P hilippe C . Schm itter

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Philippe C.Schmitter "Reflexões sobre o conceito de Política" zyxwvutsrqponmlkjihgfedcb Fonte da Foto: www.eui.eu/ln,ages/SPS/Professors/PhilippeCSchmitter.jpg Em: Curso de Introdução à Ciência Política, Unidade I. 2ª ed. Brasília: Ed.UnB, 1984, p. 31-39. A edição desta obra está esgotada há muitos anos. Para viabilizar o seu uso com fins educacionais é que ele é disponibilizado aqui, em cópia no formato pdf PHILlPPE C.SCHMITIER gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA (Washington DC, 1936). Professor Emérito do Instituto Universitário Europeu, em Florença, Itália. Doutor (1968) pela Universidade da Califórnia, Berkeley (com a tese WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA Development and Interest Politics in Brazil: 1930-1965). Foi também professor das Universidades de Chicago e Stanford. Publicou diversos livros e artigos no campo de política comparada, sobre integração regional, processos de transição democrática, intermediação de interesses e, mais recentemente, sobre "democracia pós-liberal". Recebeu, dentre outros, o Prêmio Johan Skytte de Ciência Política e o Prêmio Mattei Dogan da Associação Internacional de Ciência Política (IPSA). nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA www. eui.eu/DepartmentsAndCentres/PoliticaIAndSociaISciences/People/Professors/Schm itter. aspx

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www.eui.eu/ln,ages/SPS/Professors/PhilippeCSchmitter.jpg

Em:

Curso de Introdução à Ciência Política,

U n i d a d e I .

2ª ed. Brasília: Ed.UnB, 1984,p. 31-39.

A edição desta obra está esgotada há muitos anos.Para viabilizar o seu uso com fins educacionaisé queele é disponibilizado aqui, em cópia no formato pdf

P H I L l P P E C . S C H M I T I E R gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA(W a s h in g to n D C , 1 9 3 6 ).

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P u b lic o u d iv e rs o s liv ro s e a rtig o s n o c a m p o d e p o lít ic a c o m p a ra d a , s o b re in te g ra ç ã o re g io n a l, p ro c e s s o s d e

tra n s iç ã o d e m o c rá tic a , in te rm e d ia ç ã o d e in te re s s e s e , m a is re c e n te m e n te , s o b re "d e m o c ra c ia p ó s -lib e ra l" .

R e c e b e u , d e n tre o u tro s , o P rê m io J o h a n S k y tte d e C iê n c ia P o lít ic a e o P rê m io M a tte i D o g a n d a A s s o c ia ç ã o

In te rn a c io n a l d e C iê n c ia P o lít ic a (IP S A ).nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

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Reflexões sobreEDCBAo Conceito de PolíticanmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Philip pe Schm itter

Universidade da Califórnia

Metas da

Ciência Política.

A Ciência Política contemporânea se distingue essencialmentepor duas qualidades. A primeira e a mais discutidaé a sua

vontade de ser científica. Isto implica urna preocupação teórica emetodológica - um escrúpulo de respeitar dados (o requisitodo-empiricismo) e de não afirmar "verdades" ou "princípios certos"sem uma demonstração rigorosa (o requisito da verificação de hipó-teses) .

Mas nenhuma ciência se define pelo simples desejo de ser cien-tífica. É um erro comum, especialmente entre os praticantes quese proclamam mais científicos, apl icar-se, à metodologia ou a à pes-quisa empírica sem considerar a segunda qualidade de uma CiênciaPolítica, quer dizer, sem ter uma consciência clara da "delimitaçãoda disciplina". Como tendem a operar sem um conceito adequadoda política ou aceitar sem reflexão qualquer definição correntedesta, às vezes as suas descobertas têm pouca pertinência. São des-cobertas científicas, sutis e inevitavelmente comprovadas, mas fre-qüentemente irrelevantes ou triviais por falta de um sentido deprioridade que uma visão do conjunto de processo político daria.Como observa Raymond Aron, "ele~ gastam cada vez mais recursos,cada vez mais tempo para demonstrar com uma precisão cada vezmais rigorosa, proposições cada vez menos interessantes" (R. Aron,1981).

