Outros Africanos - Os Angolas Na Bahia – Séculos Xviii e Xix
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IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTRIA - ANPUH-BAHISTRIA: SUJEITOS, SABERES E PRTICAS.
29 de Julho a 1 de Agosto de 2008.Vitria da Conquista - BA.
OUTROS AFRICANOS: OS ANGOLAS NA BAHIA SCULOS XVIII E XIX
Lucilene ReginaldoProfessora da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)
Doutora em Histria pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)E-mail: [email protected]
Palavras-chave: Africanos. Angolas. Historiografia da escravido . Bahia.
No incio do sculo XVIII a matriz da parquia da Conceio da Praia, alm do altar
principal, abrigava vrios nichos de santos particulares. A capela dedicada Virgem do
Rosrio ficava no corpo da igreja, bem prxima colateral da epstola. Nas palavras de Frei
Agostinho de Santa Maria (1949/1722, p. 75), esta capela foi feita custa dos pretos angolas
ecrioulos da terra, os quais concorre[ram] com muita liberalidade e grandeza, par a todos os
gastos e despesas. Provavelmente, a instituio da capela date do final do sculo XVII,
perodo em que foi ereta uma irmandade de pretos devotos da Senhora do Rosrio na matriz
da Praia. No compromisso da confraria, os angolas e os crioulos, construt ores e
patrocinadores da capela do Rosrio, so merecedores de ateno especial. Cabia a estes dois
grupos, e to somente a eles, ocupar os cargos de juiz e juza, as funes diretivas mais
importantes da irmandade.1 Quase um sculo depois, a mesma restri o permanecia em voga,
o que faz pensar na longevidade, fora e significado da associao entre angolas e crioulos
nas irmandades do Rosrio baianas.
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Alm da irmandade do Rosrio da Conceio da Praia, outras tantas confrarias
dedicadas a esta invocao foram criadas e administradas por angolas e crioulos da terra. A
Irmandade do Rosrio dos Pretos das Portas do Carmo particulariza, em sua longa histria, a
primazia dos angolas em sua formao e atuao ao longo dos sculos (POND, 1946;
COSTA, 1958; OTT, 1968; BACELAR; SOUZA, 1974). Ainda no estatuto aprovado em
1820, oficialmente a direo desta prestigiosa irmandade ficava a cargo dos angolas e crioulos
(FARIAS, 1997, p. 126). Na cidade da Bahia, durante o sculo XVIII, as irmandades do
Rosrio da Freguesia de So Pedro, assim como a da matriz da Vitria tambm privilegiavamos angolas e os crioulos em sua direo, por esta razo, denomino este fenmeno de privilgio
tnico, como veremos a seguir com mais vagar, no se tratava da excluso de outros grup os
1 Arquivo da Igreja de Nossa Senhora da Conceio da Praia. Compromisso da Irmandade da Virgem Sa ntssimaMe de Deus N. S. do Rosrio dos Pretos da Praia, 1686. Cpia gentilmente cedida por Joo Jos Reis. Estedocumento desapareceu das dependncias da Igreja da Conceio da Praia.2No compromisso aprovado em Lisboa, no ano de 1768, o acesso aos car gos de juiz e juza continuou reservadoaos angolas e crioulos. Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo. Chancelarias Antigas/Ordem deCristo, Livro 306, fls. 16 -22. Compromisso da Irmandade de N. S. do Rosrio dos Pretos da Freguesia daConceio da Praia da Cidade da Bahia, aprovado pela Mesa de Conscincia e Ordens em 1768.
