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Ficha Técnica
Direcção Trevenen Morris-Grantham
EditoraMarta González
Design GráficoEva Gonçalves
www.unfinishedinventory.com
Colaboradores desta ediçãoAntónio Medeiros, Hugo Filipe Lopes, João Moura,
João Pedro Fonseca, Maria Rita, Miguel Afonso, Miguel Silva Veiga, Nuno Miguel Dias, Rafael Vieira,
Rita Castro, Sandra Alves, Sérgio Onze, Tiago Franco dos Reis, Tiago Loureiro,
Tom Perdigão.
Redacção e Departamento [email protected]
www.difmag.comfacebook www.fb.com/difmag.pt
PropriedadePublicards, Publicidade Lda.
DistribuiçãoPublicards
Registo ERC 125233 Número de Depósito Legal 185063/02 ISSN 1645-5444
Copyright Publicards, Publicidade Lda.
Tiragem média 10 000
Por decisão editorial, cada artigo nesta DIF foi mantido na sua ortografia original.
Índice
06 — DesignIndefinição concreta e definidaTexto Rafael Vieira
08 — Tendência Insectos com açúcarTexto Marta González
10 — Capa Dura Não precisamos de mais heróisTexto Hugo Filipe Lopes
12 — CulturaPortugal a andar de motaTexto João Moura
14 — ModaDenim ‘forever young’Texto Rita Castro
16 — ModaRegresso ao futuro com o cobertor de papa Texto Tiago Loureiro
18 — DesignQue vença o piorTexto Hugo Filipe Lopes
20 — Kukies
24 — RetrocultureSemear o American DreamTexto Nuno Miguel Dias
26 — MúsicaLavoisier. É nosso.Texto Nuno Miguel Dias
28 — FotografiaShow and TellTexto Marta González
36 — ModaPlaygroundFotografia António Medeiros Styling Sérgio Onze
44 — ArteAs (novas) Galerias como Expansão CulturalTexto João Pedro Fonseca
48 — IlustraçãoVamos Contar do GaloTexto Nuno Miguel Dias
52 — ModaVISUAL FLIRTFotografia Maria Rita Styling Miguel Silva Veiga
58 — Conto Conversas Falsas Texto Miguel Afonso Ilustração Tiago Franco dos Reis
“A DIS TÂNCIA ENTRE O PASSADO E O PRESENTE É A MESMA”
Nesta edição usamos o passado como alavanca para o futuro. Fomos ver as motas de fabrico nacional feitas no último século, agarrámos o volante de dez(!) Cadillacs, ouvimos os Lavoisier a lembrar-nos que tudo se transforma e nada se cria, os bonecos do Tiago Galo recordam-nos técnicas de impressão antigas, o editorial masculino teve como inspiração o Bronx do final dos anos 70 que a fotógrafa Martha Cooper imortalizou e no editorial feminino os acessórios são artesanato das Caldas da Rainha, emblemáticos falos com mais de 100 anos. Será que andamos todos obcecados pelo passado? O proeminente crítico Simon Reynolds no seu livro “Retromania: Pop Culture’s Addiction to its Own Past” estudou a produção musical das últimas décadas para chegar a uma teoria muito interessante: com o advento da internet, o passado é tão visitável como o presente. Basta ir ao Youtube para ter acesso ao maior arquivo que alguma vez esteve ao serviço da Humanidade. Bandas de hoje poderiam deixar-se influenciar por movimentos contemporâneos, como especifica o autor “buscar referências no grime da Inglaterra ou no funk carioca. Mas existe a mesma probabilidade destas bandas se basearem em música obscura dos anos 70 ou funk e blues pré-Segunda Guerra porque a distância entre o passado e o presente é a mesma.” Estimulante perspectiva. Esta ida ao passado não trava o futuro, não cheira a mofo, não é saudosista é, pela primeira vez na História, simplesmente possível.
Marta González
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Indefinição concreta e definidaTexto — Rafael Vieira
O Studio E.O foi estabelecido pelo designer Erik Olovsson em Estocolmo, dedicado ao design de produto e ao diálogo interdisciplinar. Nos objectos da colecção «Indefinite Vases» explora essa transversalidade, ao relacionar técnicas e materialidades e ao lançar uma suave dualidade agridoce: forma geométrica e orgânica, transparência e opacidade, fragilidade e robustez, pedra e vidro.
Estabeleceste como objectivo para o Studio E.O o «sair da zona de conforto»?Refiro-me especificamente à minha zona de conforto mas também às normas da indústria. O meu objectivo é abdicar das velhas regras de como fazer um objecto e em que material. Se começo um novo projecto acho interessante não saber exactamente como fazer uma determinada peça, gosto de ir tacteando, permite-me ter disponibilidade mental e confiar na minha intuição à medida que o trabalho avança. A minha formação é em design gráfico, motion design e fotografia; tento assim aplicar o meu conhecimento transversal destas áreas quando desenvolvo novos trabalhos em design de produto.
Acreditas que o design deva ser mais político ou interventivo?Bem, sim, muito disto era o que eu queria trazer para o projecto do «Erik Design Bus». Ser mais engajado, próximo das pessoas e dos materiais que utilizo. Gosto do papel activo que este projecto te obriga a ter.
Precisas de estar completamente embrenhado naquilo que fazes, o que é sempre bom quando se projecta al-guma coisa. Espero que esta forma de trabalhar e de gerir um gabinete possa ser mais habitual, para mim esta é a visão [ideal] de como podes viver e trabalhar como designer.
Como é que te relacionas com os artesãos ao fazer um objecto? Nalguns dos meus projectos o craft (ofício/especializa-ção) tem um papel fundamental, como no «Afternoon Sculptures», em que criei pequenos objectos com desperdícios do meu gabinete. O craft e o acaso são elementos cruciais para traçar descobertas que possa utilizar. Tento estar o máximo de tempo que posso com os artesãos, para falar e para aprender com as pessoas com quem trabalho. Ao fazer os «Indefinite Vases» estou sempre presente com os vidraceiros porque cada peça que dali sai é única.
studioeo.se
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Insectos com açúcarTexto — Marta González
Sem grandes fãs na cultura ocidental, parece que comer insectos está cada vez mais na or-dem do dia. Em Espanha há já uma empresa, a Insectfit, a comercializar barras energéticas, suplementos proteicos e farinhas compostas por grilos. Chocante? Se formos racionais, comer os bichinhos parece do mais lógico que há. A empresa apresenta-os como “nutrição do futuro” e sustenta: os grilos oferecem 2 vezes mais proteína do que a carne de vaca, o dobro de cálcio do leite e 12 vezes mais vita-mina B12 do que o salmão. Porventura mais interessante é a diminuição drástica de re-cursos comparando-a com a criação de gado: 2000 vezes menos água, 200 vezes menos terreno e 100 vezes menos pesticidas.
Ok, quase convencidos. Mas e o aspecto, como tornar apetecível a ideia de consumir insectos? Matilde Boelhouwer anda a traba-lhar na ideia há alguns anos. Apaixonada por entomologia desde criança acabou por esco-lher o percurso académico ligado ao design. Percebeu que podia e devia cruzar ambos os interesses, pois os insectos “são [animais] pouco valorizados, super interessantes enquanto inspiração — pelas suas formas, tamanhos, cores e detalhes — e também por ser um tema que não tem sido muito usado no âmbito do design”.