Por exemplo, estudavam o comportamento eleitoral com gran-de exatidão e imaginação, durante algum tempo, sem considerar asignificação ou a função deste dentro do 'sistema político global.Presumivelmente inspirados pela teoria "tradicionalista" que re-jeitavam, eles asseguravam que a atividade eleitoral era degrandeimportância política (o que está longe de ser verdade em muitospaíses) , e concentravam os seus esforços neste setor quase exclusiva-

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mente.gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA:€ interessante observar que foi unicamente quando perce-beram que as suas descobertas não se acomodavam com esta teoriatradicional (teoria que, apesar das suas deficiências, apresenta umavisão glob'al do fenômeno político) que estes estudiosos começarama se perguntar sobre as conseqüências possíveis destenmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAdivórcio entreteoria e realidade. Por errônea que fosse, a teoria tradicional for-neceu aos behavioristas esse sentido fundamental de prioridade erelevância. Por esse motivo, uma ciência da Política exige uma se-gunda qualidade: uma delimitação da disciplina. A Ciência Polí-tica pretende tratar dainterpretação de um setor particular do com-portamento humano. Os politistas (cientistas políticos) pretendem- e esta pretensão ainda é uma hipótese - que a política ou o con-junto de atividades políticas se diferencie de outros fenômenos so-ciais com características, relações e padrões distintos.

Acho que cada politista tem por dever considerar consciente-mente essa pretensão e definir explicitamente o seu conceito dePoltrica. Essa definição é uma espécie de "hipótese inicial" que,como observa Duverger, formará e deformará o seu trabalho pro-fissional quer ele queira quer não.

No restante deste ensaio apresentarei as que me parecem seras principais abordagens à delimitação de campo de investigaçãoda Ciência Política. A Política pode ser definida por:

I Suas "instituições", pelo quadro social concreto e estabele-cido dentro do qual participam os atores. _

II Seus "recursos", pelos meios utilizados pelos atores.III Seus "processos", pela atividade principal à qual se consagram

os atores.IV - Sua "função", pelas conseqüências da sua atividade paraa

sociedade global de que faz parte.

Conforme esta tipologia geral, corresponderiam quatro defini-ções específicas de campo de investigação da política:

I Instituição: "Estado ou Governo."II Recursos: "Poder, Influência ou Autoridade."EDCBA

l U Processo: "Decision-making ou "Policy-tormation" (formu-lação de decisões sobre linhas de conduta coletiva).

IV - "Resolução não-violenta dos conflitos".

1 . Estado ou Governo

• LA definição que predominava no séc. XIX e que ainda predo-

mina nos dicionários e em muitas faculdades é da Política como"a arte e a ciência do Estado ou do governo". Em livro recente,Marcel Prélot a define como o"conhecimento sistemático e orde-

nado dos fenômenos concernerues ao Estado" :(M. Prélot, 1964).Com a descoberta da importância política de instituições não-constitucionais, esta delimitação parecia estrita demais. Então ospolíticos ampliaram-na para incluir algumas organizaçõesanexasque intervêm regularmente ou mesmo ocasionalmente na atividadeestatal; órgãos como partidos. facções, grupos de pressão,ligas cons-piratórias, sociedades de economia mista, cliques militares e gruposinformais. Por exemplo, mais tarde no livro citado, o próprio Prélotafirma que: "A politologia que considera, como se acaba de ver,a instituição estatal em sua totalidade, não se limita entretanto a

32 • CURSO DE INTRODUÇÃO À CIÊNC IA POLÍTICA

Quatro fatores de

d"li"iç;,o da Política.

Quatro delimitações do

campo de investigação da

Ciência Política.

Política como arte e ciência

do Estado ou do go\'erno.

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da

Política

como coação.

Política como arte de

influenciar.[ia,.

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ela. Toma-se como ponto de partida e como referência' para oestudo dos fenômenos que se ligam ao Estado na qualidade depré-estatais e supra-estatais" (M.Prélot, ob. cit).

Muitos politistas contemporâneos, dentre os quais o suíço JeanMeynaud O. Meynaud, 1960), relutam em abandonar este foco tra-dicional, concreto e aparentemente bem delimitado, por outras de-finições mais abstratas e difusas.

