PAPO RETO/CONCEITO

As tecnologias criadas entre o fim do século XX e os primeiros anos do XXI têm

promovido alterações, se não nas formas de relacionamentos afetivos e sexuais, ao

menos nos modos de aproximação com vistas a namoros ou encontros físicos. Se não

estão descartadas as antigas formas das pessoas se conhecerem umas às outras, por meio

do trabalho, de amigos em comum ou de lugares de lazer, como bares, boates e shows, a

Internet e os dispositivos móveis têm proposto atalhos e novos padrões para os

encontros entre duas pessoas, nos quais a demonstração de interesse de um no outro e

vice-versa não se dá pela visão e pelo contato presencial, mas pelas palavras, pelas fotos

e pelos perfis definidos pelos próprios interessados.

Dos chats de relacionamentos ao facebook, o que predomina é o padrão dos antigos

“correios sentimentais”, como se chamava os anúncios de solitários em busca de calor a

dois. Em anos mais recentes, aplicativos para download em aparelhos celulares e

congêneres mais avançados, como o Tinder, ampliaram essa tendência de “encontro às

escuras”, tornando mais ligeiras as apresentações por escrito de ambas as partes. O

encontro presencial, neste novo esquema de aproximação, acontece posteriormente,

depois de cada uma das partes emitir sinais claros de suas intenções, mas mais

rapidamente, muitas vezes minutos ou horas depois do primeiro contato virtual. Quando

o encontro é realizado, ninguém está interessado em amizade, às vezes sequer em amor.

O papo é reto. E a decisão de cada um é se vai para a cama ou para outro lugar possível

de sexo no primeiro encontro ou nos encontros seguintes. As opções são muitas.

Desconhecidos solitários ou não, de todos os tipos e para todos os gostos, estão em

oferta sob anonimato. E não há tempo a perder, por isso, parte-se para o frente a frente

imeditato, com base em informações que, no entendimento dos usuários deste tipo de

aplicativos de atendimento emergencial a desejos de sair da solidão, prefiguram

afinidades e sintonias. O dispositivo tem como método a geografia. Os inscritos se

conectam ao dispositivo (onde têm uma ou mais fotos), curtem alguém também

conectado a pouca distância de onde estão naquele momento e, se forem curtidos

também pela mesma pessoa, uma janelinha é aberta para o início da conversa e, caso se

entendam, marcam um encontro para irem ou não aos finalmentes.

Os quatro protagonistas de Papo Reto, comédia multiplot de comportamento

contemporâneo, são usuários do Tinder. Dois homens e duas mulheres, em faixas-

etárias dos 25 aos 45 anos, solteiros e divorciados, menos e mais bem sucedidos em

suas atividades. Não se conhecem, moram em endereços próximos uns dos outros em

bairros de classe média e média alta (Aclimação, Paraíso, Vila Mariana) e, ao longo do

filme, entre outros encontros, irão se conhecer. Cada um deles têm perfis profissionais

distintos, estão em momentos diferentes de suas vidas, mas têm em comum o fato de,

solitários, não estarem satisfeitos afetivamente. Um ou outro contam uma ou outra

mentira inofensiva para parecerem mais interessantes.

Patrícia é uma dona de loja de brinquedos, de 43 anos, divorciada faz seis meses, após

um casamento de oito anos com Mauricio, um advogado da área ambientalista, “o cara

mais legal do mundo”, segundo ela, mas sem interesse por sexo, de quem se torna a

melhor amiga. Atlética e sofisticada, corre diariamente no Parque da Aclimação e

procura alguém minimamente esportivo, sexualmente interessado, para namoro ou algo

mais sério. Seus primeiros encontros no Tinder são mal sucedidos com homens

bombados, mas com papo exclusivo de anabolizantes e comida sem glúten.

Marcio herdou do pai uma whiskeria, a antiga Saideira, que ele mudou para Pé de

Cabra (cuja lógica do nome não tem lógica nenhuma). Está sem convicção em sua

atividade de empresário, tem 31 anos, ainda mora com mãe viúva (Solange, 63 anos)

para economizar dinheiro e tem perfil falso no Tinder (Patrick), onde aumenta a idade

(para 37 anos). Diz ser filho de franceses, embora os pais sejam do interior de Minas, e

encontra a mãe no aplicativo, já que ela também tem perfil fake (Vanessa). Procura uma

mulher responsável e bem sucedida, do signo de capricórnio como a mãe.

Valentina é uma precoce e bem sucedida operadora da bolsa de valores de São Paulo, de

25 anos, nascida e formada no interior de São Paulo (região de Campinas), com pais

fazendeiros em decadência nos negócios agrários. Ela só pensa em trabalho, é

financeiramente independente, tem apartamento próprio, nunca saiu mais de uma vez

com um mesmo homem, jamais teve um orgasmo e quer encontrar alguém, que,

namorando ou não, a faça gozar a vida. Em seus primeiros encontros no Tinder,

conhece pessoas que só fazem auto-promoção de si mesmas, orgulhosas de seus

supostos êxitos profissionais.

Alek é um guitarrista de banda de rock, de 45 anos, divorciado faz três anos, que divide

o apartamento com mais três músicos (a República do Rock) e, para pagar as suas

contas, dá aulas de músicas para crianças de 2 a 5 anos em uma escola infantil

(Pequenos Talentos). Sua ex-mulher se separou por considerá-lo muito imaturo, com a

maior parte de suas amizades abaixo dos 25 anos. Tem um filha dessa idade, Ringo, que

é seu melhor amigo. Toca em qualquer lugar onde lhe paguem ao menos seis cervejas,

apenas covers de rock dos anos 60 e 70. Está para lançar seu primeiro álbum de

composições próprias

Todos vivem incidentes cômicos nos encontros, uns com os outros ou com outras

pessoas do Tinder. O humor não é exatamente centrado em situações absurdas,

chanchadescas ou exageradas, mas em cenas e contingências plausíveis, apoiadas em

pesquisa com adeptos do Tinder dos bairros paulistanos em questão, a maioria delas

inesperadas e inusitadas, com potencial apelo junto a espectadores jovens e adultos,

entre 20 e 55 anos, justamente o leque amplo de idades da maior parte dos usuários.

Embora haja uma unidade narrativa dentro deste micro multiplot, cada um dos

personagens viverá situações autônomas ao longo do filme. No desenvolvimento das

situações, duas duplas irão se tornar mais fixas e recorrentes nos encontros, sem

necessariamente terminarem no altar ou assumirem uma relação estável.