Com a série de doces Insectology, o Atelier Boelhouwer quer elevar os insectos no contexto do luxo e da alimentação ao
alterar a percepção de valor desses animais, através de uma estética depurada. “Não tens de comer os gafanhotos ou o bicho-da-fari-nha na sua forma integral, desenvolvi uma série de caldos que contém o sabor desses insectos, mas que podem ser preparados e servidos de diversas formas”, explica. No caso dos seus doces, a esta mistura de insectos e feijão branco foram adicionados ingredientes mais consensuais de forma a conseguir um sabor refinado e equilibrado. Moldados cuidadosamente, os bombons são servidos em colheres banhadas a ouro, para completar a experiência.
matildeboelhouwer.com
A cada dia que passa surge um novo “Super Alimento”: abacate, açaí, batata-doce ou chia todos já tiveram os seus 15 dias de fama. Mas há um que se apresenta há vários anos não apenas como ten-dência mas antes como solução para as carências alimentares e problemas ecológicos: os insectos.
08 Tendência
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Três quartos de século depois da Marvel ter nascido, a Taschen publica um livro em homenagem ao seu histo-rial. Algo que faz sentido, não só porque a própria Taschen começou por publicar livros de BD, mas também porque a editora é conhecida por dar atenção a fetiches e os super-heróis são um dos maiores fetiches do mun-do moderno. E se esta edição vem provar alguma coisa, é que não são apenas crianças e trintões masturbado-res solitários que ainda não superaram a adolescência quem vive para estas coisas. Com esta edição, o universo da BD, primeiro com a DC e agora com a Marvel, passará a habitar o panteão de outros ilustres retratados pela editora, de Bosch a Lichtenstein.
Apesar dos seus 75 anos, os filhos da Marvel não têm nem mais uma ruga do que tinham nos anos 30, quando nasceram. Em 4 décadas, Peter Parker teve uma progressão de carreira quase tão lenta como qualquer recém-graduado em Portugal, passando da faculdade para free-lancer num jornal. E nem o facto de ter sido picado por uma aranha radioactiva que lhe conferiu super-poderes parece ajudá-lo. É precisamente devido a esse humanismo dos super-heróis Marvel que nos conseguimos relacionar com eles e com as suas dores. Mesmo que nenhum de nós seja capaz de gerar um sismo com um murro no chão, facilmente percebemos a dor do Incrível Hulk, que precisamente por ser incrível só tem arranjado problemas, quando o que ele mais queria era passar despercebido. E apesar de ser bimbo que nem um portuga em dia de bola, damos por nós a relacionar--nos com o sofrimento do Capitão América (pior nome de sempre) ao sentir-se totalmente deslocado num mundo que avançou décadas enquanto esteve congelado. Mesmo o Homem de Ferro, que na essência mais não é do que um Steve Jobs que guarda os gadgets todos para si, nos seduz com o seu charme cavalheiresco na face do perigo.
Ao longo de quase 400 páginas é fácil perdermo-nos no universo da Marvel e pensar porque raio é que deixámos de seguir a vida dos nossos heróis preferidos.
Não precisamos de mais heróis.Texto — Hugo Filipe Lopes
The Marvel Age of Comics 1961–1978Roy Thomas Hardcover, 396 páginas€39.99
10 Capa Dura
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Portugal a andar de motaTexto — João Moura
Se as Vespas apaixonaram e fizeram viajar o ima-ginário e o charme italiano ao longo de gerações e de estradas pela nossa Europa fora, desde o seu surgimento até aos nossos dias, as Casal Boss, as SIS Sachs Andorinha, as Confersil Dina 104, as Macal, as Famel, as Zundapp GT25, as Vilar, as V5 ou até as Cinal Pachancho não podem nem devem ocupam lugar menos romântico no imaginário coletivo português. É certo que de maneira mais tosca, mais bruta ou industrial e com uma unanimidade que foi acontecendo mais devagar, estes veículos aceleraram a sua produção nos anos 60 e 80 e assumiram-se como meio de transporte de excelência do sector operário, pela sua compatibilidade com os baixos salários praticados na altura. O interior de Portugal e as portas de cafés centrais e tascas eram nos anos 80 e 90 os parques naturais onde se podiam avistar estas relíquias, obras e engenhos portugueses. Nos anos 90 eram já conduzidas maioritariamente por sexagenários, cumprindo religiosamente inúmeros
trajectos casa-café-casa de forma digna e compe-tente. Até que seguiram a Estrada Nacional do Saudosismo até à Autoestrada do Kitsch e começa-ram a fazer-se notar aqui e ali no meio das cidades. A fauna das motocicletas portuguesas começou então a ouvir-se em roncos estridentes e outrora apenas escutados na província e hoje a procura destas motos, seja para adaptar e transformar, seja para se passearem ainda como vieram ao mundo às mãos daqueles cujo fanatismo não vem mascarado de moda, ainda acontece com fervor.
A exposição “Motos de Portugal” sucede a “Discos Orfeu — Imagens, Palavras, Sons” na progra-mação da Casa do Design de Matosinhos, entidade que pretende preservar a memória da indústria por-tuguesa. “É uma espécie de tubo de ensaio que per-mite ver como evoluiu a indústria nacional, os erros e as coisas boas que foram feitas”. Palavras do cura-dor Emanuel Barbosa, designer e docente da Escola Superior de Artes e Design de Matosinhos que, num
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Motos de Portugal Casa do Design de Matosinhos Até 27 de janeiro
hercúleo trabalho de investigação, reuniu e apresen-ta um vasto espólio documental, algum dele inédito, incluindo catálogos, cartazes, vídeos e fotografias de época. Mais do que a produção mecânica e industrial deste certame, “Motos de Portugal” paraleliza ainda a evolução da sociedade portuguesa e do design de produto desde o surgimento das primeiras máquinas de duas rodas até aos dias de hoje.
A exposição é resultado do esforço levado a cabo pela Casa do Design de Matosinhos em parceria com a Câmara Municipal e com a ESAD IDEIA, com vista a promover e trazer até aquela cidade o nervo e o cérebro criativo nacional e internacional, culmi-nando com a candidatura de Matosinhos à Rede de Cidades Criativas da UNESCO. E o facto de tudo isto acontecer em Matosinhos, fora das metrópoles, das tendências, da moda e dos egos, só ajuda a encerrar e a legitimar toda esta ideia de forma mais gloriosa.
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Denim ‘forever young’Texto — Rita Castro
A Pepe Jeans London volta a apostar, para a estação Outono/Inverno, no seu produto-es-trela, os jeans.
Numa coisa todos concordamos: o me-lhor denim é, sem dúvida, aquele que não só sobrevive ao teste do tempo como até se torna melhor, mais confortável e bonito. Na verdade, para a maior parte de nós o denim é um investimento — não se torna apenas parte do guarda-roupa, mas também parte de nós.Tudo isto deu um motivo à Pepe Jeans London para criar o acabamento Dry Cult aplicada à sua colecção masculina, cuja
lavagem índigo é à prova de desgaste e mantém, por mais tempo, o efeito original da ganga acabada de comprar. Mais: os novos modelos contam com propriedades antibac-terianas, o que as torna mais resistentes a odores e portanto não precisam de ir à má-quina tantas vezes. Ainda assim, quando é hora da lavagem, como tem a medida certa de elasticidade, a probabilidade de encolher é muito baixa.
E, apesar de ter um aspecto duro, o Dry Cult é confortável e bastante elástico ao toque. É, sem dúvida, o melhor de dois mundos.