2. Poder, Influência ou Autoridade

Sob essa rubrica, segundo Duverger, abriga-se a grande maioriados politistas contemporâneos, inclusive ele próprio. Infelizmente,essa maioria está longe de ser unânime na utilização desses termos:"poder" para alguns significa "influência"; para outros, "autori-dade". Não obstante, achamos possível distinguir entre três "esco-las" e "subescolas" - todas tomando meios e recursos utilizadoscomo foco principal da Ciência Política.WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

a ) P O D E R . Aqui podemos incluir todos os politistas que,lembrando a afirmação de Max Weber de ql!enmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA"o meio decisivo na

política é a vio lência", dão ênfase ao fenômeno da coerção icon-

tra in te) , a dom inação ou a monopolização da vio lência ou de força

física. Friedrich Engels, por exemplo, afirmou: "A sociedade, atéagora, baseada nos antagonismos de classe, teve a necessidade doEstado. Quer dizer, da organização de uma classe particularqueera a classe exploradora... especialmente com a intenção decon-servar com a força as classes exploradas na condição de opressãocorrespondente a um modo dado de produção" . (F. Engels,1959).Um antropólogo se expressou de maneira semelhante (sem a supo-sição de dominância de classe): "A organização política de umasociedade é o aspecto de sua organização total que interessa ao con-trole e à regulamentação da forçafísica" (Radcliffe-Brown, citopor M_ Duverger, 1962). Finalmente, um politista inglês, baseando-se em um inquérito internacional sobre a natureza da CiênciaPolí-tica, chegou à seguinte conclusão: "O foco de interesse do politistaé claro e não ambíguo: ele se concentra sobre a luta para obter oureter o poder, para exercer poder ou influência sobre os outrosou para resistir a esse exercício" (N. Robson,1954). Com esta últi-ma definição nos aproximamos à segunda "escola", a da influência.

b) INFLUENCIA . Muitos estudiosos da política norte-ame-ricana rejeitam esta ênfase na força e põem-na na variedade enasutileza dos meios e recursos utilzados pelos atores políticos. Paraeles não se poderia reduzir a Política a um só tipo de relação dedominância. Estaé o produto da interação de uma plural idadede tipos de dominância, dentro dos quais estão a força ou a coação.Eles preferem o termo influência por ser o mais abrangente.

Segundo a célebre fórmula do livro de Harold LasswelI,Políti-

ca: Quem Ganha o Que, Quando, Como,o estudo da política é oestucIo da influência e cios que têm influência (H. Lasswell, 1984).Outro norte-americano, Quincy Wrigh, cIefine a Política demodosemelhante como "a arte de influenciar, manipular ou- contro lar

grupos com a intenção de avançar os propósitos de alguns contra a

posição de outros" (apud, B. U. Dyke, 1960) _Provavelmente o maisdestacado representante desta esçola nos Estados Unidos é Robert

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REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO DE POLfTICA • 33

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DahI."' }~o(sef! lÍvrd, W ho Governs (R. Dahl, 1960), ele não apenasoferece uma tipologia dos diferentes recursos que são a ba~edediferentes tipos de influência, mas faz a importante observaçao deque o graú de influência depende dos recursos ~li~poníveis e~avontade de utilizá-los. Nesse livro, ele estuda empirrcamente a dIS-

'tribuição de ambos os elementos de influência (mensurada comocapacidade de iniciar ou vetar umapolicy) na c.idade de N~wHaven, Connecticut. Ele concluiu que, em um sistemapolíticopluralista (caso de New Haven, e, por extensão, dos EUA) a in-fluência apresenta um padrão de "desigualdades dispersas"e não"desigualdades cumulativas", o que parece estar implícitono mo-delo que utilizam os teoristas de poder ou força física acimamen-cionados,

c ) AUTORIDADE. Nesta terceira subcategoria para os poli-tistas que tomam como foco a disciplina, nem aultima ratio dopoder, nem as formas vagas e múltiplas de influência, mas um tipoespecífico de relação social que combina os dois: a autoridade, poderlegítimo ou herrschait em alemão. Uma autoridade, conformeWeber, é um poder que se faz obedecer voluntariamente.

