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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP PABLO VIANA PACHECO NORMAS CONSTITUCIONAIS INCONVENCIONAIS DOUTORADO EM DIREITO São Paulo 2015

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

PABLO VIANA PACHECO

NORMAS CONSTITUCIONAIS INCONVENCIONAIS

DOUTORADO EM DIREITO

São Paulo

2015

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PABLO VIANA PACHECO

NORMAS CONSTITUCIONAIS INCONVENCIONAIS

DOUTORADO EM DIREITO

Tese apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para a obtenção do

título de Doutor em Direito, área de

concentração Direito Constitucional, sob a

orientação do Professor Doutor Marcelo de

Oliveira Fausto Figueiredo Santos.

São Paulo

2015

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À Tatiana Cardoso Teixeira Viana, meu amor,

minha esposa, minha amiga, minha sócia,

minha colega de Doutorado e mãe da nossa

Helena.

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BANCA EXAMINADORA

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo apresentar a tese de que existem normas

constitucionais do Estado brasileiro que violam a Convenção Americana sobre Direitos

Humanos (CADH). Parte da hipótese de que o inciso LXVII do art. 5º da Constituição de

1988, que permite a prisão do depositário infiel, viola o art. 7.7 da CADH, o qual veda a

referida forma de privação da liberdade; de que as alíneas “b” e “c” do inciso I do art. 102

da Constituição de 1988, regulamentadas pelo inciso I do art. 5º e alíneas “j” e “k” do

inciso I do art. 9º do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (STF), que permitem

o julgamento em única e última instância pelo STF, sem direito a um recurso, violam a

alínea “h” do art. 8.2 da Convenção Americana, a qual garante o direito ao duplo grau de

jurisdição; bem como a Emenda Constitucional n. 26/85, que anistiou criminosos do

regime militar, viola os arts. 8.1 e 25 da CADH, que estabelecem, respectivamente,

garantias judiciais, direito à proteção judicial e o dever do Estado brasileiro de garantir a

proteção judicial. Para analisar a inconvencionalidade das referidas normas, propõe uma

teoria das gerações de direitos, segundo a qual a primeira geração de direitos é formada

pelos direitos naturais; a segunda geração, pelos direitos legais; a terceira geração é

constituída pelos direitos fundamentais, e a quarta geração é composta pelos direitos

humanos. Justifica-se a presente tese em virtude da necessidade da avaliação da

compatibilidade das normas constitucionais brasileiras em face da CADH. Por fim, chega

à conclusão de que o Estado brasileiro tem o dever de realizar o controle de

convencionalidade das normas constitucionais inconvencionais, em virtude da sua

obrigação de respeitar os direitos humanos, adotando medidas legislativas ou judiciais

para cumprir a Convenção Americana (pacta sunt servanda) de boa-fé (bona fides).

PALAVRAS-CHAVE

Direitos Humanos – Gerações de Direitos – Controle de Convencionalidade –

Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Constituição

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ABSTRACT

The present work aims at presenting the thesis that some Brazilian constitutional rules

violate the American Convention on Human Rights (ACHR). It starts with the hypothesis

that section LXVII from article 5 the 1988 Constitution, which permits the arrestment of the

unfaithful trustee, it violates article 7.7 from the ACHR, which prohibits the referred form of

privacy deprivation; the paragraphs “b” and “c” from section I article 102 of the 1988

Constitution, regulated by section I of article 5 and paragraphs “j” e “k” from section I

article 9) of the Internal Regulations of the Federal Supreme Court (STF), without right to

an appeal, which violate paragraph “h” from the article 8.2 of the American Convention,

which guarantees the right to the double degree of jurisdiction; also, the Constitutional

Amendment 26/85, that amnestied criminals from the military regime, violates article 8.1

and 25 from the ACHR, which establishes judicial guarantees, the right to judicial

protection and the duty of the Brazilian State to guarantee judicial protection. In order to

analyze the unconventionality of such rules, it proposes a theory of the generations of

rights, according to which, the first generation of rights is made by the natural rights, the

second generation by the legal rights, the third generation is constituted by the

fundamental rights and the fourth generation is composed by the human rights. The

present thesis is justified due to the necessity to evaluate the compatibility of the Brazilian

constitutional rules face the ACHR. Finally, it reaches the conclusion that the Brazilian

State has the duty to perform the control of conventionality of unconventional constitutional

rules, due to its obligation to respect the human rights, adopting legislative or judicial

measures to comply with the American Convention (pacta sunt servanda) in good faith

(bona fides).

KEY WORDS:

Human Rights – Generations of Rights – Unconventionality Control – American

Convention on Human Rights – Constitution

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Bolsista da CAPES

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AGRADECIMENTOS

A presente tese é fruto das muitas reflexões e conversas que tive com a minha

esposa Tatiana Cardoso Teixeira Viana, enriquecidas pelas aulas do Prof. Marcelo

Figueiredo e do Prof. Luiz Guilherme Arcaro Conci.

Agradeço a minha esposa, por todo o apoio, incentivo, amor e companheirismo

durante toda a sua vida e durante todo o Doutorado.

Agradeço Soloni Chagas Viana pelo apoio nos momentos difíceis.

Agradeço o Prof. Marcelo Figueiredo pelas excelentes aulas, pelo apoio, pelas

observações no Exame de Qualificação e por todas as orientações que iluminaram a

presente Tese.

Agradeço o Prof. Luiz Guilherme Arcaro Conci pelas grandes aulas e pelas

observações no Exame de Qualificação, as quais contribuíram muito para o

aprimoramento do presente estudo.

Agradeço a Profa. Flávia Piovesan pelos apontamentos no Exame de Qualificação

que engrandeceram a Tese Normas Constitucionais Inconvencionais.

Agradeço a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pelo acolhimento, e a

Capes, por ter me concedido uma de suas bolsas de estudo.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 15

1. AS QUATRO GERAÇÕES DE DIREITOS, AS QUATRO DIMENSÕES DE CONTROLE

ESTATAL E OS INSTRUMENTOS DE CONTROLE DO ESTADO ................................... 21

1.1. Aspectos gerais ................................................................................................. 23

1.2. Conceitos iniciais .............................................................................................. 24

1.2.1. Direitos naturais ................................................................................................ 24

1.2.2. Direitos legais .................................................................................................... 27

1.2.3. Direitos fundamentais........................................................................................ 27

1.2.4. Direitos humanos .............................................................................................. 27

1.2.5. Revolução ......................................................................................................... 28

1.2.6. Revolta .............................................................................................................. 29

1.2.7. Desobediência civil ........................................................................................... 29

1.3. A teoria tradicional das gerações (dimensões) dos direitos .............................. 30

1.4. As quatro gerações de direitos, as quatro dimensões de controle estatal e os

instrumentos de controle do Estado .................................................................................. 31

1.4.1. O direito natural, os direitos naturais e os instrumentos de controle do Estado

não positivados: desobediência civil, revolta e revolução ................................................. 32

1.4.2. As leis, os direitos legais e o controle de legalidade ......................................... 34

1.4.3. A constituição, os direitos fundamentais e o controle de constitucionalidade ... 36

1.4.4. Os tratados internacionais, os direitos humanos e o controle de

convencionalidade ............................................................................................................. 42

1.5. A cumulatividade das gerações de direitos, das dimensões de controle e dos

instrumentos de controle ................................................................................................... 47

1.6. As dificuldades na implantação das gerações de direitos, das dimensões de

controle e dos instrumentos de controle no Brasil ............................................................. 49

1.7. Consequências da consolidação da quarta geração de direitos: o poder

constituinte originário deixa de ser incodicionado e ilimitado juridicamente ...................... 62

2. OS SISTEMAS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS ...... 69

2.1. O sistema global e os sistemas regionais ......................................................... 71

2.2. O sistema universal ........................................................................................... 71

2.3. O Sistema Interamericano de Direitos Humanos .............................................. 78

2.3.1. A Organização dos Estados Americanos .......................................................... 80

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2.3.2. A Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem ............................. 84

2.3.3. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos ........................................... 86

2.3.3.1. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos ............................................ 88

2.3.3.2. A Corte Interamericana de Direitos Humanos ................................................... 94

3. A HIERARQUIA DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL............... 101

3.1. Introdução ....................................................................................................... 103

3.2. Hierarquia de lei ordinária ............................................................................... 105

3.3. Hierarquia supralegal ...................................................................................... 110

3.4. Hierarquia constitucional ................................................................................. 112

3.5. Inexistência de hierarquia ............................................................................... 117

3.6. Hierarquia supraconstitucional ........................................................................ 119

4. O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE NO SISTEMA INTERAMERICANO DE

DIREITOS HUMANOS .................................................................................................... 123

4.1 Introdução ....................................................................................................... 125

4.2 O controle internacional de convencionalidade ............................................... 130

4.3. O controle interno de convencionalidade ........................................................ 135

4.3.1. O controle judicial de convencionalidade ........................................................ 136

4.3.2. O controle legislativo de convencionalidade ................................................... 139

4.3.3. O controle executivo de convencionalidade .................................................... 141

5. AS NORMAS CONSTITUCIONAIS INCONVENCIONAIS NO BRASIL....................... 143

5.1. Introdução ....................................................................................................... 145

5.2 O controle de convencionalidade do inciso LXVII do art. 5º da Constituição de

1988 realizado pelo STF.................................................................................................. 146

5.3. O julgamento da Ação Penal n. 470 e o direito humano de recorrer da sentença

a juiz ou tribunal superior................................................................................................. 157

5.3.1. As tentativas de legitimar a violação do direito humano de recorrer de uma

sentença no julgamento da Ação Penal 470 ................................................................... 160

5.3.1.1. O argumento da legítima exceção .................................................................. 161

5.3.1.2. O argumento dos embargos infringentes ........................................................ 164

5.3.1.3. O argumento da hierarquia ............................................................................. 167

5.3.2. A tentativa de tornar compatível o Regimento Interno do STF ao direito humano

previsto na alínea “h” do art. 8.2 da Convenção Americana de Direitos Humanos.. ....... 170

5.4. A anistia e a inconvencionalidade da Emenda Constitucional n. 26/1985 ...... 173

5.4.1. As Forças Armadas como um poder supraconstitucional ............................... 173

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5.4.2. A anistia como decorrência necessária do exercício do poder

supraconstitucional .......................................................................................................... 180

5.4.3. O controle de constitucionalidade e o controle de convencionalidade: a Emenda

Constitucional nº 26/85 é uma norma constitucional inconvencional .............................. 186

5.4.4. Ignorância, confusão e distinção: a breve análise da jurisprudência da Corte

Interamericana de Direitos Humanos no julgamento da ADPF 153 ................................ 190

5.4.5. A condenação da República Federativa do Brasil pela Corte Interamericana de

Direitos Humanos ............................................................................................................ 197

5.4.6. O descumprimento pela República Federativa do Brasil da sentença da Corte

Interamericana no Caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) Vs.

Brasil................................................................................................................................201

CONCLUSÃO .................................................................................................................. 205

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................ 209

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INTRODUÇÃO

Após o continente americano ser, durante séculos, um ambiente no qual os

Estados, por meio dos seus poderes executivo, legislativo e judiciário, violaram

sistematicamente os direitos humanos dos povos sob a sua jurisdição, realizando

genocídios, escravidão, assassinatos, torturas, desaparecimento forçado de pessoas e

outras violações, a criação e a implantação do Sistema Interamericano de Direitos

Humanos insere-se na tentativa da realização do sonho de proteger os direitos dos seres

humanos em face dos Estados, no continente americano, por normas internacionais

superiores aos organismos estatais a serem interpretadas e aplicadas, no âmbito

internacional, em última análise, por juízes independentes dos Estados.

O Sistema Interamericano de Direitos Humanos foi criado com a aprovação da

Carta da Organização dos Estados Americanos (Carta da OEA) e da Declaração

Americana de Direitos e Deveres do Homem (DADDH), aprimorou-se com a implantação

da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (Comissão IDH), mas consolidou-se,

de fato, com a entrada em vigor da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto

de São José da Costa Rica ou CADH) e a implantação da Corte Interamericana de

Direitos Humanos (Corte IDH).

Por ser membro da OEA, o Brasil se obrigou a respeitar os direitos enumerados na

Carta da OEA e na Declaração Americana (DADDH). Com a adesão à Convenção

Americana (CADH), o Estado brasileiro se comprometeu a respeitar os direitos que o

referido diploma enumera, a garantir o respeito aos mesmos a toda pessoa que esteja

sujeita a sua jurisdição (Art. 1º) e a adaptar o direito interno ao disposto na CADH (Art.

2º).

Ao celebrar a Convenção de Viena, a República Federativa do Brasil se obrigou a

cumprir os tratados (pacta sunt servanda) de boa-fé (bona fides) (Art. 26) e a não invocar

disposições de direito interno (constitucionais ou infraconstitucionais) para justificar o

inadimplemento de um tratado (Art. 27).

Ao reconhecer como obrigatória e de pleno direito a competência da Corte

Interamericana de Direitos Humanos, o Brasil se comprometeu a respeitar as respectivas

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decisões, bem como a realizar o controle de convencionalidade das normas internas

incompatíveis com a CADH.

Apesar de ter assumido a obrigação de respeitar os referidos diplomas

internacionais e ter reconhecido que os seres humanos sob a sua jurisdição possuem

direitos previstos em tratados que devem ser protegidos, o Estado brasileiro tem

sistematicamente desrespeitado os direitos humanos por meio do seu poder constituinte

(originário e derivado) e por meio dos seus poderes constituídos (legislativo, executivo e

judiciário).

O presente estudo tem como objeto defender a tese de que existem normas

constitucionais brasileiras que violam a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e

que, portanto, a República Federativa do Brasil possui o dever de realizar o controle de

convencionalidade das normas constitucionais inconvencionais.

Dessa forma, delimita-se que o objeto de estudo e o problema a ser enfrentado

pela presente tese é a análise da incompatibilidade de determinadas normas

constitucionais elaboradas pelo Estado brasileiro (inciso LXVII do art. 5º e alíneas “b” e “c”

do inciso I do art. 102 Constituição de 1988 e Emenda Constitucional n. 26/85) em face do

disposto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (especificamente no art. 1.1,

no art. 2, no art. 7.7, no art. 8.1, na alínea “h” do art. 8.2 e no art. 25 da CADH).

Defende-se que a permissão constitucional para a prisão do depositário infiel

(inciso LXVII do art. 5º da CF/88) é vedada pela proibição de prisões por dívidas previstas

na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 7.7 da CADH); que a previsão da

Constituição Federal de que algumas autoridades devam ser julgadas pelo STF sem

direito a um recurso (alíneas “b” e “c” do inciso I do art. 102 da CF/88 e inciso I do art. 5º e

alíneas “j” e “k” do art. 9º do Regimento Interno do STF) viola o direito humano de recorrer

de uma sentença a juiz ou tribunal superior (alínea “h” do art. 8.2 da CADH), bem como

que a norma constitucional que anistia os criminosos da Ditadura Militar (Emenda

Constitucional nº 26/85) não é compatível com os direitos humanos previstos na

Convenção Americana sobre Direitos Humanos (arts. 8.1 e 25 da CADH).

Para se demonstrar o objeto do estudo, será verificada a compatibilidade da

interpretação das antinomias supracitadas realizada pelo STF (guardião das normas

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constitucionais brasileiras), em face da interpretação das mesmas antinomias feita pela

Corte IDH (guardiã da Convenção Americana).

Primeiro, analisar-se-á como o STF interpretou as antinomias entre o LXVII do art.

5º da Constituição de 1988 em face do art. 7.7 da CADH; entre as alíneas “b” e “c” do

inciso I do art. 102 Constituição de 1988 frente ao disposto na alínea “h” do art. 8.2 da

CADH; e entre a Emenda Constitucional n. 26/85 e os arts. 8.1 e 25 da CADH. Feita a

análise do entendimento do STF, verificar-se-á a compatibilidade dessa interpretação com

a jurisprudência da Corte IDH, em virtude do disposto no art. 1.1 e 2 da Convenção

Americana.

Todas as demais questões abordadas no presente estudo são auxiliares e

subsidiárias à demonstração do objeto supracitado, sendo apresentadas e analisadas na

forma, na medida e na profundidade necessárias para a demonstração da existência das

referidas normas constitucionais inconvencionais.

Com o objetivo principal de analisar a inconvencionalidade das referidas normas,

no Capítulo I, é proposta uma teoria das gerações de direitos, segundo a qual a primeira

geração é composta pelos direitos naturais; a segunda geração constitui-se dos direitos

legais; a terceira é formada pelos direitos fundamentais, e a quarta estabelece os direitos

humanos.

Coexiste com a teoria das gerações de direitos a teoria das quatro dimensões de

controle estatal, de acordo com a qual a humanidade teria conseguido submeter o Estado

a quatro dimensões de controle pelo direito, sendo que a primeira dimensão de controle

do Estado foi o direito natural, na época em que as entidades estatais somente estavam

condicionadas a um direito não escrito fundado em concepções religiosas ou na razão; a

segunda dimensão de controle do Estado foi a lei, período em que o Estado passou a ter

de cumprir a legislação escrita; a terceira dimensão de controle foi a constituição, com o

constitucionalismo conseguindo submeter todos os poderes estatais ao disposto na

constituição; a quarta dimensão de controle pelo direito está sendo alcançada com a

limitação do Estado pelo disposto nas normas internacionais sobre direitos humanos.

Em consonância com as teorias acima tratadas, também se propõe a teoria dos

quatro instrumentos de controle do Estado, de acordo com a qual a humanidade criou

quatro instrumentos para submeter as entidades estatais ao direito, sendo que os

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primeiros são a desobediência civil, a revolta e a revolução, que condicionam o Estado ao

direito natural; o segundo é o controle de legalidade, que impõe a lei como limite aos atos

estatais; o terceiro é o controle de constitucionalidade, o qual submete o Estado ao

disposto na constituição; o quarto é o controle de convencionalidade, que determina a

obrigatoriedade do Estado cumprir o disposto nos tratados e convenções internacionais

sobre direitos humanos.

No Capítulo II, apresenta-se em linhas gerais o sistema global e os sistemas

regionais sobre direitos humanos, bem como se analisam as principais normas do

Sistema Interamericano de Direitos Humanos (a Carta da Organização dos Estados

Americanos, a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem e a Convenção

Americana sobre Direitos Humanos) e as suas principais instituições (a Organização dos

Estados Americanos, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte

Interamericana de Direitos Humanos).

No Capítulo III, são analisadas as principais teorias sobre a hierarquia normativa

dos direitos humanos em face da Constituição de 1988. Expõe-se, assim, o entendimento

segundo o qual os direitos humanos possuem a mesma hierarquia da legislação ordinária;

a corrente que defende a natureza supralegal dos tratados e convenções sobre direitos

humanos, que ficariam abaixo da constituição, mas acima da legislação

infraconstitucional; a doutrina que reconhece a hierarquia constitucional, para a qual os

direitos humanos se colocam no ordenamento jurídico no mesmo patamar das emendas

constitucionais; a vertente que defende a inexistência de hierarquia entre as normas

nacionais e os diplomas internacionais; por fim, a interpretação que atribui caráter

supraconstitucional aos direitos humanos.

No Capítulo IV, é apresentada brevemente a teoria geral do controle de

convencionalidade e como o referido controle pode ser exercido pelo Estado brasileiro

para tornar as normas constitucionais compatíveis em face do Pacto de São José da

Costa Rica e demais normas do Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

No Capítulo V, com base nos deveres do Estado brasileiro previstos nos arts. 1.1 e

2 da CADH, é proposta a existência das normas constitucionais inconvencionais com a

verificação da compatibilidade das seguintes normas em face da Convenção Americana

sobre Direitos Humanos:

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I. o inciso LXVII do art. 5º da Constituição da República, que permite a prisão

do depositário infiel, e o disposto no art. 7.7 da Convenção Americana, o

qual proíbe a referida prisão por dívida;

II. as alíneas “b” e “c” do inciso I do art. 102 da Constituição brasileira de 1988,

regulamentadas inicialmente pelos incisos I e II do art. 5º ( e posteriormente

também pelas alíneas “j” e “k” do art. 9º) do Regimento Interno do STF1, que

permitem o julgamento de certas autoridades pelo STF, sem direito a um

recurso acessível, e a alínea “h” do art. 8.2 da CADH, que estabelece o

direito humano de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior; e

III. a Emenda Constitucional n. 26/85, que anistiou os que cometeram crimes

políticos ou conexos durante o regime militar, e os arts. 8.1 e 25 da

Covenção Americana, que estabelecem, respectivamente, garantias

judiciais, o direito à proteção judicial e o dever do Estado brasileiro de

garantir a proteção judicial.

Por fim, conclui-se defendendo a existência das normas constitucionais

inconvencionais e asseverando sobre a necessidade do cumprimento pelo Estado

brasileiro do dever de realizar o controle de convencionalidade das referidas disposições

constitucionais, em virtude da sua obrigação de respeitar os direitos humanos, adotando

medidas legislativas ou judiciais para garantir a força normativa da Convenção Americana

sobre Direitos Humanos2 e dos demais tratados internacionais sobre direitos humanos no

território nacional.

1 A Emenda Regimental nº 49/2014 revogou o inciso II do art. 5º e inseriu as alíneas “j” e “k” no art. 9º do

Regimento Interno do STF, tranferindo para as turmas o julgamento de determinadas autoridades, conforme

é analisado na seção específica do presente estudo.

2 Segundo a Corte IDH, “El órgano judicial tiene la función de hacer prevalecer la Convención Americana y

los fallos de esta Corte sobre la normatividad interna, interpretaciones y prácticas que obstruyan el

cumplimiento de lo dispuesto en un determinado caso. En esta tarea, deben tener en cuenta no solamente

el tratado, sino también la interpretación que del mismo ha hecho la Corte Interamericana, intérprete última

de la Convención Americana. (Cf. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes

Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) Vs. Brasil. Resolução de 17 de outubro de 2014. Parágrafo 19. p. 11

Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/supervisiones/gomes_17_10_14.pdf. Acesso em: 4 dez. 2015.

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Capítulo 1

1. AS QUATRO GERAÇÕES DE DIREITOS, AS QUATRO DIMENSÕES DE

CONTROLE ESTATAL E OS INSTRUMENTOS DE CONTROLE DO ESTADO

1.1. Aspectos gerais; 1.2. Conceitos iniciais; 1.2.1. Direitos naturais;

1.2.2. Direitos legais; 1.2.3. Direitos fundamentais; 1.2.4. Direitos humanos;

1.2.5. Revolução; 1.2.6. Revolta; 1.2.7. Desobediência civil; 1.3. A

teoria tradicional das gerações (dimensões) dos direitos; 1.4. As quatro

gerações de direitos, as quatro dimensões de controle estatal e os instrumentos de

controle do Estado; 1.4.1. O direito natural, os direitos naturais e os

instrumentos de controle do Estado não positivados: desobediência civil, revolta e

revolução; 1.4.2. As leis, os direitos legais e o controle de legalidade; 1.4.3. A

constituição, os direitos fundamentais e o controle de constitucionalidade; 1.4.4.

Os tratados internacionais, os direitos humanos e o controle de

convencionalidade; 1.5. A cumulatividade das gerações de direitos, das

dimensões de controle e dos instrumentos de controle; 1.6. As dificuldades na

implantação das gerações de direitos, das dimensões de controle e dos

instrumentos de controle no Brasil; 1.7. Consequência da consolidação da

quarta geração de direitos: o poder constituinte originário deixa de ser

incodicionado e ilimitado juridicamente.

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22

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AS QUATRO GERAÇÕES DE DIREITOS, AS QUATRO DIMENSÕES DE CONTROLE

ESTATAL E OS INSTRUMENTOS DE CONTROLE DO ESTADO

1.1. Aspectos gerais

Os direitos não surgiram de uma vez só, nem de uma vez por todas. Eles surgiram

em gerações, em um processo histórico no qual cada geração conquistou novos direitos

que se somaram àqueles alcançados pelas gerações anteriores.

Existe uma teoria que propõe o surgimento geracional ou dimensional dos direitos,

proposta inicialmente por Karel Vasak, no final do Século XX3. Essa teoria se fundamenta

no valor dos direitos protegidos. Nessa perspectiva, os direitos reconduzir-se-iam a três

categorias fundamentais: direitos fundados no valor liberdade (primeira geração ou

dimensão); direitos de prestação, fundados no valor igualdade (segunda geração ou

dimensão), e os direitos fundados na fraternidade ou na solidariedade (terceira geração

ou dimensão)4.

No presente capítulo, será proposta uma teoria sobre as gerações de direitos,

fundada na natureza da norma que estabelece o direito, segundo a qual a primeira

geração seria formada pelos direitos naturais, a segunda pelos direitos legais, a terceira

pelos direitos fundamentais, bem como a quarta pelos direitos humanos.

Como cada geração de direitos foi estabelecida por uma dimensão de controle do

Estado, também se apresenta, em conjunto com a teoria sobre as quatro gerações dos

direitos, a teoria das quatro dimensões de controle do Estado. Segundo a referida teoria,

a humanidade conquistou, ao longo da história, quatro dimensões de controle do Estado

pelo direito, sendo que a primeira dimensão de controle do Estado foi realizada pelo

direito natural, quando o único limite ao arbítrio estatal eram normas não escritas

fundadas na razão, na natureza ou nas concepções religiosas de um determinado povo; a

segunda dimensão de controle foi estabelecida com o surgimento da legislação, quando o

Estado passou a ser limitado por leis escritas; a terceira geração de controle do Estado

3 VASAK, Karel. For the Third Generation of Human Rigths. In: VASAK, Karel. The international

dimensions of human rights. Paris: UNESCO, 1982.

4 Alguns autores apresentam outras gerações. Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional.

16.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.

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originou-se quando o constitucionalismo conseguiu submeter o Estado à constituição;

bem como a quarta dimensão está sendo alcançada com a submissão do Estado ao

disposto nos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos.

Já que cada geração de direitos, criada por cada dimensão de controle estatal,

estabelece instrumentos específicos de controle do Estado, também se apresenta a teoria

dos instrumentos de controle estatal.

Como não é escrito, o direito natural (primeira dimensão) também controla o

Estado por meio de instrumentos não escritos como a desobediência civil, a revolta e a

revolução; a segunda dimensão de controle do Estado (a lei) estabelece o controle de

legalidade; a terceira (a constituição) possui como instrumento o controle de

constitucionalidade, bem como a quarta (tratados e convenções internacionais sobre

direitos humanos) tem como instrumento o controle de convencionalidade.

1.2. Conceitos iniciais

Como não existe um padrão nos conceitos, termos e designações na doutrina e

nos instrumentos normativos5, antes de se analisar a teoria tradicional e as teorias

propostas, é necessário determinar os conceitos que serão utilizados no presente estudo.

1.2.1. Direitos naturais

Direitos naturais, como o próprio nome indica, são direitos inerentes ao indivíduo,

anteriores a qualquer contrato social6, a que todo grupamento humano ou Estado deve

5 Segundo André de Carvalho Ramos, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem de 1948

adota, já no preâmbulo, as locuções “direitos do homem” e “direitos essenciais do homem”. A Declaração

Universal de Direitos Humanos, por seu turno, estabelece em seu preâmbulo a necessidade de respeito aos

“direitos do homem” e logo após a “fé nos direitos fundamentais do homem” e ainda o respeito “aos direitos

e liberdades fundamentais do homem”. A Carta da Organização das Nações unidas emprega a expressão

“direitos humanos” (preâmbulo e art. 56), bem como “liberdades fundamentais” (art. 56, alínea c). A Carta

dos Direitos Fundamentais da União Europeia de 2000 (revisada em 2007) lança mão da expressão

“direitos fundamentais” e a Convenção Europeia de Direitos do Homem e Liberdades Fundamentais de

1950 adotou a locução “liberdade fundamental”. (RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos.

2.ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 51-52.).

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25

obediência, apesar de não necessitarem de positivação ou de previsão legal para sua

existência.

Seriam direitos sempre justos que decorreriam da lex divina, da lex natura ou da

recta ratio. Em uma visão religiosa do direito, fundam-se nas normas sagradas postas por

uma divindade; em uma concepção secular e racionalista do direito, são direitos postos

pela natureza das coisas ou fundados na razão.

Há quem denomine os direitos naturais como direitos do homem e os defina como

valores ético-políticos ainda não positivados anteriores ao direito positivo7. Na

Antiguidade, havia o entendimento de que o direito natural era superior ao direito positivo;

na Idade Média, o direito natural era visto como uma norma superior, de inspiração divina,

na qual todas as demais normas deviam ser inspiradas8.

Na Idade Moderna, John Locke entendia que o poder do Parlamento encontrava

limites no direito natural9; durante a Revolução Francesa, na passagem da Idade Moderna

para a Contemporânea, Emmanuel Joseph Syeyès, criador da teoria do poder

constituinte, defendeu que este - o poder constituinte - era superior a tudo, devendo,

entretanto, conformar-se ao direito natural10.

Os direitos naturais seriam a matéria primária da qual são feitos os demais direitos.

Os direitos legais, fundamentais e humanos seriam, assim, os direitos naturais positivados

em leis, em constituições e em tratados internacionais sobre direitos humanos.

Mesmo sem estarem positivados em normas, são reconhecidos pelos juristas como

direitos vigentes e podem ser declarados pelos livres intérpretes do direito natural ou por

meio de decisões judiciais. A Suprema Corte norte-americana, por exemplo, declarou a

6 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.ed. Coimbra:

Coimbra, 2003, p. 394.

7 MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 25-26.

8 CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial das leis no direito comparado. Porto Alegre: Mauro Fabris

Editor, 2002, p. 52.

9 Mas não defendia que nenhum órgão exercesse o poder de interpretar o direito natural acima do

Parlamento. (Cf. LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. São Paulo: Martin Claret, 2005, p.

149.).

10 SIEYÈS, Emmanuel Joseph. A constituinte burguesa. O que é o terceiro Estado? 4.ed. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2001, p. 48.

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existência do direito à privacidade (não positivado na Constituição de 1787) e, desde

então, tem utilizado o referido direito para declarar nulas normas positivas elaboradas

pelo legislador infraconstitucional democrático, em uma vasta jurisprudência11. No Brasil,

o Supremo Tribunal Federal, no Acórdão da ADI 4.277-DF e da ADPF 132-RJ12,

reconheceu a existência do “direito à preferência sexual”, do “direito à autoestima” e do

“direito à busca da felicidade”, não positivados na Constituição de 1988, bem como, em

conjunto com outras disposições, utilizou-o para realizar o controle de constitucionalidade

de norma elaborada pelo Congresso Nacional.

No Brasil, pode-se afirmar que o reconhecimento dos direitos naturais pelo direito

positivo encontra-se nos arts. 4º e 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito

Brasileiro13, no §2º do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil14 e na

alínea “c” do art. 29 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos15.

11

Como, por exemplo, em Griswold Vs. Connecticut (1965), na qual a Suprema Corte declarou que a lei que bania o uso de contraceptivos, ao ser aplicada a casais casados, configurava uma inadmissível invasão da privacidade familiar (right to marital privacy), direito não enumerado na Constituição de 1787; como, por exemplo, em Loving Vs.Virginia (1967), na qual a Suprema Corte decidiu que a Lei do Estado da Virgínia que proibia casamentos inter-raciais era inconstitucional, como, por exemplo, no caso Eisenstadt Vs. Baird (1972), quando foi estendida aos casais não casados a decisão do caso Griswold Vs. Connecticut e, finalmente, como no caso Roe Vs. Wade na qual se estendeu esses precedentes para proteger o direito das mulheres quanto ao direito de realizar o aborto, com fundamento no direito não enumerado à privacidade. (Cf. nesse sentido, TRIBE, Laurence; DORF, Michael. Hermenêutica constitucional. Belo Horizonte: Del

Rey, 2007.)

12 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão que julgou conjuntamente a ADI

4.277-DF e a ADPF 132-RJ. p. 2. fls. 622. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628635. Acesso em: 12 jun. 2015

13 Os arts. 4º e 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de

setembro de 1942) estabelecem que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito” e que na “aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.”

14 O § 2º do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil possui a seguinte redação: “Os

direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

15 A alínea “c” do artigo 29 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969, estabelece, nas

suas normas de interpretação, que “nenhuma disposição da presente Convenção pode ser interpretada no sentido de: [...] c) excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrática representativa de governo.”

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27

1.2.2. Direitos legais

Os direitos legais são direitos positivados nas leis. São os direitos positivados, em

regra, pelo parlamento, na elaboração da legislação infraconstitucional. No ordenamento

jurídico brasileiro, são direitos positivados em normas com a hierarquia jurídica de lei

ordinária ou complementar como, por exemplo, os direitos enumerados, atualmente, no

Código Civil, no Estatuto da Criança e do Adolescente, no Estatuto do Idoso e no Código

de Defesa do Consumidor.

1.2.3. Direitos fundamentais

Os direitos fundamentais, por sua vez, são direitos previstos em uma constituição,

vigentes em uma ordem jurídica espaço-temporal concreta, que possuem como

destinatários todos os seres humanos que a referida norma suprema declara titulares

desses direitos. São os direitos previstos nas normas constitucionais. No Brasil, estão

positivados no Título II da Constituição de 1988, bem como ao longo de todo o texto

constitucional16.

1.2.4. Direitos humanos

Os direitos humanos são direitos positivados nos tratados e nas convenções

internacionais sobre direitos humanos17, que possuem como destinatários, em regra18,

16

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. ADI 939-7-DF. p. 4. fls. 166. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=266590. Acesso em: 2 jun. 2015.

17 Essa definição encontra respaldo na Constituição Brasileira de 1988, que, todas as vezes que se refere a

direitos enumerados nos tratados e convenções internacionais, denomina-os de direitos humanos. Por

exemplo, pode-se citar o inciso II do art. 4º, o § 3º do art. 5º, o inciso V-A e o § 5º do art. 109 e o art. 7º do

ADCT.

18 Os destinatários dos direitos humanos, em regra, são todos os seres humanos. Contudo, um tratado

específico pode restringir o alcance dos direitos humanos a apenas uma região do globo terrestre ou a

apenas um grupo de pessoas.

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todos os seres humanos. São os direitos previstos, por exemplo, na Convenção

Americana sobre Direitos Humanos, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e

no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

As principais disposições relativas aos direitos humanos previstas na Constituição

de 1988 encontram-se no inciso II do art. 4º, nos parágrafos segundo e terceiro do art. 5º

e no art. 7º do ADCT.

1.2.5. Revolução

Revolutio, em latim, é o ato ou efeito de revolvere, no sentido literal de voltar para

trás e, no figurativo, de retorno ao ponto de partida. Copérnico, em sua obra de 1543, na

qual defendeu o heliocentrismo (De revolutionibus orbium coelestium), usou a palavra no

sentido de expressar o movimento cíclico dos astros, especificamente a órbita dos

planetas em torno do sol19.

No início do uso político do termo, realizado pelos ingleses, o vocábulo tinha o

sentido de retorno às origens para que pudesse ocorrer a restauração dos antigos

costumes, direitos e liberdades. Com esse significado, o termo revolução foi usado, pela

primeira vez, para caracterizar a restauração monárquica, em 1660, após a ditadura de

Cronwell. Entretanto, somente entrou definitivamente para a história com a Revolução

Gloriosa e o seu Bill of Rights, de 1689.20

Desde a Revolução Francesa (1789), o termo sofreu uma mudança semântica e,

ao invés de significar um retorno aos antigos direitos, costumes e liberdades, como era

utilizado no Reino Unido, passou a ser usado para indicar uma renovação completa das

estruturas sociopolíticas21, com a criação de uma nova estrutura jurídica e de novos

direitos. A revolução seria a transformação por completo das estruturas do Estado, com a

instauração de uma nova ordem jurídica e com a implantação de um novo direito.

19

COMPARATO. Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3.ed. São Paulo: Saraiva,

2003, p. 129.

20 Ibid., p. 129.

21 Ibid., p. 129.

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29

O direito de revolução é o direito que os seres humanos possuem de lutar, de

forma pacífica ou violenta, para instaurar uma nova ordem jurídica quando a atual perde a

legitimidade por violar os direitos naturais. São exemplos de revolução a Revolução

Francesa, de 1789, e a Revolução Russa, de 1917.

1.2.6. Revolta

A revolta é o ato violento de resistir a uma violação do direito natural. É a atividade,

justificada no direito natural, de se contrapor a uma ordem ou comando violador dos

referidos direitos. A revolta se distingue da revolução pelo fato de aquela ser uma

resistência a um ato ou norma específica, enquanto esta opera contra todo o

ordenamento jurídico. O direito de revolta surge quando uma pessoa ou grupo de pessoas

têm um direito violado por uma norma ou comando contrário aos direitos naturais. É um

exemplo a Revolta da Chibata, na qual marinheiros se insurgiram contra o Decreto n. 328,

de 12 de abril de 1890, que previa a aplicação da pena de chibata em violação aos

direitos naturais.

1.2.7. Desobediência civil

A desobediência civil, por sua vez, é o ato de desobedecer, de maneira pacífica, a

uma norma que viole o direito natural. É uma forma de violação de uma norma ou ordem

considerada justificada eticamente no direito natural que nasce perante uma ordem

injusta. Distingue-se da revolta por ser uma forma pacífica de resistência. Exemplos de

desobediência civil são os atos que foram os praticados sob a liderança de Ghandi, na

Índia, e por Nelson Mandela, na África do Sul, no Século XX.

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30

1.3. A teoria tradicional das gerações (dimensões) dos direitos

No final do Século XX, o jurista Karel Vasak propôs a teoria das três gerações de

direitos22. Posteriromente, às três gerações iniciais, juristas fizeram acréscimos23.

As três gerações iniciais se reduziriam aos lemas da Revolução Francesa:

liberdade, igualdade e fraternidade. Os direitos de primeira geração estariam ligados ao

valor liberdade; os de segunda remeteriam à igualdade; e os de terceira se refeririam à

fraternidade.

A primeira geração encarnaria a liberdade e a autodeterminação do indivíduo e

remeteria a uma atuação negativa do Estado, o qual teria o dever de defender a

autonomia e a liberdade do indivíduo. São direitos de defesa contra intervenções

indevidas do Estado e se traduziriam em postulados de abstenção estatal, gerando

obrigações negativas, de não intervir sobre a esfera pessoal dos indivíduos. São os

direitos civis e políticos e os direitos e liberdades individuais. Podem-se citar como

exemplos os direitos à vida, à liberdade, à propriedade, à liberdade de consciência, de

crença e de culto, o direito de reunião e à inviolabilidade do domicílio.

Inspiraram as revoluções liberais dos séculos XVII e XVIII, na Europa, e a

independência dos Estados Unidos, do Brasil e das demais colônias na América Latina,

nos séculos XVIII e XIX.

Foram positivados em documentos como a Declaração Universal dos Direitos do

Homem e do Cidadão, de 1789, na França; na Constituição dos Estados Unidos da

América, de 1787 (com as dez emendas de 1791); na Constituição do Brasil de 1824,

após a independência, e na de 1891, após a Proclamação da República.

Na primeira metade do Século XX, uma nova compreensão do relacionamento

entre o Estado e a sociedade decorrente da industrialização, do sindicalismo e do

socialismo fez com que surgissem os direitos ligados ao valor igualdade. Direitos que não

mais impõem uma abstenção do Estado, mas que, ao contrário, obrigam a realização de

prestações positivas. São os direitos econômicos, sociais e culturais que se materializam

22

VASAK, Karel. op. cit.

23 BONAVIDES, Paulo. op. cit. p. 570 e ss.

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nas liberdades sociais, como o direito de sindicalização e de greve, como também no

direito à saúde, à educação, à habitação e os trabalhistas. Foram positivados na

Constituição mexicana de 1917, na Constituição Weimar, de 1919, e na Constituição

brasileira de 1934.

A partir da segunda metade do Século XX, começaram a surgir direitos que

emanariam do valor fraternidade, os quais estabeleceriam uma terceira geração. Direitos

de titularidade da comunidade que englobariam uma dimensão coletiva como os direitos à

paz, ao desenvolvimento, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e ao patrimônio

histórico e cultural comum da humanidade.

Essa teoria tem como base o valor fundante de cada uma das gerações

(dimensões): a liberdade, a igualdade e a fraternidade. O presente estudo propõe uma

teoria das gerações dos direitos fundada na norma pela qual o direito é positivado e nos

instrumentos de controle estatal estabelecidos pelo direito.

A teoria tradicional não faz referência ao controle do Estado por normas de

naturezas diversas e também não analisa nenhum instrumento de controle do Estado.

1.4. As quatro gerações de direitos, as quatro dimensões de controle estatal e os

instrumentos de controle do Estado

Pode-se definir o Estado como uma força (poder soberano) sobre um povo em um

determinado território. Como, ao longo da história, o Estado tem sido o maior violador dos

direitos dos seres humanos, tem-se tentado, por diversas dimensões de controle,

submeter o Estado ao direito.

Apesar de ser um processo assimétrico, pode-se afirmar que a humanidade

conseguiu impor ao Estado quatro dimensões de controle pelo direito: o direito natural, a

lei, a constituição e os tratados e convenções internacionais.

As quatro dimensões de controle do Estado pelo direito, conquistadas pelos seres

humanos, ao longo do tempo, na realização da necessidade de limitar o poder das

organizações políticas estatais, criaram quatro gerações de direitos: os direitos naturais,

os direitos legais, os direitos fundamentais e os direitos humanos.

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Cada uma das quatro dimensões de controle do Estado estabeleceu seus próprios

instrumentos de controle. O direito natural possui como instrumentos de controle a

revolução, a revolta e a desobediência civil; a lei possui o instrumento de controle de

legalidade; a constituição possui o instrumento do controle de constitucionalidade e os

tratados e convenções internacionais possuem o instrumento de controle de

convencionalidade.

1.4.1. O direito natural, os direitos naturais e os instrumentos de controle do Estado

não positivados: desobediência civil, revolta e revolução

Antes da criação das primeiras normas escritas, o Estado atuava sem nenhuma

limitação formal positivada sobre os humanos que habitavam o seu território. A única

limitação existente ao poder do Estado eram as concepções éticas, políticas ou religiosas

consideradas obrigatórias existentes na sociedade. Esse direito natural era formado por

direitos não escritos, radicados na consciência de justiça da coletividade, inerentes aos

seres humanos, prévios e independentes de qualquer contrato social.

Esse direito natural tornaria os seres humanos detentores de direitos naturais

formados por concepções de justiça e por valores éticos, religiosos, culturais e políticos

inspirados em uma divindade ou interpretados a partir da natureza das coisas ou pela

razão reta.

Mais de dois mil anos atrás, a peça Antígona, de Sófocles, demonstrava a

concepção da antiguidade grega a respeito das limitações ao governante impostas pelos

direitos naturais. Na referida peça, após Antígona ter enterrado o seu irmão violando as

determinações do soberano Creonte, ele a questiona sobre se ela tinha violado a

determinação dele de proibir o enterro em uma sepultura religiosa dos que morreram em

revolta contra o soberano. Antígona respondeu: - Sim, pois não foi Zeus que a proclamou!

Não foi a justiça, sentada junto aos deuses inferiores; não, essas não são as normas que

os deuses tenham algum dia prescrito aos homens, e eu não imaginava que as tuas

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proibições fossem assaz poderosas para permitir a um mortal descumprir as outras leis,

não escritas, inabaláveis, as leis divinas24.

Da mesma forma que Antígona tinha o entendimento de que os atos do soberano

Creonte eram limitados pelo direito natural, durante toda a história da humanidade, houve

o entendimento de que havia um direito não escrito - sempre justo – superior, que limitava

os atos do Estado.

Como os direitos naturais não são escritos, criam instrumentos de controle do

Estado também não escritos. Por isso, pode-se afirmar que decorrem da limitação do

Estado pelo direito natural o controle por meio da desobediência civil, conforme fez

Antígona, mais de dois mil anos atrás, e por meio da revolta, como fizeram, por exemplo,

os marinheiros brasileiros, em 1910, na Revolta da Chibata, ou por meio da revolução,

como fizeram os revolucionários norte-americanos, em 1776.

Como em 1910, o Decreto 328, de 12 de abril, previu o restabelecimento da pena

de chibata para os marinheiros de baixa patente da Marinha brasileira (uma pena que

violava o direito natural a não sofrer penas cruéis, que não era positivado na Constituição

de 1891), os marinheiros se utilizaram do instrumento de controle pelo direito natural da

revolta. No exercício do referido instrumento de controle, amotinaram alguns navios da

Marinha e ameaçaram bombardear a Capital da República, caso a norma não fosse

abolida. Utilizado o instrumento não positivado de controle, a pena foi abolida e os

marinheiros anistiados pelo Decreto 2.280, de 25 de novembro de 2010.

Além do instrumento de controle pela desobediência civil e pela revolta, outro

instrumento existente de controle pelo direito natural é a revolução. A Declaração de

Independência dos EUA (1776) deixa clara a relação entre os direitos naturais e o

controle do Estado por meio da revolução:

Quando, no curso dos acontecimentos humanos, se torna necessário a um povo dissolver os laços políticos que o ligavam a outro, e assumir, entre os poderes da Terra, posição igual e separada, a que lhe dão direito as leis da natureza e as do Deus da natureza, o respeito digno para com as opiniões dos homens exige que se declarem as causas que os levam a essa separação. Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade. Que a fim de

24

COMPARATO, Fábio Konder. op. cit., p. 13

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assegurar esses direitos, governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados; que, sempre que qualquer forma de governo se torne destrutiva de tais fins, cabe ao povo o direito de alterá-la ou aboli-la e instituir novo governo, baseando-o em tais princípios e organizando-lhe os poderes pela forma que lhe pareça mais conveniente para realizar-lhe a segurança e a felicidade. [...] Apelamos para a justiça natural e para a magnanimidade, e conjuramo-los, pelos laços de nosso parentesco comum, a repudiarem essas usurpações que interromperiam, inevitavelmente, nossas ligações e a nossa correspondência. Permaneceram também surdos à voz da justiça e da consanguinidade. [...] Nós, por conseguinte, representantes dos Estados Unidos da América, reunidos em Congresso Geral, apelando para o Juiz Supremo do mundo pela rectidão das nossas intenções, em nome e por autoridade do bom povo destas colônias, publicamos e declaramos solenemente: que estas colônias unidas são e de direito têm de ser Estados livres e independentes.

Na análise do texto da declaração, se verifica facilmente que, na concepção dos

revolucionários, o poder do Estado inglês estava limitado pelo direito natural, bem como

que a violação dos direitos naturais pelo Estado dava ao povo o direito de utilizar o

instrumento de controle do Estado pela revolução25.

Assim, a primeira dimensão de controle imposta ao poder do Estado foi o direito

natural, a primeira geração de direitos a existir na história da humanidade foram os

direitos naturais, bem como os primeiros instrumentos de controle do Estado foram a

desobediência civil, a revolta e a revolução.

1.4.2. As leis, os direitos legais e o controle de legalidade

Quando o direito foi positivado em uma lei escrita, alcançou-se uma segunda

dimensão de controle do Estado26. Na emergência do Estado de Direito, na realização de

25

Segundo Garcia de Enterría “ese «derecho más alto» es en el que se funda la rebelion [dos colonos

americanos contra o Estado do Reino Unido] y su afirmación va estar en las proclamaciones del nuevo

orden [...]. Los colonos encuentram en Coke y en Locke sus mentores jurídicos directos. Ambos son

herederos de la gran tradición iusnaturalista europea, en la que expresamente apoyan su concepción de um

parâmetro normativo superior a las leyes positivas: el Derecho natural, que es a la vez la expressión de uma

lex eterna y lex legun, Ley para todas las leyes.” (Cf. ENTERRÍA, Eduardo Garcia de. La Constitucion

como norma y el Tribunal Constitucional. Madri: Civitas, 1982. p. 51-52.).

26 Platão, em sua obra denominada A Lei, afirma: “de fato, onde a lei está submetida aos governantes e

esta privada de autoridade, vejo a pronta ruína das cidades; onde, ao contrário, a lei é senhora dos

governantes e os governantes são seus escravos, vejo a salvação das cidades e sobre elas acumular-se de

todos os bens que os deuses costumam conceder às cidades.” (Cf. BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da

Política. São Paulo: Campus, 2000, p. 207 e 237.).

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um ideal antigo27, ocorreu a submissão do Estado à lei. Emergiu, assim, o Estado de

Direito da Legalidade ou o Estado de Legislação Parlamentar ou o Estado Legal.

No Estado Legal, afirma-se o primado da lei com base na teoria da soberania

nacional expressa pela assembleia legislativa. O princípio da primazia da lei submete o

poder político de duas formas. Pela primeira, os cidadãos têm a garantia de que a lei

somente pode ser editada pelo órgão representativo da vontade geral; de acordo com a

segunda, a lei, como obra dos representantes da nação, submete o poder executivo e, por

isso, todas os atos deste devem estar em conformidade com aquela (princípio da

legalidade da administração)28.

Um dos maiores teóricos do Estado Legal, Willian Blackstone, deixou em sua obra

bem claro o que seria o Estado da Legislação Parlamentar. No seu livro “Commentaries

on the Laws of England”, de 1770, no Reino Unido, defendeu que “the power of parliament

is absolute and without control”29. Para Blackstone, o Parlamento britânico tem autoridade

soberana e incontrolável para fazer, confirmar, ampliar, restringir, revogar, interpretar

qualquer lei. O Parlamento, de acordo com Blackstone, é o lugar onde o poder absoluto e

despótico, que em todos os governos há de residir em alguma parte, é depositado pela

Constituição. O que o Parlamento faz, segundo o autor, nenhuma autoridade sobre a terra

pode desfazer. O Parlamento é, para Blackstone, portanto, o verdadeiro soberano e sua

autoridade é suprema, irresistível, absoluta e incontrolada30.

O princípio da separação dos poderes, nesse panorama, visava assegurar que

todos estivessem submetidos à lei elaborada pelo Poder Legislativo.

27

O ideal da submissão do Estado à lei é antigo. Por exemplo, para Platão, somente era um governo

virtuoso, o governo no qual a lei é senhora dos governantes. Aristóteles, seguindo relativamente a mesma

linha, defendia que o governo das leis é bom se as leis forem boas, e são boas as leis que visam ao bem

comum. Para Aristóteles, o melhor modo, a forma mais segura que o governante tem de perseguir o bem

comum, é seguindo as leis, que não têm paixões. (VIANA PACHECO, Pablo. A construção da

legitimidade da justiça constitucional. Belo Horizonte: Bioconsulte, 2009, p. 55).

28 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. cit., p. 96.

29 BLAKSTONE, Willian. Commentaries on the Laws of England. Livro I, 1770, p. 157. [e-book] Disponível

em: http://avalon.law.yale.edu/18th_century/blackstone_bk1ch2.asp. Acesso em: 28 maio 2015.

30 Ibid. Para uma maior análise sobre o pensamento de Blackstone, Cf. VIANA PACHECO, Pablo. op. cit., p.

33.

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36

Surgem, assim, os direitos de segunda geração. São os “direitos legais” que

constam em normas com o valor de lei31.

A lei escrita se impôs como a segunda dimensão de controle do Estado, que

passou a ter os seus atos vinculados ao princípio da legalidade e, consequentemente,

criou-se o controle de legalidade, o instrumento de controle da segunda dimensão. Todos

os atos do poder público deviam se submeter à lei e serem controlados por ela.

No modelo clássico, o controle de legalidade é um controle de conformidade ou

desconformidade dos atos administrativos com as leis, bem como dos atos

regulamentares com os atos legislativos32.

Portanto, a segunda dimensão de controle do Estado são as leis, a segunda

geração de direitos são os direitos legais, bem como o segundo instrumento de controle

do Estado é o controle de legalidade.

1.4.3. A constituição, os direitos fundamentais e o controle de constitucionalidade

Estabelecida a segunda dimensão de controle do Estado, os direitos de segunda

geração e o controle de legalidade, verificou-se que a lei, que agora controlava o Estado,

poderia ser injusta e violar o direito natural, bem como o legislador poderia abusar do seu

poder. Por isso, as próprias leis previram a possibilidade de serem aplicadas em uma

interpretação aberta ao direito natural33, bem como - sempre que a lei causasse uma

injustiça violadora do direito natural - poderia ser realizado o controle da lei por meio da

desobediência civil, pelo direito de revolta ou pelo direito de revolução, como fez Ghandi,

na Índia, em face das leis inglesas que violavam os direitos naturais não escritos à

autodeterminação e à igualdade do povo indiano; e Nelson Mandela, na África do Sul,

contra as leis que violavam o direito natural à igualdade.

31

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. cit., p. 927.

32 Ibid., p. 928.

33 Por exemplo, o art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de

setembro de 1942) estabelece que na “aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e

às exigências do bem comum.”

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37

Durante um período, estabeleceu-se também um controle judicial das leis pelo

direito natural.

Em 1610, no Reino Unido, Edward Coke defendeu: “when an act of Parliament is

against common right or reason, or repugnant, or impossible to be performed, the common

law will controul it and adjudge such act to be void”34.

As dificuldades decorrentes da inexistência de positivação dos direitos fundados

em ideais de justiça de primeira geração (direitos naturais)35 e as dificuldades práticas do

exercício dos instrumentos de controle da primeira dimensão (desobediência civil; revolta;

revolução e controle judicial pelo direito natural)36, somadas aos problemas originadas da

fragilidade dos direitos de segunda geração (direitos legais)37, e do instrumento de

controle de segunda dimensão (controle de legalidade)38, tornaram necessário positivar os

34

Cf. COKE, Edward. Sentença do Dr. Bohan’s case de 1610. Disponível em: http://press-

pubs.uchicago.edu/founders/tocs/amendV_due_process.html). Acesso em: 10 ago. 2015.

35 A inexistência de positivação do direito natural cria problemas como a imprecisão e a possibilidade de

diversas interpretações divergentes. Para uma análise maior das dificuldades do direito natural, conferir

KELSEN, Hans. A justiça e o direito natural. Coimbra: Almedina, 2001.

36 Os problemas dos controles pela desobediência civil, a revolta e a revolução decorrem dos conflitos

sociais e da violência gerada pelos referidos mecanismos. Na Revolta da Armada, em 1910, morreram

centenas de pessoas; na Revolução Francesa, morreram milhares de pessoas; nos movimentos de

desobediência civil liderado por Ghandi e Mandela também morreram milhares de pessoas. Os problemas

decorrentes do controle judicial pelo direito natural podem ser encontrados principalmente na questão da

legitimidade democrática. Segundo John Hart Ely, por mais que se admita que uma maioria sem travas é

perigosa, seria necessário um argumento heroico para se passar dessa ideia à conclusão de que a

aplicação, por parte de funcionários não eleitos de uma constituição não escrita, seria uma resposta

apropriada ao perigo da tirania da maioria em uma república democrática (Cf. ELY, John Hart. Democracy

and distrust. A theory os judicial review. Cambridge, Massachusetts and London: Harward University,

1980, p. 8) Para maiores esclarecimentos sobre as críticas que um controle judicial das leis com base no

direito natural, Cf. VIANA PACHECO, Pablo. op. cit, ou CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Porto

Alegre: Sérgio Fabris Editor. 1999.

37 A fraqueza dos direitos legais decorre de sua baixa hierarquia no ordenamento jurídico, bem como da

possibilidade de serem revogados - a qualquer momento - pelo legislador ordinário. Além disso, é preciso

levar em consideração as injustiças criadas pelo legislador ordinário e a necessidade de controlar os abusos

do Parlamento. Para uma análise maior dos benefícios da constitucionalização do direito, que transformou

as leis escritas em um direito mais justo, conferir o estudo sobre a constitucionalização do direito feito por

BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 2.ed. São Paulo: Saraiva,

2010, p. 352 a 395.

38 O controle de legalidade, apesar de ser efetivo em face do Poder Executivo, possui dificuldade para

controlar o parlamento.

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38

direitos supremos (direitos naturais) em uma norma escrita também suprema, que

estabelecesse um controle mais forte dos atos estatais.

Tornou-se necessário criar a terceira geração de direitos (diretos fundamentais), a

terceira dimensão de controle estatal (a constituição) e o terceiro instrumento de controle

do Estado (o controle de constitucionalidade).

Assim, os direitos naturais (como o direito à vida, à liberdade e à igualdade) foram

positivados em uma norma suprema (constituição)39 40, tornando-se direitos fundamentais.

A ideia de que se estava positivando os direitos naturais em uma norma escrita era

tão clara, no período, que os elaboradores das primeiras normas com direitos

fundamentais não afirmavam que criavam ou estabeleciam novos direitos, mas que

expunham algo que preexistia: os direitos naturais. 39

Sem esta positivação jurídica, para Canotilho, os direitos são esperanças, aspirações, ideias, impulsos,

mas não direitos protegidos sob a forma de normas de direito constitucional. (Cf. CANOTILHO, José

Joaquim Gomes. op. cit., p. 377.)

40 O ideal de submissão de todos - povo e governante - a uma única lei superior e justa foi uma constante

na “Antiguidade, na Idade Média e na Renascença. Na Antiguidade, por exemplo, Platão (428/27 a.C. —

347 a.C.) escreveu que o pressuposto da validade da lei era o seu valor moral e que somente a lei justa era

verdadeiramente lei. [...] Durante toda a Idade Média, uma das formulações mais difundidas do direito era a

de que havia duas ordens de normas: a dos jus naturale, norma superior e inderrogável, e a do jus positium,

obrigada a não estar em contraste com a primeira. Nesse período, o jus naturale era entendido como uma

norma superior, de inspiração divina, na qual todas as outras normas deviam ser inspiradas. Da mesma

forma, a concepção predominante na escola jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII, que se diferencia da

escola medieval, em geral, sobretudo por seu fundamento racionalista, desvinculada dos pressupostos

transcendentes e teológicos que tinham caracterizado o direito natural medieval, afirmava existência de

direitos inatos, intangíveis e irrenunciáveis, ou seja, a existência de limites e de preceitos cogentes para o

próprio legislador. O entendimento do direito natural como superior era tão forte que John Locke, por mais

que defendesse a absoluta supremacia do Parlamento inglês, admitia que esse poder devesse encontrar

limites no direito natural. Igualmente acreditava Sir Willian Blackstone. Sieyès, criador da teoria do poder

constituinte, também entendia que este – o poder constituinte - era superior a tudo, devendo, entretanto,

conformar-se ao direito natural. A graphé paronomom, da antiga Atenas, e o controle judicial das leis com

fundamento na common law, de Cocke, foram formas encontradas pelos homens, nas conjunturas do seu

tempo, de proteger esse direito superior (nomói; direito natural; leis divinas; razão; common law) das

violações a que estava exposto pelas maiorias na Ekklésia ou no Parlamento. Da antiguidade clássica, a

ideia do primado do governo das leis justas foi transmitido ao pensamento jurídico medieval, e, em seguida,

do pensamento medieval diretamente ao pensamento moderno, alcançando a própria perfeição na doutrina

do constitucionalismo. A ideia de um direito fundamental superior, que inspirou os primeiros constituintes é

claramente tributária da concepção do direito natural como superior ao direito positivo e inderrogável por

este. Sobre esse direito superior é que se fundam a Revolução Gloriosa (1688), a Revolução Americana

(1776) e a Revolução Francesa (1789). Os primeiros constituintes positivaram esses valores superiores

(nomói; direito natural; leis divinas; razão; common law) na Constituição e utilizaram a teoria rousseauniana

da indefectível vontade geral para dar a essa lei superior legitimação”. (Cf. VIANA PACHECO, Pablo. op.

cit., p. 56-57).