Jeans de Sonho“Exibe orgulhosamente as tuas curvas” é o lema impresso na nova tecnologia jeans-fit da Pepe Jeans London aplicado a calças de ganga para mulher. Resultado da combinação das tec-nologias push-up e re-shape, os jeans In Your Dreams adaptam-se ao corpo, para dar prota-gonismo às curvas e realçar a figura feminina.
O nível de elasticidade adequado e as características re-shape traduzem-se em pe-ças à prova dos habituais franzidos e pregas, que surgem habitualmente com o desgaste do denim. O nome não engana: são os jeans com que sempre sonhámos.
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Regresso ao futuro com o cobertor de papa
Texto — Tiago Loureiro
Até meados do século passado, era raro o lar beirão que não era aquecido com um cobertor de papa. Hoje, é um artigo em extinção. Após o último te-celão encerrar portas, a Escola de Artes e Ofícios de Maçaínhas, na Guarda, decidiu revitalizar este produto. O cobertor é uma peça feita de feltro de lã churra cardada e o seu fabrico é inteiramente artesanal. Aos poucos, os designers portugueses estão a redescobri-lo. Em 2013, na plataforma labora-torial do Portugal Fashion, Estelita Mendonça destacou-se com o uso deste material em abrigos masculinos. Voltou ao cobertor para criar as propostas que levou ao showcase Fashion Utopias, na London Collections Men, cuja organização lhe atribuiu uma menção honrosa. Foi visitado por milhares de buyers e jornalistas internacionais.
O universo romântico e lúdico de Alexandra Moura acalentou a escolha deste produto transmontano para o Inverno de 2016. Da autarquia da Guarda partiu o convite para a parceria, recebido com entusiasmo: “Já co-nhecia os cobertores, sempre os adorei pela sua simplicidade e funcionalida-de. A textura, a forma de trabalhar a lã, do animal ao tecer, eram processos e características que eu adorava”, recorda a designer em entrevista à DIF. Alexandra Moura conferiu-lhe silhuetas inesperadas que testam os limites do género e o luxo decadente, numa abordagem que oferece a um artigo do lar uma nova dimensão, a da Moda.
A mais recente releitura do cobertor coube a Filipe Faísca, que já o havia usado na colecção Portugal, Portugal, em 2007. Na última edição da ModaLisboa (Outono/Inverno), voltou a mostrar abrigos com o mesmo material têxtil. Sobre a recepção das peças, Alexandra é assertiva: “A maioria do público nacional já conhecia o cobertor de papa, quanto mais não fosse pelos pais ou avós. O [público] internacional passou a conhecer, e aqui foi missão mais que cumprida. Foram peças que saíram em press de uma forma incrível.” Para Filipe Faísca, as reacções foram mais polarizadas: “O pri-meiro feedback é visual, acham imensa graça, sobretudo nas redes sociais. Quando tocam, o público mais jovem adora, mas as clientes habituais não estão dispostas a usar. Gera curiosidade, precisamente, porque tanto repele como atrai.” Quando questionados sobre o papel do design na recuperação destes produtos, a resposta não se faz rogada. Diz-nos Alexandra que “tem a importância de o modernizar e revitalizar, de lhe dar novas linguagens e utilidades”. Já Faísca sublinha o valor do gesto: “isto não acabou num casaco de papa. Acaba no gesto de andar à procura do que é o artesanato português e repescá-lo nas nossas colecções, é assim que se passa no resto dos países.”
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Esqueçam aqueles jogos de grupo que só funcionam quanto todos estão perdidos de bê-bedos. Os dias das charadas já acabaram há muito e ao pé de “Secret Hitler” não só o jogo do Risco vai parecer uma estratégia dese-nhada pelo batalhão dos gordos do Paintball como o Twister vai perder toda e qualquer possibilidade de provocar excitação sexual ao roçar no corpo mais próximo.
Chegou a hora de abrir as comportas ao vosso desejo oculto de poder: fi nalmente há uma maneira de cada um de nós libertar o seu Hitler secreto à vista de toda a gente, sem so-frer nenhum tipo de discriminação. Muito pelo contrário, desde que o “Secret Hitler”, o novo jogo do criador de “Cards Against Humanity”, foi editado podemos esperar aplausos por ser o melhor e mais secreto Hitler que for inuma-namente possível. As más notícias são que o nosso Führer interior vai ter de enfrentar os
liberais e que os liberais são a maioria. Mais grave ainda, por muito que despreze os libe-rais, terá de trabalhar em conjunto com o seu presidente e entrar em duelos legais a fi m de tentar aprovar decretos totalitários e reter as leis dos freaks da esquerda. Não se sabe nesta altura se a coisa pode chegar a vias-de-facto e passar da discussão para o confronto épico entre duas facções como tem acontecido mun-do fora. Mas pelo menos de início estaremos seguros, pois tal como na política de verdade, todos começarão de olhos fechados. Do mes-mo modo, só os traidores se saberão identifi car uns aos outros, a ideia é que nenhum jogador seja descoberto como fascista e menos ainda se for ele o Hitler Secreto. Pronto, isto quer di-zer que além de alimentar o nacional-socialista das nossas entranhas, também vamos abrir um buffet de mania-da-perseguição em que cada jogador fará tudo para não ser descoberto, e
não é paranóia se andam mesmo atrás de ti, dizia Joseph Heller, autor de Catch 22.
Para terminar em grande e não perder a actualidade, saiu recentemente um pacote de “Secret Hitler” alusivo ao executivo de Donald Trump, em que algumas das cartas são referentes aos seus colaboradores. O que faz sentido, pois nas FAQs do site do jogo a sugestão para quem achar que com os nazis não se brinca, é de remeter uma queixa para a Casa Branca.
Provavelmente alguns de nós somos capazes de fi car demasiado embrenhados no papel pois nas eternas palavras do historia-dor Lord Acton “O poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente, de modo que os grandes homens são quase sempre homens maus.” Portanto, a pergunta que se impõe é: Estão preparados para ser mesmo mesmo muito beras?
Que vença o piorTexto — Hugo Filipe Lopes
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F L Y L O N D O N N A S E S T R E L A S
A FLY London apresenta, neste Outono/Inverno de 2017, as suas
primeiras botas de assinatura, desenhadas pela artista plástica Cristina Rodrigues. Em quatro cores (azul, camel, castanho e
preto), “Interstellar” destacam-se pelas fitas de cetim no lugar dos
tradicionais atacadores, um detalhe diferenciador que prossegue o
legado estético da marca nacional, marcado pela ousadia.
S U P R A C O O L
Os Scissor da SUPRA são o resul-tado da síntese entre os runners contemporâneos e o calçado de
skate, juntando as melhores carac-terísticas de ambos os universos.
O modelo foi concebido com mate-riais respiráveis e a sola composta
por um material extra-suave, o SUPRAFOAM.
F I L M E S I L U S T R A D O S
O formato não é propriamente novo mas os 101 filmes escolhidos por Ricardo Cavolo resultaram num livro bastante original. O registo é muito pessoal, na forma de diário e
vem recheado das famosas ilustrações do criativo espanhol. Somos convidados a passear pelo universo cinematográfico desde Tudo Bons Rapazes ao The Goonies, Harry Potter ou Apocalipse Now. As escolhas são fundamentadas pela importância que tiveram na vida de
Cavolo bem como na sua geração. nobrow.net/shop
N O I T E S B R I L H A N T E S
O novo-clássico Black Opium da Yves Saint Laurent assume
uma nova interpretação e um packaging de edição limitada. Enquanto a
fórmula de café preto rico, feijão de baunilha e flores brancas per-
manece a mesma, o perfume Black Opium Pure
Illusion ves-te-se para a noite da forma
mais brilhante e sofis-ticada. Para coleciona-
doras e verdadeiras fãs.