Haveria vários tipos, mas o elemento comum é essa capacidadede criar e manter a crença de que as repartições de poder e influên-cia existentes são as mais apropriadas, "justas" e "naturais" paraessa sociedade. Como diz a feliz expressão francesa:Gouverner c'est

ja ire cro ire.

Aceita essa noção como foco principal, o estudo da políticaseria "o estudo das relações de autoridade entre os indivíduos e osgrupos, da hierarquia de forças que estabelecem no interiordetodas as comunidades numerosas e complexas" (M. Duverger, ob.cit.). A cúpula desta estrutura é o Estado ou governo, a institui-ção que tem a autoridade última e o "direito" de utilizar a forçafísica para se fazer respeitar; mas a tarefa da Ciência Política seriaa de analisar e explicar toda essa estrutura e as forças e influênciasrespectivas que a compõem.

Duverger, quando afirma no seu manual que "a Ciência Polí-tica é a ciência do poder", quer dizer, em nossos termos, "a ciênciada autoridade", porque anteriormente declarou que "o poderé reco-nhecido como poder; sua autoridade é admitida". O sociólogonorte-americano Talcott Parsons recentemente prestou o seu imensoprestígio intelectual a uma delimitação da Ciência Política em ter-mos de "poder". Como foi o caso de Duverger, o seu conceito depoder "é equivalente ao fenômeno que aqui chamamos deautorí-·Clade". (T. Parsons, 1963)

Não são raros os estudiosos da política que combinam todosou alguns desses meios de ação nas suas tentativas de definiraPolítica. O mais conhecido exemplo deste ecletismoé provavel-mente o de Max Weber, que acentuou poder e influência na suadefinição formal: "Política significa, para nós, elevação para a par-ticipação no poder ou para a influência na sua repartição, sejaentre Estados, seja no interior de um Estado, entre os gruposhuma-nos que nele existem" (Duverger, ob. cit.) e que concentrou asuaatenção empírica sobre tipos ideais de autoridade. Recentementeum destacado politista norte-americano, Robert Dahl, optou por umecletismo semelhante. (R. Dahl, 1981)- ...-- .4 .

~4 • CURSO DE INTRODUÇÃO A CIÊNC IA POLÍTICA

Política como autoridade

ou poder legítimo

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e

Política como processo

de formulação de decisões

imperativas.

3. Decision-Making (formulação de deciU;{ &SA~hasde conduta coletivas)

Surgiu nos últimos anos uma nova tentativa de situar o campode investigação da Política, desta vez em termos de um processosocial .: processo que evidentemente utilizaria os meios deaçãosocial acima mencionados. Esta tentativa destaca a formulação dedecisões ou denmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBApolic ies como foco de análise. A tarefa de umaciência da Política seria, então, a de explicar e presumivelmentepredizer, por que uma determinada linha de conduta foi, é ou seráadotada. Como foi formulada? Quem participou? Quais foramos determinantes desta atividade? Qual foi o resultado e seuim-pacto sobre decisões posteriores? Essas são algumas das perguntasimplícitas nesta definição. O intérprete mais conhecido desta linhaé o cientista político da Universidade de Chicago, David Easton.Numa definição que deve ser a mais citada e comentada da CiênciaPolítica contemporânea, ele afirma que esta deve se aplicarao"estudo da alocação autoritária ou imperiosa(authorita tive alloca-

tíon) dos valores, de maneira que essa alocação seja influenciadapela distribuição e utilização do poder". A ênfase é sobre o fenô-meno da repartição - da administração de decisões sobre bensescassos na sociedade; mas Easton chega a incluir na definição todosos meios acima citados: autoridade, influência e poder. Numa ou-tra definição, menos conhecida, embora a nosso ver mais clara,ele fixa os limites do sistema político como todas as ações mais oumenos relacionadas com a formulação de decisões autoritárias ouimperiosas para uma sociedade:the making ofWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAb in d in g decisions

for a society. (T. Macridis e B. Brown, eds. 1964)

