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PAINÉIS COMO ELEMENTOS DE IDENTIDADE: um estudo em Belo Horizonte ROCHA, JULIANA F. (1); PEREIRA, TATIANE F. M. (2); SILVA, LUCIANA B. e (3), MAGALHÃES, CLÁUDIO JOSÉ (4) 1. UFV. Departamento de Arquitetura e Urbanismo Campus Universitário - Viçosa, MG - 36570-000. E-mail: dau@ufv.br 2. UFV. Departamento de Arquitetura e Urbanismo Campus Universitário - Viçosa, MG - 36570-000. E-mail: dau@ufv.br 3. UFV. Departamento de Arquitetura e Urbanismo Campus Universitário - Viçosa, MG - 36570-000. E-mail: dau@ufv.br 4. UFV. Departamento de Arquitetura e Urbanismo Campus Universitário - Viçosa, MG - 36570-000. E-mail: dau@ufv.br RESUMO Este artigo é o resultado da pesquisa “Relações entre artes plásticas e arquitetura: Um estudo interdisciplinar”, realizada no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Viçosa, o qual teve como foco a análise da relação que se estabelece entre edificações modernistas em Belo Horizonte e os painéis a estas integrados, que foram realizados por artistas de grande destaque no modernismo no Brasil, como Di Cavalcanti, Cândido Portinari e Yara Tupinambá, entre outros. O estudo surgiu a partir da necessidade de se estudar a relação existente entre os elementos arquitetônicos e artísticos na percepção do espaço modernista, e, pela carência de trabalhos relacionados a essa área, em especial durante o movimento moderno em Minas Gerais. A pesquisa foi fundamentada a partir de análises estilísticas das obras arquitetônicas, das artes plásticas e o estudo de como é a interação mútua entre painel, espaço e usuário, com base em bibliografias na área e visitas aos locais selecionados. Neste artigo, optou-se por destacar duas das obras analisadas durante a pesquisa: a primeira é o Edifício da Reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais e o painel interno de autoria da artista mineira Yara Tupinambá que materializa em sua obra um dos acontecimentos históricos mais importantes para o estado de Minas Gerais, a Inconfidência Mineira; o segundo objeto de estudo em destaque é o Edifício da Escola de Arquitetura da UFMG e o painel interno do artista plástico Haroldo de Matos, que retrata a construção do edifício. É possível perceber que estes painéis utilizam o edifício como um meio de comunicação acessível a um maior público. A importância deste trabalho é, portanto, enfatizar o caráter comunicativo, os valores artísticos, culturais, históricos, dos painéis para que sejam vistos não como elementos simples e puramente decorativos, mas como elementos arquitetônicos que registram e documentam momentos históricos

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PAINÉIS COMO ELEMENTOS DE IDENTIDADE: um estudo em Belo Horizonte

ROCHA, JULIANA F. (1); PEREIRA, TATIANE F. M. (2); SILVA, LUCIANA B. e (3), MAGALHÃES, CLÁUDIO JOSÉ (4)

1. UFV. Departamento de Arquitetura e Urbanismo Campus Universitário - Viçosa, MG - 36570-000.

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2. UFV. Departamento de Arquitetura e Urbanismo Campus Universitário - Viçosa, MG - 36570-000.

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RESUMO Este artigo é o resultado da pesquisa “Relações entre artes plásticas e arquitetura: Um estudo