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C O M O É O T E U T R U C K E R ?
A Levi’s está a celebrar os 50 anos do blusão de ganga 70505. Por outras palavras, o icónico Trucker Jacket Type III,
usado por rock stars, camionistas e rebeldes anda a fazer a festa um pouco por todo o mundo. Rodeou-se dos nomes
mais conhecidos da cultura pop e das mentes mais criativas do panorama internacional e convidou-os a criar e customi-zar o seu Trucker. Na imagem, a versão da designer chinesa
de menswear Feng Chen Wang. #LiveinLevis
F L O R E S S E L V A G E N S
A coleção Designer’s Closet da Billabong para esta esta-ção é uma ode às musas de outros tempos. Uma coleção
cápsula com casacos, malhas, blusas e macacões que elevam o espírito do rock and roll com tecidos premium, cortes que se moldam ao corpo e texturas inesperadas.
Diretamente da Designer´s Closet para o teu closet, esta linha da Billabong é simultaneamente romântica e
rebelde. fb.com/BillabongPortugal
B E A U T Y K A T
De tatuadora a pop star, Kat Von D é também um ícone de beleza não convencional e um exemplo de determinação. Agora lançou, em exclusivo nas lojas Sephora, uma coleção de maquilhagem completa para os olhos, pele e lábios com produtos de longa
duração, pigmentos intensos ou uma cobertura total. Kat Von D Beauty é uma marca audaz que rompe com a tradição até nas suas embalagens únicas dese-
nhadas pela própria.
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B A R B A S C U I D A D A S
Sempre atenta às necessidades masculinas, a marca de cosméticos JOHNNIE BLACK lançou
um Beard Oil que deixará os fios da barba macios, maleáveis e com um brilho natural. Indicado para
todos os tipos de barba, este óleo proporciona a higienização e hidratação não só da barba como
da pele do rosto deixando-os livres de oleosidade enquanto previne borbulhas e irritabilidade.
A garantia é de um rosto limpo, saudável e leve-mente perfumado.
E X P L O R A D O R E S U R B A N O S
A Palladium continua as celebrações dos seus 70 anos com o lançamento da nova coleção para este Outono-Inverno. Depois do regresso às origens — Lyon, França —, a Palladium abraça o seu passado para desenhar o futuro.
Os novos Pallasider (na imagem) são uma bota masculina inspirada nas montanhas e pensada para os habitantes das cidades. Numa fusão de mate-riais e cores contrastantes, Pallasider é apresentado com gáspeas em pele e
painéis de nylon balístico em tons outonais.
V E S P A T E C H
A mais poderosa e tecnológica Vespa de sempre acaba de nascer, a VESPA GTS 6 GIORNI. Esta edição limitada e numerada, já disponível em Portugal, caracteriza-se pelo potente corpo totalmente em aço e pelo moderno motor 300 Euro 4, refrigeração líquida e injecção elec-trónica. Está dotada de uma porta USB, luzes da frente
em LED (que atuam como luzes diurnas), sistema de travagem anti bloqueio e ABS, características que a
tornam um exemplo ao nível de conforto e segurança. Rápida na aceleração e com um design desportivo, a
nova Vespa renasce da inconfundível natureza clássica da marca italiana.
22 Kukies
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C A S A C O S E L E M E N T ( A R E S )
A inspiração e nome da colecção Wolfeboro da Element remetem-nos à cidade homónima situada em New Hampshire (EUA), onde o fundador da marca de
skate, Johnny Schillereff, possui as suas raízes familiares. Ao longo da sua infância, Schillereff mudou-se inúmeras vezes mas a cabana de montanha do avô junto ao lago foi o único lugar a que nunca deixou de chamar lar. Esta colecção de casacos e abrigos é composta por uma série de peças adequadas a todo o tipo de situações climatéricas.
As silhuetas clássicas foram actualizadas com um design detalhado, cortes slim e fabri-co robusto, tendo como estrela a tecnologia Authentec que nas suas várias camadas
oferece respirabilidade, resistência ao vento e revestimento exterior isolante à prova de água. Um investimento para a vida.
R E T R O D E S P O R T I V O
No final dos anos 70 surgiu um novo tipo de sportswear: os tecidos coloridos e
fibras artificiais mudaram para sempre a forma como essas peças são percepciona-das. A colecção Sports Authentic da Fred Perry reinventa as peças originais desta época tão peculiar. Exemplo são as cami-solas vintage de ciclismo em que o nome da marca é bordado, de forma orgulhosa,
no peito das t-shirts e nas costas dos casacos de fato-de-treino.
C A F É B R U T A L I S T A
Os designers da norueguesa Montaag quiseram transformar o ritual do café
num momento que é tudo menos banal. A máquina AnZa promete ser tema de conversa seja em casa ou no escritório. Foram necessários 4 anos de testes e protótipos para chegar ao que parece
um simples quadrado de cimento, mas que está recheado de tecnologia,
incluindo um programador para que o café esteja pronto mal ponhas o pé fora
da cama.
Kukies 23
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Semear o American DreamTexto — Nuno Miguel Dias
São já poucas as vezes que nos lembramos de “Arizona Dream”. É pena. Porque Depp é sempre Depp. Porque Vincent Gallo é ele próprio (inesque-cível, aquele O Mais Estranho Casting de Sempre). Porque Faye Dunaway é a eterna Linda-a-Velha. E porque o subconsciente de Emir Kusturica apaixona qualquer cinéfilo aspirante a psicanalista. E vice-ver-sa. No auge do conflito que fendia a sua Serajevo, o jugoslavo substituiu o bando de gansos domésticos, transversais a toda a obra e simbolizando sabe-se lá o quê, por um stand de Cadillacs, propriedade do seu tio (o saudoso Jerry Lewis), empoeirados, decrépitos, por onde apenas passam, à western, as tumbleweeds, como se não fosse preciso mais nada para figurar A Morte do Sonho Americano. Para o Mundo, porque para os norte-americanos também, o seccionamento da Route 66 em centenas de Highway this e Interstate that, foi o desmembramento de uma identidade.
Jazem algumas porções, amputadas de um East-West cheio de cotos mal cicatrizados, ladeadas por diners caducos e gas stations abandonadas. Tétrico? Não. Porque de que vale ter uma Mother Road se esta já não pode “contracenar” com os Cadillac Sedan dos 60’s, com “barbatana traseira” (tailfin) bright cardi-nal red?
