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O O B B J J E E T T I I V V O O P P O O R R T T U U G G U U Ê Ê S S Atribuir ao doente a culpa dos males que o afligem é procedimento tradicional na história da humanidade. A obesidade não foge à regra. Na Idade Média, a sociedade considerava a hanseníase um castigo de Deus para punir os ímpios. No século 19, quando proliferaram os aglomerados urbanos e a tuberculose adquiriu características epidêmicas, dizia-se que a enfermidade acometia pessoas enfraquecidas pela vida devassa que levavam. Com a epidemia de Aids, a mesma história: apenas os promíscuos adquiririam o HIV. Coube à ciência demonstrar que são bactérias os agentes causadores de tuberculose e da hanseníase, que a Aids é transmitida por um vírus e que esses microorganismos são alheios às virtudes e fraquezas humanas: infectam crianças, mulheres ou homens, não para puni-los ou vê-los sofrer, mas porque pretendem crescer e multiplicar-se como todos os seres vivos. Tanto se lhes dá se o organismo que lhes oferece condições de sobrevivência pertence à vestal ou ao pecador contumaz. (...) Drauzio Varella, Folha de S. Paulo, 12/11/2005. 1 a) Crie uma frase com a palavra “obesidade” que possa ser acrescentada ao final do 2º parágrafo sem quebra de coerência. b) Fazendo as adaptações necessárias e respeitando a equivalência de sentido que a expressão “Tanto se lhes dá (...)” tem no texto, proponha uma frase, substituindo o pronome lhes pelo seu referente. Resolução a) Nos nossos dias, é comum atribuir às pessoas obesas a culpa por sua obesidade, como se sua condição fosse apenas resultado de seu descome- dimento ao comer. – A frase deve encaixar-se na série de exemplos contida no segundo parágrafo. Tais exemplos ilustram a primeira afirmação do texto: "Atribuir ao doente a culpa dos males que o afligem é procedimento tradicional na história da humanidade." O caso da obesidade seria a ilustração da afirmação complementar do parágrafo inicial: "A obesidade não foge à regra." b) Pouco importa a esses microorganismos se o orga- nismo que lhes oferece condições de sobrevivência pertence à vestal ou ao pecador contumaz. – A formulação deste quesito não é inteiramente precisa, pois não se esclarece se o pronome lhes deve ser substituído por seu referente em suas duas ocorrências na frase ou, o que parece mais razoável, apenas na primeira, na expressão cujo sentido se questiona. Outro defeito na formulação deste F F U U V V E E S S T T - - ( ( 2 2 ª ª F F a a s s e e ) ) J J a a n n e e i i r r o o / / 2 2 0 0 0 0 6 6

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Atribuir ao doente a culpa dos males que o afligemé procedimento tradicional na história da humanidade.A obesidade não foge à regra.

Na Idade Média, a sociedade considerava ahanseníase um castigo de Deus para punir os ímpios.No século 19, quando proliferaram os aglomeradosurbanos e a tuberculose adquiriu característicasepidêmicas, dizia-se que a enfermidade acometiapessoas enfraquecidas pela vida devassa que levavam.Com a epidemia de Aids, a mesma história: apenas ospromíscuos adquiririam o HIV.

Coube à ciência demonstrar que são bactérias osagentes causadores de tuberculose e da hanseníase,que a Aids é transmitida por um vírus e que essesmicroorganismos são alheios às virtudes e fraquezashumanas: infectam crianças, mulheres ou homens, nãopara puni-los ou vê-los sofrer, mas porque pretendemcrescer e multiplicar-se como todos os seres vivos.Tanto se lhes dá se o organismo que lhes oferececondições de sobrevivência pertence à vestal ou aopecador contumaz.

(...)

Drauzio Varella, Folha de S. Paulo, 12/11/2005.

1a) Crie uma frase com a palavra “obesidade” que possa

ser acrescentada ao final do 2º parágrafo sem quebrade coerência.

b) Fazendo as adaptações necessárias e respeitando aequivalência de sentido que a expressão “Tanto selhes dá (...)” tem no texto, proponha uma frase,substituindo o pronome lhes pelo seu referente.

