PAISAGENS CULTURAIS: DO CAFÉ À CANA · Mas, o vinho novo deve-se pôr em odres novos, e assim...

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CENTRO UNIVERSITÁRIO “BARÃO DE MAUÁ” Departamentos de Geografia, História e Pedagogia DIALOGUS revista das graduações em licenciatura em Geografia, História e Pedagogia ISSN 1808-4656 Ribeirão Preto v.6 n.2 2010 p.1-199

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CENTRO UNIVERSITÁRIO “BARÃO DE MAUÁ”

Departamentos de Geografia, História e Pedagogia

DIALOGUS revista das graduações em licenciatura em

Geografia, História e Pedagogia

ISSN 1808-4656 Ribeirão Preto v.6 n.2 2010 p.1-199

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DIALOGUS é uma publicação semestral dos cursos de Geografia, História e Pedagogia mantidos pelo Centro Universitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto, SP. Solicita-se permuta. As opiniões emitidas são de responsabilidade dos autores. É permitida a reprodução total ou

parcial dos artigos desde que citada a fonte.

EXPEDIENTE Reitora Profª. Me. Maria Célia Pressinatto Pró-Reitoras de Ensino Profª. Drª. Dulce Maria Pamplona Guimarães e Profª. Drª. Joyce Maria Worschech Gabrielli Diretores Sr. José Favaro Júnior Sr. Guilherme Pincerno Favaro Sra. Neusa Pincerno Teixeira Srª. Elizabeth M. Cristina Pincerno Favaro e Silva Sr. Carlos César Palma Spinelli Sr. Marco Aurélio Palma Spinelli Diretoria Executiva Sr. José Antonio P.Capito Departamento Didático Pedagógico Profa. Esp. Dulce Aparecida Trindade do Val Prof. Ms. Geraldo Alencar Ribeiro Profa. Esp. Sara Maria Campos Soriani Coordenadora das Graduações em Geografia e História Profa. Ms. Lilian Rodrigues de Oliveira Rosa Coordenador da Graduação em Pedagogia

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Vera Lúcia Salazar Pessoa, profª Drª

FICHA CATALOGRÁFICA DIALOGUS (Departamentos de Geografia, História e Pedagogia – Centro Universitário “Barão de Mauá”) Ribeirão Preto, SP – Brasil, v.6, n.2, jul/dez 2010. Semestral 16,0 X 21,0. 199p. 2010, 6-2 ISSN 1808-4656 1. Educação. 2. História. 3.Geografia. I. Centro Universitário Barão de Mauá. II. Departamentos de História, Geografia e Pedagogia.

CAPA: “ , autoria: Ana Carla Vannucchi

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PREFÁCIO

Reitoria do Centro Universitário Barão de Mauá

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Apresentação do segundo número do sexto volume

A apresentação deste número da DIALOGUS teve como principio a consulta ao dicionário, na ânsia de melhor saber sobre o sentido de dois termos que compõem a expressão produção acadêmica:

Produção: ato, processo ou efeito de produzir; criação, elaboração, fabricação, fabricação, geração, realização.

Acadêmica: substantivo masculino; filósofo da escola de Platão (relativo a diálogos); A surpresa diante do dicionário foi gratificante. A grosso modo,

tal consulta referenda a necessidade de pensarmos a produção acadêmica como sendo o exercício constante e incompleto (ação) da busca de conhecimento, por meio do contato freqüente com o novo, o diferente e o desconhecido.

É nos fiando neste tipo de entendimento da expressão produção acadêmica, que movemos diversos esforços para que houvesse o lançamento de mais um volume da DIALOGUS.

Com este volume, buscamos ressaltar também que a ciência é poliglota, já que se faz entender por várias línguas: podemos acessá-la na forma de conferências, entrevistas, artigos e ensaios (todos aqui presente sob a forma de textos escritos), entre outros suportes.

Ao ter este volume em mãos, que o leitor promova seus próprios diálogos e, quiçá, a partir deles sua produção acadêmica, no sentido mais latu possível.

Comissão Editorial

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SUMÁRIO/SUMMARY

CONFERÊNCIA/CONFERENCE

ORIGENS DO TRADICIONALISMO CATÓLICO: UM ENSAIO DE INTERPRETAÇÃO Origins of traditional catholic: a test of Iinterpretation

Ivan Aparecido MANOEL

DOSSIÊ/SPECIAL

“PATRIMONIO CULTURAL/CULTURAL PATRIMONY”

PAISAGENS CULTURAIS: DO CAFÉ À CANA Cultural landscapes: from coffee to sugarcane

Nainôra Maria Barbosa de FREITAS et al

INSTITUCIONALIZAÇÃO DA MEMÓRIA: MONUMENTOS EM LUGARES PÚBLICOS DE RIBEIRÃO PRETO, SP Institutionalization of memory: monuments in public places of Ribeirão Preto, SP

Lilian Rodrigues de Oliveira ROSA Michelle Cartolano de Castro SILVA

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ESTRATÉGIAS DE PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA DO LUGAR: AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A INDUSTRIALIZAÇÃO, OS INTELECTUAIS E A ORGANIZAÇÃO DA CULTURA E OS DESAFIOS DA PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO AGROINDUSTRIAL EM SÃO JOSÉ DO RIO PRETO, SP Strategies to preserve the memory of place: public policies for industrialization, the intellectuals and the organization of culture and heritage preservation challenges of agro-industrial in São José do Rio Preto, SP, Brazil

Fábio Fernandes VILLELA

ARTIGOS/ARTICLES

GEOGRAFIA/GEOGRAPHY

ESPAÇO E FESTEJOS RELIGIOSOS: ASPECTOS DA ESPACIALIDADE DE COMUNIDADES RIBEIRINHAS DA AMAZÔNIA

Space and Parties Religious: aspects of the spaces communities that live next to rive of the Amazonia

Adriano Lopes SARAIVA Josué da Costa SILVA

A GEOGRAFIA ESCOLAR E A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL To school geography in the formation teachers in first years of basic schooling

Clézio SANTOS

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EDUCAÇÃO/EDUCATION

PRÁXIS EDUCATIVA E LIBERTAÇÃO DO SER HUMANO: AS CEBs COMO MOVIMENTO SOCIAL Educative práxis and the human being liberation: the CEBs as social movement

Claudemiro Godoy do NASCIMENTO

GESTÃO DEMOCRÁTICA NA ESCOLA: IMPRESSÕES DOS PARTICIPANTES DO PROGRAMA PROGESTÃO Democratic management in schools: Impressions conveyed by participants of the program Pro management (Progestão)

Iraíde Marques de Freitas BARREIRO Gabriella Garcia MOURA

ENSAIO/ANALYSIS

O LEITE DERRAMADO CUJA LEMBRANÇA NOS ESPELHA... MEMÓRIAS E SOCIABILIDADES NUM DISCURSO LITERÁRIO DO/SOBRE O BRASIL The leite derramado in remembrance of which mirrors ... memories and sociability in a literary discourse of / about Brazil

Humberto PERINELLI NETO

Índice de autores/Authors index

Índice de Assuntos

Subject Index

Normas para publicação na revista DIALOGUS

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CONFERÊNCIA/CONFERENCE

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ORIGENS DO TRADICIONALISMO CATÓLICO: UM ENSAIO DE

INTERPRETAÇÃO

Ivan Aparecido MANOEL**

RESUMO: Tendo como objeto a Igreja Católica Apostólica Romana, o presente artigo interpreta a reação católica, no século XIX, ao pensamento moderno, a partir de teóricos como Donoso-Cortés. Interpreta o conservadorismo católico tendo por base os seus fundamentos tradicionalistas, cujos alicerces podem enraízam-se nas tradições religiosas judaicas.

PALAVRAS-CHAVE: Igreja Católica; conservadorismo; pensamento moderno.

No debate acadêmico, e mesmo nas matérias jornalísticas, há

constantemente o emprego de alguns adjetivos a qualificarem a Igreja Católica Romana, sendo os mais comumente empregados, tradicionalista, conservadora e reacionária, esquecendo-se que os mesmos adjetivos poderiam, com toda razão, serem empregados a todas outras igrejas e suas respectivas religiões, exatamente porque a tradição, solo de que germinam a conservação e a reação, é o fundamento de qualquer crença religiosa.

Centrando a atenção na Igreja Católica Romana, objeto deste texto, constata-se que sua religião, o cristianismo, explicita seus fundamentos tradicionais, que o próprio Jesus se encarregava de

Texto apresentado sob a forma de conferências no II Encontro Nacional do GT “História das religiões e das religiosidades/ANPUH”, realizado em 2008 na FCHS/UNESP/Franca.. ** Livre Docente em Filosofia da História. Docente do Departamento de História da FCHS/UNESP/Franca.

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conservar, conforme se lê no Novo Testamento. Em Mateus (5, 17-18) se lê: “[...] não julgueis que vim abolir a lei ou os profetas. Não vim para abolir, mas sim para levá-los à perfeição. Pois em verdade vos digo: passará o céu e a terra, antes que desapareça um jota, um traço da lei” (BÍBLIA sagrada, 1982, p.1288).

Confirmando a tradição, em Lucas (5, 37-39) encontra-se a ideia de que os elementos da cultura antiga são melhores do que a nova, uma vez que foram conservados e maturados:

Também ninguém põe vinho novo em odres velhos; do contrário o vinho novo arrebentará os odres e entornar-se-á e perder-se-ão os odres. Mas, o vinho novo deve-se pôr em odres novos, e assim ambos se conservam. Demais, ninguém que bebeu do vinho velho quer já do novo, porque diz: „o vinho velho é melhor (BÍBLIA sagrada, 1982, p.1353).

Estão postos, nessas duas passagens, os fundamentos tradicionalistas do cristianismo, que permaneceram ao longo dos séculos: ele se alicerçaria nas tradições religiosas judaicas, a Lei, e não se proporia mudá-las, mas conservá-las. As mudanças que haveriam de ocorrer não deveriam ser alterações, mas aperfeiçoamentos. Por isso o “vinho velho” seria melhor: porque teria descansado em odres que foram novos, e envelhecendo juntos se conservaram e se aperfeiçoaram.