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39

Além disso, como os legisladores constituintes não tinham uma lista completa dos

direitos naturais que seriam positivados, as constituições previram que os direitos

fundamentais enumerados não excluíam outros direitos que ainda não tinham sido

positivados.

Por exemplo, a nona emenda à Constituição norte-americana de 1787 estabelece:

“A enumeração nesta Constituição de certos direitos não deve ser interpretada para negar

ou amesquinhar outros pertencentes ao povo”.

Da mesma forma, a Constituição da República Federativa do Brasil também

reconhece os direitos naturais não positivados no § 2º do art. 5º: “Os direitos e garantias

expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios

por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil

seja parte”.

Para impedir que o legislador ordinário exercesse o seu poder sem limites e para

controlar as injustiças formalmente legais, foi ampliada a limitação do Estado com a

submissão da própria lei aos ideais e direitos positivados na Constituição. Ao se

incorporar na Constituição dos direitos considerados “naturais” e inalienáveis do indivíduo,

surge a terceira geração de direitos: os direitos fundamentais.

Além disso, “judicializaram” os instrumentos de controle não escritos de primeira

geração para se criar o instrumento do controle de constitucionalidade. Se com

fundamento nos direitos naturais era necessário realizar um movimento de desobediência

civil, uma revolta ou uma revolução para se demonstrar a “injustiça” de uma lei, após a

positivação dos direitos naturais na constituição e após o surgimento do instrumento do

controle de constitucionalidade, para se demonstrar a “injustiça” da mesma lei, bem como

para se obter a nulidade da mesma lei, era necessário apenas instaurar um procedimento

burocrático perante o Poder Judiciário.

Com a positivação do direito natural, a “injustiça” tornou-se “inconstitucionalidade”

e a “revolução” passou a poder ser feita pelo procedimento burocrático do “controle de

constitucionalidade”.

Se Mandela e Ghandi precisaram utilizar a desobediência civil - com toda a

dificuldade do método - para demonstrar a violação do direito natural à igualdade pela lei,

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na África do Sul e na Índia; no Brasil, após a implantação do terceiro instrumento de

controle do Estado, para se conseguir demonstrar a violação do direito fundamental à

igualdade, positivado no art. 5º da Constituição de 1988, em virtude do disposto no art.

1.723 da Lei 10.406/200241, que discriminava uma minoria42, foi necessário apenas se

realizar um procedimento burocrático (controle de constitucionalidade) perante o Poder

Judiciário43.

Com a incorporação dos direitos fundamentais na constituição, é subtraído o seu

reconhecimento e a sua garantia do legislador ordinário e a proteção passa a ser

mediante o instrumento do controle jurisdicional de constitucionalidade44.

Assim, positiva-se a superioridade dos direitos em face das demais normas,

constitui-se um procedimento mais complexo de revisão, torna-se impossível a sua

extinção45 e ficam estabelecidos os direitos como parâmetros materiais das escolhas, das

decisões e dos atos dos poderes legislativo, executivo e judiciário.

Além disso, como a constituição é aprovada por um procedimento democrático,

bem como o controle de constitucionalidade apenas submete o legislador ordinário

democrático (poder constituído) à constituição democrática (poder constituinte), não há o

déficit democrático existente no controle judicial pelo direito natural, no qual a vontade do

legislador democrático é submetida à interpretação realizada por juízes não-eleitos46.

Na passagem do Século XVIII para o XIX, com o constitucionalismo, a vontade do

antes supremo legislador ordinário passou a ser limitada pela vontade do legislador

41

O art. 1.723 da Lei 10.406/2002 possui a seguinte redação: “Art. 1.723. É reconhecida como entidade

familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e

duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”

42 O art. 1.723/2002 reconhece somente a união estável entre casais heterosexuais. No Acórdão da ADI

4.277-DF e da ADPF nº 132-RJ, o STF reconheceu o direito à união estável para pares homoafetivos.

43 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão que julgou conjuntamente a ADI nº

4.277-DF e a ADPF nº 132-RJ. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628635. Acesso em: 30 maio 2015.

44 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. op. cit., p. 378.

45 Como estabelece, por exemplo, o inciso IV do § 4º do art. 60 da Constituição da República Federativa do

Brasil de 1988 (CRFB/88).

46 Para maiores esclarecimentos sobre o déficit democrático decorrente do controle judicial com fundamento

no direito natural, Cf. VIANA PACHECO, Pablo. op. cit.

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41

constituinte escrita na constituição47, bem como, com o Caso Marbury Vs. Madison48

(1803), foi criado o instrumento do controle de constitucionalidade das leis.

Dessa maneira, a terceira dimensão de controle do Estado é a constituição, os

direitos de terceira geração são os direitos fundamentais, bem como o terceiro

instrumento de controle estatal é o controle de constitucionalidade.

47

Ao defender a ratificação da Constituição dos Estados Unidos da América, Alexander Hamilton afirmou

que “nor does this conclusion by any means suppose a superiority of the judicial to the legislative power. It

only supposes that the power of the people is superior to both; and that where the will of the legislature,

declared in its statutes, stands in opposition to that of the people, declared in the Constitution, the judges

ought to be governed by the latter rather than the former” […] “no legislative act, therefore, contrary to the

Constitution, can be valid […].” (Cf. ALEXANDER, Hamilton. The Judiciary Department. New York:

Mclean’s Edition, s.d. [e-book] Disponível em: http://www.yale.edu/lawweb/avalon/avalon.htm. Acesso em:

11 ago. 2015.).

48 Na Sentença do Caso Marbury Vs. Madison, o Juiz Marshall criou o controle de constitucionalidade

fundamentado nos argumentos de que “os poderes do legislativo são definidos e limitados; e para que

esses limites não possam ser confundidos ou esquecidos, é que a Constituição é escrita. Com que fim são

limitados estes poderes e com que objetivo é que essa limitação é reduzida a escrito, se esses limites

podem ser, em qualquer altura, ultrapassados por aqueles a que se pretende restringir? A distinção entre

um governo com poderes limitados ou ilimitados fica abolida se esses limites não confinam as pessoas a

quem são impostos e se as leis nulas e válidas foram igualmente obrigatórios. É uma afirmação demasiado

evidente para ser contestada, a de que a Constituição controla qualquer norma com ela incompatível; ou a

de que o legislativo não pode alterar a constituição através de uma lei ordinária. Entre essas alternativas,

não há meio termo. A Constituição ou é uma lei superior e suprema que não pode ser alterada pelos meios

ordinários, ou está ao mesmo nível das leis ordinárias e, tal como outras normas, pode ser alterada quando

bem aprouver o legislativo. Se a primeira parte da alternativa é verdadeira, então uma norma contrária à

constituição não é lei. Se a segunda parte for verdadeira, então as constituições escritas são tentativas

absurdas, por parte dos povos, para limitar um poder na sua própria essência ilimitável. Certamente, todos

os que elaboraram uma Constituição escrita veem-na como sendo a lei fundamental e suprema da nação e,

consequentemente, a teoria de qualquer governação deve ser a de que uma lei incompatível com a

constituição é nula. Se um diploma legislativo, incompatível com a Constituição, é nulo, poderá, apesar

dessa sua invalidade, impor-se aos tribunais e obrigá-los a dar-lhe eficácia? [...]Isto seria derrubar na prática

o que se estabeleceu na teoria. [...] É nitidamente domínio e dever do departamento judicial dizer qual é a

lei. [...] Assim, se uma lei estiver em contradição com a constituição, se tanto a lei como a constituição se

aplicarem a um caso particular, de modo que o tribunal tenha de decidir esse caso em conformidade com a

lei, não observando a constituição; ou em conformidade com a constituição, não observando a lei; o tribunal

deve determinar qual das regras em conflito governará o caso. Isto é a verdadeira essência da função

judicial. Se então, os tribunais olharem para a constituição; e a constituição é superior a qualquer diploma

ordinário do legislativo; a constituição e não tal diploma ordinário é que deve regular o caso”. (MARSHALL,

John. Sentença do Caso Marbury Vs. Madison. Sub Judice, Lisboa, n. 7/9. p.147, 1994.).

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1.4.4. Os tratados internacionais, os direitos humanos e o controle de

convencionalidade

Com a consolidação dos direitos de terceira geração, da terceira dimensão de

controle do Estado e do terceiro instrumento de controle do Estado, além dos

instrumentos de controle de primeira geração (desobediência civil, revolta e revolução),

que são informais e não estão positivados, todos os atos do Poder Público passaram a ter

um duplo instrumento de controle positivado: o de segunda geração (controle de

legalidade) e o de terceira geração (controle de constitucionalidade).

Por um tempo, os constitucionalistas acharam que se tinha chegado ao fim da

história. Que as constituições e os direitos fundamentais eram a forma acabada da

“verdade” e a melhor forma de proteger os seres humanos e os seus direitos.

Como afirmou Marcelo Figueiredo: “siempre imaginamos que las Constituciones

nacionales europeas serían com sus jurisdicciones suficientes, para conter los abusos del

poder y de los gobiernos. Pero la realidad revela que esa todavia es um hecho em

construcción”49.

É importante verificar que até a terceira geração de direitos, o objeto dos referidos

controles (o Estado) é o elaborador das normas que o controlam (lei e constituição), bem

como o realizador de ambos os instrumentos de controle positivados (de legalidade e de

constitucionalidade). As segunda e terceira gerações de direitos e dimensões e controle

concedem soberania ao Estado para elaborar as normas relativas aos direitos que serão

interpretadas e aplicadas exclusivamente pelos seus próprios juízes.

Sendo autor das normas e o realizador dos instrumentos de controle, os únicos

limites que a segunda e a terceira geração de direitos conseguiram impor ao Estado

foram os limites de ser o legislador de si mesmo, bem como o juiz de si próprio.

Como ninguém é bom legislador de si próprio, nem bom juiz de si mesmo, no

âmbito nacional, o Estado, por meio dos seus legisladores, pode manipular a elaboração

49

FIGUEIREDO, Marcelo. La internalización Del orden interno em clave del derecho constitucional

transnacional. In: BOGDANDY, Armin von; PIOVESAN, Flávia; ANTONIAZZI, Mariela Morales (Coords.).

Estudos avançados de direitos humanos, democracia e integração jurídica: Emergência de um novo

Direito Público. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013, p. 147.

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43

das normas (constitucionais e infraconstitucionais) e, por meio dos seus juízes, pode

manipular os instrumentos de controle para formalmente cumprir com o direito e realizar a

justiça, mas materialmente cometer abusos e atrocidades.

Durante toda a história brasileira, o Estado tem mantido impunes os servidores do

Estado que cometeram crimes na luta pelo poder político por meio de dezenas de normas

de anistia, elaboradas pelos legisladores do Estado, que são interpretadas como

constitucionais pelos juízes (servidores do Estado), apesar de violarem o direito, conforme

é analisado na seção 5.4 do presente estudo.

Outro exemplo de crimes contra a humanidade formalmente legais foram os

cometidos pelo Estado alemão durante o período nazista. O Parlamento alemão,

composto por legisladores do Estado eleitos pelo povo, aprovou as normas violadoras do

direito natural, bem como os juízes servidores do Estado alemão, nomeados conforme o

disposto na Constituição de Weimar, aplicaram as referidas normas em violação aos

direitos naturais.

Contudo, diferentemente das vítimas anteriores dos Estados, após a Segunda

Guerra Mundial, um dos povos que sofreram um genocídio perpetrado por um Estado

conseguiu se fazer ouvir por todos os outros povos do mundo50. Com o apoio político dos

Estados vencedores da guerra, a mídia e o cinema contaram para o mundo os crimes

contra a humanidade cometidos pelos servidores do Estado alemão.

Os atos cometidos por Estados contra escravos, trabalhadores, bem como nas

guerras dos séculos XIX e XX, resultaram em uma consciência global51 sobre a

necessidade de se retirar dos Estados o controle absoluto sobre os humanos que habitam

o seu território52. Não havia mais como permitir que apenas as normas nacionais (leis e

50

Ao contrário dos índios do Brasil, por exemplo, que apesar de terem sofrido um genocídio – cometido pelo

Estado brasileiro - maior, mais amplo e irremediável, não conseguiram se fazer ouvir pelos povos do mundo.

51 De acordo com Comparato, “ao emergir da Segunda Guerra Mundial, após três lustros de massacres e

atrocidades de toda sorte, iniciados com o fortalecimento do totalitarismo estatal nos anos 30, a humanidade

compreendeu, mais do que em qualquer outra época da História, o valor supremo da dignidade humana. O

sofrimento, como matriz da compreensão do mundo e dos homens, segundo a lição luminosa da sabedoria

grega, veio aprofundar a afirmação histórica dos direitos humanos” (COMPARATO, Fábio Konder. op. cit. p.

57).

52 Segundo Luiz Guilherme Arcaro Conci, o “final das duas grandes guerras ocorridas na primeira metade do

século XX proporcionou um reavivamento da teoria constitucional, fruto dos equívocos e excessos ocorridos

em um período marcado por violentas projeções autoritárias contra a dignidade humana, marcada pela

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44

constituição), elaboradas membros do Estado, e os juízes e demais órgãos internos

(compostos exclusivamente por servidores do Estado) limitassem o próprio Estado.

Segundo Marcelo Figueiredo:

Hay um consenso entre los Estados democráticos que las constituciones de Estados de Derecho deben solicdificar la importância y la supremacía o importância de los tratados internacionales de derechos humanos con relación al derecho interno si posible estableciendo uma superioridad jerárquica para proteger os derechos humanos globalmente. Sabemos que los Estados, em especial después de la segunda guerra mundial, establecerán su ordenamento jurídico preocupado para el reconocimiento y protección de los derechos humanos y

sujetos a la jurisdición de los propios Estados53.

Como os direitos não estavam sendo bem protegidos quando o Estado era o único

autor das suas próprias normas, bem como o único julgador de si mesmo, constatou-se

que era necessário submeter os Estados ao direito por meio de normas e juízes

internacionais independentes da soberania estatal.

Assim, os direitos naturais são positivados nos tratados e convenções

internacionais sobre direitos humanos. Com a positivação dos direitos naturais em normas

internacionais, nos séculos XIX e XX, surge a quarta dimensão de controle do Estado (os

tratados e convenções internacionais), bem como emerge a quarta geração de direitos (os

direitos humanos). Passam a existir normas e instituições internacionais sobre as normas

e instituições nacionais já existentes.

O Estado deixa de ser limitado apenas por suas próprias normas e pelos seus

próprios juízes. A contenção do Estado e dos seus excessos passa a ser também

realizada por normas e por instituições internacionais independentes do Estado. O Estado

deixa de ser o único elaborador da legislação sobre direitos válida no seu território.

sólida construção de ordenamentos jurídicos habilitantes, fundados em um positivismo normativista que

apelava demasiadamente para uma análise meramente formal do direito, em detrimento de uma percepção

prevalentemente substancialista do fenômeno jurídico. Essa virada do direito constitucional acabou por criar

a necessidade de uma abertura das constituições para um ambiente internacional de direitos humanos

como meio de proteger a pessoa humana para além de um direito projetado para produzir efeitos nos limites

dos territórios nacionais. Passa a haver uma normatividade internacional vinculante, ao lado da já existente

normatividade das constituições em sede nacional” (Cf. CONCI, Luiz Guilherme Arcaro. Controle de

constitucionalidade e constitucionalismo latino-americano. Tese de Doutorado. PUC-SP. São Paulo,

Brasil, 2012, p. 7-8).

53 FIGUEIREDO, Marcelo. op. cit., p. 151.

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45

Na passagem do Século XX para o XXI, com a criação do controle de

convencionalidade das normas de direito interno em face dos tratados e convenções

internacionais sobre direitos humanos, pela primeira vez na história da humanidade o

Estado deixa de ser o único juiz dos seus atos54.

Se nos paradigmas das segunda e terceira gerações de direitos existe soberania

plena, ou seja, os legisladores do Estado podem criar a constituição e as demais normas

do Estado, que serão interpretadas e aplicadas exclusivamente por juízes servidores do

próprio Estado; no panorama da quarta geração de direitos existem normas internacionais

que serão interpretadas e aplicadas por juízes internacionais independentes do Estado.

Pode-se dividir as fases de implantação da quarta geração de direitos e da quarta

dimensão de controle em duas. A primeira, anterior a 1945, e a segunda, a partir de 1945.

Na primeira fase, surgem os primeiros tratados internacionais para proteção dos direitos

humanos dos atingidos por conflitos bélicos, contra a escravatura e para proteção dos

trabalhadores.

Para a proteção dos atingidos por conflitos bélicos, foram elaboradas a Convenção

de Genebra, de 1864 (a partir da qual, em 1880, fundou-se a Comissão Internacional da

Cruz Vermelha), a Convenção de Haia, de 1907, e a Convenção de Genebra, de 1929.

Contra a escravatura, foram elaborados o Ato Geral da Conferência de Bruxelas,

de 1890, a Convenção de Saint-Germain-em-Laye, em 1919, bem como, em 1926, a

Assembleia da Liga das Nações aprovou uma convenção contra a escravidão e contra o

tráfico de escravos.

Para a proteção dos direitos dos trabalhadores assalariados, após a Primeira

Guerra Mundial, foi criada a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Desde então,

as inúmeras convenções realizadas pela OIT têm protegido os direitos humanos dos

trabalhadores assalariados.

54

Controle de convencionalidade é o instrumento pelo qual se analisa a compatibilidade dos atos e normas

internas de um ente estatal em face de normas internacionais. Segundo André de Carvalho Ramos, “o

controle de convencionalidade consite na análise da compatibilidade dos atos internos (comissivos ou

omissivos) em face das normas internacionais (tratados, costumes internacionais, princípios gerais do

direito, atos unilaterais, resoluções vinculantes de organizações internacionais)” (Cf. RAMOS, André de

Carvalho. op. cit., p. 405.).

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46

Na segunda fase, com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), em

1945, foi inaugurado o Sistema Global de Direitos Humanos. Em 1948, foi aprovada, pela

Assembleia Geral, a Declaração Universal sobre Direitos Humanos, bem como, em 1966,

foram celebrados o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto

Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Além do Sistema Global de Direitos Humanos, também foram criados os sistema

regionais. Dentre eles, o Sistema Europeu de Direitos Humanos, que tem como principal

documento a Convenção Europeia de Direito Humanos, de 1950; o Sistema

Interamericano de Direitos Humanos, regido pela Convenção Americana sobre Direitos

Humanos, de 1969; o Sistema Africano de Proteção aos Direitos Humanos, com a sua

Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos, de 1981; e o Sistema Árabe de Direitos

Humanos, previsto na Carta Árabe de Direitos, de 1994.

No Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos, o dever de realizar

o controle jurisdicional de convencionalidade existe desde a entrada em vigor da

Convenção Americana, em 18 de julho de 1978, bem como, desde sua criação, a Corte

IDH tem realizado o controle jurisdicional de convencionalidade dos atos dos Estados.

Contudo, a primeira vez em que a Corte IDH se referiu à obrigação dos juízes

nacionais de realizar o controle de convencionalidade foi em 2006, na sentença do Caso

Almonacid Arellano e outros Vs. Chile, na qual a Corte IDH declarou, na página n. 53, no

parágrafo n. 124, que o Poder Judiciário deve exercer um controle de convencionalidade

entre as normas jurídicas internas que aplicam nos casos concretos e a Convenção

Americana sobre Direitos Humanos55.

Portanto, a quarta dimensão de controle estatal é composta pelos tratados e

convenções internacionais, a quarta geração de direito é formada pelos direitos humanos

e o quarto intrumento de controle do Estado é o controle de convencionalidade.

55

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_154_esp.pdf. Acesso em: 1 jun. 2015. Para maiores

esclarecimentos sobre a evolução do controle de convencionalidade, Cf. CAVALLO, Gonzalo Aguilar. Quiém

é el guardián de la Convención Americana sobre Derechos Humanos? In: BOGDANDY, Armin von;

PIOVESAN, Flávia; ANTONIAZZI, Mariela Morales (Coords.). Direitos humanos, democracia e

integração jurídica: emergência de um novo direito público. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013, p. 706 a

743.

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47

1.5. A cumulatividade das gerações de direitos, das dimensões de controle e dos

instrumentos de controle

As gerações de direitos, as dimensões de controle e os instrumentos de controle

do Estado são os seguintes:

I. Primeira geração de direitos formada pelos direitos naturais, criados pela primeira

dimensão de controle do Estado (direito natural), que possui os primeiros instrumentos de

controle (desobediência civil, revolta e revolução);

II. Segunda geração de direitos formada pelos direito legais, positivados pela segunda

dimensão de controle do Estado (leis), que prevê o segundo instrumento de controle (o

controle de legalidade);

III. Terceira geração de direitos formada pelos direitos fundamentais, positivados pela

terceira dimensão de controle do Estado (constituição), que estabelece o terceiro

instrumento de controle (o controle de constitucionalidade);

IV. Quarta geração de direitos formada pelos direitos humanos, positivados pela quarta

geração de controle do Estado (tratados e convenções internacionais), que estabelece o

quarto instrumento de controle (o controle de convencionalidade).

A expressão “gerações de direitos” não significa – de maneira alguma - que uma

geração de direito substituiu a outra. Os direitos, como o conhecimento humano, nas

sucessivas gerações, acumulam-se. Da mesma forma que o conhecimento gerado pela

geração de Einstein se acumulou ao conhecimento gerado pela geração de Newton, que

já acumulava o conhecimento das gerações anteriores; quando a humanidade conquistou

os direitos de segunda, de terceira e de quarta geração, os referidos direitos se somaram

aos direitos de primeira geração. Os direitos existentes hoje são formados pelo somatório

de todas as gerações de direitos conquistados pelas sucessivas gerações.

Como afirmou Marcelo Figueiredo: “la Constitución y los estándares de derecho

internacional se relacionan a menudo de manera simbiótica. Los derechos humanos

fortalecen la proteción de los derechos fundamentales en el orden interno”56.

56

FIGUEIREDO, Marcelo. op. cit., p. 150.

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48

Cada geração de direitos reconheceu os direitos das gerações anteriores. A

segunda geração (direitos legais) reconheceu os direitos de primeira geração (direitos

naturais)57, os direitos de terceira geração (direitos fundamentais) reconheceram os

direitos de primeira e segunda geração58, bem como os direitos de quarta geração

(humanos) reconheceram os direitos de primeira, segunda e terceira geração59.

Atualmente, os seres humanos possuem direitos naturais (primeira geração), legais

(segunda geração), fundamentais (terceira geração) e humanos (quarta geração).

As dimensões de controle também não se excluem. Cada dimensão se somou às

anteriores no sentido de acrescentar novas limitações ao poder. Hoje o Estado é

controlado pelo direito natural (primeira dimensão), pelas leis (segunda dimensão), pela

57

Por exemplo, os arts. 4º e 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657,

de 4 de setembro de 1942) estabelecem que quando “a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com

a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”, bem como que na “aplicação da lei, o juiz

atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.” Os “princípios gerais do

direito”, os “fins sociais”e “às exigências do bem comum” podem ser utilizados para se verificar que uma

norma legal positiva (segunda dimensão de controle do Estado) reconhece as normas não-positivadas de

direito natural (primeira dimensão de controle do Estado).

58 A nona emenda à Constituição norte-americana de 1787 reconheceu os direitos naturais e legais ao

prever que a “enumeração nesta Constituição de certos direitos não deve ser interpretada para negar ou

amesquinhar outros pertencentes ao povo”, bem como a Constituição da República Federativa do Brasil,

além de reconhecer, no § 2º do art. 5º, a validade de outros direitos ao estabelecer que os “direitos e

garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela

adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, também

reconheceu diversos direitos a serem previstos em leis. Por exemplo, pode-se citar o inciso XXXII do art. 5º,

com a previsão de que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Assim, a

Constituição de 1988, além de enumerar direitos fundamentais (terceira geração), também reconheceu os

direitos legais (segunda geração) e naturais (primeira geração).

59 Os artigos 29 e 30 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969, estabelecem: “Artigo 29 -

Normas de interpretação [...] Nenhuma disposição da presente Convenção pode ser interpretada no sentido

de: a) permitir a qualquer dos Estados-partes, grupo ou indivíduo, suprimir o gozo e o exercício dos direitos

e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista; b) limitar o

gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos em virtude de leis de

qualquer dos Estados-partes ou em virtude de Convenções em que seja parte um dos referidos Estados; c)

excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrática

representativa de governo; d) excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos

Direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza. Artigo 30 - Alcance das

restrições [...] As restrições permitidas, de acordo com esta Convenção, ao gozo e exercício dos direitos e

liberdades nela reconhecidos, não podem ser aplicadas senão de acordo com leis que forem promulgadas

por motivo de interesse geral e com o propósito para o qual houverem sido estabelecidas.” Portanto, fica

absolutamente claro que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos reconhece os direitos de

primeira geração (direitos naturais), de segunda geração (direitos legais) e de terceira geração (direitos

fundamentais).

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49

constituição (terceira dimensão) e pelos tratados e convenções internacionais (quarta

dimensão).

A cumulatividade também é uma característica dos instrumentos de controle. Cada

novo instrumento de controle se somou aos instrumentos anteriores para acrescentar

novos instrumentos de controle do Estado. Nos dias atuais, os seres humanos podem

utilizar os primeiros instrumentos de controle do Estado (desobediência civil, direito de

revolta e direito de revolução), o segundo instrumento de controle (controle de legalidade),

o terceiro instrumento de controle (controle de constitucionalidade) e o quarto instrumento

de controle (controle de convencionalidade).

Sendo assim, não se concorda com o entendimento de que gerações de direitos

induzam apenas à sucessão cronológica e, portanto, passariam a ideia de uma suposta

caducidade das gerações anteriores60.

As quatro gerações de direitos, as quatro dimensões de controle e todos os

instrumentos de controle conquistados pelos seres humanos se acumulam e somam

esforços no sonho humano de tentar limitar a devastadora força da organização política

mais poderosa da história: o Estado.

1.6. As dificuldades na implantação das gerações de direitos, das dimensões de

controle e dos instrumentos de controle no Brasil

Existiram dificuldades para implantar as gerações de direitos, as dimensões de

controle e os instrumentos de controle do Estado no Brasil. As leis, as constituições e os

tratados e convenções internacionais nem sempre tiveram força normativa para submeter

o Estado brasileiro.

A implantação da segunda geração de direitos (direitos legais), da segunda

dimensão de controle do Estado (leis) e do segundo instrumento de controle do Estado

(controle de legalidade) foi difícil.

Além de existir, até os dias de hoje, um entendimento jurídico informal de que

algumas autoridades do Estado não devem obediência ao disposto nas leis da mesma

60

BONAVIDES, Paulo. op. cit., p. 572.

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50

forma que os demais habitantes do território61, durante alguns períodos, houve previsões

formais expressas que impediram a consolidação das leis como uma dimensão de

controle do Estado.

Quando se iniciou a instalação de algo próximo a um Estado de Direito da

Legalidade, com a responsabilização de todos perante as leis, as próprias normas de

direito interno previram que o Chefe de Estado, a Regência e o Regente não eram

responsáveis perante as leis.

O art. 99 e o art. 129 da Constituição de 1824 expressamente previam: “Art. 99.

Pessoa do Imperador é inviolável, e Sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade

alguma. (...) Art. 129. Nem a Regencia, nem o Regente será responsável.” (sic)

Se o chefe de Estado não é responsável perante as leis, não se pode afirmar que a

lei constitua, de fato, uma dimensão de controle do Estado. É absolutamente necessário

para a consolidação da segunda dimensão de controle que todos, inclusive o Chefe do

Estado, estejam submetidos à lei.

61

Por exemplo, em 2014, a 14º Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no processo n.

0176073-33.2011.8.19.0001, condenou ao pagamento de uma indenização por danos morais uma guarda

de trânsito que multou um juiz. A ementa do acórdão deixa claro o entendimento dos desembargadores:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. OFENSA PERPETRADA CONTRA MAGISTRADO.

DANO MORAL IN RE IPSA. 1. A autora, ao abordar o réu e verificar que o mesmo conduzia veículo

desprovido de placas identificadoras e sem portar sua carteira de habilitação, agiu com abuso de poder,

ofendendo este, mesmo ciente da relevância da função pública por ele desempenhada. 2. Ao apregoar que

o demandado era “juiz, mas não Deus”, a agente de trânsito zombou do cargo por ele ocupado, bem como

do que a função representa na sociedade. 3. Não se discute a natureza humana do servidor público

investido de jurisdição, entretanto, restou evidente, no caso em análise, que a apelante pretendia, com tal

comportamento, afrontar e enfrentar o magistrado que retornava de um plantão judiciário noturno. 4. Não se

vislumbra qualquer ilícito na conduta do réu que importasse em dever de compensar a recorrente pelo

alegado vexame, por ela mesma provocado. 5. Por outro lado, todo o imbróglio impôs, sim, ao réu

(reconvinte) ofensas que reclamam compensação. Não por ter sido negado o caráter divino da função por

ele desempenhada (por óbvio), mas pelo tratamento desrespeitoso dispensado ao cidadão que é, somente

por ter se identificado como Juiz de Direito. 6. O fato ilícito criador do dever de indenizar por parte da autora

não reclama prova efetiva do dano, pois decorre do próprio fato ofensivo, ocorrendo in re ipsa. 7. A

compensação extrapatrimonial de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) foi fixada em patamar razoável e

proporcional à ofensa, devendo ser mantida, também nesse ponto, a sentença vergastada. 8. Apelo que

não segue. (RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Estado. Jurisprudência. APELAÇÃO CÍVEL -

PROCESSO Nº 0176073-33.2011.8.19.0001. Disponível em:

http://www4.tjrj.jus.br/consultaProcessoWebV2/consultaProc.do?v=2&FLAGNOME=&back=1&tipoConsulta=

publica&numProcesso=2011.001.151185-5. Acesso em: 14 ago. 2015).

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51

Após o Império, durante o período autoritário do Estado Novo (1937-1945) e

durante a Ditadura Militar (1964-1985), a lei também não era uma dimensão de controle

do Estado.

Durante os referidos períodos, os atos com força de lei do Chefe de Estado não

estavam sujeitos a um controle de legalidade. Ao contrário, os atos dos chefes de Estado

eram as “leis” vigentes. Os decretos-lei, os atos institucionais e os atos complementares,

editados pelo Chefe de Estado, nos períodos autoritários, eram feitos independentemente

do que estava disposto nas constituições e nas leis vigentes, bem como não estavam

submetidos ao controle de legalidade.

Caso um decreto-lei, editado pelo Chefe de Estado, entre 1937 e 1945, tivesse

uma antinomia em face de uma lei aprovada anteriormente pelo Parlamento, o decreto-lei

do Chefe de Estado revogava a lei do Parlamento. É o caso do Decreto-Lei 5.452, de 1º

de maio de 1943, que instituiu a Consolidação das Leis do Trabalho, revogou a legislação

anterior elaborada pelo Parlamento.

Além de os atos do Chefe de Estado poderem revogar as leis, nos referidos

períodos, o ordenamento jurídico também proibia a análise judicial de alguns atos do

Chefe de Estado. Por exemplo, o Ato Institucional n. 2, de 1965, impedia o controle de

legalidade e de constitucionalidade de determinados atos praticados pelo Comando

Supremo da Revolução ou pelo Governo Federal.

O inciso I do art. 19 do Ato Institucional n. 2 determinava:

Ficam excluídos da apreciação judicial: I - os atos praticados pelo Comando Supremo da Revolução e pelo Governo federal, com fundamento no Ato Institucional de 9 de abril de 1964, no presente Ato Institucional e nos atos complementares deste.

Dessa forma, durante o Estado Novo (1937-1945) e a Ditadura Militar (1964-1985),

a lei não constituía uma dimensão de controle do Estado, bem como o controle de

legalidade também não constituía um efetivo instrumento de controle.

Somente após o término do último período ditatorial é que se pode afirmar que a

lei, feita pelo Parlamento, passou a constituir uma norma imperativa, que devia ser

respeitada por todos, inclusive pelo Chefe de Estado.

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52

Portanto, apesar de ainda haver profundas falhas, somente se consolidou, de fato,

a segunda dimensão de controle (a lei) e o segundo instrumento de controle do Estado

(controle de legalidade), no Brasil, com a redemocratização, em 1985.

Enquanto nos Estados Unidos da América a terceira dimensão de controle existe

formalmente desde 178762, a terceira geração de direitos formalmente desde 179163 e o

terceiro instrumento de controle do Estado desde 180364, o caminho para a implantação

da terceira dimensão de controle do Estado (a constituição), dos direitos de terceira

geração (direitos fundamentais) e do terceiro instrumento de controle do Estado (controle

de constitucionalidade), no Brasil, foi muito mais longo e acidentado.

Quando o Brasil ainda fazia parte do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves

(1815-1822), a primeira constituição não durou mais de um dia. Em 21 de abril de 1821,

por meio de um decreto, D. João VI determinou que fosse observada, no Reino, a

Constituição espanhola, de 1812 (Constituição de Cádiz)65. No dia seguinte, revogou o

decreto do dia anterior66, e a Constituição de Cádiz perdeu vigência.

62

Data da entrada em vigor da Constituição de 1787.

63 1791 é a data da entrada em vigor das dez primeiras emendas à Constituição de 1787, que inseriram um

catálogo de direitos na Constituição norte-americana.

64 Data do Caso Marbury Vs. Madison.

65 D. João VI, por meio do Decreto de 21 de abril de 1821, determinou: “Havendo tomado em consideração

o termo de juramento, que os Eleitores Parochiaes desta Comarca, a instancias e declaração unanime do

Povo della, prestaram á Constituição Hespanhola, e que fizerem subir á minha Real Presença, para ficar

valendo interinamente a dita Constituição Hespanhola, desde a data do presente até a installação da

Constituição em que trabalham as Côrtes actuaes de Lisboa, e que eu Houve por bem jurar com toda a

minha Côrte, o Povo e Tropa, no dia 26 de Fevereiro do anno corrente: Sou servido ordenar, que de hoje

em diante se fique estricta e litteralmente observando neste Reino do Brazil a mencionada Constituição

Hespanhola, até o momento em que se ache inteira e definitivamente estabelecida a Constituição,

deliberada, e decidida pelas Côrtes de Lisboa.”

66 O Decreto de 22 de abril de 1821 possui a seguinte redação: “Subindo hontem á Minha Real Presença

uma Representação, dizendo-se ser do Povo, por meio de uma Deputação formada dos Eleitores das

Parochias, a qual Me assegurava, que o Povo exigia para Minha felicidade, e delle, que Eu Determinasse,

que de hontem em diante este Meu Reino do Brazil fosse regido pela Constituição Hespanhola, Houve

então por bem decretar, que essa Constituição regesse até a chegada da Constituição, que sábia e

socegamente estão fazendo as Côrtes convocadas na Minha muito nobre e leal Cidade de Lisboa:

Observando-se porém hoje, que esta representação era mandada fazer por homens mal intencionados, e

que queriam a anarchia, e vendo que o Meu Povo se conserva, como Eu lhe agradeço, fiel ao Juramento

que Eu com elle de commum accordo prestamos na Praça do Rocio no dia 26 de Fevereiro do presente

anno; Hei por bem determinar, decretar, e declarar por nullo todo o Acto feito hontem; e que o Governo

Provisorio que fica até a chegada da Constituição Portugueza, seja da fórma que determina o outro Decreto,

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53

A primeira Assembleia Nacional Constituinte, que iria criar uma constituição a qual,

em tese, limitaria o Estado, foi fechada, em 1823, pelo próprio Chefe de Estado, bem

como os seus membros foram presos. As constituições seguintes, de 1824, 1891, 1934,

1937, 1946, 1967 e 1969, não apresentavam força normativa suficiente para se impor

como uma norma positiva cogente perante as forças políticas do Estado, nem

conseguiram impedir a sua própria revogação por atos, em tese, inconstitucionais. Por

exemplo, o Ato Institucional n. 2, de 1965, expressamente declara, no seu art. 33, que

ficam “revogadas as disposições constitucionais ou legais em contrário.”

Especialmente, nos períodos do Estado Novo (1937-1945) e da Ditadura Militar

(1964-1985), as constituições de 1934, 1937, 1946, 1967 e 1969 não foram uma

verdadeira dimensão de controle do Estado. Nesse período, os atos da cúpula do Poder

Executivo exerciam uma espécie de “poder constituinte”, com poder de emendar67,

outorgar68 e revogar69 as constituições.

Da mesma forma que ocorreu com as constituições, a implantação do terceiro

instrumento de controle de Estado (controle de constitucionalidade) também não foi sem

percalços. A Constituição de 1824, que vigorou até 1889, não previa o controle de

constitucionalidade pelo Poder Judiciário. De 1824 a 1889, cabia ao Imperador a

competência de “velar na guarda da Constituição”.

O preâmbulo da Emenda Constitucional nº 1, de 1969, deixa bem claro como a

Constituição de 1967 não possuía força normativa em face dos ministros militares e,

assim sendo, não constituía, de fato, uma dimensão de controle do Estado:

OS MINISTROS DA MARINHA DE GUERRA, DO EXÉRCITO E DA AERONÁUTICA MILITAR, usando das atribuições que lhes confere o artigo 3º do Ato Institucional nº 16, de 14 de outubro de 1969, combinado com o § 1º do artigo 2º do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, e CONSIDERANDO que, nos têrmos do Ato Complementar nº 38, de 13 de dezembro de 1968, foi decretado, a partir dessa data, o recesso do Congresso Nacional;

e Instrucções que Mando publicar com a mesma data deste, e que Meu filho o Principe Real há de cumprir e

sustentar até a chegar a mencionada Constituição Portugueza.”

67 Como, por exemplo, praticamente todos os 17 atos institucionais da Ditadura Militar (1964-1965) fizeram.

68 Como, por exemplo, a Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969, de autoria dos ministros

militares fez.

69 Como, por exemplo, a Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969, de autoria dos ministros

militares fez.

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54

CONSIDERANDO que, decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo Federal fica autorizado a legislar sôbre tôdas as matérias, conforme o disposto no § 1º do artigo 2º do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968; [...] CONSIDERANDO que a elaboração de emendas a Constituição, compreendida no processo legislativo (artigo 49, I), está na atribuição do Poder Executivo Federal; [...] CONSIDERANDO que, feitas as modificações mencionadas, tôdas em caráter de Emenda, a Constituição poderá ser editada de acôrdo com o texto que adiante se publica, PROMULGAM a seguinte Emenda à Constituição de 24 de janeiro de 1967: [...].

Após o controle de constitucionalidade ser criado no final do Século XIX70, o

instituto sofreu limitações, especialmente nos períodos autoritários do Estado Novo (1937-

1945) e da Ditadura Militar (1964-1985).

No início do primeiro período, a Constituição de 1937 estabeleceu que o controle

jurisdicional de constitucionalidade estava submetido ao Chefe de Estado. O parágrafo

único do art. 96 da Constituição de 1937 previu que, no caso de ser declarada a

inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária

ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderá

o Presidente da República submetê-la ao exame do Parlamento. Confirmada a validade

da lei em questão por “dois terços de votos em cada uma das Câmaras, ficará sem efeito

a decisão do Tribunal”71.

Como o Parlamento não funcionou durante a vigência da Constituição de 1937,

cabia ao próprio Presidente da República confirmar a validade de leis declaradas

inconstitucionais pelo Poder Judiciário. Assim, em 1939, por meio do Decreto-Lei n. 1.564,

o Chefe de Estado Getúlio Vargas tornou sem efeito as decisões do Supremo Tribunal

Federal que declararam inconstitucional incidência da norma que havia modificado o

imposto de renda.

Sendo assim, pode-se afirmar que o controle de constitucionalidade, entre 1937 e

1945, estava formalmente abaixo do Chefe de Estado e não representava, de fato, um

instrumento de controle do Estado.

No segundo período autoritário (1964-1985), o inciso I do art. 19 do Ato

Institucional n. 2; o art. 6º do Ato Institucional n. 3, de 1966; o art. 11 do Ato Institucional

70

O controle de constitucionalidade no direito brasileiro foi positivado inicialmente no art. 58 da Constituição

provisória de 1890 (Decreto n. 510, de 22 de junho de 1890). Depois, nas alíneas “a” e “b” do art. 59 da

Constituição de 1891.

71 Parágrafo único do art. 96 da Constituição de 1937.

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55

n. 5, de 1968; o art. 4º do Ato Institucional n. 6, de 1969; o art. 9º do Ato Institucional n. 7,

de 1969, proibiam o Poder Judiciário de realizar o controle de legalidade ou de

constitucionalidade dos atos institucionais e dos atos complementares, editados pelo

Chefe de Estado.

Além de estarem proibidos de analisar os referidos atos do Poder Executivo, as

garantias da vitaliciedade, da inamovibilidade e da estabilidade estavam suspensas72,

bem como os juízes podiam ser demitidos; removidos ou dispensados; postos em

disponibilidade; aposentados; transferidos para a reserva ou reformados, desde que

demonstrassem incompatibilidade com os objetivos da “Revolução”73.

Sendo assim, não existiam as garantias mínimas necessárias para que os juízes

pudessem realizar, de fato, um controle independente e imparcial da constitucionalidade

dos atos do Estado. Apesar de os instrumentos formais do controle de constitucionalidade

estarem positivados desde o final do Século XIX, durante os períodos autoritários, não

existia um Estado de Direito Democrático no qual o controle de constitucionalidade

pudesse ser, de fato, um instrumento de controle do Estado.

Quando as Forças Armadas possuem o poder de declarar que detêm o poder de

editar normas jurídicas sem que nisto sejam limitadas pela normatividade anterior à sua

vitória, pois “graças à ação das forças armadas e ao apoio inequívoco da Nação,

representa o povo e em seu nome exerce o Poder Constituinte”74-75, sem que o Poder

Judiciário declare inconstitucional a referida norma, não se pode afirmar que a

Constituição seja uma dimensão de controle efetiva, bem como que o controle de

constitucionalidade seja um instrumento de controle do Estado.

72

O art. 14 do Ato Institucional n. 2, de 27 de outubro de 1965, tem a seguinte redação: “Art. 14 - Ficam

suspensas as garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade, bem como

a de exercício em funções por tempo certo.”

73 O parágrafo único do art. 14, do Ato Institucional n. 2, de 27 de outubro de 1965, tem a seguinte redação:

“Art. 14 - Ficam suspensas as garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade, inamovibilidade e

estabilidade, bem como a de exercício em funções por tempo certo. Parágrafo único - Ouvido o Conselho de

Segurança Nacional, os titulares dessas garantias poderão ser demitidos, removidos ou dispensados, ou,

ainda, com os vencimentos e as vantagens proporcionais ao tempo de serviço, postos em disponibilidade,

aposentados, transferidos para a reserva ou reformados, desde que demonstrem incompatibilidade com os

objetivos da Revolução.”

74 Preâmbulo do Ato Institucional n. 1, de 9 de abril de 1964.

75 Preâmbulo do Ato Institucional n. 2, de 27 de outubro de 1965.

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56

O controle de constitucionalidade está umbilicalmente ligado à democracia, à

independência do Poder Judiciário e à submissão do Chefe de Estado às leis e à

constituição. Se essas condições não existem, não existe um controle de

constitucionalidade que, de fato, controle o Estado.

Portanto, a terceira dimensão de controle do Estado (a constituição) e o terceiro

instrumento de controle do Estado (o controle de constitucionalidade) somente foram se

consolidar, de fato, no Brasil, a partir de 1988.

Da mesma forma que o Estado brasileiro se mostrou refratário à consolidação das

leis e da Constituição, como dimensões de controle do Estado, bem como também

dificultou a consolidação dos instrumentos de controle de legalidade e de

constitucionalidade, igualmente tem dificultado a implantação da quarta geração de

direitos (direitos humanos), da quarta geração de controle do Estado (tratados e

convenções internacionais) e do quarto instrumento de controle (controle de

convencionalidade).

Para não se submeter, o Estado brasileiro precisa violar diversas normas nacionais

e internacionais. A Carta das Nações Unidas impõe aos Estados a obrigação de promover

o respeito universal e efetivo dos direitos e das liberdades do homem76, a República

Federativa do Brasil se comprometeu a cumprir os tratados (pacta sunt servanda) de boa-

fé (bona fides)77, a não invocar as disposições de seu direito interno para justificar o

inadimplemento de um tratado78, a respeitar, a garantir e a promover os direitos

humanos79, e a adotar medidas legislativas e de outra natureza (inclusive judiciais)80 para

garantir e tornar efetivos os direitos humanos81.

76

Preâmbulo do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.

77 Art. 26 da Convenção de Viena sobre Direitos dos Tratados.

78 Art. 27 da convenção de Viena sobre Direitos dos Tratados.

79 § 3º do art. 1º e § 1º do art. 2º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.

80 Na sentença do Caso Almonacid Arellano y otros Vs. Chile, de 2006, a Corte Interamericana de Direitos

Humanos estabeleceu o dever do Poder Judiciário interno de controlar a convencionalidade das normas

internas ao afirmar que “el poder Judicial debe ejercer uma especie de ‘control de convencionalidad’entre

las normas jurídicas internas que aplican em los casos concretos y la Convención Americana sobre

Derechos Humanos. Em esta tarea, el Poder Judicial debe tener cuenta solamente el tratado, sino tambien

La interpretación que Del mismo há hecho La Corte Interamericana, intéprete última de Convención

Americana”. (Cf. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Almonacid Arellano y otros

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57

Além disso, a Constituição de 1988 reconhece a existência82 e a prevalência dos

direitos humanos83, a importância dos tribunais internacionais de direitos humanos84, bem

como submeteu o Brasil à jurisdição do Tribunal Penal Internacional, o qual visa punir

crimes contra os direitos humanos85.

Igualmente, a República Federativa do Brasil se submeteu à Convenção Americana

sobre Direitos Humanos86, reconheceu como obrigatória e de pleno direito a competência

da Corte Interamericana de Direitos Humanos87 e se obrigou a respeitar as decisões

desta88. A jurisprudência daquela Corte é pacífica e sólida no sentido de que Convenção

Americana sobre Direitos Humanos e todos os demais instrumentos complementares

estão acima de todas as normas de direito interno89.

Por exemplo, na sentença de 5 de fevereiro de 2001, do Caso “La Última Tentación

de Cristo“ (Olmedo Bustos y otros) Vs. Chile, o Juiz Cançado Trindade apresentou o

seguinte entendimento:

Vs. Chile. Sentença de 26 de setembro de 2006. Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_154_esp.pdf. Acesso em: 14 ago. 2015.).

81 Art. 2º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, § 2º do art. 2º do Pacto Internacional sobre

Direitos Civis e Políticos, art. 2º do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais.

82 § 2º e 3º da Constituição de 1988.

83 Inciso II do art. 4º da Constituição de 1988.

84 Art. 7º do ADCT da Constituição de 1988.

85 § 4º do art. 5º da Constituição de 1988.

86 Adotada em São José, Costa Rica, no âmbito da Organização dos Estados Americanos por ocasião da

Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em 22 de novembro de 1969, entrou em

vigor internacional em 18 de julho de 1978. O Brasil aderiu em 9 de julho de 1992 e ratificou em 25 de

setembro de 1992.

87 A competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos foi reconhecida pela República Federativa

da Brasil por meio do Decreto 4.463 de 8 de novembro de 2002.

88 Art. 68.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos: “Os Estados-partes na Convenção

comprometem-se a cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes.”

89 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso La Última Tentación de Cristo (Olmedo

Bustos y otros) Vs. Chile. Sentença de 5 de fevereiro de 2001. Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/Seriec_73_esp.pdf Acesso em: 3 de set. 2015.

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58

4. [...] A Convenção Americana, juntamente com outros tratados de direitos humanos, "foram concebidos e adotados com base na premissa de que os ordenamentos jurídicos internos devem se harmonizar com as disposições convencionais, e não vice-versa” (parágrafo 13). [e]m definitiva, adverti, “[N]ão se pode legitimamente esperar que essas disposições convencionais se ‘adaptem’ ou se subordinem às soluções de direito constitucional ou de direito público interno, que variam de país a país [...]. A Convenção Americana, ademais de outros tratados de direitos humanos, buscam, a contrario sensu, ter no direito interno dos Estados Parte o efeito de aperfeiçoá-lo, para maximizar a proteção dos direitos consagrados, acarretando, nesse propósito, sempre que necessário, a revisão ou revogação de leis nacionais [...] que não se conformem com seus parâmetros de proteção.” [...] Qualquer norma de direito interno, independentemente de seu status (constitucional ou infraconstitucional), pode, por sua própria existência e aplicabilidade, per se comprometer a responsabilidade de um Estado Parte em um tratado de direitos humanos

90.

Além de ter o firme entendimento de que as normas de direitos humanos estão

acima do direito nacional91, a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos

determina que o Estado deve realizar um controle de convencionalidade das suas normas

internas para mantê-las em conformidade com as normas interamericanas sobre direitos

humanos92.

Contudo, apesar de os tratados e da jurisprudência supracitada serem claros sobre

o dever de adequar o direito interno aos direitos humanos, após a vigência no território

nacional dos tratados internacionais dos sistemas global e interamericano de direitos

humanos, a primeira interpretação dada pelo Poder Judiciário brasileiro outorgava aos

tratados internacionais sobre direitos humanos a hierarquia jurídica equivalente às leis

ordinárias93.

Com a referida interpretação, segundo o Supremo Tribunal Federal, os conflitos

entre a Constituição elaborada pelo Estado brasileiro e os tratados de direitos humanos

90

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso La Última Tentación de Cristo (Olmedo

Bustos y otros) Vs. Chile. Sentença de 5 de fevereiro de 2001. Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/Seriec_73_esp.pdf Acesso em: 3 de set. 2015.

91 Segundo o Juiz Roberto de Figueiredo Caldas, “mesmo as Constituições nacionais hão de ser

interpretadas ou, se necessário, até emendadas para manter harmonia com a Convenção e com a

jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. De acordo com o artigo 2º da Convenção, os

Estados comprometem-se a adotar medidas pala eliminar normas legais e práticas de quaisquer espécies

que signifiquem violação a ela e, também ao contrário, comprometem-se a editar legislação e desenvolver

ações que conduzam ao respeito mais amplo e efetivo da Convenção” (Ibid).

92 Ibid.

93 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão do RE n. 80.004/SE. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=175365. Acesso em: 3 set. 2015.

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59

deviam ser resolvidos pelo critério hierárquico, com a prevalência da Constituição; bem

como os conflitos entre as leis ordinárias e os tratados de direitos humanos deviam ser

resolvidos pelo critério cronológico, com a norma posterior afastando a aplicação da

norma anterior94. Essa interpretação impedia a efetividade dos tratados de direitos

humanos, violava o direito internacional95-96-97, bem como impedia o controle do Estado e

o Direito brasileiro por normas independentes da soberania estatal.

94

No julgamento do RE n. 80.004/SE, que teve como relator o Min. Xavier de Albuquerque, de 1977, o

entendimento que prevaleceu foi o do voto do Ministro Leitão de Abreu, que defendeu o seguinte: “(...)

Como autorização dessa natureza, segundo entendo, não figura em nosso direito positivo, pois que a

Constituição não atribui ao judiciário competência, seja para negar aplicação a leis que contradigam tratado

internacional, seja para anular, no mesmo caso, tais leis, a consequência, que me parece inevitável, é que

os tribunais estão obrigados, na falta de título jurídico para proceder de outro modo, a aplicar as leis

incriminadas de incompatibilidade com tratado. Não se diga que isso equivale a admitir que a lei posterior ao

tratado e com ele incompatível reveste eficácia revogatória deste, aplicando-se, assim, para dirimir o

conflito, o princípio ‘lex posterior revogat priori’. A orientação, que defendo, não chega a esse resultado,

pois, fiel à regra de que o tratado possui forma de revogação própria, nega que este seja, em sentido

próprio, revogado pela lei. Conquanto não revogado pela lei que o contradiga, a incidência das normas

jurídicas constantes do tratado é obstada pela aplicação, que os tribunais são obrigados a fazer, das

normas legais com aqueles conflitantes. Logo, a lei posterior, em tal caso, não revoga, em sentido técnico, o

tratado, senão que lhe afasta a aplicação. A diferença está em que, se a lei revogasse o tratado, este não

voltaria a aplicar-se, na parte revogada, pela revogação pura e simples da lei dita revogatória. Mas como, a

meu juízo, a lei não o revoga, mas simplesmente afasta, enquanto em vigor, as normas do tratado com ela

incompatíveis, voltará ele a aplicar-se, se revogada a lei que impediu a aplicação das prescrições nele

consubstanciadas.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão do RE n.

80.004/SE. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=175365.

Acesso em: 3 set. 2015.).

95 Art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, concluída em 23 de maio de 1969,

promulgada no Brasil por meio do Decreto 7.030, de 14 de dezembro de 2009: “Direito Interno e

Observância de Tratados. Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o

inadimplemento de um tratado. Esta regra não prejudica o artigo 46.”

96 Art. 1º e 2º da Convenção Americana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969, promulgada no

Brasil por meio do Decreto 678, de 6 de novembro de 1992: “Artigo 1º - Obrigação de respeitar os direitos 1.

Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela

reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem

discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra

natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social. 2.

Para efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano. Artigo 2º - Dever de adotar disposições de direito

interno Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por

disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados-partes comprometem-se a adotar, de acordo com

as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra

natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.”

97 Art. 2º do Pacto de Direito Civis e Políticos, de 16 de dezembro de 1966, promulgado no Brasil por meio

do Decreto 592, de 6 de julho de 1992: “1. Os Estados Partes do presente pacto comprometem-se a

respeitar e garantir a todos os indivíduos que se achem em seu território e que estejam sujeitos a sua

jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor,

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60

Havia o entendimento de que as normas internacionais não dispunham de primazia

sobre as normas de direito interno. Dessa forma, os tratados e convenções internacionais

de direitos humanos somente prevaleceriam sobre as normas infraconstitucionais de

direito interno se para a resolução da antinomia fosse aplicado o critério cronológico (“lex

posterior derogati priori”) ou, quando cabível, o critério da especialidade (“lex specialis

derogat legi generali”)98.

Com base nessa jurisprudência, os direitos humanos previstos na Convenção

Americana sobre Direitos Humanos podiam ser revogados, no direito interno, por uma

norma ordinária posterior.

Assim, por exemplo, mais de 15 anos após o Brasil ter ratificado a Convenção

Americana sobre Direitos Humanos, que, no art. 7.7, proíbe a prisão do depositário infiel,

o Supremo Tribunal Federal continuava declarando válida a referida prisão no Brasil 99-100.

Após o Brasil ter sido denunciado perante a Comissão IDH, conforme será

analisado na seção 5.2, e a Emenda Constitucional n. 45, de 30 de dezembro de 2004,

que inseriu o parágrafo terceiro ao art. 5º da CRFB/88101 e outorgou status constitucional

aos tratados internacionais aprovados por um procedimento especial, a interpretação do

STF se modificou. No julgamento do RE 466.343, a maioria do STF declarou ter o

entendimento de que os tratados de direitos humanos possuiriam hierarquia equivalente à

Constituição, caso fossem aprovados pelo procedimento especial previsto no novo § 3º do

art. 5º da CRFB/88, ou seriam supralegais, ou seja, deveriam guardar obediência à

sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica,

nascimento ou qualquer condição. 2. Na ausência de medidas legislativas ou de outra natureza destinadas

a tornar efetivos os direitos reconhecidos no presente Pacto, os Estados Partes do presente Pacto

comprometem-se a tomar as providências necessárias com vistas a adotá-las, levando em consideração

seus respectivos procedimentos constitucionais e as disposições do presente Pacto.”

98 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão da ADI 1.480-3 – DF. Disponível em

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=347083. Acesso em: 11 ago. 2015.

99 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão - HC 92.257-1 SP. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=520107. Acesso em: 11 ago. 2015.

100 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão – HC 92.541-3 PR. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=523359. Acesso em: 11 ago. 2015.

101 § 3º do Art. 5º da CRFB/88: Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem

aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos

respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

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61

Constituição, mas teriam efeito paralisante sobre toda a legislação infraconstitucional,

caso fossem aprovados pelo procedimento comum previsto para os tratados

internacionais de direitos humanos aprovados com fundamento no antigo § 2º do art. 5º

da CRFB/88.

O entendimento que concede status supralegal aos tratados internacionais de

direitos humanos permite que normas constitucionais violem os direitos humanos

previstos em tratados internacionais aprovados pelo procedimento comum previsto no §

2º do art. 5º da Constituição de 1988, ou seja, esse entendimento permite que as normas

constitucionais inconvencionais possuam efeitos jurídicos102 no Brasil.

O reconhecimento da hierarquia equivalente à emenda constitucional, previsto no §

3º do art. 5º da Constituição de 1988, não resolve totalmente o problema. Somente

transfere para os juízes, na análise de cada caso, a competência de harmonizar as

antinomias presentes nas normas de mesma hierarquia, utilizando o princípio pro homine

ou outro critério.

Além disso, o Supremo Tribunal Federal, nos seus julgamentos, tem ignorado a

jurisprudência da Corte Interamericana, o que também tem contribuído para a

permanência do reconhecimento de que as normas constitucionais inconvencionais

possuem efeitos jurídicos no território nacional.

Além de ignorar a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o

Supremo, apesar de ter realizado um controle de informal convencionalidade, conforme

analisado na seção 5.2, ainda não declarou formalmente, em nenhum julgamento, que o

Poder Judiciário nacional tem o dever de realizar o controle de convencionaldiade das

normas internas incompatíveis com os direitos humanos.

Portanto, ainda não se consolidou no Brasil a quarta geração de direitos (direitos

humanos), a quarta dimensão de controle do Estado (os tratados internacionais), bem

como o quarto instrumento de controle do Estado (o controle de convencionalidade).

102

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do

Araguaia) Vs. Brasil. Sentença de 24 de novembro de 2010. Parágrafo 174. p. 65. Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_esp.pdf. Acesso em: 28 nov. 2015.

Page 64: PABLO VIANA PACHECO NORMAS CONSTITUCIONAIS … Viana... · O descumprimento pela República Federativa do Brasil da sentença da Corte Interamericana no Caso Gomes Lund e outros (Guerrilha

62

1.7. Consequências da consolidação da quarta geração de direitos: o poder

constituinte originário deixa de ser incodicionado e ilimitado juridicamente

Dentro do paradigma da segunda geração de direitos formada pelos direito legais,

positivados pela segunda dimensão de controle do Estado (leis), que prevê o segundo

instrumento de controle (o controle de legalidade), o poder que elaborava as normas

fundamentais do Estado podia ter as suas regras e princípios modificados pelo

Parlamento sem que houvesse nenhuma relação hierárquica que garantisse a supremacia

das normas fundamentais do Estado sobre a legislação ordinária do Parlamento.

Com a consolidação da terceira geração de direitos formada pelos direitos

fundamentais, positivados pela terceira dimensão de controle do Estado (constituição),

que estabelece o terceiro instrumento de controle (o controle de constitucionalidade), o

poder que elabora a norma fundamental do Estado (poder constituinte) torna-se supremo,

ilimitado e incodicionado.