interdisciplinar”, realizada no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Viçosa, o qual teve como foco a análise da relação que se estabelece entre edificações modernistas em Belo Horizonte e os painéis a estas integrados, que foram realizados por artistas de grande destaque no modernismo no Brasil, como Di Cavalcanti, Cândido Portinari e Yara Tupinambá, entre outros. O estudo surgiu a partir da necessidade de se estudar a relação existente entre os elementos arquitetônicos e artísticos na percepção do espaço modernista, e, pela carência de trabalhos relacionados a essa área, em especial durante o movimento moderno em Minas Gerais. A pesquisa foi fundamentada a partir de análises estilísticas das obras arquitetônicas, das artes plásticas e o estudo de como é a interação mútua entre painel, espaço e usuário, com base em bibliografias na área e visitas aos locais selecionados. Neste artigo, optou-se por destacar duas das obras analisadas durante a pesquisa: a primeira é o Edifício da Reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais e o painel interno de autoria da artista mineira Yara Tupinambá que materializa em sua obra um dos acontecimentos históricos mais importantes para o estado de Minas Gerais, a Inconfidência Mineira; o segundo objeto de estudo em destaque é o Edifício da Escola de Arquitetura da UFMG e o painel interno do artista plástico Haroldo de Matos, que retrata a construção do edifício. É possível perceber que estes painéis utilizam o edifício como um meio de comunicação acessível a um maior público. A importância deste trabalho é, portanto, enfatizar o caráter comunicativo, os valores artísticos, culturais, históricos, dos painéis para que sejam vistos não como elementos simples e puramente decorativos, mas como elementos arquitetônicos que registram e documentam momentos históricos

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importantes que corroboram para a identidade de um povo e da própria edificação. Sendo assim, o objetivo é contribuir para a valorização tanto dos painéis quanto dos edifícios, para tentar garantir que seus valores históricos e culturais tenham continuidade nas próximas gerações. Palavras-chave: painel; mural; modernismo; arquitetura; patrimônio.

INTRODUÇÃO

Se expressar graficamente tem origem na necessidade de comunicação social,

documentação e registros de fatos e acontecimentos. Desde a pré-história, por exemplo, o

homem já utilizava as paredes das cavernas como “telas”, com o objetivo de registrar suas

atividades cotidianas através de imagens e figuras que representavam seus combates com

animais ou com tribos rivais, que cumpriam o objetivo de comunicação e, hoje, são um

importante legado histórico e também artístico.

Durante toda história da humanidade, pode ser observado que mesmo com o passar

dos séculos, as civilizações continuaram a registrar sua cultura, história, de vários modos

diferentes (nas pinturas, esculturas, na música e também na própria arquitetura), em estilos

diferentes, o que torna o estudo da história das civilizações ainda mais instigante e

complexo, devido a sua pluralidade. Como coloca o historiador Lucien Febvre:

A História faz-se, sem dúvida, com documentos escritos. Quando os há. Mas pode fazer-se, deve fazer-se, sem documentos escritos, se estes não existirem. Com tudo o que o engenho do historiador pode permitir que seja utilizado para fabricar o seu mel, na falta das flores de costume. Portanto, com palavras. Com indícios. Com paisagens e telhas. Modos de campo e ervas daninhas. Eclipses da Lua e cabrestos. Peritagens de pedras por geólogos e análises de espadas de metal por químicos. Numa palavra, com tudo o que, sendo do Homem, depende do Homem, serve para o Homem, exprime o Homem, significa a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do Homem. (FEBVRE, 1985, p.249)

Portanto, o estudo antropológico das civilizações não é tangível apenas através de

escritos, mas também de todo o modo no qual se vivia ou no que estivesse presente no

local, desde artefatos do cotidiano a ruínas de uma cidade ou uma apenas uma edificação.

O presente trabalho se insere no eixo temático “Arquitetura e documentação: a

pesquisa na área da história da Arquitetura e do Urbanismo” deste evento e pretende

discutir o uso de painéis em edifícios públicos como forma de registrar e documentar um

acontecimento considerado importante para um certo grupo social.

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OBJETIVOS

Este artigo tem como principais objetivos apresentar análises de elementos plásticos,

formais e simbólicos dos painéis, relacionando-os aos edifícios onde estão instalados e

apresentar conhecimento técnico e teórico sobre esses bens. Com isso, visa-se frisar a

importância da conservação tanto dos edifícios quanto dos painéis como documentação de

uma identidade artística, histórica de um grupo social.

