, parestesias, boca ferida, perda de peso, pigmentação da pele alterada, memória fraca, depressão, alteração da personalidade.

A deficiência de vitamina B12 está associada com doença neurológica. A principal manifestação inclui desmielinização focal que afecta a medula espinhal, nervos periféricos, nervos ópticos e cérebro. Resulta principalmente em alterações sensoriais com parestesias e marcha atáxica.

Causas de deficiência de vitamina B12 A deficiência de vitamina B12 leva anos a manifestar-se. Pode dever-se a:

Dieta deficiente Factores gástricos (hipocloridria, por exemplo) Anemia perniciosa: distúrbio auto-imune onde a mucosa gástrica é destruída e se torna atrofiada. Como as células parietais são lesadas não há produção de factor intrínseco e, por isso, a absorção de vitamina B12 é deficiente.

Investigação Resultado

Hemoglobina ⬇ ️

MCV ⬆ ️

Eritrócitos ⬇ ️

Reticulócitos ⬇ ️ (Difere das outras anemias porque não apresenta reticulocitose)

Leucócitos ⬇ ️ /normal

Plaquetas ⬇ ️ /normal

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Factores do intestino delgado (enzimas pancreáticas, motilidade, doenças inflamatórias, por exemplo)

Causas de deficiência de folato As reservas totais de folato no organismo são baixas e, assim, a deficiência de folato pode ocorrer numa questão de semanas. A deficiência de folato pode ocorrer por:

Dieta deficiente Má-absorção Demanda aumentada (proliferação celular e gravidez, por exemplo) Drogas

Quanto ao tratamento, o ácido fólico e a vitamina B12 devem ser administrados juntos para que não haja um agravamento dos distúrbios neurológicos.

Anemia hemolítica A meia vida dos eritrócitos pode ser diminuída por diversas causas. De forma a compensar a diminuição na contagem das células vermelhas a medula óssea consegue exportar 6 a 8 vezes mais células do que o normal. Se a taxa de destruição exceder a produção aumentada, a anemia aparece. A hemólise ocorre com a destruição da hemoglobina provocando um aumento na bilirrubina não conjugada no sangue e icterícia. Há um aumento no urobilinogénio urinário e um aumento da LDH no sangue. A compensação pela medula óssea resulta em reticulocitose e em neutrofilia e granulócitos imaturos no sangue. Sinais de hemólise:

⬆ ️ bilirrubina ⬆ ️ LDH ⬆ ️ reticulócitos ⬇ ️ haptoglobinas ⬆ ️ urobilinogénio urinário

Esferócitos são células pequenas e escuras que sugerem hemólise autoimune ou esferocitose hereditária. Células em "foice" sugerem hemoglobinopatia. Fragmentos de eritrócitos indicam hemólise microangiopática. A hiperplasia eritroíde compensatória pode dar origem a uma deficiência de folato.

Hemólise intravascular Quando a destruição das células vermelhas é rápida, a hemoglobina livre é libertada no plasma. Hemoglobina livre no sangue é tóxica e, por isso, é captada por várias proteínas que tentam

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minimizar este risco. Uma delas é a haptoglobina, produzida pelo fígado. Quando a haptoglobina circula ligada à hemoglobina é captada pelo fígado e é destruída e a hemoglobina reciclada. Daí os níveis de haptoglobina diminuírem em situações de hemólise. Hemólise extravascular A destruição fisiológica dos eritrócitos ocorre no sistema reticuloendotelial no fígado e baço, evitando a hemoglobina livre no plasma. Na maioria dos estados hemolíticos, a hemólise é predominantemente extravascular.

Causas de anemia hemolítica Podem ser classificadas em congénitas ou adquiridas: Congénitas:

Patologias da membrana celular, da hemoglobina ou de enzimas protectoras. Adquiridas:

Auto e allo anticorpos que mediam a destruição dos eritrócitos, causas tóxicas, mecânicas ou infecção.

Defeitos na membrana celular Quando a estrutura normal do eritrócito é perturbada, geralmente por uma deficiência quantitativa ou funcional de uma ou mais das duas proteínas do citoesqueleto, as células perdem a sua elasticidade. Cada vez que passam pelo baço perdem membrana relativamente ao volume celular. Isto resulta num aumento da concentração da hemoglobina (MCH), forma celular anormal e redução do tempo de sobrevivência devido a hemólise extravascular.

Esferocitose hereditária: Condição autossómica dominante. As anormalidades mais comuns são ao nível da beta-espectrina e ankirina. A maioria dos casos são associados a um estado hemolítico assintomático com esferócitos presentes na análise ao sangue, reticulocitose e hiperbilirrubinemia. O curso clínico pode ser agravado por crises: hemolíticas, megaloblásticas e aplásicas. Eliptocitose hereditária: Pode ser uma condição autossómica dominante ou recessiva. É caracterizada por um grau variável de hemólise e pela presença de células elípticas na análise ao sangue.

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Enzimopatias dos eritrócitos A produção de ATP, NADPH e glutationa é importante para proteger a célula do stress oxidativo.