De tudo o acima imbuíram-se Chip Lord, Hudson Marquez e Doug Michaels, do colectivo de artistas Ant Farm, sediado em São Francisco, quando ergueram Cadillac Ranch, em Amarillo, no Texas. Decorria o ano de 1974 e já ninguém acreditava no American Way of Life, aquela de cujo grande símbolo eram os Cadillac descapotáveis, a obrigar ao uso de lenços de seda envolvendo os cabelos de Marylin Monroe e Audrey Hepburn. Essa linha de dez cad-dies, “plantados” num terreno de pastagem de gado bovino, foi patrocinada por Stanley Marsh 3 (como
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o próprio assinava, por desconhecimento, o epíteto “Stanley Marsh The Third”), um empresário multimilionário texano excên-trico. Que justificava a obra de forma ora mirabolante, chegando a declarar que Evil Knievel queria saltar sobre dez caddies, ora objectiva, imodéstia aparte: “É a escultura mais deslumbrante do Século XX”. Já a tripla de criadores Lord, Marquez e Michaels não se poupou a razões para justificar a sua homenagem aos incontornáveis fiftees, a era dourada de um país, quando a Route 66, que levava à Califórnia, essa Meca, tinha sonhos dentro. Cadillac Ranch é uma linha recta de dez ícones norte-americanos traçada em direcção ao lendário Oeste, visíveis da I-40 (nome actual do troço da Route 66 que passa por Amarillo), plantados em solo texano com uma inclinação idêntica às pirâmides de Gizé. Os modelos correspondem ao período em que a tailfin era imagem de marca (o Club Coupé de 1948 inaugurou a opção de design, que só terminou com o Sedan de 1963). Mas essa barbatana e o próprio Cadillac, símbolo maior de qualidade, de es-tatuto do proprietário e do próprio american dream, também representa os fiftees de uma perspectiva cultural: o boom norte-ameri-cano dá-se no pós-guerra de 1948 e cai por terra a 22 de Novembro de 1963, juntamente com um Kennedy assassinado. Hoje, Cadillac Ranch é aquilo que sempre se propôs ser: Um testemunho. Um sinal dos tempos é o facto de cada exemplar estar coberto de graffiti. Os inúmeros visitantes deixam a sua marca e levam cromados, para recordação. Há quem diga que é um dos lugares mais poliglotas dos EUA, tal a taxa de visitas. Diz-se, também, que o cheiro a tinta de spray se sente, durante todo o dia, a quilómetros. Não é assim com todos os lugares tão insóli-tos como formidáveis?
Retroculture 25
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Lavoisier. É nosso.Texto — Nuno Miguel Dias
A par da lufa-lufa em que nos vemos diariamente, seja em Lisboa ou Berlim, há a música. No carro, em casa, no trabalho (os providenciais headphones a “mascarar” as enfadonhas conversas dos colegas ao lado e, felizmente sazonais, os insí-pidos relatos de férias no Algarve com direito a PowerPoint — Comic Sans — no monitor, o costume), ou numa saída à noite com os amigos, a música salva. Resgata-nos. É o Chuck Norris quotidiano, mas com calças não tão apertadas.
Entre a tal Berlim e Lisboa (Odivelas), estão Patrícia Relvas e Roberto Afonso. Os Lavoisier. Regressaram da capital alemã, contrariando o sentido do fluxo migratório, com algumas certezas. Como se a distância das nossas raízes não só aclarasse as ideias como ampliasse os sentidos. Nesse percurso, que felizmente os trouxe de volta (sim, já sabemos, o mundo agora é global, mas permitam-nos ser um pouco possessivos), passaram pela ESAD das Caldas da Rainha, reconhecida escola de artes. Em cada uma das áreas estudadas, optaram pelo Caminho Lavoisier (The Lavoisier Way, dava um filme supimpa), o tal químico francês que, no seu Tratado Elementar de Química, explicou que nomear ou classificar as substâncias não era o mais importante, acabando por descobrir o oxigénio. Quer isto dizer que, depois do Projecto 665, um disco onde as reinterpretações da música popular portuguesa não deixavam lugar a dúvidas quanto à abordagem (Maria Faia, Senhora do Almortão, A Machadinha), surge “É TEU”, onde os rótulos não têm cabi-mento. Mas tem tudo o resto. Que é a música, ela, a própria, toda. Durante as gravações deste novo disco (lançado no passado dia 29 de Setembro, na véspera do memorável con-certo no Paradise Garage, no âmbito do Festival Silêncio), o incontornável José Fortes, produtor do mesmo, terá dito “Vocês têm de se ouvir, não desistam”, e o resultado é um álbum completamente fora da caixa. Tropicalismo, dizem.
Quando no final dos anos 60, nomes como Caetano, Gilberto Gil, Tom Zé e Os Trabalhistas deram origem à Tropicália, a intenção não era criar um perene e sólido corpo
26 Música
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da MPB, que perdura até hoje. Em Portugal, onde tal não aconteceu, chegámos a um Séc. XXI com a triste constante: o que é de raiz tradicional acarreta algum tipo de precon-ceito. E afinal, era tão simples: o tropicalismo visava apenas permear a música anglo-saxónica na estrita medida de poder fundi-la com as raízes brasileiras. Foi um “repeteco” do que havia acontecido na década de 20, quando Oswald de Andrade escreveu o seu Manifesto Antropofágico (na literatura, aceitar as culturas norte-americana e europeia se também incluísse a dos ameríndios, dos afrodescendentes, dos eurodescendentes). É nesta premissa que navega, livre, tão livre quanto a criatividade, o disco “É TEU”. É a foz onde desaguam quatro anos de criação musical, por vezes reto-mando o “orgulho nacional”, como em Giacometti (Povo que Canta), que caracterizou a “fase Berlim”, outras abordando o minimalismo melódico que evolui, progressista, para uma composição distinta dentro do próprio tema. Ternários que viram binários de uma forma tão surpreendente como será sempre um concerto dos Lavoisier. É que também aí reside a liberdade criativa. Cada espectáculo sofre alterações em rela-ção ao anterior. Nada é constante. Pensar que estes meninos, tão na vanguarda e despudor musical, foram recusados por alguns agentes com o retrogradíssimo argumento: “Aich, vocês são um casal, isso não é vendável”. Ah, já referimos que os Lavoisier são um casal?
“É TEU”, dizem eles. É nosso. É de quem tiver o ouvido afinado e sedento de novas sonoridades. Ou velhas feitas novís-simas. Ou nada do atrás. E tudo o que possa vir a partir daí.
whoislavoisier.com
Música 27
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SHOW AND TELLTexto — Marta González
Para fazer este artigo, obrigámo-nos ao visionamento de milhões de selfies egocêntricas, hastags duvidosas e muita frivolidade. Vasculhámos incessantemente até encontrar quatro jovens fotógra-fos portugueses que vale mesmo a pena seguir e a quem oferecemos os nossos mais sentidos likes. Cada um escolheu quatro fotografias que dizem muito sobre si e sobre a forma como vêem o mundo e, desta vez, explicaram o que por lá se passa.
T O M Á S M O N T E I R O
Quem é o Tomás Monteiro?A pessoa que saltou esta pergunta ao início, que preferiu responder às outras, deixar a mais difícil para responder em último lugar e com isso arranjar maneira de não ter de expor uma possível falsa ideia de si próprio.
As tuas imagens preferidas e as que têm mais likes cos-tumam coincidir? Há um tipo de imagens que os teus seguidores preferem? Isso influencia o que publicas e/ou o teu trabalho?Estamos numa fase em que a presença humana (seja de que modo for) predomina no Instagram. Feliz coincidência isso ir ao encontro de um dos géneros de fotografia que mais gosto, o retrato. Logo, sei de antemão que uma fotografia sem presença humana evidente poderá suscitar menos aten-ção. Nem tudo o que fotografo é feito para as outras pessoas verem. Ao fotografar preocupo-me primeiramente com a minha intenção e com a pessoa retratada. Se depois vir perti-nência em publicar alguma foto faço-o, senão fica ‘para nós’.