MATERIAIS E MÉTODOS

O projeto teve início com levantamento e criação de uma base de dados de edifícios que

receberam obras de artistas importantes no cenário modernista mineiro e consultas em

referências bibliográficas de grande destaque nas áreas de arquitetura, artes plásticas e

espaço com finalidade de aumentar o vocabulário, entender melhor os conceitos e

consequentemente adquirir maior conhecimento nessas áreas.

Em seguida, realizou-se a seleção dos edifícios e painéis neles instalados que seriam de

maior interesse para a pesquisa, baseando-se em análises in loco, quando foi possível um

maior contato com a obra e pode-se perceber como ela está inserida em seu entorno. Além

disso, foram realizadas observações qualitativas sobre a representatividade que esses bens

possuem perante a história não só mineira, mas no contexto do desenvolvimento do

Modernismo no Brasil.

A partir de então, a pesquisa dividiu-se em dois momentos. No primeiro, foram

analisadas características plásticas isoladas de cada mural, referentes a questões técnicas

e estilísticas utilizadas pelos artistas. Já no segundo momento, a atenção voltou-se para os

aspectos arquitetônicos dos edifícios onde estes painéis estão localizados, levando em

consideração principalmente, as relações estabelecidas entre arquitetura, o entorno

imediato, a percepção do usuário e artes plásticas.

Por fim, foi possível analisar as relações estabelecidas entre os elementos artísticos e as

respectivas edificações, onde estes estão instalados e desenvolver um texto analítico sobre,

com o propósito de aumentar a base de dados sobre o modernismo em Minas Gerais.

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REFERÊNCIAL TEÓRICO

No panorama mundial, pós Segunda Guerra, um nome brasileiro se destacou no

cenário das artes: o pintor Cândido Portinari. Ele colaborou com arquitetos brasileiros nos

painéis em alguns edifícios, como no Ministério da Educação e Saúde (1945) e no edifício-

sede da ONU (1957), sendo notável pela pintura de cunho social na trilha do muralismo

mexicano (SEGAWA, 1998).

Assim como buscou Portinari, a expressão gráfica por meio de artes plásticas

integradas a elementos arquitetônicos, ocorre há séculos e enfatiza a importância da arte

para o entendimento da história das civilizações.

Apenas na medida em que se acredita que a arte não seja um agregado de fenômenos sem nenhuma coerência, mas uma das linhas mestras de desenvolvimento da civilização, pode-se em sã consciência afirmar que ela deve ser estudada historicamente e que, portanto, a história da arte é a única ciência da arte. (ARGAN, 1992, p.16)

Portanto, a história da arte além de possibilitar o conhecimento de acontecimentos

históricos, pode mostrar mudanças de diretrizes no modo de pensar, agir, e, por

consequência, em projetar.

No Brasil, Hugo Segawa exalta a pujança econômica pós guerra que propiciou um

ambiente para o intercâmbio com as artes plásticas internacionais. Destacam-se, neste

contexto a criação do Museu de Arte de São Paulo (MASP), que culminou na vinda de Lina

Bo Bardi e Pietro Maria Bardi, além da criação do Museu de Arte Moderna de do Rio de

Janeiro (MAM/RJ) e do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/RJ), em 1948, onde

foram realizadas bienais das artes plásticas (SEGAWA, 1998). O Brasil atraiu grande

notoriedade no cenário mundial como a arquitetura sol (nome dado já que o estudo primário

era a insolação em edificações) e assim, nasceram os edifícios, como a Estação de Hidros

entre tantos outros, que a crítica internacional consagrou como a escola brasileira

(SEGAWA, 1998).

Observa-se que a própria arquitetura já documentava a identidade modernista

brasileira em meados do século XX. Uma das principais características desta arquitetura é

sua estreita relação com as artes plásticas, que ocorreu desde o início, destacando-se o

artista Portinari. Para este trabalho ressalta-se, especificamente, a integração entre artes

plásticas em edificações modernistas, painéis que compõe a arquitetura, propostos desde a

concepção do projeto. Esta parceria, como explica Mário Pedrosa, “em lugar do ornato

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fatalmente resolvido no bidimensional (no plano estático, portanto), a qualidade plástica

acontece a partir de elementos dinâmicos estruturais, resultantes das relações abstratas de

planos e volumes que se interpenetram ” (PEDROSA, 1981, p 53).