Resolução

a) Nos nossos dias, é comum atribuir às pessoasobesas a culpa por sua obesidade, como se suacondição fosse apenas resultado de seu descome-dimento ao comer. – A frase deve encaixar-se nasérie de exemplos contida no segundo parágrafo.Tais exemplos ilustram a primeira afirmação do texto:"Atribuir ao doente a culpa dos males que o afligemé procedimento tradicional na história dahumanidade." O caso da obesidade seria a ilustraçãoda afirmação complementar do parágrafo inicial: "Aobesidade não foge à regra."

b) Pouco importa a esses microorganismos se o orga-nismo que lhes oferece condições de sobrevivênciapertence à vestal ou ao pecador contumaz. – Aformulação deste quesito não é inteiramente precisa,pois não se esclarece se o pronome lhes deve sersubstituído por seu referente em suas duasocorrências na frase ou, o que parece mais razoável,apenas na primeira, na expressão cujo sentido sequestiona. Outro defeito na formulação deste

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quesito se encontra no trecho "respeitando aequivalência de sentido que a expressão 'Tanto selhes dá (...)' tem no texto". Esse trecho deveria sersubstituído por uma redação mais simples, direta eprecisa: mantendo-se o sentido que a expressão"Tanto se lhes dá" tem no texto", pois não é a"equivalência de sentido que a expressão... tem notexto" que se quer respeitada.

2Em um piano distante, alguém estuda uma lição

lenta, em notas graves. (...) Esses sons soltos,indecisos, teimosos e tristes, de uma lição elementarqualquer, têm uma grave monotonia. Deus sabe porque acordei hoje com tendência a filosofia de bairro;mas agora me ocorre que a vida de muita gente pareceum pouco essa lição de piano. Nunca chega a formar alinha de uma certa melodia. Começa a esboçar, com ospontos soltos de alguns sons, a curva de uma frasemusical; mas logo se detém, e volta, e se perde numaincoerência monótona. Não tem ritmo nem cadênciasensíveis.

Rubem Braga, O homem rouco.

a) O autor estabelece uma associação poética entre avida de muita gente e uma lição de piano. Esclareçao sentido que ganha, no contexto dessa associação,a frase “Nunca chega a formar a linha de uma certamelodia”.

b) “Deus sabe por que acordei hoje com tendência afilosofia de bairro.” Reescreva a frase acima, substituindo a expressãosublinhada por outra de sentido equivalente.

Resolução

a) A frase, no contexto, significa que muitas pessoasnão concluem aquilo a que se propõem ou nãochegam a viver experiências que se integrem numconjunto articulado, como as palavras ou as notasmusicais se integram no conjunto de uma fraselingüística ou melódica, fazendo sentido oucompondo uma estrutura coerente.

b) Deus sabe por que acordei hoje com vontade derefletir sobre assuntos triviais (ou fatos prosaicos).

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3O Brasil já está à beira do abismo. Mas ainda vai serpreciso um grande esforço de todo mundo pracolocarmos ele novamente lá em cima.

Millôr Fernandes.

a) Em seu sentido usual, a expressão sublinhadasignifica “às vésperas de uma catástrofe”. Talsignificado se confirma no texto? Justifique suaresposta.

b) Sem alterar o seu sentido, reescreva o texto em umúnico período, iniciando com “Embora o Brasil (...)” esubstituindo a forma “pra” por “para que”. Faça asdemais transformações que são necessárias paraadequar o texto à norma escrita padrão.

Resolução

a) Não, o significado da expressão, no texto, é outro. Alocução "à beira de..." é tomada em seu sentidopróprio: "perto do limite extremo de", "à margem de","na beirada de". O efeito humorístico se deve ao fatode o texto implicar o sentido de o país estar já imersono abismo, no limite extremo dele, ou seja, nabeirada do abismo, sendo, por isso, necessário muitoesforço para que ele seja colocado de novo fora dele.

b) Embora o Brasil já esteja à beira do abismo, ainda vaiser preciso um grande esforço de todo o mundo paraque o coloquemos novamente lá em cima.

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4Crianças perguntam... Einstein responde!

O professor da 5ª série de uma escola americananotou que seus alunos ficavam chocados ao aprenderque os seres humanos são classificados no reinoanimal. Então sugeriu que escrevessem para grandescientistas e intelectuais e pedissem a opinião delessobre isto. Albert Einstein respondeu:

“Queridas crianças. Nós não devemos perguntar ‘Oque é um animal?’, mas sim, ‘Que coisa chamamos deanimal?’ Bem, chamamos de animal quando essa coisatem certas características: alimenta-se, descende depais semelhantes a ela, cresce sozinha e morre quandoseu tempo se esgotou. É por isso que chamamosminhoca, a galinha, o cachorro e o macaco de animais.‘E nós, humanos?’ Pensem nisto da maneira que eupropus anteriormente e então decidam por vocêsmesmas se é uma coisa natural nós nos considerarmosanimais”.