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seno da garantia de privilgios, sobretudo na definio dos cargos mais importantes. Este
interessante fenmeno no esteve, entretanto, circunscrito cidade do Salvador. Foi comum e
corrente em toda a capitania, como podemos observar n o quadro 1:
IRMANDADE IGREJA FREGUESIA CIDADE/VILA PRIVILGIOTNICO
Rosrio Matriz So Pedro Salvador Angolas e crioulosRosrio Matriz Conceio da Praia Salvador Angolas e crioulosRosrio Igreja de N.S. do
Rosrio da Baixados Sapateiros
(prpria)
SantssimoSacramento do
Passo (*)
Salvador Angolas e crioulos
Rosrio Matriz/ Capela doRosrio (prpria)
N.S. da Penha deItapagipe
Salvador Sem referncia
Rosrio Matriz N.S. da Vitria Salvador Angolas e crioulosRosrio Convento do
Desterro
Senhora Santana Salvador Sem referncia
Rosrio Matriz S. Antnio Alm doCarmo
Salvador Sem referncia
Rosrio Matriz N. S. do Rosrio doPorto da Cachoeira
Cachoeira Sem referncia
Rosrio Matriz So Pedro do Monteda Muritiba
Cachoeira Sem referncia
Rosrio Matriz S. Bartolomeu deMaragogipe
Maragogipe Angolas e crioulos
Rosrio Matriz N. S. da Ajuda deJaguaripe
Jaguaripe Angolas e crioulos
Rosrio Capela do Rosrio Santo Amaro daPurificao
Santo Amaro Angolas e crioulos
Rosrio Conceio da Matae So Bento
S. Jos das
ItapororocasCachoeira Angolas e Crioulos
Rosrio Matriz N.S. da Assuno Camamu PretosRosrio Matriz N.S. da Vitria So Cristvo Angolas e crioulosRosrio ? N.S. da Piedade Vila do Lagarto PretosRosrio Igreja do Rosrio
(prpria)Santo Antnio Vila Nova Real Del
ReiEtiopinos e crioulos
Quadro 1 - Irmandades do Rosrio no Arcebispado da Bahia Sculo XVIII
Fonte: (Santa Maria (1949) [1722]); (Monteiro da Costa, 1958); (Ott, 1968); IAN/TT Instituto dos ArquivosNacionais Torre do Tombo Lisboa/Portugal, Chancelarias Antigas/Ordem de Cristo, Livros: 280, fls. 324 -327;292, fls. 343v-347; 297, fls. 58-63, 143-145, 168v-178 e 224-226; 306, fls 16-22; Chancelarias Antigas daOrdem de Cristo/ D. Maria I, livro 16, fls. 79 -82. AHU Arquivo Histrico Ultramarino - Lisboa/Portugal ,Bahia - Avulsos, Caixas: 150, doc. 11521; 200, doc. 14452; Cdices 1925, 1931 e 1958.
Ao longo do sculo XVIII, pude identificar cerca de 17 irmandades dedicadas ao culto
do Rosrio no arcebispado da Bahia. Possive lmente existiram outras mais, entretanto, nem
todas tiveram preservados os testemunhos de sua atuao. Interessante notar que mais da
metade destas irmandades identificadas, mais precisamente nove dentre elas, privilegiavam
angolas e crioulos nos cargos de direo. Este fenmeno deu-se na cidade da Bahia, em seu
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Recncavo, adentrando o Serto de Baixo na Freguesia das Itapororocas, e chegando at a
capitania de Sergipe Del Rei, na Freguesia de Nossa Senhora da Vitria.
A histria das irmandades do Rosrio apenas ratifica outros registros documentais que,
ao longo dos sculos XVIII e XIX, atestam a presena de africanos de nao angola na
cidade de Salvador, no Recncavo e nos sertes da Bahia. Estes registros problematizavam
um pressuposto cristalizado na antropologia e na historiografia feitas na Bahia, qual seja, o da
insignificncia dos centro-africanos na constituio da populao escravabaiana.
Os estudos inaugurais da antropologia na Bahia afirmavam a superioridade numrica
e, sobretudo, o maiorpeso cultural dos povos oriundos da Costa da Mina e do Golfo do Benin
genericamente denominados sudaneses e um nem sempre disfarado desprezo pelos
africanos do centro-oeste do continente tambm genericamente denominados bantos.
Coube a Raimundo Nina Rodrigues, mdico legista maranhense radicado na Bahia desde1889, inaugurar uma rea de pesquisa que viria futuramente tornar -se o mais importante filo
dos estudos afro-brasileiros: as manifestaes religiosas de origem africana (CASTRO;
CASTRO, 1990, p. 27).3
As peregrinaes de Nina Rodrigues pelos candombls dos arrabaldes de Salvador e
seu Recncavo colocaram o mdico legista diante de uma questo que se tornaria central em
sua obra da por diante, qual seja, a presena e grande influncia cultural dos iorubas na
Bahia. Publicado postumamente em 1932, Africanos no Brasil apresenta a interpretao de
Rodrigues (1935) sobre as origens tnicas dos escravos africanos importados para o Brasil,ponto central de sua argumentao sobre a particularidade bai ana/ioruba.4 Nesse sentido,
chamo a ateno para a importncia de sua tese sobre a superioridade sudanesa na
constituio de um paradigma nas pesquisas futuras sobre os negrosbaianos.