Deficiência da glicose-6-fosfato desidrogenase Deficiência da piruvato cinase Deficiência da pirimidina 5' nucleotidase

Anemia hemolítica autoimune Deve-se a um aumento da destruição das células vermelhas devido a auto-anticorpos contra os eritrócitos. Se um anticorpo se liga avidamente às proteínas complemento irá causar hemólise intravascular, mas se a ligação for fraca a hemólise será extravascular. A especificidade termal é usada para classificar a hemólise:

Anticorpos quentes: ligam-se melhor a uma temperatura de 37ºC e são responsáveis por 80% dos casos. A maioria é IgG e reagem sempre contra antigénios Rhesus. Anticorpos frios: ligam-se melhor a 4ºC mas podem ligar-se até a uma temperatura de 37ºC em alguns casos. Geralmente são IgM e ligam-se ao complemento. São responsáveis por 20% dos casos.

Hemólise autoimune quente: Pode ocorrer em todas as idades mas é mais comum na meia idade e em mulheres. Há evidência de hemólise e esferócitos na análise sanguínea. O diagnóstico é confirmado pelo teste de Coombs directo. Doença crónica por aglutininas a frio: Afecta pacientes idosos. A análise ao sangue mostra aglutinação das células vermelhas e o MCV está aumentado. Anemia hemolítica não-imune Por trauma físico:

Caracterizada por fragmentos de células vermelhas e marcadores de hemólise intravascular.

Por infecção Por químicos ou drogas �9

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Hemoglobinúria paroxística nocturna É uma condição rara adquirida de uma anemia hemolítica crónica causada por um defeito na membrana das hemácias, que as torna demasiado sensíveis à lise pelo complemento. Episódios de hemólise intravascular resultam em hemoglobinúria, mais notável na primeira urina da manhã que tem uma cor característica de vermelho-acastanhado. A hemólise ocorre continuamente e não apenas durante o sono. Hemoglobinopatias São causadas por disfunção nos genes que codificam as cadeias de globina da molécula da hemoglobina. A hemoglobina normal é formada por duas cadeias alfa e por outras duas não-alfa. As hemoglobinopatias podem ser classificadas em quantitativas e qualitativas.

Anormalidades qualitativas - hemoglobina anormal: Há uma alteração funcional importante na estrutura de aminoácidos das cadeias polipeptídicas das cadeias de globina. O exemplo mais conhecido é a hemoglobina S da anemia falciforme. As hemoglobinopatias são identificadas por electroforese devido às diferenças na mobilidade electroforética.

Anormalidades quantitativas: Nas anormalidades quantitativas (as talassemias) há mutações que causam a redução da taxa de produção de uma ou outra cadeia de globina, alterando a razão de cadeias alfa para não-alfa. Nas alfa-talassemias há um excesso de globinas beta, enquanto que nas beta-talassemias há um excesso de globinas alfa. As globinas em excesso precipitam causando dano à membrana celular da hemácia reduzindo a sua sobrevivência.

Anemia falciforme: Resulta de uma alteração de um aminoácido na cadeia polipeptídica da globina beta. É transmitida como uma condição autossómica recessiva. Quando a hemoglobina S é desoxigenada, as moléculas de hemoglobina polimerizam para formar pseudocristais conhecidos por tactoídes. Estes distorcem a membrana

celular e produzem as células em forma de foice. �10

Hemoglobina normal Hemoglobina S

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A forma de foice da hemoglobina é precipitada por hipóxia, acidose, desidratação e infecção. As hemácias em forma de foice têm uma sobrevivência reduzida e ocluem vasos na microcirculação. Isto resulta em crises agudas e na lesão crónica dos órgãos:

Crise vaso-oclusiva: os pacientes, geralmente, respondem com taquicardia, sudorese e febre. Esta é a crise mais comum. Sickle chest syndrome Crise de sequestro: a trombose do fluxo venoso de um órgão causa perda de função e dor aguda. Crise aplásica

Os doentes com anemia falciforme têm uma anemia compensada, geralmente em 60-80g/L. A análise ao sangue mostra células em forma de foice. Reticulocitose está presente. O diagnóstico definitivo requer electroforese da hemoglobina. Cerca de 15% dos doentes morrem por volta dos 20 anos e 50% por volta dos 40 anos. Talassemias:

Beta-talassemia: É a mais comum das talassemias. Beta-talassemia major (homozigotas):

Anemia hipocrómica profunda Eritroblastose Ausência de HbA Aumento da HbF Evidência que ambos os pais possuem talassemia minor

Beta-talassemia minor (heterozigotas): Anemia "média" Eritrócitos hipocrómicos microcíticos Evidência de que um dos pais possui talassemia minor

Alfa-talassemia: A hemoglobina H é um tetrâmero de cadeias beta, formado pelo excesso de globinas beta, que é funcionalmente ineficaz, de forma a que os pacientes dependem da pequena porção de HbA que possuem para a oxigenação do sangue.