No Século XVIII, quando definiu a teoria do poder constituinte, Emmanuel Joseph

Sieyès afirmou que o poder constituinte está estabelecido sobre a terra como indivíduos

fora do pacto social, ou seja, no estado de natureza103. Para ele, o exercício da vontade

pelo poder constituinte é livre e independente de todas as formas civis104. Qualquer que

seja a forma jurídica que a nação quiser, basta que ela queira; todas as formas são boas,

e sua vontade é sempre a lei suprema105.

Para Sieyès, o poder constituinte, titularizado pela nação é independente de

qualquer formalização positiva, basta que sua vontade apareça “para que todo direito

político cesse, como se estivesse diante da fonte e do mestre supremo de todo o direito

positivo”106.

103

SIEYÈS, Emmanuel Joseph. op. cit., p. 51.

104 Ibid., p. 51.

105 Ibid., p. 51.

106 Ibid., p. 51.

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63

De acordo com o seu pensamento, a vontade do poder constituinte está sempre

em confomidade com o direito. Antes dela e acima dela só existe o direito natural107, ou

seja, inexiste uma norma positiva hierarquicamente superior ao poder constituinte.

Antes dele, Hamilton já afirmava que povo, no exercício do poder constituinte, tem

o direito de alterar ou abolir até mesmo as normas fundamentais108, bem como que não

será válido qualquer ato legislativo contrário à Constituição109.

Até os dias atuais, alguns manuais de direito constitucional seguem o pensamento

de Sieyès e classificam o poder constituinte originário como um poder ilimitado

(autônomo) e incodicionado110 juridicamente, sendo apenas limitado, como afirmava

Sieyès, no Século XVIII, pelo direito natural, ou, como afirma Gilmar Mendes e Paulo

Branco, no Século XXI, por valores éticos, religiosos e culturais111.

Uma das consequências do entendimento de que o poder constituinte originário é

ilimitado e incondicionado é o exposto por Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco

de que “não há se cogitar de fiscalização de legitimidade por parte do Judiciário de

preceito por aquele [poder constituinte originário] estatuído”112.

Até hoje, formalmente113 o pensamento de Sieyès é seguido no STF. No Acórdão

da ADI 815-3-DF114 e no Acórdão da ADI 4097-DF115, o Supremo Tribunal manifestou o

107

SIEYÈS, Emmanuel Joseph. op. cit., p. 48.

108 HAMILTON, Alexander. Federalista n. 78. In: HAMILTON, Alexander; JAY, John; MADISON, James. O

federalista. 2. ed. Campinas: Russel Editores, 2005. p. 473.

109109 Ibid., p. 471

110 Por exemplo, MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito

constitucional. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 104; MORAES, Alexandre. Direito constitucional.

30.ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 26.

111 Ibid., p. 105.

112 Ibid., p. 117.

113 Conforme é analisado na seção 5.2 da presente Tese.

114 A Ementa do Acórdão da Acórdão da ADI 815-3-DF tem a seguinte redação: “Ação direta de

inconstitucionalidade. Parágrafos 1º e 2º do art. 45 da Constituição Federal. A tese que há hierarquia entre

normas constitucionais originárias dando azo à declaração de inconstitucionalidade de umas em face de

outras é impossível com o sistema de constituição rígida. Na atual Carta Magna “compete ao Supremo

Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição” (art. 102, “caput”), o que implica dizer que essa

jurisdição lhe é atribuída para impedir que se desrespeite a Constituição como um todo, e não para, com

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64

seu entendimento de que é impossível o controle de constitucionalidade de normas

elaboradas pelo poder constituinte originário116.

De fato, esse é o universo jurídico da terceira geração (os direitos fundamentais),

que estabelecem a terceira dimensão de controle estatal (a constituição) e o terceiro

instrumento (o controle de constitucionalidade). Dentro dos conceitos e princípios da

terceira geração de direitos, o poder constituinte é onipotente e a constituição é a norma

suprema.

Dentro do panorama jurídico da terceira dimensão de controle do Estado e da

terceira geração de direitos, de fato, é verdadeiramente difícil defender a existência de

normas constitucionais inconstitucionais, como faz Otto Bachof117.

relação a ela, exercer o papel de fiscal do Poder Constituinte originário, a fim de verificar se este teria, ou

não, violado os princípios de direito suprapositivo que ele próprio havia incluído no texto da mesma

Constituição. Por outro lado, as cláusulas pétreas não podem ser invocadas para a sustentação da tese das

normas constitucionais inferiores em face de normas constitucionais superiores, porquanto a Constituição as

prevê apenas como limites aopoder Constituinte derivado ao rever ou ao emendar a Constituição elaborada

pelo Poder Constituinte originário, e não como abarcando normas cuja observância se impôs ao próprio

Poder Constituinte originário com relação às outras que não sejam consideradas como cláusulas pétreas, e,

portanto, possam ser emendadas. Ação não conhecida por impossibilidade jurídica do pedido” (BRASIL.

Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão da ADI 815-3-DF p.312. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=266547. Acesso em: 10 dez. 2015).

115 A Ementa do Acórdão da ADI Acórdão da ADI 4.097-DF tem a seguinte redação: “AÇÃO DIRETA DE

INCONSTITUCIONALIDADE. ADI.Inadmissibilidade. Art. 14, §14º, da CF. Norma constitucional originária.

Objeto monológico insucetível de controle de constitucionalidade. Princípio da unidade hierárquico-

normativa e caráter rígido da Constituição brasileira. Doutrina. Precedente. Carência da ação. Inépcia

reconhecida. Indeferimento da petição inicial. Agravo improvido. Não se admite controle concentrado ou

difuso de constitucionalidade de normas produzidas pelo poder constituinte originário.” (BRASIL. Supremo

Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão da ADI 4.097-DF p.249. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=559799. Acesso em: 10 dez. 2015).

116 Para o Prof. André de Carvalho Ramos, “o parâmetro de confronto no controle de convencionalidade

internacional é a norma internacional, em geral um determinado tratado. Já o objeto desse controle é toda

norma interna, não importando a sua hierarquia nacional. Como exemplo, o controle de convencionalidade

internacional exercido pelos tribunais internacionais pode inclusive analisar a compatibilidade de uma norma

do Poder Constituinte Originário com normas previstas em um tratado internacional de direitos humanos. No

caso de controle de convencionalidade nacional, os juízes e os tribunais internos não ousam submeter uma

norma do Poder Constituinte Originário à analise da compatibilidade com um determinado tratado de direitos

humanos. O Supremo Tribunal Federal, em precedente antigo, sustentou que ‘o STF não tem jurisdição

para fiscalizar a validade de normas aprovadas pelo poder constituinte originário’(ADI 815, Rel. Min. Moreira

Alves, julgamento em 28-3-1996, Plenário, DJ de 10-5-1996). Assim, há limite de objeto do controle de

convecionalidade nacional.” (RAMOS, André de Carvalho. op. cit. p. 406.).

117 BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais? Coimbra: Almedina, 1994.

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65

Contudo, da mesma forma que não se podiam utilizar literalmente os conceitos e

métodos do segundo instrumento de controle do Estado (controle de legalidade) para a

compreensão do terceiro instrumento de controle do Estado (controle de

constitucionalidade), não se pode transportar acriticamente os conceitos e métodos do

controle de constitucionalidade para analisar o controle de convencionalidade.

Com a consolidação dos direitos de quarta geração (direitos humanos), da quarta

dimensão de controle (os tratados e convenções internacionais de direitos humanos) e do

quarto instrumento de controle (o controle de convencionalidade), o paradigma muda, os

conceitos e princípios se alteram e o controle do Estado se amplia para proteger mais e

melhor os direitos dos seres humanos.

Se no paradigma da terceira geração e da terceira dimensão de controle o poder

constituinte originário de um determinado Estado cria, sem limitações ou

condicionamentos positivados, a norma suprema do Estado, que será aplicada somente

por juízes servidores do próprio Estado, ou seja, se dentro do panorama jurídico da

terceira geração/dimensão a máxima limitação jurídica que se conseguiu impor ao Estado

foi a limitação de ser legislador de si mesmo, bem como juiz de si próprio; com quarta

geração de direitos e a quarta dimensão de controle é imposto ao Estado um controle por

normas internacionais, as quais serão analisadas por juízes independentes do Estado, ou

seja, o Estado deixa de ser o único legislador de si mesmo, bem como deixa de ser o

único juiz de si próprio.

No universo da terceira geração, o Estado cria as suas normas, bem como julga os

seus atos; com a consolidação da quarta geração, o Estado é vinculado aos tratados e

convenções internacionais de direitos humanos.

Sendo assim, com base nas regras e princípios jurídicos de terceira geração, o

Estado brasileiro, por meio dos seus juízes e legisladores, formalmente chegou ao

entendimento de que é juridicamente impossível a existência de normas constitucionais

(originárias) inconstitucionais; no panorama jurídico de quarta geração, uma corte

internacional chegou ao entendimento de que existem normas constitucionais

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66

inconvencionais118, bem como que é dever dos juízes e tribunais nacionais realizar o

controle de convencionalidade das referidas normas119.

Sob os valores da quarta geração de direitos, o poder constituinte não é mais

onipotente e a sua obra não é mais vista como imaculada. Com a quarta geração, todas

as normas elaboradas pelo Estado, inclusive as constitucionais, devem ser compatíveis

com os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos.

Dentro das regras e princípios jurídicos da quarta geração, as normas

constitucionais (elaboradas pelo poder constituinte originário ou derivado), que violem os

tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, carecem de efeitos

jurídicos e devem sofrer o controle de convecionalidade, conforme decidiu a Corte IDH,

nos julgamentos dos casos Yatama Vs. Nicarágua120 e “A Última Tentação de Cristo”

(Olmedo Bustos e outros) Vs. Chile.121

Da mesma forma, no caso Caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) Vs.

Brasil, conforme é analisado na seção 5.4, a Corte Interamericana de Direitos Humanos,

de fato, determinou que o Estado brasileiro não aplique uma norma que integra a obra do

poder constituinte originário (Emenda Constitucional 26/85)122, ao estabelecer o seguinte:

118

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença do Caso Yatama vs. Nicarágua de 23

de junho de 2005. Parágrafo 170. p. 79. Sentença do Caso “A Última Tentação de Cristo” (Olmedo Bustos e

outros) Vs. Chile, de 5 de fevereiro de 2001. Parágrafo 72 e ponto resolutivo 4. p. 32 e 39. Disponíveis em:

http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_127_esp.pdf e

http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/Seriec_73_esp.pdf. Acesso em: 16 ago. 2015.

119 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Almonacid Arellano y otros Vs. Chile.

Sentença de 26 de setembro de 2006. Parágrafo 124. Página 53. Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_154_esp.pdf. Acesso em: 14 ago. 2015.

120 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença do Caso Yatama vs. Nicarágua de 23

de junho de 2005. Parágrafo 170. p. 79. Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_127_esp.pdf. Acesso em: 16 ago. 2015.

121 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso “A Última Tentação de Cristo” (Olmedo

Bustos e outros) Vs. Chile. Sentença de 5 de fevereiro de 2001. Parágrafo 72 e ponto resolutivo 4. p. 32 e

39. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/Seriec_73_esp.pdf. Acesso em: 16 ago.

2015.

122 A Emenda Constitucional nº 26, de 27 de novembro de 1985 concede “anistia aos autores de crimes

políticos ou conexos” que cometeram crimes durante o Regime Militar. A única forma de investigar e julgar

os referidos criminosos é reconhecendo que as disposições da referida norma que anistiam os autores de

crimes não possuem efeitos jurídicos, ou seja, a única forma de realizar a investigação e punição dos

mesmos é realizando o controle de convencionalidade da referida norma.

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67

la Corte declaró la violación de los derechos a las garantías judiciales y a la protección judicial debido a la falta de investigación, enjuiciamiento y eventual sanción de los responsables por los hechos del presente caso. Teniendo en cuenta lo anterior, así como su jurisprudencia, este Tribunal dispone que el Estado debe conducir eficazmente la investigación penal de los hechos del presente caso a fin de esclarecerlos, determinar las correspondientes responsabilidades penales y aplicar efectivamente las sanciones y consecuencias que la ley prevea. Esta obligación debe ser cumplida en un plazo razonable, considerando los criterios señalados sobre investigaciones en este tipo de casos, inter alia: [...] determinar los autores materiales e intelectuales de la desaparición forzada de las víctimas y de la ejecución extrajudicial. Además, por tratarse de violaciones graves a derechos humanos, en consideración de la naturaleza de los hechos y del carácter continuado o permanente de la desaparición forzada, el Estado no podrá aplicar la Ley de Amnistía en beneficio de los autores, así como ninguna otra disposición

análoga123

Seguindo em certo sentido o mesmo caminho, iniciando a travessia do Poder

Judiciário brasileiro da terceira para a quarta geração, conforme é analisado na seção 5.2,

o Supremo Tribunal Federal, de fato, realizou um controle de convencionalidade de uma

norma elaborada pelo poder constituinte originário ao declarar que o inciso LXVII do art.

5º da Constituição de 1988 “deixou de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante”124 da

Convenção Americana sobre Direitos Humanos e do Pacto Internacional sobre Direitos

Civis e Políticos.

Sendo assim, o Poder Constituinte (originário) da Constituição atual do Brasil não

estava condicionado, nem era limitado pela Convenção Americana sobre Direitos

Humanos, no ano de 1988, quando houve a promulgação, mas a integralidade da sua

obra (a Constituição) passou a ser condicionada e limitada pela Convenção IDH, em

1992, quando o Brasil a ratificou125, bem como a Constituição passou a poder ter a sua

compatibilidade com a Convenção Americana analisada pela Corte IDH, em 2002126,

quando foi aceita a competência da Corte pelo Estado brasileiro.

123

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do

Araguaia) Vs. Brasil. Sentença de 24 de novembro de 2010. Alínea “b” do parágrafo 256. p. 97. Disponível

em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_esp.pdf. Acesso em: 22 maio 2015.

124 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão – Recurso Especial 466.343-1 SP.

Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=595444. Acesso em: 11

ago. 2015.

125 Aprovada pelo Decreto Legislativo n. 27, de 26 de maio de 1992. A carta de adesão foi depositada em 25

de setembro de 1992. Foi promulgada pelo Decreto 678, de 6 de novembro de 1992.

126 A competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos foi reconhecida pela República Federativa

da Brasil por meio do Decreto 4.463, de 8 de novembro de 2002, “para fatos posteriores a 10 de dezembro

de 1998”.

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68

Ressalte-se que não está apenas limitada pelos direitos humanos a Constituição de

1988, mas também todas as possíveis constituções futuras. Dentro das regras e

princípios jurídicos da quarta geração e da quarta dimensão, caso alguma entidade se

declare poder constituinte originário, esse poder será um poder condicionado e limitado

juridicamente pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos, bem como a Corte

Interamericana possuirá competência para analisar a convencionalidade dessa hipotética

nova constituição com os direitos humanos127.

Portanto, se por um lado, com a consolidação da terceira geração e da terceira

dimensão, o poder que elabora uma constituição tornou-se ilimitado e incondicionado; por

outro, com a consolidação da quarta geração e da quarta dimensão, o poder constituinte

torna-se limitado e condicionado juridicamente pelos tratados e convenções internacionais

sobre direitos humanos.

O panorama da terceira dimensão de controle do Estado, que garantia o exercício

de uma poder ilimitado e incondicionado pelo poder constituinte, foi alterado pelo da

quarta dimensão, que estabelece um poder constituinte condicionado e limitado pelos

direitos humanos.

127

Caso não queira ser condicionado e limitado pela Convenção, existe a possibilidade de denunciar a

Convenção Americana sobre Direitos Humanos, nos termos do art. 78 que possui a seguinte redação: “1.

Os Estados-partes poderão denunciar esta Convenção depois de expirado o prazo de cinco anos, a partir

da data em vigor da mesma e mediante aviso prévio de um ano, notificando o Secretário Geral da

Organização, o qual deve informar as outras partes. 2. Tal denúncia não terá o efeito de desligar o Estado-

parte interessado das obrigações contidas nesta Convenção, no que diz respeito a qualquer ato que,

podendo constituir violação dessas obrigações, houver sido cometido por ele anteriormente à data na qual a

denúncia produzir efeito.” Contudo, nessa hipótese, como deixa claro o art. 78, existe a necessidade de

“aviso prévio de um ano” e o Estado, bem como todos os seus poderes continuam submetidos à Convenção

Americana até que a denúncia comece a “produzir efeitos”. Assim, dentro do referido lapso temporal, a

Corte Interamericana pode verificar a compatibilidade dos atos e normas da entidade que se declara poder

constituinte e, conforme for o caso, realizar o controle de convencionalidade.

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Capítulo 2

2. OS SISTEMAS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS

2.1. O sistema global e os sistemas regionais; 2.2. O sistema

universal; 2.3. O Sistema Interamericano de Direitos Humanos; 2.3.1. A

Organização dos Estados Americanos; 2.3.2. A Declaração Americana

de Direitos e Deveres do Homem; 3.3.3. A Convenção Americana sobre

Direitos Humanos; 3.3.3.1. A Comissão Interamericana de Direitos

Humanos; 3.3.3.2. A Corte Interamericana de Direitos Humanos.

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71

OS SISTEMAS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS

2.1. O sistema global e os sistemas regionais

A quarta geração de direitos e a quarta dimensão de controle do Estado estão

organizadas em sistemas internacionais de proteção aos direitos humanos. O Sistema

Global, no âmbito das Organizações das Nações Unidas (ONU)128, e os sistemas

regionais de proteção aos direitos humanos.

Os quatro sistemas regionais existentes são o Sistema Europeu de Direitos

Humanos; o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, cuja principal norma é a

Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969, a qual, por sua vez, estabelece

a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana; o Sistema

Africano de Direitos Humanos; e o Sistema Árabe de Direitos Humanos.

Como o presente estudo tem como objeto analisar a compatibilidade das normas

constitucionais do Brasil com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no

presente capítulo, serão citados o sistema global e os sistemas regionais e se fará uma

breve exposição do sistema global. Como o foco é a Convenção Americana, somente

será feita uma análise detalhada das normas e das instituições do Sistema Interamericano

de Direitos Humanos.

2.2. O sistema universal

O sistema universal de direitos humanos (também chamado de sistema global ou

onusiano) tem o objetivo de proteger os direitos humanos no âmbito da Organização das

Nações Unidas, em todo o globo terrestre.

128

Segundo Flávia Piovesan, a “Carta das Nações Unidas de 1945 consolida, assim, o movimento de

internacionalização dos direitos humanos, a partir do consenso de Estados que elevam a promoção desses

direitos a propósito e finalidade das Nações Unidas. Definitivamente, a relação de um Estado com seus

nacionais passa a ser uma problemática internacional, objeto de instituições internacionais e do Direito

Internacional” (PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Direito Constitucional Internacional. 11.ed. São

Paulo: Saraiva, 2010, p. 123).

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Apesar de o direito humanitário129, a Liga das Nações e a Organização

Internacional do Trabalho serem anteriores130, o sistema global se consolida no pós-

guerra, com a Carta das Nações Unidas de 1945, a Declaração Universal dos Direitos

Humanos de 1948, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966, o Pacto

Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966.

A Carta das Nações Unidas, assinada em São Francisco, em 26 de junho de

1945131, na Conferência de Organização Internacional das Nações Unidas, criou a

Organização das Nações Unidas com os propósitos de manter a paz e a segurança

internacionais; desenvolver relações entre as nações; obter cooperação internacional para

resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural e humanitário;

promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais e ser

um centro destinado a harmonizar a ação das nações132.

Os principais órgãos das nações unidas são a Assembleia Geral, o Conselho de

Segurança, o Conselho Econômico e Social, o Conselho de Tutela, a Corte Internacional

de Justiça e o Secretariado133.

A Assembleia Geral é constituída por todos os Estados membros das Nações

Unidas e tem a função de discutir e fazer recomendações relativamente a qualquer

129

Para Flavia Piovesan, o Direito Humanitário é “o Direito que se aplica na hipótese de guerra, no intuito de

fixar limites à atuação do Estado e assegurar a observância de direitos fundamentais. A proteção

humanitária se destina, em caso de guerra, a militares postos fora de combate (feridos, doentes, náufragos,

prisioneiros de guerra) e a populações civis. (PIOVESAN, Flávia. op. cit., p. 116.).

130 Antes da institucionalização dos sistemas global e regional, havia tratados internacionais sobre direitos

humanos que visavam o direito humanitário, a luta contra a escravidão e a regulação dos direitos do

trabalhador assalariado. De acordo com Comparato, “o primeiro documento normativo de caráter

internacional foi a Convenção de Genebra de 1864, a partir da qual fundou-se, em 1880, a Comissão

Internacional da Cruz Vermelha. A Convenção foi revista, primeiro em 1907, a fim de se estenderem seus

princípios aos conflitos marítimos (Convenção de Haia), a seguir, em 1929, para a proteção dos prisioneiros

de Guerra (Convenção de Genebra).” (COMPARATO, Fábio Konder. op. cit., p. 57) Em 1919, foi criada a

Organização Internacional do Trabalho. Até o início da Segunda Guerra Mundial, a OIT aprovou 67

convenções internacionais para a proteção do trabalhador assalariado. Em 1926, foi celebrada a

Convenção de Genebra sobre a Escravatura.

131 No Brasil, a Carta das Nações Unidas foi promulgada pelo Decreto nº 19.841, de 22 de outubro de 1945.

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d19841.htm Acesso em: 12 jul. 2015.

132 Art. 1 da Carta das Nações Unidas.

133 Art. 7.1 da Carta das Nações Unidas.

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73

matéria objeto da Carta. As decisões da Assembleia Geral, em questões importantes, são

tomadas por maioria de dois terços. As decisões sobre outras questões são tomadas pela

maioria dos membros presentes.

O Conselho de Segurança é composto de quinze membros, sendo que cinco são

permanentes e dez não. Os cinco membros permanentes são China, França, Rússia134,

Reino Unido e Estados Unidos. Os dez membros que não são permanentes são eleitos

pela Assembleia Geral para um mandato de dois anos, sem direito à reeleição para um

segundo mandato imediato. Com cada membro tendo direito a um voto, as decisões, em

questões processuais, são tomadas pelo voto afirmativo de nove membros. Em questões

materiais, as deliberações do Conselho de Segurança também são tomadas pelo voto

afirmativo de nove membros, incluindo, entretanto, os votos afirmativos de todos os cinco

membros permanentes, ou seja, estes têm poder de veto em todas as decisões sobre

questões materiais.

Por sua vez, o Conselho Econômico e Social é composto de cinquenta e quatro

membros, eleitos pela Assembleia Geral para um mandato de três anos, com direito à

reeleição. Possui competência para promover a cooperação e para realizar estudos e

relatórios a respeito de assuntos internacionais de caráter econômico, social, cultural,

educacional, sanitário e conexos. É competente também para fazer recomendações,

inclusive sobre direitos humanos, bem como elaborar projetos de convenções a serem

submetidos à Assembleia Geral e convocar conferências internacionais.

A Corte Internacional de Justiça, composta por 15 juízes, é o principal órgão judicial

da ONU. Dispondo de competência contenciosa e consultiva, tem seu funcionamento

disciplinado pelo Estatuto da Corte. Somente Estados podem ser partes e, caso uma das

partes deixe de cumprir uma sentença proferida pela Corte, a outra parte tem direito de

recorrer ao Conselho de Segurança.

O Conselho de Tutela teve um importante papel no processo de descolonização e

de autodeterminação dos povos. Hoje, contudo, encontra-se esvaziado.

134

A Rússia sucedeu, em 1992, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

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O Secretariado é liderado pelo Secretário-Geral (principal funcionário administrativo

da ONU). O Secretário-Geral é indicado para mandato de cinco anos pela Assembleia

Geral mediante a recomendação do Conselho de Segurança.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), o Pacto Internacional de

Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos e Culturais

formam a Carta Internacional de Direitos Humanos.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi aprovada em 10 de dezembro de

1948 pela Resolução n. 217 A (III) da Assembleia Geral da ONU. A votação teve 48 votos

favoráveis e 8 abstenções135. Apesar de o art. 10 da Carta das Nações Unidas prever

que as resoluções da Assembleia Geral possuem força jurídica de recomendação, é

disseminado o entendimento de que a Declaração é uma norma imperativa de direito

internacional (jus cogens), nos termos do art. 53 da Convenção de Viena.

O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos foi adotado na XXI Sessão da

Assembleia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966, mas somente

passou a ter vigência internacional em 1976, pelo fato de seu art. 49.1 determinar que

somente entraria em vigor três meses após a 35ª ratificação.

No Brasil, o Congresso Nacional aprovou o texto do Pacto por meio do Decreto

Legislativo n. 226, de 12 de dezembro de 1991. A Carta de Adesão foi depositada em 24

de janeiro de 1992 e o Pacto entrou em vigor, para o Brasil, em 24 de abril de 1992. Em 6

de julho de 1992, o Pacto foi promulgado pelo Decreto 592, de 6 de julho de 1992.

O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foi adotado pela

XXI Sessão da Assembleia Geral da ONU, em conjunto com o Pacto Internacional sobre

Direitos Civis e Políticos, em 19 de dezembro de 1966. Somente entrou em vigor

internacional em 1966, três meses após da data do depósito do 35º instrumento de

ratificação ou de adesão.

No Brasil, o Congresso Nacional aprovou o texto do Pacto Internacional de Direitos

Econômicos Sociais e Culturais, por meio do Decreto Legislativo n. 226, de 12 de

dezembro de 1991. Tendo a Carta de Adesão ao Pacto Internacional sobre Direitos

135

Os oito Estados que se abstiveram foram: Bielo-rússia, Checoslováquia, Polônia, Arábia Saudita,

Ucrânia, URSS, África do Sul e Iugoslávia.

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Econômicos, Sociais e Culturais sido depositada em 24 de janeiro de 1992, entrou em

vigor, para o Brasil, em 24 de abril de 1992. Finalmente, em 7 de julho de 1992, foi

promulgado por meio do Decreto n. 591.

Atualmente, além da Carta Universal dos Direitos Humanos, composta pela

Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Civis e

Políticos e o Pacto Internacional de Diretos Econômicos, Sociais e Culturais, existe um

complexo conjunto de tratados e convenções internacionais de direitos humanos no

âmbito do sistema global136.

No âmbito do Sistema Universal, a Organização das Nações Unidas (ONU) possui

diversos órgãos voltados à proteção dos direitos humanos. São órgãos próprios da ONU e

outros criados por tratados celebrados sob o seu patrocínio.

A ONU, além dos seus órgãos principais (Assembleia Geral; Conselho de

Segurança; Secretário Geral; Conselho Econômico e Social; Corte Internacional de

Justiça e Conselho de Tutela), vistos anteriormente, possui órgãos próprios e relações de

apoio administrativo e técnico com órgãos criados por tratados elaborados sob o seu

patrocínio destinados à proteção dos direitos humanos.

A ONU possui os seguintes órgãos próprios especialmente voltados à proteção dos

direitos humanos:

I. Conselho de Direitos Humanos;

136

Além da Carta Internacional dos Direitos Humanos, formada pela Declaração Universal dos Direitos

Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais, também são tratados internacionais importantes sobre os direitos humanos o Protocolo

Facultativo ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos; o Segundo Protocolo Adicional ao Pacto

Internacional dos Direitos Civis e Políticos; o Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional dos Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais; a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura, do Tráfico de

Escravos e Práticas Análogas à Escravatura; a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de

Genocídio; Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados e Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados; a

Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial; a Convenção sobre a

Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e Protocolo Facultativo; a Convenção

contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes e Protocolo Opcional;

a Convenção sobre os Direitos da Criança e protocolos facultativos, a Convenção da ONU sobre os Direitos

das Pessoas com Deficiência e o seu protocolo facultativo; a Convenção Internacional para Proteção de

Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado; a Convenção Internacional sobre a Proteção dos

Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias. Para ver uma análise

detalhada do Sistema Global dos Direitos Humanos, Cf. PIOVESAN, Flávia. op. cit., p. 113 e ss. e RAMOS,

André de Carvalho. op. cit. p. 148 e ss.

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II. Alto Comissariado de Direitos Humanos.

O Conselho Econômico e Social criou, em 10 de dezembro de 1946, a Comissão

de Direitos Humanos. Com a extinção da Comissão, em 2006, foi criado o Conselho de

Direitos Humanos. O Conselho possui 47 Estados-membros e está vinculado à

Assembleia Geral da ONU. A eleição dos membros é feita pela Assembleia Geral da

ONU.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos é indicado pelo

Secretário-Geral das Nações Unidas e aprovado pela Assembleia Geral para um mandato

de quatro anos, renovável uma vez por igual período. Suas principais atribuições são

promover e proteger o efetivo gozo de todos os direitos civis, políticos, econômicos,

culturais e sociais, realizar tarefas atribuídas pelos órgãos competentes das Nações

Unidas, entre outras.

Além dos órgãos próprios, existem os seguintes entes externos criados por

tratados elaborados com apoio da ONU:

I. Comitês criados por tratados internacionais do sistema universal de proteção

dos direitos humanos;

II. Tribunal Penal Internacional.

Como exemplo de comitês criados por tratados internacionais do sistema universal

de proteção dos direitos humanos podem-se citar o Comitê de Direitos Humanos, criado

pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos; o Comitê de Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais, instituído pela Resolução 1.985/17 do Conselho Econômico e Social,

em maio de 1985, com competência ampliada pelo Protocolo Facultativo do Pacto

Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; o Comitê para a Eliminação da

Discriminação Racial, criado pela Convenção para a Eliminação de todas as Formas de

Discriminação Racial; o Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher,

criado pela Convenção sobre Eliminação de Todas as Fromas de Discriminação contra a

Mulher; o Comitê contra a Tortura, instituído pela Convenção contra a Tortura e outros

Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; o Comitê para os Direitos da

Criança, instituído pela Convenção sobre os Direitos da Criança; o Comitê sobre os

Direitos das Pessoas com Deficiência, estabelecido pela Convenção sobre os Direitos das

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Pessoas com Deficiência; o Comitê contra Desaparecimentos Forçados, instituído pela

Convenção para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado.

O Tribunal Penal Internacional foi criado pelo Estatuto de Roma, de 1998. Entrou

em vigor internacional em 1º de julho de 2002. No Brasil, foi aprovado pelo Decreto

Legislativo n. 112, de 2002, e entrou em vigor em 1º de setembro de 2002. Foi

promulgado pelo Decreto n. 4.388, de 25 de setembro de 2002. Em 2004, a Emenda

Constitucional n. 45 inseriu o parágrafo quarto ao art. 5º da Constituição, que passou a

prever expressamente a submissão do Brasil “à jurisdição de Tribunal Penal Internacional

a cuja criação tenha manifestado adesão”.

É composto por 18 juízes, eleitos pelos Estados Partes para um mandato de nove

anos, sem direito à reeleição. Com sede em Haia, nos Países Baixos, o Tribunal,

conforme estabelece o art. 34 do Estatuto, é composto pelos seguintes órgãos: a) a

Presidência, com poder de administrar o Tribunal; b) uma Seção de Recursos, uma Seção

de Julgamento em Primeira Instância e uma Seção de Instrução; c) o Gabinete do

Procurador, com competência para receber, examinar e investigar as denúncias, bem

como propor a ação penal perante o Tribunal; d) a Secretaria.

O Tribunal é competente para julgar os crimes mais graves que afetam a

comunidade internacional, cometidos após 1º de julho de 2002. Nos termos do art. 5º do

Estatuto de Roma, o Tribunal é competente para julgar os seguintes crimes: a) crime de

genocídio; b) crimes contra a humanidade; c) crimes de guerra; d) crimes de agressão.

O Tribunal pode exercer a sua jurisdição em relação aos referidos crimes mediante

a denúncia de um Estado parte ou do Conselho de Segurança ao Procurador, com a

finalidade de que este investigue o crime, propondo a ação penal. Pode, ainda, o próprio

Procurador agir de ofício. Nos termos do art. 11 do Estatuto, o Tribunal somente tem

competência relativa aos crimes cometidos após 1º de julho de 2002, data em que o

Estatuto de Roma entrou em vigor internacional. Para os Estados que aderiram ao

Estatuto depois de sua entrada em vigor, o Tribunal somente possui competência em

relação a crimes cometidos depois da entrada em vigor do tratado, relativamente a esse

Estado.

Para o exercício da jurisdição do Tribunal, é necessário que o Estado tenha aderido

ao tratado e que o caso seja suficientemente grave para justificar a ulterior intervenção do

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78

Tribunal, nos termos da alínea “d” do art. 17.1 do Estatuto. O Tribunal tem competência

complementar à jurisdição nacional. Sua competência é complementar em virtude de a

responsabilidade primária para o julgamento das violações dos direitos humanos ser do

Estado Nacional, tendo a comunidade internacional responsabilidade subsidiária. Nos

termos do art. 17 do Estatuto, é condição de admissibilidade da ação a demonstração de

que Estado não tem vontade de proceder criminalmente ou da sua incapacidade real para

fazê-lo. A jurisdição do Tribunal Penal Internacional é adicional e complementar à do

Estado, ou seja, é condicionada à incapacidade ou à omissão do Estado em exercer a

jurisdição. Somente é exercida a jurisdição internacional com a demonstração da

incapacidade da jurisdição interna. O Estado tem o dever de exercer sua jurisdição penal

para punir os responsáveis pelas violações dos direitos humanos, agindo somente o

Tribunal Penal Internacional de maneira subsidiária à jurisdição interna, após a

demonstração da incapacidade de esta ser exercida137.

2.3. O Sistema Interamericano de Direitos Humanos

Além do sistema global, há os sistemas regionais de proteção aos direitos

humanos europeu, africano, americano e árabe. Os sistemas regionais são

complementares ao dos Estados nacionais, possuindo estes últimos a competência

primária na concretização dos direitos.

A proteção dos direitos humanos no continente americano em face dos Estados da

região, pelos organismos regionais, pode ser realizada por procedimentos e em defesa

dos direitos humanos previstos na Carta da Organização dos Estados Americanos, na

Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, na Convenção Americana de

Direitos Humanos, bem como nos demais tratados e normas internacionais de direitos

humanos celebrados no continente.

137

Segundo Flávia Piovesan, o “Estado tem, assim, o dever de exercer sua jurisdição penal contra os

responsáveis por crimes internacionais, tendo a comunidade internacional responsabilidade subsidiária.

Como enuncia o art. 1º do Estatuto de Roma, a jurisdição do Tribunal é adicional e complementar a do

Estado, ficando condicionada à incapacidade ou à omissão do sistema judicial interno” (PIOVESAN, Flávia.

op. cit., p. 231.).

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79

Por isso, Flávia Piovesan afirma que o sistema interamericano consiste em dois

regimes: um, baseado a Carta da Organização dos Estados Americanos e o outro,

baseado na Convenção Americana sobre Direitos Humanos138.

Em linhas gerais, são aplicáveis três procedimentos para a defesa dos direitos

humanos no sistema regional do continente americano:

I. o procedimento aplicável aos Estados membros da OEA que não ratificaram

a Convenção Americana sobre Direitos Humanos;

II. o procedimento aplicável aos Estados membros da OEA que ratificaram a

Convenção Americana, mas que não aceitaram a competência contenciosa

da Corte IDH;

III. o procedimento aplicável aos Estados membros da OEA que ratificaram a

Convenção e aceitaram a competência contenciosa da Corte IDH.

No primeiro caso, as violações dos direitos humanos cometidas por Estados que

não ratificaram a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, como ocorre, por

exemplo, com o Canadá e os Estados Unidos da América139, são analisadas pela

Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com base no disposto na Carta da OEA e

na Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem140.

Na segunda hipótese, nas violações aos direitos humanos cometidas por Estados

membros da OEA que ratificaram a Convenção Americana, mas que não aceitaram a

competência contenciosa da Corte IDH, como ocorre, por exemplo, com Dominica e

138

PIOVESAN, Flávia. op. cit., p. 255.

139 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA). Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Informe. Disponível em: http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/d.Convencao_Americana_Ratif..htm.

Acesso em: 19 jul. 2015.

140 Em uma visão abrangente, para Luis Guilherme Arcaro Conci, o “Sistema da OEA, instituído pela Carta

da OEA, apresenta 35 (trinta e cinco) estados nacionais partes, e conta não somente com a Assembleia da

OEA, mas também com o Conselho Permanente da OEA, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos

(Comissão IDH) e o Conselho Interamericano de Desenvolvimento Integral. Esse sistema precede a

Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), tem também objetivos de tutela e concretização dos

direitos humanos. Com o tempo, passou a contar com uma cláusula democrática, instituída pela Declaração

de Washington, de 1992, que exige, sob pena de suspensão – como a ocorrida com Honduras, em 2009 –

que o regime democrático seja preservado, como condição de manutenção do estado parte como membro”

(Cf. CONCI, Luis Guilherme Arcaro. op. cit., p. 31-32).

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80

Jamaica141, a análise das violações é feita pela Comissão IDH com base na Carta da

OEA, na Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem e na Convenção

Americana sobre Direitos Humanos.

No terceiro caso, as violações aos direitos humanos realizadas por Estados

membros da OEA que ratificaram a Convenção Americana, bem como aceitaram a

jurisdição contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos142, como ocorre, por

exemplo, com Panamá, México, República Dominicana, Peru, Colômbia, Uruguai,

Paraguai, Chile, Argentina e Brasil, são analisadas pela Comissão IDH e pela Corte IDH

com base na Carta da OEA, na Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem,

na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e, conforme o caso, em outros

tratados e normas internacionais143.

2.3.1. A Organização dos Estados Americanos

Em 30 de abril de 1948, durante a 9º Conferência Internacional Americana, na

Cidade de Bogotá, foi aprovada a Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA),

tendo entrado em vigor no dia 13 de dezembro de 1951, quando foi atingido o número

mínimo de depósito de ratificações.

141

ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA). Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Informe. Disponível em: http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/d.Convencao_Americana_Ratif..htm.

Acesso em: 19 jul. 2015.

142 Para Talavera e Moyano, na hipótese dos Estados da OEA que ratificaram a Convenção Americana,

bem como aceitaram a competência contenciosa da Corte, o sistema de proteção interamericano de direitos

humanos realiza toda a sua capacidade ao permitir a aplicação da Carta da OEA, a Declaração Americana

de Direitos e Deveres do Homem, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, bem como permite a

intervenção da Comissão e da Corte Interamericana de Direitos Humanos. (Cf. TALAVERA, Fabian Novak;

MOYANO, Luis Garcia. Derecho internacional público. Lima: Fondo Editorial de la PUC, 2003. p. 272.).

143 Por exemplo, o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de

Direitos Econômicos, Sociais e Culturais ou Protocolo de San Salvador (1988); Protocolo à Convenção

Americana de Direitos Humanos para Abolição da Pena de Morte (1990); Convenção Interamericana para

Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (1994); Convenção Interamericana para Prevenir e

Punir a Tortura (1985); Convenção Interamericana sobre a Eliminação de Todas as Formas de

Discriminação contra Pessoas Portadoras de Deficiências (1999); Convenção Interamericana sobre

Desaparecimentos Forçados (1994).

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81

No Brasil, o Congresso Nacional aprovou, pelo Decreto Legislativo n. 64, de 7 de

dezembro de 1949, a Carta da OEA, cujo o instrumento de ratificação foi depositado em

13 de março de 1950. Por fim, a Carta da OEA foi promulgada pelo Decreto 30.544, de 14

de fevereiro de 1952.

De acordo com o art. 4 da Carta da OEA, podem ser membros da Organização

todos os Estados americanos que ratificarem o documento institutivo. Atualmente são

membros da organização os seguintes 35 Estados: Antígua e Barbuda; Argentina;

Bahamas; Barbados; Belize; Bolívia; Brasil; Canadá; Chile; Colômbia; Costa Rica; Cuba;

Dominica; Equador; El Salvador; Estados Unidos; Granada; Guatemala; Guiana; Haiti;

Honduras; Jamaica; México; Nicarágua; Panamá; Paraguai; Peru; República Dominicana;

Saint Kitts e Nevis; Santa Lúcia; São Vicente e Granadinas; Suriname; Trinidad e Tobago

Uruguai; Venezuela.

Direitos humanos são previstos na Carta da OEA. Na alínea “l” do art. 3, a Carta da

OEA proclama os direitos da pessoa humana, estabelecendo a proibição de se fazer

distinção de raça, de nacionalidade, de credo ou de sexo. No art. 17, a Carta estabelece

que os Estados possuem o dever de respeitar os direitos da pessoa humana e os

princípios da moral universal. Nas alíneas “h”, “j” e “k” do art. 34, a Carta obriga os

Estados a estabelecerem salários justos, oportunidades de emprego e condições de

trabalho aceitáveis para todos, a erradicar o analfabetismo e a promover alimentação e

habitação adequadas para todos os setores da população.

O art. 45 da Carta da OEA estabelece, na alínea “a”, que todos os seres humanos,

sem distinção de raça, sexo, nacionalidade, credo ou condição social, têm direito ao bem-

estar material e a seu desenvolvimento espiritual em condições de liberdade, de

dignidade, de igualdade de oportunidades e de segurança econômica; na alínea “b”, a

Carta da OEA protege o direito ao trabalho; na alínea “c”, a Carta da OEA estabelece o

direito de associação dos trabalhadores urbanos e rurais, o direito de negociação coletiva

e o de greve. Por fim, o art. 48 da Carta da OEA garante o direito à educação, ressaltando

que a educação de grau superior será acessível a todos.

Além disso, o art. 9º da Carta da OEA estabelece que um membro da Organização,

cujo governo democraticamente constituído seja deposto pela força, poderá ser suspenso

do exercício do direito de participação nas sessões da Assembleia Geral, da Reunião de

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82

Consulta, dos Conselhos da Organização e das Conferências Especializadas, bem como

das comissões e dos grupos de trabalho144.

Com relação à estrutura orgânica da entidade, o art. 53 da Carta da OEA

estabelece que os seus fins serão realizados por intermédio da Assembleia Geral, da

Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores; do Conselho Permanente;

do Conselho Interamericano para o Desenvolvimento Integral; da Comissão Jurídica

Interamericana; da Comissão Interamericana de Direitos Humanos; da Secretaria-Geral;

das Conferências Especializadas e dos Organismos Especializados.

A Assembleia Geral é o órgão principal da Organização dos Estados Americanos.

Com sede em Washington, possui competência para decidir a ação e as políticas gerais

da Organização, determinar a estrutura e funções de seus órgãos e considerar qualquer

assunto relativo à convivência dos Estados americanos. À frente da OEA, representa a

organização perante os organismos internacionais e os estados nacionais. Também

aprova o orçamento-programa da Organização, fixa as quotas dos Estados membros,

adota as normas gerais que devem reger o funcionamento da Secretaria-Geral e aprova o

seu regulamento e agenda.

É constituída pelas delegações de todos os Estados membros, os quais possuem

direito a um voto. Reúne-se de maneira ordinária uma vez por ano, mas, em

circunstâncias especiais e, com a aprovação de dois terços dos Estados membros, o

Conselho Permanente convocará um período extraordinário de sessões da Assembleia

Geral. Suas decisões são adotadas pelo voto da maioria absoluta dos Estados membros,

salvo nos casos em que é exigido o voto de dois terços, de acordo com o disposto na

Carta, ou naqueles que determinar a Assembleia Geral, pelos processos regulamentares.

Além disso, recebe e discute informes enviados pelos demais órgãos da OEA,

como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de

Direitos Humanos. Realiza os expedientes para obrigar o cumprimento das decisões

144

De acordo com Mathias Herdegen, “la Carta Democrática Interamericana, adoptada pela Asamblea

General de la OEA em el 2001, prevé la suspensión de derechos de participación, cuando en un estado

miembro acuntece uma ruptura de orden democrático (articulo 21). Em el año 2009, trás el derrocamiento

del presidente elegido y su deportación forzosa a otro país, la Asamblea General de la OEA suspendió los

derechos de participación de Honduras. ”(Cf. HERDEGEN, Matthias. La internacionalización del orden

constitucional. Anuario de derecho constitucional latinoamericano. Ano XVI. Montevideo, 2010, p. 77.).

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83

expedidas pela Corte IDH e pela Comissão IDH, com a publicação das decisões em face

dos estados violadores dos direitos humanos. Por isso, possui a função de fortalecer

políticamente as decisões daqueles órgãos em face dos Estados violadores dos direitos

humanos145.

A Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores tem a finalidade de

analisar problemas de natureza urgente e de interesse comum para os Estados

americanos. Qualquer Estado membro pode solicitar a convocação de uma Reunião de

Consulta por meio de comunicação dirigida ao Conselho Permanente da Organização ou,

em caso de ataque armado ao território de um Estado americano ou da região de

segurança, o Presidente do Conselho Permanente reunirá o Conselho, sem demora, a fim

de determinar a convocação da Reunião de Consulta.

O Conselho Permanente da Organização, órgão diretamente subordinado à

Assembleia Geral, tem a competência prevista na Carta da OEA e por outros

instrumentos interamericanos, bem como as funções que lhes forem confiadas pela

Assembleia Geral e pela Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores.

Compõe-se de um representante de cada Estado membro.

Outro órgão diretamente subordinado à Assembleia Geral é o Conselho de

Desenvolvimento Integral, que tem finalidade de zelar pelos direitos econômicos sociais e

culturais146. Compõe-se de um representante titular de cada Estado membro.

A Comissão Jurídica Interamericana tem por finalidade servir de corpo consultivo

da Organização em assuntos jurídicos. Com sede no Rio de Janeiro, é composta por onze

juristas nacionais dos Estados membros, eleitos, de listas de três candidatos

apresentadas pelos referidos Estados, para um período de quatro anos.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos tem como principal função

promover o respeito e a defesa dos direitos humanos pelos Estados membros, conforme

se analisará em tópico específico.

A Secretaria-Geral é o órgão central e permanente da Organização dos Estados

Americanos. É composta pelo Secretário-Geral e por outros cargos subsidiários. O

145

CONCI, Luiz Guilherme Arcaro. op. cit. p. 38.

146 RAMOS, André de Carvalho. op. cit., p. 248.

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84

Secretário-Geral da Organização é eleito pela Assembleia Geral para um período de cinco

anos, não podendo ser reeleito mais de uma vez, nem podendo ser sucedido por pessoa

da mesma nacionalidade. Com direito de participar de todas as reuniões da OEA, com

direito a voz, mas sem direito a voto, é o responsável pela representação legal da

organização. A Sede da Secretaria-Geral fica em Washington.

As Conferências Especializadas são reuniões intergovernamentais destinadas a

tratar de assuntos técnicos especiais ou a desenvolver aspectos específicos da

cooperação interamericana. São realizadas quando o determine a Assembleia Geral ou a

Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores.

Organismos Especializados Interamericanos são organismos intergovernamentais,

estabelecidos por acordos multilaterais, que tenham determinadas funções em matérias

técnicas de interesse comum para os Estados americanos. Como exemplos, podem ser

citados a Organização Pan-Americana da Saúde; o Instituto Interamericano da Criança; a

Comissão Interamericana das Mulheres; o Instituto Pan-Americano de Geografia e

História; o Instituto Indigenista Interamericano e o Instituto Interamericano de Cooperação

para a Agricultura.

2.3.2. A Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem

Em 1948, durante a 9ª Conferência Internacional Americana, na Cidade de Bogotá,

além da Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA), também foi aprovada a

Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem (DADDH), que inaugurou o

Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH).

Como foi adotada antes da aprovação da Declaração Universal de Direitos

Humanos, no âmbito das Nações Unidas, a Declaração é o primeiro instrumento

internacional da sua espécie.

Reconhecendo no preâmbulo que os direitos essenciais do homem não derivam do

fato de ser ele cidadão de determinado Estado, mas, sim, do fato de os direitos terem

como base os atributos da pessoa humana, a Declaração enumera tanto direitos civis e

políticos, quanto direitos econômicos, sociais e culturais. Além dos direitos, enumera os

deveres do homem. Por isso, possui um conteúdo muito mais amplo que a Declaração

Universal dos Direitos Humanos.

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85

Para Luiz Guilherme Arcaro Conci, “historicamente, a DADDH não despontava,

naturalmente, como um dos instrumentos normativos do SIDH”147. Os Estados Unidos da

América, reafirmando esse entendimento que negava força normativa à DADDH, perante

a Corte IDH, defenderam:

(l)a Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre representa una noble enunciación de las aspiraciones de los Estados Americanos en cuanto a los derechos humanos. Sin embargo, a diferencia de la Convención Americana, no fue redactada como un instrumento jurídico y carece de la precisión necesaria para resolver complejas dudas legales. Su valor normativo estriba en ser uma declaración de principios básicos de carácter moral y de carácter político y en ser la base para velar por el cumplimiento general de los derechos humanos por parte de los Estados Miembros; no en ser un conjunto de obligaciones vinculantes. Los Estados Unidos reconocen las buenas intenciones de aquellos que intentan transformar la Declaración Americana de un enunciado de principios en un instrumento jurídico vinculante. Pero las buenas intenciones no crean derecho. Debilitaría seriamente el proceso internacional de creación del derecho -por el cual los Estados soberanos voluntariamente asumen específicas obligaciones legales- el imponer obligaciones legales a los Estados a través de um proceso de “reinterpretación” o “inferencia” de um enunciado de principios no obligatorios [...]. el parecer de los Estados Unidos es que la Declaración continúa siendo para todos los Estados Miembros de la OEA lo que era cuando fue adoptada: una enunciación de principios generales de derechos humanos no vinculantes

148.

Contudo, apesar de não ser um tratado, o art. 20 do Estatuto da Comissão

Interamericana atribui o dever de observar os direitos humanos mencionados nos artigos

I, II, III, IV, XVIII, XXV e XXVI da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do

Homem, bem como o art. 20 da Convenção Americana de Direitos Humanos determina

que nenhuma de suas disposições podem ser interpretadas no sentido de excluir ou

limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do

Homem, bem como pode-se defender a sua força jurídica em virtude do ius cogens.

Apesar de haver sido adotada como declaração e não como um tratado,

atualmente, tanto a Comissão Interamericana de Direitos Humanos149, quanto a Corte

147

CONCI, Luis Guilherme Arcaro. op. cit., p. 35.

148 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Opinião Consultiva OC-10/89 de 14 de julho de

1989. Parágrafos 12 e 17. p. 4, 5 e 7. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_10_esp1.pdf. Acesso em: 19 jul. 2015.

149 No Caso James Terry Roach e Jay Pinkerton contra os Estados Unidos, a Comissão IDH concluiu que

“the United States Government violated Article I (right to life) of the American Declaration of the Rights and Duties of Man in executing James Terry Roach and Jay Pinkerton.” Cf. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA). Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Caso James Terry Roach e Jay Pinkerton contra os Estados Unidos. Caso 9647, Res. 3/87, 22 de setembro de 1987, Relatório Anual 1986-1987, Parágrafos 46-49. Disponível em: http://www.cidh.org/annualrep/86.87eng/EUU9647.htm. Acesso em: 9 jul. 2015.

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86

Interamericana de Direitos Humanos150, reconheceram que a Declaração Americana de

Direitos Humanos possui força normativa e constitui uma fonte de obrigações

internacionais para os Estados membros da OEA. Além disso, sua força jurídica é

reconhecida por normas nacionais151.

2.3.3. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos

Em 22 de novembro de 1969, foi adotado o instrumento de maior importância para

o sistema americano de direitos humanos: a Convenção Americana sobre Direitos

Humanos, também denominada Pacto de São José da Costa Rica. Adotada no âmbito da

Organização dos Estados Americanos, em São José, Costa Rica, entrou em vigor

internacional em 18 de julho de 1978, na forma do segundo parágrafo do seu art. 74.

São Estados signatários da Convenção Americana sobre Direitos Humanos

Argentina; Barbados; Bolívia; Brasil; Chile; Colômbia; Costa Rica; El Salvador; Equador;

Dominica; Guatemala; Granada; Haiti; Honduras; Jamaica; México; Nicarágua; Panamá;

Paraguai; Peru; República Dominicana; Suriname; Trinidad e Tobago e Uruguai. A

Venezuela ratificou a Convenção em 1977, mas se retirou em 2012152.

Não ratificaram a Convenção Americana Antigua e Barbuda; Bahamas; Belize;

Canadá; Estados Unidos da América; Guiana; Saint Kitts e Nevis; Santa Lúcia; São

Vicente e Granadinas153.

Aprovada pelo Decreto Legislativo n. 27, de 26 de maio de 1992, como o Governo

brasileiro depositou a carta de adesão em 25 de setembro de 1992, a Convenção

Americana entrou em vigor, para o Brasil, nesta última data, conforme o disposto no

150

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Opinião Consultiva OC-10/89 de 14 de julho de 1989. Parágrafos 12 e 17. p. 4, 5 e 7. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_10_esp1.pdf. Acesso em: 9 jul. 2015.

151 O art. 75.22 da Constituição Argentina prevê a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem

como parte integrante do seu bloco de constitucionalidade.

152 Cf. Lista de Ratificações. Disponível em:

http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/d.Convencao_Americana_Ratif..htm. Acesso em: 31 jul. 2015.

153 Ibid.

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87

segundo parágrafo do seu art. 74. Por fim, foi promulgada pelo Decreto 678, de 6 de

novembro de 1992.

A Convenção Americana, no seu art. 1º, estabelece a obrigação dos Estados-parte

de respeitar e garantir os direitos humanos, bem como, no art. 2º, prevê o dever de adotar

disposições de direito interno, sejam elas legislativas ou de outra natureza, para tornar

efetivos os direitos e liberdades.

Do art. 3º ao art. 25, são enumerados direitos civis e políticos substancialmente

similares aos previstos no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966,

como, por exemplo, o direito ao reconhecimento da personalidade jurídica (art. 3º); o

direito à vida (art. 4º); o direito à integridade pessoal (art. 5º); a proibição da escravidão e

da servidão (art. 6º); o direito à liberdade pessoal (art. 7º); as garantias judiciais (art. 8º); o

princípio da legalidade e da retroatividade (art. 9º); o direito à indenização no caso de

condenação por erro judiciário (art. 10º); a proteção da honra e da dignidade (art. 11); a

liberdade de consciência e de religião (art. 12); o direito à liberdade de pensamento e de

expressão (art. 13); o direito de retificação ou resposta (art. 14); o direito de reunião (art.

15); a liberdade de associação (art. 16); o direito à proteção da família (art. 17); o direito

ao nome (art. 18); os direitos da criança (art. 19); o direito à nacionalidade (art. 20); o

direito à propriedade privada (art. 21); o direito de circulação e de residência (art. 22);

direitos políticos (art. 23); direito de igualdade perante a lei (art. 24); direito de proteção

judicial (art. 25).

Apesar de o preâmbulo reafirmar o propósito de consolidar a “justiça social” e

reiterar que ideal do ser humano livre somente existe se forem “criadas condições que

permitam a cada pessoa gozar dos seus direitos econômicos, sociais e culturais”, a

Convenção Americana não enumera nenhum direito econômico, social ou cultural.

Somente afirma, no art. 26, que os Estados-partes comprometem-se a adotar as

providências, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a

plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre

educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados

Americanos, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios

apropriados.

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88

Somente em 17 de novembro de 1988, em São Salvador, El Salvador, o Protocolo

Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais, denominado "Protocolo de São Salvador", foi concluído.

Entrou em vigor internacional em 16 de novembro de 1999, com o depósito do 11º

instrumento de ratificação, nos termos do seu art. 21.

No Brasil, o Congresso Nacional aprovou o Protocolo de São Salvador por meio do

Decreto Legislativo n. 56, de 19 de abril de 1995; o Governo depositou o Instrumento de

Adesão em 21 de agosto de 1996, passando o mesmo a vigorar, para o Brasil, em 16 de

novembro de 1999. Por fim, foi promulgado por meio do Decreto 3.321, de 30 de

dezembro de 1999.

Do art. 27 ao art. 31, a Convenção trata da suspensão de garantias, de

interpretação e de aplicação, bem como o art. 32 prevê deveres das pessoas.

No art. 33, a Convenção estabelece que são competentes para conhecer de

assuntos relacionados com o cumprimento dos compromissos assumidos pelos Estados-

partes a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de

Direitos Humanos, conforme será analisado nos tópicos seguintes.

2.3.3.1. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos é um órgão autônomo154 da

Organização dos Estados Americanos (OEA), criado para promover a observância e a

defesa dos direitos humanos e para servir como órgão consultivo da Organização155.

Com sede em Washington, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos é

composta de sete membros, de alta autoridade moral e de reconhecido saber em matéria

de direitos humanos, eleitos a título pessoal, para um período de quatro anos, pela

Assembleia Geral da OEA, a partir de uma lista de candidatos propostos pelos governos

dos Estados-membros. Os membros podem ser reeleitos uma única vez e não podem

154

Art. 1 do Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

155 Art. 1 do Estatuto da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

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89

fazer parte da Comissão mais de um nacional de um mesmo país. Sua diretoria é

composta pelo Presidente e pelos Primeiro e Segundo Vice-Presidentes.

A Comissão é o primeiro organismo efetivo de proteção dos direitos humanos do

sistema interamericano e possui competência para proteger os direitos humanos,

conforme o caso, com fundamento na Carta da OEA, na Declaração Americana de

Direitos e Deveres do Homem (DADDH), na Convenção Americana sobre Direitos

Humanos (CADH) e nos outros tratados do sistema interamericano.

Por um lado, com base normativa na Carta da OEA e na Declaração Americana de

Direitos e Deveres do Homem, a Comissão Interamericana é competente para proteger os

direitos humanos perante todos os Estados-membros da Organização dos Estados

Americanos; por outro, com fundamento na Convenção Americana sobre Direitos

Humanos somente tem competência em face dos Estados-partes da Convenção. Com

relação aos direitos inseridos na Convenção Americana, as decisões da Comissão IDH

fazem referência a todos Estados-partes signatários da CADH. Em face dos demais

membros da OEA, suas decisões possuem fundamento nos direitos enumerados na Carta

da OEA e na Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem. Em todos os

casos, rege-se por dois instrumentos específicos: seu Estatuto e o seu Regulamento.

A Comissão tem como principais atribuições com relação à totalidade dos Estados

membros da Organização dos Estados Americanos: a) estimular a consciência dos

direitos humanos; b) formular recomendações aos governos dos Estados; c) preparar

estudos ou relatórios; d) solicitar aos governos dos Estados informações; e) atender às

consultas que lhe formularem os Estados membros e prestar assessoramento sobre

questões relacionadas aos direitos humanos; f) apresentar um relatório anual à

Assembleia Geral da Organização; g) fazer observações in loco em um Estado, com a

anuência ou a convite do Governo respectivo156.

Além das funções acima especificadas, que se aplicam em face de todos os

Estados membros da OEA, exclusivamente em face dos Estados Partes da Convenção

Americana sobre Direitos Humanos, a Comissão também tem como principais atribuições:

a) solicitar à Corte IDH que tome as medidas provisórias sobre assuntos graves e

urgentes; b) consultar a Corte a respeito da interpretação da Convenção e de outros

156

Art. 18 do Estatuto da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

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90

tratados; c) submeter à Assembleia Geral projetos de emenda e de protocolos adicionais

à Convenção Americana sobre Direitos Humanos; d) submeter casos de violação aos

direitos humanos à Corte IDH.