As artes plásticas não devem ser vistas como simples decoração, mas com valor

artístico autônomo, fazendo parte da composição, propondo atualização das técnicas

construtivas e também estabelecendo símbolos de uma possível identidade nacional, ou

regional. Argan, sobre a importância de se estudar a arte como história da civilização,

escreve:

A história, enfim, deveria transformar-se em ciência antropológica. Das duas uma: ou a arte é um produto da civilização “histórica” e pode ser estudada apenas como um componente da história da civilização ou da cultura, ou é a expressão de um produto profundo e perene, congênito ao ser humano e, portanto, impossível de suprimir, quando não é a vingança das forças genuínas da existência contra a repressão da civilização ou da cultura. Mesmo se assim fosse, a arte ainda deveria estudada com os mesmos métodos científicos da biologia. (ARGAN, 1992 p.17)

A partir do desenvolvimento deste trabalho, foi possível analisar que uma técnica

utilizada pelos modernistas para integrar ates plásticas e arquitetura foi a realização de

extensos murais com representação figurativa/narrativa de elementos culturais regionais,

principalmente, por revelar ligação com a identidade nacional, em locais de grande

movimentação de transeuntes em espaços construídos. Conseguiam com isso, a divulgação

e visualização das propostas modernistas por um público inúmeras vezes mais amplo e

ainda registrar acontecimentos importantes da história nacional, para novas reflexões e

construções do futuro. Até mesmo por que, em sua maioria, tais espaços continuam

servindo à população, mesmo que alguns possam ter suas funções alteradas ao longo do

tempo.

RESULTADO E DISCUSSÃO

EDIFÍCIO DA FACULDADE DE ARQUITETURA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAS (UFMG)

Localizado na Rua Paraíba, 697, no bairro Funcionários e próximo a região central

de Belo Horizonte, o prédio da escola de arquitetura se encontra na esquina desta com a

rua Gonçalves Dias. O projeto foi realizado pelo arquiteto Shakespeare Gomes, na década

de 50 e utilizou diversos conceitos modernistas na fachada, como ausência de ornamentos.

É um edifício tombado como patrimônio histórico e cultural do município de Belo Horizonte.

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Essa região é caracterizada pela presença de edifícios de alto gabarito. No entanto,

no entorno imediato do edifício, devido aos afastamentos existente, a visibilidade da fachada

frontal não é prejudicada.

Observa-se que o prédio, em planta, tem formato em “L”, o que dá origem a um

espaço livre, em uma esquina da quadra onde está implantado, proporcionando um

paisagismo de forma orgânica, com canteiros gramados com árvores, vegetações arbustivas

e com a presença de uma escultura e onde os caminhos criados levam a um acesso

secundário do edifício. É bom ressaltar que o Prédio ocupa grande extensão dentro dessa

quadra, porém, nem todas as fachadas podem ser bem visualizadas devido à presença de

edifícios. A análise foi focada, então, nas fachadas que são mais visíveis e àquela que tem

maior relação com o painel que é objeto de estudo.

A Escola de Arquitetura da UFMG é um edifício que possui três pavimentos. Suas

características modernistas são notáveis devido a horizontalidade fortemente demarcada

pela presença de brises horizontais na fachada frontal, o uso de pilotis de seção circular na

mesma, o que faz com que o segundo e terceiros pavimentos se projetem um pouco à frente

do primeiro, criando assim, uma marquise e um local de passagem justamente onde se tem

o principal acesso ao edifício. No primeiro pavimento desta fachada observa-se o

fechamento em vidro, que remete à transparência e leveza arquitetônica, proporcionando

uma relação do exterior com interior.