Convém ressaltar, entretanto, que as tradições que se encontram nas raízes do cristianismo não apenas judaicas. Aquela região onde floresceu a religião cristã era já muito rica em tradições religiosas, e a sua penetração na cultura judaica se explica tanto pelo fato de o povo judeu habitar uma zona de trânsito intenso de diversos povos, quanto pelo fato de terem sido dominados por povo mesopotâmicos, aliás, sua própria região de origem, e também por egípcios e romanos.

Embora a tradição cristã, seja na vertente católica, seja nas vertentes ditas protestantes, sustente a idéia de que a crença em um Deus único teve origem com a Revelação Divina ao povo judeu, na

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verdade encontra-se a idéia monoteísta, a crença na imortalidade da alma e sua origem transcendental já entre os egípcios e o seu culto a Aton, e também no zoroastrismo, na antiga Pérsia. Conforme muitos estudiosos do problema, dentre os quais podemos citar Freud, a própria crença monoteísta entre os judeus foi assimilada por Moisés quando viveu em Madiã, ou Midiã, e transformada em crença de seu povo.

Fundamentando-se em dezenas de historiadores, Freud diz que eles, historiadores:

[...] concordam com a história bíblica em um ponto decisivo. Todos eles acham que as tribos judaicas [...] adquiriram uma nova religião num determinado ponto do tempo. Contudo, segundo eles isso não se realizou no Egito ou ao sopé de uma montanha na Península de Sinai, mas numa certa localidade conhecida como Meribá-Cades, um oásis... ao sul da Palestina, entre a saída oriental da Península de Sinai e a fronteira ocidental da Arábia. Aí, eles assumiram a adoração de um deus Iavé ou Javé, provavelmente da tribo árabe vizinhas dos midianitas (1975, p.49).

Há, certamente, fundamentos nas suposições de Freud e dos demais historiadores porque Moisés, o introdutor do monoteísmo entre os judeus, era genro de Jetro, sacerdote de Madiã, onde seguramente Javé era adorado. Além do mais, durante a migração para Canaã, Jetro visitou Moisés para lhe aconselhar sobre como se comunicar com o seu povo e com Javé, conforme se lê no (ÊXODO 2, 16-22 e 18, 1-27, In: BÍBLIA sagrada, 1982, p.102 e 118 – 119).

A tradição egípcia e persa da imortalidade da alma e sua origem transcendental, que se tornará fundamental na tradição judaico-cristã, pressupunham a transitoriedade do corpo. Os sumérios, na Mesopotâmia, tinham clara consciência, não só da transitoriedade individual, mas da própria transitoriedade de todas as coisas na longa duração. Essa consciência advinha do fato de terem sofrido os impactos da grande inundação que a tudo destruiu na região, cerca de 2000 AC, inundação que se incorporou à tradição judaico-cristã como o Dilúvio

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Universal. Por isso, na Epopéia de Gilgamesh, a transitoriedade era encarada como da natureza das coisas:

Não há permanência. Construímos uma casa para se manter sempre, selamos um contrato para vigorar por todo o tempo? Irmãos dividem uma herança para guardá-la eternamente, o tempo da cheia dos rios perdura? [...] Desde os velhos tempos não há permanência (WHITROW, 1993, p.44).

A transitoriedade da vida era conhecida, obviamente, mas a aceitação do fato era e é um problema para o Homem. Teria algum sentido viver, conhecer, reproduzir, produzir e, depois, simplesmente desaparecer deixando, quando muito, a lembrança na memória da posteridade?

Embora os povos referidos tivessem a esperança na possibilidade de uma vida espiritual eterna, e nesse particular os egípcios são um ótimo exemplo, foi com Zaratustra (ou Zoroastro) que essa esperança ganhou status de doutrina organizada, e mais, introduziu a concepção escatológica da vida humana, que está no alicerce da doutrina judaico-cristã e será, mais tarde, fundamentos da filosofia da história catolicismo. Sua religião estabelecia que os homens que tivessem uma vida de adesão à verdade, no final receberiam a recompensa eterna, e os que tivessem aderido à mentira, receberiam o castigo eterno:

Zaratustra declarava que, por ocasião da morte, Deus fazia um julgamento do homem, o que decidia o destino que lhe caberia quando o mundo finalmente atingisse o mesmo estado de perfeição em que o deixara as mãos do Criador. Finalmente, a glória imortal seria recompensa daqueles que aderissem à Verdade, ao passo que os adeptos da Mentira seriam condenados a uma longa era de trevas, comida podre e gritos de pesar. Essa doutrina de coisas finais, a primeira escatologia sistematizada na história da religião, influenciou profundamente o judaísmo, o cristianismo e o islã (WHITROW, 1993, p.48).

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Além das tradições propriamente religiosas que se imbricaram na construção da doutrina cristã, outras, sejam de raízes astronômicas, tais como o sistema de medição do tempo e datação de origem babilônica, fundamentais para o estabelecimento do calendário das festas cristãs, particularmente a definição da data da Páscoa, sejam de raízes rituais, tais como a ereção de imagens e procissões para o culto dos santos, ou a instituição do Ano Jubilar da Igreja, a cada 50 anos, tradições essas de origem romana, também vieram se juntar para a construção do cristianismo como a primeira grande e universal (católica) religião monoteísta.

Certo é que poderíamos acrescentar outros dados mais a demonstrarem o entrelaçamento de diversas outras tradições a construírem o cristianismo. Entretanto, o já elencado é suficiente para explicitar que o cristianismo não é uma religião “pura”, isto é, uma religião que se tenha construído com elementos gerados em si mesmos, sem a presença e até contra elementos culturais de outras religiões.

Ao contrário, a religião de Jesus, o Cristo, que se institucionalizou e predominou na Europa e, depois, se espalhou pelo mundo todo por meio da Igreja Católica Romana, é produto do entrecruzamento de diversos elementos culturais que ela preservou e dogmatizou, de tal modo que um católico, quando acompanha uma procissão, provavelmente não sabe que está a repetir um ritual romano como tantos outros, por exemplo, o incensar o altar durante cerimônias especiais.

Aqui volto ao ponto inicial do texto: toda religião – e o cristianismo católico romano é o objeto imediato – é necessariamente tradicionalista, porque se constitui de elementos da tradição, e conservadora, porque deve preservá-los. Uma religião que não preservasse suas tradições deixaria de existir.

Se assim é, como tudo indica que seja, cabe perguntar por que os adjetivos são usados pejorativamente em relação às religiões em geral, e a católica romana, em particular.

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A resposta a essa questão não é simples e exigiria a redação de um compêndio. Proponho, à vista dessa complexidade, um ensaio de resposta focado em dois pontos, o dogmatismo e a inserção política da Igreja Católica Romana.

Rigorosamente falando, toda doutrina religiosa se alicerça em dogmas, em postulados considerados a expressão da Verdade, indiscutíveis, portanto, por exemplo, o dogma da Transubstanciação do pão e do vinho em corpo e sangue de Cristo na Eucaristia, conforme a tradição católica. Os dogmas são balizas orientadoras do fiel na passagem pela ponte que religa o profano ao sagrado, a criatura ao criador, o Homem a Deus e isso exigiu a elaboração de um conceito e uma filosofia da história.

O problema se apresenta quando, em função de sua inserção política, a igreja transfere suas balizas dogmáticas do âmbito estritamente religioso para o conjunto da sociedade civil e da vida cotidiana.

Há que se estabelecer, portanto, para a continuidade do raciocínio, um conceito de Igreja e demarcar alguns pontos de sua história para que se possa entender sua inserção, mais do que isso, seu predomínio no mundo ocidental por tantos séculos.

Este texto entende a palavra Igreja em duas vertentes. Na vertente eminentemente eclesial, Igreja é uma Eklesia, uma reunião de fiéis, a “assembléia dos cristãos”, o “povo de Deus”, ou, nas palavras de Pe. D‟Ângelo, no sentido eclesial, estrito senso, é a “Igreja Pneumática, espiritual, invisível que chamamos de „Ecclesia Caritatis‟ e que o Vaticano II descreve como Comunidade de Fé, Esperança e Caridade” (D‟ÂNGELO, 1991, p.53).

Na outra vertente, num sentido mais eclesiástico, a Igreja é uma instituição hierarquizada, ou, ainda seguindo o Pe. D‟Ângelo,

[...] é a Igreja Institucional, social, visível, a chamada „Ecclesia Iuris‟, que a Lumen Gentium descreve como „Societas organis hierarchitis‟ „Ecclesia terrestris‟. É a Igreja que se manifesta externamente na profissão da mesma fé, na comunicação dos mesmos sacramentos, na

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participação do mesmo sacrifício e na observância das mesmas leis. Para que seja visível a todos, tem como Cabeça Suprema o Romano Pontífice que a guia a fim de obter o que ela pretende (1991, p.53).

É essa Igreja Católica Romana que este texto está a discutir, a instituição que, iniciando-se da reunião de fiéis, institucionalizou-se e conquistou um lugar central na sociedade européia e em países como o Brasil, por exemplo, lugar de onde ditou normas de conduta pessoal, social e política.

A história da Igreja Católica pode ser entendida como a história de uma instituição que passou da condição de religião perseguida à condição de religião oficial, ou como diz Marramao

[...] durante os acontecimentos do século IV, a confissão cristã – ou, mais precisamente, a Igreja católica, isto é, aquela que havia adotado o credo niceno – havia, no intervalo de poucas décadas, passado da condição de organização apenas tolerada pelo Império, ainda contrastada ou combatida por setores do establishment social e político, à condição de instituição oficialmente admitida (por Constantino), para enfim (com a proclamação de 380, por Teodósio I) passar à condição de única religião do Estado, e conseqüentemente, de plena co-responsável pelo exercício do poder (1995, p.19).

Esse entrelaçamento entre Igreja e Estado, que já principiou a trazer condições vantajosas para a instituição religiosa e assentou as bases da teoria da indissociabilidade entre os dois poderes (que na realidade se converteu na tese da supremacia do poder religioso), se reforçou sobremaneira no ano 800, com a coroação de Carlos Magno como Imperador do Santo Império Romano-Germânico. A coroação de Carlos Magno pelo Papa Leão III, trouxe para a Igreja toda a região central da Itália, que foi incorporada ao seu patrimônio como Estados Pontifícios. A partir de então, até 1849, a Igreja Católica, além e acima de ser uma instituição religiosa preeminente no mundo ocidental, também foi um Estado Nacional, com território próprio, sobre o qual o

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Papa exercia o poder de Chefe de Estado, ao lado de um Cardeal, que exercia o poder de Chefe de Governo.