Além de ela própria poder fazê-lo de ofício, qualquer pessoa ou grupo de pessoas,

ou entidade não-governamental legalmente reconhecida em um Estado membro da OEA

podem apresentar à Comissão petições para proteger os direitos humanos157, sendo que

a petição pode estar em nome da própria vítima ou de terceiros. Estados somente podem

apresentar petições diretamente à Comissão se houverem declarado anteriormente que

reconhecem a competência da Comissão para receber e para examinar as comunicações

em que um Estado alegue haver outro Estado violando direitos humanos estabelecidos na

Convenção. A Comissão Interamericana somente pode receber as comunicações

interestatais (comissões submetidas por um Estado contra outro) se ambos os Estados,

além de terem ratificado a Convenção, fizeram uma declaração expressa reconhecendo a

competência interestatal da Comissão.

De acordo com o art. 28 do Regulamento da Corte IDH, as petições dirigidas à

Comissão deverão conter as seguintes informações:

a) o nome da pessoa ou das pessoas denunciantes ou, no caso de o peticionário

ser uma entidade não-governamental, seu representante ou seus

representantes legais e o Estado membro em que seja juridicamente

reconhecida;

b) informação sobre se o peticionário deseja que sua identidade seja mantida em

sigilo frente ao Estado e os motivos para isso;

c) o endereço de correio eletrônico para recebimento de correspondência da

Comissão e, quando for o caso, número de telefone, fax e endereço;

d) um relato do fato ou da situação denunciada, com especificação de lugar e da

data das violações alegadas;

e) se possível, o nome da vítima e de qualquer autoridade pública que tenha

tomado conhecimento do fato ou da situação denunciada;

157

Art. 23 do Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

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91

f) a indicação do Estado que o peticionário considera responsável, por ação ou

omissão, pela violação de algum dos direitos humanos consagrados na

Convenção Americana sobre Direitos Humanos e outros instrumentos

aplicáveis, embora sem referência específica ao(s) artigo(s) supostamente

violado(s);

g) informação sobre o cumprimento do prazo de seis meses contados a partir da

data em que a presumida vítima haja sido notificada da decisão que esgota os

recursos internos;

h) as providências tomadas para o esgotamento dos recursos da jurisdição interna

ou a impossibilidade de fazê-lo; e

i) a informação de que a denúncia foi (ou não) submetida a outro procedimento

internacional.

Os requisitos de admissibilidade da petição inicial à Comissão Interamericana são

os seguintes:

a) prévio esgotamento dos recursos internos;

b) inexistência do decurso do prazo de seis meses contados a partir da data em

que a presumida vítima haja sido notificada da decisão que esgota os recursos

internos;

c) inexistência de litispendência internacional158;

d) ausência de coisa julgada internacional159;

e) a petição exponha fatos que caracterizem violação dos direitos humanos

definidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e outros

instrumentos aplicáveis160;

158

Conforme estabelece a alínea “a” do art. 33.1 do Regulamento da Comissão IDH “a Comissão não considerará uma petição nos casos em que a respectiva matéria: a. se encontre pendente de outro processo de solução perante organização internacional governamental de que seja parte o Estado aludido”.

159 Segundo a alínea “b” do art. 33.1 do Regulamento da Comissão IDH “a Comissão não considerará uma

petição nos casos em que a respectiva matéria: [...] b. constitua substancialmente a reprodução de uma petição pendente ou já examinada e resolvida pela Comissão ou por outro organismo internacional governamental de que faça parte o Estado aludido.”

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f) os fatos narrados na manifestação não sejam manifestamente infundados ou

improcedentes161.

O art. 31 do Regulamento da Comissão IDH prevê que os recursos internos não

precisam ser esgotados nas seguintes hipóteses:

a) não exista na legislação interna do Estado de que se trate o devido processo

legal para a proteção do direito ou dos direitos que se alegue tenham sido

violados;

b) não se tenha permitido ao suposto lesado em seus direitos o acesso aos

recursos da jurisdição interna, ou haja sido impedido de esgotá-los; ou

c) haja atraso injustificado na decisão sobre os mencionados recursos.

Além disso, a litispendência internacional e a ausência de coisa julgada

internacional não impedirão a Comissão de conhecer das petições quando:

a) o procedimento seguido perante o outro organismo se limitar ao exame geral

dos direitos humanos no Estado aludido e não existir uma decisão sobre os

fatos específicos que forem objeto da petição ou não conduzir à sua efetiva

solução;

b) o peticionário perante a Comissão, ou algum familiar, for a presumida vítima da

violação e o peticionário perante o outro organismo for uma terceira pessoa ou

uma entidade não-governamental, sem mandato dos primeiros.

Ao se pronunciar sobre a admissibilidade, a petição será registrada como caso e

ocorre o início ao procedimento relativo ao mérito. Com a abertura do caso, a Comissão

fixará o prazo de quatro meses para os peticionários apresentarem suas observações

adicionais quanto ao mérito. As partes pertinentes dessas observações serão transmitidas

160

De acordo com a alínea “a” do art. 34 do Regulamento da Comissão IDH, a “Comissão declarará inadmissível qualquer petição ou caso quando: a. não expuserem fatos que caracterizem uma violação dos direitos a que se refere artigo 27 do presente Regulamento”.

161 A alínea “a” do art. 34 do Regulamento da Comissão IDH, prevê que a “Comissão declarará inadmissível

qualquer petição ou caso quando: [...] b. forem manifestamente infundados ou improcedentes, segundo se verifique da exposição do próprio peticionário ou do Estado”.

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ao Estado em questão, para que este apresente suas observações no prazo de quatro

meses.

A Comissão tem competência para adotar medidas cautelares em situações de

gravidade e urgência que apresentem risco de dano irreparável às pessoas, observado o

art. 25 do Regulamento.

Em qualquer etapa, a Comissão, por iniciativa própria ou a pedido das partes,

poderá chegar a uma solução amistosa. Alcançada esta, a Comissão aprovará um

relatório que será transmitido às partes e publicado. O relatório incluirá uma breve

exposição dos fatos e da solução alcançada162.

Não havendo conciliação, após o exame da matéria e das provas, estabelecida a

inexistência de violação em determinado caso, a Comissão assim o manifestará no seu

relatório quanto a mérito, bem como o relatório será transmitido às partes, publicado e

incluído no Relatório Anual da Comissão à Assembleia Geral da OEA. No caso de

constatação de violação de direitos humanos, a Comissão elabora o Primeiro Relatório ou

o Primeiro Informe, encaminhando-o, juntamente com as suas recomendações, ao Estado

infrator. Caso o Estado não cumpra as recomendações no prazo de três meses, além de

poder publicar suas conclusões no relatório anual da Assembleia Geral da Organização

dos Estados Americanos163, a Comissão pode seguir dois procedimentos.

Para os Estados que não se submetem à jurisdição da Corte IDH, a Comissão

pode expedir um segundo informe público, com recomendações ao Estado violador, com

a previsão de um prazo para que as medidas sejam aplicadas, o qual os Estados estão

comprometidos a acatar164. A Comissão IDH deve acompanhar o cumprimento de suas

162

De acordo com André de Carvalho Ramos, há “vários exemplos bem-sucedidos de conciliação perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, envolvendo diversos países. O primeiro caso brasileiro que foi objeto de conciliação foi o Caso dos Meninos Emasculados do Maranhão em 2005” (Cf. RAMOS, André de Carvalho. op. cit., p. 323.).

163 Para Luis Guilherme Arcaro Conci, a “publicação, por si só, já representa significativa pressão para que

os governos nacionais corrijam a situação (o chamado ‘poder de embaraço’)”. (Cf. CONCI, Luis Guilherme Arcaro. op. cit., p. 40.).

164 Nos parágrafos 78 a 81 da Sentença de 17 de setembro de 1997 do Caso Laoyza Tamaio Vs. Peru, a

Corte IDH afirmou que “78. La Comisión solicitó que se condenara al Estado por violación del artículo 51.2 de la Convención por haberse negado a ‘dar cumplimiento a las recomendaciones formuladas por la Comisión’. 79. La Corte ha dicho anteriormente que, de conformidad con la regla de interpretación contenida en el artículo 31.1 de la Convención de Viena sobre el Derecho de los Tratados, el término “recomendaciones”, usado por la Convención Americana, debe ser interpretado conforme a su sentido corriente (Caso Caballero Delgado y Santana, Sentencia del 8 de diciembre de 1995. Serie C Nº 22, párr. 67

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recomendações, devendo fazer constar, no seu relatório anual à Assembleia Geral da

OEA, as recomendações não cumpridas pelos Estados.

Na hipótese de o Estado infrator ter aceitado a jurisdição contenciosa da Corte, nos

termos do art. 62 da Convenção, a Comissão deve submeter o caso à Corte IDH, salvo

decisão fundamentada da maioria absoluta dos membros da Comissão165.

2.3.3.2. A Corte Interamericana de Direitos Humanos

A Corte Interamericana de Direitos humanos (CIDH) é uma instituição judiciária

autônoma com o objetivo de aplicar e de interpretar a Convenção Americana sobre

Direitos Humanos (CADH) em face dos Estados signatários. Tem sede em São José,

Costa Rica, mas pode realizar reuniões em qualquer Estado membro da OEA, quando a

maioria dos seus membros considerar conveniente.

É composta por sete juízes, nacionais dos Estados-membros da OEA, eleitos a

título pessoal dentre juristas da mais alta autoridade moral, de reconhecida competência

em matéria de direitos humanos, que reúnam as condições requeridas para o exercício

das mais elevadas funções judiciais, de acordo com a lei do Estado do qual sejam

y Caso Genie Lacayo, Sentencia de 29 de enero de 1997. Serie C Nº 30, párr. 93). 80. Sin embargo, en virtud del principio de buena fe, consagrado en el mismo artículo 31.1 de la Convención de Viena, si un Estado suscribe y ratifica un tratado internacional, especialmente si trata de derechos humanos, como es el caso de la Convención Americana, tiene la obligación de realizar sus mejores esfuerzos para aplicar las recomendaciones de un órgano de protección como la Comisión Interamericana que es, además, uno de los órganos principales de la Organización de los Estados Americanos, que tiene como función “promover la observancia y la defensa de los derechos humanos” en el hemisferio (Carta de la OEA, artículos 52 y 111). 81. Asimismo, el artículo 33 de la Convención Americana dispone que la Comisión Interamericana es un órgano competente junto con la Corte “para conocer de los asuntos relacionados con el cumplimiento de los compromisos contraídos por los Estados Partes”, por lo que, al ratificar dicha Convención, los Estados Partes se comprometen a atender las recomendaciones que la Comisión aprueba en sus informes. (Cf. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Lomaya Tamayo Vs. Peru. Sentença do dia 17 de setembro de 1997. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_33_esp.pdf. Acesso em: 26 jul. 2015.).

165 A nova redação do art. 44 do Regulamento da Comissão IDH, adotada em 1º de maio de 2001,

introduziu a justicialização do sistema interamericano. Segundo Flávia Piovesan, se, “anteriormente, cabia à Comissão Interamericana, a partir de uma avaliação discricionária, sem parâmetros objetivos, submeter à apreciação da Corte Interamericana caso em que não se obteve solução amistosa, com o novo Regulamento, o encaminhamento à Corte se faz de forma direta e automática. O sistema ganha maior tônica de juridicidade, reduzindo a seletividade política, que, até então, era realizada pela Comissão Interamericana”. (Cf. PIOVESAN, Flávia. op. cit., p. 264-265.).

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nacionais, ou do Estado que os propuser como candidatos166. Não deve haver dois juízes

da mesma nacionalidade e são eleitos para um mandato de seis anos, com direito a uma

única reeleição, em votação secreta e pelo voto da maioria absoluta dos Estados-partes

na Convenção, na Assembleia Geral da OEA, a partir de uma lista de candidatos

propostos pelos mesmos Estados.

A Corte IDH exerce função contenciosa e consultiva, com quórum para as

deliberações de cinco juízes. As decisões são tomadas pela maioria dos juízes presentes

e, em caso de empate, o presidente terá o voto de qualidade. Seu funcionamento ocorre

em sessões ordinárias e extraordinárias. Os idiomas oficiais da Corte são o espanhol, o

inglês, o português e o francês. Os idiomas de trabalho são escolhidos anualmente pela

Corte, podendo, no trâmite de casos contenciosos, ser adotado o idioma do Estado

demandante ou do demandado.

O Estado pode ratificar a Convenção Americana e não aceitar a jurisdição

contenciosa da Corte IDH. A jurisdição contenciosa da Corte IDH foi aceita pelos

seguintes Estados: Argentina; Barbados; Bolívia; Brasil; Chile; Colômbia; Costa Rica; El

Salvador; Equador; Guatemala; Haiti; Honduras; México; Nicarágua; Panamá; Paraguai;

Peru; República Dominicana; Suriname; Trinidad e Tobago e Uruguai.

Integram a Convenção Americana, mas não ratificaram a jurisdição contenciosa da

Corte Dominica; Granada e Jamaica167. A Venezuela reconheceu a competência da Corte

166

Segundo Fix-Zamudio, “los jueces de la Corte Interamericana eligen entre ellos al presidente y vicepresidente para un lapso de dos años. El segundo sustituye al primero en sus ausencias temporales y ocupa su lugar en caso de vacancia. En el último caso, la Corte designará un vicepresidente que reemplazará al anterior por el resto de su mandato. El mismo procedimiento se sigue cuando el propio vicepresidente deje de formar parte de la Corte o renuncie antes de la expiración normal de sus funciones. El presidente dirige el trabajo de la Corte, la representa, ordena el trámite de los asuntos que se sometan al tribunal y dirige sus sesiones (artículos 12 del Estatuto y 3o. a 5o. del Reglamento). Además, se estatuye una Comisión Permanente integrada por el presidente, el vicepresidente y un juez nombrado por el primero. Dicha Comisión ayuda y asesora al presidente en el ejercicio de sus funciones, sin perjuicio de que la Corte pueda designar otras comisiones para tratar temas especiales, las que en caso de urgencia podrán ser nombradas por el presidente (artículo 6.1 del Reglamento anterior y 6o. del nuevo). 44. También existe una secretaría cuyo titular es designado por la Corte para un periodo de cinco años y que puede ser reelegido. El secretario deberá poseer los conocimientos jurídicos y la experiencia requeridos para ejercer las funciones del cargo y tener conocimiento de los idiomas de trabajo del Tribunal. Además, el secretario general de la OEA nombra un secretario adjunto en consulta con el titular, el que auxilia a este último en sus funciones y lo suple en sus ausencias temporales (artículos 14 del Estatuto, 72 a 102 del Reglamento anterior, y 7o. a 10 del nuevo).” (Cf. FIX-ZAMUDIO, Héctor. El derecho internacional de los derechos humanos en las Constituciones latinoamericanas y en la Corte Interamericana de Derechos Humanos. Revista Latinoamericana de Derecho. v. 1, n. 1, jan./jun. 2004. Disponível em: http://www.juridicas.unam.mx/publica/rev/indice.htm?r=revlad&n=1. Acesso em: 1 ago. 2015.). 167

Cf. Lista de ratificações. Disponível em: http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/d.Convencao_Americana_Ratif..htm. Acesso em: 31 jul. 2015.

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IDH em 1981, mas se retirou da Convenção em 2012. O Peru retirou o reconhecimento da

competência contenciosa da Corte Interamericana em 1999, mas, em 2001, procedeu à

retirada da declaração depositada em virtude da qual se pretendeu a retirada da

declaração de reconhecimento da cláusula facultativa de submissão à competência

contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos168.

Apesar de a Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969 ter sido

promulgada pelo Brasil em 1992, o reconhecimento da competência obrigatória da Corte

IDH somente foi feito em 2002, “sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a

10 de dezembro de 1998”. O Decreto Legislativo n. 89, de 3 de dezembro de 1998,

aprovou o reconhecimento em 3 de dezembro 1998, a Declaração de aceitação da

competência obrigatória da Corte IDH foi depositada junto à Secretaria-Geral da OEA em

10 de dezembro de 1998 e o Decreto n. 4.463, de 8 de dezembro de 2002, promulgou a

declaração de reconhecimento da competência obrigatória da Corte.

No exercício da sua competência consultiva, a Corte IDH pode responder a

consultas sobre a interpretação da Convenção Americana e de outros tratados do sistema

que se apliquem no continente americano, bem como sobre a compatibilidade das normas

internas com os referidos tratados, feitas pelos Estados membros da OEA –

independentemente de ser parte da Convenção169- ou pelos órgãos da OEA170.

Somente os Estados-partes e a Comissão IDH171, mediante a remessa do relatório

de caso por ela analisado, têm direito de submeter um caso contencioso à Corte. Apesar

168

Cf. notas explicativas da Lista de Ratificações. Disponível em: http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/d.Convencao_Americana_Ratif..htm. Acesso em: 31 jul. 2015.

169 Segundo Flávia Piovesan, no plano consultivo “qualquer membro da OEA –parte ou não da Convenção –

pode solicitar o parecer da Corte em relação à interpretação da Convenção ou de qualquer tratado relativo à proteção dos direitos nos Estados americanos”. (Cf. PIOVESAN, Flávia. op. cit., p. 267.).

170 Art. 64 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Segundo Fix-Zamudio, “tanto los Estados

miembros da OEA, como los órganos de la misma Organización, em particular la Comissión Interamericana, están legitimados para solicitar de la Corte Interamericana la interpretación de las disposiciones de Convencion de San José, de otros tratados concernientes a la protección de los derechos humanos em los Estados Americanos, así como de lãs leyes internas em cuanto a su compatibilidad com los preceptos internacionales”. (Cf. FIX-ZAMUDIO, Hector. La protección jurídica de los derechos humanos. Revista do Instituto Interamericano de Direitos Humanos, p. 45, jul./dez. 1988.).

171 Para Flávia Piovesan, “no plano contencioso, com já dito, a competência da Corte para o julgamento de

casos é, por sua vez, limitada aos Estados-partes da Convenção que reconheçam tal jurisdição expressamente, nos termos do art. 62 da Convenção. Compartilha-se da visão de Cançado Trindade de que este dispositivo constitui um anacronismo histórico, que deve ser superado, a fim de que se consagre o ‘automatismo da jurisdição obrigatória da Corte para todos os Estados parte da Convenção’” (Cf. PIOVESAN, Flávia. op. cit., p. 270.).

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de não haver possibilidade de pessoas físicas ou ONGs apresentarem denúncias, no

desenvolvimento do processo, podem apresentar autonomamente as suas razões como

amicus curiae172.

Em casos de extrema gravidade e urgência, e quando se fizer necessário evitar

danos irreparáveis às pessoas, a Corte, nos assuntos de que estiver conhecendo ou a

pedido da Comissão IDH, poderá tomar as medidas provisórias que considerar

pertinentes.

Nos casos contenciosos, a ação se inicia com o envio do Primeiro Informe da

Comissão IDH à Corte IDH, atendendo aos requisitos do art. 35 do Regulamento173, ou

com a submissão por um Estado-membro, atendendo aos requisitos do art. 36 do

Regulamento174.

172

O art. 25 do Regulamento da Corte IDH prevê que depois de “notificado o escrito de submissão do caso, conforme o artigo 39 deste Regulamento, as supostas vítimas ou seus representantes poderão apresentar de forma autônoma o seu escrito de petições, argumentos e provas e continuarão atuando dessa forma durante todo o processo.” De acordo com André de Carvalho Ramos, “a petição escrita do amicus curiae na jurisdição contenciosa poderá ser apresentada a qualquer momento do processo até a data limite de 15 dias posteriores à celebração da audiência de coleta de testemunhos. Nos casos em que não se realize audiência, deverá ser remetido dentro de 15 dias posteriores à resolução correspondente na qual se outorga prazo para o envio de alegações finais. Após consulta à Presidência, o escrito de amicus curiae, junto com seus anexos, será posto imediatamente em conhecimento das partes para sua informação.” (Cf. RAMOS, André de Carvalho. op. cit., p. 328.).

173 O caso será iniciado mediante apresentação do relatório que contenha todos os fatos supostamente

violatórios, inclusive a identificação das supostas vítimas. De acordo com o art. 35 do Regulamento da Corte IDH, para que o caso possa ser examinado, a “Corte deverá receber a seguinte informação: a. os nomes dos Delegados; b. os nomes, endereço, telefone, correio eletrônico e fac-símile dos representantes das supostas vítimas devidamente credenciados, se for o caso; c. os motivos que levaram a Comissão a apresentar o caso ante a Corte e suas observações à resposta do Estado demandado às recomendações do relatório ao qual se refere o artigo 50 da Convenção; d. cópia da totalidade do expediente ante a Comissão, incluindo toda comunicação posterior ao relatório ao que se refere o artigo 50 da Convenção; e. as provas que recebeu, incluindo o áudio ou a transcrição, com indicação dos fatos e argumentos sobre os quais versam. Serão indicadas as provas que se receberam em um procedimento contraditório; f. quando se afetar de maneira relevante a ordem pública interamericana dos direitos humanos, a eventual designação dos peritos, indicando o objeto de suas declarações e acompanhando seu currículo; g. as pretensões, incluídas as que concernem a reparações”.

174 De acordo com o art. 36 do Regulamento, um Estado poderá submeter um caso à Corte por meio de um

escrito motivado que deverá conter as seguintes informações: “a. os nomes dos Agentes e Agentes assistentes e o endereço no qual se considerarão oficialmente recebidas as comunicações pertinentes; b. os nomes, endereço, telefone, correio eletrônico e fac-símile dos representantes das supostas vítimas devidamente credenciados, se for o caso; c. os motivos que levaram o Estado a apresentar o caso ante a Corte; d. cópia da totalidade do expediente ante a Comissão, incluindo o relatório ao qual se refere o artigo 50 da Convenção e toda comunicação posterior a esse relatório; e. as provas que oferece, com indicação dos fatos e argumentos sobre os quais versam; f. a individualização dos declarantes e o objeto de suas declarações”.

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Caso o Presidente da Corte verifique que algum requisito fundamental não foi

cumprido, solicitará que seja sanado no prazo de 20 dias. Na hipótese de alguma suposta

vítima não possuir representação legal devidamente credenciada, a Corte pode designar

um Defensor Interamericano de ofício que as represente durante a tramitação do caso175.

Notificada a apresentação do caso à suposta vítima ou aos seus representantes,

estes disporão de um prazo improrrogável de dois meses, contado a partir do recebimento

desse escrito e de seus anexos, para apresentar autonomamente à Corte seu escrito de

petições, argumentos e provas176.

O Estado demandado é notificado para oferecer a sua contestação no prazo

idêntico de dois meses. A contestação do Estado, além de cumprir os requisitos do art. 41

do Regulamento177, pode conter suas exceções preliminares, as quais deverão expor os

fatos, os fundamentos de direito, as conclusões e os documentos que as embasem, bem

como o oferecimento de provas. A apresentação de exceções não suspende o processo e

a Comissão, as supostas vítimas ou seus representantes e, se for o caso, o Estado

demandante, poderá apresentar suas observações às exceções preliminares no prazo de

30 dias. Quando considerar indispensável, a Corte poderá convocar uma audiência

especial para as exceções preliminares, depois da qual decidirá preliminarmente.

Em diversos casos, contudo, a Corte, com fundamento no art. 42.6 do

Regulamento, decide em uma única sentença as exceções preliminares, o mérito e as

reparações e as custas do caso.

175

Segundo André de Carvalho Ramos, “A OEA fez convênio com a Associação Interamericana de Defensorias Públicas, que possui uma lista de defensores públicos nacionais especializados no sistema interamericano (que conta, inclusive, com defensores públicos brasileiros). Dessa lista, há a nomeação de um Defensor Público Interamericano às vítimas ou representantes que não possuam ainda representação jurídica, para atuar nos processos perante a Corte IDH.” (Cf. RAMOS, André de Carvalho. op. cit., p. 326.).

176 De acordo com o art. 41 do Regulamento da Corte IDH, o “escrito de petições, argumentos e provas

deverá conter: a. a descrição dos fatos dentro do marco fático estabelecido na apresentação do caso pela Comissão; b. as provas oferecidas devidamente ordenadas, com indicação dos fatos e argumentos sobre os quais versam; c. a individualização dos declarantes e o objeto de sua declaração. No caso dos peritos, deverão ademais remeter seu currículo e seus dados de contato; d. as pretensões, incluídas as que concernem a reparações e custas”.

177 O art. 41 do Regulamento determina que, na contestação, o Estado indique: “a. se aceita os fatos e as

pretensões ou se os contradiz; b. as provas oferecidas devidamente ordenadas, com indicação dos fatos e argumentos sobre os quais versam; c. a propositura e identificação dos declarantes e o objeto de sua declaração. No caso dos peritos, deverá ademais remeter seu currículo e seus dados de contato; d. os fundamentos de direito, as observações às reparações e às custas solicitadas, bem como as conclusões pertinentes”.

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O processo pode ter o seu fim antecipado na hipótese de reconhecimento do

pedido, de desistência das vítimas ou de solução amistosa. Contudo, a Corte possui

poderes para, após ouvir o parecer dos demais intervenientes no processo, decidir sobre

os efeitos do reconhecimento do pedido pelo Estado, sobre a procedência da desistência

e os seus efeitos jurídicos, bem como pode homologar (ou não) a solução amistosa. Em

virtude da indisponibilidade dos direitos humanos, nos termos do art. 64 do Regulamento

da Corte, nas três hipóteses, a Corte IDH pode decidir pelo prosseguimento do processo,

analisar o caso e condenar o Estado.

Após as alegações finais, a Corte, nos termos do art. 68.1 da Convenção

Americana, profere uma sentença definitiva e inapelável178. Em caso de divergência sobre

o sentido ou sobre o alcance da sentença, a Corte pode interpretar, a pedido de qualquer

das partes, desde que o pedido seja apresentado dentro de noventa dias a partir da data

da notificação da sentença. Além disso, a Corte poderá, por iniciativa própria ou a pedido

de uma parte, apresentado dentro do mês seguinte à notificação da sentença, retificar

erros notórios, de edição ou de cálculo.

Apesar de haver entendimentos diversos179, nos termos do art. 68.1 da Convenção

Americana, os Estados-partes estão comprometidos internacionalmente a cumprir a

178

De acordo com o art. 31.3 do Regulamento da Corte IDH, “contra as sentenças e resoluções da Corte não procede nenhum meio de impugnação”. Nos termos do art. 66.2 da Convenção Americana, se “a sentença não expressar no todo ou em parte a opinião unânime dos juízes, qualquer deles terá direito a que se agregue à sentença o seu voto dissidente ou individual”.

179 Segundo Sérgio Garcia Ramirez, “regularmenre se há dicho que no son vinculantes para los Estados las

opiniones de la Corte Interamericana emitidas em el desempeño de la función consultiva. Así lo ha considerado el próprio tribunal. Tambiém se ha señalado que pudieran tener fuerza vinculante solamente para el Estado que solicitó la opnión y expresó, con ello, su voluntad de atenerse al parecer final del tribunal interamericano. [...] También se ha sostenido que las decisiones de la corte em assuntos contenciosos son inmediatamente obligatorias, vinculantes, de forzosa observancia y cumplimiento para los Estados que aceptaron la competencia contenciosa e intervinieron en el processo respectivo: esto es, poseen eficácia inperativa inter partes. [...] Em mi opinión, los critérios estabelecidos pela Corte Interamericana al interpretar a CADH – y otros instrumentos con respecto a los cuales dispone de competetencia material – son vinculantes para los Estados partes de la Convención Americana [...] No es posible sostener que las interpretaciones establecidas por la Corte IDH constituyan un punto de vista atendible o desatendible, y no un acto de necesaria observância. Fijan – como se dice en Europa, no así en América – la ‘cosa interpretada’; implican, como prefiero decir, uma interpretación vinculante de textos normativos asimismo vinculantes para los Estados, que deben ser entendidos y aplicados interiormente en los términos de la interpretación formal y final dispuesta por la Convención y ejercida por la Corte. Reconozco esa eficacia tanto a las opiniones consultivas como a las sentencias en casos contenciosos” (Cf. RAMIREZ, Sergio Garcia. El control judicial interno de convencionalidad. In: BOGDANDY, Armin von; PIOVESAN, Flávia; ANTONIAZZI, Mariela Morales. Estudos avançados de direitos humanos, democracia e integração jurídica: emergência de um novo direito público. Rio de Janeiro. Elsevier, 2013, p. 569-570.).

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100

decisão da Corte em todo caso em que forem partes180. A parte da sentença que

determinar indenização compensatória poderá ser executada no país respectivo pelo

processo interno vigente para a execução de sentenças contra o Estado.

Em não sendo cumprida a decisão, o relatório anual enviado à Assembleia Geral

da OEA pela Corte IDH, nos termos do art. 65 da Convenção Americana, indicará de

maneira especial, e com as recomendações pertinentes, os casos em que um Estado não

tenha dado cumprimento a suas sentenças. Ademais, durante a supervisão do

cumprimento de suas decisões, a Corte IDH pode convocar o Estado e os representantes

das vítimas para uma audiência e exigir do Estado a apresentação de relatórios sobre o

cumprimento da sentença.

180

De acordo com o art. 68.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, os “Estados-partes na Convenção comprometem-se a cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes.”

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101

Capítulo 3

3. A HIERARQUIA DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

4.1. Introdução; 4.2. Hierarquia de lei ordinária; 4.3. Hierarquia supralegal;

4.4. Hierarquia constitucional; 4.5; Inexistência de hierarquia; 4.6. Hierarquia

supraconstitucional.

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103

A HIERARQUIA DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

3.1. Introdução

Antes vista como incondicionada181, a soberania hoje é entendida como relativa no

sentido de permitir que órgãos supranacionais possam atuar na proteção dos direitos

humanos, possibilitando que, em caso de violação aos referidos direitos, o sistema possa

reagir e fazer prevalecer os direitos182.

Segundo Marcelo Figueiredo, é natural que, no atual contexto de reconhecimento

dos tratados internacionais e de incorporação da normativa internacional nos sistemas

jurídicos nacionais, surja uma série de discussões sobre o conflito de leis e sobre a

relação do direito internacional com o direito interno, especialmente com relação ao direito

constitucional183.

Conforme a teoria tradicional, em regra, a norma preponderante nos sistemas

jurídicos é a constituição. Ocorre que as constituições contemporâneas, ao absorver o

movimento de expansão dos direitos humanos de caráter universal, passam a receber,

direta ou indiretamente, a normativa internacional184.

Como afirma Cançado Trindade:

Descartada la compartimentalización, teórica y estática, de la doctrina clássica, entre el derecho internacional y el derecho interno, hoy dia, com la interación dinâmica entre uno y outro em el presente domínio de protección, es el propio Derecho que se enriquece –y se justifica- em la medida em que cumple su misión última de hacer justicia. Em el presente contexto, el derecho internacional y el derecho interno interactúan y se auxilian mutuamente en el processo de expansión y fortalecimiento de derecho de protección del ser humano. En este umbral do signo XXI, es alentador constatar que el derecho internacional y el derecho interno al fin caminan juntos y apuntan en la misma dirección, coincidiendo en el propósito básico y último de la protección del ser humano en todas y cualesquiera

circunstancias185.

181

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 32.ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

182 FIGUEIREDO, Marcelo. op. cit., p. 153.

183 Ibid., p. 153.

184 Ibid., p. 153.

185 TRINDADE, Antônio A. Cançado. In: ______. El derecho internacional de los derechos humanos en

el siglo XXI. 2. ed. Santiago de Chile: Editorial Juridica de Chile, 2009. cap. VI, p. 269-317, p 315.

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Para Carlos Corao, a hierarquia dos tratados e convenções internacionais sobre

direitos humanos no direito interno é uma matéria determinada fundamentalmente pela

constituição. A questão sobre qual norma prevalece em caso de conflito entre as regras

de direito internacional e as de direito interno é regida pelo direito constitucional de cada

país186.

Por exemplo, na América Latina, o art. 46 da Constituição da Guatemala

estabelece o princípio geral de que, em matéria de direitos humanos, os tratados e

convenções internacionais possuem proeminência sobre o direito interno187 e os arts. 15,

16, 17 e 18 da Constituição de Honduras também estabelecem a prevalência dos tratados

internacionais sobre o direito interno, bem como que um tratado internacional que afete

uma disposição constitucional deve ser aprovado pelo mesmo procedimento para reforma

da Constituição antes de ser ratificado pelo Poder Executivo188.

Contudo, em sua redação original, a Constituição de 1988 previa somente que os

direitos e garantias expressos na Constituição não excluíam outros decorrentes do regime

e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República

Federativa do Brasil seja parte, sem fazer nenhuma referência a qual seria a hierarquia

dos direitos previstos nos tratados internacionais.

Como a Constituição não o fez, historicamente coube à doutrina e à jurisprudência

estabelecer qual seria a hierarquia dos direitos humanos no Brasil. Em 2004, a Emenda

Constitucional n. 45 inseriu o § 3º no art. 5º da Constituição da República, prevendo que

186

CORAO, Carlos M. Ayala. La jerarquia constitucional de los tratados relativos a derechos humanos y sus consequencias. Civilis Derechos Humanos. Disponível em: http://www.civilisac.org/web/wp-

content/uploads/jerarquc3ada-de-los-tratados-de-ddhh-ayala-corao.pdf. Acesso em: 10 ago. 2015.

187 Art. 46 da Constituição da Guatemala: “Preeminencia del Derecho Internacional. Se establece el principio

general de que en materia de derechos humanos, los tratados y convenciones aceptados y ratificados por Guatemala, tienen reeminencia sobre el derecho interno.”

188 Art. 15, 16, 17 e 18 da Constituição de Honduras: “Artigo 15 - Honduras hace suyos los principios y

prácticas del derecho internacional que propenden a la solidaridad humana, al respecto de la autodeterminación de los pueblos, a la no intervención y al afianzamiento de la paz y la democracia universales. Honduras proclama como ineludible la validez y obligatoria ejecución de las sentencias arbitrales y judiciales de carácter internacional. Artigo 16 - Todos los tratados internacionales deben ser aprobados por el Congreso Nacional antes de su ratificación por el Poder Ejecutivo. Los tratados internacionales celebrados por Honduras con otros estados, una vez que entran en vigor, forman parte del derecho interno. Artigo 17- Cuando un tratado internacional afecte una disposición constitucional, debe ser aprobado por el mismo procedimiento que rige la reforma de la Constitución antes de ser ratificado por el Poder Ejecutivo. Artigo 18 - En caso de conflicto entre el tratado o convención y la Ley prevalecerá el primero.”

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os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados,

em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos

respectivos membros, seriam equivalentes às emendas constitucionais.

Entretanto, a emenda constitucional não esclareceu qual seria a posição no

ordenamento jurídico dos tratados e convenções internacionais aprovados pelo

procedimento tradicional. Assim, o problema sobre a hierarquia dos tratados

internacionais sobre direitos humanos no Brasil permanece.

Em linhas gerais, existem cinco entendimentos principais:

I. a corrente que defende o status de lei ordinária para os tratados e

convenções internacionais sobre direitos humanos;

II. o posicionamento que defende a hierarquia supralegal a esses

tratados internacionais;

III. a vertente que defende a hierarquia equivalente às emendas

constitucionais a esses diplomas internacionais;

IV. o entendimento de que não há hierarquia entre as normas nacionais

e as normas internacionais sobre direitos humanos;

V. a doutrina que defende a supraconstitucionalidade das normas

internacionais sobre direitos humanos.

Como é importante para a análise das normas constitucionais inconvencionais o

entendimento sobre a hierarquia dos direitos humanos no direito interno, nos itens a

seguir serão analisados os cinco entendimentos.

3.2. Hierarquia de lei ordinária

A interpretação tradicional dada pelo Poder Judiciário brasileiro, inserida na

tradição jurídica interamericana189, seguida anteriormente também pela Argentina e pelo

189

Segundo Fix-Zamudio, “podemos afirmar que en una primera etapa, el problema de las relaciones entre los tratados internacionales y el ordenamiento constitucional interno en los países de América Latina se resolvió de acuerdo con las reglas de la revisión judicial de carácter nacional, en virtud de que varios ordenamientos de nuestra región, en especial los de carácter federal, se inspiraron en el modelo

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México190 191, em conformidade com uma antiga jurisprudência da Suprema Corte dos

Estados Unidos da América192, outorgava aos tratados internacionais sobre direitos

humanos a hierarquia jurídica equivalente às leis ordinárias. O marco jurisprudencial

desse entendimento foi o julgamento do RE n. 80.004/SE, de 1º de junho de 1977193.

Com a referida interpretação, os tratados internacionais sobre direitos humanos,

como os tratados internacionais de qualquer natureza, estavam abaixo da constituição e

possuíam a hierarquia de lei ordinária. O conflito entre o tratado e a constituição era

equacionado pelo método de solução de antinomias jurídicas hierárquico (lex superior

derogat legi inferiori), com a prevalência da constituição, bem como os conflitos

norteamericano de la carta federal de 1787, la cual estableció en su artículo VI, que los tratados ratificados y aprobados por el Senado federal se incorporaban al derecho interno y formaban parte de la ley suprema. A este respecto, la jurisprudencia de la Corte Suprema federal de los Estados Unidos, otorgó a los propios tratados internacionales el carácter de normas ordinarias federales y examinó en varios casos la conformidad de los preceptos locales en relación con las disposiciones internacionales, y por otra parte, desaplicó normas trasnacionales que se consideraron contrarias a la Constitución federal”. (Cf. FIX-ZAMUDIO, Héctor, 2004, op. cit. De acordo com Francisco Rezek, “é o sistema consagrado nos Estados Unidos da América, sem contramarchas na jursiprudência nem objeção doutrinária de maior vulto. Parte da ‘lei suprema da nação’, o tratado ombria com as leis federais votadas pelo Congresso e sancionadas pelo presidente [...]. A supremacia significa que o tratado prevalece sobre a legislação dos estados federados, tal como a lei federal ordinária. Não, porém, que seja superior a esta. De tal modo, em caso de conflito entre tratado internacional e lei do Congresso, prevalece nos Estado Unidos o texto mais recente. É certo, pois, que uma lei federal pode fazer ‘repelir’ a eficácia jurídica de tratado anterior, no plano interno”. (Cf. REZEK, Francisco. Direito Internacional Público. 15.ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 128-129.).

190 O entendimento superado de que os tratados internacionais sobre direitos humanos possuíam a mesma

hierarquia normativa das leis ordinárias tambem era utilizado em outros países da América Latina, como a Argentina e o México. (Cf. CASSAGNE, Juan Carlos. La jerarquia y regulación de los tratados na Constitución argentina. Revista de Direito Administrativo e Constitucional. Belo Horizonte: Forum, n. 40, p. 202-203, 2010) Segundo Marcelo Figueiredo, a Suprema Corte Mexicana modificou a sua jurisprudência ao estabelecer em uma sentença de 11 de maio de 1999, no “amparo de revisión 1475/98” que os tratados internacionais se colocam hierarquicamente acima das leis. (Cf. FIGUEIREDO, Marcelo, op. cit., p. 157.).

191 Art. 133 da Constituição dos Estados Unidos Mexicanos: “Esta Constitución, las leyes del Congreso de la

Unión que emanen de ella y todos los Tratados que estén de acuerdo con la misma, celebrados y que se celebren por el Presidente de la República, con aprobación del Senado, serán la Ley Suprema de toda la Unión. Los jueces de cada Estado se arreglarán a dicha Constitución, leyes y tratados, a pesar de las disposiciones en contrario que pueda haber en las Constituciones o leyes de los Estados.”

192 Em 1888, no julgamento do Caso Whitney Vs. Robertson, a Suprema Corte apresentou o seguinte

entendimento: “By the Constitution, a treaty is placed on the same footing, and made of like obligation, with an act of legislation. Both are declared by that instrument to be the supreme law of the land, and no superior efficacy is given to either over the other. When the two relate to the same subject, the courts will always endeavor to construe them so as to give effect to both, if that can be done without violating the language of either; but if the two are inconsistent, the one last in date will control the other, provided always the stipulation of the treaty on the subject is self-executing.” Disponível em: https://supreme.justia.com/cases/federal/us/124/190/case.html. Acesso em: 3 ago. 2015.

193 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). RE n° 80.004/SE, Rel. Min. Xavier de Albuquerque, DJ

29.12.1977 Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=175365. Acesso em: 3 ago. 2015.

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normativos com as leis ordinárias eram resolvidos pelo critério cronológico (lex posterior

derogat legi priori)194 ou da especialidade (lex specialis derogat legi generali).

Atualmente abandonada pela jurispudência195 e pela doutrina196, foi o entendimento

dominante durante décadas no STF, tendo sido defendida por Celso de Mello197,

Francisco Rezek198 e Marco Aurélio Mello199.

194

No Recurso Especial 80.004/SE, o Supremo Tribunal Federal decidiu que “Como autorização dessa natureza, segundo entendo, não figura em nosso direito positivo, pois que a Constituição não atribui ao judiciário competência, seja para negar aplicação a leis que contradigam tratado internacional, seja para anular, no mesmo caso, tais leis, a consequência, que me parece inevitável, é que os tribunais estão obrigados, na falta de titulo jurídico para proceder de outro modo, a aplicar as leis incriminadas de incompatibilidade com tratado. Não se diga que isso equivale a admitir que a lei posterior ao tratado e com ele incompatível reveste eficácia revogatória deste, aplicando-se, assim, para dirimir o conflito, o princípio 'lex posterior revogat priori'. A orientação, que defendo, não chega a esse resultado, pois, fiel à regra de que o tratado possui forma de revogação própria, nega que este seja, em sentido próprio, revogado pela lei. Conquanto não revogado pela lei que o contradiga, a incidência das normas jurídicas constantes do tratado é obstada pela aplicação, que os tribunais são obrigados a fazer, das normas legais com aqueles conflitantes. Logo, a lei posterior, em tal caso, não revoga, em sentido técnico, o tratado, senão que lhe afasta a aplicação. A diferença está em que, se a lei revogasse o tratado, este não voltaria a aplicar-se, na parte revogada, pela revogação pura e simples da lei dita revogatória. Mas como, a meu juízo, a lei não o revoga, mas simplesmente afasta, enquanto em vigor, as normas do tratado com ela incompatíveis, voltará ele a aplicar-se, se revogada a lei que impediu a aplicação das prescrições nele consubstanciadas”. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão do RE 80.004/SE Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=175365. Acesso em: 2 ago. 2015.

195 O Acórdão 466.343, de 3 de dezembro de 2008 foi o marco da mudança da jurisprudência. BRASIL.

Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão do RE 466.343-1 São Paulo. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=595444. Acesso em: 3 ago. 2015.

196 O entendimento de que os tratados internacionais sobre direitos humanos possuem hierarquia de lei

ordinária foi abandonado pelo Poder Judiciário e pela doutrina. Por exemplo, Marco Aurélio, Celso de Mello e Francisco Rezek modificaram o seu entendimento. Celso de Mello passou a defender que o entendimento de que os tratados possuem hierarquia constitucional: “Torna-se evidente, assim, que esse espaço de autonomia decisória, proporcionado, ainda que de maneira limitada, ao legislador comum, pela própria Constituição da República, poderá ser ocupado, de modo plenamente legítimo, pela normatividade emergente dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos, ainda mais se lhes conferir, como preconiza, em seu douto voto, o eminente Ministro GILMAR MENDES, caráter de "supralegalidade", ou, então, com muito maior razão, se lhes atribuir, como pretendem alguns autores, hierarquia constitucional. É que, em tal situação, cláusulas convencionais inscritas em tratados internacionais sobre direitos humanos – como aquelas previstas na Convenção Americana de Direitos Humanos (Art. 7º, § 7º) -, ao limitarem a possibilidade da prisão civil, reduzindo-a a uma única e só hipótese (inexecução voluntária e inescusável de obrigação alimentar), nada mais refletirão senão aquele grau de preeminência hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos em face da legislação comum, de caráter infraconstitucional, editada pelo Estado brasileiro. Posta a questão nesses termos, a controvérsia jurídica remeter-se-á ao exame do conflito entre as fontes internas e internacionais (ou, mais adequadamente, ao diálogo entre essas mesmas fontes), de modo a se permitir que, tratando-se de convenções internacionais de direitos humanos, estas guardem primazia hierárquica em face da legislação comum do Estado brasileiro, sempre que se registre situação de antinomia entre o direito interno nacional e as cláusulas decorrentes de referidos tratados internacionais. Após longa reflexão sobre o tema em causa, Senhora Presidente - notadamente a partir da decisão plenária desta Corte na ADI 1.480-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO (RTJ 179/493-496) -, julguei necessário reavaliar certas formulações e premissas teóricas que me conduziram, então, naquela oportunidade, a conferir, aos tratados internacionais em geral (qualquer que fosse a matéria neles veiculada), posição juridicamente equivalente à das leis ordinárias. As razões invocadas neste julgamento, no entanto, Senhora Presidente, convencem-me da necessidade de se distinguir, para efeito de definição de

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sua posição hierárquica em face do ordenamento positivo interno, entre convenções internacionais sobre direitos humanos (revestidas de "supralegalidade", como sustenta o eminente Ministro GILMAR MENDES, ou impregnadas de natureza constitucional, como me inclino a reconhecer), e tratados internacionais sobre as demais matérias (compreendidos estes numa estrita perspectiva de paridade normativa com as leis ordinárias). Isso significa, portanto, examinada a matéria sob a perspectiva da "supralegalidade", tal como preconiza o eminente Ministro GILMAR MENDES, que, cuidando-se de tratados internacionais sobre direitos humanos, estes hão de ser considerados como estatutos situados em posição intermediária que permita qualificá-los como diplomas impregnados de estatura superior à das leis internas em geral, não obstante subordinados à autoridade da Constituição da República. [...] Após muita reflexão sobre esse tema, e não obstante anteriores julgamentos desta Corte de que participei como Relator (RTJ 174/463-465 - RTJ 179/493-496), inclino-me a acolher essa orientação, que atribui natureza constitucional às convenções internacionais de direitos humanos, reconhecendo, para efeito de outorga dessa especial qualificação jurídica, tal como observa CELSO LAFER, a existência de três distintas situações concernentes a referidos tratados internacionais: (1) tratados internacionais de direitos humanos celebrados pelo Brasil (ou aos quais o nosso País aderiu), e regularmente incorporados à ordem interna, em momento anterior ao da promulgação da Constituição de 1988 (tais convenções internacionais revestem-se de índole constitucional, porque formalmente recebidas, nessa condição, pelo § 2º do art. 5a da Constituição); (2) tratados internacionais de direitos humanos que venham a ser celebrados pelo Brasil (ou aos quais o nosso País venha a aderir) em data posterior à da promulgação da EC nº 45/2004 (essas convenções internacionais, para se impregnarem de natureza constitucional, deverão observar o "iter" procedimental estabelecido pelo § 3s do art. 5º da Constituição); e (3) tratados internacionais de direitos humanos celebrados pelo Brasil (ou aos quais o nosso País aderiu) entre a promulgação da Constituição de 1988 e a superveniência da EC n2 45/2004 (referidos tratados assumem caráter materialmente constitucional, porque essa qualificada hierarquia jurídica lhes é transmitida por efeito de sua inclusão no bloco de constitucionalidade, que é ‘a somatória daquilo que se adiciona à Constituição escrita, em função dos valores e princípios nela consagrados’).” Marco Aurélio passou a defender o entendimento que outorga caráter supralegal aos tratados internacionais sobre direitos humanos. Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão do RE 466.343-1 São Paulo. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=595444. Acesso em: 3 ago. 2015. Francisco Rezek passou a defender o entendimento de que os tratados e convenções internacionais possuem hierarquia constitucional. Cf. REZEK, Francisco.op. cit., p. 140.

197 Segundo Celso de Mello, é “inquestionável, dentro do sistema jurídico brasileiro, que a normatividade

emergente dos tratados internacionais permite situar tais atos de direito internacional público, no que concerne à hierarquia das fontes, no mesmo plano e grau de eficácia em que se posicionam as leis interna, com reconhece a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. [...] Na realidade, inexiste, na perspectiva do modelo constitucional vigente no Brasil, qualquer precedência ou primazia hierárquico-normativa dos tratados ou convenções internacionais sobre o direito positivo interno, sobretudo em face das cláusulas inscritas no texto da Constituição da República, eis que a ordem normativa externa não se superpõe, em hipótese alguma, ao que prescreve a Lei Fundamental da República. Impende salientar, por isso mesmo, que a cláusula inscrita no art. 7º, nº 7, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – que omite qualquer referência à possibilidade de decretação da prisão civil do depositário infiel – não vincula o legislador constituinte, que sempre poderá dispor em sentido contrário no próprio texto da constituição.” Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão no HC 72.131/1995. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=73573. Acesso em: 2 ago. 2015.

198 No Acórdão do STF no HC 72.131-1 RJ, de 1995, Francisco Rezek defende que “tal como sucede nos

Estados Unidos da América e em muitos outros países, o tratado não tem estatura de uma restrição constitucional. É claríssimo – e obras doutrinárias diversas o dizem – que ele convive hierarquicamente com a lei federal, e que, na hipótese de conflito material em seu texto e aquele da Carta, é o primeiro que deve ser sacrificado.” Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão no HC 72.131/1995. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=73573. Acesso em: 2 ago. 2015.

199Segundo Marco Aurélio Mello, no Acórdão do STF no HC 72.131-1 RJ, de 1995, “uma vez promulgada, a

convenção passa a integrar a ordem jurídica em patamar equivalente ao da legislação ordinária. Assim, a nova disciplina da matéria, ocorrida a partir de 6 de novembro de 1992, implicou a derrogação do Decreto-Lei nº 911/69, no que se tinha como abrangente da prisão civil na hipótese de alienação fiduciária. O Preceito da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, limitador de prisão por dívida passou a viger

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Quando o entendimento foi dominante, os conflitos entre a Constituição e os

tratados e convenções sobre direitos humanos eram resolvidos pelo critério hierárquico,

com a prevalência da Constituição; bem como os conflitos entre as leis ordinárias e os

tratados de direitos humanos deviam ser resolvidos pelo critério cronológico, com a norma

posterior afastando a aplicação da norma anterior200 ou da especialidade201, pelo qual a

norma especial afastava a aplicação da norma geral. Essa interpretação impedia a

efetividade dos tratados de direitos humanos, violava o direito internacional202-203-204, bem

com estatura de legislação ordinária, suplantando, assim, enfoques em contrário, relativamente a essa última, até então em vigor.” Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão no HC 72.131/1995. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=73573. Acesso em: 2 ago. 2015.

200 No julgamento do RE n. 80.004/SE, que teve como relator o Min. Xavier de Albuquerque, de 1977, o

entendimento que prevaleceu foi o do voto do Ministro Leitão de Abreu, que defendeu o seguinte: “(...) Como autorização dessa natureza, segundo entendo, não figura em nosso direito positivo, pois que a Constituição não atribui ao judiciário competência, seja para negar aplicação a leis que contradigam tratado internacional, seja para anular, no mesmo caso, tais leis, a consequência, que me parece inevitável, é que os tribunais estão obrigados, na falta de título jurídico para proceder de outro modo, a aplicar as leis incriminadas de incompatibilidade com tratado. Não se diga que isso equivale a admitir que a lei posterior ao tratado e com ele incompatível reveste eficácia revogatória deste, aplicando-se, assim, para dirimir o conflito, o princípio ‘lex posterior revogat priori’. A orientação, que defendo, não chega a esse resultado, pois, fiel à regra de que o tratado possui forma de revogação própria, nega que este seja, em sentido próprio, revogado pela lei. Conquanto não revogado pela lei que o contradiga, a incidência das normas jurídicas constantes do tratado é obstada pela aplicação, que os tribunais são obrigados a fazer, das normas legais com aqueles conflitantes. Logo, a lei posterior, em tal caso, não revoga, em sentido técnico, o tratado, senão que lhe afasta a aplicação. A diferença está em que, se a lei revogasse o tratado, este não voltaria a aplicar-se, na parte revogada, pela revogação pura e simples da lei dita revogatória. Mas como, a meu juízo, a lei não o revoga, mas simplesmente afasta, enquanto em vigor, as normas do tratado com ela incompatíveis, voltará ele a aplicar-se, se revogada a lei que impediu a aplicação das prescrições nele consubstanciadas.” Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão do RE n. 80.004/SE. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=175365. Acesso em: 3 set. 2015.

201 Segundo Mauès, “el caso del depositario infiel planteaba un problema diferente. Ratificada por Brasil en

1992, la CADH era lex posterior en relación con los dispositivos legales que regulaban esa modalidad de prisión civil. Pese a ello, el STF consolidó la concepción de que, además de no poder contraponerse a la autorización constitucional, la CADH, por ser una norma infraconstitucional general, debería ser dejada de lado en favor de las normas constitucionales especiales sobre prisión civil.” (Cf. MAUÈS, Antônio Moreira. Supralegalidade dos tratados internacionais de direitos humanos e interpretação constitucional. Sur. Revista Internacional de Direitos Humanos, Bilbao, v. 10, n. 18. p. 219, jun. 2013.

202 O art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, concluída em 23 de maio de 1969,

promulgada no Brasil por meio do Decreto 7.030, de 14 de dezembro de 2009, tem a seguinte redação: “Direito Interno e Observância de Tratados. Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado. Esta regra não prejudica o artigo 46.”

203 Art. 1º e 2º da Convenção Americana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969, promulgada no

Brasil por meio do Decreto 678, de 6 de novembro de 1992: “Artigo 1º - Obrigação de respeitar os direitos 1. Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social. 2. Para efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano. Artigo 2º - Dever de adotar disposições de direito interno Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por

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110

como retirava o Estado e o Direito brasileiro do controle por normas independentes da

soberania estatal.

3.3. Hierarquia supralegal

A corrente doutrinária que defende a supralegalidade dos tratados e convenções

internacionais sobre direitos humanos entende que os referidos diplomas seriam

infraconstitucionais, porém, diante do seu carater especial em relação aos outros atos

normativos internacionais, teriam um lugar especial na ordem jurídica. Sendo assim, não

poderiam afrontar a Constituição, mas teriam efeito paralisante sobre toda a legislação

ordinária205. Dessa forma, os conflitos entre os tratados internacionais sobre direitos

humanos e a constituição ou as normas ordinárias sempre seriam resolvidos por meio do

critério hierárquico (lex superior derogat legi inferiori).

Por um lado, no conflito entre o diploma internacional com a Constituição,

prevaleceria a norma constitucional; por outro, na antinomia em face das leis ordinárias,

haveria a prevalência dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos.

A tese da supralegalidade, no Brasil, não foi prevista na Constituição, como foi, por

exemplo, na Alemanha (art. 25)206; na França (art. 55)207; na Grécia (art. art. 28)208; em El

disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados-partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.”

204 Art. 2º do Pacto de Direito Civis e Políticos, de 16 de dezembro de 1966, promulgado no Brasil por meio

do Decreto 592, de 6 de julho de 1992: “1. Os Estados Partes do presente pacto comprometem-se a respeitar e garantir a todos os indivíduos que se achem em seu território e que estejam sujeitos a sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer condição. 2. Na ausência de medidas legislativas ou de outra natureza destinadas a tornar efetivos os direitos reconhecidos no presente Pacto, os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a tomar as providências necessárias com vistas a adotá-las, levando em consideração seus respectivos procedimentos constitucionais e as disposições do presente Pacto.”

205 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 10.ed.

São Paulo: Saraiva, 2015.

206 Art. 25 da Constituição da Alemanha: “As regras do direito internacional público são parte integrante do

direito federal. Elas prevalecem sobre as leis e criam imediatamente direitos e obrigações aos habitantes do território federal”.

207 Art. 55 da Constituição da França: “Les traités ou accords régulièrement ratifiés ou appouvés ont, dés

leur publication, une autorié superieure à celle dês lois, sous reserve, pour chaque accord ou traité, de son application par l’autre partie”.

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Salvador209. No território nacional, a supralegalidade foi adotada jurisprudencialmente

pelo STF em dois momentos históricos. Antes do julgamento do RE 80.004/SE, em

1977210, e após o Brasil ter sido denunciado perante a Comissão Interamericana de

Direitos Humanos, em 24 de janeiro de 2007211, e ter sido promulgada a Emenda

Constitucional n. 45, em 30 de dezembro de 2004, prevendo a hierarquia constitucional

aos tratados internacionais de direitos humanos aprovados por um procedimento especial.

No julgamento do RE 466.343, o STF atribuiu hierarquia supralegal aos tratados

internacionais aprovados pelo procedimento tradicional212. Votaram a favor da tese da

supralegalidade, por exemplo, os ministros Gilmar Mendes, Carlos Brito, Marco Aurélio e

Menezes Direito213.

Segundo esse entendimento, por estarem hierarquicamente abaixo da Constituição

e acima da legislação infraconstitucional, os tratados internacionais de direitos humanos

que possuem hierarquia supralegal não podem desrespeitar as disposições

constitucionais, mas têm o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer

disciplina normativa infraconstitucional conflitante com as suas disposições.

208

Art. 28 da Constituição da Grécia: “The generally recognized rules of international Law and the international conventions after their ratification by law and their having been put into effect in a accordance with their respective terms, shall constitute an integral part of Greek law and override any law provision to the contrary”.

209 Artigos 144, 145 e 146 da Constituição de El Salvador: “Art. 144.- Los tratados internacionales

celebrados por El Salvador con otros Estados o con organismos internacionales, constituyen leyes de la República al entrar en vigencia, conforme a las disposiciones del mismo tratado y de esta Constitución. La ley no podrá modificar o derogar lo acordado en un tratado vigente para El Salvador. En caso de conflicto entre el tratado y la ley, prevalecerá el tratado. Art. 145.- No se podrán ratificar los tratados en que se restrinjan o afecten de alguna manera las disposiciones constitucionales, a menos que la ratificación se haga con las reservas correspondientes. Las disposiciones del tratado sobre las cuales se hagan las reservas no son ley de la República. Art. 146.- No podrán celebrarse o ratificarse tratados u otorgarse concesiones en que de alguna manera se altere la forma de gobierno o se lesionen o menoscaben la integridad del territorio, la soberanía e independencia de la República o los derechos y garantías fundamentales de la persona humana.”

210 Como, por exemplo, no julgamento da Apelação Civel 7.872-RS. Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal

(STF). Jurisprudência. Acórdão da Apelação Civel 7.872-RS, em 11 de outubro de 1943. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=519551. Acesso em: 3 ago. 2015.

211 Conforme consta do Informe n.º 117/12, de 13 de novembro de 2012, da Comissão Interamericana de

Direitos Humanos, que analisou a admissibilidade da Petição 86-07, de Demétrius Nicolaus Nikolaids. Cf. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA). Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Informe nº 117/12. Disponível em: http://www.oas.org/es/cidh/decisiones/inadmisibilidades.asp. Acesso em: 11 ago. 2015.

212 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. RE 466.343-1 São Paulo. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=595444. Acesso em: 3 ago. 2015.

213 Ibid.

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112

3.4. Hierarquia constitucional

Para que os direitos humanos possuam hierarquia constitucional, o ordenamento

jurídico deve reconhecer aos tratados e convenções internacionais sobre direitos

humanos hierarquia normativa equivalente às normas constitucionais. Assim, nos países

que seguem o referido entendimento, há um bloco de constitucionalidade formado pela

constituição e pelos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos214.