O emprego do qualificativo "autoritário:' ou "imperativo"implica que o autor limitaria a Ciência Política ao estudo doórgãoque toma e implementa as decisões que sãoauthorita tive ou binding

para toda a sociedade, o que chega a voltar a definir a política emtermos de Estado - Estado sendo desta vez definido como processoe não como instituição Oean Meynaud, ob. cit.). Outros politistasque utilizam o decision-making approach estão convencidos de que,ao contrário, a sua eficiência repousa na flexibilidade, napossibi-lidade de aplicá-Ia a vários níveis da sociedade onde decisões par-ciais ou parcialmente imperiosas são tomadas. Um importante focode análise seria precisamente o de fazer comparações entre esseprocesso social nos diferentes níveis. Somente assim podemos veri-ficar a macro-hipótese da nossa disciplina - hipótese que data dePlatão e Aristóteles -: a de que decisões aplicáveis à sociedade in-teira, decisões públicas têm características e padrões diversos dasdecisões tomadas em sociedades menos globais,i.é. decisões pri-vadas. .

Se a definição da Política pelo Estado foi formulada especial-mente pelos politistas que utilizaram métodos jurídico-formais, sea definição em termos de poder parece mais utilizada pelos mar-xistas e behavioristas, se a definição, em termos de influência pareceespecialmente compatível com a "teoria política dos grupos", emtermos de autoridade com a sociologia histórica, a definição de polí-tica pelo decision-making vai de acordo com a teoria dos sistemaspolíticos. A última que vamos abordar neste Bloco acompanhaessencialmente uma abordagem funcionalista do estudo da Política.

REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO DE POLfTICA • 35

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Definição funcionalista:

resolução não-violenta dos

conflitos.

de

Condições para que um ato

social seja polí tico.

..4. ~.:;À- ~~s~l~~ão não-violenta dos Conflitos

,A última novidade em termos de definição é o funcionalismo.No seu sentido mais amplo, definir algo pela sua função quer dizerconsiderá-lo sob o aspecto da sua conseqüência ou conseqüência no

. sistema global do qual faz parte. O algo pode ser concebido como"requisito", isto é, atividade necessária ao bom funcionamento dosistema global, ou como "tarefa", isto é, padrão de atividade geral-mente encontrado em qualquer sociedade. Utilizando o primeiro emais rigoroso conceito de função como "requisito", TalcottParsonssugeriu que o subsistema político se aplica principalmenteà "reali-zação de objetivos coletivos"nmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA(goal atta inment). (T. Parsons e N.Smelser, 1956). O poli tis ta David Apter define a função dapolí-tica como a "manutenção do sistema do qual faz parte". (D. Aptere H. Eckstein, 1963).

Nossa tentativa de delimitar o campo da investigação políticase inspira na segunda tradição.

Não afirmamos que a seguinte função é um requisito para amanutenção do sistema existente; afirmamos simplesmente que o pa-drão de atividade que chamamos política se encontra em muitassociedades com vários graus de complexidade.

Para nós} a função da Poltica é a de. resolver conflitos entre

ind ivíduos e grupos} sem que este conflito destrua um dos partidos

em conflito . Talvez resolução não seja a melhor expressão porqueimplica (falsamente) que a atividade política põe fim ao conflito.Ao contrário, existem conflitos permanentes dentro de qualquersociedade que a Política não pode extinguir, embora a sociedadesem conflito seja um antigo sonho de muitos filósofos políticos. APolítica pode simplesmente "desarmar" o conflito, canalizá-lo, trans-forrná-lo em formas não-destrutivas para os partidos e a coletividadeem geral.

Dentro dessa perspectiva, para que um ato social seja político,precisa satisfazer duas condições:

I . A condição necessária é que o ato deva ser controverso, indiqueum conflito, um antagonismo entre interesses ou atitudes expressaspor diferentes indivíduos ou grupos. Isto implica que muitos atosgovernamentais não sejam políticos por não serem controversos, talcomo a publicação de documentos, a vacinação de cães, ete. Mas de-vemos insistir em que qualquer acontecimento social é potencial-mente político.