Na qualidade de soberano temporal, além de chefe espiritual, o Papa podia estabelecer como de fato estabeleceu acordos e alianças com outros soberanos, que propiciaram algumas resultantes favoráveis à Igreja, das quais três são fundamentais para o entendimento da problemática posta:

1. Desde Carlos Magno, presença marcante do clero na administração do Império, condição que permitiu à Igreja, dentre outras coisas, exercer controle e monopólio sobre a produção e distribuição do conhecimento; 2. Abertura de possibilidades para a Igreja construir um invejável patrimônio fundiário em quase toda a Europa, transformando-a em uma das maiores suseranas da Idade Média; 3. Atribuição ao Papa da função de árbitro universal, acima dos próprios reis e imperadores. Essas são algumas das razões que deram à Igreja na Idade

Média uma posição singular. Além de instituição que oferecia serviços religiosos, além de Estado Nacional, além de exercer suserania sobre imensas regiões européias, além de atuar decisivamente na própria administração imperial, avocava a si o privilégio de monopolizar o saber.

Em outros e mais simples termos, a Igreja se constituiu no centro de equilíbrio da Europa medieval, e moldou o mundo feudal à sua imagem e semelhança. Não por acaso, como se verá adiante, Montalembert e Donoso-Cortés, dois pensadores católicos do século XIX, em sua troca de correspondência, consideravam a Idade Média como a “Idade de Ouro” da humanidade. Aliás, iam mais longe em seu raciocínio. Ambos eram explícitos ao afirmarem que só existira verdadeiramente civilização durante o medievo, porque era uma civilização católica.

O significado dessa passagem é bastante elucidativo. Não se tratava apenas de afirmar o valor salvífico que seria inerente à ética e

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doutrina católicas e sua eficácia na regulamentação das relações interpessoais e sociais. Tratava-se, na verdade, de subordinar todo o processo histórico, dos fins do Império Romano em diante, a um processo civilizatório católico, como se toda a intrincada rede de relações estabelecidas nas e entre as estruturas feudais tivesse fundamento apenas no ideário e na prática da Igreja.

Era essa exatamente a leitura feita pelos autores conservadores católicos do século XIX. Donoso-Cortés, por exemplo, considerava acima de qualquer discussão a existência de um processo civilizatório católico. Conforme seu texto, somente a Igreja pode construir uma verdadeira civilização, primeiro porque foi ela quem levou os homens a superarem a barbárie do politeísmo pagão:

“Esa Iglesia, puesta en el mundo sin fundamentos humanos, después de haberle sacado del abismo de la corrupción, le sacó de la noche de la barbarie” (DONOSO-CORTÉS, 1946, p.364).

Segundo, porque o catolicismo é uma teologia, a única verdadeira teologia que jamais houve, razão de ser da própria civilização:

Esa nueva teología se llama el catolicismo. El catolicismo es un sistema de civilización completo; tan completo, que en su inmensidad lo abarca todo: la ciencia de Dios, la ciencia del ángel, la ciencia del universo, la ciencia del hombre” (DONOSO-CORTÉS, 1946, p.357).

Essa interpretação não freqüentava apenas o texto dos autores leigos, antes estava incrustada nos fundamentos da autocrompreensão católica, desde que Santo Agostinho estabelecera ser a função da Igreja transformar a civitas secular em civitas divina, de tal sorte que doutrinando em 1878, Leão XIII condensou-a nas seguintes palavras: “Bem claro e evidente é que [...] à causa da civilização faltam fundamentos sólidos se ela não se apóia nos princípios eternos da verdade e nas leis imutáveis do direito e da justiça” (IGREJA CATÓLICA. Papa Leão XIII, 1950, p.5).

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Portanto, quem mais, senão a Igreja Católica poderia arrogar o privilégio de ter construído a verdadeira civilização, perguntava Leão XIII. Afinal, não fora ela quem

[...] pregando o Evangelho entre as nações, fez brilhar a luz da verdade entre os povos selvagens? Não foi a Igreja quem, fazendo desaparecer a calamidade da escravidão, revocou os homens à dignidade da sua nobilíssima natureza? Não foi ela quem, em toda parte civilizou nos seus costumes privados e públicos o gênero humano, reergueu-o da sua miséria e formou-o para um gênero de vida conforme a dignidade e as esperanças humanas? (IGREJA CATÓLICA. Papa Leão XIII, 1950, p.5).

Dialogando com os filósofos não católicos, que acusavam a Igreja de ser retrógrada e contrária à própria civilização, Leão XIII respondia que se

[...] os bem numerosos que acabamos de relembrar e que deveram seu nascimento ao ministério da Igreja e à sua salutar influência, são verdadeiramente obra e glória da civilização humana, muitíssimo longe está, pois, que a Igreja de Jesus Cristo abomine a civilização e a repila, visto ser a si, pelo contrário, que ela crê caber inteiramente a honra de haver sido nutriz, a mestra e a mãe (IGREJA CATÓLICA. Papa Leão XIII, 1950, p.6).

Não seria diferente a posição de Rui Barbosa quando, em 1889, no jornal A Imprensa, escrevia que

Só a têmpera que o Evangelho deu à sociedade ocidental, com efeito, a poderá livrar de um espantoso eclipse moral nesta luta com as forças hediondas da anarquia, transformada em ideal de uma escola, onde o desprezo da vida humana responde logicamente à negação de Deus. (BARBOSA, MANOEL, Ivan, 1997)

Aqui se apresenta o centro do nosso problema. O catolicismo é uma religião que se fundamenta nas tradições judaico-cristãs e as quer

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conservar, do mesmo modo que pretende conservar um lugar central na sociedade, tendo no Papa a sua voz oficial a dialogar com todos os centros de poder, políticos, sociais, econômicos, científicos, tal como fora na baixa Antigüidade e no medievo. Mas, desde um ponto de vista estritamente político, para isso sempre se fez necessário, além de conservar a tradição, conservar também a sociedade. Profundas mudanças sociais, políticas e na esfera do conhecimento poderiam significar alterações de tal ordem que comprometessem as tradições religiosas.

Os debates a que me referi no início fazem exatamente isso, circunscrevem a ação conservadora da Igreja Católica Romana apenas ao âmbito estritamente político, reduzindo a ação católica apenas ao simples exercício da conservação do poder, esquecendo-se que a questão é mais profunda, radicando nas próprias funções que a instituição se atribui.

Como toda religião, o cristianismo católico se propõe ser a ponte de religação entre o profano e o sagrado. Por isso, repito, as balizas dos dogmas devem permanecer imutáveis para que o fiel não se perca, saia do reto caminho e desabe da ponte salvadora para o abismo da perdição eterna. Entretanto, como manter firmes as balizas dogmáticas, conservar as tradições em meio à fluidez e constante mutação do século, em meio ao turbilhão da história?

Da baixa Antigüidade até meados do século XV a Igreja Católica Romana conseguiu se manter como voz hegemônica em razão de seu poder político na Europa, de tal sorte que as vozes discordantes eram silenciadas pelo anátema, ou o pronunciador do discurso herético era “relaxado ao braço secular”, isto é, executado. Por isso, durante esse largo lapso de tempo o conjunto doutrinário e dogmático católico se manteve quase inquestionado e íntegro.

As coisas começaram a se transformar e a se transtornarem para a Igreja Católica Romana do Renascimento em diante, quando uma retomada do humanismo deslocou o eixo teocêntrico e colocou o Homem como objeto e objetivo do conhecimento e das ações humanas.

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Filósofos, matemáticos e outros pensadores como Bacon e Descartes, para ficar apenas nesses dois exemplos, embora sem descrerem – aliás, Lucien Febvre já discutiu essa questão lembrando que os pensadores renascentistas não dispunham sequer de vocabulário para expressarem descrença – essas pensadores, repito, ao deslocarem o eixo para um antropocentrismo, ainda que tímido de início, passaram a confiar também na Razão.

Com o passar do tempo e com a consolidação dos métodos científicos e suas descobertas aliadas às invenções tecnológicas, o eixo se deslocou quase que completamente para o antropocentrismo e a Razão foi entronizada como demonstração da vitória da inteligência humana sobre a irracionalidade da crença religiosa, da imanência sobre a transcendência.

O eixo não se deslocou completamente porque a Igreja Católica Romana, apesar de abalada pela revolução renascentista, pelas Reformas religiosas e, mais adiante, no final do século XVIII e início do XIX, pela Revolução Francesa, pelo liberalismo e socialismo, mais tarde, era ainda uma força a se ponderar na Europa e nas Américas, e usando dessa força o instituto católico reagiu. Não vou me alongar sobre o conjunto dessa reação, sendo mais proveitosa a leitura da farta bibliografia já produzida sobre ela.1 Concentro-me na sua proposta de repelir as mudanças profundas que ocorreram desde o século XVI até o século XIX, rejeição se configurou plenamente em sua concepção e sua filosofia da história.

Evitar, ou procurar retardar o processo de mudanças, ou a mudança mesma, significa querer parar o movimento histórico – não existem mudanças fora da história; melhor dizendo, a história humana é o seu processo de mudanças.

A situação se apresentava paradoxal porque a mesma instituição que se concebia como fautora da história humana, conforme

1 Há uma farta bibliografia já produzida sobre o assunto, podendo ser rastreada a partir da leitura de Augustin Wernet, Ivan A. Manoel e Artur César Isaia.

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se lê nas palavras pontifícias citadas páginas atrás, agora se posicionava contra as mudanças e, corolário, contra o movimento da história.

A resposta ao paradoxo está na concepção da história, na filosofia da história construída pela doutrina católica.

Já abordei o tema da filosofia católica da história em outra publicação (MANOEL, 2004), mas com outro propósito. Naquele texto procurei demonstrar que a concepção católica da história desenvolvida pelo catolicismo entre 1860 e 1960, a que a historiografia denomina Catolicismo Ultramontano, propiciou sua aproximação com os governos ditatoriais de direita na primeira metade do século XX.

O propósito do presente texto é sugerir que o tradicionalismo católico e, corolário, o seu conservadorismo, produziu a concepção de história com as características com que se apresenta, um conceito pendular e retilinear do processo histórico da humanidade.