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Doenças malignas hematológicas

Proliferações neoplásicas dos leucócitos Surgem quando os processos que controlam a proliferação ou a apoptose das células do sangue falham. Se estão envolvidas células maduras bem-diferenciadas, as células têm uma taxa de crescimento baixa e produzem neoplasias benignas, tal como os linfomas de baixo-grau ou as leucemias crônicas. Em contraste, se estão envolvidas células estaminais primitivas, as células têm uma taxa de crescimento elevada produzindo neoplasias de progresso rápido e ameaçadoras, tais como as leucemia agudas ou os linfomas de alto-grau. Em geral, são doenças que afectam os idosos com excepção da leucemia linfoblástica aguda que afecta predominantemente crianças, e o linfoma de Hodgkin que afecta pessoas entre os 20-40 anos. • As neoplasias linfoides incluem os linfomas não Hodgkin, linfomas de Hodgkin e as leucemias

linfocíticas. • As neoplasias mieloides surgem a partir de células progenitoras que originam os elementos

celulares do sangue: granulócitos, eritrócitos e plaquetas. Podem ser classificadas em leucemias mieloídes agudas, distúrbios mieloproliferativos e síndromes mielodisplásicos.

Leucemias As leucemias são distúrbios malignos do compartimento das células estaminais hematopoiéticas, caracteristicamente associadas a um aumento no número de leucócitos na medula óssea e/ ou sangue periférico. As leucemias são tradicionalmente classificadas em quatro grupos:

Leucemia linfoblástica aguda (LLA) Leucemias mieloide aguda (LMA) Leucemia linfocítica crónica (LLC) Leucemia mieloide crónica (LMC)

Nas leucemias agudas, as células neoplásicas são bloqueadas numa fase precoce do desenvolvimento da célula. As células imaturas (blastos) acumulam-se na medula (geralmente levando a falência da medula), substituem os elementos normais e frequentemente circulam no sangue periférico. Na leucemia crónica, o clone maligno é capaz de se diferenciar resultando na acumulação de células mais maduras. O diagnóstico de leucemia surge de uma contagem anormal de células sanguíneas, sempre com leucócitos aumentados e é confirmada pela examinação da medula óssea. Leucemia aguda Há uma falha na maturação celular. A proliferação das células não-maduras leva a uma acumulação de células inúteis que vão ocupando mais e mais espaço da medula óssea perturbando os elementos hematopoiéticos normais. �12

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Leucemia linfoblástica aguda: A LLA é um tumor agressivo, constituído de linfócitos imaturos (linfoblastos), observado predominantemente em crianças e jovens adultos. Constituem 80% das leucemias infantis, com a sua maior incidência aos quatro anos de idade, e a maioria dos casos origina-se de células B. A patogenia, os achados laboratoriais e os aspectos clínicos da LLA assemelham-se aos observados na leucemia mieloide aguda. Sem tratamento, a média de sobrevivência de um doente com uma leucemia aguda é de 5 semanas. O tratamento da LLA na infância é uma das grandes histórias de sucesso na oncologia. Crianças com 2-10 anos de idade apresentam o melhor prognóstico; com quimioterapia intensiva até 80% são curadas. As variáveis correlacionadas com pior resultado incluem sexo masculino, idade inferior a dois anos ou superior a 10 anos, alta contagem de leucócitos no momento do diagnóstico e evidência molecular de persistência da doença no 28º dia de tratamento. Leucemia mieloide aguda: A LMA afecta primariamente adultos mais velhos; a idade média é de 50 anos. Os sinais e sintomas clínicos assemelham-se àqueles produzidos pela LLA e geralmente relacionam-se à substituição dos elementos medulares normais por blastos leucémicos. A LMA é uma doença devastadora. Os tumores com anormalidades de "bom risco" no cariótipo são associados a 50% de chance de sobrevivência a longo prazo livre da doença, entretanto sobrevivência global em todos os pacientes varia de 15-30% com a quimioterapia convencional. Características clínicas das leucemias agudas:

• Início súbito e intempestivo. A maioria dos pacientes apresenta-se para cuidados médicos dentro de três meses após o início dos sintomas.

• Sinais e sintomas clínicos relacionados com a supressão da função medular, incluindo fadiga (anemia), febre (infecções recorrentes - neutropenia) e hemorragias: petéquias, equimoses, epistaxe e sangramento gengival (trombocitopenia).

• Dor e hipersensibilidade óssea, resultante da expansão medular e infiltração do subperiósteo.

• Linfadenopatia generalizada, esplenomegalia e hepatomegalia, devidas à disseminação das células leucémicas.

• Manifestações do sistema nervoso central, incluindo cefaleia, vómitos e paralisia dos nervos, resultam da disseminação meníngea.

Achados laboratoriais das leucemias agudas: O diagnóstico de leucemia aguda baseia-se na identificação de blastos, podendo ser confirmado pelo exame da medula. Geralmente, a medula está hipercelular, com a substituição dos elementos normais pelos blastos leucémicos. A contagem de células brancas é variável, podendo estar baixa ou elevada. A anemia está praticamente sempre presente, e a contagem de plaquetas é baixa. A neutropenia é outro achado comum.