Nesse sistema, as antinomias entre os tratados internacionais sobre direitos

humanos e as normas infraconstitucionais seriam resolvidas pelo critério hierárquico, com

a prevalência dos diplomas internacionais. Por sua vez, as antinomias entre tratados

internacionais sobre direitos humanos e a constituição seriam solucionadas pelo princípio

pro homine, ou seja, pelo critério da norma mais protetiva aos direitos humanos. Assim,

para Cançado Trindade, não há mais a pretensão de primazia de um ou de outro

ordenamento jurídico, como na polêmica clássica e superada entre monistas e dualistas.

No âmbito dos direitos humanos, a primazia é a norma mais favorável às vítimas, sejam

elas normas de direito interno ou de direito internacional215.

No continente americano, a hierarquia constitucional é prevista, por exemplo, na

Constituição da Venezuela (art. 23)216 e da Argentina (art. 75)217. No Brasil, a hierarquia

214

Para Flávia Piovesan, “os direitos internacionais integrariam, assim, o chamado bloco de constitucionalidade, densificando a regra constitucional positivada no § 2º do art. 5º, caracterizada como cláusula constitucional aberta”. (Cf. PIOVESAN, Flávia. op. cit. p. 55.).

215 TRINDADE, Antônio A. Cançado, 2001, op. cit., p. 310.

216 Art. 23 da Constituição da Venezuela: “Los tratados, pactos y convenciones relativos a derechos

humanos, suscritos y ratificados por Venezuela, tienen jerarquia constitucional y prevalecen en el orden interno, en la medida en que contengan normas sobre su goce y ejercicio más favorables a las establecidas por esta Constitución y en las leyes de la República, y son de aplicación inmediata y directa por los tribunales y demás órganos del Poder Público”.

217 Art. 75.22 da Constituição da Argentina: “Corresponde al Congreso: [...] 22. Aprobar o desechar tratados

concluidos con las demás naciones y con las organizaciones internacionales y los concordatos con la Santa Sede. Los tratados y concordatos tienen jerarquía superior a las leyes. La Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre; la Declaración Universal de Derechos Humanos; la Convención Americana sobre Derechos Humanos; el Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales; el Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos y su Protocolo Facultativo; la Convención sobre la Prevención y la Sanción del Delito de Genocidio; la Convención Internacional sobre la Eliminación de todas las Formas de Discriminación Racial; la Convención sobre la Eliminación de todas las Formas de Discriminación contra la Mujer; la Convención contra la Tortura y otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes; la Convención sobre los Derechos del Niño; en las condiciones de su vigencia, tienen jerarquía constitucional, no derogan artículo alguno de la primera parte de esta Constitución y deben entenderse complementarios de los derechos y garantías por ella reconocidos. Sólo podrán ser denunciados, en su caso, por el Poder Ejecutivo nacional, previa aprobación de las dos terceras partes de la

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constitucional foi estabelecida pela emenda Constitucional n. 45, de 2004, que

acrescentou um parágrafo terceiro ao art. 5º, prevendo que os tratados e convenções

internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, “em cada Casa do

Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros,

serão equivalentes às emendas constitucionais”.

Assim, a Constituição brasileira reconhece hierarquia constitucional aos tratados

constitucionais aprovados por um procedimento similar ao previsto para as emendas

constitucionais, previsto no § 3º do seu art. 5º. Segundo Francisco Rezek, esse

reconhecimento da hierarquia constitucional aos tratados e convenções internacionais

sobre direitos humanos estabelece a impossibilidade de denúncia do diploma

internacional, em virtude do disposto na Constituição para emendas sobre direitos218.

Outra questão que é discutida pela doutrina é a hierarquia dos tratados

internacionais sobre direitos humanos aprovados pelo procedimento normal de aprovação

dos tratados previsto no § 2º do mesmo art. 5º.

De acordo com Francisco Rezek, é sensato crer que, ao promulgar o novo

parágrafo 3º do art. 5º, sem nenhuma ressalva abjuratória dos tratados sobre direitos

humanos concluídos anteriormente mediante processo simples, o Congresso constituinte

os elevou à categoria dos tratados de nível constitucional219. Para Rezek, esse

entendimento possui a mesma natureza do entendimento de que o Código Tributário,

promulgado como lei ordinária, foi recepcionado como lei complementar à Constituição de

1988, desde o momento em que a carta disse que as normas gerais de direito tributário

deveriam estar expressas em diploma dessa estatura220.

Para Flávia Piovesan, desde a inserção do § 3º no art. 5º na Constituição da

República, existem duas categorias de tratados internacionais de proteção de direitos

humanos: a) os materialmente constitucionais; e b) os material e formalmente

totalidad de los miembros de cada Cámara. Los demás tratados y convenciones sobre derechos humanos, luego de ser aprobados por el Congreso, requerirán del voto de las dos terceras partes de la totalidad de los miembros de cada Cámara para gozar de la jerarquía constitucional”.

218 Cf. REZEK, Francisco. op. cit., p. 140.

219 Ibid., p. 140.

220 Ibid., p. 140.

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constitucionais221. Nesse entendimento, todos os tratados de direitos humanos,

independentemente de serem aprovados com fundamento do §2º ou com fundamento §3º

do art. 5º, são materialmente constitucionais, compondo o bloco de constitucionalidade. O

procedimento do § 3º somente adiciona um lastro formalmente constitucional aos tratados

ratificados, permitindo a “constitucionalização formal” dos tratados de direitos humanos no

âmbito jurídico interno222.

Os tratados sobre direitos humanos materialmente constitucionais, para Flávia

Piovesan, são suscetíveis de denúncia, em virtude das peculiaridades do regime de

Direito Internacional público. Já os tratados sobre direitos humanos material e

formalmente constitucionais, são insuscetíveis de denúncia223.

Valério Mazzuoli segue o entendimento de Flávia Piovesan. Para aquele autor, o §

2º do art. 5º da Constituição sempre admitiu o ingresso dos tratados internacionais de

proteção aos direitos humanos no mesmo grau hierárquico das normas constitucionais224.

O quórum que o § 3º estabelece serve tão-somente para atribuir eficácia constitucional

formal aos tratados sobre direitos humanos no nosso ordenamento jurídico interno, e não

para atribuir-lhes a índole e o nível materialmente constitucionais que eles já têm em

virtude do § 2º do art. 5º da Constituição225.

221

PIOVESAN, Flávia. op. cit., p. 79.

222 Flávia Piovesan defende que “há que imperar uma lógica material e não formal, orientada por valores

[...]. À hierarquia de valores deve corresponder uma hierarquia de normas, e não o oposto. Vale dizer, a preponderância material de um bem jurídico, como é o caso de um direito fundamental, deve condicionar a forma no plano jurídico-normativo, e não ser condicionado por ela. Não seria razoável sustentar que os tratados de direitos humanos já ratificados fossem recepcionados como lei federal, enquanto os demais adquirissem hierarquia constitucional exclusivamente em virtude de seu 'quorum' de aprovação. A título de exemplo, destaque-se que o Brasil é parte da Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes desde 1989, estando em vias de ratificar seu Protocolo Facultativo. Não haveria qualquer razoabilidade se a este último - um tratado complementar e subsidiário ao principal – fosse conferida hierarquia constitucional, e ao instrumento principal fosse conferida hierarquia meramente legal. Tal situação importaria em agudo anacronismo do sistema jurídico, afrontando, ainda, a teoria geral da recepção acolhida no direito brasileiro. [...] Esse entendimento decorre de quatro argumentos: a) a interpretação sistemática da Constituição, de forma a dialogar os §§ 2º e 3º do art. 5º, já que o último não revogou o primeiro, mas deve, ao revés, ser interpretado à luz do sistema constitucional; b) a lógica e racionalidade material que devem orientar a hermenêutica dos direitos humanos; c) a necessidade de evitar interpretações que apontem a agudos anacronismos da ordem jurídica; e d) a teoria geral da recepção do direito brasileiro.” (Ibid., p. 72-73.).

223 Ibid., p. 72-73.

224 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O controle jurisdicional de convencionalidade das leis. 3.ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 37.

225 Ibid., p. 59.

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André Ramos Tavares, por sua vez, afirma que no fenômeno da recepção de

normas anteriores à nova Constituição ou à nova emenda constitucional, verifica-se a

compatibilidade material, que, no caso positivo, permite a absorção da antiga norma

infraconstitucional com o status que a nova Constituição conferir à respectiva matéria226.

Assim, para Tavares, se a norma se tratava de uma lei ordinária e a nova Constituição ou

a nova Emenda passou a exigir lei complementar, a antiga norma é recepcionada como

se lei complementar fosse (posto que só poderá ser alterada, doravante, por nova lei

complementar). Portanto, para o autor, se a nova “regra” constitucional continua a permitir

que os tratados e convenções sobre direitos humanos possam ser incorporados ao Direito

positivo brasileiro, há total compatibilidade com esses documentos que, anteriormente, já

haviam sido editados como Direito vigente no Brasil. Só que, a partir de então, seu status

passará, automaticamente, a ser o de emenda constitucional, não só porque não poderão

ser alterados senão por nova emenda, mas também porque não poderão ser abolidos ou

restringidos, em hipótese alguma, em virtude da proibição do retrocesso227.

No Supremo Tribunal Federal, defendem a hierarquia constitucional dos tratados e

convenções internacionais sobre direitos humanos os Ministros Celso de Mello e Carlos

Veloso228.

Para o Ministro Celso de Mello:

226

TAVARES, André Ramos. Reforma do judiciário no Brasil pós-88. (Des)estruturando a Justiça.

Comentários completos à Emenda Constitucional nº 45. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 48.

227 Ibid., p. 48.

228 O Ministro Carlos Veloso defendeu a hierarquia constitucional dos tratados internacionais sobre direitos

humanos (Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão do HC 82.424-2/RS. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=79052. Acesso em: 10 ago. 2015.) Também defendeu a hierarquia constitucional afirmando que se “é certo que, na visualização dos direitos e garantias, é preciso distinguir, mediante o estudo da teoria geral dos direitos fundamentais, os direitos fundamentais materiais dos direitos fundamentais puramente formais, conforme deixei expresso em voto que proferi na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.497/DF e em trabalho doutrinário que escrevi (VELLOSO, 1997a, p. 162), se é certo, repito, que é preciso distinguir os direitos fundamentais materiais dos direitos fundamentais puramente formais, não é menos certo, entretanto, que, diante de direito fundamental material, que diz respeito à liberdade, inscrito em Tratado firmado pelo Brasil, como, por exemplo, o que está expresso na Convenção de São José da Costa Rica, art. 7º, item 7, que limitou a prisão por dívida à hipótese de inadimplemento de obrigação alimentícia, força é reconhecer que se tem, em tal caso, direito fundamental com status constitucional. É dizer, o art. 7º, item 7, do citado Pacto de São José da Costa Rica, é direito fundamental em pé de igualdade com os direitos fundamentais expressos na Constituição (Constituição, art. 5º, § 2º).” (Cf. VELOSO, Carlos Mário da Silva. Os tratados na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Revista de informação legislativa, v. 41, n. 162, p. 35-45, abr./jun. 2004. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/946/R162-06.pdf?sequence=4. Acesso em: 10 ago. 2015).

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não obstante anteriores julgamentos desta Corte de que participei como Relator (RTJ 174/463-465 - RTJ 179/493-496), inclino-me a acolher essa orientação, que atribui natureza constitucional às convenções internacionais de direitos humanos. [...]Tenho para mim, desse modo, Senhora Presidente, que uma abordagem hermenêutica fundada em premissas axiológicas que dão significativo realce e expressão ao valor ético-jurídico constitucionalmente consagrado (CF, art. 4o, II) - da "prevalência dos direitos humanos" permitirá, a esta Suprema Corte, rever a sua posição jurisprudencial quanto ao relevantíssimo papel, à influência e à eficácia (derrogatória e inibitória) das convenções internacionais sobre direitos humanos no plano doméstico e infraconstitucional do ordenamento positivo do Estado brasileiro. Com essa nova percepção do caráter subordinante dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos, dar-se-á consequência e atribuir-se-á efetividade ao sistema de proteção dos direitos básicos da pessoa humana, reconhecendo-se, com essa evolução do pensamento jurisprudencial desta Suprema Corte, o indiscutível primado que devem ostentar, sobre o direito interno brasileiro, as convenções internacionais de direitos humanos, ajustando-se, desse modo, a visão deste Tribunal às concepções que hoje prevalecem, no cenário internacional - consideradas as realidades deste emergentes -, em torno da necessidade de amparo e defesa da integridade dos direitos da pessoa humana. Nesse contexto, e sob essa perspectiva hermenêutica, valorizar-se-á o sistema de proteção aos direitos humanos, mediante atribuição, a tais atos de direito internacional público, de caráter hierarquicamente superior ao da legislação comum, em ordem a outorgar-lhes, sempre que se cuide de tratados internacionais de direitos humanos, supremacia e precedência em face de nosso ordenamento doméstico, de natureza meramente legal.

229

O Supremo Tribunal Federal reconheceu status constitucional à Convenção

Americana sobre Direitos Humanos, que foi aprovada pelo procedimento tradicional, nos

acórdãos que julgaram o Habeas Corpus n. 91.361-0/SP230, o Habeas Corpus nº 94.695-

0/RS231 e o Habeas Corpus nº 90.450-5/MG232.

Contudo, a posição dominante no Supremo Tribunal Federal, estabelecida no

julgamento do RE 466.343, foi a do Ministro Gilmar Mendes, que defende a hierarquia

supralegal da CADH, bem como dos demais diplomas internacionais sobre direitos

humanos aprovados pelo procedimento tradicional, fundado no § 2º do art. 5º da

Constituição de 1988.

229

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF) Jurisprudência. Acórdão do RE 466.343. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=595444. Acesso em: 9 ago. 2015.

230 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF) Jurisprudência Acórdão do HC 91.361-0/SP. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=573717. Acesso em: 9 ago. 2015.

231 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF) Jurisprudência Acórdão do HC 94.695-0/RS. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=573759. Acesso em: 10 ago. 2015.

232 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF) Jurisprudência. Acórdão do HC 90.450-5/RS. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=573759. Acesso em: 10 ago. 2015.

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3.5. Inexistência de hierarquia

Para os defensores da inexistência de relação hierárquica entre as normas

nacionais e os tratados internacionais sobre direitos humanos, os critérios de solução de

antinomias jurídicas hierárquico, cronológico e da especialidade são absolutamente

inaplicáveis nas relações de conflito entre ordenamentos nacionais e internacionais em

virtude de incompatibilidade lógico-jurídica233.

Com fundamento na alínea “b” do art. 29 da Convenção Americana sobre direitos

Humanos, essa teoria defende que a relação entre o direito internacional dos direitos

humanos e o direito interno deve ser fundada no princípio pro homine. Dessa maneira, os

tratados internacionais não são superiores às leis ou às constituições nacionais, segundo

uma perspectiva estrutural ou formal. A relação que se estabelece entre as referidas

normas é feita a partir de um critério material, de maior proteção. Somente se aplicam os

tratados internacionais sobre direitos humanos quando a proteção derivada do direito

internacional dos direitos humanos seja mais efetiva que a proteção dada pelas normas

nacionais ou estabeleça restrições menos profundas aos direitos que as normas

nacionais234.

Também não existe relação vertical entre a Corte IDH e os tribunais nacionais235.

Há, sim, prevalência da decisão mais protetiva236. O juiz nacional e a Corte IDH devem

verificar, no caso concreto, o nível de proteção que se produz pelo direito interno e pelo

direito internacional e aplicar as normas jurídicas mais protetivas.

No julgamento do vigésimo sexto agravo regimental da Ação Penal n. 470, o

Ministro Celso de Mello afirmou que a “Corte Interamericana não é um tribunal que está

acima do STF, ou seja, não há hierarquia entre eles.”237

233

CONCI, Luiz Guilherme Arcaro. op. cit., p. 89.

234 Ibid., p. 89.

235 Ibid., p. 71.

236 Ibid., p. 71-72.

237 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão do Vigésimo Sexto Agravo

Regimental na Ação Penal nº 470. Voto do Ministro Celso de Mello, p. 266-267. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=5276407. Acesso em: 17 jul. 2015.

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118

Segundo o Ministro Celso de Mello:

Essa compreensão do tema – notadamente em situações como a ora em exame em que o Supremo Tribunal Federal se vê dividido na exegese de um dado preceito normativo – permite realizar a cláusula inscrita no art. 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos, que confere, no domínio de interpretação dos direitos e garantias fundamentais, primazia à norma mais favorável, consoante tem enfatizado a própria jurisprudência desta Suprema Corte (HC 90.450/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.): “HERMENÊUTICA E DIREITOS HUMANOS: A NORMA MAIS FAVORÁVEL COMO CRITÉRIO QUE DEVE REGER A INTERPRETAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. - Os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico básico (tal como aquele proclamado no Artigo 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica. - O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs. - Aplicação, ao caso, do Artigo 7º, n. 7, c/c o Artigo 29, ambos da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica): um caso típico de primazia da regra mais favorável à proteção efetiva do ser humano.” (HC 96.772/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

238

Na sentença dada no recurso interposto por Arturo Castillo Chirinos, o Tribunal

Constitucional do Peru apresentou o seguinte entendimento:

Lo expuesto, desde luego, no alude a una relación de jerarquización formalizada entre los tribunales internaciones de derechos humanos y los tribunales internos, sino a una relación de cooperación en la interpretación pro homine de los derechos fundamentales. No puede olvidarse que el artículo 29.b de la Convención proscribe a todo tribunal, incluyendo a la propia Corte, “limitar el goce y ejercicio de cualquier derecho o libertad que pueda estar reconocido de acuerdo con las leyes de cualquiera de los Estados partes o de acuerdo con otra convención en que sea parte uno de dichos Estados”. Ello significa, por ejemplo, que los derechos reconocidos en el ordenamiento interno y la interpretación optimizadora que de ellos realice la jurisprudencia de este Tribunal, también es observada por la Corte.

239

238

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF) Jurisprudência. Acórdão do Vigésimo Sexto Agravo Regimental na Ação Penal nº 470. Voto do Ministro Celso de Mello. p. 266-267. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=5276407. Acesso em: 17 de jul. 2015.

239 PERU. Tribunal Constitucional. Exp. N.° 2730-2006-Pa/TC. Recurso de agravio constitucional interpuesto

por don Arturo Castillo Chirinos contra la sentencia de la Sala Mixta Vacacional de la Corte Superior de Justicia de Lambayeque, de fojas 673, su fecha 21 de febrero de 2006, que declara improcedente la demanda de amparo de autos.

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119

Segundo Luiz Guilherme Arcaro Conci, o juiz da Corte IDH, ao verificar que a

proteção dada pelo direito nacional é mais intensa, deve deixar de sancionar o Estado

nacional que, em um caso concreto, está sob julgamento. Da mesma forma, o juiz

nacional, verificando que o direito nacional é mais protetivo, deve dar prevalência ao

direito interno240.

3.6. Hierarquia supraconstitucional

Se for adotada a hierarquia supraconstitucional, em caso de antinomia, os tratados

internacionais sobre direitos humanos prevalecem em face da constituição e de todo

ordenamento jurídico interno. Como afirma Celso D. de Albuquerque Mello, “os direitos

humanos têm, a nosso ver, um status especial na ordem jurídica internacional e devem

predominar sempre”241.

A hierarquia supraconstitucional é prevista no art. 63 da Constituição dos Países

Baixos, de 1956, a qual estabelece que um tratado pode derrogar as disposições da

própria constituição. Segundo Ayala Corao, em 1983, o preceito constitucional foi

aclarado com a reforma dos arts. 91 e 94, os quais passaram a exigir expressamente a

necessidade de que os tratados que contradigam a Constituição sejam aprovados por 2/3

dos votos, bem como que as normas jurídicas do Reino não são aplicáveis quando sejam

incompatíveis com as disposições de um tratado ou com as resoluções internacionais242.

No Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Ordinário em Habeas

Corpus n. 90.759-8/MG, a Ministra Carmen Lúcia afirmou que a Convenção Americana

sobre Direitos Humanos é “uma norma sobre direitos fundamentais

supraconstitucional.”243

240

CONCI, Luiz Guilherme Arcaro. op. cit., p. 73.

241 MELLO, Celso D. Albuquerque. Direito Constitucional Internacional. 2.ed. Rio de Janeiro e São Paulo:

Renovar, 2000, p. 203.

242 CORAO, Carlos M. Ayala. op. cit.

243 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão do julgamento do Recurso Ordinário

em Hábeas Corpus nº 90.759-8/MG. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=466272. Acesso em: 10 ago. 2015.

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120

É o entendimento defendido por Peter Haberlle244, Nestor Pedro Sagüés245 Bidart

Campos246 e Celso de Mello247.

Para Häberle: “no caso improvável de que se produza um conflito entre ‘leis de

direito nacional fundamental e internacional’, inclusive hoje, o magistrado nacional deveria

dar preeminência ao direito internacional, em minha opinião”248.

Em uma posição singular, Valério Mazzuoli defende o status supraconstitucional no

ordenamento jurídico brasileiro para o Estatuto de Roma do Tribunal Internacional de

1998, mas, não, dos demais instrumentos de direitos humanos249.

De acordo com Sagüés:

en definitiva, cualquier regla jurídica doméstica (ley, decreto, reglamento, ordenanza, resolución, etc.), está sometida al control de convencionalidad. En Estados donde la doctrina jurisprudencial establecida por la Corte Suprema o el Tribunal Constitucional es obligatoria para los tribunales inferiores, ella también reviste materialmente condición de norma y, por ende, está captada por dicho control. Incluso, está igualmente comprendida la Constitución nacional, no exceptuada en los veredictos aludidos. En este tramo tan importante de la doctrina que referimos, se parte tácitamente del supuesto de que el Pacto de San José de Costa Rica se encuentra por encima de todo el ordenamiento jurídico del Estado, sin omitir a la propia Constitución. El Pacto asume así, agrade o no esta conclusión, y por más que por algunos se la quiera edulcorar, condición de supraconstitucionalidad

250.

A favor da tese da supraconstitucionalidade, pode-se citar o art. 1º da Convenção

Americana sobre Direitos Humanos (CADH), que estabelece o dever de os Estados

244

HӒBERLE, Peter. Conversas acadêmicas com Peter Hӓberle. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 11.

245 Cf. SAGÜÉS, Nestor Pedro. Obligaciones internacionales y control de convencionalidad. Estudios

Constitucionales, ano 8, n. 1, Universidade de Talca, 2010, p. 124. Disponível em: http://www.scielo.cl/pdf/estconst/v8n1/art05.pdf. Acesso em: 9 ago. 2015.

246 Para Bidart Campos, “el derecho internacional contractual está por encima de la Constitución. Si lo que

queremos es optmizar los derechos humanos, y si conciliarlo com tal propósito interpretamos que las vertinetes del constitucionalismo moderno y del social se han enrolado [...] nada tenemos que objetar (de lege ferenda) a la ubicación prioritaria del derecho internacional de los derechos humanos respecto de la Constitución.” (Cf. CAMPOS, Gérman J. Bidart. Teoria general de los derechos humanos: Buenos Aires:

Astrea, 1991, p. 357.).

247 MELLO, Celso D. Albuquerque. op.cit., p. 203.

248 HӒBERLE, Peter. op. cit., p. 11.

249 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. op. cit., p. 38.

250 SAGÜÉS, Nestor Pedro. op. cit.

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121

respeitarem os direitos enumerados na CADH251; o art. 2º do referido diploma, que

estabelece o dever de adaptar o direito interno ao disposto na CADH252; o art. 26 da

Convenção de Viena, que prevê o dever do Estado de cumprir os tratados (pacta sunt

servanda) de boa-fé (bona fides)253; o art. 27 da mesma Convenção, o qual estabelece a

impossibilidade da invocação de disposições de seu direito interno (constitucionais ou

infraconstitucionais) para justificar o inadimplemento de um tratado254; bem como o dever

de adotar medidas legislativas ou de outra natureza (inclusive judiciais)255 para garantir e

tornar efetivos os direitos humanos256; o reconhecimento como obrigatória e de pleno

direito da competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos257 e a obrigação de

respeitar suas decisões258.

Segundo a Corte Interamericana:

El órgano judicial tiene la función de hacer prevalecer la Convención Americana y los fallos de esta Corte sobre la normatividad interna, interpretaciones y prácticas que obstruyan el cumplimiento de lo dispuesto en un determinado caso. En esta

251

Art. 1º da CADH: “Obrigação de respeitar os direitos 1. Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.”

252 Art. 2º da CADH: “Dever de adotar disposições de direito interno. Se o exercício dos direitos e liberdades

mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados-partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.”

253 Conforme estabelece o art. 26 da Convenção de Viena sobre Direitos dos Tratados.

254 Conforme estabelece o art. 27 da Convenção de Viena sobre Direitos dos Tratados.

255 Na sentença do Caso Almonacid Arellano e outros Vs. Chile, de 2006, a Corte Interamericana de Direitos

Humanos estabeleceu o dever do Poder Judiciário interno de controlar a convencionalidade das normas internas ao afirmar que “o poder judicial deve exercer uma espécie de controle de convencionalidade dos casos concretos com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Nesta tarefa, o Poder Judiciário deve ter em conta nas somente o tratado, mas também a intepretação que do mesmo foi feita pela Corte Interamericana, a última intérprete da Convenção Americana”. (Cf. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Almonacid Arellano y otros Vs. Chile. Sentença de 26 de setembro de 2006. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_154_esp.pdf. Acesso em: 14 ago. 2015.).

256 Art. 2º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, § 2º do art. 2º do Pacto Internacional sobre

Direitos Civis e Políticos, art. 2º do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais.

257 A competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos foi reconhecida pela República Federativa

da Brasil por meio do Decreto 4.463 de 8 de novembro de 2002.

258 Art. 68.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos possui a seguinte redação: “Os Estados-

partes na Convenção comprometem-se a cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes.”

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tarea, deben tener en cuenta no solamente el tratado, sino también la interpretación que del mismo ha hecho la Corte Interamericana, intérprete última de la Convención Americana

259.

Seguindo o entendimento de que a CADH deve prevalecer sobre as normas

constitucionais internas, a Corte Interamericana tem determinado que os poderes

constituintes dos Estados alterem as constituições para torná-las compatíveis com a

Convenção Americana de Direitos Humanos260, bem como há poder constituinte que

(obedecendo a determinação) alterou a Constituição para adequá-la a Convenção

Americana.261

Assim, deve-se compreender que os tratados e convenções internacionais sobre

direitos humanos ou são uma norma superior e suprema, que não podem ser alterada

pelas normas internas dos Estados (infraconstitucionais ou constitucionais) ou não são

normas superiores, podendo, assim, serem obedecidos ou não pelos Estados, conforme o

entendimento dos seus servidores no Poder Executivo, no Poder Legislativo ou no Poder

Judiciário. Se a primeira parte da afirmativa é verdadeira, então uma norma contrária aos

direitos humanos não pode emanar efeitos jurídicos. Se a segunda parte for verdadeira,

então os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos são tentativas

absurdas, por parte dos povos, de limitar um poder na sua própria essência ilimitável.

Portanto, os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos são

normas válidas, de obediência obrigatória, tendo os Estados que os ratificaram o dever de

realizar o controle de convencionalidade da totalidade da legislação interna (constitucional

ou infraconstitucional) que seja incompatível com os referidos diplomas internacionais.

259

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do

Araguaia) Vs. Brasil. Resolução de 17 de outubro de 2014. Parágrafo 19. p. 11. Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/docs/supervisiones/gomes_17_10_14.pdf. Acesso em: 2 dez. 2015.

260 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Yatama Vs. Nicarágua. Sentença de 23

de junho de 2005. Parágrafos 174-175 e ponto resolutivo 9. pp. 80 e 111. Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_127_esp.pdf. Acesso em: 16 ago. 2015.

261 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso La Última Tentación de Cristo (Olmedo

Bustos y otros) Vs. Chile. Sentença de 5 de fevereiro de 2001. Parágrafo 72 e ponto resolutivo 4. p. 32 e 39.

Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/Seriec_73_esp.pdf. Acesso em: 16 ago. 2015.

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123

Capítulo 4

4. O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE NO SISTEMA INTERAMERICANO DE

DIREITOS HUMANOS

4.1 Introdução; 4.2. O controle internacional de convencionalidade; 4.3. O

controle interno de convencionalidade ; 4.3.1. O controle judicial de

convencionalidade; 4.3.2. O controle legislativo de convencionalidade; 4.3.3. O

controle executivo de convencionalidade.

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O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE NO SISTEMA INTERAMERICANO DE

DIREITOS HUMANOS

4.1 Introdução

A existência de eleições e de juízes não garante, por si, a existência de um Estado

Demcrático de Direito. Este somente existe se as maiorias, no Parlamento, e os juízes,

nos tribunais, respeitam os direitos humanos. A legitimidade democrática de determinados

atos em um Estado de Direito está limitada pelos tratados internacionais sobre direitos

humanos. A proteção aos direitos humanos constitui, por isso, um limite não ultrapassável

pela regra da maioria, no Congresso Nacional, ou pelo poder decisório dos juízes, nos

tribunais nacionais, especialmente no STF. Todos (legisladores, juízes, administradores

públicos) estão submetidos aos direitos humanos, independentemente do cargo, da toga

ou da legitimidade democrática.

Se juízes, administradores públicos e legisladores tivessem poderes ilimitados, a

distinção entre governos absolutos e democráticos estaria abolida. Juízes, chefes do

Poder Executivo e legisladores, sejam eles constituintes ou constituídos, são produtores

de normas e, nessa atividade, estão totalmente limitados pelos direitos humanos262.

O respeito aos direitos humanos é um dos princípios fundamentais do Estado

Democrático de Direito. Por isso, um ato do poder constituinte (originário ou derivado) ou

dos poderes constituídos (executivo, legislativo ou judiciário) que viole os direitos

humanos não pode produzir efeitos jurídicos. Todos os atos estatais devem estar de

acordo com as normas internacionais de direitos humanos. Caso não estejam, devem ser

controlados, ou seja, devem sofrer um controle de convencionalidade. O controle de

convencionalidade, em sentido amplo, é feito quando ocorre uma inadequação dos atos

internos em face do direito internacional. O controle de convencionalidade263 no sistema

262

CAVALLO, Gonzalo Aguilar. op. cit., p. 720.

263 A distinção entre controle de constitucionalidade e controle de convencionalidade foi feita na decisão 74-

54 DC do Conselho Constitucional Francês nos seguintes termos: “2. Considérant, en premier lieu, qu'aux termes de l'article 55 de la Constitution: "Les traités ou accords régulièrement ratifiés ou approuvés ont, dès leur publication, une autorité supérieure à celle des lois, sous réserve, pour chaque accord ou traité, de son application par l'autre partie."; 3. Considérant que, si ces dispositions confèrent aux traités, dans les conditions qu'elles définissent, une autorité supérieure à celle des lois, elles ne prescrivent ni n'impliquent que le respect de ce principe doive être assuré dans le cadre du contrôle de la conformité des lois à la

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interamericano de direitos humanos é a análise da compatibilidade das normas internas

de um Estado com os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos do

referido sistema 264 com o objetivo de retirar os efeitos jurídicos no ordenamento jurídico

interno das normas internas dos Estados que violem os referidos diplomas internacionais.

No continente americano265, o controle de convencionalidade é a análise da

compatibilidade das normas nacionais em face dos direitos previstos na Carta da

Organização dos Estados Americanos (Carta da OEA), na Declaração Americana de

Direitos e Deveres do Homem (DADDH), na Convenção Americana sobre Direitos

Humanos (CADH) e nos demais tratados e convenções do sistema interamericano de

direitos humanos, na forma como esses instrumentos foram interpretados pela Corte

Interamericana de Direitos Humanos.

Como todas as normas internas, independentemente de sua hierarquia, devem

guardar compatibilidade com os tratados internacionais sobre direitos humanos; o controle

de convencionalidade deve ser exercido em face de todas as normas de direito interno,

sejam elas normas ordinárias, complementares, constitucionais ou de qualquer outra

natureza ou hierarquia.

Constitution prévu à l'article 61 de celle-ci; 4. Considérant, en effet, que les décisions prises en application de l'article 61 de la Constitution revêtent un caractère absolu et définitif, ainsi qu'il résulte de l'article 62 qui fait obstacle à la promulgation et à la mise en application de toute disposition déclarée inconstitutionnelle; qu'au contraire, la supériorité des traités sur les lois, dont le principe est posé à l'article 55 précité, présente un caractère à la fois relatif et contingent, tenant, d'une part, à ce qu'elle est limitée au champ d'application du traité et, d'autre part, à ce qu'elle est subordonnée à une condition de réciprocité dont la réalisation peut varier selon le comportement du ou des Etats signataires du traité et le moment où doit s'apprécier le respect de cette condition; 5.Considérant qu'une loi contraire à un traité ne serait pas, pour autant, contraire à la Constitution; 6. Considérant qu'ainsi le contrôle du respect du principe énoncé à l'article 55 de la Constitution ne saurait s'exercer dans le cadre de l'examen prévu à l'article 61, en raison de la différence de nature de ces deux contrôles; 7. Considérant que, dans ces conditions, il n'appartient pas au Conseil constitutionnel, lorsqu'il est saisi en application de l'article 61 de la Constitution, d'examiner la conformité d'une loi aux stipulations d'un traité ou d'un accord international”. Disponível em http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/francais/les-decisions/1975/74-54-dc/decision-n-74-54-dc-du-15-janvier-1975.7423.html. Acesso em: 14 ago. 2015.

264 Como o presente estudo é focado no estudo das normas constitucionais inconvencionais, somente se

tratará da análise da compatibilidade das normas internas com os tratados internacionais sobre direitos humanos. Não será feita a análise da compatiblidade dos tratados internacionais de outra natureza pelo fato destes não estarem incluídos no objeto do presente estudo.

265 A presente tese tem como objeto a análise da compatibilidade das normas constitucionais com os

tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos do sistema interamericano de direitos humanos. Por isso, somente se tratará da análise das normas brasileiras em face das normas sobre direitos humanos inseridas no referido sistema. A análise da compatibilidade das normas nacionais com as normas internacionais de outros sistemas não será tratada por não pertencer ao objeto do presente estudo.

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127

No continente americano, o controle de convencionalidade encontra fundamento

jurídico na própria lógica do sistema (o direito interno deve guardar compatibilidade com

os direitos humanos, cabendo ao Estado garantir essa compatibilidade), bem como em

previsões expressas dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos e

na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) e de diversos

tribunais nacionais.

O art. 1º da Convenção Americana estabelece o dever dos Estados de respeitar e

de garantir os direitos que ela enumera:

Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.

O art. 2º da CADH estabelece o dever dos Estados de adaptarem o direito interno

às suas disposições:

Dever de adotar disposições de direito interno. Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados-partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.

O art. 63.1 da Convenção Americana prevê o seguinte:

Quando decidir que houve violação de um direito ou liberdade protegidos nesta Convenção, a Corte determinará que se assegure ao prejudicado o gozo do seu direito ou liberdade violados. Determinará também, se isso for procedente, que sejam reparadas as consequências da medida ou situação que haja configurado a violação desses direitos, bem como o pagamento de indenização justa à parte lesada.

A Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados determina, no seu art. 26, que

“todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa fé”, bem

como, no seu art. 27, dispõe que “uma parte não pode invocar as disposições de seu

direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”.

O Brasil reconheceu como obrigatória e de pleno direito a competência da Corte

IDH, bem como se obrigou, nos termos do art. 68.1 da CADH, a cumprir suas decisões.

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De acordo com Luiz Guilherme Arcaro Conci, o termo apareceu pela primeira vez

no Sistema Interamericano no voto concorrente de Sérgio Garcia Ramirez na Sentença do

Caso Myrna Mack Chang Vs. Guatemala, em 2003, da seguinte forma266:

Para los efectos de la Convención Americana y del ejercicio de la jurisdicción contenciosa de la Corte Interamericana, el Estado viene a cuentas en forma integral, como un todo. En este orden, la responsabilidad es global, atañe al Estado en su conjunto y no puede quedar sujeta a la división de atribuciones que señale el Derecho interno. No es posible seccionar internacionalmente al Estado, obligar ante la Corte sólo a uno o algunos de sus órganos, entregar a éstos la representación del Estado en el juicio --sin que esa representación repercuta sobre el Estado en su conjunto-- y sustraer a otros de este régimen convencional de responsabilidad, dejando sus actuaciones fuera del “control de convencionalidad” que trae consigo la jurisdicción de la Corte internacional

267.

No ano seguinte, no Caso Tibi Vs. Equador, Sérgio Garcia Ramirez compara o

controle de convencionalidade ao controle de constitucionalidade:

la jurisdicción interamericana no es ni pretende ser uma nueva y última instancia en el conocimiento que se inicia y desarrolla ante los órganos nacionales. No tiene a su cargo la revisión de los procesos internos, en la forma en que ésta se realiza por los órganos domésticos. [...] 3. En cierto sentido, la tarea de la Corte se asemeja a la que realizan los tribunales constitucionales. Estos examinan los actos impugnados -disposiciones de alcance general- a la luz de las normas, los principios y los valores de las leyes fundamentales. La Corte Interamericana, por su parte, analiza los actos que llegan a su conocimiento en relación com normas, principios y valores de los tratados en los que funda su competencia contenciosa. Dicho de otra manera, si los tribunales constitucionales controlan la “constitucionalidad”, el tribunal internacional de derechos humanos resuelve acerca de la “convencionalidad” de esos actos. A través del control de constitucionalidad, los órganos internos procuran conformar la actividad del poder público --y, eventualmente, de otros agentes sociales—al orden que entraña el Estado de Derecho en una sociedad democrática. El tribunal interamericano, por su parte, pretende conformar esa actividad al orden internacional acogido en la convención fundadora de la jurisdicción interamericana y aceptado por los Estados partes en ejercicio de su soberanía. [...] 6. Consecuentemente, en la lógica del sistema --y en las aspiraciones institucionales de la Corte Interamericana, como elemento de éste-- reside la idea de que los pronunciamientos del tribunal deben trasladarse, en la forma y términos que provea el Derecho interno –que son el puente entre el sistema internacional y el nacional-, a las leyes nacionales, a los criterios jurisdiccionales domésticos, a los programas específicos en este campo y a las acciones cotidianas que el Estado despliega en materia de derechos humanos

268.

266

CONCI, Luiz Guilherme Arcaro. op. cit., p. 54.

267 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Myrna Mack Chang Vs. Guatemala.

Sentença de 25 de novembro de 2003. Voto concorrente de Sérgio Garcia Ramirez. Parágrafo 27. p. 10.

Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_101_esp.pdf. Acesso em: 6 dez. 2015.

268 CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Caso Tibi Vs. Equador. Sentença de 7 de

setembro de 2004. Voto concorrente de Sérgio Garcia Ramirez. Parágrafo 2, 3 e 6. p. 1-2. Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_101_esp.pdf. Acesso em: 6 dez. 2015.

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129

Assim, por um lado, existe o controle de constitucionalidade, que tem como

parâmetro o bloco de constitucionalidade269; por outro, o controle de convencionalidade,

que tem como paradigma o bloco de convencionalidade270.

Na Sentença do Caso Almonacid Arellano y otros Vs. Chile, a Corte IDH

estabeleceu o dever de o Poder Judiciário interno controlar a convencionalidade das

normas internas.271

269

André de Carvalho Ramos afirma que o “bloco de constitucionalidade consiste no reconhecimento da

existência de outros diplomas normativos, além da própria Constituição” e distingue o entendimento sobre a

existência do bloco de constitucionalidade amplo, no qual o art. 5º, §2º, da CF/88, “permite, ao dispor sobre

os ‘direitos decorrentes’ do regime, princípios e tratados de direitos humanos, o reconhecimento de um

bloco de constitucionalidade amplo, que alberga os direitos previstos nos tratados internacionais de direitos

humanos”; do reconhecimento da existência de um bloco de constitucionalidade estrito, no qual somente

estão abarcados “os tratados aprovados pelo rito especial do art. 5º, § 3º, introduzido pela Emenda

Constitucional n. 45/2004.” (Cf. RAMOS, André de Carvalho. op. cit., pp. 404-405). No Acórdão da ADPF

153, o STF entendeu que “a nova ordem compreende não apenas o texto da Constituição nova, mas

também a norma-origem.” A “norma-origem” que convocou a Assembleia Constituinte foi a Emenda

Constitucional nº 26/85.

270 Ao definir o bloco de convencionalidade, Eduardo Ferrer Mac-Grecor afirma que “em princípio, el

parámetro del ‘control difuso de convencionalidad’ [...] es el Pacto de San José y la Corte IDH que la

interpreta. [...] No obstante, la prpria ‘jurisprudencia’ de la Corte IDH ha ido ampliando el corpus iuris

interamericano en materia de derechos humanos para fundamentar sus fallos. No debe passar inadvertido

que es el propio Pacto de San José el que permite incluir ‘en el régimen de protección de esta Convención

otros derechos y libertades que sean reconocidos de acuerdo con los arts. 76 y 77”, lo que ha permitido que

se aprueben diversos protocolos ‘adicionales’ (a la Convención Americana) y sean interpretados por este

Tribunal interamericano. Asimismo, el proprio Pacto establece como norma interpretativa que no se puede

excluir o limitar el efecto que puedan producir la Declaración Americana de Derecho y Deberes de Hombre y

‘otros actos internacionales de la misma naturaleza’. Sobre el particular, resultan ilustrativas las reflexiones

del juez Garcia Ramírez en su voto razonado emitido com motivo del Caso Trabajadores Cesados del

Congreso (Aguado Alfaro y otros) vs. Perú, precisamente ao analisar el parámetro del ‘control de

convencionalidad’: ‘En la especie, ao referirse a um control de convencionalidad la Corte Interamericana há

tenido a la vista la aplicabilidad y aplicación de la Convención Americana sobre Derechos Humanos, Pacto

de San José. Sin embargo, la misma función se despliega, por idénticas razones, en lo que toca a otros

instrumentos de igual naturaleza, integrantes del corpus juris convencional de los derechos humanos de los

que es parte el Estado: Protocolo de San Salvador, Protocolo relativo a la Abolición de La Pena de Muerte,

Convención para Prevenir y Sancionar la Tortura, Convención de Belém do Pará para Erradicación de la

Violência contra la Mujer, Convención sobre Desaparición Forzada, etcétera.” (CF. MAC-GREGOR,

Eduardo Ferrer. Interpretación conforme y control difuso de convencionalidad. El nuevo paradigma para el

juez mexicano. in: BOGDANDIY, Armin; PIOVESAN, Flávia; ANTONIAZZI, Mariela Morales (Coords.).

Estudos avançados de direitos humanos: democracia e integração jurídica: emergências de um novo

direito público. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013, pp. 671-672.)

271 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Almonacid Arellano y otros Vs. Chile.

Sentença de 26 de setembro de 2006. Parágrafo 124. Página 53. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_154_esp.pdf. Acesso em: 14 ago. 2015.

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130

Apesar de o STF não ter se manifestado formalmente sobre o controle de

convencionalidade, não obstante já ter realizado, de fato, o controle de convencionalidade

do inciso LXVII do art. 5º da Constituição de 1988, conforme analisado na seção 5.2 do

presente estudo, a importância dos diplomas internacionais sobre direitos humanos e a

obrigatoriedade das decisões da Corte IDH encontram seu fundamento em diversas

normas de direito internacional, bem como são reconhecidos como obrigatórios por vasta

jurisprudência da Corte IDH.

O controle de convencionalidade pode ser realizado no âmbito internacional, pelas

entidades internacionais competentes, ou, no âmbito interno dos países signatários de um

tratado internacional, pelas autoridades públicas, pelos juízes e pelos legisladores

nacionais.

4.2 . O controle internacional de convencionalidade

O controle internacional de convencionalidade das normas é o controle de

convencionalidade exercido pelos órgãos internacionais que receberam essa incumbência

por um tratado ou convenção internacional.

De acordo com André de Carvalho Ramos:

O parâmetro de confronto no controle de convencionalidade internacional é a norma internacional, em geral um determinado tratado. Já o objeto desse controle é toda norma interna, não importando a sua hierarquia nacional. Como exemplo, o controle de convencionalidade internacional exercido pelos tribunais internacionais pode inclusive analisar a compatibilidade de uma norma do Poder Constituinte Originário com normas previstas em um tratado internacional de direitos humanos

272.

No sistema interamericano de proteção aos direitos humanos, referido controle é

exercido no âmbito internacional, em sentido amplo, pela Comissão Interamericana sobre

Direitos Humanos (Comissão IDH) e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos

(Corte IDH).

Já o controle jurisdicional de convencionalidade no âmbito internacional, é exercido

exclusivamente pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. No continente

americano, ela controla a convencionalidade dos atos dos Estados desde sua

272

RAMOS, André de Carvalho. op. cit., p. 406.

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131

fundação273, sendo o órgão supremo de controle dos compromissos internacionais sobre

direitos humanos assumidos pelos Estados no Sistema Interamericano de Direitos

Humanos.

Sérgio Garcia Ramírez denomina o controle internacional de convencionalidade de

controle próprio, original ou externo, bem como afirma que este controle é exercido pelo

tribunal supranacional (Corte IDH) chamado a exercer a confrontação entre atos

domésticos e as disposições convencionais, com o propósito de apreciar a

compatibilidade entre as referidas disposições, com fundamento no império do direito

internacional dos direitos humanos274.

A obrigatoriedade e a relevância da jurisprudência da Corte IDH foram

reconhecidas por diversos tribunais nacionais dos Estados do continente americano.

A Sala Constitucional da Corte Suprema de Justiça da Costa Rica afirmou:

debe advertirse que si la Corte Interamericana de Derechos Humanos es el órgano natural para interpretar la Convención Americana sobre Derechos Humanos […], la fuerza de su decisión al interpretar la convención y enjuiciar leyes nacionales a la luz de esta normativa, ya sea en caso contencioso o en una mera consulta, tendrá –de principio- el mismo valor de la norma interpretada

275.

Por sua vez, o Tribunal Constitucional da Bolívia ressaltou que:

En efecto, el Pacto de San José de Costa Rica, como norma componente del bloque de constitucionalidad, esta constituido por tres partes esenciales, estrictamente vinculadas entre sí: la primera, conformada por el preámbulo, la segunda denominada dogmática y la tercera referente a la parte orgánica. Precisamente, el Capítulo VIII de este instrumento regula a la CIDH Interamericana de Derechos Humanos, en consecuencia, siguiendo un criterio de interpretación constitucional “sistémico”, debe establecerse que este órgano y por ende las decisiones que de él emanan, forman parte también de este bloque de constitucionalidad.Esto es así por dos razones jurídicas concretas a saber: 1) El objeto de la competencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos; y, 2) La aplicación de la doctrina del efecto útil de las sentencias que versan sobre

273

Segundo Valério de Oliveira Mazzuoli, “no Continente Americano, a obrigação de controlar a

convencionalidade das leis remonta à entrada em vigor da Convenção Americana (em 18 de julho de 1978,

nos termo do seu art. 74,2)” (Cf. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. op. cit., p. 94.)

274 RAMÍREZ, Sergio García. El control judicial interno de convencionalidad. in: BOGDANDIY, Armin;

PIOVESAN, Flávia; ANTONIAZZI, Mariela Morales (Coords.). Estudos avançados de direitos humanos: democracia e integração jurídica: emergências de um novo direito público. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.,

p. 559.

275 COSTA RICA. Sala Constitucional da Corte Suprema de Justiça da Costa Rica. Sentença de 9 de maio

de 1995. Ação Inconstitucional. Voto 2313-95 (Expediente 0421-S-90). Disponível em:

http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/BDL/2012/2844.pdf?view=1. Acesso em: 14 ago. 2015.

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Derechos Humanos. En efecto, al ser la CIDH el último y máximo garante en el plano supranacional del respeto a los Derechos Humanos, el objeto de su competencia y las decisiones que en ejercicio de ella emanan, constituyen piedras angulares para garantizar efectivamente la vigencia del “Estado Constitucional”, que contemporáneamente se traduce en el Estado Social y Democrático de Derecho, cuyos ejes principales entre otros, son precisamente la vigencia de los Derechos Humanos y la existencia de mecanismos eficaces que los hagan valer, por eso es que las Sentencias emanadas de este órgano forman parte del bloque de constitucionalidad y fundamentan no solamente la actuación de los agentes públicos, sino también subordinan en cuanto a su contenido a toda la normativa infra-constitucional vigente.

276.

Da mesma forma, a Suprema Corte de Justiça da República Dominicana decidiu:

en consecuencia, es de carácter vinculante para el Estado dominicano, y, por ende, para el Poder Judicial, no sólo la normativa de la Convención Americana sobre Derechos Humanos sino sus interpretaciones dadas por los órganos jurisdiccionales, creados como medios de protección, conforme el artículo 33 de ésta, que le atribuye competencia para conocer de los asuntos relacionados con el cumplimiento de los compromisos contraídos por los Estados partes

277.

Seguindo o mesmo sentido, o Tribunal Constitucional do Peru afirmou:

Los efectos vinculantes de las sentencias de la Corte Interamericana de Derechos Humanos 25. La Corte Interamericana de Derechos Humanos en el Caso Tribunal Constitucional Vs. Peru, Sentencia del 24 de septiembre de 1999, Serie C-N.º 55, párrafos 35, 40 y 49 ha establecido que: “La aceptación de la competencia contenciosa de la Corte constituye una cláusula pétrea que no admite limitaciones que no estén expresamente contenidas en el artículo 62.1 de la Convención (...). El artículo 29.a de la Convención Americana establece que ninguna disposición de la misma puede ser interpretada en el sentido de permitir a alguno de los Estados parte, grupo o persona, suprimir el goce y ejercicio de los derechos y libertades reconocidos en la Convención o limitarlos en mayor medida que la prevista en ella. Una interpretación de la Convención Americana en el sentido de permitir que un Estado pueda retirar su reconocimiento de la competencia obligatoria del Tribunal (...), implicaría la supresión del ejercicio de los derechos y libertades reconocidos por la Convención, iría en contra de su objeto y propósito como tratado de derechos humanos, y privaría a todos los beneficiarios de la Convención de la garantía adicional de protección de tales derechos por medio de la actuación de su órgano jurisdiccional (...). Un Estado que aceptó la jurisdicción obligatoria de la Corte Interamericana según el artículo 62.1 de la misma, pasa a obligarse por la Convención como un todo (...)”.

276

BOLÍVIA. Tribunal Constitucional da Bolívia. Revisão de Amparo Constitucional. Sentença Constitucional

nº 0110/2010-R, de 10 de maio de 2010. (Expediente Nº 2006-13381-27-RAC). Disponível em:

http://buscador.tcpbolivia.bo/(S(vmdk4hov0tk31nfbxzrydprj))/WfrFechaResolucion.aspx. Acesso em: 14 ago.

2015.

277 REPÚBLICA DOMINICANA. Tribunal Constitucional da República Dominicana. Sentença TC/0256/14.

Expediente nº TC-01-2005-0013, relativo a ação direta de inconstitucionalidade protocolada no dia 25 de

novembro de 2005. Disponível

em:http://www.tribunalconstitucional.gob.do/sites/default/files/documentos/Sentencia%20TC%20025614%20

%20%20%20C.pdf. Acesso em: 14 ago. 2015.

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133

26. se desprende la vinculación directa entre la Corte Interamericana de Derechos Humanos y este Tribunal Constitucional; vinculación que tiene una doble vertiente: por un lado, reparadora, pues interpretado el derecho fundamental vulnerado a la luz de las decisiones de la Corte, queda optimizada la posibilidad de dispensársele una adecuada y eficaz protección; y, por otro, preventiva, pues mediante su observancia se evitan las nefastas consecuencias institucionales que acarrean las sentencias condenatorias de la Corte Interamericana de Derechos Humanos para la seguridad jurídica del Estado peruano

278.

A Corte Suprema de Justiça da Nação de Argentina afirmou que as decisões da

Corte IDH:

Que la decisión [de la Corte Interamericana de Derechos Humanos] resulta de cumplimiento obligatorio para el Estado Argentino (art. 68.1, CADH), por lo cual también esta Corte, en principio, debe subordinar el contenido de sus decisiones a las de dicho tribunal internacional. [...]Que con independencia de que en la decisión de la Corte Interamericana se hayan considerado entre otros elementos hechos reconocidos por el gobierno argentino en el marco de un procedimiento de derecho internacional [...] resulta un deber insoslayable de esta Corte, como parte del Estado Argentino, y en el marco de su potestad jurisdiccional, cumplir con los deberes impuestos al Estado por la jurisdicción internacional en materia de derechos humanos.

279

Por fim, a Corte Constitucional da Colômbia tem reiteradamente decidido que:

los estándares y reglas fijados por las Cortes Internacionales, deben ser tenidos en cuenta no tanto porque así lo reconozca el Legislador sino porque así lo impone la estructura de nuestro ordenamiento jurídico, al consagrarlo el artículo 93 de la Carta, y en cuanto, como lo ha dicho la Corte, constituyen una “presencia tutelar”, que esta “irradiando, guiando y delimitando la normatividad y la aplicación concreta de sus preceptos”. 5.2.4. Adicionalmente como lo dijo la Corte, en la Sentencia C-370 de 2006, “la jurisprudencia de las instancias internacionales, encargadas de interpretar esos tratados, constituye un criterio hermeneútico relevante para establecer el sentido de las normas constitucionales sobre derechos humanos”. En tal sentido debe ser entendido y aplicado cuando resulte pertinente por las autoridades encargadas de dar aplicación al mecanismo de extensión de jurisprudencia. [...] Sobre este tema en particular dijo esta Corporación en la citada sentencia C-370 de 2006: “La Corte destaca con particular énfasis, que las anteriores conclusiones provienen de Sentencias de un Tribunal internacional cuya competencia ha sido aceptada por Colombia. El artículo 93 superior prescribe que los derechos y deberes consagrados en esta Carta se interpretarán de conformidad con los tratados internacionales sobre derechos humanos ratificados por Colombia. Ahora bien, si un tratado internacional obligatorio para Colombia y referente a derechos y deberes

278

PERU. Pleno do Tribunal Constitucional do Peru. Sentença 00007-2007-PI/TC, de 19 de junho de 2007.

Disponível em: http://www.tc.gob.pe/jurisprudencia/2007/00007-2007-AI.html. Acesso em: 14 ago. 2015.

279 ARGENTINA. Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina. Sentença de 23 de dezembro de 2004.

(Expediente 224. XXXIX) Disponível em:

http://servicios.csjn.gov.ar/confal/ConsultaCompletaFallos.do?method=verDocumentos&id=574382. Acesso

em: 14 ago. 2015.

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consagrados en la Constitución prevé la existencia de un órgano autorizado para interpretarlo, como sucede por ejemplo con la Corte Interamericana de Derechos Humanos, creada por la Convención Interamericana de Derechos Humanos, su jurisprudencia resulta relevante para la interpretación que de tales derechos y deberes se haga en el orden interno

280.

Como a Corte IDH é o órgão máximo do Sistema Interamericano de Direitos

Humanos, a interpretação dos tribunais e do juízes nacionais, no âmbito interno dos

Estados, deve guiar-se por sua jurisprudência281.

A Corte IDH tem caráter subsidiário ou complementar ao ordenamento jurídico

interno, ou seja, somente pode agir se os órgãos internos não resolvem adequadamente a

violação aos direitos humanos. Após esgotados os recursos internos sem que o Estado

consiga proteger os direitos violados, abre-se a via internacional mediante uma solicitação

à Comissão Interamericana e, caso esta resolva de maneira favorável a solicitação do

interessado, o caso pode ser levado até o conhecimento da Corte.

Como afirma Marcelo Figueiredo:

Acreditamos que a tutela essencial dos direitos humanos corresponde aos Estados em seu âmbito interno, já que é induvidoso que os organismos internacionais somente desenvolvem uma função de grande importância, mas exclusivamente subsidiária e complementária aos Estados

282.

Todo o sistema jurisdicional internacional está montado sobre a ideia de dar ao

Estado a oportunidade de resolver internamente o litígio por meio de procedimentos

domésticos283.

280

COLÔMBIA. Corte Constitucional da República da Colômbia. Sentença C-588/12, de 25 de julho de 2012. Disponível em: http://www.corteconstitucional.gov.co/RELATORIA/2012/C-588-12.htm#_ftn4. Acesso em: 15 ago. 2015.

281 CAVALLO, Gonzalo Aguilar. op. cit., p. 738.

282 FIGUEIREDO, Marcelo. O direito constitucional transnacional e algumas de suas dimensões. Tese

apresentada à Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.

283 RAMÍREZ, Sergio García. op. cit., p. 578-579.

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135

4.3. O controle interno de convencionalidade

O controle interno de convencionalidade, também denominado controle de

convencionalidade nacional, é o controle da compatibilidade das normas de direito interno

em face dos tratados internacionais de direitos humanos exercido pelos órgãos internos

de um Estado. É exercido com uma determinada margem nacional de apreciação sobre a

interpretação nacional dos direitos humanos. Contudo, apesar desta margem, no

continente americano, as decisões internas estão vinculadas à interpretação dos diplomas

internacionais feita pela Corte IDH284, guardiã e intérprete última da Convenção

Americana sobre Direitos Humanos.

Como todos os poderes encontram-se obrigados pelos compromissos

internacionais assumidos pelo Estado, o princípio do Estado de Direito determina que a

totalidade dos órgãos do Estado devem atuar em conformidade com o direito285,

realizando o controle de convencionalidade das normas internas violadoras dos diplomas

internacionais sobre direitos humanos.

Em Velásquez Rodrigues Vs. Honduras, a Corte IDH afirmou que os Estados

devem:

"garantizar" el libre y pleno ejercicio de los derechos reconocidos en la Convención a toda persona sujeta a su jurisdicción. Esta obligación implica el deber de los Estados Partes de organizar todo el aparato gubernamental y, en general, todas las estructuras a través de las cuales se manifiesta el ejercicio del poder público, de manera tal que sean capaces de asegurar jurídicamente el libre y pleno ejercicio de los derechos humanos

286.

284

Segundo Sérgio Garcia Ramírez, “el control interno de convencionalidad supone cierto margen nacional

de apreciación. Sería impossible excluirlo en la hipótesis [...] de que no existan definiciones del tribunal

supranacional o de que haya decisiones nacionales que brinden mejor proteción al ser humano. Ahora bien,

es preciso reconocer que en la generalidad de los casos este margen de apreciación nacional y

circunstancial: al amparo de las circustancias del caso sub judicie – se halla acotado por las definiciones del

órgano supranacional de interpretacón vinculante.” (Cf. RAMÍREZ, Sergio García. op. cit., p. 561.)

285 CAVALLO, Gonzalo Aguilar. op. cit., p 707.

286 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras.

Sentença de 29 de julho de 1988. Parágrafo 166. p. 35. Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_04_esp.pdf. Acesso em: 15 ago. 2015.

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136

Por isso, o controle interno de convencionalidade não deve ser exercido apenas

pelos juízes, mas também pelos membros do Poder Legislativo e do Poder Executivo,

conforme será analisado nas seções seguintes.