Figura 1: Fachada do edifício de Arquitetura pela Rua Paraíba. Acervo dos autores. Outubro de 2014.

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O acesso principal é para um saguão com grande espaço livre, uma parte em pé

direito duplo, com revestimentos que remetem à leveza, principalmente, pelo uso de

mármore em tons claros. Ao fim deste, quando o observador olha para a parte superior, é

perceptível um mezanino cuja forma de sua extremidade, em planta, é curva e propicia uma

sensação de continuidade à escada que lhe dá acesso.

A escada helicoidal, por sua vez, proporciona um caminho ao usuário que, devido a

sua forma curva, tem seu o olhar direcionado para o painel de Haroldo de Matos localizado

em uma parede extensa que dá acesso ao auditório no segundo pavimento.

À esquerda, há uma veneziana em alumínio que proporciona ao painel uma

iluminação difusa que evita reflexos para a observação do painel. Na parede onde se

encontra o painel, observa-se uma a porta de madeira trançada, com alisar em mármore de

cor clara.

O Painel (dimensões, (L x A) 2,8 x 7m, aproximadamente) tem como temática a

representação dos trabalhadores na construção da escola de Arquitetura da UFMG, como

homenagem. Alguns afirmam que um dos personagens é a representação do pai do artista

da obra, Haroldo Mattos. Ele se encontra exposto na parede da entrada do auditório do

segundo andar, de modo que quem o acessa pela escada presente no saguão de entrada

do prédio, já possui a visibilidade do mural. Ele é feito em uma cena única, composto por

figuras humanas masculinas trabalhando em um canteiro de obras. Estes possuem os

traços bem definidos e marcantes, exibem certa brutalidade, as expressões dos rostos

revelam um ar de sofrimento e os membros superiores receberam deformação na

Figura 2: Visada do painel ao subir a escada. Acervo dos autores. Outubro de 2014.

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representação, conforme uma tendência modernista. Alguns estão seminus e aparentam

estarem com o trabalho mais braçal, enquanto outros mais bem vestidos demonstram

comandar as obras.

Apesar de notar a representação de algumas figuras do Painel de forma planificada,

repara-se também, que o artista trabalhou com elementos da perspectiva renascentista,

tanto na representação das fachadas das construções bem ao fundo, quanto na

representação dos personagens mais atrás, pois possuem tamanhos menores que os que

estão situados mais à frente.

A predominância é de um desenho mais geometrizado com a presença de linhas que

formam ortogonais, por exemplo, no canto esquerdo na parte superior, se pode ver duas

diagonais que se cruzam formando quatro planos distintos, mas pintados na mesma cor.

As cores usadas são em tons de terracota, o amarelo ocre e o cinza, dando a

ambiência de um ambiente de trabalho com presença de terra e de início de construção de

um edifício. Há variação de tonalidades conforme a exigência na reprodução de sombras e

até mesmo para dar impressão de profundidades.

A textura é obtida com o uso do pontilhado em alguns pontos, no céu e no chão,

principalmente e também na representação do planejamento, ou seja, nas dobras das

vestimentas dos personagens.

É visível, então, que o painel do Haroldo de Matos, foi feito para estar exatamente

naquele local, pois até a porta que de início, pode ter sido um condicionante, serviu para que

o artista tirasse partido da mesma e enriquecesse ainda mais sua obra.

Figura 3: Painel de Haroldo de Matos da escola de arquitetura da UFMG. Acervo dos autores. Outubro de 2014.

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EDIFÍCIO DA REITORIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

(UFMG)

O Edifício projetado pelo arquiteto Eduardo Mendes Guimarães Júnior teve como

objetivo abrigar a reitoria da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), que se localiza

no bairro Pampulha, Belo Horizonte, e está na região centro-oeste do campus. A obra, que

começou a ser realizada na década de 50, foi resultado do movimento de arquitetos

modernistas contrários à proposta do plano diretor para a cidade universitária, o Plano

Pederneiras, que previa um projeto neoclássico.