É certo que Santo Agostinho, se contrapondo às concepções cíclicas de história desenvolvidas na Antigüidade Clássica, elaborou o conceito retilinear da história, estabelecendo a concepção de que a história não se repete, mas segue um trajeto em linha reta, desde suas origens no Pecado Original, até o seu fim no Juízo Final:

Os filósofos pagãos introduziram ciclos de tempo em que as mesmas coisas seriam restauradas e repetidas pela ordem da natureza e afirmaram que esses rodopios de idades passadas e futuras prosseguirão incessantemente… A partir dessa zombaria, são incapazes de por em liberdade a alma imortal, mesmo depois que ela atingiu a sabedoria, e acreditam que ela está incessantemente caminhando para um bem – aventurança falsa e incessantemente retornando a uma miséria verdadeira […] É apenas através da sólida doutrina de um curso retilinear que podemos escapar de não sei quantos falsos ciclos descobertos por sábios falsos e enganosos [grifo nosso] (AGOSTINHO apud WHITROW, 1993, p.79).

Porém, a concepção retilinear da história não se contrapõe a ideia central da doutrina cristã que é a ideia do retorno. Os filósofos gregos, tanto os estóicos, como o próprio Aristóteles, imaginavam que os

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ciclos históricos se repetiriam eternamente com as mesmas características, com as mesmas ideias, e até com os mesmos atores. Por isso, Nemésio iria dizer que:

Sócrates e Platão e cada homem individual viverão novamente, com os mesmo amigos e os mesmos concidadãos. Passarão pelas mesmas experiências e as mesmas atividades. Cada cidade, cada aldeia e campo serão restaurados, tal como eram. E essa restauração do universo ocorre não uma só vez, mas reiteradamente – na verdade por toda a eternidade, sem nunca findar. Aqueles entre os deuses que não são sujeitos à destruição, tendo observado o curso de um período, conhecem, a partir disso, tudo que vai acontecer em todos os períodos subseqüentes. Pois jamais haverá qualquer coisa nova senão o que houve antes, sendo tudo repetido até os mínimos detalhes (WHITROW, 1993, p.58).

Na Metereológica, Aristóteles, citado por Whitrow, diz que “[...] devemos dizer que as mesmas opiniões surgiram entre os homens em ciclos, não uma ou duas vezes, não algumas vezes, mas com uma freqüência infinita” (WHITROW, 1993, p.62).

A ideia de retorno no cristianismo é outra, é a concepção de que a humanidade se afastou de Deus cometendo o pecado original e deve retornar a Deus atravessando as águas turbulentas pela ponte da Igreja Católica Romana obedecendo as suas balizas dogmáticas. Essa concepção, que expressa o conjunto da concepção cristã, se explicita plenamente na Parábola do Filho Pródigo, a humanidade que se afasta de Deus, se arrepende e retorna ao Pai.

Nessa concepção não existem ciclos que se repetem indefinidamente, mas existe o movimento de um pêndulo, um afastamento e uma reaproximação.

Resumindo a doutrina católica sobre história em uma exígua súmula didática encontramos o seguinte:

Deus criou o homem para que permanecesse em eterno contato com sua autocomunicação. Entretanto, Adão e Eva, ao pretenderem adquirir um saber e uma consciência não previstos no plano divino e

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mesmo proibidos por ele, cometeram o Pecado Original, tendo como resultado a expulsão do Paraíso, ou seja, provocaram a Queda. Inicia-se aí a história humana.

A análise detida dessa doutrina revela: 1. Os seus termos apontam para a ausência da história. No

intervalo de tempo que teria existido entre a Criação e a Queda, o homem teria vivido em uma situação de imobilidade, na exata medida em que: a) essa situação deveria ser eterna, perpetuar-se idêntica a

si mesma para todo sempre; isto é, uma situação sem tempo e sem movimento;

b) estando livre da morte, o homem estava, na verdade, acima da finitude própria da vida material; isto é, o ser humano estava fora da história, ou melhor, a história não existia. A esse período hipotético, a doutrina denomina “estado

supralapsário” isto é, um “estado” acima, fora, portanto, da história, que se define como o estado

[…] de justicia original. Es decir, la situación salvífica paradisíaca anterior al pecado original, del hombre „agraciado‟ sobrenaturalmente por la auto comunicación de Dios; caracterizado por la inmunidad respecto a la concupiscencia y substraído de la necesidad de morir (RAHNER, & VORGRIMLER, 1966, p.225).

Nessa situação, o homem estava imune também às enfermidades, sofrimentos e paixões. Portanto, a conclusão de que o homem estava destinado à eternidade, estava isento de todas as manifestações próprias de sua humanidade, leva também e logicamente à conclusão de que esse homem era a-histórico.

1. Com o Pecado Original, o homem perdeu todas as prerrogativas da a-historicidade: tornou-se mortal. A mortalidade introduziu o ser humano na temporalidade e no movimento, isto é, na história:

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a) antes e acima de tudo porque se viu diante da necessidade de trabalhar para garantir a reprodução da vida. Esse talvez seja o significado mais profundo do mito do Pecado Original, abordado de uma perspectiva histórica. Expulso do Paraíso, o homem viu-se diante da necessidade de trabalhar, e o trabalho é o elemento fundamental da história humana.2 Mais ainda, quando se recorda que o tema do pecado original foi elaborado por um povo habitante de uma região semidesértica, compreende-se porque ele considerava o trabalho um castigo divino3·, em especial quando esse trabalho era acompanhado da maldição de só produzir abrolhos ;

b) Além da necessidade de trabalhar, o homem se viu presa também da concupiscência e dos sofrimentos físicos e morais. Isso teria uma implicação profunda: além do sofrimento, a inserção na historicidade deixou-o vulnerável a apetites vorazes, sejam eles de bens e sexualidade, sejam de conhecimento racional, e essa vulnerabilidade iria trazer desdobramentos lastimáveis em todo transcurso da história.

2 Não vamos entrar aqui na discussão surrealista do tipo “se o homem não trabalhasse”, etc. etc. O fato histórico concreto é que o homem trabalha, e a dialética entre o trabalho em si e suas formas concretas de realização constitui o material por excelência do historiador, porque é dessas formas que derivam todas as demais relações que os homens estabelecem entre si e a própria natureza. 3 Esse mito é próprio de um povo habitante de uma região semidesértica, e foi transformado pelo catolicismo em explicação universal. É muito difícil imaginar um povo habitante de uma exuberante floresta tropical criando um mito semelhante ao judaico-cristão. Com esse mito, os judeus tentaram explicar porque eles e os demais povos da região encontravam tanta dificuldade em produzir sua subsistência.

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O ponto central dessa doutrina é a causa atribuída ao movimento histórico.

Segundo ela, a história teve início com um ato humano negativo, porque foi um ato de orgulho e desobediência. Por isso, história é um processo negativo, considerado da perspectiva religiosa. Tanto assim, que o Gênesis estabelece que toda evolução que levou do pastoreio nômade a sedentarização e urbanização se deu pela linhagem amaldiçoada de Caim (Gênesis, 4, 17-24. In: Bíblia Sagrada, 1982). A esse respeito, afirmam os comentaristas da Bíblia de Jerusalém (1982) que Caim, nessa passagem

[...] é o construtor da primeira cidade, o pai dos pastores, dos músicos, dos ferreiros e das meretrizes, que provêem às comodidades e aos prazeres da vida urbana. Esses progressos são atribuídos pelo autor javista à linhagem de Caim, o amaldiçoado; a mesma condenação da vida urbana será encontrada na narrativa javista da Torre de Babel (BÍBLIA DE JERUSALÉM, p.37, Nota Z.).

Entretanto, toda maldição que provocou a história e nela sobrevive, não radica no ato em si da desobediência, porque Adão poderia ter desobedecido a qualquer outra restrição, mas radica no móvel do seu ato – a busca do conhecimento.

Esse tema central e fundador de toda doutrina católica freqüenta as páginas dos filósofos e teóricos católicos e, embora a estrutura central seja a mesma, há pequenas diferenças na exposição do assunto. Por isso, foram selecionados dois autores do século XIX para servirem de suporte à nossa análise: René Chateaubriand e Juan Donoso-Cortés, este já citado páginas atrás.

Chateaubriand publicou o seu livro, O gênio do cristianismo, em 1802, inaugurando o romantismo, segundo o estudo de Alceu de Amoroso Lima 4. Escritor romântico, pela forma e conteúdo, ele produziu

4 “Pois, realmente, se as raízes do romantismo remontam ao século XVIII, é de 1802 e do livro cuja reedição hoje se faz que data, por assim dizer, oficialmente,

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um texto hiperbólico e retórico, com o objetivo de fazer uma sólida apologia do cristianismo católico, em contraposição àquilo que considerava excessos do racionalismo científico e do discurso e da prática revolucionária dos finais do século XVIII e início do XIX.

No Prefácio da edição francesa, de 1828, Chateaubriand apresentava as razões de seu livro dizendo:

Ressurgia a França do caos revolucionário, quando o Gênio do Cristianismo apareceu; todos os elementos da sociedade estavam confusos: a mão que intentara ordená-los não conseguira ainda seu intento – despotismo e glória não tinham podido criar ordem./Foi, pois, entre as ruínas dos nossos templos que eu publiquei o Gênio do Cristianismo, chamando a esses templos as pompas do culto e os ministros dos altares. O Gênio do Cristianismo refletindo memórias do nosso passado, nossos antigos costumes, da glória dos monumentos de nossos reis, tinha o sabor da antiga monarquia: os franceses afizeram-se a ver com saudades o seu passado, preparou-se a estrada do futuro e reanimaram-se esperanças quase extintas (CHATEAUBRIAND, [s.d], p.9 -11).

Compendiando a doutrina católica em linguagem retórica e hiperbólica, o romantismo de Chateaubriand seguiu os passos do tradicionalismo e leu literalmente as palavras bíblicas – para ele o primeiro casal era uma realidade histórica e a sua culpa original, um ato concreto de desobediência.

No cap. II, do livro 3, ele descreve a “Queda do Homem” do seguinte modo:

Outra verdade estampada na Escritura, que nos maravilha: o homem agonizante por ter se empeçonhado com o fruto da vida; o homem perdido, por ter saboreado do fruto da ciência, por ter sabido conhecer

a aurora do romantismo.” LIMA, A. A. Prefácio à edição brasileira. In: CHATEAUBRIAND, R. O gênio do cristianismo. São Paulo: Jackson Editores, [s.d.]. p.15.