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Leucemia mieloide crónica (LMC) A LMC é um distúrbio mieloproliferativo resultando na proliferação de todas as linhagens hematopoiéticas mas manifestando-se predominantemente na série granulocítica. A maturação das células ocorre normalmente. É uma doença que afecta principalmente adultos de 25-60 anos de idade. O pico de incidência localiza-se na quarta e quinta décadas de vida. A LMC está sempre associada à presença do gene de fusão BCR-ABL (cromossoma Filadélfia). A história natural da LMC inicialmente caracteriza-se por uma progressão lenta (fase crónica). Mesmo sem tratamento, a sobrevivência média é de três anos. Após um período variável, cerca de metade dos casos de LMC entra numa fase acelerada marcada por anemia crescente, trombocitopenia recente e aparecimento de anormalidades citogenéticas adicionais, finalmente transformando-se num quadro semelhante à leucemia aguda (fase blástica). O desenvolvimento da LMC é frequentemente insidioso, visto que os sintomas iniciais são em geral não específicos (fatigabilidade, fraqueza e perda de peso). Em alguns casos, o primeiro sintoma é uma sensação de tração no abdómen causada pelo esplenomegalia. Sintomas iniciais:

Cansaço Perda de peso Falta de ar Dor e desconforto abdominal Letargia Anorexia Sudorese

Os achados do sangue periférico são altamente característicos. A contagem leucocitária é elevada. As células circulantes são predominantemente neutrófilos, metamielócitos e mielócitos, porém basófilos e eosinófilos também estão acentuados e as plaquetas geralmente aumentadas. A medula óssea é hipercelular devido ao número aumentado de percursores. O baço também está aumentado o que, frequentemente, compromete o suprimento sanguíneo local causando enfartes esplénicos. Leucemia linfocítica crónica (LLC) É o tipo de leucemia mais comum em adultos no mundo ocidental. Afecta mais homens entre os 65-70 anos. Nesta doença, os linfócitos B, que normalmente respondem a antigénios e produzem anticorpos, falham na sua função. Há uma acumulação de células imuno-incompetentes, em detrimento da função imune e da normal hematopoiese na medula óssea. A contagem de linfócitos do sangue periférico está muito elevada (linfocitose) e o doente apresenta outros sinais e sintomas clínicos não específicos como fatigabilidade fácil, perda de peso, anorexia, infeções, linfadenopatia indolor e sudorese nocturna. Verifica-se a presença de hepatoesplenomegalia em 50-60% dos pacientes. Como as células B não são funcionais desenvolve-se hipogamaglobulinemia. A sobrevivência média é de 4-6 anos. �14

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Leucemia prolinfocítica É uma variante da leucemia linfocítica crónica encontrada em homens acima dos 60 anos. 25% dos casos são de células T. Há esplenomegalia massiva com pouca linfadenopatia e uma contagem muito elevada de leucócitos. A célula característica é um linfócito grande com um nucleólo proeminente. Leucemia das células pilosas Esta é uma condição crónica rara em que há proliferação de células B. É caracterizada pela presença de células leucémicas com projecções finas semelhantes a pêlos. Ocorre principalmente em homens de idade avançada, e as suas manifestações resultam da infiltração da medula óssea e do baço. A esplenomegalia ocorre em 90% dos casos. Observa-se pancitopenia, resultante da infiltração medular e sequestro esplénico. A linfocitose é comum. A pancitopenia e as infecções causam os principais problemas clínicos. A doença é indolente, mas progressiva se não tratada. Síndrome mielodisplásico (SMD) A medula é parcial ou totalmente substituída pela descendência clonal de uma célula primordial multipotente e transformada, que retém a capacidade de se diferenciar em eritrócitos, granulócitos e plaquetas, porém de maneira ineficiente e desordenada. Como resultado, a medula é geralmente hipercelular ou normocelular, entretanto o sangue periférico apresenta uma ou mais citopenias. A transformação em LMA ocorre em 10-40% dos casos. Apesar de ser uma condição rara, acredita-se que seja tão comum quanto a LMA. Afecta indivíduos dos 50-70 anos. Os sintomas iniciais incluem infecções, sintomas relacionados com anemia e hemorragias. A sobrevivência média varia de 9-29 meses. Linfomas Os linfomas são tumores que produzem massas nos linfonodos ou noutros tecidos do sistema linfático. São classificados como de Hodgkin ou não-Hodgkin. A maioria tem origem nas células B. Os linfomas de não-Hodgkin são ainda classificados com base na sua taxa de proliferação:

Tumores de alto-grau dividem-se rapidamente e podem ameaçar a vida. Tumores de baixo-grau dividem-se lentamente.

Linfoma de Hodgkin O linfoma de Hodgkin (HL) engloba um grupo distinto de neoplasias caracterizadas pela presença de uma célula B gigante tumoral, a célula de Reed-Sternberg. O HL surge num único linfonodo ou numa cadeia de linfonodos e tipicamente dissemina-se de modo contíguo. O envolvimento extranodal é incomum. �15

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São reconhecidos cinco subtipos de HL:

Linfoma de Hodgkin clássico: • Esclerose nodular (forma mais comum) • Celularidade mista • Rico em linfócitos • Depleção de linfócitos

Predominância linfocítica nodular (de crescimento lento, localizado e raramente fatal) Os linfomas de Hodgkin, como os LNHs, geralmente manifestam-se como linfadenopatia indolor. A distinção definitiva só é possível através do exame da biopsia do linfonodo. Os pacientes mais jovens com subtipos mais favoráveis tendem a não apresentar manifestações sistémicas. Os pacientes que se encontram em estágios mais avançados da doença apresentam maior propensão às manifestações sistêmicas como febre, perda de peso, prurido e anemia. As perspectivas para os pacientes com linfoma de Hodgkin, mesmo aqueles em estágio avançado, são muito boas. A taxa de sobrevivência é de cinco anos.