Como fundador de uma escola, Rodrigues inaugura um novo campo de pesq uisas e,
ao mesmo tempo, dera o norte para os futuros investigadores ao conferir credenciais
acadmicas a determinados temas. As qualidades atribudas aos iorubas desde os estudos de
Nina Rodrigues explicam, no totalmente, mas, em grande parte, a profuso de trabalhos de
investigao sobre os candombls denominados jeje-nag, em detrimento de outras
3 Essa tendncia se firmou, sobretudo, a partir dos estudos culturalistas centrados na preocupao com assobrevivncias africanas e com o processo de aculturao do negro no Novo Mundo. Para estes estudiosos, areligio seria o ponto focal das culturas africanas.4 A impresso desse livro foi iniciada em 1906, mas foi interrompida devido ao falecimento do autor e, logodepois de seu discpulo Oscar Freire, responsvel pela publicao pstuma. Foi graas a um outro discpulo deRodrigues, o tambm mdico Artur Ramos, que em 1932 o livro pode finalmente ser levado ao grande pblicoatravs da coleo Brasiliana.
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manifestaes religiosas afro-brasileiras tornadas menos nobres, aos olhos dos pesquisadores,
como o caso dos candombls congo -angola e de caboclo (DANTAS, 1988).
Representaes criadas, ao longo dos sculos, por viajantes, traficantes e proprietrios
de escravos sobre os angolas tambm colaboraram para a uma certa hierarquizao dos
africanos na Bahia. O reconhecimento e a valorizao de diferenas fsicas e
comportamentais, alm de habilidades especiais para a execuo de determinadas tarefas,
era um fato corrente quando se tratava do comrcio de africanos escravizados. Nestes termos,
as peculiaridades poderiam indicar qualidades mais ou menos valorizadas n o mercado,
determinando assim escolhas e predilees . No incio do sculo XVIII, o famoso cronista
Antonil (1982/1711, p. 89) registrou, com muita clareza, esta postura mercantil escravista
num conhecido alerta aos senhores de escravos: E porque comumente so de naes
diversas, e uns mais boais que outros e de foras muito diferentes, se h de fazer repartiocom reparo e escolha, e no s cegas.
Fruto de preconceitos, de contatos diretos ou, ainda, de interesses econmicos
particulares, as qualidades e habilidades eram, quase sempre, vinculadas origem geogrfica
dos africanos.
Os que vm para o Brasil so ardas, minas, congos, de So Tom, deAngola, de Cabo Verde e alguns de Moambique, que vm nas naus dandia. Os ardas e os minas so robustos. Os de Cabo Verde e So Tom somais fracos. Os de Angola, criados em Luanda, so mais capazes de
aprender ofcios mecnicos que os das outras partes j nomeadas. Entre oscongos, h tambm alguns bastante industriosos e bons no somente para oservio da cana, mas para as oficinas e para o meneio da casa (ANTONIL,1982/1711, p. 89).
No apenas os africanos foram avaliados segundo qualidades e habilidades
pretensamente inatas ou especficas ao grupo de origem. Tambm os crioulos como eram
denominados os negros nascidos no Brasil, em Luanda, ou ainda em outras colnias
portuguesas na frica foram objetos deste tipo de avaliao (KARASH, 2000, p. 88). O
jesuta Antonil percebeu de pronto que os crioulos se constituam em um grupo particular, e
assim, para melhor rendimento de seus negcios, lembra aos senhores que os que nasceram
no Brasil, ou se criaram desde pequeno na casa dos brancos, afeioam -se a seus senhores, do
conta de si, e levado em bom cativeiro, qualquer deles vale por quatro boais (ANTONIL,
1982/1711, p. 89). Assim como se passava com os africanos, como veremos no decorrer deste
texto, as opinies sobre os pretos nacionais eram, por vezes, controversas. Em relao aos
mesmos crioulos, to valorizados por Antonil, um cronista do final d o sculo XVIII, mais
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cauteloso e desconfiado, adverte sobre os riscos de se confiar inteiramente num escravo, ainda
que criados nos braos e camas de seus senhores, pois era comum que, assim que
encontravam uma boa oportunidade, matavam -nos a facadas, golpes de machado e cacetadas
(VILHENA, 1969/1802, p. 135).
Ao longo dos sculos de escravido, algumas imagens foram se cristalizando.
possvel dizer que alguns esteretipos a respeito de determinados grupos tornaram -se to
marcantes que sobreviveram ao seu prprio tempo.