Ciência Hoje – Crianças.

a) Em sua resposta às crianças, Albert Einstein propõea substituição da pergunta “O que é um animal?” por“Que coisa chamamos de animal?”.Explique por que essa substituição já revela umaatitude científica.

b) Fazendo as adaptações necessárias e conservando oseu sentido original, reconstrua o último período dotexto (“... Pensem nisto da maneira que eu ...animais.”), começando com“(...) Decidam por vocês mesmas ... animais”.

Resolução

a) Na formulação que Einstein propõe para ela, aquestão não se refere mais à "essência" do animal (oque ele é), mas sim à razão de atribuirmos essadenominação a um grupo muito grande e variado de"coisas" ou seres. Portanto, o cientista substitui umaquestão abstrata, que visa a uma definição de essência– uma questão de sentido metafísico, cuja respostadependerá da admissão de um pressuposto (de que osanimais têm uma essência definível) –, por umaquestão concreta, que visa a estabelecer as razões deuma denominação e, por implicação, um princípio declassificação (por que classificamos essas coisasdiferentes como animais?). A atitude científica está emformular uma pergunta que não implica nenhumpressuposto e que postula uma resposta cujos termosdevem ser verificáveis.

b) Decidam por vocês mesmas se é uma coisa naturalnós nos considerarmos animais, pensando antes nestaquestão da maneira que eu propus anteriormente.

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5(...)Num tempoPágina infeliz da nossa históriaPassagem desbotada na memóriaDas nossas novas geraçõesDormiaA nossa pátria mãe tão distraídaSem perceber que era subtraídaEm tenebrosas transações(...).

“Vai passar”, Chico Buarque e Francis Hime.

a) É correto afirmar que o verbo “dormia” tem umaconotação positiva, tendo em vista o contexto emque ele ocorre? Justifique sua resposta.

b) Identifique, nos três últimos versos, um recursoexpressivo sonoro e indique o efeito de sentido queele produz. (Não considere a rima“distraída”/“subtraída”.)

Resolução

a) Não. Do contexto depreende-se que a pátriaencontrava-se em uma situação letárgica diante das“substrações” ou “tenebrosas transações” de queera vítima.

b) O “recurso expressivo sonoro” está na passagem“tenebrosas transações”. A aliteração da consoantelinguodental surda t dá relevo à expressão e reforçaa sugestão de soturnidade que a reveste.

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6Há certas expressões significativas: “Contra fato

não há argumento”. Elas querem dizer que, diante daevidência do real, não cabem as argumentações emcontrário, o que em princípio parece estar certo. Mas,na verdade, significam também coisas como “o quevale é a força” ou “idéia não resolve”. Assim, pregamo reconhecimento do fato consumado, a capitulaçãodiante do que se impôs no terreno “prático”, negandoo direito de discutir, de argumentar para mudar arealidade. E então se tornam sinistras.

Antonio Candido, Recortes.

Entre as “expressões significativas”, a que se refere oautor do texto, podem-se incluir certos provérbios,como, por exemplo,

Cada macaco no seu galho.

Indique o sentido que esse provérbio assume,a) se for entendido como uma afirmação aceitável, que

em princípio parece estar certa.b) se for entendido como uma afirmação autoritária,

que impõe um fato consumado.

Resolução

a) Em sentido positivo, o provérbio deve ser entendidocomo indicação de que cada pessoa deve reconhe-cer suas limitações e agir de acordo com elas, semcometer exageros ou extrapolações deletérias. Ou-tro entendimento positivo do provérbio implica aidéia de que cada um se limite à sua competência.

b) Como afirmação autoritária, o provérbio implica aidéia de que cada pessoa deve restringir-se aoâmbito de ação que lhe foi atribuído, numa divisãoque pode ser injusta ou arbitrária, mas que não sequer discutir. Ou seja, o sentido autoritário é o deque cada um tem seu lugar e deve nele permanecer,não se questionando o princípio de tal atribuição.

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7POEMA TIRADO DE UMA NOTÍCIA DE JORNAL

João Gostoso era carregador de feira livre e morava no [morro da Babilônia num barracão sem número.

Uma noite ele chegou no bar Vinte de NovembroBebeuCantouDançouDepois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu [afogado.