4.3.1. O controle judicial de convencionalidade

No âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, o controle judicial de

convencionalidade é a análise da compatibilidade das normas jurídicas internas e a

Convenção Americana sobre Direitos Humanos e demais normas do sistema

interamericano de proteção aos direitos humanos realizada pelos juízes nacionais

servidores dos Estados.

Segundo Cavallo:

el controle de convencionalidad alude a la faculdad de los magistrados de contratastar la norma dictada por el poder legislativo –y, eventualmente, por el poder constituyente – com la norma contenida en los tratados internacionales que han sido ratificados por el Estado para hacer prevalecer estas últimas sobre las normas emanadas del poder legislativo y, a fortiori, sobre las normas emanadas

de poder ejecutivo.287

Para a Corte, como os juízes dos Estados estão submetidos à CADH, são

obrigados a velar para que as leis que a contrariem pelo fato de as referidas normas

carecerem de efeitos jurídicos, ou seja, segundo a Corte, os magistrados devem realizar o

controle de convencionalidade entre as normas jurídicas internas e o disposto na CADH.

Segundo Marcelo Figueiredo:

Nessa ordem de ideias sabemos que os juízes dos Estados já não é suficiente que conheçam a ordem jurídica doméstica, mas devem inclusive ser guardiões da jurisprudência das Cortes e Tribunais Internacionais. É o chamado controle de “convencionalidade”. Por seu intemédio, obriga-se ao juiz estatal do Estado parte da Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), a exercer o controle de suas normas, assim como a jurisprudêcia daquele Tribunal

288.

287

CAVALLO, Gonzalo Aguilar. op. cit. p. 721.

288 FIGUEIREDO, Marcelo. O direito constitucional transnacional e algumas de suas dimensões. Tese

apresentada à Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012. p.

17.

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137

Esse foi o entendimento exposto na sentença do Caso Caso Almonacid Arellano y

otros Vs. Chile:

124. La Corte es consciente que los jueces y tribunales internos están sujetos al imperio de la ley y, por ello, están obligados a aplicar las disposiciones vigentes en el ordenamiento jurídico. Pero cuando un Estado ha ratificado un tratado internacional como la Convención Americana, sus jueces, como parte del aparato del Estado, también están sometidos a ella, lo que les obliga a velar porque los efectos de las disposiciones de la Convención no se vean mermadas por la aplicación de leyes contrarias a su objeto y fin, y que desde un inicio carecen de efectos jurídicos. En otras palabras, el Poder Judicial debe ejercer una especie de “control de convencionalidad” entre las normas jurídicas internas que aplican en los casos concretos y la Convención Americana sobre Derechos Humanos. En esta tarea, el Poder Judicial debe tener en cuenta no solamente el tratado, sino también la interpretación que del mismo ha hecho la Corte Interamericana, intérprete última de la Convención Americana

289.

Sendo assim, o controle de convencionalidade deve ser exercido, em regra, pelos

juízes nacionais dos Estados que integram a Convenção Americana, tendo a Comissão e

a Corte IDH somente que agir na hipótese de a estrutura interna do Estado não realizar

adequadamente o controle de convencionalidade.

Em 2006, na sentença do caso Trabajadores Cesados del Congreso (Aguado

Alfaro y otros) Vs. Peru, a Corte IDH afirmou que o controle interno de convencionalidade

deve ser exercido ex offício, bem como deve ser realizado no “marco de sus respectivas

competencias y de las regulaciones procesales correspondientes”, nos seguintes termos:

Cuando un Estado ha ratificado un tratado internacional como la Convención Americana, sus jueces también están sometidos a ella, lo que les obliga a velar porque el efecto útil de la Convención no se vea mermado o anulado por la aplicación de leyes contrarias a sus disposiciones, objeto y fin. En otras palabras, los órganos del Poder Judicial deben ejercer no sólo un control de constitucionalidad, sino también “de convencionalidad” ex officio entre las normas internas y la Convención Americana, evidentemente en el marco de sus respectivas competencias y de las regulaciones procesales correspondientes. Esta función no debe quedar limitada exclusivamente por las manifestaciones o actos de los accionantes en cada caso concreto, aunque tampoco implica que ese control deba ejercerse siempre, sin considerar otros presupuestos formales y materiales de admisibilidad y procedencia de ese tipo de acciones.

290

289

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Almonacid Arellano y otros Vs. Chile.

Sentença de 26 de setembro de 2006. Parágrafo 124. p. 53. Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_154_esp.pdf. Acesso em: 14 ago. 2015.

290 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Trabajadores Cesados del Congreso

(Aguado Alfaro y otros) Vs. Peru. Sentença de 24 de novembro de 2006. Parágrafo 128. p. 47. Disponível

em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_158_esp.pdf. Acesso em: 16 ago. 2015.

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138

Na Sentença do Caso, a Corte IDH afirmou que todos os órgãos do Estado, não

somente os juízes, estão submetidos à Convenção Americana, bem como à interpretação

da mesma feita por esta.

A Corte IDH se expressou da seguinte forma:

Este Tribunal ha establecido en su jurisprudencia que es consciente de que las autoridades internas están sujetas al imperio de la ley y, por ello, están obligadas a aplicar las disposiciones vigentes en el ordenamiento jurídico. Pero cuando un Estado es Parte de un tratado internacional como la Convención Americana, todos sus órganos, incluidos sus jueces, también están sometidos a aquél, lo cual les obliga a velar por que los efectos de las disposiciones de la Convención no se vean mermados por la aplicación de normas contrarias a su objeto y fin. Los jueces y órganos vinculados a la administración de justicia en todos los niveles están en la obligación de ejercer ex officio un “control de convencionalidad” entre las normas internas y la Convención Americana, evidentemente en el marco de sus respectivas competencias y de las regulaciones procesales correspondientes. En esta tarea, los jueces y órganos vinculados a la administración de justicia deben tener en cuenta no solamente el tratado, sino también la interpretación que del mismo ha hecho la Corte Interamericana, intérprete última de la Convención Americana.

291

É importante frisar que o controle interno de convencionalidade pode ser exercido

na análise de um caso concreto por todos os juízes ou tribunais, tanto pela via difusa,

quanto pela via concentrada, por um órgão de cúpula.

No voto do juiz Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot, na Sentença da Corte IDH no

Caso Cabrera Garcia e Montiel Flores Vs. México, de 26 de novembro de 2010, é

apresentada essa possibilidade da seguinte forma:

Se trata, en realidad, de un “control difuso de convencionalidad”, debido a que debe ejercerse por todos los jueces nacionales. Existe, por consiguiente, una asimilación de conceptos del Derecho Constitucional, lo cual está presente desde el origen y desarrollo del Derecho Internacional de los Derechos Humanos, especialmente al crearse las “garantías” y “órganos” internacionales de protección de los derechos humanos. Se advierte claramente una “internacionalización del Derecho Constitucional”, particularmente al trasladar las “garantías constitucionales” como instrumentos procesales para la tutela de los derechos fundamentales y salvaguarda de la “supremacía constitucional”, a las “garantias convencionales” como mecanismos jurisdiccionales y cuasi jurisdiccionales para la tutela de los derechos humanos previstos en los pactos internacionales cuando aquéllos no han sido suficientes, por lo que de alguna manera se configura también una “supremacía convencional”.

291

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Cabrera Carcía e Montiel Flores Vs.

México. Sentença de 26 de novembro de 2010. Parágrafo 225. p. 86. Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_220_esp.pdf. Acesso em: 16 ago. 2015.

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139

22. Una de las manifestaciones de este proceso de “internacionalización” de categorias constitucionales es, precisamente, la concepción difusa de convencionalidad que estamos analizando, ya que parte de la arraigada connotación del “control difuso de constitucionalidad” en contraposición con el “control concentrado” que se realiza en los Estados constitucionales por las altas “jurisdicciones constitucionales”, teniendo la última interpretación constitucional los Tribunales, Cortes o Salas Constitucionales o en algunos casos, las Cortes Supremas y otras altas jurisdicciones. En este sentido, el “control concentrado de convencionalidad” lo venía realizando la Corte IDH desde sus primeras sentencias, sometiendo a un examen de convencionalidad los actos y normas de los Estados en un caso particular. Este “control concentrado” lo realizaba, fundamentalmente, la Corte IDH. Ahora se ha transformado en un “control difuso de convencionalidad” al extender dicho “control” a todos los jueces nacionales como un deber de actuación en el ámbito interno, si bien conserva la Corte IDH su calidad de “intérprete última de la Convención Americana” cuando no se logre la eficaz tutela de los derechos humanos en el ámbito interno.

292

Sendo assim, o controle de convencionalidade pode ser exercido por todos os

juízes e tribunais, pela via difusa, ou por um órgão de cúpula, como a Corte IDH, no

âmbito externo, ou por uma corte ou tribunal constitucional, como o STF, no âmbito

interno.

4.3.2. O controle legislativo de convencionalidade

Como a integralidade do Estado está submetida aos direitos humanos, controlar o

respeito do direito interno em face dos diplomas internacionais é uma missão de todos os

órgãos, ou seja, compete aos órgãos executivos, legislativos e judiciários realizar o exame

da adequação das normas ao disposto no direito internacional dos direitos humanos.

Na Sentença do Caso Cesti Hurtado Vs. Peru, a Corte IDH determinou:

Los Estados Partes en la Convención no pueden dictar medidas que violen los derechos y libertades reconocidos en ella. Tampoco pueden los Estados dejar de tomar las medidas legislativas “o de otro carácter que fueren necesarias para hacer efectivos tales derechos y libertades”, en los términos del artículo 2 de la Convención. Estas medidas son las necesarias para “garantizar [el] libre y pleno ejercicio” de dichos derechos y libertades, en los términos del artículo 1.1 de la misma.

293

292

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Cabrera Garcia e Montiel Flores Vs.

México, Voto do juiz Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot. Sentença de 26 de novembro de 2010. Parágrafos

21 e 22. p. 8-9. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_220_esp.pdf. Acesso

em: 16 ago. 2015.

293 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença do Caso Cesti Hurtado Vs. Peru de

29 de setembro de 1999. Parágrafo 166. p. 44. Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_56_esp.pdf. Acesso em: 16 ago. 2015.

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140

Da mesma forma, na Sentença do Caso Yatama Vs. Nicarágua, a Corte IDH

determinou que o Estado realizasse as medidas legislativas para que a própria norma

constitucional fosse emendada para se tornar compatível ao disposto na Convenção

Americana da seguinte forma:

El deber general del Estado de adecuar su derecho interno a las disposiciones de dicha Convención para garantizar los derechos en ella consagrados, establecido en el artículo 2, incluye la expedición de normas y el desarrollo de prácticas conducentes a la observancia efectiva de los derechos y libertades consagrados en la misma, así como la adopción de medidas para suprimir las normas y prácticas de cualquier naturaleza que entrañen una violación a las garantías previstas en la Convención

294.

Assim, o Poder Legislativo federal, estadual e municipal, tem o dever de, por um

lado, durante o processo legislativo, controlar preventivamente a convencionalidade das

normas (entre outros órgãos, pelas suas comissões de constituição e justiça), impedindo

a aprovação de normas inconvencionais; por outro, no caso de normas já aprovadas,

deve modificar as normas constitucionais ou infraconstitucionais que violem os direitos

humanos.

Na Sentença do Caso A Última Tentação de Cristo, a Corte IDH expressou o

seguinte entendimento:

Esta Corte entiende que la responsabilidad internacional del Estado puede generarse por actos u omisiones de cualquier poder u órgano de éste, independientemente de su jerarquía, que violen la Convención Americana. Es decir, todo acto u omisión, imputable al Estado, en violación de las normas del Derecho Internacional de los Derechos Humanos, compromete la responsabilidad internacional del Estado. En el presente caso ésta se generó en virtud de que el artículo 19 número 12 de la Constitución establece la censura previa en la producción cinematográfica y, por lo tanto, determina los actos de los Poderes Ejecutivo, Legislativo y Judicial. [...] 4. decide que el Estado debe modificar su ordenamiento jurídico interno, en um plazo razonable, con el fin de suprimir la censura previa para permitir la exhibición de la película “La Última Tentación de Cristo”, y debe rendir a la Corte Interamericana de Derechos Humanos, dentro de un plazo de seis meses a partir

294

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Sentença do Caso Yatama Vs. Nicarágua de 23

de junho de 2005. Parágrafo 170. p. 79. Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_127_esp.pdf. Acesso em: 16 ago. 2015.

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de la notificación de la presente Sentencia, un informe sobre las medidas tomadas a esse respecto

295.

Em virtude dessa sentença, o Poder Constituinte derivado do Chile alterou a

Constituição, que previa censura prévia no seu art. 19.12, em violação ao art. 13 da

CADH, o qual garante o direito à liberdade de expressão, realizando, assim, um controle

de convencionalidade legislativo296.

Portanto, o controle legislativo de convencionalidade é obrigatório para o legislador

(constituinte e constituído), no âmbito federal, estadual e municipal, bem como pode ser

exercido preventivamente (no processo legislativo) ou repressivamente (na hipótese da

norma já ter entrado em vigor).

4.3.3. O controle executivo de convencionalidade

O Poder Executivo também está subordinado ao disposto nos tratados e

convenções internacionais sobre direitos humanos e, por isso, também deve realizar o

controle de convencionalidade. O exercício dessa obrigação deve ocorrer, por exemplo,

com o exercício do poder de veto dos projetos de lei que violem os direitos humanos, na

análise prévia da convencionalidade dos decretos e das medidas provisórias ou

revogando os seus atos que violem as normas internacionais de direitos humanos.

Os três poderes do Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário), nos termos de

Valério de Oliveira Mazzuoli, estão submetidos ao direito internacional dos direitos

humanos e, por isso, devem respeitá-lo, em face da sua parcela de responsabilidade no

respeito, aplicação e fiscalização do cumprimento integral das normas internacionais em

vigor no Brasil297.

295

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso La Última Tentación de Cristo (Olmedo

Bustos y otros) Vs. Chile. Sentença de 5 de fevereiro de 2001. Parágrafo 72 e ponto resolutivo 4. p. 32 e 39.

Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/Seriec_73_esp.pdf. Acesso em: 16 ago. 2015.

296 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso La Última Tentación de Cristo (Olmedo

Bustos y otros) Vs. Chile. Sentença de 5 de fevereiro de 2001. Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/Seriec_73_esp.pdf. Acesso em: 16 ago. 2015.

297 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. op. cit. p. 190.

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Capítulo 5

5. AS NORMAS CONSTITUCIONAIS INCONVENCIONAIS NO BRASIL

5.1. Introdução; 5.2. O controle de convencionalidade do inciso LXVII do art. 5º

da Constituição de 1988 realizado pelo STF; 5.3. O julgamento da Ação Penal

n. 470 e o direito humano de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior; 5.3.1.

As tentativas de legitimar a violação do direito humano de recorrer de uma

sentença no julgamento da Ação Penal 470; 5.3.1.1. O argumento da legítima

exceção; 5.3.1.2. O argumento dos embargos infringentes; 5.3.1.3.O argumento

da hierarquia; 5.3.2. A tentativa de tornar compatível o Regimento Interno do

STF ao direito humano previsto na alínea “h” do art. 8.2 da Convenção Americana

de Direitos Humanos; 5.4. A anistia e a inconvencionalidade da Emenda

Constitucional n. 26/1985; 5.4.1. As Forças Armadas como um poder

supraconstitucional; 5.4.2. A anistia como decorrência necessária do exercício

do poder supraconstitucional; 5.4.3. O controle de constitucionalidade e o

controle de convencionalidade: a Emenda Constitucional nº 26/85 é uma norma

constitucional inconvencional; 5.4.4. Ignorância, confusão e distinção: a breve

análise da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos no

julgamento da ADPF 153; 5.4.5. A condenação da República Federativa do

Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos; 5.4.6. O descumprimento

pela República Federativa do Brasil da sentença da Corte Interamericana no Caso

Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) Vs. Brasil.

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AS NORMAS CONSTITUCIONAIS INCONVENCIONAIS NO BRASIL

5.1. Introdução

As normas constitucionais são formadas pelas regras e princípios previstos nas

Constituição que possuem posição hieraquico-normativa superior relativamente às outras

normas do ordenamento jurídico298 estatal.

Conforme analisado no capítulo sobre o controle de convencionalidade, as normas

constitucionais devem ser compatíveis com os tratados e convenções internacionais

sobre direitos humanos.

No presente Capítulo, demonstra-se a existência de normas constitucionais

(previstas na Constituição) inconvencionais (que violam a Convenção Americana sobre

Direitos Humanos).

Como as normas constitucionais que serão analisadas são regulamentadas pela

legislação, também são analisadas as normas infraconstitucionais constitucionais

(compatíveis com a Constituição) inconvencionais (incompatíveis com a Convenção

Americana).

Além de se demonstrar a existência das referidas normas, verifica-se quais são as

atitudes tomadas pelo Estado brasileiro em virtude do dever de respeitar os direitos

humanos (art. 1.1 da CADH), da obrigação de tomar medidas legislativas ou de outra

natureza para tornar efetivos os direitos humanos (art. 2 da CADH), bem como a

necessidade de realizar o controle de convencionalidade das normas constitucionais que

violam a Convenção Americana de Direitos Humanos.

Com fundamento no disposto nos arts. 1.1 e 2 da CADH, as normas constitucionais

inconvencionais que serão analisadas são as seguintes:

I. o inciso LXVII do art. 5º da Constituição de 1988, que estabelece a

autorização constitucional da prisão do depositário infiel;

298

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra:

Almedina, 2003. pp. 1147 e 1160.

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II. as alíneas “b” e “c” do inciso I do art. 102 da Constituição de 1988 e

do(s) inciso(s) I e (II) do art. 5º e das alíneas “j” e “k” do art. 9º do

Regimento Interno do STF299, que estabelecem o julgamento de

autoridades sem direito a recurso pelo STF;

III. a Emenda Constitucional n. 26/85, que anistia os que cometeram

crimes políticos e conexos durante o regime militar.

O inciso LXVII do art. 5º da Constituição da República, que permite a prisão do

depositário infiel, é incompatível com o art. 7.7 do Pacto de São José da Costa Rica, que

proíbe a referida prisão.

As alíneas “b” e “c” do inciso I do art. 102 da Constituição de 1988, na forma como

foram regulamentadas pelos incisos I e II do art. 5º e pelas alíneas “j” e “k” do art. 9º do

Regimento Interno do STF, que estabelecem o julgamento de autoridades sem direito a

recurso viola o disposto na alínea “h” do art. 8.2 da Convenção Americana sobre Direitos

Humanos, que garante o direito ao duplo grau de jurisdição.

A Emenda Constitucional n. 26/85, que anistiou os que cometeram crimes políticos

e conexos durante o regime militar, é incompatível com o disposto nos arts. 8.1 e 25 do

Pacto de São José da Costa Rica.

5.2 O controle de convencionalidade do inciso LXVII do art. 5º da Constituição de

1988 realizado pelo STF

Um instituto jurídico possui nome, natureza e características. Criar um discurso

para denominar um instituto jurídico com outro nome é uma forma de subverter a Ciência

do Direito para criar a ilusão de que algo é o que não é. Contudo, denominar um instituto

jurídico com outro nome não muda a sua natureza e as suas características, ou seja,

mudança de nome não significa necessariamente mudança no instituto. Uma modificação

na denominação somente modifica o instituto se a referida alteração também transforma

sua natureza e/ou suas características. Entretanto, enquanto o artifício não é descoberto,

não é percebido pela maioria dos operadores do direito e produz efeitos jurídicos.

299

A Emenda Regimental nº 49/2014 revogou o inciso II do art. 5º e inseriu as alíneas “j” e “k” no art. 9º do

Regimento Interno do STF, tranferindo para as turmas o julgamento de determinadas autoridades.

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Por exemplo, quando a Lei n. 9.298, de 1º de agosto de 1996 modificou o

parágrafo primeiro do art. 52 do Código de Defesa do Consumidor, diminuindo o valor

máximo das multas por atraso de pagamento de dez para dois por cento, estabelecendo

que “as multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não

poderão ser superiores a dois por cento do valor da prestação”, muitos contratos foram

majorados em dez por cento e passaram a prever a perda do desconto de dez por cento

caso o pagamento fosse feito após um prazo específico. O acréscimo no valor a ser pago

por mora no pagamento possui natureza e característica de multa; denominá-lo de

desconto é apenas uma forma de tentar subverter a Ciência Jurídica para tornar legal o

ilegal.

Outro exemplo pode ser encontrado no Decreto-Lei 911, de 1969, pelo qual a

Ditadura Militar Brasileira estabeleceu que o contrato de crédito da alienação fiduciária em

garantia era, segundo a referida norma, um contrato de depósito e, por meio dessa ficção

jurídica, permitiu a existência do entendimento de que era constitucional a prisão do

devedor de crédito bancário em virtude de as constituições de 1967, de 1969 e de 1988

permitirem a prisão civil do depositário infiel. A alienação fiduciária em garantia tem

natureza de contrato de crédito, característica de contrato de crédito; a ficção jurídica que

a dissimulou de contrato de depósito tinha apenas a finalidade de subverter o direito para

dar aparência de constitucional ao que era, de fato, inconstitucional.300 Iludiu os

operadores do Direito por décadas.

300

Para saber mais sobre a ficção jurídica que transformou contratos de crédito em contratos de depósito,

pode-se ler o relatório do Acórdão 466.343 do STF, in verbis: “Estatuir que o contraente de negócio jurídico,

que não mantém com o depósito convencional nenhuma identidade ou afinidade jurídica, fica exposto à

prisão civil, em condição análoga à do depositário, é operação técnico-normativa de inaceitável alargamento

conceituai destinado tão-só a produzir fortíssima garantia indireta do cumprimento de obrigação de dar

dinheiro, de todo estranha ao estatuto do depositário. E, com isso, entra em contraste aberto com a norma

constitucional exceptiva, que, já se viu, por seus caracteres, não tolera interpretação expansiva, capaz de

aniquilar o direito mesmo que se ordena a proteger sob o comando excepcionado. É que a legislação

ordinária não pode, mediante ficção – que disso não passa todo processo de equiparação arbitrária de

posições jurídicas -, igualar situações, figuras ou institutos, para submeter pessoas à violência da exceção

constitucional, sem ao menos incidir-lhe em afronta indireta: "Vale considerar, aliás, que a ofensa a direito

ou garantia constitucional não precisa decorrer direta e imediatamente das prescrições da lei, mas, para que

esta seja ineficaz, basta que, por qualquer forma, ainda que indireta ou mediatamente, sejam lesados

aqueles direitos e garantias." Se não é lícito recorrer à analogia, nem à expansão crítico-lógica, para sotopor

ao âmbito do estrito sentido técnico-normativo, que deve prevalecer na interpretação, 34 casos que, sem

uso desses recursos, ali não caberiam, a fortiori o processo de ficção enche-se da mesma ilicitude,

resvalando na mesmíssima proibição constitucional, sobretudo quando dilacera e corrompe elevados

princípios, como o de que a garantia é que deve ser sempre ampliada em benefício da liberdade e ode que

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Para acabar com a prisão do depositário infiel no direito brasileiro, o STF criou

jurisprudencialmente outra ficção jurídica pela qual, de fato, reconheceu à Convenção

Americana de Direitos Humanos a hierarquia supraconstitucional, mas, em um artifício

jurídico, declarou que havia reconhecido ao referido tratado a hierarquia supralegal.

Para verificar a hierarquia que um juiz ou tribunal reconheceu a duas normas em

conflito em uma antinomia jurídica, resolvida por meio do critério hierárquico (lex superior

derogat legi inferiori), deve-se verificar qual norma foi aplicada e qual norma deixou de ter

aplicabilidade. Necessariamente, foi reconhecida como superior a norma que foi aplicada,

bem como foi reconhecida como inferior a norma que deixou de ter aplicabilidade.

Há uma antinomia entre o texto da Constituição Federal, que permite a prisão do

depositário infiel (Art. 5º, LXVII), e o texto da Convenção Americana sobre Direitos

Humanos (Art. 7.7), que veda a prisão do depositário infiel.

Na solução dessa antinomia jurídica, o STF declarou que estava proibida a prisão

do depositário infiel, conforme estabelece a Convenção Americana sobre Direitos

Humanos, bem como declarou que o inciso LXVII da Constituição da República deixava

de ter aplicabilidade301.

Portanto, na solução da referida antinomia jurídica, o STF, de fato, entendeu que a

Convenção Americana sobre Direitos Humanos é hierarquicamente superior à

Constituição de 1988, ou seja, que era uma norma supraconstitucional; contudo, no

discurso ficcional jurídico, o Supremo declarou que a Convenção era inferior à

Constituição, isto é, supralegal.

A história desse julgamento ocorreu assim. As constituições brasileiras de 1824 e

de 1891 se referiam genericamente ao direito de liberdade, mas não possuíam nenhuma

referência específica acerca da vedação da prisão civil. A proibição da prisão por dívidas

foi prevista pela primeira vez pelo constitucionalismo brasileiro no art. 113, 30, da

a exceção não pode apanhar relação nem fato jurídicos subordinados a outras rationes iuris. Prescrever que

há depositário onde não há depósito, é impropriedade técnica, e dispor que é depositário quem não tem

obrigação de custodiar e devolver, constitui sonora ficção jurídica.” (Cf. Supremo Tribunal Federal (STF).

Jurisprudência. Acórdão do RE 466.343-1 São Paulo. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=595444. Acesso em: 3 ago. 2015.)

301 Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão do RE 466.343-1 São Paulo. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=595444. Acesso em: 3 ago. 2015.

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Constituição de 1934302, com a disposição de que “não haverá prisão por dívidas, multas

ou custas”, sem nenhuma exceção, seja ela relativa ao devedor de pensão alimentícia ou

ao depositário infiel.

Desde então, com exclusão da Constituição de 1937, todas as constituições

brasileiras303 preveem expressamente, como regra geral, a proibição da prisão civil e, a

partir da Constituição de 1946, como exceções, a constitucionalidade da prisão do

depositário infiel e do devedor de pensão alimentícia.

Ao longo da história do direito brasileiro, a prisão do depositário infiel foi

regulamentada pelo art. 1.287 do Código Civil de 1916304, que era inconstitucional durante

a vigência da Constituição de 1934, devido ao fato de a referida constituição vedar a

prisão por dívidas em qualquer hipótese, pelo Decreto-Lei n. 911 de 1969, elaborado

pelos ministros militares, no uso das atribuições conferidas pelos atos institucionais ns. 5

e 12, pelo art. 666 do Código de Processo Civil de 1973305 e pelo art. 652 do Código Civil

de 2002306.

302

Art. 113, 30, da Constituição de 1934 da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil: “Não

haverá prisão por dívidas, multas ou custas”.

303 A Constituição de 1934 previu no art. 113, n. 30; a Carta de 1937 não previu; A Constituição de 1946

previu no art. 141, § 32 da seguinte forma: “Não haverá prisão civil por dívida, multa ou custas, salvo o caso

do depositário infiel e o de inadimplemento de obrigação alimentar, na forma da lei”; a Constituição de 1967

previu no art. 150, § 17, com a seguinte redação: “Não haverá prisão civil por dívida, multa ou custas, salvo

o caso do depositário infiel, ou do responsável pelo inadimplemento de obrigação alimentar na forma da lei”;

a Constituição de 1969 previu no art. 153, § 17, com a seguinte redação: “Não haverá prisão civil por dívida,

multa ou custas, salvo o caso do depositário infiel ou do responsável pelo inadimplemento de obrigação

alimentar, na forma da lei”; A Constituição de 1988 previu no art. 5º, inciso LXVII.

304 Art. 1.287 do Código Civil de 1916 - Seja voluntário ou necessário o depósito, o depositário, que o não

restituir, quando exigido, será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e a ressarcir os

prejuízos (art. 1.273).

305 Art. 666. Os bens penhorados serão preferencialmente depositados:

I - no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal, ou em um banco, de que o Estado-Membro da União possua mais de metade do capital social integralizado; ou, em falta de tais estabelecimentos de crédito, ou agências suas no lugar, em qualquer estabelecimento de crédito, designado pelo juiz, as quantias em dinheiro, as pedras e os metais preciosos, bem como os papéis de crédito; II - em poder do depositário judicial, os móveis e os imóveis urbanos; III - em mãos de depositário particular, os demais bens. § 1º Com a expressa anuência do exeqüente ou nos casos de difícil remoção, os bens poderão ser depositados em poder do executado. § 2º As jóias, pedras e objetos preciosos deverão ser depositados com registro do valor estimado de resgate. § 3º A prisão de depositário judicial infiel será decretada no próprio processo, independentemente de ação de depósito.

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Como, desde 1946, sempre houve autorização constitucional expressa, a

jurisprudência era pacífica no sentido de que a prisão do depositário infiel era

constitucional307. Tanto era assim que, em 17 de outubro de 1984, o STF editou a Súmula

619 regulamentando a referida prisão308.

Seguindo a tradição do constitucionalismo brasileiro, o constituinte originário de

1988 previu, no inciso LXVII do art. 5º, que “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do

responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do

depositário infiel”.

Contudo, em 1992, o Brasil ratificou a Convenção Americana sobre Direitos

Humanos309, que prevê no seu art. art. 7.7 que “ninguém deve ser detido por dívidas”,

bem como que a regra geral de vedação da prisão civil possui somente como única

exceção a possibilidade de cumprimento dos “mandados de autoridade judiciária

competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”. No mesmo

ano, a República Federativa do Brasil promulgou o Pacto Internacional de Direitos Civis e

Políticos310, que estabelece, no seu art. 11, a proibição de prisões em virtude do

descumprimento de obrigações contratuais.

Com a promulgação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, criou-se

uma antinomia jurídica entre a Constituição, que expressamente autoriza, no inciso LXVII

306

Art. 652. Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que não o restituir quando exigido será

compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos.

307 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF) Jurisprudência. Acórdão do RHC 49752. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=93744. Acesso em: 13 dez. 2015.

308 A prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constituiu o encargo,

independentemente da propositura de ação de depósito.

309 Adotada em São José, Costa Rica, no âmbito da Organização dos Estados Americanos por ocasião da

Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em 22 de novembro de 1969, entrou em

vigor internacional em 18 de julho de 1978 . O Brasil aderiu em 9 de julho de 1992, ratificou em 25 de

setembro de 1992 e promulgou, por meio do Decreto 678, de 6 de novembro de 1992.

310 Adotado pela XXI Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966,

aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n. 226, de 12 de dezembro de 1991;

depositado em 24 de janeiro de 1992; em vigor, para o Brasil, desde 24 de abril de 1992; o Pacto

Internacional de Direitos Civis e Políticos foi promulgado pelo Decreto n. 592, de 6 de julho de 1992.

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do art. 5º, a prisão do depositário infiel, e a Convenção, que, no art. 7.7, veda

terminantemente a referida prisão.

Logo após a promulgação da Constituição de 1988, o Estado brasileiro negou o

reconhecimento da força normativa dos tratados internacionais. Como não havia

nenhuma norma sobre a hierarquia dos direitos humanos no direito interno, o Poder

Judiciário manteve a sua jurisprudência anterior com o entendimento de que os tratados

internacionais de qualquer espécie, inclusive os de direitos humanos, possuíam a mesma

hierarquia da legislação ordinária.

Segundo o entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, no sistema

jurídico brasileiro, os tratados e as convenções internacionais estavam hierarquicamente

subordinados à autoridade normativa da Constituição de 1988311. Em consequência, de

acordo com o STF, nenhuma força jurídica possuíam os tratados que, incorporados no

sistema positivo do direito interno, transgrediam, formal ou materialmente, o texto da

Constituição da República312.

Para o Tribunal, o exercício do treaty-making power, pelo Brasil, não obstante o art.

46 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, estava sujeito à necessária

observância das limitações impostas pelo texto da Constituição da República313. Dessa

forma, para o STF, o Poder Judiciário, fundado na supremacia da Constituição da

República, dispunha de competência para, seja no exercício do controle abstrato, seja no

exercício do controle difuso, realizar o controle de constitucionalidade dos tratados

incorporados no sistema de direito positivo interno314.

Os tratados e convenções internacionais, uma vez incorporados ao direito interno,

de acordo com o Supremo Tribunal, situavam-se, no sistema jurídico brasileiro, no mesmo

311

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão da ADI 1.480-3 – DF. 04/09/97

Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=347083. Acesso em: 11

ago. 2015.

312 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão da ADI 1.480-3 – DF. 04/09/97

Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=347083. Acesso em: 11

ago. 2015.

313 Ibid.

314 Ibid.

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152

plano em que se posicionavam as leis ordinárias, havendo, em consequência, entre estas

e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa315.

No sistema jurídico brasileiro, segundo a referida jurisprudência, as normas

internacionais não dispunham de primazia sobre as normas de direito interno. A eventual

precedência dos tratados e das convenções internacionais sobre as normas

infraconstitucionais de direito interno somente se justificariam quando a situação de

antinomia com o ordenamento doméstico determinasse, para a solução do conflito, a

aplicação do critério cronológico (lex posterior derogati prior) ou, quando cabível, do

critério da especialidade (lex specialis derogat legi generali)316.

Com o entendimento que negava força jurídica aos tratados sobre direitos

humanos, mais de 15 anos após o Brasil ter ratificado a Convenção Americana sobre

Direitos Humanos, que expressamente proíbe a prisão do depositário infiel, o Supremo

Tribunal Federal, em clara violação ao direito humano escrito no art. 7.7 da Convenção,

continuava a permitir a existência da referida forma de privação da liberdade no território

nacional317 318.

Nesse período, havia coerência entre o ato e o discurso do Supremo. Na prática e

no discurso, o Tribunal estabelecia a superioridade da Constituição da República e a

inferioridade dos tratados internacionais.

Entretanto, em 24 de janeiro de 2007, o advogado Sócrates Spyrus Patseas

protocolou perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos uma petição na qual

requereu a responsabilização internacional da República Federativa do Brasil pela

315

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão da ADI 1.480-3 – DF. 04/09/97

Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=347083. Acesso em: 11

ago. 2015.

316 Ibid.

317 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão - HC 92.257-1 SP - 26/02/2008 –

Link: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=520107. Acesso em: 11 ago.

2015.

318 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão – HC 92.541-3 PR – 19/02/2008 –

Link: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=523359. Acesso em: 11 ago.

2015.

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153

violação do direito humano previsto no art. 7.7 da Convenção Americana sobre Direitos

Humanos em face de Demétrios Nikolaos Nikolaidis 319.

Após o Estado brasileiro, no dia 27 de maio de 2007, ser notificado da denúncia

perante a Comissão Interamericana, o Supremo Tribunal Federal, que já tinha iniciado o

julgamento do Recurso Especial 466.343-1, de São Paulo, em 22 de novembro de 2006,

concluiu os primeiros julgamentos nos quais modificou a sua jurisprudência, reconheceu a

inadmissibilidade da prisão do depositário infiel320 e aventou a possibilidade de se

reconhecer hierarquia supraconstitucional aos tratados internacionais de direitos

humanos.

Nos debates do julgamento do Acórdão do Recurso Ordinário em Habeas Corpus

90.759-8 MG, em 15 de maio de 2007, a Ministra Carmen Lúcia afirmou que a Convenção

Americana sobre Direitos Humanos era “uma norma sobre Direitos Fundamentais

supraconstitucional”.

Posteriormente, no julgamento do processo de Demétrios Nikolaos Nikolaidis321,

que havia apresentado denúncia perante a Comissão Interamericana, e em outros

acórdãos iniciais322-323, o Supremo Tribunal Federal reconheceu paridade hierárquica

normativa entre a Constituição e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e os

tratados internacionais de direitos humanos aprovados com fundamento no parágrafo

segundo do art. 5º da Constituição da República.

319

ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA). Comissão Interamericana de Direitos Humanos

– Informe nº 117/12. Disponível em: http://www.oas.org/es/cidh/decisiones/inadmisibilidades.asp. Acesso

em: 11 ago. 2015.

320 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Supremo Tribunal Federal – Acórdão –

Questão de Ordem no HC 94.307-1 RS - 14/04/2008 – Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=528801. Acesso em: 11 ago. 2015.

321 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Supremo Tribunal Federal – Acórdão –

Habeas Corpus 90.450-5 MG – 23/09/2008 – Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=573711 Acesso em: 11 ago. 2015.

322 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Supremo Tribunal Federal – Acórdão –

Habeas Corpus 91.361-0 SP – 23/09/2008 Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=573717 Acesso em: 11 ago. 2015.

323 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Supremo Tribunal Federal – Acórdão –

Habeas Corpus 94.695-0 RS – 23/09/2008 Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=573759 Acesso em: 11 ago. 2015.

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154

Desde 2004, quando a Emenda Constitucional n. 45 inseriu um parágrafo terceiro

ao art. 5º da Constituição que prevê equivalência às emendas constitucionais aos tratados

internacionais de direitos humanos aprovados por um procedimento similar aos das

emendas constitucionais, iniciou-se um debate jurídico sobre a hierarquia normativa da

quase totalidade dos tratados de direitos humanos ratificados pelo Estado brasileiro, que

foram aprovados pelo procedimento tradicional com fundamento no parágrafo segundo do

mesmo artigo.

Após alguns julgamentos nos quais se reconheceu hierarquia equivalente à

Constituição, conforme visto anteriormente, no julgamento do Recurso Especial 466.343-

1, de São Paulo, em 3 de dezembro de 2008, o Supremo Tribunal Federal conferiu aos

referidos tratados hierarquia normativa supralegal. Segundo o voto do Ministro Gilmar

Mendes, os tratados sobre direitos humanos não poderiam afrontar a supremacia da

Constituição, mas teriam lugar especial reservado no ordenamento jurídico, ou seja,

seriam infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter especial em relação aos demais

atos normativos internacionais, também seriam dotados de um atributo de

supralegalidade. Para o ministro, diante do inequívoco caráter especial dos tratados

internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, a sua internalização no

ordenamento jurídico, por meio do procedimento de ratificação previsto na Constituição,

tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa

infraconstitucional com ela conflitante324.

Dessa maneira, com relação à prisão do depositário infiel, de um lado da

antinomia, estariam a Constituição de 1988 e as normas infraconstitucionais nacionais,

que permitem a aplicação da medida; de outro lado, a Convenção Americana sobre

Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que vedariam a

referida prisão.

Como o Supremo Tribunal, em seu discurso, declarou que a Convenção e o Pacto,

com a sua natureza supralegal, são superiores à legislação ordinária e inferiores à

Constituição, para a resolução da referida antinomia pelo critério hierárquico, pelo qual lex

superior derogat legi inferiori, deveria prevalecer a lei superior, no caso a Constituição da

324

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão – Recurso Especial 466.343-1 SP.

Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=595444. Acesso em: 11

ago. 2015.

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155

República, que permite expressamente a prisão do depositário infiel, no inciso LXVII do

art. 5º. Se o discurso fosse coerente com a prática, na resolução da antinomia entre a

permissão da prisão do depositário infiel, prevista na Constituição, e a proibição da

referida prisão, prevista nos tratados, pelo critério hierárquico, necessariamente deveria

prevalecer a norma declarada como superior: a Constituição.

Contudo, na prática, o Supremo Tribunal Federal fez exatamente o contrário. Na

antinomia entre a Constituição, que permite a prisão do depositário infiel, e os tratados,

que a proíbem, o Tribunal estabeleceu que prevalece a proibição da prisão. Na prática, o

STF estabeleceu que o inciso LXVII do art. 5º da Constituição de 1988 literalmente

“deixou de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante”325 da Convenção Americana

sobre Direitos Humanos e do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, ou seja,

o que o Supremo Tribunal Federal fez na realidade foi estabelecer a prevalência do

disposto nos tratados internacionais sobre direitos humanos sobre a Constituição Federal,

isto é, ele decidiu que o inciso LXVII do art. 5º da Constituição de 1988 é uma norma

constitucional que deixa de ter aplicabilidade em virtude do disposto na Convenção

Americana sobre Direitos Humanos: o Tribunal declarou que a referida regra é uma norma

constitucional inconvencional.

Portanto, há uma clara divergência entre o discurso e a prática no julgamento da

antinomia entre o art. 7.7 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o inciso

LXVII do art. 5º da Constituição. No discurso, o STF declarou que a Constituição é

superior à Convenção; na prática, como o inciso LXVII da Carta Magna deixou de ter

aplicabilidade em face do disposto no art. 7.7 da Convenção, o Tribunal estabeleceu que

o referido tratado é superior à Constituição da República.

No discurso, o Tribunal declarou que a Convenção revoga as normas

infraconstitucionais que estabelecem a prisão do depositário infiel; na prática, o Supremo

realizou o controle de convencionalidade do inciso LXVII do art. 5º da Constituição de

1988.

325

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão – Recurso Especial 466.343-1 SP.

Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=595444. Acesso em: 11

ago. 2015.

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156

Além disso, no julgamento do RE 466.343-1/SP e na edição da Súmula Vinculante

n. 25326, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a compatibilidade das normas que

regulam a prisão do depositário com a Constituição, mas declarou que, devido ao

disposto no 7 do art. 7º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e no art. 11 do

Pacto de direitos Civis e Políticos, as referidas normas tinham sua eficácia jurídica

paralisada, ou seja, materialmente, o Supremo Tribunal Federal declarou que o art. 1.287

do Código Civil327 de 1916, o Decreto-Lei n. 911/1969 e o art. 652 do Código Civil de

2002328 são normas infraconstitucionais constitucionais329 inconvencionais330.

Declarado que o inciso LXVII do art. 5º da Constituição da República não tinha

aplicabilidade em virtude do disposto nos tratados internacionais sobre direitos humanos,

emitiu-se a Súmula Vinculante n. 25 com a seguinte redação: “É ilícita a prisão civil do

depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.”

Tomadas as referidas decisões, em virtude da denúncia de violação dos direitos

humanos de Demétrios Nikolaos Nikolaidis, o Estado brasileiro apresentou defesa perante

a Comissão Interamericana de Direitos Humanos na qual afirma que julgou procedente o

“habeas corpus interposto pelo mesmo, que suspendeu a vigência da ordem de prisão,

bem como que emitiu uma diretriz jurisprudencial vinculante que proíbe a prisão do

depositário infiel em virtude do principio pro homine e do disposto no art. 7.7 da

Convenção Americana”331.

326

Súmula Vinculante n. 25: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do

depósito”.

327 Art. 1.287 da Lei 3.071 de 1º de janeiro de 1916: “Seja voluntário ou necessário o depósito, o depositário,

que o não restituir, quando exigido, será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e a

ressarcir os prejuízos.”

328 Art. 652 da Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002: “Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário

que não o restituir quando exigido será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e

ressarcir os prejuízos.”

329 Pela expressa autorização do inciso LXVII do art. 5º da CRFB/88.

330 Por violação do art. 7.7 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e do art. 11 do Pacto de

direitos Civis e Políticos.

331 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA). Comissão Interamericana de Direitos Humanos

– Informe nº 117/12 – Link: http://www.oas.org/es/cidh/decisiones/inadmisibilidades.asp. Acesso em: 11 ago.

2015.

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157

Em virtude de o STF ter realizado o controle de convencionalidade das normas

constitucionais e infraconstitucionais que regulavam a prisão do depositário infiel, a

Comissão Interamericana de Direitos Humanos decidiu que a denúncia contra o Estado

brasileiro era inadmissível, conforme prevê o artigo 47.b da Convenção Americana.

5.3. O julgamento da Ação Penal n. 470 e o direito humano de recorrer da

sentença a juiz ou tribunal superior

O direito humano ao duplo grau de jurisdição constitui-se no direito de recorrer de

uma sentença condenatória para um juiz ou tribunal de hierarquia superior antes que a

decisão se torne definitiva.332 Com o direito de recorrer se busca proteger o direito de

defesa, garantindo a possibilidade de se interpor um recurso para evitar que transite em

julgado uma decisão que foi tomada com vícios ou que contenha erros que ocasionem um

prejuízo indevido aos interesses de uma pessoa333.

O direito humano ao duplo grau de jurisdição é previsto no art. 14.5 do Pacto

Internacional de Direitos Civis, adotado pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 16

de dezembro de 1966334, promulgado no âmbito interno pelo Decreto n. 592, de 6 de julho

de 1992, e na alínea “h” do art. 8.2 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos,

adotada pela Organização dos Estados Americanos, em 22 de novembro de 1969,

promulgada no âmbito interno pelo Decreto 678, de 8 de novembro de 1992335.

O art. 14.5 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos prevê que “toda

pessoa declarada culpada por um delito terá direito de recorrer da sentença condenatória

332

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Herrera Ulloa Vs. Costa Rica. Sentença de 2 de julho de 2004. Parágrafo 158. p. 81. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/cf/Jurisprudencia2/index.cfm?lang=es. Acesso em: 3 set. 2015.

333 Ibid., Parágrafo 158. p. 81.

334 O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos foi aprovado pelo Congresso Nacional por meio do

Decreto Legislativo n. 226, de 12 de dezembro de 1991, a Carta de Adesão foi depositada pela República Federativa do Brasil, em 24 de janeiro de 1992, e entrou em vigor, para o Brasil, em 24 de abril de 1992.

335 A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) foi adotada no

âmbito da Organização dos Estados Americanos, em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, entrou em vigor internacional em 18 de julho de 1978, o Governo brasileiro depositou a carta de adesão em 25 de setembro de 1992, entrou em vigor, para o Brasil, em 25 de setembro de 1992.

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158

e da pena a uma instância superior, em conformidade com a lei”336; a alínea “h” do art. 8.2

da Convenção Americana estabelece a garantia mínima de que “durante o processo, toda

pessoa tem direito, em plena igualdade” ao “direito de recorrer da sentença a juiz ou

tribunal superior”337.

Por exemplo, como o art. 173.15 da Constituição da Nicarágua estabelece que das

decisões do Conselho Supremo Eleitoral “en materia electoral no habrá recurso alguno,

ordinario ni extraordinario”, na Sentença do Caso Yatama Vs. Nicarágua, em 23 de Junho

de 2005, a Corte IDH condenou a Nicarágua a tomar as medidas legislativas ou de outra

natureza em face da referida norma constitucional inconvencional para garantir o direito

ao recurso previsto na CADH nos seguintes termos:

El deber general del Estado de adecuar su derecho interno a las disposiciones de dicha Convención para garantizar los derechos en ella consagrados, establecido en el artículo 2, incluye la expedición de normas y el desarrollo de prácticas conducentes a la observancia efectiva de los derechos y libertades consagrados en la misma, así como la adopción de medidas para suprimir las normas y prácticas de cualquier naturaleza que entrañen una violación a las garantías previstas en la Convención. Este deber general del Estado Parte implica que las medidas de derecho interno han de ser efectivas (principio del effet utile), para lo cual el Estado debe adaptar su actuación a la normativa de protección de la Convención. La Constitución Política de Nicarágua establece en su capítulo VI un Poder Electoral independiente de los otros tres poderes y cuyo órgano de mayor jerarquia es el Consejo Supremo Electoral (artículo 129). La Constitución dispone que respecto de las resoluciones de dicho Consejo en materia electoral “no habrá recurso alguno, ordinario ni extraordinario” (artículo 173.14), la Ley de Amparo estipula que no procede el recurso de amparo “[c]ontra las resoluciones dictadas en matéria electoral” (artículo 51.5), y la Ley Electoral establece que “[d]e las resoluciones definitivas que en materia de partidos políticos dicte el Consejo Supremo Electoral en uso de sus facultades que le confiere la presente Ley, los partidos políticos o agrupaciones solicitantes podrán recurrir de Amparo ante los Tribunales de Justicia” (artículo 76). 172. El 30 de agosto de 2000 los señores Brooklyn Rivera y Centuriano Knight, representantes legales de YATAMA, presentaron ante el Tribunal de Apelaciones de la Región Autónoma del Atlántico Norte, RAAN (Sala Civil, Bilwi), un recurso de amparo administrativo (supra párr. 124.55), con base en el artículo 23 de la Ley de Amparo vigente, en contra de la Resolución de 15 de agosto de 2000, mediante la cual el Consejo Supremo Electoral excluyó a YATAMA de las elecciones municipales de 2000 (supra párr. 124.51). El 25 de octubre de 2000 la Sala de lo Constitucional de la Corte Suprema de Justicia resolvió el recurso de amparo interpuesto, declarándolo improcedente in limine litis (supra párr. 124.61) con fundamento en que no tenía competencia para conocer en materia electoral, ya que la resolución que dictó el

336

Artigo 14.5 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos: Toda pessoa declarada culpada por um delito terá direito de recorrer da sentença condenatória e da pena a uma instância superior, em conformidade com a lei.

337 Artigo 8º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos: Garantias judiciais [...] 2. Toda pessoa

acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: [...] h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior.

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159

Consejo Supremo Electoral se refería a dicha materia y el artículo 173 de la Constitución dispone que contra las resoluciones de dicho órgano no cabrá recurso ordinario ni extraordinario. En esta decisión la Sala de lo Constitucional también señaló que, de conformidad con la sentencia que había emitido el 16 de julio de 1999 en otro caso, las únicas decisiones del Consejo Supremo Electoral recurribles a través del amparo son las relativas a materia administrativa referidas a partidos políticos, aunque no hizo ninguna consideración respecto de las diferencias existentes entre los asuntos relativos a partidos políticos y la materia electoral, ni sobre las razones por las cuales la decisión que YATAMA recurría quedaba comprendida en esta última categoría. 173. No existía ningún recurso judicial contra la decisión que adoptó el Consejo Supremo Electoral el 15 de agosto de 2000 (supra párr. 124.51), por lo cual ésta no podría ser revisada, en caso de que hubiere sido adoptada sin observar las garantias del proceso electoral previsto en la Ley Electoral ni la garantías mínimas previstas en el artículo 8.1 de la Convención, aplicables a dicho proceso. 174. Si bien la Constitución de Nicarágua ha establecido que las resoluciones del Consejo Supremo Electoral en materia electoral no son susceptibles de recursos ordinarios o extraordinarios, esto no significa que dicho Consejo no deba estar sometido a controles judiciales, como lo están los otros poderes del Estado. Las exigencias derivadas del principio de independencia de los poderes del Estado no son incompatibles con la necesidad de consagrar recursos o mecanismos para proteger los derechos humanos. [...] El Estado debe adoptar, dentro de un plazo razonable, las medidas legislativas necesarias para establecer un recurso judicial sencillo, rápido y efectivo que permita controlar las decisiones del Consejo Supremo Electoral que afecten derechos humanos, tales como los derechos políticos, con observancia de las garantías legales y convencionales respectivas, y derogar las normas que impidan la interposición de ese recurso, en los términos de los párrafos 254 y 255 de la presente Sentencia

338.

Seguindo uma tradição do constitucionalismo brasileiro339, as alíneas “b” e “c” do

inciso I do art. 102 da Constituição de 1988, regulamentadas pelos incisos I e II do art. 5º

do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal340, não previam o direito de recurso a

um tribunal superior às pessoas com foro privilegiado julgadas em única e última instância

pelo Plenário do STF, em violação ao disposto no art. 14.5 do Pacto Internacional de

Direitos Civis e Políticos e na alínea “h” do art. 8.2 da Convenção Americana sobre

Direitos Humanos.

As alíneas “b” e “c” do inciso I do art. 102 da Constituição de 1988 possuem a

seguinte redação:

338

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Yatama Vs. Nicarágua. Sentença de 23

de Junho de 2005. Parágrafos 170 e ss. Ponto Resolutivo 9. p. 79, 80 e 111. Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_127_esp.pdf. Acesso em: 16 ago. 2015.

339 Art. 119 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1969; art. 114 da Constituição da

República Federativa do Brasil de 1969; art. 101 da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946; art. 101 da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937; art. 76 da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1934; art. 59 da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1891.

340 Os incisos I e II do art. 5º do Regimento Interno do STF seguiam, em linhas gerais, a tradição do art. 6º

do Regimento Interno de 1970, os arts. 22 e 23 do Regimento Interno de 1940, o art. 16 do Regimento Interno de 1909 e o art. 15 do Regimento Interno de 1890.

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160

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: [...] b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República; [...] c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente.

O Regimento Interno atual do STF, na sua redação original, estabelecia:

Art. 5º Compete ao Plenário processar e julgar originariamente: I – nos crimes comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente da República, os Deputados e Senadores, os Ministros de Estado, os seus próprios Ministros e o Procurador Geral da República; II – nos crimes comuns e de responsabilidade, os Ministros de Estado, salvo o disposto no inciso I do art. 42 da Constituição, os Ministros dos Tribunais Superiores da União, dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os Ministros do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente.

Seguindo o disposto na Constituição de 1988 e em seu Regimento Interno, o

Plenário do STF julgou a Ação Penal n. 470, em única e última instância, sem garantir um

recurso acessível aos condenados, conforme prevê o artigo 14.5 do Pacto Internacional

de Direitos Civis e Políticos e a alínea “h” do art. 8.2 da Convenção Americana sobre

Direitos Humanos.

5.3.1. As tentativas de legitimar a violação do direito humano de recorrer de uma

sentença no julgamento da Ação Penal 470

Durante o julgamento da Ação Penal 470 pelo Supremo Tribunal Federal, foram

apresentados três argumentos para tentar legitimar a violação do direito ao duplo grau de

jurisdição no julgamento da Ação Penal n. 470.

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161

5.3.1.1. O argumento da legítima exceção

O primeiro argumento, apresentado pelo Ministro Celso de Mello, baseado no

pensamento de Luis Flávio Gomes e Valério de Oliveira Mazzuoli, defende que o foro

privilegiado seria uma legítima exceção ao direito humano ao duplo grau de jurisdição.

Segundo Celso de Mello:

A própria jurisprudência internacional, a respeito do princípio do duplo grau de jurisdição, tem reconhecido, como ressaltam, em seus preciosos comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, os professores LUIZ FLÁVIO GOMES e VALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI, em extensa análise do artigo 8º, item 3º, alínea “h”, do Pacto de São José da Costa Rica, que consagra o postulado do duplo grau, que há duas exceções, sendo uma delas a que envolve os processos instaurados perante “o Tribunal Máximo de cada país”, vale dizer, perante a Corte judiciária investida do mais elevado grau de jurisdição, como sucede com o Supremo Tribunal Federal. A mim me parece, desse modo, Senhor Presidente, com toda vênia, que não há que se cogitar de transgressão às cláusulas quer da Convenção Americana de Direitos Humanos quer do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos

341.

Após o voto do Ministro, Luis Flávio Gomes reconheceu como Celso de Mello

analisou bem a jurisprudência da Corte Interamericana com as seguintes palavras:

Quem bem enfocou a questão foi o ministro Celso de Mello, que se valeu da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que excepciona o direito ao duplo grau no caso de competência originária da corte máxima do país. Em eventual reclamação para a citada corte, portanto, a chance de sucesso da defesa, neste ponto, é praticamente nula

342.

No julgamento do 26º Agravo Regimental na Ação Penal n. 470, o Ministro Joaquim

Barbosa fundamenta o relatório do acórdão na jurisprudência da Corte Interamericana

sobre Direitos Humanos citada no voto anterior do Ministro Celso de Mello:

341

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Ação Penal n. 470/MG. Voto do Celso de Mello em 17/12/2012. Questão de ordem na ação Penal nº 470 Decisão sobre preliminar para desmembramento do processo dos réus sem foro privilegiado., p. 51.768. Disponível em: ftp://ftp.stf.jus.br/ap470/InteiroTeor_AP470.pdf Acesso em 17/11/2014. Acesso em: 11 ago. 2015.

342 GOMES, Luiz Flávio. Mensalão: sério risco de anulação. Folha de S. Paulo. 8 ago. 2012.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/59432-mensalao-serio-risco-de-anulacao.shtml Acesso em: 18 nov. 2014.

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162

Nesse sentido, destaco que o ministro Celso de Mello, em cujo voto baseiam-se as razões dos recursos, na oportunidade do julgamento do pedido de cisão do processo-crime em exame, ação Penal n. 470, à luz da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, sustentou, com a clareza que lhe é peculiar, que o duplo grau de jurisdição não se aplica às ações penais originárias de competência da Corte Suprema, conforme trecho que passo a citar: “[...] A própria jurisprudência internacional, a respeito do princípio do duplo grau de jurisdição, tem reconhecido, como ressaltam, em seus preciosos comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, os professores LUIZ FLÁVIO GOMES e VALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI, em extensa análise do artigo 8º, item 3º, alínea “h”, do Pacto de São José da Costa Rica, que consagra o postulado do duplo grau, que há duas exceções, sendo uma delas a que envolve os processos instaurados perante “o Tribunal Máximo de cada país”, vale dizer, perante a Corte judiciária investida do mais elevado grau de jurisdição, como sucede com o Supremo Tribunal Federal.”( Fls. 51.767-51768)

343

Contudo, apesar do entendimento ser citado pelo relator e por outros ministros344,

em nenhum dos casos pesquisados nos quais a Corte IDH enfrentou a questão do duplo

grau de jurisdição345 foi aberta a exceção a que se refere o Ministro Celso de Mello, Luis

Flávio Gomes e Valério de Oliveira Mazzuoli.

Ao contrário, no Caso Barreto Leiva Vs. Venezuela, de 2009, citado por Luis Flávio

Gomes, por Valério de Oliveira Mazzuoli e por Celso de Mello, a Corte IDH

expressamente refutou a possibilidade de existir a essa exceção, ao afirmar que o foro

especial para o julgamento de altos funcionários públicos somente respeitam a alínea “h”

do art. 8.2 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos se permite ao acusado

recorrer da decisão condenatória346. No julgamento do Caso Liakat Ali Alibux Vs.

343

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF) Jurisprudência. Relatório do Acórdão que julgou o 26º Agravo Regimental na Ação Penal 470. p. 18. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=5276407. Acesso em: 13 dez. 2015.

344 Por exemplo, a Ministra Rosa Weber, no seu voto no 26º Agravo Regimental na Ação Penal 470, afirmou

que como “já destacado no curso da presente ação penal pelo eminente decano da Corte, Ministro Celso de Mello, que a competência penal originária dos órgãos hierarquicamente posicionados na cúpula do Poder Judiciário não contraria o "direito de recorrer a uma instância superior", traduzindo exceção legítima ao postulado do duplo grau de jurisdição.” (Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF) Jurisprudência. Voto da Ministra Rosa Weber no Acórdão que julgou o 26º Agravo Regimental na Ação Penal 470. p. 100. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=5276407. Acesso em: 13 dez. 2015.).

345 Analisaram-se os casos Castillo Petruzzi y otros Vs. Peru; Herrera Ulloa Vs. Costa Rica; Barreto Leiva

Vs. Venezuela; Vélez Loor Vs. Panamá; Mohamed Vs. Argentina; Mendoza y otros Vs. Argentina e Liakat Ali Alibux Vs. Suriname.

346 Segundo a Corte IDH, “Si bien los Estados tienen un margen de apreciación para regular el ejercicio de

ese recurso, no pueden establecer restricciones o requisitos que infrinjan la esencia misma del derecho de recurrir del fallo. El Estado puede establecer fueros especiales para el enjuiciamiento de altos funcionarios públicos, y esos fueros son compatibles, en principio, con la Convención Americana (supra párr. 74). Sin embargo, aun en estos supuestos el Estado debe permitir que el justiciable cuente con la posibilidad de recurrir del fallo condenatorio. Así sucedería, por ejemplo, si se dispusiera que el juzgamiento en primera

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163

Suriname (2014), a Corte IDH explicou que o art. 2.2 do Protocolo n. 7 à Convenção

Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais347,

que criou a exceção no âmbito do Sistema Europeu de Direitos Humanos, não se aplica

ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos348.