Muitas das tuas imagens são de pessoas conhecidas ou de modelos, já muito fotografados. O que procuras fazer de original? O que procuras retratar?Nunca me preocupei em fazer algo de diferente ao fotografar alguém conhecido. Tanto os modelos como as celebridades são inevitavelmente muito fotografados, muitas vezes com grandes produções que, por muito que elevem o estatuto criativo de uma fotografia, podem ofuscar a pessoa em questão. Como até agora sempre me interessei mais pelas pessoas em si nunca me condicionei ao que elas representam publicamente e tentei vê-las sem essa camada invisível que se cria à volta delas — muitas vezes errada.
@monteirotomas
Raquel Strada a caminho dos Globos de Ouro“A Raquel saiu do hotel num vestido verde, cor do clube oposto ao de que é adepta e que ganhou [um jogo] nesse dia. À porta do hotel um adepto fervoroso quase se atirou para cima dela enquanto gritava para que tirasse aquele vestido. O resto é a foto.”
28 Fotografia
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A manhã dos meus 22“Esta fotografia foi tirada na manhã em que fiz 22 anos. Incluo-a porque cada vez mais entendo que sabemos o valor de certas alturas da nossa vida quando estas já passaram. Sem arrependimentos alguns, hoje vejo com clareza que às vezes fui mais feliz do que estava ciente na altura.”
Kit Harington à porta do teatro Duke of York “Provavelmente a foto que tirei sobre a qual as pessoas mais me falam. A verdade é que para o conseguir fo-tografar (pouco mais de quatro ou cinco fotos tiradas) tive de recusar-lhe tirar uma selfie comigo — porque ele pensava que era para isso que eu ali estava. Quando se inteirou riu-se.”
Davidson “O vencedor da edição de 2017 do concurso Elite Model Look, considerado o maior e de mais renome do mundo a encontrar novos modelos. Seguramente o trabalho mais exigente, intenso e recompensador do qual tive a oportunidade de fazer parte até agora.”
Fotografia 29
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D I O G O A N D R A D E
Quem é o Diogo Andrade?Licenciado em Design da Comunicação, o Diogo Andrade é um rapaz de 32 anos, de Sintra, residente em Milão desde 2011. Em Portugal era técnico de som ao vivo. Divide a sua vida entre a fotografia (food photography, eventos e projec-tos documentais) e o recente amor pelo gelado artesanal, o que o torna possivelmente num dos poucos, senão no único, fotógrafo-gelateiro do mundo.
As tuas imagens preferidas e as que têm mais likes costu-mam coincidir? Há um tipo de imagens que os teus segui-dores preferem? Isso influencia o que publicas?Normalmente coincidem. Noto, no entanto, que a genera-lidade dos seguidores prefere as fotografias nas quais puxo mais pelo lado da estética e menos pelo lado da documenta-ção mais crua. Tento conciliar as duas vertentes. Ao fim e ao cabo, o sentido da fotografia materializa-se no instante em que esta pode ser apreciada pelos outros.
“Três carrinhas de publicidade exterior, que em Itália se chamam carrinhas-vela. As estradas estão repletas delas, em movimento ou estacionadas à balda, numa berma qualquer. Chamaram-me a atenção por estarem estacionadas “em formação” e por estarem totalmente em branco, ou seja, desprovidas daquele que é o seu atributo e função principais — comunicar algo.”
“Fiz esta fotografia à frente de um stand de automóveis abandonado. Chamou-me à atenção a árvore, totalmente nua, a reforçar o ambiente desolado. Gosto especialmente do detalhe dos candeeiros no tecto do stand.”
30 Fotografia
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Pareces especialmente interessado em espaços vazios, pouco apelativos, baldios, edifícios feios. O que te impele? O que queres mostrar?Gosto de procurar a beleza na banalidade. Fascinam-me as áreas industriais, as periferias, as áreas de conflito e inter-secção entre a natureza e a intervenção humana. A paisagem social e cultural que observo nestas áreas é, para mim, muito mais elucidativa sobre o que a espécie humana tem andado a fazer ao/no Mundo do que nas cidades ou nos parques na-turais, onde cada coisa é harmoniosa (no caso da natureza) ou projectada e concebida para ser funcional ou agradável à vista (no caso das cidades). Nas zonas de fronteira, nos subúrbios, nos parques industriais, há uma espécie de caos, de aleatoriedade que me fascina e que me permite reflectir acerca do que temos andado a fazer, enquanto espécie, ao mundo no qual vivemos.
@diogoandrad3
“Um velho Alfa Romeo abandonado, no parque de estacionamento de uma estrutura desportiva municipal. Este quadro chamou-me a atenção, seja pela coinci-dência cromática do pavilhão com o plástico que cobre o carro, seja pela ironia da escrita Freedom, em total contraste com o carro, que naquele estado não é livre de ir a lado nenhum.”
“Esta fotografia foi feita nas traseiras de uma loja de de-coração. O edifício, com a sua grelha metálica, cria um padrão quase hipnotizante, quase ao estilo Op Art, que é uma das influências da minha fotografia. A cereja no topo do bolo é a repetição dos ferros delimitadores do espaço de estacionamento, interrompida pelo sinal de proibição e pela boca de incêndio.”
Fotografia 31
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D A N I E L A K M O N T E I R O
Quem é a Daniela K Monteiro?Sou uma jovem artista e estudante de cinema e, recente-mente, tenho a oportunidade de trabalhar com alguns meus artistas favoritos através do meu amor pela fotografia.
Fazes fotografias só para o Instagram ou apenas publicas imagens que fazem parte do teu trabalho?Apenas publico imagens que fazem parte do meu trabalho de que realmente goste, independentemente dos projectos nos quais esteja envolvida. Utilizo a aplicação como uma montra daquilo que é o meu pequeno mundo.
“Esta foi tirada depois do primeiro concerto do Post Malone na Europa em 2015. Entrei no backstage, posicionei um candeeiro partido que lá estava, pedi uma pose e consegui esta foto que até hoje é das minhas favoritas. Foi o primeiro retrato que tirei.”
“Omo Frenchie é um artista de Afrobeat cada vez mais reconhecido e adorado no meio, original do Congo que cresceu e vive em Londres. Esta foto foi tirada no telhado de um prédio em Peckham enquanto dançava e me mostrava a música dele.”
32 Fotografia
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“Das experiências mais importantes foi trabalhar com o Drake. Fomos responsáveis [a Daniela trabalha para plataforma Nation Of Billions] pela sua entrevista exclu-siva antes do lançamento do More Life, o que me deu a oportunidade de captar esta fotografia. Não acho que seja das minhas melhores de todo, mas a forma como a fotografia foi utilizada na internet por milhares de sites fez-me aperceber a importância do meu trabalho.”
“Uma das minhas colegas de casa, a Daria Shipa, é modelo e sempre brincamos com o facto de apesar de vivermos juntas nunca termos trabalhado nalguma coisa, até ao dia em que passámos horas no quarto a tirar fotografias uma da outra.”
As tuas imagens preferidas e as que têm mais likes costu-mam coincidir? As minhas fotografias favoritas não coincidem de todo com as que têm mais likes — as minhas fotografias mais popula-res são as que envolvem a cultura popular actual, exemplo do Drake, Jaden Smith, Tyler The Creator. As pessoas ficam mais surpreendidas pelos retratados do que pela fotografia em si. No entanto, as minhas favoritas são as que tiro em registos mais pessoais, maioritariamente em película fotográfica.
Também tens fotografias de moda. É outra paixão?Sim! O primeiro trabalho que encontrei quando me mudei para Londres foi na London Fashion Week, onde ganhei conhecimento e um gosto especial pela moda. Hoje em dia sou grande fã de trabalhar com modelos em colaboração com marcas.