Manuel Bandeira, Libertinagem.

a) Relacione o título do poema à corrente estética daqual o texto participa.

b) O poema adota o procedimento de relatar osacontecimentos sem comentá-los ou interpretá-losdiretamente.Que atitude esse procedimento pede ao leitor?Explique brevemente.

Resolução

a) O que há de Modernismo no título é a incorporaçãopoética do cotidiano, já enunciada na intenção deextrair “de uma notícia de jornal” a matéria-prima dolirismo e da poeticidade. É modernista, também, aatitude, já no título provocativa, de buscar poesiaonde a tradição e as convenções viam “antipoesia”,informação e notícia.

b) O despojamento com que Bandeira narra o episódio,reproduzindo a linguagem de uma hipotética notíciade jornal, sem qualquer metaforização, sem umadjetivo sequer, deixa inteiramente ao leitor apossibilidade de sentir (ou não) o drama humano dosuicida “que se mata sem explicação”. Cabe àsensibilidade do leitor a percepção da dimensãotrágica do cotidiano, o lirismo que se esconde nofato, na vida, estampados nas páginas dos jornais.Esta é uma das grandes qualidades de Bandeira: apoesia desentranhada do cotidiano, das situaçõesbanais da vida, despojada, anti-retórica, por vezesáspera e dissonante, outras, terna e delicada, quesurpreende e comove exatamente pelo quecontidamente revela.

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8a) Referindo-se a suas intenções ao escrever o livro

Macunaíma, Mário de Andrade afirmou:“Um dos meus interesses foi desrespeitarlendariamente a geografia e a fauna e florageográficas”.No livro, esse “interesse” é alcançado? Justifiquebrevemente.

b) Sobre a personagem Macunaíma, Mário de Andradeafirmou:“É fácil de provar que estabeleci bem dentro de todoo livro que Macunaíma é uma contradição de simesmo”.A afirmação sublinhada se justifica? Expliquesucintamente.

Resolução

a) Tanto neste quesito como no seguinte as respostasque se impõem são cabalmente afirmativas. Em a,com efeito, Mário de Andrade opera uma “des-geografização” e uma “desregionalização” da fauna,da flora e do folclore nacionais. Peixes, pássaros emitos amazônicos nadam no Tietê, sobrevoambairros de São Paulo e se projetam na aventurapaulistana de Macunaíma. Lendas gaúchas sãoinvocadas no Uraricoera amazônico. O WenceslauPietro de Pietra é a um só tempo o regatão vene-zuelano, o imigrante italiano e o gigante Piaimã, o de-vorador de gente das lendas indígenas. A rapsódiamarioandradiana constitui-se como um caleidoscópiodo Brasil, como uma colagem na qual o tempo e oespaço são reorganizados para comporem umasíntese representativa de todo o país.

b) Macunaíma, o “herói da nossa gente”, “o herói semnenhum caráter” compõe uma síntese represen-tativa de um presumido modo de ser brasileiro, deum povo mestiço, em formação. O epíteto “heróisem nenhum caráter” contempla exatamente o ca-ráter polimorfo do protagonista: índio, negro e bran-co, corpo de adulto e “carinha enjoativa de piá”, he-rói e anti-herói, vitorioso e derrotado, esperto e ludi-briado.

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9Capítulo LXVIII / O Vergalho

Tais eram as reflexões que eu vinha fazendo, poraquele Valongo fora, logo depois de ver e ajustar a casa.Interrompeu-mas um ajuntamento; era um preto quevergalhava outro na praça. O outro não se atrevia afugir; gemia somente estas únicas palavras: — “Não,perdão, meu senhor; meu senhor, perdão!” Mas oprimeiro não fazia caso, e, a cada súplica, respondiacom uma vergalhada nova.

— Toma, diabo! dizia ele; toma mais perdão,bêbado!

— Meu senhor! gemia o outro.— Cala a boca, besta! replicava o vergalho.Parei, olhei... Justos céus! Quem havia de ser o do

vergalho? Nada menos que o meu moleque Prudêncio,— o que meu pai libertara alguns anos antes. Cheguei-me; ele deteve-se logo e pediu-me a bênção; perguntei-lhe se aquele preto era escravo dele.

— É, sim, nhonhô.— Fez-te alguma cousa?— É um vadio e um bêbado muito grande. Ainda

hoje deixei ele na quitanda, enquanto eu ia lá embaixona cidade, e ele deixou a quitanda para ir na vendabeber.

— Está bom, perdoa-lhe, disse eu.— Pois não, nhonhô. Nhonhô manda, não pede.