Além disso, o Comitê de Direitos Humanos da ONU, na análise do art. 14.5 do

Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, entendeu que o direito humano ao duplo

grau de jurisdição somente pode ser descumprido por um Estado se este houver ratificado

o tratado com reservas349, o que não é o caso do Brasil.

instancia estará a cargo del presidente o de una sala del órgano colegiado superior y el conocimiento de la impugnación corresponderá al pleno de dicho órgano, con exclusión de quienes ya se pronunciaron sobre el caso.” (Cf. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Barreto Leiva Vs. Venezuela. Sentença de 2009. Parágrafo 90. p. 19. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/cf/Jurisprudencia2/index.cfm?lang=es. Acesso em 3 set. de 2015.)

347 O art. 2.2 do Protocolo n. 7 à Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das

Liberdades Fundamentais possui a seguinte redação: “1. Qualquer pessoa declarada culpada de uma infração penal por um tribunal tem o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade ou a condenação. O exercício deste direito, bem como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido, são regulados pela lei. 2. Este direito pode ser objeto de excepções em relação a infracções menores, definidas nos termos da lei, ou quando o interessado tenha sido julgado em primeira instância pela mais alta jurisdição ou declarado culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição.” 348

Parágrafo 95 e 96 da Decisão do Caso Liakat Ali Alibux Vs. Suriname (2014): “95. La Corte considera pertinente referirse a lo alegado por el Estado en el sentido que el juzgamiento de autoridades que ejercen altos cargos públicos en primera y única instancia, no es, por definición, violatorio del principio generalmente aceptado del derecho a recurrir del fallo, con base en el artículo 2, inciso 2 del Protocolo 7110 del CEDH (supra párr. 81). Ahora bien, sin perjuicio de que el CEDH no se aplica a los Estados de la región, la Corte observa que el mismo ejerce una fuerte influencia y sirve de referencia jurídica del derecho europeo en Suriname en razón de su historia. 96. Al respecto, el artículo 2, inciso 2 del Protocolo 7, establece expresamente una excepción al derecho a recurrir el fallo, en supuestos donde la persona es condenada en primera instancia por un tribunal superior. Sin embargo, tal como se estableció en el caso Mohamed Vs. Argentina “la Corte no coincide con el alcance [que se pretende otorgar a la] norma del Sistema Europeo para interpretar la correspondiente norma de la Convención Americana, ya que precisamente esta última no previó excepciones como sí lo hizo expresamente la disposición del Sistema Europeo”. En este sentido, el Tribunal no considera que la excepción contenida en el sistema europeo pueda aplicarse al presente caso.” (Cf. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Liakat Ali Alibux Vs. Suriname. Sentença de 30 de janeiro de 2015. Parágrafo 95-96. p. 32. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/cf/Jurisprudencia2/index.cfm?lang=es. Acesso em: 3 set. 2015.) 349

“La única excepción a esta regla que el Comité ha aceptado fue formulada de la siguiente manera:Cuando el tribunal más alto de un país actúa como primera y única instancia, la ausenciade todo derecho a revisión por un tribunal superior no queda compensada por el hecho de haber sido juzgado por el tribunal de mayor jerarquía del Estado Parte; por el contrario, tal sistema es incompatible con el Pacto, a menos que el Estado Parte interesado haya formulado una reserva a ese efecto47 (resaltado fuera del original)”. (Cf. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Liakat Ali Alibux Vs. Suriname. Sentença de 30 de janeiro de 2015. Parágrafo 96. p. 32. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/cf/Jurisprudencia2/index.cfm?lang=es. Acesso em: 3 set. 2015.).

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Sendo assim, no âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, não

existe a exceção que consta do livro de Luiz Flávio Gomes e Valério de Oliveira Mazzuoli

e dos votos de Celso de Mello, Joaquim Barbosa e Rosa Weber.

5.3.1.2. O argumento dos embargos infringentes

O segundo argumento foi criado durante o julgamento da Ação Penal n. 470. Após

o Ministro Joaquim Barbosa negar a vigência dos embargos infringentes, previstos no art.

333 do Regimento Interno do STF, para um dos réus, o Professor Luiz Flávio Gomes

escreveu um artigo no qual defendeu que os embargos infringentes deveriam ser

permitidos pela necessidade de possibilitar o cumprimento, pelo STF, do direito ao duplo

grau de jurisdição, previsto na alíne “h” do art. 8.2 da Convenção Americana sobre

Direitos Humanos350. Por isso, segundo o professor, o Plenário do STF deveria garantir

para todos os réus da Ação Penal n. 470 o direito ao referido recurso351.

De acordo com Luiz Flávio Gomes:

com os embargos infringentes cumpre-se o duplo grau de jurisdição garantido tanto pela Convenção Americana dos Direitos Humanos (art. 8º, 2, h) bem como pela jurisprudência da Corte Interamericana (Caso Barreto Leiva) [...]. Pelos três fundamentos expostos

352, minha opinião é no sentido de que o Min.

Joaquim Barbosa (que já rejeitou os embargos infringentes de Delúbio), mais uma vez, não está na companhia do melhor direito. O tema vai passar pelo Plenário, onde, certamente, Joaquim Barbosa pode sair derrotado, devendo preponderar o pensamento do Min. Celso de Mello, que já se manifestou no sentido do cabimento dos embargos infringentes, invocando parte dos argumentos acima recordados

353.

350

GOMES, Luiz Flávio. Mensalão e embargos infringentes: o direito ao melhor direito. Jusbrasil. 2013. Disponível em: http://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/121931931/mensalao-e-embargos-infringentes-o-direito-ao-melhor-direito Acesso em: 1 nov. 2014.

351 GOMES, Luiz Flávio, 2013, op. cit.

352 Os dois outros argumentos eram a proibição do retrocesso e a existência de dúvida sobre se os referidos

recursos tinham sido (ou não) revogados.

353 GOMES, Luis Flávio. 2013, op. cit.

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Com a Ministra Rosa Weber afirmando que os embargos infringentes guardam

“harmonia com o espírito”354 da alínea “h” do art. 8.2 da Convenção Americana sobre

Direitos Humanos e com o art. 14.5 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e

Políticos355 e com o Ministro Teori Zavascki salientando que a interpretação pela

admissão dos embargos infringentes “é a que atende, de modo concreto, os

compromissos assumidos pelo Brasil”356 em face das cláusulas do Pacto de San José da

Costa Rica357, o relatório do Ministro Joaquim Barbosa foi rejeitado pelo Plenário do STF

e os embargos infringentes foram admitidos.

354

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF) Jurisprudência. Voto da Ministra Rosa Weber no Acórdão que julgou o 26º Agravo Regimental na Ação Penal 470. p. 101. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=5276407. Acesso em: 13 dez. 2015.

355 Segundo a Ministra Rosa Weber, “ademais, já destacado no curso da presente ação penal pelo eminente

decano da Corte, Ministro Celso de Mello, que a competência penal originária dos órgãos hierarquicamente posicionados na cúpula do Poder Judiciário não contraria o "direito de recorrer a uma instância superior", traduzindo exceção legítima ao postulado do duplo grau de jurisdição.” (Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF) Jurisprudência. Voto da Ministra Rosa Weber no Acórdão que julgou o 26º Agravo Regimental na Ação Penal 470. p. 100. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=5276407. Acesso em: 13 dez. 2015.

356 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF) Jurisprudência. Voto do Ministro Teori Zawaski no Acórdão

que julgou o 26º Agravo Regimental na Ação Penal 470. p. 87. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=5276407. Acesso em: 13 dez. 2015.

357Segundo o Ministro Teori Zavascki: “o reconhecimento da recorribilidade das sentenças condenatórias

proferidas em ações penais originárias é interpretação que melhor se harmoniza com a proteção consagrada no artigo 8.2,h da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica, promulgado pelo Decreto 678, de 06.11.92), que assegura, como “garantia mínima” de toda a pessoa, o “direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior”. Na interpretação que lhe confere a Corte Interamericana de Direitos Humanos, recentemente reafirmada em sentença de 23 de novembro de 2012 (caso Mohamed Vs. Argentina), essa garantia mínima tem o alcance normativo de assegurar direito a recurso até mesmo em casos em que a condenação penal seja imposta por um tribunal, provocado por recurso contra anterior sentença absolutória. Diz a sentença, a esse propósito: “Sobre este aspecto del derecho a recurrir del fallo, tanto la Comisión como los representantes (supra párrs. 65 y 67) entienden que es una garantía establecida a favor del acusado y que, com independencia de que la sentencia condenatoria hubiere sido impuesta en única, primera o segunda instancia, debe garantizarse el derecho de revisión de esa decisión por medio de un recurso que cumpla con los estándares desarrollados por la Corte en su jurisprudencia. (...) 92. Teniendo en cuenta que las garantías judiciales buscan que quien esté incurso en un proceso no sea sometido a decisiones arbitrarias, la Corte interpreta que el derecho a recurrir del fallo no podría ser efectivo si no se garantiza respecto de todo aquél que es condenado, ya que la condena es la manifestación del ejercicio Del poder punitivo del Estado. Resulta contrario al propósito de esse derecho específico que no sea garantizado frente a quien es condenado mediante una sentencia que revoca una decisión absolutoria. Interpretar lo contrario, implicaría dejar al condenado desprovisto de un recurso contra la condena. Se trata de una garantía del individuo frente al Estado y no solamente una guia que orienta el diseño de los sistemas de impugnación en los ordenamientos jurídicos de los Estados Partes de la Convención)”. Por isso se enfatiza, independentemente do juízo que se possa fazer a respeito dessa recente decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que a interpretação pela admissão do recurso, no caso em exame, é a que atende, de modo concreto, os compromissos assumidos pelo Brasil perante a comunidade das nações, especialmente em face das cláusulas do Pacto de San José da Costa Rica.” (Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF) Jurisprudência. Voto do Ministro Teori Zawaski no Acórdão que julgou o 26º Agravo Regimental na Ação Penal 470. p. 87. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=5276407. Acesso em: 13 dez. 2015.).

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Contudo, tais embargos são insuficientes para garantir o respeito ao direito humano

ao duplo grau de jurisdição pelo fato de a Corte IDH possuir o entendimento de que o

direito humano ao duplo grau de jurisdição somente pode ser respeitado quando o direito

ao recurso é acessível358, possa ser exercido sem restrições359 ou formalidades360,

permita a revisão integral da decisão361 e seja julgado por juízes que não participaram

primeiro julgamento.

Segundo a Corte IDH:

la jurisprudencia de esta Corte ha sido enfática al señalar que el derecho a impugnar el fallo busca proteger el derecho de defensa, en la medida en que otorga la posibilidad de interponer un recurso para evitar que quede firme una decisión adoptada en un procedimiento viciado y que contiene errores que ocasionarán un perjuicio indebido a los intereses del justiciable. La doble conformidad judicial, expresada mediante la íntegra revisión del fallo condenatorio o sancionatorio, confirma el fundamento y otorga mayor credibilidad al acto jurisdiccional del Estado, y al mismo tiempo brinda mayor seguridad y tutela a los derechos del condenado. En este sentido, el derecho a recurrir del fallo, reconocido por la Convención, no se satisface con la mera existencia de un órgano de grado superior al que juzgó y emitió el fallo condenatorio o sancionatorio, ante el que la persona afectada tenga o pueda tener acceso. Para que haya una verdadera revisión de la sentencia, en el sentido requerido por la Convención, es preciso que el tribunal superior reúna las características jurisdiccionales que lo legitiman para conocer del caso concreto. Sobre este punto, si bien los Estados tienen cierta discrecionalidad para regular el ejercicio de ese recurso, no pueden establecer restricciones o requisitos que infrinjan la esencia misma del derecho a recurrir del fallo. La posibilidad de ―recurrir del fallo‖ debe ser accesible, sin requerir mayores complejidades que tornen ilusorio este derecho

362.

358

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Herrera Ulloa Vs. Costa Rica. Sentença de 2 de julho de 2004. Parágrafo 164. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/cf/Jurisprudencia2/index.cfm?lang=es. Acesso em: 3 set. 2015.

359 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Vélez Loor Vs. Panamá. Sentença de 23

de novembro de 2010. Parágrafo 179. p. 57. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/cf/Jurisprudencia2/index.cfm?lang=es. Acesso em: 3 set. 2015.

360 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Herrera Ulloa Vs. Costa Rica. Sentença

de 2 de julho de 2004. Parágrafo 164. p. 82. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/cf/Jurisprudencia2/index.cfm?lang=es. Acesso em: 3 set. 2015.

361 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Liakat Ali Alibux Vs. Suriname. Sentença

de 30 de janeiro de 2014. Parágrafo 86. p. 29. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/cf/Jurisprudencia2/index.cfm?lang=es. Acesso em: 3 set. 2015.

362 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Vélez Loor Vs. Panamá. Sentença de 23

de novembro de 2010. Parágrafo 179. p. 57. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/cf/Jurisprudencia2/index.cfm?lang=es. Acesso em: 3 set. 2015.

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Como esses embargos são um recurso previsto no art. 333 do Regimento Interno

do STF, pelo qual somente as decisões não unânimes do Plenário363 que tiveram, no

mínimo, quatro votos divergentes364, podem ser realizadas pelos mesmos juízes do

Plenário do STF que a julgaram inicialmente, o referido embargo não permite o

cumprimento do direito humano ao duplo grau de jurisdição na forma como ele foi

interpretado pela Corte IDH.

Portanto, os embargos infringentes não permitiram o cumprimento pelo Supremo

Tribunal Federal do direito humano a recorrer de uma sentença no julgamento da Ação

Penal 470.

5.3.1.3. O argumento da hierarquia

O terceiro argumento foi o apresentado pelos ministros Luiz Fux e Gilmar Mendes.

Para os referidos ministros, no Julgamento da Ação Penal n. 470, o STF não violou os

tratados internacionais que estabelecem o direito a um recurso aos condenados porque

os tratados de direitos humanos se submetem à Constituição365, que, segundo os

ministros, proibiu recursos nos julgamentos dos réus da Ação Penal n. 470 com foro

privilegiado por não prever um tribunal ad qua366.

De acordo com Gilmar Mendes, a Convenção Americana sobre Direitos possui

hierarquia supralegal no ordenamento jurídico brasileiro, ou seja, no caso de um conflito

363

Também cabem embargos infringentes de decisão não unânime de turma.

364 Parágrafo único do art. 333 do Regimento Interno do STF.

365 Segundo Luiz Fux, ocorre a “prevalência da Constituição, no Direito brasileiro, sobre quaisquer

convenções internacionais, incluídas as de proteção aos direitos humanos, que impede, no caso, a pretendida aplicação da norma do Pacto de São José: motivação. II. A Constituição do Brasil e as convenções internacionais de proteção aos direitos humanos: prevalência da Constituição que afasta a aplicabilidade das cláusulas convencionais antinômicas.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF) Jurisprudência. Voto do Ministro Luiz Fux no Acórdão que julgou o 26º Agravo Regimental na Ação Penal 470. p. 122. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=5276407. Acesso em: 13 dez. 2015.).

366 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF) Jurisprudência. Voto do Ministro Gilmar Mendes no Acórdão

do 26º agravo regimental na Ação Penal n. 470. p. 209. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=5276407. Acesso em: 13 dez. 2015.

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hierárquico entre o tratado, que prevê o direito ao recurso, e a Constituição, que proíbe o

recurso, prevalece a norma constitucional367.

Segundo o Ministro:

o Tratado de direitos humanos tem que se harmonizar com o Texto Constitucional. [...] os tratados também se submetem às normas constitucionais e devem ser interpretados segundo a Constituição. Em outras palavras, não são as competências constitucionais que devem se amoldar ao art. 8.2.h do Pacto de San Jose da Costa Rica, são normas internacionais que devem ser interpretadas segundo os ditames da Carta Magna, uma vez que estas só se implementam quando respeitadas as normas constitucionais. No caso, a interpretação que melhor acomoda o art. 102, I, “b”, da CF/1988 e o duplo grau de jurisdição, prevista no art. 8.2.h do Pacto de San Jose da Costa Rica, sem dúvida, ressalta a proteção diferenciada do foro por prerrogativa de função. Portanto, como já assentado por esta Corte no julgamento do RHC 79.785, de relatoria do Min. Sepúlveda Pertence: “toda a vez que a Constituição prescreveu para determinada causa a competência originária de um Tribunal, de duas uma: ou também previu o recurso ordinário de sua decisão (CF, arts. 102, II, a; 105, II, a e b; 121, §4º, III, IV e V) ou, não o tendo estabelecido, é que o proibiu”. De toda sorte, “à falta de órgãos jurisdicionais ad qua, no sistema constitucional, indispensáveis a viabilizar a aplicação do princípio do duplo grau de jurisdição aos processos de competência originária dos Tribunais, segue-se a incompatibilidade com a Constituição da aplicação no caso de norma internacional de outorga da garantia invocada” (RHC 79.785)

368.

Diferentemente do que defendem os Ministros Gilmar Mendes e Luiz Fux, não é a

Convenção Americana sobre Direitos Humanos que deve se almodar à norma

constitucional, para que o STF proíba direitos humanos das pessoas sob a jurisdição do

Poder Judiciário brasileiro; é a Constituição de 1988 que deve ser interpretada (ou

emendada) para que os direitos humanos previstos nos tratados internacionais

prevaleçam sobre as normas nacionais (constitucionais ou infraconstitucionais) que os

violem.

O Brasil somente poderia deixar de cumprir com a alínea “h” do art. 8.2 da

Convenção Americana sobre Direitos Humanos e com o art. 14.5 do Pacto Internacional

de Direitos Civis e Políticos se tivesse celebrado os tratados com reservas, como, por

367

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF) Jurisprudência. Voto do Ministro Gilmar Mendes no Acórdão do 26º agravo regimental na Ação Penal n. 470. p. 207. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=5276407. Acesso em: 13 dez. 2015.

368 Ibid.

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exemplo, fez a Itália que, ao ratificar o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos,

expressamente fez reservas ao disposto no art. 14.5369.

Ao ratificar os referidos tratados sem reservas, o Brasil assumiu a obrigação de

respeitar os direitos humanos, adequar o seu direito interno, bem como realizar o controle

de convencionalidade das normas inconvencionais.

A necessidade de se emendar a Constituição de 1988 para adequá-la à Convenção

Americana sobre Direitos Humanos foi percebida pelo Ministro Teori Zavascki, na decisão

do 26º Agravo Regimental da Ação Penal n. 470:

Convém registrar, finalmente, que a garantia assegurada nesse Pacto, relativa ao direito de toda a pessoa de recorrer da sentença penal que lhe imponha uma condenação, é mais uma forte razão a determinar a impostergável necessidade de reforma da nossa Constituição, que leve a eliminar ou, ao menos, a reduzir drasticamente, as inúmeras hipóteses de competência de foro por prerrogativa de função perante o Supremo Tribunal Federal. É importante que também essa, entre as muitas outras, seja uma eloquente lição a ser retirada do julgamento da presente ação penal.”

370

Além disso, ao contrário do que afirmaram os referidos ministros, a inexistência de

um tribunal ad qua também não é um impedimento para o respeito ao direito humano ao

duplo grau de jurisdição. Ao contrário do que afirmou o Ministro Gilmar Mendes, o respeito

ao direito humano ao duplo grau de jurisdição não depende da existência de um tribunal

ad qua. A Corte IDH explicitou a compatibilidade do disposto na alínea “h” do art. 8.2 da

Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a existência do foro privilegiado. No

Julgamento do Caso Barreto Leiva Vs. Venezuela (2009), a Corte IDH decidiu que a

existência de foros especiais para julgamento de altos funcionários públicos é compatível,

em princípio, com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, desde que exista a

possibilidade de se recorrer da decisão condenatória. Por exemplo, segundo a

jurisprudência da Corte IDH, seria compatível com a Convenção Americana sobre Direitos

Humanos a realização de um primeiro julgamento pelo Presidente ou por uma Turma do

369

Comitê de Direitos Humanos, Comunicação nº. 75/1980, Duilio Fanali v. Italia, ONU, 31 de março de 1983.

370 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF) Jurisprudência. Voto do Ministro Teori Zawaski no Acórdão

que julgou o 26º Agravo Regimental na Ação Penal 470. p. 87. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=5276407. Acesso em: 13 dez. 2015.

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STF, cabendo recurso dessa decisão ao Plenário do STF, com exclusão dos ministros

que prolataram a primeira decisão371.

Na decisão do Caso Liakat Ali Alibux Vs. Suriname (2014), a Corte IDH apresentou

outras formas jurídicas para compatibilizar o direito humano ao duplo grau de jurisdição

ao foro privilegiado.372

Segundo a Corte Interamericana existem as seguintes possibilidades de tornar

compatível o direito de recorrer de uma sentença com a existência do foro privilegiado:

a) cuando una Sala Penal de la Corte Suprema de Justicia es la que juzga en primera instancia, para que luego el Pleno de la misma, sea la instancia que revise el recurso interpuesto; b) cuando una determinada Sala de la Corte Suprema juzga en primera instancia y otra Sala, de distinta composición, resuelve el recurso presentado, y c) cuando una Sala conformada por un número determinado de miembros juzga en primera instancia y otra Sala conformada por un número mayor de jueces que no participaron en el proceso de primera instancia, resuelva el recurso.

Portanto, não se sustentam o argumento do Ministro Gilmar Mendes e do Ministro

Luiz Fux de que a existência de uma relação hierárquica entre a Constituição de 1988 e

os tratados internacionais sobre direitos humanos permitiria ao Supremo Tribunal Federal

violar o direito humano de recorrer de uma sentença a um juiz ou tribunal superior.

5.3.2. A tentativa de tornar compatível o Regimento Interno do STF ao direito

humano previsto na alínea “h” do art. 8.2 da Convenção Americana de

Direitos Humanos

Como não se sustentam nenhuma das três teses defendidas pelos ministros do

Supremo Tribunal Federal para tentar legitimar o julgamento da Ação Penal n. 470

perante a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a jurisprudência da Corte

371

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Barreto Leiva Vs. Venezuela. Sentença de 2009. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/cf/Jurisprudencia2/index.cfm?lang=es. Parágrafo 90. Acesso em 3 set. de 2015.

372 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Liakat Ali Alibux Vs. Suriname. Sentença

de 30 de janeiro de 2014. Parágrafo 98. p. 32. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/cf/Jurisprudencia2/index.cfm?lang=es. Acesso em: 3 set. 2015.)

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171

IDH, o direito humano previsto na alínea “h” do art. 8.2 da CADH foi violado pelo Supremo

Tribunal Federal.

Por isso, após o julgamento da Ação Penal n. 470, o STF modificou o seu

Regimento Interno, adequando parcialmente o foro privilegiado previsto nas alíneas “b” e

“c” do inciso I do art. 102 da Constituição de 1988 ao disposto na alínea “h” do art. 8.2 da

Convenção Americana sobre Direitos Humanos ao disposto no art. 14.5 do Pacto

Internacional de Direitos Civis e Políticos.

O Supremo Tribunal Federal, por meio da Emenda Regimental n. 49/2014,

transferiu a competência do julgamento, do Plenário para as turmas, nos crimes comuns,

dos Deputados e Senadores, e, nos crimes comuns e de responsabilidade, dos Ministros

de Estado e dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, dos membros

dos Tribunais Superiores, dos membros do Tribunal de Contas da União e dos chefes de

missão diplomática de caráter permanente373, revogando o inciso II do art. 5º e inserindo

as alíneas “j” e “k” ao art. 9º do Regimento Interno do STF.

Com o primeiro julgamento das referidas autoridades sendo feito pelas turmas do

STF, em tese, poderia haver um recurso para o Plenário e, assim, o cumprimento pelo

Estado brasileiro do disposto na alínea “h” do art. 8.2 da Convenção Americana sobre

Direitos Humanos e ao art. 14.5 do Pacto de Direitos Civis e Políticos, na forma da

jurisprudência da Corte IDH.

Contudo, conforme se expôs anteriormente, como das decisões das turmas nas

acções penais cabem embargos para o Plenário do STF somente na hipótese das

decisões não serem unânimes (art. 6º, IV374, e art. 333, I375 do Regimento Interno do

373

As alíneas “j” e “k” do art. 9º do Regimento Interno do STF ficaram com a seguinte redação: Art. 9º Além

do disposto no art. 8º, compete às Turmas: I – processar e julgar originariamente: [...] j) nos crimes comuns,

os Deputados e Senadores, ressalvada a competência do Plenário, bem como apreciar pedidos de

arquivamento por atipicidade de conduta; k) nos crimes comuns e de responsabilidade, os Ministros de

Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, da

Constituição Federal, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes

de missão diplomática de caráter permanente, bem como apreciar pedidos de arquivamento por atipicidade

da conduta.

374 O inciso IV do art. 6º do Regimento Interno do STF possui a seguinte redação: “Art. 6º Também compete

ao Plenário: [...] IV – julgar, em grau de embargos, os processos decididos pelo Plenário ou pelas Turmas,

nos casos previstos neste regimento;”.

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172

STF)376, o que viola o entendimento da Corte IDH de que recurso deve ser acessível377,

sem restrições378 ou formalidades379 e permita a revisão integral da decisão recorrida380;

bem como foi mantida a redação do art. 5º, I, que prevê a competência do Plenário do

STF para processar e julgar originariamente nos crimes comuns o Presidente da

República, o Vice-Presidente da República, o Presidente do Senado Federal, o Presidente

da Câmara dos Deputados, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e o Procurador-

Geral da República, permanece a incompatibilidade das alíneas “b” e “c” do inciso I do art.

102 da Constituição de 1988, regulamentadas atualmente pelos incisos I do art. 5º e

alíneas “j” e “k” do inciso I do art. 9º381 do Regimento Interno do STF, com a alínea “h” do

375

O inciso I do art. 333 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal possui a seguinte redação: “Art.

333. Cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma: I – que julgar

procedente a ação penal;”.

376 Os dois outros embargos previstos no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal são os embargos

de divergência e os embargos de declaração. Os embargos de divergência, nos termo do art. 330, são

cabíveis em face de “decisão de Turma que, em recurso extraordinário ou em agravo de instrumento,

divergir de julgado de outra Turma ou do Plenário na interpretação do direito federal”, devendo a

divergência, nos termos do art. 331, ser “comprovada mediante certidão, cópia autenticada ou pela citação

do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que tiver sido

publicada a decisão divergente, ou ainda pela reprodução de julgado disponível na internet, com indicação

da respectiva fonte, mencionando, em qualquer caso, as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os

casos confrontados.” Os embargos de declaração são cabíveis, quando houver no acórdão obscuridade,

dúvida, contradição ou omissão que devam ser sanadas.

377 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Herrera Ulloa Vs. Costa Rica. Sentença

de 2 de julho de 2004. Parágrafo 164. p. 82. Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/cf/Jurisprudencia2/index.cfm?lang=es. Acesso em: 3 set. 2015.

378 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Vélez Loor Vs. Panamá. Sentença de 23

de novembro de 2010. Parágrafo 179. p. 57. Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/cf/Jurisprudencia2/index.cfm?lang=es. Acesso em: 3 set. 2015.

379 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Herrera Ulloa Vs. Costa Rica. Sentença

de 2 de julho de 2004. Parágrafo 164. p. 82. Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/cf/Jurisprudencia2/index.cfm?lang=es. Acesso em: 3 set. 2015.

380 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Liakat Ali Alibux Vs. Suriname. Sentença

de 30 de janeiro de 2014. Parágrafo 86. p. 29. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/cf/Jurisprudencia2/index.cfm?lang=es. Acesso em: 3 set. 2015.

381 A alíneas “j” e “k” do art. 9º do Regimento Interno do STF ficaram com a seguinte redação: Art. 9º Além

do disposto no art. 8º, compete às Turmas: I – processar e julgar originariamente: [...] j) nos crimes comuns, os Deputados e Senadores, ressalvada a competência do Plenário, bem como apreciar pedidos de arquivamento por atipicidade de conduta; k) nos crimes comuns e de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, da Constituição Federal, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente, bem como apreciar pedidos de arquivamento por atipicidade da conduta.

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173

art. 8.2 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o art. 14.5 do Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.

Portanto, apesar da tentativa de adequação, as referidas normas permanecem

sendo normas constitucionais inconvencionais, bem como o Supremo Tribunal Federal

continua a violar o direito humano de recorrer de uma sentença.

5.4. A anistia e a inconvencionalidade da Emenda Constitucional n. 26/1985

5.4.1. As Forças Armadas como um poder supraconstitucional

Desde que surgiram as últimas dimensões de controle do Estado, tem havido um

vigoroso debate doutrinário, jurídico e político sobre qual órgão teria a competência para

ser o Guardião da Constituição.

O Guardião da Constituição pode ser definido como uma instituição por meio da

qual seja controlada a conformidade à Constituição de certos atos do Estado –

particularmente do Parlamento, do Governo382 e do Judiciário –, ou seja, é o órgão que

possui competência para garantir que todos os atos estatais estejam de acordo com a

norma fundamental (escrita ou não escrita) do Estado.

Várias teorias foram propostas, diversas experiências tentadas. Nos Estados

Unidos, em 1788, por exemplo, Hamilton defendeu a teoria de que a defesa da

Constituição caberia ao Poder Judiciário, de maneira difusa, afirmando que a completa

independência das cortes é peculiarmente essencial para uma constituição limitadora do

Estado.383 Seguindo esse entendimento, desde 1803, com a decisão no Caso Marbury

Vs. Madison, a Suprema Corte, de fato, tem sido a guardiã da Constituição de 1787 e,

desde então, tem resolvido, em última instância, os conflitos jurídico-políticos norte-

americanos.

382

KELSEN, Hans. Quem deve ser o guardião da Constituição? Jurisdição Constitucional. São Paulo:

Martins Fontes, 2003, p. 245.

383 HAMILTON, Alexander. op. cit.

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174

No Reino Unido, apesar de algumas experiências nas quais houve o controle

judicial das normas384, após a Revolução Gloriosa (1688), consagrou-se a doutrina da

supremacia do Parlamento. Em 1770, Wilian Blackstone descreveu o resultado da

evolução do direito inglês, afirmando que o poder do Parlamento é absoluto e sem

controle385.

Desde então, apesar das reformas introduzidas na passagem do Século XX para o

Século XXI, que ampliaram da integração europeia386, reconheceram a Convenção

Europeia de Direitos Humanos387 e criaram a Suprema Corte388, as mais importantes

decisões políticas da Inglaterra, que não possui constituição escrita, têm sido tomadas

pelo Parlamento389.

No início do Século XX, Carl Schmitt critica a democracia parlamentar, afirmando

que a lei é somente a vontade da maioria momentânea390. Segundo o jurista, a própria

rigidez da Constituição de Weimar, que exige maioria de dois terços para ser modificada,

não passa de uma questão matemática. Para modificar a Constituição de Weimar, era

necessária a maioria de dois terços, ou seja, 66,66 dos votos. Portanto, com uma

diferença de 15,66 por 100 (que, matematicamente falando, é uma questão tão-somente

quantitativa) era possível a modificação da Constituição. De acordo com o jurista, os

384

Para maiores esclarecimento sobre o controle judicial das normas no Reino Unido, Cf. MORAIS, Carlos Blanco de. Justiça Constitucional. Tomo I. Garantia da Constituição e controlo da constitucionalidade. Coimbra: Coimbra, 2006. p. 291. VIANA PACHECO, Pablo, op. cit. p. 30.

385 BLAKSTONE, Wilian. op. cit.

386 O European Communities Act, de 1972, atribuiu uma hierarquia especial ao direito comunitário em face

das normas internas. (Disponível em: http://www.legislation.gov.uk/ukpga/1972/68/pdfs/ukpga_19720068_en.pdf. Acesso em: 4 jun. 2015). Além disso, em 1991, no caso Factortame Ltda. Vs. Secretary of State for Transport, foi decidido que o Reino Unido devia respeitar as normas de direito comunitário. (Disponível em: http://www.bailii.org/eu/cases/EUECJ/1991/C22189.html. Acesso em: 4 jun. 2015).

387 Com o Human Rigts Act, de 1998, os tribunais ingleses passaram a poder analisar a compatibilidade das

leis inglesas com a Convenção Europeia de Direitos Humanos, sem, contudo, poder declarar a nulidade da norma ou gerar qualquer obrigação legal ao Parlamento para alterar ou revogar a legislação. (Disponível em: http://www.legislation.gov.uk/ukpga/1998/42/pdfs/ukpga_19980042_en.pdf. Acesso em: 4 jun. 2015).

388 Ademais, em 2005, foi criado a Suprema Corte do Reino Unido, que passou a funcionar em 2009. Essas

reformas, realizadas na passagem do Século XX para o Século XXI, ampliaram o poder das cortes em face do Parlamento do Reino Unido e mudaram a antiga concepção exposta no pensamento de Blackstone de que o Parlamento inglês era “absoluto e sem controle”.

389 Para maiores informações sobre a ascensão do Parlamento Inglês, ver VIANA PACHECO, Pablo, op.

cit., p. 24-35.

390 SCHIMITT, Carl. Legalidad y legitimidad. Madri: Aguilar, 1968, p. 63.

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15,66 a mais eram somente um freio mínimo que não contém em si nenhum princípio

geral de justiça ou de razão. Assim, de acordo com Schmitt, é uma classe especial de

justiça declarar que uma maioria é tanto melhor e mais justa, quanto maior seja. Crer

nisso é afirmar em abstrato que 98 homens maltratarem 2 não é tão injusto quanto 51

maltratarem 49. A matemática pura se converte aqui em desumanidade pura, diz

Schmitt391.

Após Hans Kelsen defender a teoria de que caberia a um Tribunal Constitucional,

de maneira concentrada, a guarda da constituição, Carl Schmitt escreve um artigo no qual

afirma que, com a existência de uma aristocracia de toga, ocorre uma indesejável

politização da justiça, na qual a política não tinha nada a ganhar e a justiça tinha tudo a

perder. Defende que o guardião da constituição seria o Presidente do Reich, pois ele,

eleito por todo o povo, estaria destinado a defender a unidade do povo como um todo

político. Para Schmitt, o Presidente do Reich concentraria as forças do Estado e atuaria

como um contrapeso ao pluralismo dos grupos de poder social e econômico. Assim,

ligando-se diretamente à vontade geral do povo, atuaria como guardião e defensor da

unidade e integridade constitucional do povo alemão392.

As consequências da experiência alemã de colocar o Chefe do Poder Executivo

como “Guardião da Constituição” de Weimar (1919) levaram a Alemanha a adotar um

Tribunal Constitucional como Guardião da Constituição de 1949. Desde então, mesmo na

complexidade de um mundo cada vez mais transconstitucional, o Tribunal Constitucional

Federal Alemão tem decidido os conflitos jurídico-políticos alemães.

O Brasil, contudo, seguiu um caminho distinto. Ao longo da história, nem o

Parlamento, nem o Presidente, nem o Poder Judiciário, tiveram força para decidir, de

maneira perene e estável, os maiores conflitos jurídicos e políticos brasileiros.

No Brasil, coube às Forças Armadas a posição de árbitros finais dos conflitos

jurídicos e políticos nacionais393. Seguindo uma tradição do constitucionalismo latino-

391

SCHIMITT, Carl. Legalidad y legitimidad. Madri: Aguilar, 1968, p. 63.

392 VIANA PACHECO, Pablo. op. cit., p. 115-124.

393 Thomas Skidmore afirma que os militares são no Brasil os “arbitros finais dos conflitos políticos” (Cf.

SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo. 12.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 51.).

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176

americano394, as Forças Armadas se impuseram como uma instituição acima da

constituição, das leis e dos direitos humanos, ou seja, impuseram-se como um poder (de

fato) supraconstitucional.

É possível se definir um poder como supraconstitucional quando este se coloca

hierarquicamente acima da constituição e, em caso de conflito, entre o poder e a

constituição, prevalece o primeiro em detrimento da última, ou seja, pode-se afirmar que

um poder é, de fato, supraconstitucional quando, pelos fatos ou pelo direito, impõe-se

como hierarquicamente superior à constituição. Dessa superioridade hierárquica decorre

que, em caso de conflito com a constituição, prevalece o poder em detrimento da

constituição.

Pode-se afirmar que as Forças Armadas exerceram um poder de fato

supraconstitucional, no Brasil, nos últimos séculos, pelo fato de que, quando houve

conflito entre as normas escritas nas constituições brasileiras e a vontade das Forças

Armadas, prevaleceu esta última395. As Forças Armadas decidiram, em diversas ocasiões,

em “última instância”, independentemente do que estava previsto nas normas escritas,

sobre a vigência das constituições e dos direitos fundamentais; exerceu (e delegou) o

poder constituinte; elaborou constituições; revogou constituições; destituiu chefes de

Estado eleitos constitucionalmente e instituiu chefes de Estado; colocou em recesso (e

retirou do recesso) o Poder Legislativo; cassou parlamentares, juízes e ministros do

Supremo. Tudo isso contrariando o que estava previsto nas constituições brasileiras, ou

seja, nos referidos momentos em que houve conflito entre o disposto na constituição e a

vontade das Forças Armadas, prevaleceu esta última396.

394

De acordo com Luiz Guilherme Arcaro Conci, na “América Latina é comum que existam ondas de democracia seguidas de ondas de autoritarismo que abarcam a maioria dos países do continente. Em determinado momento estão em voga os governos militares, com seus ditadores emitindo ordens. Em outro, a democracia, ainda que somente eleitoral. [...] O resultado disso é que se vive em ciclos e não se sedimenta a democracia constitucional nem o sentimento de sua necessidade pelo cidadão” (Cfr. CONCI, Luiz Guilherme Arcaro. op. cit., p. 11).

395 Em um artigo de 1929, Hans Kelsen criticou uma emenda à Constituição da Áustria, que permitia a

intervenção militar para defesa das instituições constitucionais, manutenção da ordem e da segurança interna quando as autoridades competentes não fossem capazes, por motivo de força maior, afirmando a referida emenda outorga aos militares direitos muito além do direito “que toda formação militar tem”. (KELSEN, Hans. A garantia jurisdicional da Constituição. in: _______. A Jurisdição Constitucional. São

Paulo: Martins Fontes, 2003.).

396 No julgamento da ADPF n. 153, o Ministro Celso de Mello, na página 2 do seu voto, afirmou que “os atos

institucionais constituíram, no Brasil, ao longo de todo o processo revolucionário, o meio instrumental de manifestação da vontade política e jurídica incontrastável dos comandantes do grupo que empolgou o

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177

Por exemplo, em 1889, com o Decreto n. 1, de 15 de novembro, quando houve um

conflito entre o disposto na Constituição de 1824 e a vontade das Forças Armadas sobre

o governo do Estado, estas destituíram o Chefe de Estado constitucional, revogaram a

Constituição monárquica de 1824, estabeleceram uma república federativa sob o

comando do Governo Provisório liderado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, bem como

previram a convocação da Assembleia Nacional Constituinte, que elaboraria a

Constituição de 1891.

Em 1930, quando houve um conflito entre o disposto na Constituição de 1891 e a

vontade das Forças Armadas sobre quem deveria governar o Brasil, as Forças Armadas

depuseram o presidente eleito conforme a Constituição Washington Luis, impediram a

posse do presidente eleito constitucionalmente Julio Prestes e, por meio do Decreto

19.398, de 11 de novembro de 1930, revogaram a Constituição de 1891397. Em 1934,

apoiaram a elaboração da Constituição do mesmo ano. Em 1937, apoiaram revogação da

constituição anterior, bem como a outorga da Constituição do Estado Novo e

estabeleceram um regime autoritário até 1945398.

poder. Com isso, passaram a coexistir, no País, duas ordens jurídicas superpostas: uma, de caráter institucional, dotada de eficácia condicionante, e outra, de natureza constitucional, sujeita às limitações estabelecidas pelo poder revolucionário. (Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Voto do Ministro Celso de Mello no Acórdão ADPF 153. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF153CM.pdf. Acesso em: 21 maio 2015).

397 O Decreto 19.398, de 11 de novembro de 1891, de fato, revogou a Constituição de 1891, ao estabelecer

que a Constituição estava hierarquicamente abaixo dele e dos demais atos ulteriores do Governo Provisório (art. 4º) e estabelecer, no seu art. 1º, que “O Governo Provisório exercerá discricionariamente, em toda sua plenitude, as funções e atribuições, não só do Poder Executivo, como também do Poder Legislativo”, dissolver o Poder Legislativo Federal e Estadual (art. 2º), acabar com a separação de poderes (art. 1º, 2º e § 4º do art. 11), acabar com a federação (art. 2º e 11), impedir análise judicial dos atos do governo provisório (art. 5º), prever a nomeação de interventores para ocupar os cargos de governadores e prefeitos (art. 11), suspender as garantias constitucionais (art. 5º). Contudo, previu expressamente, no art. 4º, que “continuam em vigor as constituições federal e estaduais, as demais leis e decretos federais, assim como as posturas e deliberações e outros atos municipais, todos; porém, inclusive os próprias constituições, sujeitas às modificações e restrições estabelecidas por esta lei ou por decreto dos atos ulteriores do Governo Provisório ou de seus delegados, na esfera de atribuições de cada um”.

398 Apesar de o Preâmbulo expressamente afirmar que a Constituição era outorgada “sem o apoio das

forças armadas”, segundo Thomas Skidmore, “o comando do Exército vinha planejando uma solução autocrática para a crise política brasileira desde a revolta comunista de novembro de 1935”. Para o historiador, “os militares superiores estavam céticos quanto à capacidade do Brasil para suportar a confusa indecisão da competição política aberta, e estavam assustados com a perspectiva de maiores progressos por parte dos radicais de esquerda – os quais, se chegassem ao poder, poderiam afastar as Forças Armadas da posição de árbitros finais dos conflitos políticos.” (SKIDMORE, Thomas. op. cit., p. 51).

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178

Em 1945, depuseram o chefe de Estado Getúlio Vargas399 e decidiram pelo

reestabelecimento de um regime democrático, regido pela Constituição de 1946, dando,

inclusive, instruções para que o Poder Judiciário fosse imparcial nas eleições do mesmo

ano400.

Em 1964, quando houve um conflito entre o disposto na Constituição de 1946 e a

vontade das Forças Armadas sobre quem deveria ser o Chefe de Estado, as Forças

Armadas depuseram o Presidente da República, escolhido na forma da Constituição de

1946401, João Goulart, bem como, após declarar deter o Poder Constituinte402, a partir do

Ato Institucional n. 1, passaram a emendar a Constituição de 1946403, sem que esta lhes

desse direito para isso404. Fizeram o Congresso Nacional eleger como Chefe de Estado o

399

Segundo Thomas Skidmore, “o ditador foi deposto do cargo, não pelo poder da oposição civil, mas por decisão do Alto Comando do Exército. Não era, portanto, uma vitória conquistada pela influência política dos constitucionalistas liberais. Era, antes, um ato de força por parte dos generais. Como havia acontecido, nos momentos críticos, em outubro de 1930 e novembro de 1937, foram os militares e não os políticos que se tornaram os imediatos guardiães do poder” (SKIDMORE, Thomas. op. cit., p. 78).

400 SKIDMORE, Thomas. op. cit., p. 79.

401 João Goulart era Presidente da República com fundamento no art. 79 da Constituição brasileira de 1946.

402 O Preâmbulo do Ato Institucional n. 1 afirma que a “revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder

Constituinte. Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como Poder Constituinte, se legitima por si mesma. Ela destitui o governo anterior e tem a capacidade de constituir o novo governo. Nela se contém a força normativa, inerente ao Poder Constituinte. Ela edita normas jurídicas sem que nisto seja limitada pela normatividade anterior à sua vitória. Os Chefes da revolução vitoriosa, graças à ação das Forças Armadas e ao apoio inequívoco da Nação, representam o Povo e em seu nome exercem o Poder Constituinte, de que o Povo é o único titular. O Ato Institucional que é hoje editado pelos Comandantes-em-Chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, em nome da revolução que se tornou vitoriosa com o apoio da Nação na sua quase totalidade [...] Para demonstrar que não pretendemos radicalizar o processo revolucionário, decidimos manter a Constituição de 1946, limitando-nos a modificá-la, apenas, na parte relativa aos poderes do Presidente da República, a fim de que este possa cumprir a missão de restaurar no Brasil a ordem econômica e financeira e tomar as urgentes medidas destinadas a drenar o bolsão comunista, cuja purulência já se havia infiltrado não só na cúpula do governo como nas suas dependências administrativas. Para reduzir ainda mais os plenos poderes de que se acha investida a revolução vitoriosa, resolvemos, igualmente, manter o Congresso Nacional, com as reservas relativas aos seus poderes, constantes do presente Ato Institucional. Fica, assim, bem claro que a revolução não procura legitimar-se através do Congresso. Este é que recebe deste Ato Institucional, resultante do exercício do Poder Constituinte, inerente a todas as revoluções, a sua legitimação. Em nome da revolução vitoriosa, e no intuito de consolidar a sua vitória, de maneira a assegurar a realização dos seus objetivos e garantir ao País um governo capaz de atender aos anseios do povo brasileiro, o Comando Supremo da Revolução, representado pelos Comandantes-em-Chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica resolve editar o seguinte.”

403 O Ato Institucional nº 1, no artigo 1º, previu que são “mantidas a Constituição de 1946 e as Constituições

estaduais e respectivas Emendas, com as modificações constantes deste Ato”.

404 O art 217 da Constituição de 1946 previa que esta somente poderia ser emendada por meio da

aprovação, em duas sessões legislativas, pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, após iniciativa da “quarta parte, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, ou por mais da metade das Assembléias Legislativas dos Estados no decurso de dois anos, manifestando-se

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179

General Castelo Branco por um procedimento que contrariava o texto original da

Constituição405, bem como implantaram um regime autoritário pelo qual o país foi

diretamente governado por militares até 1985.

Revogando definitivamente a Constituição de 1946, as Forças Armadas, por meio

do Ato Institucional n. 4, editado pelo General Castelo Branco, em 1966, delegou ao

Congresso Nacional poderes constituintes para promulgar o projeto apresentado pelo

Presidente da República, que se tornou a Constituição de 1967. Dois anos depois, os

Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar, no exercício do

direto do Poder Constituinte, por meio da Emenda Constitucional n. 1 à Constituição de

1967, que não lhes dava competência para realizar emendas406, outorgaram a

Constituição de 1969.

No início da década de 1970, as Forças Armadas decidiram que o Brasil deveria

voltar a ter um regime democrático de maneira “lenta, gradativa e segura”407 e, em 1978,

declararam que seria preso quem se opusesse ao reestabelecimento da democracia408.

Isso levou o Congresso Nacional, em 1985, a eleger indiretamente o Presidente

Civil da República409, que era aceito pelas Forças Armadas, e a convocar, por meio da cada uma delas pela maioria dos seus membros”. Os atos institucionais da Ditadura Militar (1964-1985) não cumprem com o procedimento constitucional.

405 A Constituição de 1946 previa, no art. 81 a eleição direta para Presidente da República. O novo

procedimento foi estabelecido pelo art. 2º do Ato Institucional n. 1, de 9 de abril de 1964, o qual possuía a seguinte disposição: “Art. 2º - A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República, cujos mandatos terminarão em trinta e um (31) de janeiro de 1966, será realizada pela maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, dentro de dois (2) dias, a contar deste Ato, em sessão pública e votação nominal. § 1º - Se não for obtido o quorum na primeira votação, outra realizar-se-á no mesmo dia, sendo considerado eleito quem obtiver maioria simples de votos; no caso de empate, prosseguir-se-á na votação até que um dos candidatos obtenha essa maioria. § 2º - Para a eleição regulada neste artigo, não haverá inelegibilidades.”

406 O art. 50 da Constituição de 1967 dava exclusivamente competência para o Congresso Nacional

aprovar, em duas sessões, por maioria absoluta dos votos dos membros das duas Casas do Congresso, as propostas de emenda constitucional apresentadas pelos membros da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, do Presidente da República ou por mais de metade das Assembleias Legislativas dos Estados, manifestando-se cada uma delas pela maioria dos seus membros.

407O discurso integral do Presidente Geisel está disponível na biblioteca da Presidência da República no

seguinte endereço: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/ex-presidentes/ernesto-geisel/discursos-1/1974/17.pdf/at_download/file.

408 Em 1978, para demonstrar o seu apoio à abertura política para a democracia, o General Figueiredo

declarou: "É para abrir mesmo. E quem não quiser que abra, eu prendo, arrebento.” (Cf. FOLHA DE S. PAULO. 20 mar. 1985. Disponível em:http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/3/27/caderno_especial/12.html. Acesso em: 11 ago. 2015 e REVISTA VEJA. Disponível em: http://veja.abril.com.br/acervo/home.aspx Acesso em: 11 ago. 2015.

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Emenda Constitucional n. 26, a Assembleia Nacional Constituinte que elaborou a

Constituição de 1988.

Portanto, como demonstram os diversos momentos históricos supracitados, nas

diversas passagens em que houve um conflito entre a Constituição e as Forças Armadas,

prevaleceu esta última em detrimento da primeira, o que caracteriza que as Forças

Armadas exerceram, ao longo da história do Brasil, um poder (de fato) supraconstitucional

em face das constituições brasileiras.

5.4.2. A anistia como decorrência necessária do exercício do poder

supraconstitucional

Como o poder supraconstitucional exercido historicamente pelas Forças Armadas

não se fundamenta na vontade popular (democracia) ou no Direito, mas na força, a cada

restabelecimento do Estado Democrático de Direito, é necessário que sejam anistiadas as

violações aos direitos cometidas pelas Forças Armadas nos períodos de exceção.

Nesses períodos de exceção, no exercício do seu poder, as Forças Armadas, além

de destituírem Chefes de Estado410; fecharem o Congresso Nacional411; cassarem

vereadores, deputados estaduais e federais e senadores412; cassarem ou aumentarem o

número de ministros do Supremo Tribunal Federal para garantir a maioria413;

suspenderem direitos políticos414; suspenderem os direitos e garantias fundamentais415;

409

A Emenda Constitucional que previa a eleição direta para Presidente da República foi rejeitada. Por isso, Tancredo Neves foi eleito, em eleição indireta na qual derrotou o candidato do PDS, o deputado Paulo Maluf (SP). Porém, na véspera de tomar posse, foi internado em estado grave, no Hospital de Base de Brasília. No dia 15 de março de 1985, José Sarney assumiu o cargo de Presidente da República. Tancredo Neves morreu no dia 21 de abril de 1985.

410 Como, por exemplo, Dom Pedro II, em 1889; Washington Luis, em 1930; João Goulart, em 1964.

411 O Congresso Nacional foi fechado por tempo indeterminado, pelas Forças Armadas, em 1889, 1930,

1937, 1968, pelo Ato Complementar n. 38, e em 1977, pelo Ato Complementar n. 102. Em 1966, o Ato Complementar n. 23, fechou o Congresso de 20 de outubro a 22 de novembro. Em 1823, o Congresso foi fechado por Dom Pedro I.

412 Por exemplo, com os poderes previstos no art. 4º do Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968,

dezenas de parlamentares foram cassados.

413 Por exemplo, após o Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968, foram cassados os Ministros do

Supremo Tribunal Federal Hermes Lima, Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva.

414 Art. 4º do Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968.

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nomearem interventores para Estados e Municípios416; demitirem servidores públicos417 e

estabelecerem que os seus atos não estavam sujeitos à apreciação judicial418; também

cometiam atentado violento ao pudor; ocultavam cadáveres; abusavam da autoridade;

prendiam ilegalmente; torturavam; estupravam; matavam e realizavam o desaparecimento

forçado de pessoas419.

Por isso, antes do estabelecimento do Estado Democrático de Direito, foi

necessário que o Congresso Nacional, em 1979, aprovasse a Lei 6.683, que anistiou os

crimes políticos e conexos cometidos entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de

1979420, e, por meio da Emenda Constitucional n. 26, de 1985, que convocou a

Assembleia Nacional Constituinte, tornar constitucional a anistia concedida em 1979421.

415

Arts. 4º, 5º, 6º 10º e 11 do Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968.

416 Art. 3º do Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968.

417 Parágrafo primeiro do art. 6º do Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968.

418 Art. 11 do Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968.

419 ARAUJO, Maria do Amparo Araújo. Dossiê dos mortos e desaparecidos políticos a partir de 1964.

Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 1995. Os crimes também são enumerados na Petição Inicial da Arguição Por Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153. Disponível em http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=2644116. Acesso em: 14 jun. 2015.

420 Art. 1º da Lei 6.683/79 possui a seguinte redação: “É concedida anistia a todos quantos, no período

compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares. § 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.§ 2º - Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal.”

421 A Emenda Constitucional n. 26/85 possui a seguinte redação: Art. 1º Os Membros da Câmara dos

Deputados e do Senado Federal reunir-se-ão, unicameralmente, em Assembléia Nacional Constituinte, livre e soberana, no dia 1º de fevereiro de 1987, na sede do Congresso Nacional. Art. 2º. O Presidente do Supremo Tribunal Federal instalará a Assembléia Nacional Constituinte e dirigirá a sessão de eleição do seu Presidente. Art. 3º A Constituição será promulgada depois da aprovação de seu texto, em dois turnos de discussão e votação, pela maioria absoluta dos Membros da Assembléia Nacional Constituinte. Art. 4º É concedida anistia a todos os servidores públicos civis da Administração direta e indireta e militares, punidos por atos de exceção, institucionais ou complementares. § 1º É concedida, igualmente, anistia aos autores de crimes políticos ou conexos, e aos dirigentes e representantes de organizações sindicais e estudantis, bem como aos servidores civis ou empregados que hajam sido demitidos ou dispensados por motivação exclusivamente política, com base em outros diplomas legais. § 2º A anistia abrange os que foram punidos ou processados pelos atos imputáveis previstos no "caput" deste artigo, praticados no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979.

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182

Publicada a Lei de Anistia e promulgada a Emenda Constitucional da Anistia, pelo

Poder Legislativo, as normas foram prontamente aceitas como válidas pelos órgãos de

representação da sociedade civil, como a OAB422, pelo Poder Executivo, que as

regulamentou423, e pelo Poder Judiciário, que reiteradamente as reconheceu como

válidas424.

O reconhecimento jurídico de uma lei de anistia não foi algo novo. Ao longo da

história brasileira, os juízes e legisladores sempre reconheceram que os referidos atos de

força, em tese, ilegais, não eram puníveis e/ou deveriam ser anistiados. Somente no

período republicano foram editadas diversas normas de anistia425, bem como a

422

Por exemplo, o Parecer favorável à aprovação da Lei de Anistia, escrito pelo Conselheiro Sepúlveda Pertence, aprovado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, enviado para o Presidente do Senado Federal, durante o processo legislativo da Lei 6.683/79, disponível em http://s.conjur.com.br/dl/parecer_oab_anistia_79.pdf. Acesso em: 7 maio 2015. Em 21 de outubro de 2008, após aprovação do Conselho Federal, a Ordem dos Advogados do Brasil protocolou a petição inicial da ADPF nº 153, na qual solicita a interpretação conforme a Constituição de 1988 da Lei 6.683/79, para que a “anistia concedida pela citada lei aos crimes políticos e conexos não se estende aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra opositores políticos, durante o regime militar (1964/1985).” Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=330654#0%20-%20Peti%E7%E3o%20inicial Acesso em: 7 maio 2015.

423 Decreto n. 92.429, de 26 de fevereiro de 1986. Em 28 de agosto de 2014, o Procurador Geral da

República emitiu o Parecer nº 4.433/AsJConst/SAJ/PGR solicitando a revisão da Lei de Anistia. Disponível em: https://infogbucket.s3.amazonaws.com/arquivos/29/08/2014/document-1-.pdf Acesso em: 7 maio 2015.

424 Por exemplo, os Acórdãos nos Recursos Criminais 1.396 – SP, de 1979; 1.400-6– SP, de 1979; 1.401-4-

RJ, de 1979, no Acórdão 140.616-0 – DF, de 1992 e no Acórdão em Recurso Especial nº 165.438-4 - DF, de 2004.

425 Por exemplo, o Decreto de 18 de setembro de 1.822, que concede “amnistia geral para todas as

passadas opiniões politicas até a data deste Meu Real Decreto”; Decreto 2.280, de 25 de novembro de 1910, que concede “amnistia aos insurrectos de posse dos navios da Armada Nacional, si os mesmos, dentro do prazo que lhes fôr marcado pelo Governo, se submetterem ás autoridades constituidas”; o Decreto 310, de 1895, que anistiou todas “as pessoas que directa ou indirectamente se tenham em envolvido em movimentos revolucionarios occorridos no territorio da Republica até 23 de agosto” do mesmo ano, bem como estabeleceu que os “officiaes do Exercito e da Armada amnistiados por esta lei não poderão voltar ao serviço activo antes de dous annos contados da data em que se apresentarem á autoridade competente, e ainda depois desse prazo, si o Poder Executivo assim julgar conveniente”; Lei nº 533, de 7 de dezembro de 1898, que concede anistia a “todos os militares que directa ou indirectamente tenham tomado parte nos movimentos havidos nas escolas militares”, o Decreto 3.102, de 1916, do Presidente do Senado, que concedeu anistia a todos os crimes políticos e conexos a “todos os civis ou militares que, directa ou indirectamente, se envolveram nos movimentos revolucionarios do Estado do Ceará realizados no tempo decorrido de 1 de janeiro de 1913 até o dia 7 de setembro do anno de 1915”; o Decreto 3.163, também de 27 de janeiro de 1916, que concedeu a todas “as pessoas envolvidas em factos politicos e connexos, passiveis de sancção penal, occorridos no Estado do Espirito Santo em virtude da successão presidencial do mesmo Estado”; o Decreto 19.395, de 6 de novembro de 1930, pelo qual o Chefe do Governo Provisório da então República dos Estados Unidos do Brasil, concedeu anistia a “todos os crimes políticos e militares, ou conexos com esses” a “todos os civís e militares que, direta ou indiretamente, se envolveram nos movimentos revolucionários, ocorridos no país, bem como estabeleceu que ficam em perpétuo silêncio, como se nunca tivessem existido, os processos e sentenças relativos a esses mesmos fatos e aos delitos políticos de imprensa”, o Decreto 24.297, de 28 de maio de 1934, que anistiou os que cometeram crimes políticos ou conexos “os participantes do surto revolucionário, verificado em São Paulo, 9

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jurisprudência brasileira tem o entendimento de que a interpretação dada pelo Judiciário

“deve ser ampla e generosa” no benefício dos que, em tese, cometeram crimes.

Entretanto, desde 1992, os direitos dos brasileiros não são mais garantidos

exclusivamente por normas elaboradas pelo Estado brasileiro, bem como, desde 2002, o

poder de analisar judicialmente as violações aos direitos humanos dos brasileiros não é

mais exclusivo de instituições e juízes historicamente submetidos ao poder

supraconstitucional das Forças Armadas.