@danikm
Fotografia 33
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M A R I A N A R O C H A
Quem é a Mariana Rocha? A Mariana Rocha é uma mulher de 23 anos, nascida no Porto. Aos 13 anos, descobriu a fotografia e aos 15 decidiu começar a estudá-la. Sempre com muitas coisas na cabeça e poucas na prática. Sempre preocupada. As personagens que vêem nas minhas fotografias poderão ser as várias facetas que nela habitam.
Fazes fotografias só para o Instagram ou apenas publicas imagens que fazem parte do teu trabalho?Apenas publico imagens que fazem parte do meu trabalho. 99.9% do meu trabalho é feito em analógico em vários formatos fotográficos e uso o Instagram como uma galeria aleatória para mostrar o meu trabalho.
As tuas imagens preferidas e as que têm mais likes costu-mam coincidir? Há um tipo de imagens que os teus segui-dores preferem? Nem por isso. Normalmente as imagens que mostram mais pele são aquelas que têm mais likes e penso que é isso que a maioria dos seguidores e utilizadores do IG prefere. Isso não influencia de todo o que publico. Muitas das vezes as imagens que publico estão ligadas ao meu dia ou então é uma publicação completamente aleatória. Ultimamente ando mais preocupada em ter uma galeria organizada do que ser uma mescla do meu trabalho. Combinando temas, cores, sensações ou elementos que aparecem na imagem.
@mariana.procha
“Esta fotografia faz parte de uma série relacionada com os meus laços familiares. Estou deitada com um robe que era da minha avó, semelhante até na cor ao que a minha mãe usou quando me deu à luz. Estou deitada na cama da minha mãe com lençóis cor-de-rosa que eram da minha bisavó. Várias gerações de mulheres da mesma família ali comigo.”
“Em 2014 viajei para Paris. No último dia, enquanto esperava no lobby do hotel para fazer o check-out, roubaram-me a carteira de mão, com todos os meus documentos, várias câmaras fotográficas, um fotómetro e uns artigos pessoais. Na esquadra, onde fiz a queixa, a polícia apelidou-me de Chat Noir (Gato Preto) por ser uma mulher de azares e por estar sempre vestida de preto. Uns meses depois e com as imagens e objectos que trazia na mala de porão publiquei a minha primeira zine, Chat Noir.”
34 Fotografia
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“Natureza morta de duas partes (perfeitamente cortadas) da mesma melancia, sem o coração. Uma parte foi esmagada no chão. Depois a minha cadela comeu-a toda.”
“Sinto que toda a água salgada dos oceanos são as minhas lágrimas. Que toda a força das correntes é também a minha. O efeito bipolar das marés representa os meus humores. As ondas são a minha família. E a parte mais profunda da terra tem o meu nome. Para aqueles que me conhecem bem, sabemos que eu sou o mar.”
Fotografia 35
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Fotograf ia António Medeiros
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JOÃO
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FRANCISCO
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T-shir t Levi ’s
Ténis Merrel l
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Vamos Contar do GaloTexto — Nuno Miguel Dias
Dizem (ainda por cima a imprensa especializada), que Tiago Galo vê o extraordinário no ordinário. Nós achamos que isso não é coisa que se diga. Porque o que o ex-arquitecto vê, na verdade, é o extraordinário que pauta os nossos dias, mas sem o negrume que tolda a maioria. Porque faz aquilo de que gosta! E olha em frente. Tão avante que transpõe o olhar dos comuns mortais. É fácil identificar cada nota, tom, perspectiva, num desenho ou gif da sua safra. Definições da sua arte? O tag que o próprio lhe aplica: “Post-I-was-suposed-to-be-a-respectful-architect”. À sacramental interrogação
“Inspiraste-te em algum outro artista?”, responde-nos sem hesitações: “É apenas o resultado de muita experimentação. Experimentei durante muito tempo técnicas e linguagens gráficas. Foi uma espécie de ano sabático para saber se estava no caminho certo. É difícil no fim deste processo encontrar referências directas por ter experimentado tantas linguagens diferentes”, e nem ficou aborrecido com a pergunta, o que teria sido compreensí-vel. Um Homem que perde a cabeça por nada é-o. Ser um empreendedor não muito jovem é ser um peão num jogo de tabuleiro. A mulher que se admira, lobo, ao espelho. O homem que olha os peixes para lá da sua janela, com o título Global Warming. Nada é aquilo que parece. E o muito que existe para lá da plástica neo-serigráfica (“É das texturas de borrões de tinta e papel que utilizo. Acho que desta forma consigo uma boa relação entre o aspecto limpo e definido que os vectores proporcionam e a imperfeição”, refere), encantou a imprensa estrangeira. Como é que se consegue, apesar da inspiração ha-vida por cá, da mercearia de bairro à tão “tuga” Primeira Ida à Praia do Ano,
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Ilustração 49
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emprestar uma universalidade tão grande para que chovam colaborações para o The Hollywood Reporter, Flipboard, National Geographic Travel, Penguin Random House, Financial Times, Canadian Business Magazine e Condé Nast Traveler? O próprio explica: “Procuro criar um universo sólido e meio surrealista com as minhas ilustrações. Sentir que estas personagens podem viver no mesmo mundo é o objectivo de cada ilustração (sem des-curar briefings, claro). Ao mesmo tempo, e talvez por a maior parte do meu trabalho se destinar a publicações internacionais, procuro que a minha lin-guagem não se refira apenas a uma cidade ou a um local, mas que seja global. Mas, sim Lisboa pode ser também uma grande fonte de inspiração e quem sabe não surjam ilustrações mais lisboetas no futuro”. É o talento, pois! Se referirmos uma das colaborações em território nacional, teremos que a
“imagem” da Casa da Música é, em tantos momentos, inconfundível. Como é que tudo começou? É muito mais simples do que estão a pensar:
“Banda desenhada. Quando era adolescente era um ávido leitor de BD. Dos X-Men do Chris Claremont e do Jim Lee ao Ghost World do Daniel Clowes. Até começar a desenhar as minhas próprias BDs foi um pequeno salto e na altura o único meio para isso era publicar pequenos fanzines. Tudo parecia encaminhado por aí, até àquele momento fatídico da escolha de um curso e a arquitectura pareceu na altura ser um meio que talvez me permitisse ex-plorar várias coisas no campo artístico (à la Bauhaus). Não podia estar mais enganado. Ainda assim trabalhei uns bons anos em arquitectura, até que um pouco por acaso decidi concorrer ao prémio de BD da Amadora e ganhei. A partir daí decidi encarar isso como um qualquer sinal divino e decidi dedi-car-me à ilustração”, revela.
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50 Ilustração
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Se podia, hoje, estar a exercer arquitectura, profissão para a qual tem, afinal, qualificações? “Aborreci-me não com a arquitectura mas com o modo como se faz arquitectura em Portugal. Apesar de sempre ter conseguido trabalho em arquitectura (foram dez anos seguidos) existe na profissão uma grande exploração e falta de respeito pelos arquitectos, inclusive entre a própria classe. A maior parte dos meus colegas de curso que exerceram arquitectura deixaram de ser arquitectos e dedicaram-se a outras coisas. No meu caso foi mais fácil por sentir este apelo da ilustração. Mas continuo a gostar muito de arquitectura”, declara. Também nós temos uma declaração a fazer: Em relação à tua profissão, as coisas podem ficar como estão, Tiago.