Entra para casa, bêbado!Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas.

a) Este trecho remete a episódio anterior, da mesmaobra, no qual interagem Brás Cubas e Prudêncio,então crianças. Compare sucintamente os papéisque as personagens desempenham nessesepisódios.

b) Neste trecho, a variedade lingüística utilizada pelaspersonagens contribui para caracterizá-las? Expliquebrevemente.

Resolução

a) O trecho apresentado (Capítulo LXVIII – O Vergalho)faz referência ao Capítulo XI – “O Menino é o Pai doHomem”, em que Brás Cubas, ao relatar suainfância, conta-nos que humilhava o então escravoPrudêncio, fazendo-o de montaria. No primeiro epi-sódio, o narrador era o opressor, enquanto Prudêncioera o oprimido. Já liberto, este compra um escravo,tornando-se agora o opressor, pois passa a “des-contar” no infeliz tudo o que havia sofrido quandocriança. Curiosamente, chega até a usar a mesmafrase – “Cala a boca, besta!” – que havia ouvido nasua época de cativeiro. Dessa forma, nota-se quePrudêncio, vítima de um sistema escravista, acabafortalecendo-o ao reproduzir as injustiças a que forasubmetido.

b) As variedades lingüísticas empregadas conseguem

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de fato caracterizar o nível social das personagens.Brás Cubas demonstra pertencer à classe alta quandoutiliza a norma culta, bem percebida pela ênclise em“Fez-te” e “Perdoa-lhe”. Prudêncio demonstra per-tencer à classe baixa ao empregar a variante coloquial,captada por vocábulos como “nhonhô”; peloemprego do pronome pessoal ele em “deixei ele naquitanda”, quando o padrão gramatical pede “deixei-ona quitanda”; pela utilização da preposição em comoregime do verbo ir (“para ir na venda”), quando anorma culta exige a (“para ir à venda”).

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10Havia cinco anos que D. Felicidade o amava. (...) Acáciotornara-se a sua mania: admirava a sua figura e a suagravidade, arregalava grandes olhos para a suaeloqüência, achava-o numa “linda posição”. OConselheiro era a sua ambição e o seu vício! Haviasobretudo nele uma beleza, cuja contemplaçãodemorada a estonteava como um vinho forte; era acalva. Sempre tivera o gosto perverso de certasmulheres pela calva dos homens, e aquele apetiteinsatisfeito inflamara-se com a idade. Quando se punhaa olhar para a calva do Conselheiro, larga, redonda,polida, brilhante às luzes, uma transpiração ansiosaumedecia-lhe as costas, os olhos dardejavam-lhe, tinhauma vontade absurda, ávida de lhe deitar as mãos,palpá-la, sentir-lhe as formas, amassá-la, penetrar-sedela! Mas disfarçava, punha-se a falar alto com umsorriso parvo, abanava-se convulsivamente, e o suorgotejava-lhe nas roscas anafadas* do pescoço. Ia paracasa rezar estações, impunha-se penitências de muitascoroas à Virgem; mas apenas as orações findavam,começava o temperamento a latejar. E a boa, a pobre D.Felicidade tinha agora pesadelos lascivos e asmelancolias do histerismo velho.

Eça de Queirós, O primo Basílio.

* anafadas = gordas

a) Qual é a escola literária cujas características mais sefazem sentir neste trecho? Justifique brevementesua resposta.

b) Considere a seguinte afirmação:“Em Eça de Queirós, a sátira e a caricatura tornam-se, com freqüência, cruéis e sombrias, por issomesmo incompatíveis com o riso e o humor”.Essa afirmação aplica-se ao trecho acima reprodu-zido? Justifique sucintamente sua resposta.

Resolução

a) O trecho evidencia o Realismo-Naturalismo emquase todos os seus aspectos. Estão presentes: adescrição objetiva e minuciosa; a desidealização doser humano, captado em seus aspectos ridículos egrotescos; o “determinismo biológico”, na prevalên-cia do instinto e da sexualidade (“os pesadeloslascivos”, “as melancolias do histerismo velho”); acrítica social na retração da hipocrisia moral de quemdissimulava no ritualismo das rezas e penitências asexualidade mal resolvida; a ironia que beira osarcasmo; o cuidado estilístico.

b) A maneira como Eça de Queirós articula acaracterização de D. Felicidade e de sua paixãoserôdia e não-correspondida pelo Conselheiro Acáciopode, efetivamente, esconder um “drama humano”e uma “tragédia” existencial. Nada tem de alegre acondição de quem, condicionada por valores sociaisequivocados, reprimiu dolorosamente um impulsoessencial à vida. Contudo, não é este o viés pelo qualo narrador pretende conduzir o leitor. Seria negar umadas virtudes do estilo queirosiano – fazer rir, mesmoquando sob o riso se escondem as misérias dacondição humana. Não deixa de ser risível, no trecho,

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a caracterização da velhota a tentar sufocar com a“beatice parva” as “melancolias do histerismovelho”, os “pesadelos lascivos” ressuscitados na“calva” afrodisíaca do Conselheiro Acácio,“ambição”, “vício” e “mania” de D. Felicidade.