Linfoma não-Hodgkin Representa uma proliferação monoclonal com origem em células B (70%) ou células T (30%). A incidência destes tumores aumenta com a idade. Clinicamente, o factor mais importante é o grau, que é uma reflexão da taxa de proliferação. Os linfomas de alto-grau têm taxas de proliferação elevadas, rápida progressão dos sintomas, é fatal se não tratado, mas é potencialmente curável. Os linfomas de baixo-grau têm taxas de proliferação baixas, podem ser assintomáticos por vários anos, mas não é curável com a terapia convencional. O linfoma de não-Hodgkin tem uma disseminação variável, incluindo locais extranodais. Os pacientes apresentam-se com uma linfadenopatia que pode estar associada a manifestações sistémicas: perda de peso, sudorese, febre e prurido. Hepatoesplenomegalia pode estar presente. O linfoma não-Hodgkin de baixo-grau tem uma sobrevivência média de 10 anos; no de alto-grau apenas 35% dos que respondem ao tratamento irão ter uma sobrevivência de 5 anos.

Linfoma de Hodgkin Linfoma não-Hodgkin

Mais frequentemente localizado num único grupo axial de linfonodos

Comprometimento mais frequente de múltiplos linfonodos periféricos

Disseminação ordenada por contiguidade Disseminação não contígua

Comprometimento extranodal incomum Comprometimento extranodal comum

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Paraproteinemias Em virtualmente todos os casos, os mielomas múltiplos e os tumores plasmocitários relacionados secretam uma única imunoglobulina, parcial ou completa. Como essas Igs podem ser detectadas no soro, esses distúrbios são também referidos como gamopatias monoclonais, e a Ig associada é frequentemente referida como proteína M ou paraproteína. Apesar de as proteínas M poderem ser indicadores de malignidade evidente, elas também podem ser encontradas, muitas vezes, em pessoas idosas saudáveis, em resposta a condições como arterite reumatoíde ou infecção - condição denominada gamopatia monoclonal de significado indeterminado (GMSI). Estes distúrbios são mais comuns em indivíduos de meia idade e idosos. As gamopatias são detectadas por imunoelectroforese. Gamopatia Monoclonal de Significado Indeterminado (GMSI) Gamopatia monoclonal de significado indeterminado é o nome utilizado para uma gamopatia monoclonal assintomática. As proteínas M são encontradas no soro de 1-3% dos indivíduos saudáveis com mais de 50 anos de idade, tornando-a a forma mais comum de proliferação de plasmócitos. Apesar do seu nome, torna-se cada vez mais evidente que a GMSI é uma lesão percursora com tendência a evoluir para mieloma múltiplo. Após um seguimento de 20 anos dos pacientes com GMSI, apenas 1/4 evolui para um mieloma ou distúrbio associado. O diagnóstico deve ser estabelecido só após a exclusão cuidadosa de outras gamopatias monoclonais. Em geral, os pacientes possuem menos de 3 g/L de proteína monoclonal no soro. Macroglobulinemia de Waldenström É um linfoma linfoplasmocítico de baixo-grau associado à secreção de proteína M, geralmente a IgM, pelas células tumorais. Afecta ligeiramente mais homens e indivíduos de idade mais avançada; o pico de incidência localiza-se entre a sexta e a sétima década de vida. A maioria dos sinais e sintomas clínicos são causados pela secreção de IgM (macroglobulina) pelas células tumorais. Devido ao seu tamanho, as macroglobulinas tornam o sangue viscoso, levando aos seguintes aspectos:

1. Comprometimento visual, resultante da notável sinuosidade e distensão das veias retinianas; as hemorragias e os exsudatos retinianos podem também contribuir para o aparecimento dos problemas visuais.

2. Problemas neurológicos, como cefaleias, tonturas, zumbido, surdez e torpor, causados pelo fluxo lento e pela viscosidade do sangue.

3. Hemorragias, relacionado com a formação de complexos entre as macroglobulinas e os factores de coagulação, bem como interferências nas funções plaquetárias.

4. Crioglobulinemia, devido à precipitação de macroglobulinas em baixas temperaturas, produzindo sintomas como urticária ao frio.