A construo de determinados quadros de valores esteve submetida a conjunturas
especficas do trfico e, portanto, aos interesses do comrcio escravista deste ou daquele setor.
Neste aspecto, imagens que ressaltavam a docilidade e a plast icidade dos angolas foram
recorrentes entre cronistas e estudiosos desde o sculo XVIII at muito recentemente.
No final do Setecentos, o cronista Lus dos Santos Vilhena (1969/1802, p. 135) notouuma certa preferncia, por parte dos senhores de escravos baianos, pelos africanos da Costa da
Mina, apesar de uma presumvel fama de rebeldia e aspereza deste grupo. Em contraposio,
o cronista tambm registrou a qualidade mais apreciada em relao aos escravos procedentes
da regio centro-africana (angolas e benguelas): a disposio e facilidade para se integrarem
ao mundo dosbrancos.
A preferncia pelos asseados e caprichosos africanos da Costa da Mina permaneceu
discurso corrente na Bahia no incio do sculo XIX, tanto na boca dos brasileiros quanto na
dos estrangeiros. Segundo um viajante ingls que visitou a cidade no ano de 1836, havia umasuperioridade evidente nos negros que ali habitavam.
Porque toda a populao dessa provncia originria da Costa do Ouro (sic).No somente os homens e as mulher es so mais altos melhor constitudosque os moambiques, os benguelas e outros africanos mais ainda, elespossuem uma grande energia de carter, possvel conseqncia das relaesestreitas destes povos com os mouros e rabes. H muitos entre essesindivduos que lem e escrevem em rabe (GARDNER apud CAPONE,2000, p. 97).
O francs Agassiz (apud VIANA FILHO, 19881945, p. 87) tendo visitado a Bahia na
segunda metade do sculo XIX, emitiu opinies semelhantes. Afirma, por exemplo, que
angolas e congos, em geral de lngua banto, eram menos inteligentes e mais dceis que os
originrios da frica Ocidental, servindo bastante bem para os servios da lavoura .
importante lembrar que este comentrio sobre a docilidade angola tinha como
contraponto implcito a rebeldia dos africanos ocidentais, corporificada nas inmeras revoltas
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que proliferam na Bahia desde o incio do sculo XIX. Naqueles tempos, em rebelies
espontneas ou planejadas, na capital e nas vilas do Recncavo, nos engenhos, fazendas e
armaes de pesca, os escravos africanos mantiveram os senhores em estado de insegurana
constante (REIS, 2003, p. 68-69) Tanto no discurso estrangeiro quanto no dos nacionais, a
suposta superioridade fsica e intelectual dos africanos ocidentais foi vista como uma afiada e
perigosa faca de dois gumes. As vantagens econmicas para um grupo de comerciantes foram,
sem sombra de dvidas, os grandes sustentculos da poltica de valorizao do trfico com a
Costa da Mina e o Golfo do Benin. Desse modo, o acalorado deb ate em torno da
valorizao das peas africanas que envolveu, durante o sculo XVIII, traficantes
portugueses e baianos, constituiu -se num momento privilegiado de construo das
representaes sobre os diferentes grupos africanos na Bahia.
No incio do sculo XIX, como resultado da boa propaganda dos traficantesportugueses, e/ou dos interesses dos negociantes luso -fluminenses em Angola, os senhores de
escravos do Rio de Janeiro, dentre todos os africanos, tinham especial predileo pelos
angolas, sob todos os aspectos, os mais dceis ( WALSH, 1985, p. 155). A apregoada
docilidade dos angolas era exemplificada, como vimos, pela facilidade e disposio dos
centro-africanos para aprender a lngua portuguesa e, especialmente, sua integrao mais
rpida s instituies, hbitos e religio dos senhores. 5
Alguns historiadores, como Lus Viana Filho (1988/1945, p. 90), tomaram esse
argumento da propaganda do trfico como verdade incontestvel, chegando a afirmar que acapacidade de assimilao e adaptao ao No vo Mundo foi o trao que separou nitidamente
bantos e sudaneses. A fora deste argumento vem, de certo modo, atravessando geraes.