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RRRREEEEDDDDAAAAÇÇÇÇÃÃÃÃOOOOTexto 1

O trabalho não é uma essência atemporal dohomem. Ele é uma invenção histórica e, como tal, podeser transformado e mesmo desaparecer.

Adaptado de A.Simões

Texto 2

Há algumas décadas, pensava-se que o progressotécnico e o aumento da capacidade de produçãopermitiriam que o trabalho ficasse razoavelmente forade moda e a humanidade tivesse mais tempo para simesma. Na verdade, o que se passa hoje é que umaparte da humanidade está se matando de tantotrabalhar, enquanto a outra parte está morrendo porfalta de emprego.

M.A. Marques

Texto 3

O trabalho de arte é um processo. Resulta de umavida. Em 1501, Michelangelo retorna de viagem aFlorença e concentra seu trabalho artístico em umgrande bloco de mármore abandonado. Quatro anosmais tarde fica pronta a escultura “David”.

Adaptado de site da Internet

INSTRUÇÃO: Os três textos acima apresentamdiferentes visões de trabalho. O primeiro procuraconceituar essa atividade e prever seu futuro. Osegundo trata de suas condições no mundocontemporâneo e o último, ilustrado pela famosaescultura de Michelangelo, refere-se ao trabalho de

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artista. Relacione esses três textos e com base nasidéias neles contidas, além de outras que julguerelevantes, redija uma DISSERTAÇÃO EM PROSA,argumentando sobre o que leu acima e também sobreos outros pontos que você tenha consideradopertinentes.

Comentário à proposta de Redação

O trabalho, apresentado sob três diferentes óticas,foi o tema sobre o qual o candidato deveria dissertar,"argumentando sobre o que leu e também sobre outrospontos que tenha considerado pertinentes".

O primeiro texto, que define o trabalho como uma"invenção histórica" – passível, portanto, de sofrertransformações e até mesmo desaparecer –, poderiaser utilizado pelo candidato como ponto de partida desua dissertação. Caberia, nesse caso, reconhecer osurgimento do trabalho como forma de sobrevivência,que vem se diversificando à medida que a humanidadetem evoluído. A automação, desenvolvida parasubstituir o trabalho braçal por máquinas e robôs,concedendo mais tempo livre ao homem, poderia serusada como ilustração de uma expectativa que não serealizou.

Na seqüência dessas considerações, o segundotexto poderia ser usado para demonstrar a frustração dahumanidade, que, longe de ter conseguido "maistempo para si mesma", hoje se divide entre uma parteque "está se matando de trabalhar" e outra que "estámorrendo por falta de emprego". Esse paradoxo poderiaser analisado pelo candidato como resultado de umprocesso perverso gerado pela globalização, queproduziu uma profunda reestruturação do mundo dotrabalho, em grande parte baseada na exploração damão-de-obra barata dos países do Terceiro Mundo.

Em meio às preocupações decorrentes dessasituação, – extensivas inclusive a jovens vestibulandoscujas carreiras foram escolhidas em função do mercadode trabalho – caberia ainda considerar o terceiro texto,que, acompanhado da escultura "David", deMichelangelo, define o trabalho de arte como "umprocesso", algo que "resulta de uma vida". Umapossível forma de relacionar essa visão às anterioresseria pela comparação entre o trabalho artístico e otrabalho imposto pelas necessidades da vida – ou, emtermos mais gerais, entre o trabalho criador e o trabalhode natureza puramente repetitiva.

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Comentário da Prova

Prova bem elaborada, exigente e inteligente, comequilibrada distribuição das questões de compreensãoe interpretação de textos, língua e literatura. Lamente-se o pequeno deslize que apontamos na formulação deum dos quesitos (1 b) e louve-se a inteligência com queforam elaboradas diversas questões, especialmente oquesito b da última.

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