O edifício encontra-se em local de destaque devido a um talude que o eleva em

relação aos edifícios que estão em seu entorno mais imediato, a Biblioteca Central e a

Faculdade de Ciências Econômicas. Sobre o entorno do edifício, vale ressaltar que há uma

grande área livre na frente da fachada frontal, com presença de poucas árvores e vegetação

rasteira, o que causa uma sensação de imponência ainda maior do edifício. O conjunto da

obra pode ser compreendido em dois blocos. A grande diferença entre esses dois é o

volume: enquanto o primeiro passa a sensação de uma grande massa, o segundo, mais

horizontalizado, demonstra leveza.

Figura 4: Detalhe da porta de acesso ao auditório e do painel acima desta. Acervo dos autores. Outubro de 2014

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O primeiro bloco possui um total de seis pavimentos e um pé direito duplo criado

pelos pilotis que o elevam do plano do solo, fazendo com que ali se configure um local de

passagem. Esse bloco está localizado mais à direita e é o que mais chama atenção, a uma

primeira vista, devido à sua grande massa. Todas suas fachadas possuem o fechamento em

uma cortina de vidro, no qual apenas a laje de concreto, aparente nas fachadas, permite a

divisão de pavimentos. O uso excessivo de vidros remete ao movimento moderno, com a

ideologia de realidade estrutural e transparência. No entanto, na fachada frontal que está em

uma orientação solar não favorável para o uso desse elemento arquitetônico pode se

perceber uma grande quantidade de caixas de ar condicionado, que interfere na obra

negativamente. Esse segundo bloco integra-se com o primeiro devido a uma sobreposição

daquele em relação a esse, no entanto eles parecem não se tocarem.

O segundo bloco possui a planta baixa em formato de ‘T’, com dois pavimentos e

dimensões que o caracteriza como horizontalizado. Tem como elemento marcante o vidro

que envolve quase toda fachada. A presença de uma escada reta de dois lances em seu

exterior ajuda a demarcar as linhas presentes na fachada frontal. Nessa, é onde se encontra

um dos acessos ao saguão de entrada onde está localizado o painel da artista plástica Yara

Tupinambá (auxiliada por Anadele Pitta e Sílvia Gaia) que será objeto de análise.

Figura. 5. Edifício da reitoria da UFMG. Acervo dos autores. Outubro de 2014.

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“A inconfidência Mineira”, executado em 1969 em tinta acrílica sobre placas de

ocaplan, é o nome adotado pela artista à sua obra. Suas dimensões de (L x A) 40x4m, se

estendem pela parede superior do hall de entrada do edifício. A temática, como o próprio

nome já sugere, são signos memoriais da história trágica da inconfidência Mineira em

relação à política colonial repressora. Descreve, portanto, cenas do movimento mineiro, a

começar pelo castigo de Felipe dos Santos, passa pelas primeiras reuniões dos

inconfidentes, destacando as figuras de Álvares Maciel, Tiradentes, Francisco de Paula

Freire e Padre Rolim; os dois primeiros mentores do movimento, os outros figuras-chave da

revolução mineira. Em outra cena retrata Maria I baixando uma série de decretos e impostos

que deixam a colônia na miséria e quando a corte portuguesa aprova a escravidão da

colônia. Registra ainda, o sofrimento dos Inconfidentes: a lembrança da dor que cairá sobre

seus familiares e finaliza com o esquartejamento de Tiradentes. Simultaneamente, o mural

revela o despertar do povo brasileiro para uma consciência nacional, bem como o

sofrimento dos inconfidentes.

O painel, predominantemente horizontalizado, possui cenas distintas ao longo da sua

extensão. Cada uma possui suas particularidades e ainda, algumas estão “soltas” pelo

painel e outras dentro de uma malha de retângulos de formas diferentes e pequenos,

aludindo às histórias em quadrinho. Sugere também, uma sequência de leitura numa

Figura 6: Mural “ Inconfidência Mineira” exposto no prédio da Reitoria. Acervo pessoal dos autores. Outubro de 2014.