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em demasia o bem e o mal, por ter cansado de ser semelhante ao menino do evangelho. Suponha-se qualquer outra proibição de Deus, relativa a qualquer outra tendência da alma: como compreender-se a sabedoria e a profundeza dos decretos do Altíssimo? Seria isso um capricho indigno da divindade, e nenhuma moralidade resultaria da inobediência de Adão. Toda história do mundo, pelo contrário, dimana da lei imposta ao nosso primeiro Pai. Ao seu alcance pôs Deus a ciência que não podia refusar-lha, dando ao homem inteligência e liberdade; prediz-lhe, porém, que se quiser saber demais, o conhecimento das coisas será morto para ele e sua descendência (CHATEAUBRIAND, [s.d.], p.72).

Essa passagem merece ser examinada em seus termos fundamentais. O homem foi criado para permanecer inocente, isento de malícia, com aquele conhecimento que aprazara a Deus revelar-lhe. Ao querer saber demais, o homem entrou na história e todos os seus atributos – trabalho, sofrimento, avidez. Por isso, a frase central é a que diz: “Toda história do mundo, pelo contrário, dimana da lei imposta ao nosso primeiro pai.”

Os verbos e adjetivos empregados por Chateaubriand são muito fortes e elucidativos – o homem eterno agonizou pelo veneno da vida temporal, perdeu-se pelo saber adquirido e entrou na história, ou melhor, deu início à história, e toda a história do mundo traz essa marca, a marca do pecado. Mas, não se trata de um pecado comum; trata-se de um pecado primordial para a história do homem, aquele pelo qual o homem, ao contrariar a Deus, quis a ele se igualar e, por meio do qual, rompeu a aliança e se opôs ao projeto divino, saiu da eternidade e entrou na história.

Por isso, o saber racional é estigmatizado, porque dele dimana a história e dele pode se originar a perdição definitiva, porque por meio dele a humanidade perdeu a inocência das crianças e, velha, caminha para a morte. Assim, nos diz Chateaubriand, a

[...] inocência, santa ignorância, não é, per si, o mais inefável dos mistérios? Exulta a infância, porque tudo ignora; amisera-se a velhice,

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porque tudo sabe: felizmente para ela, principiam os mistérios da morte, onde fenecem os da vida ([s.d.] p.124).

Meio século mais tarde, Juan Donoso-Cortés, ao abordar as mesmas questões, seguiu o mesmo trajeto de Chateaubriand, aprofundando algumas delas e adotando um posicionamento idêntico quanto ao dogma, entretanto variando um pouco a interpretação.

Em seu texto de 1847, “Bosquejos Históricos”, Donoso-Cortés estabeleceu que Adão foi criado para ter o saber, dominar o conhecimento junto a Deus. Por isso, dele recebeu a ciência e o seu instrumento universal – a linguagem.

Narrando, conforme o Gênesis, o momento em que Deus entregou a Adão a tarefa de nomear todas as coisas, ele entende que aí

[…] se mostran dos cosas importantísimas: la primera, que el hombre aprendió la lenguaje de Dios; y la segunda, que aprendió de Dios a penetrar en la esencia de las cosas, lo cual quiere decir que recibió a un tiempo mismo la revelación de las ciencias y del instrumento universal de todas las ciencias (DONOSO-CORTÉS, 1946, p.123).

Entretanto, ao homem deveria estar sempre vedado o conhecimento absoluto de todos os mistérios. Penetrar em todos os segredos seria

[...] penetrar en la naturaleza íntima del principio de las cosas; siendo el principio de las cosas y Dios una cosa misma, seria penetrar en la esencia de Dios; penetrar en la esencia de Dios es ser Dios hasta cierto punto, y el hombre no puede ser Dios en cierta manera y hasta cierto punto sino cuando haya sido deificado en su vida intra mundana (DONOSO-CORTÉS, 1946, p.124).

Em outros termos, Deus compartilhou com o homem o saber, mas até o limite que lhe parecia seguro, e resguardou da fraqueza humana o conhecimento dos segredos maiores, para evitar que o homem se destruísse. Portanto, segundo a interpretação donosiana, o

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homem não caiu por pretender ser igual a Deus, mas porque pretendeu adquirir o saber sem a aliança com o criador, ou seja,

[…] quiso aprender la ciencia del bien y del mal fuera de Dios y desunió el entendimiento divino y humano; y así como la unión primitiva había sido causa de la ciencia infusa de Adán, la desunión lo fue de suya absoluta ignorancia./ Ni podría ser de otra manera, si se atiende que Dios es la verdad absoluta ya que no hay verdad fuera de Dios ... Si fuera posible que la verdad existiera fuera de Dios, Dios no existiría (DONOSO-CORTÉS, 1946, p.139).

Essa é a razão fundamental que explica porque, na Idade Média, a Igreja Católica firmou a doutrina de ser a Teologia o centro e fonte do saber, e a Filosofia, sua auxiliar.

O resultado da ambição adâmica se desdobrou em duas vertentes – tanto o homem perdeu a imortalidade e constituiu uma sociedade desordenada, quanto passou a produzir um saber que, por ser falso, uma vez que adquirido fora de Deus, cada vez mais o direcionava para o desastre final.

No “Ensayo sobre el catolicismo, el liberalismo y el comunismo”, dando maior abrangência à sua teoria, Donoso-Cortés entende que o pecado de Adão provocou uma desordem também física que “[...] consistió en la enfermedad y la muerte... luego, la desorden física y moral, la ignorancia y la flaqueza de la voluntad, por una parte, y la enfermedad y la muerte, por otra, son una cosa misma” (1946, p.422).

Mas, essa desordem não teria se restringido apenas ao âmbito da vida humana, mas se estendido por sobre toda a natureza. Por isso,

[…] la tierra se cuajó de espinas y de abrojos, y si secaran sus plantas, y envejecieran sus árboles, y si agostaran sus hierbas […] y se restó de bosques oscuros […] y si coronó de montes bravos, y hubo una zona tórrida y otra frigidísima, y fue consumida por el fuego, y abrasada por la escarcha, y se levantaran en todos sus horizontes torbellinos impetuosos y sus ámbitos fueran encendidos con estrondos de los huracanes (DONOSO-CORTÉS, 1946, p.423 – 424).

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A teoria católica, exposta e interpretada por Donoso-Cortés (1946) e Chateaubriand (s.d.), comporta um elemento trágico – se a punição divina ao pecado original foi impedir que Adão e sua descendência adquirissem o saber verdadeiro por vias racionais, quanto mais o homem produzir filosofia e ciência, tanto mais elas serão falsas e tanto mais levarão à perdição eterna.

Donoso-Cortés é bastante explícito ao elaborar essa teoria. Nos “Bosquejos Históricos”, ao relatar os resultados do pecado original de Adão, entende que

[…] cuando el hombre se rebeló contra Dios, desvanecido por el orgullo... Dios en su justicia le quitó la sabiduría, y en su misericordia le conservó la inteligencia... Por eso, se ve que toda la ciencia de los orgullosos es error y vanidad y que la ignorancia de los humildes es la verdadera ciencia (1946, p.130).

Essa passagem, mais uma vez nos reafirma o tradicional magistério católico. De fato, essa tese não é uma elaboração sua, mas remonta aos tempos apostólicos e se encontra, com certeza, nas Epístolas de São Paulo. Em Coríntios I (1, 19 – 20 e 3, 18 – 20. In: BÍBLIA sagrada, 1982) lemos que

[…] está escrito: destruirei a sabedoria dos sábios e rejeitarei a inteligência dos inteligentes. Onde está o sábio? Onde está o homem culto? Onde está o argumentador deste século?/Ninguém se iluda: se alguém dentre vós se julga sábio aos olhos deste mundo, torne-se louco para ser sábio; pois a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus... O Senhor conhece o raciocínio dos sábios, sabe que eles são vãos (BÍBLIA sagrada, 1992, p.2149 e 2151).

No Ensayo..., Donoso-Cortés, seguindo mais uma vez essa linha tradicional, entende que a inteligência dos

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[…] incrédulos por ser altísima y la de los creyentes humilde; la primera, empero, nos es grande sino a la manera del abismo; mientras que la segunda es santa, a la manera de un tabernáculo; en la primera habita el error, la muerte; en tabernáculo con la verdad, la vida. Por esta razón, para aquellas sociedades que abandonan el culto austero de la verdad por la idolatría del ingenio, no hay esperanza ninguna. En pos de los sofismas vienen las revoluciones, y en pos de los sofistas, los verdugos (1946, p.348 – 349).

Donoso-Cortés vai mais além – a desunião entre os homens e Deus acabou por revelar a própria fraqueza do entendimento humano porque o saber válido para o homem era aquele adquirido na comunhão com o Criador. Ao se separar de Deus e não podendo atingir a essência das coisas, o homem acabou por produzir uma desunião no seu próprio entendimento. Por isso, criou divisões arbitrárias na tentativa de chegar, sem resultados ao conhecimento de todas as coisas. Assim, o pensador espanhol nos diz que a

[…] ciencia política, la ciencia social, no existen, sino en la calidad de clasificaciones arbitrarias del entendimiento humano. El hombre distingue en su flaqueza, lo que esta unido en Dios con una unidad simplicísima (DONOSO-CORTÉS, 1946, p.349).

O Marquês de Valdegamas estava, em sua tese, retomando as teses católicas que somente a teologia pode dar ao homem o verdadeiro conhecimento, devendo as outras disciplinas, inclusive a filosofia, ficarem sob sua tutela, e é lógico que assim fosse, uma vez que todas as outras atividades intelectuais não podem, por causa dos limites impostos pela sua fragmentação, dar à humanidade o conhecimento daquilo que realmente merece ser conhecido pelo homem: Deus.