Contudo a apresentação também pode ser com anemia, sintomas sistémicos, esplenomegalia ou linfadenopatia. A sobrevivência média varia de 4-5 anos; de momento, não é curável. �17

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Mieloma múltiplo O mieloma múltiplo é uma das mais comuns malignidades linfoides. A idade média no momento do diagnóstico é de 70 anos, sendo mais comum em homens. Envolve, principalmente, a medula óssea e em geral está associada a lesões líticas por todo o sistema esquelético. A proteína M mais frequentemente produzida pelas células tumorais do mieloma é a IgG, seguida de IgA; apenas raramente IgM, IgD ou IgE são observadas. Em 15-20% dos casos, os plasmócitos produzem só cadeias leves k ou λ. Devido ao seu baixo peso molecular, as cadeias leves livres são excretadas na urina, onde são denominadas de proteínas Bence Jones. Ainda mais comum, os plasmócitos secretam tanto Igs completas como cadeias leves livres, produzindo desse modo proteínas M e proteínas de Bence Jones. As manifestações clínicas resultam de efeitos destrutivos ou de outro modo danoso das células tumorais em diversos tecidos e de complicações relacionadas com as Igs completas ou parciais secretadas pelas células tumorais. As características clinicopatológicas comuns do mieloma múltiplo podem ser resumidas:

1. Dor óssea, devido a fraturas patológicas. 2. Hipercalcemia resultante da reabsorção óssea; origina manifestações neurológicas

como confusão e letargia, e também contribui para a disfunção renal. 3. Anemia, devido à substituição da medula óssea pelas células tumorais. 4. Infeções recorrentes, resultantes da marcante supressão da imunidade humoral

normal. 5. Insuficiência renal, resultante dos efeitos deletérios das proteínas de Bence Jones

como também das infecções bacterianas, da hipercalcemia e amiloidose. 6. Amiloidose do tipo AL.

Deve-se diagnosticar de mieloma múltiplo quando estão presentes dois dos seguintes critérios: • Aumento de plasmócitos malignos na medula óssea; • Paraproteínas séricas e/ ou urinárias; • Lesões esqueléticas líticas.

A electroforese do soro e da urina consiste numa ferramenta útil de diagnóstico. O exame da medula óssea é utilizado para confirmar a presença da proliferação de plasmócitos. O mieloma é uma doença progressiva com uma sobrevivência média de 4-6 anos. De momento, não é curável.

Anemia aplásica Anemia aplásica adquirida primária idiopática A anemia aplásica é definida como um distúrbio no qual as células primordiais multipotentes se encontram suprimidas, resultando na insuficiência da medula óssea e pancitopenia. A anemia aplásica pode ocorrer em qualquer idade e em ambos os sexos. A progressão da anemia causa o desenvolvimento de fraqueza, palidez e dispneia. A presença de petéquias e equimoses anuncia frequentemente a ocorrência de trombocitopenia. A granulocitopenia pode manifestar-se na forma de infecções sem gravidade, que são frequentemente persistentes. A anemia aplásica não causa esplenomegalia. Tipicamente, os eritrócitos são normocrómicos e normocíticos ou levemente macrocíticos. Os reticulócitos encontram-se reduzidos em número (reticulocitopenia). A medula óssea na anemia aplásica é marcadamente hipocelular. O prognóstico é imprevisível.

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Anemia aplásica secundária Condições como drogas, químicos, radiação, hepatite vital, gravidez e hemoglobinúria paroxística nocturna também podem levar ao aparecimento de anemia aplásica.

Distúrbios mieloproliferativos crónicos Os distúrbios mieloproliferativos são um grupo de condições crónicas marcado pela hiperproliferação de progenitores mieloides neoplásicos que apresentam a capacidade de diferenciação terminal; como resultado, verifica-se um aumento num ou em mais elementos celulares do sangue periférico. Quatro entidades diagnósticas principais são reconhecidas: leucemia mieloide crónica (LMC), policitemia rubra vera (PRV), mielofibrose primária e a trombocitemia essencial. A LMC é separada das restantes devido à sua associação com o gene de fusão BCR-ABL. Os restantes consistem em mutações ativadoras da tirosina cinase JAK2. Mielofibrose primária Na mielofibrose, a medula está inicialmente hipercelular com um excesso de megacariócitos anormais. À medida que a doença progride, a medula fica fibrótica. Os fibroblastos que produzem o colagénio na medula não são neoplásicos. Por outro lado, a fibrose medular é secundária a desarranjos nas células hematopoiéticas. Acredita-se que a proliferação de fibroblastos seja estimulada pelo factor de crescimento derivado das plaquetas libertado pelos megacariócitos neoplásicos. No deslocamento da hematopoiese da medula fibrótica para o baço, fígado e linfonodos, desenvolve-se extrema esplenomegalia e hepatomegalia. A hematopoiese nos linfonodos não é em grau suficiente para causar aumento considerável desses órgãos. A hematopoiese extramedular nesses locais é desordenada e ineficiente, resultando em anemia e trombocitopenia. A neutropenia pode também ocorrer. No sangue periférico, os eritrócitos frequentemente exibem formas bizarras, além de percursores eritroides juntamente com leucócitos imaturos, uma combinação denominada de leucoeritroblastose. Plaquetas anormalmente grandes também estão presentes. É comum haver enfartes esplénicos subcapsulares. A medula óssea, em casos avançados, torna-se hipocelular e difusamente fibrótica. A maioria dos pacientes apresenta uma anemia moderada a severa. A contagem de leucócitos pode estar normal, reduzida ou elevada. No início do seu curso clínico, a contagem de plaquetas encontra-se normal ou elevada, contudo os pacientes acabam por desenvolver trombocitopenia. Devido à alta taxa de renovação celular, a hiperuricemia e a gota podem complicar o quadro clínico. O prognóstico da doença é variável, apresentando uma sobrevivência média de 4-5 anos. �19