Desde pelo menos a dcada de 1950, a escravido negra tem sido o tema mais
importante da historiografia baiana. A consolid ao das pesquisas de cunho acadmico,
atravs da criao dos centros de ensino e investigao da Universidade Federal da Bahia e da
Universidade Catlica de Salvador, apenas confirmaram uma tradio que vinha se
consolidando entre os pesquisadores tradici onais/diletantes ligados instituies como o
Instituto Geogrfico e Histrico da Bahia. 6 A produo acadmica, entretanto, rompeu com aperspectiva tradicional que privilegiava o estudo das elites escravistas, to ao gosto de seus
5 importante ressalvar, como bem sugere Soares (2002, p. 60) , que o grupo de procedncia denominado angolano Rio de Janeiro no sculo XIX no tem, necessariamente, a mesma composio tnica do grupo denominadoangola na Bahia, Pernambuco ou Maranho, e nem mesmo no prprio Rio de Janeiro nos sculos precedentes.6 Com relao histria das perspectivas historiogrficas na Bahia , ver a instigante introduo de Ktia QueirsMattoso: Bahia Sculo XIX. Uma provncia no Imprio. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1992, especialmenteas pginas 23-38.
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descendentes/investigad ores, trazendo tona novos sujeitos do regime vigente no pas at
1888.7
As dcadas de 1970 e 1980 foram fundamentais na renovao da historiografia baiana
da escravido, sobretudo no seu aporte documental. Assim, a afirmao de uma nova
perspectiva terico-metodolgica teve por base um grande impulso da pesquisa documental.
O tratamento especializado das fontes seriais, tais como inventrios e testamentos; a
investigao da documentao judiciria e policial; a preocupao com o inventrio de
peridicos, entre outros suportes, trouxeram a baila uma sociedade escravista mais complexa,
contraditria e violenta do que se pensava at ento ( MATTOSO, 1992, p. 28-35) Do mesmo
modo, os escravos emergiram como sujeitos individuais e coletivos construindo laos d e
amizade, parentesco, compadrio, ou mesmo, conspiraes, rebelies e aglutinaes
ameaadoras da ordem vigente.
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A concentrao das pesquisas na cidade do Salvador e seu Recncavo, sobretudo no
sculo XIX, deram maior visibilidade aos africanos da costa ocidental, sem dvida, os mais
numerosos e os grandes protagonistas dos movimentos rebeldes na Bahia oitocentista.
Entretanto, so fartos os registros documentais dos sculos XVIII e XIX que atestam a
presena de angolas, benguelas e congos na cidade de Sa lvador, no Recncavo e sertes da
Bahia.
Em termos quantitativos, novas investigaes sobre o trfico, especificamente sobre as
relaes entre Bahia e Angola durante a vigncia do trato de escravos, sobretudo nos doisltimos sculos do famigerado comrci o, podem oferecer novos e surpreendentes indcios
sobre o tema. No se trata de negar a hegemonia do trfico com a Costa da Mina, chamo a
ateno para a permanncia de um outro circuito, talvez menos importante em termos
numricos, mas igualmente significa tivos em termos histricos. Nesse sentido, Schwartz
(1995/1988, p. 282) observou que,
7 Alguns textos pr oduzidos dentro desta tradio elitista/diletante tornaram -se verdadeiros clssicos da
historiografia baiana. Dentre estes, vale mencionar a obra de Wanderlei de Pinho, descendente de senhores deengenho do Recncavo e um dos mais notveis pesquisadores da histria social e cultural da regio aucareira.Ver, entre outros, Histria de um engenho do Recncavo . Matoim, Novo Caboto, Freguesia, 1552 -1944. Rio deJaneiro, Livraria Editora Zlio Valverde S. A, 1946.8 Alguns marcos fundamentais desta nova histor iografia baiana foram produzidos por Mattoso e alguns de seusex-alunos e/ou orientados. Dentre estes, destaco: Mattoso, Ser Escravo no Brasil . So Paulo, Brasiliense, 1982, a
primeira edio publicada em francs de 1979; Maria Jos da Silva Andrade, A mo de obra escrava emSalvador, Salvador, Universidade Federal da Bahia, 1975. (Dissertao de mestrado); Maria Ins Cortes deOliveira, O liberto, seu mundo e os outros , dissertao de Mestrado, Universidade Federal da Bahia, 1979.Almdestes, o trabalho seminal de Joo Jos Reis, Rebelio Escrava no Brasil . A histria do levante dos mals(1835). So Paulo, Editora Brasiliense, 1982, um dos principais marcos da nova historiografia da escravido naBahia.