Chateaubriand não foi menos agudo em sua condenação ao conhecimento racional. Para ele não pode existir meio termo: toda vez que o homem procura o conhecimento racional, provoca a destruição e a morte. Discorrendo sobre os avanços da astronomia, e a consolidação do heliocentrismo, ele revela o seu verdadeiro pavor diante da ciência:

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Quem presenciou os dias da revolução francesa, quem assentou que à vaidade do saber se deve quase todas nossas desgraças, quase acreditou que o homem esteve à beira de uma nova morte, por ter erguido, segunda vez a mão à árvore da ciência... os séculos sabedores prendem com os séculos destruidores (CHATEAUBRIAND, [s.d.], p.94).

Mais adiante, comentando novamente sobre os avanços da matemática e da astronomia, conclui, de maneira contundente que “[...] as ideias irreligiosas conduzem necessariamente às ciências, e as ciências conduzem necessariamente às ideias irreligiosas” (CHATEAUBRIAND, op.cit., p.31).

Talvez seja permitido dizer que a busca do conhecimento racional representa, no contexto da doutrina do cristianismo, em geral e do catolicismo ultramontano, em particular, uma constante renovação do Pecado Original.

Em 1947, Gustave Thibon, em um estudo introdutório a uma seleção de textos de Chateaubriand, condensava sua compreensão sobre o movimento histórico na seguinte frase: “Les masses humaines oscillent d‟un totalitarisme à l‟autre; dejà elles ne chissent plus entre l‟esclavage et la liberté, mais entre las diverses formes dun même esclavage [...]” (THIBON, GUSTAVE S.N.T. p.31. Apud, MANOEL, 2004, p. 83)

Em seu escrito, Gustave Thibon trazia ao primeiro plano o conceito católico sobre a qualidade do movimento histórico: a oscilação pendular.

Páginas atrás foi dito que o projeto único de Deus é a salvação da humanidade, e a salvação tem o significado de reunir aquilo que o pecado original desuniu, religar a aliança rompida. Nesse sentido, o movimento da história deve, necessariamente, para se consumar como história da salvação, levar o homem ao reencontro do Absoluto e nele dissolvê-lo.

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Roberto Romano, sumariando e interpretando esse passo da tradição romântica do catolicismo conservador, tendo como suporte os escritos de Shelling, Novalis, e outros autores da mesma tendência, entende que

[...] o afastamento máximo entre a criatura e o Criador, o instante em que o homem se imagina Deus, é apenas um elo no processo do Absoluto. Após o lapso, nesse ponto culminante, inicia-se o retorno em direção à Divindade. Por isso, a história é uma epopéia composta no espírito de Deus; as suas partes principais são duas: a primeira descreve a saída da Humanidade de seu centro até o máximo distanciamento, a segunda, o retorno. A primeira é, por assim dizer, a Ilíada, a segunda, a Odisséia da história (1981, p.74-75).

Era exatamente dessa fonte que se alimentava, por exemplo, um escritor brasileiro, Hamilton Nogueira, em 1931, quando pensava que

[...] a humanidade, depois de tangenciar a borda de todos os abismos, depois de realizar a sua mais perigosa experiência no plano puramente natural sente, por assim dizer, aquela clarividência momentânea que se segue aos erros cometidos, e volta-se conscientemente para as causas de suas desgraças, tentando reconquistar a unidade perdida. Nos povos, mesmos naqueles que mais se notabilizaram por uma radical concepção naturalista do mundo, nota-se um movimento de receio. Após uma apostasia Cristã temporária, ela (civilização ocidental) parece voltar aos princípios a que renunciara, para retomar o luminoso roteiro da verdade e da vida (1931, p.154 – 155).

No entanto, os diversos autores que abordam essa questão, embora concordem que seriam basicamente dois os períodos históricos – o da “Ilíada” e o da “Odisséia” – na verdade aprofundam mais o entendimento sobre o problema e estabelecem que, de fato, seriam várias e contínuas as oscilações do “pêndulo da história” antes da dissolução no Absoluto.

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Para João Camilo de Oliveira Torres, o movimento da história [...] provoca uma ruptura com o que é essencial e importante. Aliás, devemos considerar que, em geral e na maioria das vezes, estaremos fugindo sempre, por força do impulso que move a história, daquela situação que é normal. Se compararmos o movimento da história ao de um pêndulo, vemos que, da mesma forma que ele está solicitado a volver ao ponto central, que é o da lei, da ordem, do equilíbrio, mas está fugindo dele em busca das duas posições extremadas em torno das quais oscila, igualmente a história vai e vem, passando pelo ponto da linha vertical, mas deixando-a de lado (1968, p.103).

As teses de João Camilo de Oliveira Torres se filiavam àquela interpretação estabelecida por Donoso-Cortés, em “Bosquejos Históricos”, quando, em 1847, entendia que após a queda, o homem se transformara em um “[...] compuesto lamentable de absurdas contradicciones; lleno de pequeñez y de grandeza [...] oscilando con perpetua oscilación entre el bien y el mal, entre su Dios que le solicita y el demonio que lo tienta (1946, p.140).

A teoria da oscilação pendular também irá sustentar as teses de Bérgson, que emprega, porém, a metáfora das cores para ilustrar sua teoria – a história humana oscilaria entre o vermelho e o amarelo, cores que simbolizariam os extremos, sem se estabilizar no laranja, que simbolizaria a ordem social, a estabilidade e a lei (Apud TORRES, 1968, p.103).

As considerações e interpretações anteriormente feitas demonstraram as vinculações que a doutrina católica faz entre a procura do saber racional e o movimento da história. Ao conceituar a qualidade do movimento histórico, a doutrina católica explicitou por inteiro essas vinculações. A metáfora do movimento pendular é a figura com a qual se pretendeu ilustrar, tanto essas vinculações, quanto o próprio movimento, porque ela é a que melhor pode representar, poder-se-ia dizer, até graficamente, a luta entre o Bem e o Mal, tese que em última instância sustenta essa construção teórica.

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Se é possível atribuir uma finalidade para a criação do homem, essa finalidade seria a união eterna com o Criador, a perpétua gravitação em torno do Supremo Bem. A doutrina católica, ao se fundamentar sobre esses conceitos, necessariamente circunscreveu a história do homem nos limites da teodicéia. Portanto, Deus criou o homem para realizar aquela união referida e isso implica que o homem só se realiza cabalmente na dissolução no Absoluto. Assim, mesmo que o homem tenha caído na historicidade, a sua história deve revelar a inesgotável bondade divina, expressa no seu desígnio de redimi-lo.

Entretanto, o homem nada mais é do que uma criatura imperfeita a quem foi dada a capacidade de escolha. Em outras palavras, a imperfeição humana fundamental

[...] consiste en la facultad que tiene de seguir el mal y de abrazar el error; es decir, que la imperfección de la libertad humana consiste cabalmente en aquella facultad de escoger, en que consiste, según la opinión vulgar, su perfección absoluta (DONOSO-CORTÉS, 1946, p.399).

Imperfeito, vaidoso e orgulhoso, o homem escolheu não continuar a aliança com o Criador e saiu em busca do saber racional e caiu na historicidade.

A queda não significou a morte do homem - ao contrário, a sobrevivência após a queda é o próprio eixo de sustentação da doutrina. Essa é uma questão central e delicada – a vida temporal, material, significa que o homem “morreu” para a vida eterna e o seu oposto é o centro mesmo do projeto católico, ou seja, a ressurreição para a vida eterna deve corresponder à morte para a vida terrena. Entretanto, para o catolicismo do século XIX, recuperando o projeto do cenobitismo medieval, a morte para a vida terrena não significava apenas o falecimento, mas uma recusa ao “século”, um afastamento em relação ao mundo como forma de preparação para a pós-morte. A frase seguinte, de Madre Felicité, Superiora Geral das Irmãs de São José de Chamberry é uma síntese dessa doutrina: “Esforce-se para atrair Deus a si por uma

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contínua morte da natureza; é morrendo para a vida de Adão que vivemos para a vida de Jesus.” (Carta de Madre Felicitè à Madre Voiron, [s.d.] apud, MANOEL, 1996, p.98).

Essa teoria teve duas implicações fundamentais: 1) a sobrevivência física fora do paraíso gerou o seu oposto, a morte física, isto é, para viver na temporalidade, o homem perdeu a eternidade. 2) a aquisição do saber racional provocou a perda do saber revelado, mas não da capacidade de raciocinar, porque “Misericordioso y justo, a un tempo mismo, Dios niega a las inteligencias culpables la verdad, pero no les niega la vida; las condena al error mas no a la muerte” ( DONOSO-CORTÉS, 1946, p.348 – 349).

Terrível castigo o do homem – privado do conhecimento da Verdade, dotado de uma inteligência fraca e de uma vontade defeituosa, o ser humano teria a desventura de converter-se naquele composto de absurdas contradições de que nos fala Donoso-Cortés, oscilando entre extremos sem jamais fixar-se junto a Deus. Mais ainda, na mesma linha de Chateaubriand, para quem ciência e ateísmo seriam sinônimos, o pensador espanhol, apocalíptico, adverte: “La razón sigue el error dondequiera que vaya, aunque sea al abismo más profundo... El error le dará la muerte. Mas [...] que importa si es madre y muere a manos del hijo?” (1946, p.414)

Essa, para a doutrina do catolicismo ultramontano, a tragédia humana – longe de Deus e com sua inteligência obscurecida, o homem perde o saber revelado, mas conserva sua capacidade racional, e com ela cria teorias erradas, um “anti-saber”, causa da sua ruína e perdição eterna, causa do “pêndulo da história”. A tragédia e a oscilação pendular estarão, portanto, nos alicerces das relações sociais e políticas – rompida a unidade com Deus, os homens também rompem os laços entre si e entre eles e a unidade do Poder: a revolução e a democracia se tornam seu fim inexorável.

Em outros termos, a ruptura da unidade com Deus leva à ruptura de todas as relações, inclusive no plano filosófico e político,

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gerando a tensão que está nas raízes de todos os totalitarismos. Radicado nesse terreno é que H. Hargraves irá dizer que

[...] esse conceito errado que os poderes, espiritual e temporal, devem ser separados, é a pedra angular do edifício de corruptelas... Mais do que anti-evangélico, mais do que anti-cristão, é o regime do separatismo espiritual e dos poderes, epílogo fatal das confusões conceituais básicas do individualismo, que conduziram a sociedade humana à miséria atual em que ela definha, na mais franca estatolatria generalizada, quer se chame esta república imperialista, ditadura liberal, ditadura fascista, ou ditadura proletária, bolchevismo ou anarquismo. (1932, p.348).