2, A condição suficiente para que os conflitos sejam políticos é ade que os atores reconheçam reciprocamente suas limitaçõesnasreivindicações das suas exigências. Isto quer dizer que os conflitospolíticos acontecem dentro de um quadro(framework) de restriçõesmútuas, o que implica que o conflito político exige um certo graude integração, de cooperação entre os combatentes;"integração" ou"cooperação" entre indivíduos e grupos,é, então, o segundo ele-mento da equação política. Essa qualidade de autolimitaçãoourestrição mútua pode ser baseada em uma crença comum nos atoresem conflito (então haveria uma estrutura de autoridade entre eles)ou pode ser simplesmente prudência baseada no medo e na ante-cipação do poder de retaliação do oponente. Mas a partir do mo-

3 6 • CURSO DE INTRODUÇÃOWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÀ CIÊNC IA POLfT lCA

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Os atores políticos são

heterogêneos: mantêm

relações de conflito e

interdependência.

Politica como conflito

entre atores para a

determinação de linhas de

conduta num quadro de

cooperação e integração.

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mento em que os combatentes decidem limitar' reciprocamente osseus esforços competitivos em vez de se destruírem, estão a nossover numa situação política.

A primeira expressão dessa qualidade "dualista" da atividadepolítica encontramos naWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAP o lf t ic a de Aristóteles, Divergindo dePlatão, Aristóteles nega que a sociedade política (a cidade-estado)possa ser governada por uma família.

"A sociedade política, à medida que se forma e se torna maisuna, deixa de ser sociedade política; porque, naturalmente, a socie-dade política é a multidão. Se for levada à unidade,tornar-se-áfamília; de família, indivíduo, porque a palavra "um" deve seraplicada mais à família que à sociedade política, e ao indivíduo, depreferência à família... A sociedade política não se compõeape-nas de indivíduos reunidos em maior ou menor número; ela se formade homens especificamente diferentes; os elementos que a consti-tuem não são absolutamente semelhantes" (cit. em B. Crick, 1981).

o importante a reter é a última frase. Os elementos compo-nentes de uma sociedade política são heterogêneos, isto é, estão aomesmo tempo em conflito e em interdependência. A natureza dadominação política, contrariamente a outras formas de dominação, éa de recónhecer os conflitos e a variedade de interesse e atitudes quedão base a esses conflitos e a de tratar decontê-los dentro de umquadro social comum. A dominação do tipo político não destróiessa heterogeneidade natural para fazer uma sociedade maisunifi-cada - o que implicaria um tipo de dominação mais repressivo.

Segundo essa concepção, o estudo da Política compreenderá doisfocos distintos mas altamente relacionados. De, um lado, o estudodo "conflito": tipos, fontes, padrões e intensidades; e de outro lado,o estudo da "integração": autoridade, estruturas, formulação dedecisões e crenças comuns. Como afirma Duverger, "quando osho-mens pensam na Política, eles oscilam entre duas interpretaçõescompletamente opostas. Para alguns, aPolítica é essencialmenteuma luta, um combate em que o poder permite a alguns, que o têm,assegurar a sua dominação sobre a sociedade e desta tirar partido.Para outros, a Políticaé um esforço para fazer governar a ordem e ajustiça em que o poder permite a proteção do interesse geral edobem comum contra a pressão das reivindicações particulares. .. OEstado é, mais geralmente, o poder institucionalizado de uma socie-dade: é sempre, em toda parte, tanto o instrumento da dominaçãode certas classes sobre outras como o meio de assegurar uma certaordem social. uma certa integração de todos na coletividadepara obem comum" (M. Durveger, 1964). Deste"j anos" que é a Política,é interessante observar que alguns, especialmente os marxistas e osrevolucionários nacionalistas, tendem a ver unicamente a face "con-flito", enquanto outros, especialmente muitos politistasnorte-ame-ricanos e marxistas situacionistas, tendem a ver somente a face "in-tegração". Uma disciplina completa de Ciência Política deve incluirambas. Ela deve também distinguir cuidadosamente entre processose acontecimentos que são propriamente políticos e os que nãoo são.De um lado, atos puramente de controle administrativo cometidosnum ambiente de abundância, sem qualquer manifestação antago-nista, não podem ser qualificados de política. De outro lado, atosde dominação violenta ou repressiva, que sejam cometidos pornmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

REFLEXÕES SOBREO CONCEITO DE POLÍTICA. 37

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Não queremos afirmar que estes atos não tenham interesse parao politista. Ao contrário, ele deve estar altamente interessado nascondições que permitem por um lado a "despollrização" de ativi-dades sociais ou que indicam, de outro lado, os limites de umaso-lução política dos conflitos. Ambos os tipos de atividades sãorelevantes para o politista porque fixam a fronteira da sua disci-plina - e essa fronteira flutua muito entre sociedade e entreosperíodos históricos da mesma sociedade. O que implicaâ nossadelimitação da política é que atos de dominação administrativa ede dominação violenta ou repressiva merecem análises distintas àbase de conceitos e hipóteses distintos.