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[...] conforme o momento histrico, a maioria deles [os escravos] provinhade diferentes reas da costa da frica. Isso, de fato, significa que no sculoXVI predominaram os povos da Senegmbia, no XVII, os de Angola eCongo, e no XVIII, da Costa da Mina e do golfo do Benin. Contudo, apesarde mudanas nas reas de concentrao, a populao escrava baiana semprefoi composta por uma mistura de povos. Mesmo no auge do trf ico no golfodo Benin, por volta de 1780 -1820, quando jejes, nags (iorubas), tapas(nups), hausss e outros povos sudaneses predominaram entre os cativos,cerca de um tero dos escravos nascidos na frica provinham de povosbantos de Angola e da frica central.
Segundo Miller (1999), cerca de 24% dos escravos que deixaram Luanda entre os anos
de 1723-1775, 1794 e 1802-1826 tiveram como destino a cidade da Bahia. Os dados de Miller
revelam os diferentes momentos deste trfico. Por exemplo, enquanto na dcada de 1720 os
escravos enviados para Bahia somavam mais de 40% do total dos embarques, no incio do
sculo XIX este nmero caia para menos de 6% do total. Os fluxos e refluxos tambmpodem ser percebidos no decorrer do sculo XVIII. Na dcada de 1740 , 23% das cabeas
embarcadas em Luanda tiveram a Bahia como destino. Na seguinte dcada, este nmero
despencava para 8% (MILLER, 1999, p. 11-67).9 Os nmeros apresentados por Miller,
apontam a necessidade de estudos mais aprofundados sobre o trfico entr e Bahia e Angola.
Este tema, no resta dvida, um dos pontos focais para as futuras pesquisas sobre os centro -
africanos na Bahia.10
Atravs de dados colhidos na Feitoria Real sobre o despacho dos navios negreiros,
Outros autores chegaram a concluses mui to prximas as de Miller. Klein (1972, p. 900-901)
contabilizou 549 partidas de embarcaes do porto de Luanda com destino ao Brasil entre os
anos de 1723 e 1771. Segundo este autor, um nmero superior a 50% dos cativos,
transportados em 282 embarcaes, teve como destino a cidade do Rio de Janeiro; 27,3%,por
meio de 158 embarcaes, foram destinados a Bahia; 18,2%, em 95 embarcaes rumaram
9 Para discusso mais detalhada destes nmeros v er, do mesmo autor: Way of Death: Merchant Capitalism andAngola Slave Trade, 1739-1830. Wisconsin: The University Wisconsin Press, 1988; Legal Portuguese Slaving
from Angola. Some Preliminary indications of volume and direction, 1760 -1830. Revue Franaise dhistoiredoutre Mer, n. 226/227, 1975.10 O Arquivo Histrico Ultramarino preserva um valioso conjunto documental para o estudo do trfico deescravos entre Angola e Brasil no sculo XVIII, particularmente com a Bahia. Destaco algumas peties paraenvio de barcos negreiros da Bahia para Angola e, sobretudo, uma srie de certides e mapas, elaborados parafins de cobrana de direitos alfandegrios, sobre escravos embarcados nos portos de Luanda e Benguela para oBrasil. Estes mapas, certides e alguns relatrios discriminam os portos de destino (Rio de Janeiro, Bahia,Pernambuco, etc), os nomes dos navios, seus respectivos mestres, o nmero de escravos destinados a cada porto
brasileiro, dentre outras informaes. AHU Angola. Caixas: 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 29,30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 40A, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57,58, 60, 61, 62, 63, 64, 66, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75.
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para Pernambuco; 1,2% em cinco navios para o Maranho; 1,0% em 4 navios para a colnia
de Sacramento e, 0,2, em apenas uma embarcao para o porto de Santos.
Estes resultados so semelhantes aos de Venncio (1976), colhidos e processados
dcadas mais tarde. De uma amostra de 614 embarcaes que, entre os anos de 1723 e 1794
deixaram o porto de Luanda com destino aos portos do Brasil, Venncio (1976, p. 172-173)
constatou que:
[...] 314 dirigiram-se para o Rio de Janeiro, 168 para a Bahia, 109 paraPernambuco, 8 para Santos, 7 para o Maranho (no so os da companhia,pois estes, como estavam isentos de fisco, no fo ram registrados nem naFeitoria, nem na Fazenda Real), 4 quatro para a colnia de Sacramento.
Estes nmeros no apenas corroboraram a tese da continuidade do trfico entre Bahia
e Angola no sculo XVIII como sugerem as investigaes a partir da documenta o local.
Nesse sentido, temos um caminho aberto para futuraspesquisas.
Referncias
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