Diante das considerações acima, pode-se sintetizar a filosofia católica da história no seguinte: a queda foi o primeiro ato histórico; a fraqueza da vontade humana, o motor da história; a oscilação pendular, a qualidade desse movimento e a perpétua desunião, a sua conseqüência.

Assim posta a questão, fica-se diante de uma desconcertante constatação: a tragédia humana é maior do que a própria teoria indica, porque se o oscilar do pêndulo é perpétuo, e o é porque a imperfeição humana o impele, então não há saída para a humanidade. Estranha teoria essa, marcada pela escatologia e pela teleologia. Embora anuncie o progresso do homem rumo à perfeição, encerra-o em um eterno oscilar, uma eterna busca de extremos, um eterno recomeço de jornada que em nada fica a dever a Sísifo.

Entretanto, se deslocarmos o eixo da visão, da teoria e suas abstrações e o centrarmos na Igreja e seus procedimentos, se desfaz o mistério.

Em Donoso-Cortés, Chateaubriand, Löwith, Marrou, Oliveira Torres e em todo o pensamento cristão e particularmente no catolicismo ultramontano, a história é a história da perdição, mas também, e necessariamente, é a história soteriológica, a história da salvação. Por isso, os atos humanos, sejam os particulares e os públicos, refletem,

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necessariamente, a queda do homem, mas devem refletir acima de tudo a ação da graça divina através da Igreja Católica, para a salvação da humanidade que se perdeu.

Donoso-Cortés, para explicitar o significado dessa teoria no processo histórico dividiu o movimento geral da história da humanidade em dois períodos, o Antigo, antes de Cristo, e o Moderno, depois de Cristo. Essa divisão foi também adotada por diversos outros autores católicos dentre os quais podemos citar, no Brasil, Johnatas Serrano no seu livro, “Epítome da História Universal” (1937).

O primeiro período da história compreenderia desde a Criação até a vinda de Jesus, passando pela Queda, atravessando o Dilúvio e o período profético. Esse período, ele o denominou, História Antiga. O segundo compreenderia desde a vinda de Jesus e a instituição da Igreja, até o século XIX. Por ser marcado pela presença de Jesus, do Evangelho e da Igreja Católica Romana, esse período recebeu o nome de História Moderna (DONOSO-CORTÉS, 1946, p.155 ss).

Naquele período a que Donoso-Cortés denominou de História Moderna, a teoria do pêndulo adquire seus contornos definitivos e, segundo seus critérios, a sua plena justificativa.

Na História Antiga, os homens intuíam a existência de Deus. Mas, dada a sua ignorância, exprimiam sua crença ou intuição de maneira errada e desastrosa por meio do politeísmo. Entretanto, na História Moderna, os homens têm já conhecimento da religião e da Verdade revelada, contam com o eficiente magistério católico para conduzi-los no caminho da salvação. Assim, não haveria mais razão alguma para andarem extraviados, a não ser o seu orgulho e a vontade defeituosa que os perde.

Estabelece-se aí o movimento do pêndulo – com o Pecado Original, o homem afastou-se de Deus e passou a gravitar ao redor do Mal através do paganismo e politeísmo. Com a vinda de Cristo, os homens novamente foram atraídos pelo Bem, e orientados pela Igreja passaram novamente a gravitar ao redor de Deus. Esse período teria

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encontrado seu ponto culminante e de maior estabilidade durante a Idade Média, mais exatamente, entre os séculos VIII e XIV.

Em 04 de junho de 1849, Montalembert, em carta dirigida a Donoso-Cortés, reafirmando essa tese perguntava qual “[...] época señalaremos como la en que haya existido civilización, o sea, la sociedad católica por excelencia? Para mi es indudable que esta época fue la Edad Media, en el período desde lo siglo VIII, hasta el XIV” (Carta de Montalembert a Donoso-Cortés (04/06/1849). In: DONOSO-CORTÉS, 1946, T.II, p.211).

No mesmo dia 04 de junho de 1849, Donoso-Cortés respondeu a Montalembert, confirmando e reafirmando a tese de que “El siglo de oro de la civilización católica, es decir, el siglo en que la razón y la voluntad del hombre se conformaron con el elemento católico, fue, sin duda ninguna, el siglo XIV” (Carta de Montalembert a Donoso-Cortés (04/06/1849) In: DONOSO-CORTÉS, 1946, T.II, p.212)

Essa era uma época áurea, quando a Igreja subordinava a sociedade em todas as suas esferas “[...] a la libre y espontánea voluntad de los Príncipes y de los pueblos, los cuales creyeron convenirles sujetar sus diferencias al fallo de los Pontífices romanos, o de los Santos Concilios.” (DONOSO-CORTÉS, J. Las reformas de Pio IX. (1946, p. 90).

Com sua decadência, veio a era da Revolução, aquela em que o homem julgou a doutrina católica uma inútil superstição e se propôs, ele mesmo, criar um novo saber, uma nova moral, uma nova política.

A verdade é que a doutrina do catolicismo ultramontano não aceitava que o conjunto do pensamento moderno fosse um desdobramento necessário do movimento geral do processo histórico. Para a hierarquia da Igreja e o laicato intelectualizado, a ciência, a filosofia e a política moderna eram apenas e tão somente uma atitude de rebeldia do homem moderno, que não mais aceitava o espírito dos dogmas católicos. Dividindo a humanidade em dois campos opostos – os que estão a favor ou contra Deus – a Igreja atribuía aos primeiros a responsabilidade de eliminar os erros do pensamento moderno,

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produzidos pelos segundos. Mergulhando por completo nessa concepção, Álvaro Vieira Pinto iria pontificar, em 1930:

As condições do mundo moderno, a divisão que dia a dia se torna mais nítida entre os que ficam com Deus e os que põem contra ele, exigem da consciência em flor do moço um esforço precoce no sentido de uma definição que lhe permita uma posição no campo de egoísmos inferiores ou de desprendimentos sublimes, em que se cindiram os homens.” (1930, p.63)

O resultado dessas atitudes do moderno pensamento racionalista teria se manifestado na incredulidade, nas revoluções filosóficas e científicas, na Reforma Protestante, na Revolução Francesa, no ciclo revolucionário de 1830 a 1848, na democracia e nas doutrinas de esquerda. Por isso, no contexto da doutrina, o século XIX era considerado o ponto de maior afastamento do pêndulo da história em relação a Deus, o século de "ferro da civilização", segundo a interpretação de Donoso-Cortés, já citado.

Conforme o catolicismo do século XIX, naquele “século de ferro da civilização” foram condensadas todas as proposições e práticas da filosofia e política atéias produzidas pelo mundo moderno e expressas pelas doutrinas liberais, consideradas a síntese de quatro séculos de racionalismo, lançando o homem nas mais torpes abominações, das quais o ateísmo e o falso saber seriam as piores. Por isso, o papa Pio IX condenou em bloco, tanto o século XIX, quanto o conjunto da modernidade, lançando o anátema por sobre todos quantos dissessem que “[...] o romano Pontífice pode e deve conciliar-se e transigir com o progresso, com o Liberalismo e com a civilização moderna” (IGREJA CATÓLICA, Papa Pio IX, 1947. 80ª Proposição).

O resultado, de resto já bastante discutido, é que se o homem perdeu o saber revelado, por culpa de seu orgulho e vontade defeituosa, a sociedade em seu conjunto perdeu a civilização e retornou à barbárie, e a barbárie tinha já um sinônimo: a tirania. Se por civilização se deve entender o predomínio católico em todas as esferas, incluindo-se aí o

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próprio Estado, então a Europa do século XIX se encontraria de fato em plena barbárie, uma vez que o mundo burguês moderno rompera com todos os laços da feudalidade e sacramentara o individualismo e, como conseqüência, as tiranias. Conforme os autores católicos examinados, a Europa, afastada até o extremo limite da oscilação pendular, estava reduzida ao caos, subjugada pela tirania da Revolução Francesa, do jacobinismo, das revoluções de 1830 a 1848, do Império de Napoleão III, a partir de 1851.

A figura com que Donoso-Cortés sintetiza a “crise do mundo moderno” no século XIX é bastante reveladora: “[...] cuando el termómetro religioso está subiendo, el termómetro de la represión está bajo, y cuando el termómetro religioso está bajo, el termómetro político, la represión está alto.” (DONOSO-CORTÉS, 1946 p.78). MANOEL, Ivan A. Origins of traditional catholic: a test of Iinterpretation. DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.6, n.2, 2010, p.XXXXXX ABSTRACT: Using as object the Catholic Apostolic Roman Church, this present article interprets the catholic reaction in the XIX century, to modern thought, from theoretical as Donoso-Cortés, analises the Catholic conservatism based on yours traditionalists fundaments, whose bases are rooted in Jewish religious traditions. KEYWORDS: Catholic Church; Conservatism; modern thought. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Livros, partes e capítulos de livros

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DOSSIÊ/SPECIAL

“PATRIMONIO CULTURAL/ CULTURAL PATRIMONY”

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PAISAGENS CULTURAIS: DO CAFÉ À CANA

Nainôra Maria Barbosa de FREITAS* Alcione de Albuquerque MÁS** Wlaumir Doniseti de SOUZA***

Henrique Telles VICHNEWSKI**** Realizou-se a entrevista, ora denominada de Paisagens culturais: do café à cana com o Professor Dr Leonardo Barci Castriota, no dia 19 de outubro de 2010, no Hotel Canadá – Ribeirão Preto – SP. A entrevista faz parte da XIV Semana de Geografia e História do Centro Universitário Barão de Mauá que, pelo segundo ano consecutivo, discutiu a questão do patrimônio.

1) Prof. Castriota, qual seria a melhor definição, para o senhor, de paisagem cultural?

Leonardo Barci Castriota: Bom, tem uma definição de um técnico

da Unesco, que diz que as paisagens culturais são trabalho, são simples, mas eu acho que ela é muito efetiva, que é o trabalho combinado o homem da natureza, acho que essa é a definição melhor, assim. 2) Quando pensamos no Brasil, como no caso específico de São Paulo, como o Sr. vê essa combinação?