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Trombocitemia essencial A proliferação maligna de megacariócitos resulta num nível aumentado de plaquetas na circulação, no entanto são sempre disfuncionais. Em média, os pacientes apresentam-se em torno dos 60 anos com sintomas de oclusão vascular ou eventos hemorrágicos. Na maioria dos indivíduos a condição é crónica, com a contagem das plaquetas gradualmente aumentando. Uma pequena percentagem transforma-se em leucemia aguda ou mielofibrose. Policitemia rubra vera (PRV) A policitemia vera é caracterizada por proliferação excessiva de elementos eritroides, granulocíticos e megacariocíticos (pan-mielose), mas a maioria dos sinais e sintomas clínicos está relacionada com o aumento absoluto da massa eritocitária. Diferentemente da forma reactiva da policitemia absoluta, a policitemia vera é associada a baixos níveis de eritropoietina sérica, que reflete o crescimento do clone neoplásico independente de factores de crescimento. As principais alterações anatómicas na policitemia vera originam-se de aumentos de volume e viscosidade sanguínea causados pela policitemia. O fígado encontra-se aumentado e o baço também se apresenta ligeiramente aumentado. A medula óssea é hipercelular devido ao número aumentado de formas eritroides, mieloides e megacariocíticas. A policitemia vera instala-se de modo insidioso, geralmente no final da meia-idade. Os pacientes são pletóricos e frequentemente cianóticos. Alguns sinais e sintomas incluem prurido, tendências trombóticas e hemorrágicas, hipertensão, cefaleias, tonturas, zumbido, sintomas gastrointestinais, úlceras pépticas, hematêmese e melena. Devido à alta taxa de renovação celular, pode ser observada gota e muitos pacientes apresentam hiperuricemia sintomática. O hematócrito é frequentemente de 60% ou mais. A basofilia é comum. As plaquetas são funcionalmente anormais na maioria dos casos. A sobrevivência média é de cerca de 10 anos.

Distúrbios hemorrágicos Distúrbios da hemostase primária A formação inicial de um tampão plaquetário ("hemostase primária") pode falhar na trombocitopenia, doença de von Willebrand e em distúrbios funcionais das plaquetas ou doenças que afectem a parede dos vasos. As anormalidades da parede dos vasos podem ser:

• Congénitas, como na telangiectasia hemorrágica hereditária (HHT) • Adquiridas, como nas vasculares ou escorbuto

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Trombocitopenia A trombocitopenia isolada encontra-se associada a tendências hemorrágicas e testes de coagulação normais. A maioria das hemorragias origina-se de vasos sanguíneos pequenos e superficiais, produzindo petéquias ou grandes equimoses na pele, nas membranas mucosas dos tratos gastrointestinal e urinário, entre outros locais. Quando a causa consiste na destruição acelerada das plaquetas, a medula óssea geralmente apresenta aumento compensatório no número de megacariócitos. Púrpura Trombocitopénica Imune (PTI): A púrpura trombocitopénica imune apresenta dois subtipos clínicos. A PTI crónica apresenta tendência para ocorrer em mulheres com idade entre 20-40 anos. A PTI aguda apresenta-se de modo autolimitante, sendo observada principalmente em crianças após infecções virais. Anticorpos contra glicoproteínas da membrana plaquetária IIb/ IIIa são detectados em 80% dos casos de PTI crónica. O baço é um importante local de produção de anticorpos antiplaquetas e também o principal local de destruição das plaquetas revestidas por IgG. A medula óssea geralmente possui um número elevado de megacariócitos. O início de PTI crónica é insidioso. Os achados comuns incluem petéquias, equimoses fáceis, epistaxe, hemorragia gengival e hemorragias após pequenos traumas. O diagnóstico baseia-se nos aspectos clínicos, na presença de trombocitopenia, no exame da medula e na exclusão de PTI secundária. Testes clínicos confiáveis para anticorpos antiplaquetas não estão disponíveis. Distúrbios da coagulação Os distúrbios da coagulação resultam de deficiências congénitas ou adquiridas dos factores de coagulação. As deficiências adquiridas são mais comuns e frequentemente envolvem muitos factores simultaneamente. O fígado sintetiza vários factores de coagulação e também remove muitos factores de coagulação activados da circulação; por isso, as doenças parenquimais hepáticas são causas comuns de diáteses hemorrágicas complexas. A CID também pode causar várias deficiências de factores. Deficiências hereditárias de cada um dos factores de coagulação já foram identificadas. A hemofilia A (uma deficiência do factor VIII) e a hemofilia B (doença de Christmas, uma deficiência do factor IX) estão relacionadas com o cromossoma X. A doença de von Willebrand é o distúrbio hemorrágico congénito mais comum. Hemofilia A A hemofilia A é a causa hereditária mais comum de deficiência de factor de coagulação. É herdada com carácter recessivo ligado ao cromossoma X, causada pela actividade reduzida do factor VIII, afectando primariamente os homens. O factor VIII é sintetizado no fígado e nas células endoteliais, tendo uma semi-vida de 12 horas. É protegido da proteólise na circulação pela ligação ao factor de von Willebrand. Verifica-se uma tendência de equimoses fáceis e hemorragias maciças após traumatismos ou procedimentos cirúrgicos. Além disso, é frequente a ocorrência de hemorragias "espontâneas" em tecidos que normalmente estão sujeitos a stress mecânico, particularmente as articulações,