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horizontal definida, que se inicia na esquerda e termina na direita, bastante narrativa da

história dos mineiros na luta pela liberdade.

Muito dos personagens são trabalhados com o contraste do preto no branco, às

vezes a figura é preenchida toda em preto, exibindo apenas suas silhuetas. O painel, em

geral, também tem muito disso, a massa negra contrastada com o grande espaço em

branco.

A autora procurou em alguns personagens realçar bastante as expressões faciais,

normalmente demostrando sofrerem, principalmente em partes dos rostos representadas ao

longo do mural, nos quadrados. Em outros, buscou simular o corpo anatomicamente, dando

ênfase aos músculos corporais.

Figura 07- Cena: Maria I baixa uma série de decretos e impostos, que deixam a colônia na miséria: a corte portuguesa aprova a escravidão da Colônia. Flash – O sofrimento e a miséria do povo brasileiro, o depauperamento da nação. Fonte do texto: Conjunto de Murais da Artista Yara Tupynambá. Fotos: Acervo dos autores, outubro de 2014.

Figura 08 – cena: Flash - O sofrimento dos inconfidentes: a lembrança da dor que cairá sobre seus familiares. A liberdade clama por justiça. Fonte do texto: Conjunto de Murais da Artista Yara Tupynambá. Fotos: Acervo dos autores, outubro de 2014.

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A perspectiva também pode ser observada, em algumas cenas, já que as pessoas

mais ao fundo são representadas como sombras, todas em preto e vão reduzindo de

tamanho quanto mais afastam do primeiro plano, este ocupado por apenas pessoas de

grande importância na história da Inconfidência Mineira.

As cores usadas são: preto, branco, ocre e amarelo. Essas duas últimas são usadas

ao fundo para destacar as figuras que estão em primeiro plano e em poucos casos são

usadas nas vestimentas dos indivíduos representados. A textura se diferencia quando se

trabalha áreas como face, roupagem ou cabelo, marcando o contraste tonal. Ainda é obtida

pelo uso do amarelo e do ocre em um quadriculado que serve de fundo para algumas

imagens e no uso do pontilhado em alguns pontos.

A percepção do painel ocorre desde o exterior, a medida que se aproxima do

edifício da reitoria, que é possibilitado pela fachada com fechamento em vidro. Assim

sendo, o painel pode ser observado de diversos ângulos, desse modo sua leitura

Figura 10 - Cena: Os inconfidentes são presos em lugares diversos e, sem resistência, pela Guarda Real. Reagem o padre Rolim e Tiradentes, que são subjugados pela força. Flash – Referencia ao coro grego de mulheres, que chora e lamenta a tragédia que se abate sobre Minas. Bárbara Heliodora desempenha papel de alta dignidade e não se submete passivamente aos acontecimentos. Fonte do texto: Conjunto de Murais da Artista Yara Tupynambá. Fotos: Acervo dos autores, outubro de 2014.

Figura 09 - Cena: As primeiras reuniões dos inconfidentes. Destaques nas figuras de Álvares Maciel, Tiradentes, Francisco de Paula Freire e Padre Rolim, os dois primeiros mentores do movimento, os outros figuras-chave da revolução mineira. Flash – O sussurro ao pé do ouvido, o convite, a convocação para a luta pela liberdade. Fonte do texto: Conjunto de Murais da Artista Yara Tupynambá. Fotos: Acervo dos autores, outubro de 2014.

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nem sempre ocorre necessariamente em sincronia com a leitura sugerida pela

artista. A leitura do painel também é influenciada pelos acessos principais ao saguão

que estão no seu fim e no seu meio. E já que o painel se localiza em uma parede

superior de grande horizontalidade, acaba forçando ao usuário do edifício que tenha

mais interesse em sua apreciação percorrer quase toda extensão do primeiro bloco

e analisar o painel a partir do início.