Esta definição de política também nos ajuda a compreenderpor que dois focos de estudo da Ciência Política têm um estatutoum tanto especial. O estudo da administração pública parece, àprimeira vista, não preencher a condição necessária à existência doconflito. O estudo das relações internacionais parece, ao contrário,implicar conflito sem a condição suficiente de integração. Estudosmais detalhados revelaram que há mais conflitos dentro da adminis-tração pública e mais integração dentro das relações internacionaisdo que se supunha. Esta definição, também, ajuda a explicar porque os poli tis tas não têm contribuído muito para o estudo da revo-lução. O nosso conceito implica que a Ciência Política pode edevecontribuir para a compreensão das precondições para um rompi-mente violento com as estruturas e valores políticos antigos e dascondições depois da revolução que permitem o restabelecimento dadominação política. O estudo da revolução nos parece mereceroutros conceitos e técnicas de análise. Não devemos esquecer quealgumas revoluções - como a "Revolução Brasileira" de 1930 -sãoaltamente "Políticas": isto é, implicam uma rejeição definitiva eabrupta das formas e fórmulas antigas de resolução de conflitos.

Conclusão

Recapitulando brevemente, a Política é o conflito entre atorespara a determinação de linhas de condutanmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA(po lic ies) coletivas dentrode um quadro de cooperação-integração reciprocamente reconhe-cido (Van Dyke, ob. cit.). Tradicionalmente, os politistasfocali-zaram a determinação de linhas de conduta pública - quer dizer,comuns a toda sociedade - formuladas dentro do quadro socialessencialmente autoritário queé o Estado. A nossa definição nãolimitaria o estudo da política à atividade desta instituição de cúpula.Procuraria o desempenho de uma função - a de resolver Conflitossem distinguir um dos partidos - a qualquer nível da sociedade.. ,

O fundamento intelectual da nossa concepção de política é dis-perso, como se deduz da variedade de obras citadas nas referênciasbibliográficas. Ele ainda não tem uma formulação definida.É aomesmo tempo uma concepção tradicional e contemporânea do quedeve ser o foco da nossa disciplina. Preparando este texto, encon-tramos para a nossa grande surpresa uma formulação muito seme-lhante - não de um outro politista, mas de um economista brasi-leiro: "A partir do momento em que uma sociedade cresce o sufi-ciente para que seus membros necessitem pautar seu comportamento

38 • CURSO DE INTRODUÇÃO A CIÊNC IA POLÍTICA

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por normas gerais, cuja aplicação deve serEDCBAi m p o s { l 7 o S J l 2 a 8 o r i -dade que não deriva a sua legitimidade de vínculos de parentesco,está-se em face de um embrião de organização política, sendoirre-levante que o chamemos de sociedade civil ou de Estado. O queimporta é reconhecer que qualquer estrutura social que haja alcan-çado um certo grau de diferenciação necessitará organizar-se politi-camente a fim de que os seus conflitos internos não a tornem inviáveI.Um ponto importante a ter em contaé o caráternmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAsui generis daorganização política, instrumento que a própria sociedadeutilizapara autodisciplinar-se, cabendo-lhe o monopólio de uso deforçaem nome de coletividade como um todo" (Furtado, C., 1964). Anosso ver, nenhum outro cientista social definiu a essênciada ativi-dade política tão concisa e claramente como essa citação de CelsoFurtado.

Q. A. 5

Faça uma distinção entre os três recursos que podem ser utili-

zados pelos atores pollticos.

Q. A. 6

Numa abordagem funcionalista , como pode ser defin ida a

pollticar

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REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO DE POLÍTICA • 39

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