Em 6 de novembro 1992, por meio do Decreto 678, a República Federativa do

Brasil promulgou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969426; bem

como, em 8 de novembro de 2002, por meio de Decreto 4.463, o Brasil reconheceu como

obrigatória e de pleno direito a competência da Corte Interamericana de Diretos Humanos

para analisar fatos ocorridos no território nacional, posteriores a 10 de dezembro de 1998,

em face da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.427

de julho de 1932, e suas ramificações em outros Estados”, estabelecendo inclusive que os “militares compreendidos neste decreto poderão reverter aos seus postos, observado mesmo procedimento seguido para a reinclusão dos capitães e tenentes envolvidos no referido movimento armado”; Decreto-Lei 7.474, de 1945, que concede anistia a todos quantos tenham cometido crimes políticos desde 16 de julho de 1934 até 18 de abril de 1945; Decreto-Lei 7.769, de 23 de julho de 1945, que concede anistia a todos “os militares integrantes da Fôrça Expedicionária Brasileira, que nos têrmos do Decreto-lei nº 6.651, de 30 de junho de 1944, tiveram os processos sobrestados”; Decreto Legislativo 22, de 1956, que concedeu “anistia, ampla e irrestrita, a todos os civis e militares que direta ou indiretamente, se envolveram, inclusive recusando-se a cumprir ordens de seus superiores, nos movimentos revolucionários ocorridos no País a partir de 10 de novembro de 1955 até 1º de março de 1956, ficando em perpétuo silêncio quaisquer processos criminais e disciplinares relativos aos mesmos fatos”; Decreto Legislativo 27, de 1956 que concede diversas anistias, inclusive para “os insubmissos assim declarados pelas Forças Armadas a partir de 1953”; Decreto Legislativo 18, de 15 de dezembro de 1961, que concede diversas anistias, inclusive para “todos os servidores civis, militares e autárquicos que sofreram punições disciplinares”, a Constituição de 1988, no ADCT, por meio do art. 8º concede anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até o dia 5 de outubro de 1988, “foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares” e, por meio do art. 9º, garante aos que “por motivos exclusivamente políticos, foram cassados ou tiveram seus direitos políticos suspensos no período de 15 de julho a 31 de dezembro de 1969, por ato do então Presidente da República, poderão requerer ao Supremo Tribunal Federal o reconhecimento dos direitos e vantagens interrompidos pelos atos punitivos, desde que comprovem terem sido estes eivados de vício grave.”

426 A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), adotada em São

José, Costa Rica, no âmbito da Organização dos Estados Americanos por ocasião da Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em 22 de novembro de 1969, entrou em vigor internacional em 18 de julho de 1978. O Governo brasileiro depositou a carta de adesão a Convenção em 25 de setembro de 1992.

427 A competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos foi reconhecida pela República Federativa

da Brasil por meio do Decreto 4.463 de 8 de novembro de 2002.

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A Convenção Americana sobre Direitos Humanos estabelece a obrigação de

respeitar os direitos (art. 1.1)428, o dever de adotar disposições de direito interno (art. 2)429,

garantias judiciais (art. 8.1)430 e o direito à proteção judicial (art. 25)431 que tornam a a

Emenda Constitucional n. 26/85 e a Lei n. 6.683/79 normas constitucionais

inconvencionais.

Além disso, a Corte Interamericana sobre Direitos Humanos, com fundamento nos

referidos artigos, antes da analisar as normas de anistia do Brasil, declarou que eram

inconvencionais as normas de anistia, similares às brasileiras, do Chile, em 2006432, e do

Peru, em 2001433 e 2006 434.

428

O art. 1º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos prevê a obrigação de respeitar os direitos da seguinte forma: Artigo 1º - Obrigação de respeitar os direitos 1. Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.

429 O artigo 2 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos estabelece o dever de adotar disposições

de direito interno com a seguinte disposição: Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados-partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.

430 Artigo 8.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos estabelece a seguinte garantia judicial: 1.

Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

431 O art. 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos possui a seguinte redação: Artigo 25 -

Proteção judicial. 1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais. 2. Os Estados-partes comprometem-se: a) a assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal do Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que interpuser tal recurso; b) a desenvolver as possibilidades de recurso judicial; e c) a assegurar o cumprimento, pelas autoridades competentes, de toda decisão em que se tenha considerado procedente o recurso.

432 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Almonacid Arellano y otros Vs. Chile.

Sentença de 26 de setembro de 2006. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_154_esp.pdf. Acesso em: 14 ago. 2015.

433 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Barrios Altos Vs. Peru. Sentença de 14 de

março de 2001. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/Seriec_75_esp.pdf. Acesso em: 20 maio 2015.

434 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso La Cantuta Vs. Peru. Sentença de 29 de

novembro de 2006. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_162_esp.pdf.

Acesso em: 20 maio 2015.

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Como o Brasil se obrigou a respeitar os direitos previstos na Convenção Americana

sobre Direitos Humanos435, a adotar disposições de direito interno para garantir os

referidos direitos436 e está obrigado a realizar o controle de convencionalidade das

normas internas que violam a Convenção437, o Poder Legislativo438, ou o Poder Judiciário,

deveriam realizar o controle de convencionalidade da Emenda Constitucional n. 26/85 e

da Lei 6.683/79.

Contudo, o Poder Legislativo ficou inerte e o Poder Judiciário, por meio do Pleno do

Supremo Tribunal Federal, em 27 de abril de 2010, julgou improcedente a ADPF nº 153,

reconheceu a força jurídica das normas de anistia, bem como declarou que a Emenda

Constitucional 26/85 integra a Constituição de 1988439.

435

O art. 1º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos possui a seguinte redação: Obrigação de respeitar os direitos 1. Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.

436 O art. 2º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos possui a seguinte redação: Artigo 2º - Dever

de adotar disposições de direito interno. Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados-partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.

437 No Caso Almonacid vs Arellano Vs. Chile, a Corte IDH decidiu que “el poder Judicial debe ejercer uma

especie de ‘control de convencionalidad’entre las normas jurídicas internas que aplican em los casos concretos y la Convención Americana sobre Derechos Humanos. Em esta tarea, el Poder Judicial debe tener cuenta solamente el tratado, sino tambien la interpretación que del mismo há hecho La Corte Interamericana, intéprete última de Convención Americana”(Cf. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Almonacid Arellano y otros Vs. Chile. Sentença de 26 de setembro de 2006. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_154_esp.pdf. Acesso em: 14 ago. 2015.).

438 Como, por exemplo, fez o Poder Legislativo da Argentina. Em 2003, a Lei n. 25.779 declarou nulas a Lei

23.492 (Lei do Ponto Final) e a Lei 23.521 (Lei da Obediência Devida), o que retirou a vigência das referidas leis de anistia argentinas.

439 A Ementa do Acórdão da Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 153 afirma

literalmente que a “nova ordem compreende não apenas o texto da Constituição nova [de 1988], mas também a norma origem [Emenda Constitucional 26/85]. No bojo dessa totalidade -totalidade que o sistema normativo é-, tem-se que ‘[é] concedida, igualmente, anistia aos autores de crimes políticos ou conexos’ praticados no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. Não se pode divisar antinomia de qualquer grandeza entre o preceito veiculado no § 1º do art. 4º da EC 26/85 e a Constituição de 1988.” (Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão da ADPF nº 153. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=612960. Acesso em: 16 maio 2015.).

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5.4.3. O controle de constitucionalidade e o controle de convencionalidade: a

Emenda Constitucional nº 26/85 é uma norma constitucional inconvencional

Desde suas promulgações, as normas de anistia têm impedido a realização de

investigações e a perseguição penal dos que cometeram condutas ilícitas anistiadas, têm

sido utilizadas para impedir o conhecimento da história brasileira do período, bem como

do destino dos mortos e desaparecidos políticos.

Por isso, em 2008, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil,

mudando o seu entendimento anterior sobre a força jurídica da lei de anistia, propôs a

Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental n. 153, com o objetivo de que

fosse dada uma interpretação conforme a Constituição de 1988 para que os crimes

comuns praticados pelos agentes do Estado no período entre 1964 e 1985 não fossem

alcançados pelas anistias.

Apesar de o Poder Judiciário brasileiro ter uma tradição no reconhecimento da

constitucionalidade das normas de anistia, desde 1992, as normas de anistia violam os

arts. 8.1 e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a jurisprudência da

Corte Interamericana sobre Direitos Humanos, conforme foi decidido nos casos Barrios

Altos Vs. Peru”, de 2001, La Cantuta Vs. Peru”, de 2006 e Almonacid Arellano e outros

Vs. Chile”, também de 2006, bem como o Brasil está obrigado a respeitar os referidos

direitos440 441, a adotar disposições de direito interno para garanti-los442 443 e a realizar o

controle de convencionalidade das normas internas que violam a Convenção444.

440

Art. 1º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

441 A Corte IDH declarou que “el deber de los Estados parte de organizar todo el aparato gubernamental y,

em general, todas las estrutucturas a través de las cuales se manifiesta el ejercicio Del poder público, de manera que sean capaces de asegurar juridicamente el libre y pleno ejercicio de los derechos humanos.” (Cf. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Sentença de 29 de julho de 1988. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_04_esp.pdf. Acesso em: 15 ago. 2015.).

442 Art. 2º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

443 No Caso Cesti Hurtado Vs. Peru, a Corte IDH determinou que o Estado deve tomar “las medidas

legislativas ‘o de outro caracter que fueren necesarias para hacer efectivos tales derechos y libertades’, em los términos Del art. 2 de La Convención . Estas medidas son lãs necesarias para garantizar (el) libr y pleno ejercicio de dichos derechos y libertades, em los términos Del art. 1.1 de La misma” (Cf. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Cesti Hurtado Vs. Peru. Sentença de 29 de setembro de 1999. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_56_esp.pdf. Acesso em: 16 ago. 2015.) No Caso Yatama Vs. Nicarágua, julgado em 23/06/2005, estabeleceu que “el deber general del Estado de adecuar su derecho interno a las disposiciones de (la CADH) para garantizar los derechos em

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187

Entretanto, a petição inicial da ADPF 153 do Conselho Federal da Ordem dos

Advogados do Brasil, em suas 29 páginas, não cita a Convenção Americana sobre

Direitos Humanos, não cita a Emenda Constitucional n. 26/85, não cita a Comissão

Interamericana de Direitos Humanos, não se refere à necessidade de o Estado brasileiro

realizar o controle de convencionalidade das normas inconvencionais, bem como não

pede que seja realizado o controle de convencionalidade das normas de anistia.

Com relação ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos, a petição afirma

somente, em quatro linhas, que “vale registrar” que a Corte Interamericana de Direitos

Humanos já decidiu que “é nula e de nenhum efeito a auto-anistia criminal decretada

pelos governantes”445.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil requereu somente que o

Supremo Tribunal Federal desse à Lei 6.683/1979 uma interpretação conforme à

Constituição de 1988 de modo a declarar que a anistia concedida pela lei aos crimes

políticos ou conexos não se estende aos crimes comuns praticados pelos agentes da

repressão contra opositores políticos, durante o regime militar (1964/1985)446, ou seja, a

petição inicial não se refere à Emenda Constitucional n. 26/85, nem solicita que haja um

controle de convencionalidade. Pede exclusivamente que se realize o controle de

constitucionalidade da Lei de 6.683/79.

ella consagrados, establecido em el art. 2, incluye la expedición de normas y el desarrolo de prácticas conducentes a la observância efectiva de los derechos y libertades consagrados em la misma, así como la adopción de medidas para suprimir la normas y prácticas de cualquier naturaleza que entrañen uma violacíon a las garantias previstas em la Convención. Este deber general Del Estado Parte implica que las medidas de derecho interno han de ser efectivas (princípio del effect utile), para ló cual el Estado debe adaptar su atuación a la normativa de proteción de la Convención.” (Cf. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Yatama Vs. Nicarágua. Sentença de 23 de junho de 2005. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_127_esp.pdf. Acesso em: 16 ago. 2015.)

444 No Caso Trabajadores Cesados Del congresso Vs. Peru, a Corte IDH afirmou que “los instrumentos

internacionales son inmediatamente aplicables em el ámbito interno, los tribunales nacionales pueden y deben llevar a cabo su propio ‘control de convencionalidad’. Asi loa han hecho diversos órganos de justicia interna, despejando el horizonte que se hallaba ensombrecido, inaugurando una nueva etapa de mejor protección de los seres humanos y acreditando la Idea – que he reiterado- de que La gran batalla por los derechos humanos se ganará en el ámbito interno, del que es coadyuvante o complemento, pero no sustituto, el internacional.” (Cf. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Trabajadores Cesados del Congreso (Aguado Alfaro y otros) Vs. Peru. Sentença de 24 de novembro de 2006. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_158_esp.pdf. Acesso em: 16 ago. 2015.).

445 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Petição Inicial da ADPF n. 153, p. 23. Disponível em:

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=330654#0%20%20Peti%E7%E3o%20inicial. Acesso em: 14 maio 2015.

446 Ibid., p. 28-29.

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188

Como a petição inicial do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil

requereu somente a análise da constitucionalidade Lei 6.683/79, o Acórdão do STF, que

decidiu a APDF 153, analisou estritamente a constitucionalidade das normas de anistia.

Como, além da previsão na Lei 6.683/79, a anistia também era prevista pela

Emenda Constitucional n. 26/85, para o STF não faz sentido questionar se a anistia, tal

como definida pela lei, foi ou não recebida pela Constituição de 1988447. A nova

Constituição, afirma o Acórdão, (re)instaurou a anistia em seu ato originário448. Como a

Emenda Constitucional n. 26/85 instaura uma nova ordem constitucional, a integração da

anistia de 1979 na nova ordem constitucional, segundo o STF, resulta inquestionável.

Para o Supremo, a nova ordem compreende não apenas o texto da Constituição nova,

mas também a norma origem449. No bojo dessa totalidade, de acordo com o Tribunal, não

se pode divisar antinomia de qualquer grandeza entre o preceito veiculado pelo §1º do

artigo 4º da Emenda Constitucional n. 26/85 e a Constituição de 1988450.

De fato, se a questão for analisada somente pelo ângulo da dimensão do controle

de constitucionalidade, como fazem a Ordem dos Advogados do Brasil, na sua petição

inicial, e o Supremo Tribunal, no Acórdão da ADPF n. 153, as normas de anistia são

válidas perante o ordenamento jurídico nacional. Verdadeiramente, a anistia foi prevista

expressamente pelo ato inaugural do próprio poder constituinte originário da Constituição

de 1988.

Esse entendimento sobre a constitucionalidade das leis de anistia não é uma

inovação jurisprudencial, nem doutrinária. Ao longo da história do direito brasileiro,

prevaleceu o entendimento jurisprudencial e doutrinário de que as dezenas de leis de

anistia eram constitucionais e que o Poder Judiciário não teria competência para analisar

a compatibilidade das mesmas com o ordenamento jurídico.

Por exemplo, no Recurso Extraordinário Criminal n. 10.177-Pernambuco, julgado

em maio de 1948, o Ministro Orosimbo Nonato afirmou que ao Poder Judiciário cabe 447

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Ementa do Acórdão da ADPF nº 153, p. 3-4. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=612960. Acesso em: 16 maio 2015.

448 Ibid.

449 Ibid.

450 Ibid.

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189

apenas o encargo de “interpretar a lei que traduz a anistia, sua extensão e alcance

quando aos fatos e às pessoas. No que tange ao mais, nada lhe cumpre fazer”451. A

Ementa do referido acórdão é esclarecedora sobre o entendimento do Poder Judiciário

sobre as leis de anistia no Brasil: “Anistia. Ao Judiciário não cabe examinar a justiça ou

desjustiça, a oportunidade ou intempestividade da concessão”452

No âmbito da doutrina jurídica, Rui Barbosa explicou o vigor quase sagrado que

uma lei de anistia possui no Direito Brasileiro:

Dentre as prerrogativas do poder não há nenhuma que encerre maior grau de majestade, e nenhuma cujos atos sejam tão sagrados como a da anistia. Por ela se estabelecem vínculos quase religiosos, que os governos mais rebaixados não ousam desatar. A soberania se reveste de uma transcendência quase divina quando pronuncia, sobre as desordens e as loucuras das revoluções, esse verbo de esquecimento, cujo influxo apaga todas as culpas, elimina todos os agravos, e reabilita de todas as manchas. Não é o perdão, que resgata das penas; é a reconciliação, que extingue os delitos, atalha os ressentimentos e olvida as

queixas453.

Contudo, se por um lado, conforme se verifica pela jurisprudência e pela doutrina

supracitadas, as normas de anistia são compatíveis com as normas jurídicas nacionais

(constitucionais e infraconstitucionais); por outro, desde 1992, as normas de anistia são

incompatíveis com as normas internacionais do Sistema Interamericano de Direitos

Humanos, por violarem os arts. 1.1, 2, 8.1 e 25 da Convenção Americana sobre Direitos

Humanos de 1969454.

451

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão em Recurso Extraordinário Criminal n. 10.177-PE. p. 219 dos autos. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=597856. Acesso em: 16 maio 2015.

452 Ibid.

453 BARBOSA, Rui. Obras Completas de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde.

1941, v. 60, t. 6, p. 43. Disponível em: http://www.casaruibarbosa.gov.br/rbonline/obrasCompletas.htm. Acesso em: 21 maio 2015.

454 André de Carvalho Ramos adota a teoria do duplo controle ou crivo dos direitos humanos que

“reconhece a atuação em separado do controle de constitucionalidade (STF e juízes nacionais) e do

controle de convencionalidade internacional (Corte de San José e outros órgãos de direitos humanos no

plano internacional). Os direitos humanos, então, no Brasil possuem uma dupla garantia: o controle de

constitucionalidade e o controle de convencionalidade. Qualquer ato ou norma deve ser aprovado pelos dois

controles, para que sejam respeitados os direitos humanos no Brasil. Esse duplo controle parte da

constatação de uma verdadeira separação de atuações, na qual inexistiria conflito real entre as decisões

porque cada Tribunal age em esferas distintas e com fundamentos diversos. De um lado, o STF, que é o

guardião da Constituição e exerce o controle de constitucionalidade. Por exemplo, na ADPF 153 (controle

abstrato de constitucionalidade) a maioria dos votos decidiu que o formato amplo da anistia foi recepcionado

pela nova ordem constitucional. Por outro lado, a Corte de San José é guardiã da Convenção Americana de

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190

Sendo assim, se sob o ângulo do controle de constitucionalidade, no qual o

parâmetro é a Constituição, as normas de anistia são válidas; sob o ângulo do controle de

convencionalidade, no qual o parâmetro é a Convenção Americana sobre Direitos

Humanos, as normas de anistia carecem de efeitos jurídicos.

Portanto, a Emenda Constitucional n. 26/85 é uma norma constitucional

inconvencional, bem como é um dever do Estado Brasileiro, desde 1992, declarar sua

inconvencionalidade. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário têm o dever de

obedecer a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e realizar o

controle de convencionalidade das normas de anistia.

5.4.4. Ignorância, confusão e distinção: a breve análise da jurisprudência da Corte

Interamericana de Direitos Humanos no julgamento da ADPF 153

A OAB e o STF, no processo da ADPF 153 focaram-se na análise da

constitucionalidade das normas de anistia e, por isso, não analisaram adequadamente a

compatibilidade das normas de anistia com a Convenção Americana sobre Direitos

Humanos.

Não foi somente a petição da Ordem dos Advogados do Brasil que não cita o Pacto

de São José da Costa Rica, no julgamento da ADPF 153, o Relatório do Ministro Relator,

que foi acompanhado pela maioria dos ministros do STF, também ignora o Sistema

Interamericano de Direitos Humanos: não cita a Convenção Americana sobre Direitos

Humanos nenhuma vez; não cita a Comissão Interamericana de Direitos Humanos

nenhuma vez; bem como não cita diretamente a Corte Interamericana de Direitos

Direitos Humanos e dos tratados de direitos humanos que possam ser conexos. Exerce, então, o controle

de convencionalidade. Para a Corte IDH, a Lei de Anistia não é passível de ser invocada pelos agentes da

ditadura. Com base nessa separação, é possível dirimir o conflito aparente entre uma decisão do STF e da

Corte de San José. Assim, ao mesmo tempo em que respeita o crivo de constitucionalidade do STF, deve

ser incorporado o crivo de convencionalidade da Corte Interamericana de Diretos Humanos. Todo ato

interno (não importa a natureza ou origem) deve obediência aos dois crivos. Caso não supere um deles (por

violar direitos humanos), deve o Estado envidar todos os esforços para reparar a cessar a conduta ilícita e

reparar os danos causados. No caso da ADPF 153, houve o controle de constitucionalidade. No caso

Gomes Lund, houve o controle de convencionalidade. A anistia aos agentes da ditadura, para subsistir,

deveria ter sobrevivido intacta aos dois controles, mas só passou (com votos contrários, diga-se) por um, o

controle de constitucionalidade. Foi destroçada no controle de convencionalidade. Cabe, agora, aos órgãos

internos (Ministério Público, Poderes Executivo e Judiciário) cumprirem a sentença internacional. [...] Só

assim será possível evitar o antagonismo entre o Supremo Tribunal Federal e os órgãos internacionais de

direitos humanos, evitando ruptura e estimulando a convergência em prol dos direitos humanos.” (Cf.

RAMOS, André de Carvalho. op. cit. p. 412-413.).

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191

Humanos. No relatório de 42 páginas, o Ministro Eros Grau faz apenas uma citação

indireta à Corte IDH, de sete linhas.

A referida citação indireta afirma que a Corte Interamericana não poderia condenar

o Brasil pelo fato de o reconhecimento da jurisdição interamericana pelo Brasil ter sido

feito apenas para fatos posteriores a 1998 da seguinte forma:

conjurando o fantasma da condenação pela Corte Interamericana, a exemplo do precedente Arellano x Chile, a autoridade de seus arestos foi por nós reconhecida plenamente em 2002 (Dec. n. 4.463, de 8 de novembro de 2002) porém apenas ‘para fatos posteriores a 10 de dezembro de 1998’

455.

Sendo assim, segundo o Acórdão do STF, como o Brasil somente reconheceu a

competência da Corte IDH para fatos posteriores a 10 de dezembro de 1998, não teria a

referida Corte competência ratione temporis para julgar a compatibilidade da Lei de

Anistia, de 1979, com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Contudo, houve uma confusão na análise da referida jurisprudência. Ao contrário

do que afirma o Supremo Tribunal Federal, o reconhecimento da competência da Corte

pelo Brasil para fatos posteriores a 10 de dezembro de 1998 não impede a condenação

pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

No próprio caso Almonacid Arellano e outros Vs. Chile, citado pelo STF para

fundamentar a sua decisão, a Corte IDH declarou-se competente para julgar um crime

ocorrido antes do reconhecimento de sua competência e a vigência de uma lei de anistia

(similar à brasileira) promulgada também antes do reconhecimento de sua

competência456.

Portanto, ao contrário do que afirma o STF, a jurisprudência da Corte

Interamericana de Direitos Humanos, no Caso Almonacid Arellando e outros Vs. Chile,

não “conjura o fantasma da condenação pela Corte Interamericana”.

No julgamento do Caso Almonacid Arellano e outros Vs. Chile, na análise da

primeira exceção preliminar referente à competência ratione temporis, a Corte IDH,

primeiro, ressaltou que possui a competência de estabelecer sua própria competência, ao

afirmar que, de acordo com o princípio da “compétence de la compétence”, não pode

455

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão da ADPF nº 153, julgado em 29 de abril de 2010, pelo STF. p. 57. Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/adpf153.pdf. Acesso em: 17 maio 2015.

456 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Almonacid Arellano e outros Vs. Chile.

Sentença de 26 de setembro de 2006, parágrafos 39-51. p. 7-11.. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_154_esp.pdf. Acesso em: 17 maio 2015.

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192

deixar que os próprios Estados determinem quais fatos são excluídos de sua

competência. Segundo a Corte, a determinação da sua própria competência é um dever

da Corte IDH no exercício de suas funções jurisdicionais457.

Para fundamentar a razão pela qual teria competência para analisar o caso, a

Corte Interamericana de Direitos Humanos afirma que durante o trâmite de um processo

ocorrem atos independentes que podem configurar violações autônomas específicas da

Convenção Americana sobre Direitos Humanos e que, no caso Almonacid Arellano Vs.

Chile, alguns desses atos autônomos ocorreram após o reconhecimento da competência

contenciosa458.

Em seguida, ao analisar uma lei que anistiava os assassinos do Sr. Almonacid

Arellano, Corte IDH afirmou que não se pode afirmar que o descumprimento do art. 2 da

Convenção Americana ocorreu com a promulgação do Decreto-Lei de Anistia nº 2.191,

em 1978, e que, por isso, a Corte não tem competência ratione temporis.

Para a Corte, o início de descumprimento do art. 2 da Convenção ocorre quando o

Estado se obrigou a adequar a sua legislação interna à Convenção, ou seja, o início do

descumprimento ocorre no momento em que o Chile ratificou a Convenção. A Corte IDH

não tem competência para declarar uma presumida violação do art. 2 da Convenção no

momento em que o Decreto-Lei de Anistia chileno foi promulgado, em 1978, nem a

respeito de sua vigência e aplicação até 21 de agosto de 1990, data do reconhecimento

da competência, pelo fato de que até esse momento não existia nenhum dever do Estado

de adequar sua legislação interna ao estabelecido na Convenção Americana. Não

obstante, segundo a Sentença, a partir da referida data, existe para o Chile a obrigação e

a Corte IDH é competente para declarar se a cumpriu ou não459.

Em seguida, declarou-se competente para analisar o processo de julgamento do

assassinato de Almonacid Arellano, que ocorreu 17 de setembro de 1973, bem como a

compatibilidade do Decreto-Lei de Anistia nº 2.191/1978 com a Convenção Americana

457

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Almonacid Arellano e outros Vs. Chile. Sentença de 26 de setembro de 2006, parágrafo 45. p. 9. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_154_esp.pdf. Acesso em: 17 maio 2015.

458 A Corte se considerou competente para se pronunciar sobre o estabelecimento da competência da

jurisdição militar em prejuízo da jurisdição civil e a aplicação da Lei de Anistia no presente caso por parte das autoridades militares em virtude de terem ocorrido posteriormente a 21 de agosto de 1990. (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Almonacid Arellano e outros Vs. Chile. Sentença de 26 de setembro de 2006, parágrafos 48-49, p. 10-11. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_154_esp.pdf. Acesso em: 17 maio 2015.).

459 Ibid., parágrafo 50. p. 11.

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sobre Direitos Humanos, apesar do Chile somente ter reconhecido a competência da

Corte para fatos posteriores a 11 de março de 1990460.

Segundo a Corte IDH:

En lo que se refiere a la vigencia del Decreto Ley No. 2.191, no puede alegarse que el principio de ejecución del supuesto incumplimiento del artículo 2 de la Convención Americana se haya dado con la promulgación de éste en 1978, y que por ende la Corte no tiene competencia para conocer ese hecho. El principio de ejecución del supuesto incumplimiento del artículo 2 de la Convención Americana se produce cuando el Estado se obligó a adecuar su legislación interna a la Convención, es decir, al momento en que la ratificó. En otras palabras, la Corte no tiene competencia para declarar una presunta violación al artículo 2 de la Convención al momento en que dicho Decreto Ley fue promulgado (1978), ni respecto a su vigencia y aplicación hastael 21 de agosto de 1990, porque hasta ese momento no existía el deber del Estado de adecuar su legislación interna a los estándares de la Convención Americana. No obstante, a partir de esa fecha rige para Chile tal obligación, y esta Corte es competente para declarar si la ha cumplido o no

461.

Por fim, a Corte declarou que o Estado deve realizar o controle de

convencionalidade das leis462, que o Decreto-Lei de Anistia 2.191/78, por pretender

anistiar os responsáveis por crimes contra a humanidade é incompatível com a

Convenção Americana sobre Direitos Humanos e “carece de efeitos jurídicos”463, bem

como determina que o referido Decreto-Lei de Anistia não continue sendo um obstáculo

para a investigação, para o julgamento e para a punição dos responsáveis pelos crimes

cometidos contra Almonacid Arellano e nos casos similares464.

Sendo assim, o Caso Almonacid Arellano Vs. Chile, no qual a Corte IDH reconhece

a sua competência para analisar a convencionalidade de norma e de fatos que tiveram

460

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Almonacid Arellano e outros Vs. Chile. Sentença de 26 de setembro de 2006, p. 7-11. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_154_esp.pdf. Acesso em: 17 maio 2015.).

461 Ibid. parágrafo 50. p. 11.

462 A Corte IDH afirma que é consciente de que os juízes e tribunais internos estão sujeitos ao império da lei

e que, por isso, estão obrigados a aplicar as diposições vigentes no ordenamento jurídico interno. Contudo, segundo a Corte, quando um Estado ratifica um tratado internacional como a Convenção Americana, seus juízes, como parte do aparato do Estado, também estão submetidos à referida norma internacional. Sendo assim, para a Corte, o Poder Judiciário deve exercer um controle convencionalidade das normas jurídicas internas, que aplicam nos casos concretos, em face da Convenção Americana, levando em consideração não somente o tratado, mas também a interpretação deste realizada pela Corte Interamericana, intérprete última da Convenção Americana. (Ibid., parágrafo 124. p. 53. Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_154_esp.pdf. Acesso em: 17 maio 2015.).

463 Ibid. parágrafo 124. p. 59.

464 Ibid.

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194

promulgação e início antes do reconhecimento da sua competência, citado pelo STF para

fundamentar a sua decisão, é diametralmente oposto ao entendimento do STF de que,

pelo fato de o Brasil somente ter reconhecido a competência para fatos posteriores a

2008, a Corte IDH não poderia analisar os fatos e normas anteriores ao reconhecimento

da sua competência’465.

Portanto, se tivesse feito a análise da convencionalidade das normas de anistia,

conforme determina a única jurisprudência do Sistema Interamericano de Direitos

Humanos citada no relatório do Acórdão da ADPF 153, o Supremo teria reconhecido a

competência da Corte IDH para analisar fatos anteriores ao reconhecimento de sua

competência, teria realizado o controle de convencionalidade da Lei 6.683/79 e da

Emenda Constitucional nº 26/85, bem como estabelecido o dever do Poder Público de

investigar, julgar e, conforme o caso, punir os anistiados pela referidas normas466.

Além do Caso Almonacid Arellano Vs. Chile, antes do julgamento da ADPF 153, a

Corte IDH também já havia julgado a incompatibilidade das leis de anistia com a

Convenção Americana nos casos Barrios Altos Vs. Peru e La Cantuta Vs. Peru467.

No Caso Barrios Altos Vs. Peru (2001), a Corte IDH considerou incompatíveis com

a Convenção Americana sobre Direitos Humanos as normas internas de anistia nº 26.479

e 26.492, as disposições de prescrição e o estabelecimento de excludentes de

responsabilidade que tenham como objetivo impedir a investigação e a sanção dos

responsáveis por violações graves dos direitos humanos como a tortura, as execuções

sumárias e os desaparecimentos forçados, bem como reconheceu que o Estado violou os

465

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão da ADPF nº 153, julgado em 29 de abril de 2010, pelo STF. p. 57. Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/adpf153.pdf. Acesso em: 17 maio 2015.

466 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Almonacid Arellano e outros Vs. Chile.

Sentença de 26 de setembro de 2006, parágrafos 171.5 e 171.6, p. 65. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_154_esp.pdf. Acesso em: 17 maio 2015.

467 CONCI, Luiz Guilherme Arcaro. Decisões conflitantes do Supremo Tribunal Federal e da Corte

Interamericana de Direitos Humanos: vinculação ou desprezo. Estudos de homenagem ao prof. doutor Jorge Miranda. Coimbra: Coimbra, v. 5, p. 301-326, 2012, p. 313.

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195

arts. 1.1, 2, 4, 5, 8 e 25 da Convenção Americana e declarou que o Estado do Peru deve

investigar os fatos, divulgar os resultados e punir os responsáveis.468

No Caso “La Cantuta Vs. Peru” (2006), após citar decisões do Tribunal

Constitucional do Peru, que reconheceram efeitos vinculantes às sentenças da Corte

Interamericana de Direitos Humanos, bem como a incompatibilidade das leis de anistia

em face da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a Corte IDH declarou que a

sentença no Caso “Barrios Altos Vs. Peru” (2001) está “plenamente incorporada no

ordenamento jurídico interno”469.

O dever de investigar e de punir as violações graves dos direitos humanos, bem

como o entendimento de que o descumprimento dessa obrigação viola a Convenção

Americana sobre Direitos Humanos, é citado no voto vencido do Ministro Ricardo

Lewandowski470.

Além da breve citação indireta do Ministro Eros Grau e da breve menção no voto

vencido do Ministro Ricardo Lewandowski, o único outro Ministro a abordar a Corte

Interamericana de Direitos Humanos foi Ministro Celso de Mello.

Como a petição inicial da OAB informou que a Corte Interamericana sobre Direitos

Humanos entende que são apenas incompatíveis com a Convenção Americana as leis de

autoanistia, o Ministro Celso de Mello, em seu voto, após citar os casos “Barrios Altos Vs.

468

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Barrios Altos Vs. Peru. Sentença de 14 de março de 2001, parágrafo 51. p. 17-18. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/Seriec_75_esp.pdf. Acesso em: 20 maio 2015.

469 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Caso La Cantuta Vs. Peru. Sentença de

29 de novembro de 2006, parágrafos 185-186, p. 94. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_162_esp.pdf. Acesso em: 20 maio 2015.

470 Para Ricardo Lewandowski, “na mesma linha, a corte Interamericana de direitos Humanos afirmou que

os Estados Partes da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – também internalizada pelo Brasil – têm o dever de investigar, ajuizar e punir as violações graves aos direitos humanos, obrigação que nasce a partir do momento da ratificação do seu texto, conforme estabelece o seu art. 1.1. A Corte Interamericana acrescentou, ainda, que o descumprimentos dessa obrigação configura uma violação à Convenção, gerando a responsabilidade internacional do Estado, em face da opção ou omissão de quaisquer dos seus poderes ou órgãos.” (Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudência. Acórdão da ADPF nº 153. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=612960. Acesso em: 16 maio 2015.).

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196

Peru” (2001) e “Almonacid Arellano e outros Vs. Chile” (2006), faz uma distinção entre a

Lei de Anistia brasileira e as leis de anistia do Chile e do Peru471.

Para o Ministro, a Corte IDH proclamou somente incompatibilidade com os

princípios consagrados na Convenção Americana de Direitos Humanos das leis nacionais

de autoanistia, ou seja, as leis de anistia que concederam perdão “unicamente, a agentes

estatais.”472

A razão dos diversos precedentes firmados pela Corte Interamericana de Direitos

Humanos, para Celso de Mello, apoia-se no reconhecimento de que o Pacto de São José

da Costa Rica não tolera o esquecimento penal de violações aos direitos fundamentais da

pessoa humana nem legitima leis nacionais que amparam e protegem criminosos que

ultrajaram, de modo sistemático, valores essenciais protegidos pela Convenção

Americana de Direitos Humanos e que cometeram delitos, como o homicídio, o sequestro,

o desaparecimento forçado das vítimas, o estupro, a tortura e outros atentados aos

opositores dos regimes de exceção que existiram, em determinado momento histórico, em

inúmeros países da América Latina473.

A Lei de Anistia brasileira, de acordo com o voto do Ministro, por ser bilateral, não

pode ser qualificada como uma lei de autoanistia, o que tornaria inconsistente, para fins

do julgamento da ADPF 153, a invocação dos precedentes da Corte IDH474.

Portanto, salvo as breves exceções acima mencionadas, o STF, pelo voto da

maioria dos seus membros, que acompanharam o relator, não levou em consideração a

Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a jurisprudência pacífica da Corte

Interamericana dos Direitos Humanos, no julgamento da ADPF 153, em 29 de abril de

2010, que reconheceu a compatibilidade com o ordenamento judírico da Lei 6.683/79 e da

Emenda Constitucional 26/85.

471

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Jurisprudencia. Voto do Ministro Celso de Mello na ADPF nº 153, p. 26. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF153CM.pdf. Acesso em: 21 maio 2015.

472 Ibid.

473 Ibid., p. 26-27.

474 Ibid., p. 27.

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197

5.4.5. A condenação da República Federativa do Brasil pela Corte Interamericana de

Direitos Humanos

Após o STF, na dimensão do controle de constitucionalidade, analisar a

compatibilidade da Emenda Constitucional n. 26/85 e a Lei 6.683/79 com a Constituição

de 1988, concluindo pela compatibilidade com o ordenamento jurídico das referidas

normas de anistia, em 24 de novembro de 2010, a Corte IDH, mantendo a sua

jurisprudência pacífica e consolidada, na dimensão do controle de convencionalidade, na

qual analisou a compatibilidade exclusivamente da Lei 6.683/79 em face da Convenção

Americana sobre Direitos Humanos, após afirmar que as graves violações dos direitos

humanos cometidas no Brasil constituem crimes que são insuscetíveis de anistia e

imprescritíveis475, citar as suas decisões anteriores que declaram carecer de efeitos

jurídicos as leis de anistia similares476, da Comissão Interamericana477 e de diversas

instituições internacionais478 como, por exemplo, o Conselho de Direitos Humanos479, no

âmbito do Sistema Global, da Corte Europeia de Direitos Humanos480 e da Comissão

475

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) Vs. Brasil. Sentença de 24 de novembro de 2010. Parágrafo 127 e ss., p. 48 e ss. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_esp.pdf. Acesso em: 22 maio 2015.

476 A Corte IDH afirmou que já havia pronunciado sobre a incompatibilidade com a Convenção Americana

em casos graves de violação aos direitos humanos relativos ao Peru (Barrios Altos y La Cantuta) e Chile (Almonacid Arellano y otros). (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) Vs. Brasil. Sentença de 24 de novembro de 2010. Parágrafo 148, p. 55. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_esp.pdf. Acesso em: 22 maio 2015.).

477 Segundo a Corte IDH, a Comissão Interamericana declarou incompatíveis com a Convenção Americana

as leis de anistia da Argentina, Chile, El Salvador, Haití, Peru e Uruguay. (Ibid. parágrafo 149, p. 55.

478 Ibid. parágrafo 150 e ss., p. 56 e ss.

479 O Conselho de Direitos Humanos, no Caso Hugo Rodríguez Vs. Uruguay, afirmou que não se pode

aceitar o entendimento que um Estado não está obrigado a investigar violações aos direitos humanos cometidas durante um regime anterior em virtude de uma lei de anistia, bem como declarou que as anistias para violações graves dos direitos humanos são incompatíveis com o Pacto Internacional de Deritos Civis e Políticos. Para o Conselho, as anistias contribuem para criar uma atmosfera de impunidade que pode abater a ordem democrática e permitir outras graves violações dos direitos humanos. (Caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) Vs. Brasil. Sentença de 24 de novembro de 2010. Parágrafo 157, p. 58. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_esp.pdf. Acesso em: 23 maio 2015.).

480 Ibid. parágrafo 162 p. 59.

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198

Africana de Direitos Humanos481, declarou a Lei de Anistia incompatível com os artigos

1.1, 2, 8.1 e 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos482, carente de efeitos

jurídicos, bem como que a mesma não poderia continuar representando um obstáculo a

identificação e punição dos responsáveis pelas graves violações dos direitos humanos483.

Segundo a Corte IDH, a forma pela qual foi interpretada e aplicada a Lei de Anistia

afetou o dever internacional do Estado brasileiro de investigar e de punir os responsáveis

pelas graves violações dos direitos humanos ao impedir que os familiares das vítimas

fossem ouvidos por um juiz, conforme o disposto no artigo 8.1 da Convenção Americana

sobre Direitos Humanos, bem como violou o direito à proteção judicial consagrado no art.

25 da Convenção precisamente pelo fato de não ter havido investigação, persecução

penal, prisão, julgamento e punição dos responsáveis pelas violações484.

Além de ter descumprido o art. 1.1 da Convenção, para a Corte, ao aplicar a Lei de

Anistia de uma forma que impediu a investigação dos fatos e a identificação, o julgamento

e a eventual sanção dos possíveis responsáveis pelas violações continuadas e

permanentes como as desaparições forçadas, o Brasil também descumpriu a obrigação

de adequar o seu direito interno, conforme determina o art. 2 da Convenção Americana485.

A questão preliminar da competência ratione temporis, em virtude de o Brasil ter

reconhecido a competência da Corte IDH, sob a condição de que somente fatos

posteriores a 10 de novembro de 1998 pudessem ser analisados, foi resolvida, utilizando

a jurisprudência da própria Corte IDH486 487, com o entendimento de que os atos de

caráter contínuo ou permanente, como os desaparecimentos forçados, por exemplo,

481

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) Vs. Brasil. Sentença de 24 de novembro de 2010. Parágrafo 161, p. 59. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_esp.pdf. Acesso em: 23 maio 2015.

482 Ibid. parágrafo 126, p. 47.

483 Ibid., p. 115-116.

484 Ibid., parágrafo 126, p. 165.

485 Ibid., parágrafo 126, p. 165.

486 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Heliodoro Portugal Vs. Panamá, Sentença

de 12 de agosto de 2008. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/cf/Jurisprudencia2/index.cfm?lang=es. Acesso em: 3 set. 2015.

487 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Irmãs Serrano Cruz Vs. El Salvador.

Sentença de 23 de novembro de 2004. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/cf/Jurisprudencia2/index.cfm?lang=es. Acesso em: 3 set. 2015.

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199

iniciam-se com a privação da liberdade da pessoa e a subsequente falta de informação

sobre o seu destino, e permanecem até quando não se conheça o paradeiro da pessoa

desaparecida e os fatos não tenham sido esclarecidos488.

Como o desaparecimento forçado possui caráter contínuo, a Corte IDH declarou-se

competente para analisar os desaparecimentos forçados das vítimas a partir do

reconhecimento, pelo Brasil, de sua competência contenciosa, bem como também

competente para poder examinar e se pronunciar sobre as demais violações dos direitos

humanos que ocorreram ou persistiram a partir de 10 de dezembro de 1998, como, por

exemplo, a falta de investigação, de julgamento e de sanção dos responsáveis, bem como

as restrições ao direito de acesso a informação489.

Quanto ao argumento da OAB e do Ministro Celso de Mello a respeito de que não

se tratou de uma autoanistia, mas, sim, de um “acordo político”, a Corte IDH reiterou que

a incompatibilidade em relação à Convenção Americana sobre Direitos Humanos inclui as

anistias de graves violações de direitos humanos e não se restringe somente às

denominadas “autoanistias”490.

A Corte IDH ressaltou a obrigação do Poder Judiciário brasileiro de realizar o

controle de convencionalidade da norma de anistia, em virtude do fato de estar

internacionalmente obrigado a exercer um “controle de convencionalidade” ex officio entre

as normas internas e a Convenção Americana491.

Segundo a Corte, ao realizar o controle de convencionalidade, o Poder Judiciário

deve levar em conta não somente o tratado, mas também a interpretação que a ele

conferiu a Corte Interamericana, intérprete última da Convenção Americana492.

O Supremo Tribunal Federal, para a Corte IDH, em vez de realizar o controle de

convencionalidade, confirmou a validade da Lei de Anistia, sem considerar as obrigações

488

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguais Vs. Brasil). Sentença de 24 de novembro de 2010. Parágrafos 16-18, p. 9-10. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_esp.pdf. Acesso em: 22 maio 2015.

489 Ibid. parágrafos 16-18, p. 10.

490 Ibid., p. 66.

491 Ibid., p. 66.

492 Ibid., p. 66.

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200

internacionais do Brasil, particularmente aquelas estabelecidas nos artigos 8.1 e 25 da

Convenção Americana, em relação com os artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento493.

A Corte recordou que a obrigação de cumprir as obrigações internacionais

voluntariamente contraídas corresponde a um princípio básico do direito sobre a

responsabilidade internacional dos Estados, respaldado pela jurisprudência internacional

e nacional, segundo o qual aqueles devem acatar suas obrigações convencionais

internacionais de boa-fé (pacta sunt servanda), bem como salientou que, em virtude do

artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, o Brasil não

pode, por razões de ordem interna, descumprir obrigações internacionais. Para a Corte,

as obrigações convencionais do Brasil vinculam todos os seus poderes e órgãos, os quais

devem garantir o cumprimento das disposições convencionais e seus efeitos próprios no

plano de seu direito interno494.

Segundo a Corte IDH:

En el presente caso, el Tribunal observa que no fue ejercido el control de convencionalidad por las autoridades jurisdiccionales del Estado y que, por el contrario, la decisión del Supremo Tribunal Federal confirmó la validez de la interpretación de la Ley de Amnistía sin considerar las obligaciones internacionales de Brasil derivadas del derecho internacional, particularmente aquellas establecidas en los artículos 8 y 25 de la Convención Americana, en relación con los artículos 1.1 y 2 de la misma. El Tribunal estima oportuno recordar que la obligación de cumplir con las obligaciones internacionales voluntariamente contraídas corresponde a un principio básico del derecho sobre la responsabilidad internacional de los Estados, respaldado por la jurisprudencia internacional y nacional, según el cual aquellos deben acatar sus obligaciones convencionales internacionales de buena fe (pacta sunt servanda). Como ya ha señalado esta Corte y lo dispone el artículo 27 de la Convención de Viena sobre el Derecho de los Tratados de 1969, los Estados no pueden, por razones de ordeninterno, incumplir obligaciones internacionales. Las obligaciones convencionales de los Estados Parte vinculan a todos sus poderes y órganos, los cuales deben garantizar el cumplimiento de las disposiciones convencionales y sus efectos propios (effet utile) en el plano de su derecho interno

495.

493

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguais Vs. Brasil). Sentença de 24 de novembro de 2010. Parágrafo 177, p. 66. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_esp.pdf. Acesso em: 22 maio 2015.

494 Ibid., parágrafo 177, p. 66.

495 Ibid., parágrafo 177, p. 66.

Page 203: PABLO VIANA PACHECO NORMAS CONSTITUCIONAIS … Viana... · O descumprimento pela República Federativa do Brasil da sentença da Corte Interamericana no Caso Gomes Lund e outros (Guerrilha

201

Por fim, declarou que as disposições da Lei de Anistia são incompatíveis com a

Convenção Americana sobre Direitos Humanos e carecem de efeitos jurídicos496, bem

como que o Brasil não cumpriu a obrigação de adequar seu direito interno à Convenção

Americana sobre Direitos Humanos497.

5.4.6. O descumprimento pela República Federativa do Brasil da sentença da Corte

Interamericana no Caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) Vs.

Brasil

No dia 17 de outubro de 2014, a Corte Interamericana emitiu uma resolução na

qual supervisionou o cumprimento pelo Estado brasileiro da sua sentença no Caso

Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) Vs. Brasil, de 24 de novembro de 2010498.

Na resolução, com relação à obrigação de não permitir que a Lei de Anistia

continue sendo um obstáculo para a investigação, para o julgamento e para a punição dos

responsáveis pelas graves violações dos direitos humanos, a Corte constatou que, até

2014, o Ministério Público somente tinha iniciado duas ações penais499 contra membros

do Exército pelo delito de sequestro qualificado, nas quais se analisava a

responsabilidade pelas violações cometidas contra 6 das 62 duas pessoas declaradas

vítimas na Sentença no Caso Gomes Lund, de 24 de novembro de 2010, bem como

496

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do

Araguais Vs. Brasil). Sentença de 24 de novembro de 2010. pp. 115-116. Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_esp.pdf. Acesso em: 22 maio 2015.

497 Ibid., p. 116.

498 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do

Araguaia) Vs. Brasil. Resolução de 17 de outubro de 2014. Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/docs/supervisiones/gomes_17_10_14.pdf. Acesso em: 2 dez. 2015.

499 As ações penais foram as seguintes: ação penal n. 1162-79.2012.4.01.3901, interposta em 14 de março

de 2012, pelo Ministério Público Federal contra um “Coronel do Exército” pelo delito de sequestro

qualificado em virtude do desaparecimento forçado de Maria Célia Corrêa, Hélio Luiz Navarro de

Magalhães, Daniel Ribeiro Callado, Antônio de Pádua e Telma Regina Cordeiro Corrêa; ação penal n. 4334-

29.2012.4.01.3901, interposta em 16 de julho de 2012, pelo Ministerio Público Federal contra um “Tenente-

Coronel do Exército” pelo delito de “sequestro qualificado, em virtude do desaparecimento forçado de Divino

Ferreira de Souza”.

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202

demonstrou preocupação pelo fato de as duas ações se encontrarem paralisadas em

virtude de decisões judiciais favoráveis aos indiciados 500.

Segundo a corte IDH:

En ese sentido, este Tribunal observa con preocupación que a más de tres años y once meses de la emisión de la Sentencia, sólo se hayan iniciado dos acciones penales que comprenden únicamente a dos presuntos responsables de las violaciones cometidas en perjuicio de 6 de las 62 personas declaradas como víctimas en el presente caso y que, actualmente, ambas acciones se encuentran paralizadas en virtud de las decisiones judiciales favorables a los imputados en los recursos de habeas corpus

501

Constatou também que a Justiça Federal de primeira instância e o Tribunal Federal

Regional da Primeira Região reconheceram a validade da Lei de Anistia, com fundamento

no Acórdão do Supremo Tribunal, na ADPF 153, mesmo após a referida lei ter sido

considerada inconvencional pela Corte Interamericana de Direitos Humanos502.

Em suas decisões, o Poder Judiciário brasileiro afirma a persecução penal, vista à

luz do julgamento do STF na ADPF n. 153, carece de possibilidade jurídica e que a

decisão da Corte Interamericana no Caso Gomes Lund não interfere no direito de punir do

Estado, nem na eficácia do Acórdão do STF sobre a matéria na ADPF 153503.

Após afirmar que o Acórdão do STF não pode ser utilizado para fundamentar

decisões que violem a decisão da Corte IDH no Caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do

Araguaia) Vs. Brasil504, a Corte IDH declarou que as decisões judiciais que aplicam a Lei

de Anistia comprometem a responsabilidade internacional do Brasil e perpetuam a

impunidade de graves violações dos direitos humanos, bem como constituem um franco

desconhecimento da decisão da Corte e do Direito Internacional dos Direitos Humanos505.

500

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do

Araguaia) Vs. Brasil. Resolução de 17 de outubro de 2014. parágrafos 11-14, p. 6-8. Disponível em:

http://www.corteidh.or.cr/docs/supervisiones/gomes_17_10_14.pdf. Acesso em: 2 dez. 2015.

501 Ibid. parágrafo 14, p. 8.

502 Ibid., parágrafo 17. p. 10.

503 Ibid., p. 10.

504 Ibid., pp. 10-11.

505 Ibid., p. 11.

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203

Como nas decisões não foi efetuado o controle de convencionalidade entre as

normas internas e a Convenção Americana, a Corte Interamericana reafirmou a obrigação

dos juízes e dos tribunais brasileiros de efetuar um controle de convencionalidade,

levando em consideração não somente o tratado internacional, mas também a

interpretação dada a este pela Corte Interamericana, intérprete última da Convenção

Americana506.

Para a Corte IDH, é inaceitável que as autoridades brasileiras descumpram a sua

sentença. Por isso, o Brasil não pode utilizar decisões judiciais internas como justificativa

para o descumprimento da sua sentença, mesmo quando tais decisões provenham do

tribunal de mais alta hierarquia no ordenamento jurídico interno. Independentemente das

interpretações internas, segundo o Corte, a sentença no Caso Gomes Lund tem caráter

de coisa julgada internacional e é vinculante em sua integralidade507.

Para a Corte Interamericana:

La Corte considera que en el marco de las referidas acciones penales iniciadas por hechos del presente caso se han emitido decisiones judiciales que interpretan y aplican la Ley de Amnistía del Brasil de una forma que continúa comprometiendo la responsabilidad internacional del Estado y perpetúa la impunidad de graves violaciones de derechos humanos en franco desconocimiento de lo decidido por esta Corte y el Derecho Internacional de los Derechos Humanos. En las referidas decisiones judiciales no fue efectuado el control de convencionalidad entre las normas internas y la Convención Americana. La Corte insiste en la obligación de los jueces y tribunales internos de efectuar un control de convencionalidad, máxime cuando existe cosa juzgada internacional, ya que los jueces y tribunales tienen un importante rol en el cumplimiento o implementación de la Sentencia de la Corte Interamericana. El órgano judicial tiene la función de hacer prevalecer la Convención Americana y los fallos de esta Corte sobre la normatividad interna, interpretaciones y prácticas que obstruyan el cumplimiento de lo dispuesto en un determinado caso. En esta tarea, deben tener en cuenta no solamente el tratado, sino también la interpretación que del mismo ha hecho la Corte Interamericana, intérprete última de la Convención Americana

508.

Por fim, após afirmar que o Estado brasileiro não está cumprindo as suas

obrigações internacionais, declarou que, apesar das determinadas ações dirigidas ao

cumprimento da Sentença no Caso Gomes Lund, que a interpretação e a aplicação da Lei

de Anistia em determinadas decisões judiciais continam sendo um obstáculo para a

506

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) Vs. Brasil. Resolução de 17 de outubro de 2014. p. 11. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/supervisiones/gomes_17_10_14.pdf. Acesso em: 2 dez. 2015.

507 Ibid., p. 11.

508 Ibid., parágrafo 19. p. 11

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204

investigação dos fatos no presente caso e para a eventual punição dos responsáveis

pelas violações dos direitos humanos509.

509

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) Vs. Brasil. Resolução de 17 de outubro de 2014. parágrafo 19 e ponto dispositivo nº 5. pp. 11 e 41. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/supervisiones/gomes_17_10_14.pdf. Acesso em: 2 dez. 2015.

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205

CONCLUSÃO

Os seres humanos conseguiram impor ao Estado quatro dimensões de controle,

que criam quatro gerações de direitos. Cada dimensão implanta os seus respectivos

instrumentos de controle do Estado, conforme analisado no Capítulo 1.

As normas constitucionais que estabelecem a prisão do depositário infiel (inciso

LXVII do art. 5º da CRFB/88); o foro privilegiado para autoridades (alíneas “b” e “c” do

inciso I do art. 102 da Constituição de 1988, na forma como estão regulamentados pelo

inciso I do art. 5º e alíneas “j” e “k” do inciso I do art. 9º do Regimento Interno do STF) e a

norma constitucional de anistia (Emenda Constitucional n. 26/85) são normas

constitucionais inconvencionais.

Como a República Federativa do Brasil se comprometeu a cumprir os tratados

(pacta sunt servanda) de boa-fé (bona fides), conforme estabelece o art. 26 da

Convenção de Viena sobre Direitos dos Tratados; a não invocar as disposições de seu

direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado, em conformidade com o art.

27 do mesmo diploma internacional; a respeitar os direitos humanos, nos termos do art.

1.1 da CADH; a garantir e promover os direitos humanos, nos termos do § 3º do art. 1º e

do § 1º do art. 2º do PIDCP; a tormar medidas legislativas ou de outra natureza que forem

necessárias para tornar efetivos os direitos humanos (art. 2 da CADH), a realizar um

controle de convencionalidade do direito interno incompatível com a CADH, conforme

estabelece a jurisprudência da Corte IDH, para garantir e tornar efetivos os direitos

humanos; bem como se submeteu à Convenção Americana sobre Direitos Humanos e

reconheceu como obrigatória e de pleno direito a competência da Corte Interamericana de

Direitos Humanos; além de ter se obrigado respeitar as suas decisões (Art. 68.1 da

CADH); o Estado tem o dever de realizar um controle de convencionalidade das suas

normas constitucionais inconvencionais.

Dessa forma, desde 1992, o Brasil tem o dever de realizar o controle de

convencionalidade da norma que permite a prisão do depositário infiel (inciso LXVII do art.

5º da CRFB/88), das normas que estabelecem o foro privilegiado para autoridades

(alíneas “b” e “c” do inciso I do art. 102 da Constituição de 1988, na forma como estão

regulamentados atualmente pelo inciso I do art. 5º e alíneas “j” e “k” do inciso I do art. 9º

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206

do Regimento Interno do STF) e das normas de anistia (Emenda Constitucional n. 26/85 e

Lei 6.683/79).

Após ter sido apresentada denúncia contra o Estado brasileiro perante a Comissão

Interamericana de Direitos Humanos por violação do art. 7.7 da CADH, no julgamento do

RE 466.343-1/SP, o Estado brasileiro realizou o controle de convencionalidade judicial do

inciso LXVII do art. 5º da CRFB/88, conforme foi analisado na seção 5.2 da presente

Tese.

Além de realizar o controle de convencionalidade judicial do inciso LXVII do art. 5º

da CRFB/88, em cumprimento do dever de adequar o direito interno previsto no art. 2º da

Conveção Americana sobre Direitos Humanos, o Estado brasileiro, no âmbito legislativo,

tentou adaptar as normas que regulamentam o julgamento das altas autoridades da

República, pelo Supremo, previsto nas alíneas “b” e “c” do inciso I do art. 102 da

Constituição de 1988, à interpretação dada pela jurisprudência da Corte Interamericana

de Direitos Humanos ao disposto na alínea “h” do art. 8 da Convenção, conforme foi

analisado na seção 5.3.

Contudo, a alteração introduzida no Regimento Interno para tentar adequá-lo ao

disposto na alínea “h” do art. 8 da CADH não conseguiu corrigir totalmente a

inconvencionalidade das referidas normas, conforme visto na parte final da seção 5.3.

Se, por um lado, com relação à inconvencionalidade das normas que

estabeleciam a prisão do depositário infiel, a atitude foi de total submissão à Convenção

Americana de Direitos Humanos e, com relação à inconvencionalidade das normas que

negavam o direito ao duplo grau de jurisdição, houve, ao menos, uma tentativa de tornar

compatíveis as normas à jurisprudência da Corte Interamericana; por outro lado, com

relação às normas que anistiavam os que cometeram crimes políticos e conexos durante

o regime militar, o Supremo Tribunal Federal se colocou em uma posição de confronto

com a Corte Interamericana de Direitos Humanos, bem como fez o Brasil continuar a

praticar um ilícito internacional, conforme analisado na seção 5.4.

Sendo assim, para concluir o procedimento de controle de convencionalidade do

inciso LXVII do art. 5º da CRFB/88, já realizado parcialmente no âmbito judicial, o Poder

Constituinte nacional deve realizar um controle de convencionalidade legislativo,

emendando a Constituição de 1988, de forma a suprimir a permissão constitucional para a

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prisão do depositário infiel, com o objetivo de adequar o texto constitucional ao disposto

no art. 7.7 da CADH.

Para respeitar o direito humano previsto na alínea “h” do art. 8 da Convenção

Americana, o Estado brasileiro precisa modificar adequadamente as normas que

regulamentam as alíneas “b” e “c” do inciso I do art. 102 da Constituição de 1988, de

modo a permitir a existência para todas as altas autoridades da República de um recurso

acessível, sem restrições ou formalidades que permita a revisão integral da decisão

recorrida.

Para respeitar os direitos humanos previstos nos artigos 8.1 e 25 da Convenção

Americana, o Estado brasileiro necessita declarar a inconvencionalidade das normas de

anistia e investigar, julgar e punir os responsáveis pelas graves violações dos direitos

humanos anistiadas.

Portanto, da mesma forma que realizou o controle judicial de convencionalidade do

inciso LXVII do art. 5º da CRFB/88, é absolutamente necessário que o Brasil emende a

Constituição de 1988 para retirar a possibilidade de prisão do depositário infiel do seu

texto, bem como realize o controle de convencionalidade das normas de anistia e das

normas que violam o direito humano ao duplo grau de jurisdição.

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