CONCLUSÃO

A partir da análise dos dois estudos de caso foi perceptível a estreita relação

estabelecida entre arquitetura e artes plásticas durante o modernismo, e que esta exerce

função não apenas decorativa, mas possui como objetivo se comunicar através de uma

mensagem implícita, preservar fatos históricos a partir do registro e utiliza o edifício como

suporte para tal ação.

No edifício da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais

(UFMG), a pretensão do artista plástico, foi integrar à edificação um painel cuja temática era

narrar sua própria construção. Trata-se de um momento histórico importante uma vez que,

até meados dos anos 80, era a única escola de arquitetura do estado mineiro. Este fato foi

documentado na própria edificação, como forma de registro histórico. Apesar de ser um

painel interno à edificação, ele consegue atingir um grande número de observadores por

estar em uma área acessível a um público em larga escala, na entrada de um auditório, e de

Figura 11: Interação fachada externa e percepção do painel interno. (Fonte: Acervo pessoal das autoras)

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destaque, tendo a escada, como direcionadora do olhar do transeunte para a obra. Observa-

se, então, que foram utilizados elementos arquitetônicos em todos os sentidos, seja como

uma “tela” ou para chamar a atenção para o registro.

Já no caso do edifício da Reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),

pode-se atentar a dois fatos: O primeiro é que a própria edificação possui pilotis em formato

“V”, que são um dos elementos mais característicos da chamada escola brasileira

modernista que remete à identidade arquitetônica nacionalista. O segundo fato, é que a

artista plástica Yara Tupinambá possui como característica estilística abordar temáticas

sobre fatos históricos de importância para o estado de Minas Gerais. Retratar a

Inconfidência Mineira, ocorrida no século XVIII, em um edifício de grande importância, como

a reitoria da maior universidade de Minas Gerais, mostra uma mensagem implícita de um

notório sentimento regionalista, nacionalista, atemporal. Apesar de interno, o local onde o

painel se localiza é alvo de observação para um grande público, por estar no saguão de

entrada, em destaque e em grandes dimensões, e ainda, por poder ser analisado do exterior

da edificação devido ao fechamento, em vidro. Nota-se, então, que o conjunto entendido

como o edifício da reitoria e a de Yara Tupinambá se complementam e possuem

importância como meios de documentação histórica materializada em arquitetura e painel.

É notável que os espaços escolhidos para instalação destas obras artísticas foram

determinantes para garantia de maior duração destes Bens, que possuem carga histórica e

cultural, para as próximas gerações, por estarem protegidos de intempéries. Apesar de

sujeitos à alteração de uso, os edifícios deverão ser conservados no estado em que se

encontram atualmente por se tratarem de Bens tombados, e estão em localidade

privilegiada no espaço urbano, logo, dificilmente deixaram de ser utilizados, o que é

favorável à manutenção dos mesmos.

A importância desse trabalho é oferecer informações importantes a respeito da

relação entre arquitetura e artes plásticas, demonstrando que desta integração tem-se, além

de tantos outros objetivos, a finalidade de conservar uma histórica e uma cultura a partir do

registro, com garantia de uma durabilidade considerável, de um passado que pode propor

reflexões a fim de manter a memória sempre viva.

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARGAN, Giulio Carlo. História da Arte como história da cidade. Tradução: Pier Luigi

Cabra. 5ª ed. São Paulo, Martins fontes, 2005.

FEBVRE, Lucien. Combates pela História. 2a. ed. Tradução de Leonardo Martinho Simões

e Gisela Moniz. Lisboa: Editorial Presença Ltda, 1985.

PEDROSA, Mário. Dentro e Fora da Bienal, In AMARAL, Aracy. Dos Murais de Portinari

aos Espaços de Brasília. São Paulo: Editora Perspectiva, 1981.

SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900-1990. 3ª ed. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 1998.

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Disponível em:

<https://www.ufmg.br/online/arquivos/012259.shtml>. Acesso em: 02 de novembro de 2015.

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<https://www.ufmg.br/noticias/no_17122003_reitora.shtml>. Acesso em: 02 de novembro de 2015.