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onde hemorragias recorrentes (hemartroses) causam deformidades progressivas que podem ser incapacitantes. Hematomas musculares também são característicos. Tipicamente, não ocorrem petéquias. O tempo de TTP encontra-se aumentado. Hemofilia B A deficiência grave do factor IX é um distúrbio ligado ao cromossoma X, clinicamente indistinguível da hemofilia A, no entanto é muito menos comum. O tempo de TTP encontra-se aumentado. Doença de von Willebrand A doença de von Willebrand é transmitida como um distúrbio autossómico dominante. Geralmente, caracteriza-se por sangramento espontâneo das membranas mucosas, epistaxe, hemorragias gastrointestinais, sangramento excessivo de feridas e menorragia. O factor de von Willebrand é produzido pelas células endoteliais e pelos megacariócitos. Os indivíduos com esta doença apresentam defeitos nos componentes da função plaquetária e da coagulação, no entanto na maioria dos casos apenas os defeitos plaquetários produzem efeitos clínicos. A variante clássica e mais comum da doença de von Willebrand (tipo I) consiste num distúrbio autossómico dominante no qual a quantidade de vWF circulante é reduzida. Verifica-se também uma redução mensurável, porém clinicamente insignificante, do nível do factor VIII. Doentes com a doença do tipo II apresentam factor von Willebrand funcionalmente anormal. A doença de von Willebrand é caracterizada pela redução da actividade do vWF e do factor VIII, e por um aumento do tempo de hemorragia.

Distúrbios trombóticos Anormalidades congénitas da coagulação:

Deficiência da antitrombina Deficiências da proteína C e S Factor V Leiden Protrombina G20210A

Coagulação intravascular disseminada (CID) A coagulação intravascular disseminada (CID) ocorre como complicação de grande número de distúrbios. A CID é causada pela ativação sistémica da coagulação e resulta na formação de trombos em toda a microcirculação. Como consequência, as plaquetas e os factores de coagulação são esgotados e, secundariamente, a fibrinólise é ativada. Por conseguinte, a CID pode originar tanto a hipóxia tecidual e os microenfartes causados por microtrombos como também um distúrbio hemorrágico relacionado com a activação patológica da fibrinólise e à

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depleção dos elementos necessários para a hemostase (por isso o nome de coagulopatia de consumo). A plasmina activada cliva não só a fibrina (fibrinólise) como também os factores V e VIII, reduzindo desse modo ainda mais as suas concentrações. Nos distúrbios trombóticos, a deposição disseminada de fibrina na microcirculação leva à obstrução e isquémia dos órgãos ao mesmo tempo que os eritrócitos são lesados na sua passagem através dos vasos obstruídos pelos trombos de fibrina (anemia hemolítica microangiopática). A CID é mais frequentemente associada a septicemia, complicações obstétricas, malignidades e grandes traumas. A tendência a sangramentos associada à CID manifesta-se não só por hemorragias maiores do que as esperadas, como também por petéquias difusas e equimoses na pele, nos revestimentos serosos das cavidades do corpo, no epicárdio, no endocárdio, nos pulmões e no revestimento mucoso do trato urinário. As manifestações podem ser mínimas ou pode-se desenvolver choque, com falência renal aguda, dispneia, cianose, convulsões e coma. A avaliação laboratorial revela trombocitopenia e aumento do TP e TTP. Os produtos de degradação da fibrina encontram-se aumentados no plasma sanguíneo. Púrpura trombocitopénica trombótica (PTT) Tradicionalmente, a PTT encontra-se associada a:

• Trombocitopenia • Anemia hemolítica microangiopática • Défices neurológicos • Insuficiência renal • Febre

No entanto, muitos dos pacientes com PTT não apresentam um ou mais dos cinco critérios. A formação disseminada de trombos ricos em plaquetas na microcirculação leva ao consumo de plaquetas e a trombocitopenia. O estreitamento vascular pelos trombos resulta no desenvolvimento de anemia hemolítica microangiopática. A oclusão vascular afecta órgãos chave, principalmente o cérebro e o rim. É um distúrbio autoimune agudo causado por anticorpos contra a metaloprotease ADAMTS-13. Esta enzima degrada multímeros de muito alto peso molecular do vWF, por isso, a sua deficiência permite que estes se acumulem no sangue e estabeleçam ligações cruzadas com as plaquetas. É uma condição rara que pode ocorrer isolada ou em associação com drogas, HIV, toxinas ou malignidade. Como na PTT a ativação da cascata de coagulação não é de importância primária, os resultados dos testes laboratoriais de coagulação (como o TP e o TTP) geralmente são normais.

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