Loosing my head over nothing
Ilustração 51
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Relógio Nixon
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O Miguel Afonso e o John Cassavetes cruzam a ponte sobre o Tejo.
— Eu percebo isso, Miguel — disse John Cassavetes.
Seguíamos pela faixa mais rápida da ponte 25 de Abril. O Golf branco descapotável de 1992 fazia com que inalássemos o fumo dos escapes e deixava que sentíssemos o calor do sol.
— Mas nunca vai melhorar — continuou. — O ruído, o remoinho… — A mão que seguia no manípulo das mudanças ergueu-se para desenhar círculos repetidos. — Isso é o que é a constante, a base da vida: esse atrito. Por isso é que temos de beber, de fumar, de nos amarmos e magoarmos uns aos outros. Por que é que havemos de cansar-nos a tentar viver na sanidade completa? Não vale a pena. As nossas ferramentas, como espécie, não nos permitem viver nessa perfeição. Isso é que é loucura, tentar viver sem defeitos, sofrer por causa disso.
— Vira aqui à direita.— Aqui, nesta?— Sim.— Ok. O que é que eu te estava a dizer?
Desculpa, achas que estou a falar demais? Mas se calhar eu estar a falar demais já é um bocado uma resposta ao teu problema. Tu sentes-te a enjoar no remoinho e no ruído e eu digo-te: Toma um com-primido para o enjoo, se tiver de ser, mas atira-te de cabeça. Se só vês o enjoo e deixas de sentir a excita-ção da velocidade, Miguel, isso é meia morte. Temos de baixar as expectativas e olhar para o mundo sem romantismos. É aí que começa. Um olhar frio, sem facilitar, sem simplificar, sem ideais falsos. E não é enganares-te a ti próprio e convenceres-te que a vida é um mar de rosas a 26ºC para tornares mais agradável a ideia de mergulhar. É o oposto. É ver o mar de lama e amor e prazer e dor, e mesmo assim teres força para te atirares com vontade, não como
quem não tem outra hipótese, mas como se fosse a tua primeira escolha. Isto é uma corda bamba de que só podemos cair para a tristeza ou para a morte. E é aí que temos de dançar, dançar com prazer, com entusiasmo; se for preciso, exagerar no entusiasmo, falar demais, errar. Alguém te disse que a vida era ordem, tranquilidade e felicidade?
Cassavetes ficou calado.— Não me vais responder? — disse-me, de súbi-
to, num tom irritado.— Pensei que era uma pergunta retórica.— E?— Não, ninguém me disse que a vida era ordem,
tranquilidade e felicidade.— E sabes porquê?— Porque…— Porque a vida não é nada disso — inter-
rompeu-me —, a vida é só uma coisa: o oposto de não-vida. E o que é que é não-vida?
— É o…— Eu não faço ideia do que seja, mas tenho a
certeza que não inclui fazer amor nem esperar na fila para pagar a Segurança Social!
Agora Cassavetes parecia alterado. Falava ainda mais alto do que antes, como se não se dirigisse a mim mas a si próprio.
— Por isso, há que festejar. Festejar tudo, até os dias cinzentos e apáticos! Até as dores mais lancinantes! Festejar até a velhice desgastar-te, até a morte dos teus amigos!
— John, estás bem? — cortei-o.Ele acalmou.— Esquece. É o que é. Que é que fazemos a
seguir?— Não íamos comer ameijoas?— Sim, mas e a seguir a isso? Apetecia-me fazer
um musical. O “Crime e Castigo” do Dostoievski em musical, por exemplo. O que é que achas?
Conversas FalsasTexto — Miguel Afonso
Ilustração — Tiago Franco dos Reis
58 Conto
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Ficha Técnica
Direcção Trevenen Morris-Grantham
EditoraMarta González
Design GráficoEva Gonçalves
www.unfinishedinventory.com
Colaboradores desta ediçãoAntónio Medeiros, Hugo Filipe Lopes, João Moura,
João Pedro Fonseca, Maria Rita, Miguel Afonso, Miguel Silva Veiga, Nuno Miguel Dias, Rafael Vieira,
Rita Castro, Sandra Alves, Sérgio Onze, Tiago Franco dos Reis, Tiago Loureiro,
Tom Perdigão.
Redacção e Departamento [email protected]
www.difmag.comfacebook www.fb.com/difmag.pt
PropriedadePublicards, Publicidade Lda.
DistribuiçãoPublicards
Registo ERC 125233 Número de Depósito Legal 185063/02 ISSN 1645-5444
Copyright Publicards, Publicidade Lda.
Tiragem média 10 000
Por decisão editorial, cada artigo nesta DIF foi mantido na sua ortografia original.
Índice
06 — DesignIndefinição concreta e definidaTexto Rafael Vieira
08 — Tendência Insectos com açúcarTexto Marta González
10 — Capa Dura Não precisamos de mais heróisTexto Hugo Filipe Lopes
12 — CulturaPortugal a andar de motaTexto João Moura
14 — ModaDenim ‘forever young’Texto Rita Castro
16 — ModaRegresso ao futuro com o cobertor de papa Texto Tiago Loureiro
18 — DesignQue vença o piorTexto Hugo Filipe Lopes
20 — Kukies
24 — RetrocultureSemear o American DreamTexto Nuno Miguel Dias
26 — MúsicaLavoisier. É nosso.Texto Nuno Miguel Dias
28 — FotografiaShow and TellTexto Marta González
36 — ModaPlaygroundFotografia António Medeiros Styling Sérgio Onze
44 — ArteAs (novas) Galerias como Expansão CulturalTexto João Pedro Fonseca
48 — IlustraçãoVamos Contar do GaloTexto Nuno Miguel Dias
52 — ModaVISUAL FLIRTFotografia Maria Rita Styling Miguel Silva Veiga
58 — Conto Conversas Falsas Texto Miguel Afonso Ilustração Tiago Franco dos Reis
“A DIS TÂNCIA ENTRE O PASSADO E O PRESENTE É A MESMA”
Nesta edição usamos o passado como alavanca para o futuro. Fomos ver as motas de fabrico nacional feitas no último século, agarrámos o volante de dez(!) Cadillacs, ouvimos os Lavoisier a lembrar-nos que tudo se transforma e nada se cria, os bonecos do Tiago Galo recordam-nos técnicas de impressão antigas, o editorial masculino teve como inspiração o Bronx do final dos anos 70 que a fotógrafa Martha Cooper imortalizou e no editorial feminino os acessórios são artesanato das Caldas da Rainha, emblemáticos falos com mais de 100 anos. Será que andamos todos obcecados pelo passado? O proeminente crítico Simon Reynolds no seu livro “Retromania: Pop Culture’s Addiction to its Own Past” estudou a produção musical das últimas décadas para chegar a uma teoria muito interessante: com o advento da internet, o passado é tão visitável como o presente. Basta ir ao Youtube para ter acesso ao maior arquivo que alguma vez esteve ao serviço da Humanidade. Bandas de hoje poderiam deixar-se influenciar por movimentos contemporâneos, como especifica o autor “buscar referências no grime da Inglaterra ou no funk carioca. Mas existe a mesma probabilidade destas bandas se basearem em música obscura dos anos 70 ou funk e blues pré-Segunda Guerra porque a distância entre o passado e o presente é a mesma.” Estimulante perspectiva. Esta ida ao passado não trava o futuro, não cheira a mofo, não é saudosista é, pela primeira vez na História, simplesmente possível.
Marta González
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