* Professora do CEUBM. Doutora, Mestra e Graduada em História pela FDSS – UNESP – Franca. ** Estudante do Curso de História do CEUBM. *** Professor do CEUBM. Doutor em Sociologia pela FCL – UNESP – Araraquara e Mestre em História pela FDSS – UNESP – Franca. Graduado em Filosofia e Pedagogia. Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Metodologia da Oralidade (NEPMO). **** Professor do CEUBM. Mestre em História pela UNICAMP. Graduado em Arquitetura e Urbanismo.

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Leonardo Barci Castriota: Olha, esse termo, na verdade, ele

na minha perspectiva, ele veio trazer uma nova, um novo horizonte para o campo do patrimônio. Porque durante muito tempo, o patrimônio trabalhou com uma dicotomia natureza-cultura. Se pegarmos a convenção mundial da Unesco de 1972, ela vai trabalhar de forma separada esses dois campos e, inclusive, nessa época, havia uma resistência muito grande dos países europeus de aceitar o patrimônio natural. Até uma curiosidade foi o Brasil que, naquele momento, pelo Renato Soero que era o presidente do IPHAN, que fez essa negociação que deu a convenção mundial. Mas, o que foi acontecendo é que se percebeu que, na verdade, você não consegue, pensando no trabalho do homem sobre a Terra, você não consegue dissociar a natureza de cultura, dessa forma. Então, o patrimônio cultural sempre vai ter uma impregnação humana e vice-versa, o patrimônio cultural vai ser feito sobre uma base natural. Então, foi percebendo essas dificuldades que a Unesco foi desenvolvendo estudos, até que vinte anos depois, em 1992, eles chegaram a esse conceito, a essa nova categoria, então isso abriu uma perspectiva nova, não só sobre as paisagens culturais tradicionais, mas, inclusive, sobre as próprias categorias já existentes. Então, nesse sentido, as cidades, por exemplo, elas podem ser pensadas como paisagens culturais. Embora, haja setores da própria Unesco que tenham resistência a isso. A gente tem, você falou de São Paulo, a gente tem recentemente a candidatura de Buenos Aires, se candidatou como patrimônio mundial usando a perspectiva da paisagem cultural e foi mal sucedida, a Unesco não aceitou. Porque dentro da Unesco, ainda tem resistência a se considerar que cidade, embora, a gente saiba que essa é a definição mais corrente. O Rio de Janeiro agora está tentando e o Rio de Janeiro de uma forma mais estratégica que Buenos Aires, ela restringiu sua candidatura, isso é uma coisa curiosa, ela restringiu aquelas áreas que foram, que eram áreas naturais ou que foram feitas pelo homem, então, no caso eles se concentraram no Jardim xxx, na Floresta da Tijuca e no Aterro do Flamengo que são consideradas

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paisagens culturais do Rio de Janeiro. Então, eu estava falando isso tudo para dizer o seguinte, que a gente tem um conceito mais amplo de paisagem cultural e temos o conceito que a Unesco tem trabalhado e que ainda é um pouco restrito e que deixa de fora cidades, por exemplo, e São Paulo teria muita dificuldade de se colocar como paisagem cultural para a Unesco, embora, a gente saiba até pelo conceito da geografia que uma cidade é uma paisagem cultural. 3) Para o Iphan há uma diferença entre esse trabalho e a Unesco, ou não?

Leonardo Barci Castriota: Olha, o Iphan o que tem tentado fazer, na verdade, no caso da candidatura do Rio é compatibilizar a sua proposta com a proposta da Unesco porque, estrategicamente, eles querem transformar o Rio em patrimônio mundial. Agora, o Iphan tem uma concepção mais ampliada do que da Unesco. A gente vê os trabalhos que eles tem feito, então eles caminham mais para em direção de um conceito geográfico de paisagem cultural do que do conceito da Unesco. Tanto que a proposta inicial do Iphan era muito mais ampla, ela pegava a questão do samba, ela pegava o subúrbio, ela pegava o Rio de Janeiro das praias, ela pegava toda essa diversidade que para o Iphan compõe a paisagem cultural. Agora, para o efeito da candidatura ser bem sucedida, eles estão limitando agora à Floresta da Tijuca e ao Aterro do Flamengo. 4) Bem, nesse contexto, então, dos grandes teóricos de pensamento, qual a proposta do senhor para uma definição de paisagem cultural?

Leonardo Barci Castriota: Olha, eu acho que o centro, o cerne da definição de paisagem cultural é a idéia de trabalho combinado da natureza e do homem. Acho que essa, apesar de ser uma definição muito simples, ela consegue capturar essa riqueza dessa implicação desses dois campos. Acho que a riqueza do conceito é esse e, por isso,

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eu acho que não pode ser um conceito excludente, não pode se limitar como muitas vezes faz a Unesco, apenas a paisagens de caráter absolutamente rural, eu acho que se a gente pegar uma cidade, a gente vai entender isso, vai ver isso nela isso também, a candidatura de Buenos Aires, por exemplo, uma das restrições que eles colocaram foi que o elemento natural estaria muito pouco presente, não é verdade a candidatura foi feita com a coordenação do Ramon Gutierrez e eles foram do natural, quer dizer da ocupação das barrancas do rio, da pampa, até o traçado da cidade, até o patrimônio imaterial das celebrações do tango, a literatura que marcou, a literatura de xxx que marcou toda aquela paisagem de Buenos Aires, que é uma coisa única e representativa para o mundo inteiro e, no entanto, a Unesco ainda tem talvez uma perspectiva eurocêntrica, eles ainda tem essa dificuldade de reconhecer no urbano, principalmente, no urbano heterogêneo, como é o nosso latinoamericano, com caráter de paisagem. Vocês vejam que as cidades que são protegidas como paisagem cultural são aquelas cidades mais homogêneas e rurais, de origem rural que plantadas numa paisagem normalmente ligada à agricultura. 5) Professor, Ribeirão Preto está pedindo a chancela de paisagem cultural do Café pelo IPHAN, é um projeto grande que tem trabalhado com a metodologia do IPHAN, e buscando primeiro identificar os marcos edificados, identificar as festas, as celebrações por meio de todo um trabalho em cinco localidades que foram escolhidas dentro da cidade de Ribeirão Preto. São bairros que estão associados à formação urbana da própria cidade. O que o senhor poderia colocar a respeito desta questão de cidades estarem buscando no Brasil essa chancela de paisagem cultural?

Leonardo Barci Castriota: Olha, acho isso muito inovador e acho muito oportuno porque, na verdade, o que nós estamos fazendo, principalmente, aqui na América Latina, a gente fez um encontro agora sobre paisagem cultural enquanto Iberoamericano, em Belo Horizonte,

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em agosto, e nós percebemos que teve muita contribuição européia e latinoamericana, e que nós, latinoamericanos, estamos contribuindo em nível mundial para expandir esse conceito, então essa iniciativa de pedir chancela de paisagem cultural a localidades dentro das cidades ligadas ai, eu acho muito interessante, a uma cadeia produtiva natural agrícola que é o caso do Café, é muito interessante e muito importante, porque eu acho que por essa ligação do ciclo de produção vocês vão conseguir mapear toda essa questão do cultivo e do preparo, todas essas coisas que estão ligadas nesse ciclo do Café e que vão se rebater no espaço , que vão se rebater nas práticas, que vão se rebater no patrimônio imaterial, então eu acho que a potência do conceito de paisagem cultural fica muito claro em trabalhos desta natureza.

6) Eu gostaria que o senhor falasse um pouco para nós, diante da nossa realidade instrumental, quais seriam as etapas e procedimentos que o senhor considera possíveis para identificação e caracterização sócio-espacial de bairros históricos das cidades, principalmente, das cidades do interior do Brasil e do nosso caso aqui do Estado de São Paulo.

Leonardo Barci Castriota: Olha, na verdade, a gente tem já no Brasil algumas experiências de inventários, que tem trazido contribuições importantes porque o inventario é um mecanismo tradicional, mas ele era considerado simplesmente uma listagem de bens excepcionais como uma operação propedêutica ao tombamento, hoje a gente sabe que não, a gente sabe que o inventário em si, ele já tem uma função de proteção e pode ser associado a outros instrumentos, como registros ou chancela da paisagem. O que eu acho que a gente tem avançado é que nós passamos daquele inventário que se limitava a nomear excepcionalidades, principalmente, de caráter histórico e estético, para um tipo de investigação, necessariamente, interdisciplinar, o inventário necessariamente tem que ser interdisciplinar, onde a gente consegue entender com esse mecanismo que é um instrumento de leitura fortíssimo a gente consegue entender as relações sócio- espaciais, para,

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por exemplo, o planejamento urbano o inventario pode ser um instrumento de grande auxílio. Quando eu fui diretor de patrimônio da cidade de Belo Horizonte a gente trabalhou numa equipe multidisciplinar exatamente com o inventário como instrumento de conhecimento das regiões e a nossa idéia era utilizá-lo no planejamento, por exemplo, nos desenhos de bairro, um inventário ele vai captar coisas que o planejamento tradicional não capta, por exemplo, toda uma dinâmica cultural de uma região, nós trabalhamos num bairro de Belo Horizonte, o bairro da Lagoinha, e que tinha numa das ruas principais um comercio muito importante tradicional de moveis usados e antiguidades que era ligado a uma tradição de artífices que tinha nesse bairro, quando nós mapeamos isso, esses dados que nós tivemos ajudou o município, por exemplo, a não transformar aquela rua num corredor de trânsito, porque todos os outros dados que eles tinham indicavam que aquela rua tinha que ser um corredor de trânsito, mas nós chegamos com dados culturais, que sem um inventário nós, provavelmente, não teríamos, então eu acho que o primeiro passo é um inventário muito bem feito, muito atrelado, multidisciplinar. Outra coisa importante nessa metodologia é a questão da participação da comunidade, acho que isso é fundamental, porque apesar, quando a gente trabalha de forma multidisciplinar, a gente já está ampliando a visão, eu acho que a visão do usuário é absolutamente importante, ela é exatamente porque é com ela que você vai identificar as chamadas referências culturais que são marcos muito importantes para a paisagem cultural, então eu acho que você tem esse caminho, quer dizer, fazer um inventariamento muito bem feito, muito detalhado. 7) Prof., a trajetória acadêmica do senhor permite que o senhor possa colocar pra nós, alguma coisa a respeito de restauro, quais linhas o senhor considera hoje que estão configuradas no Brasil, e como o senhor colocaria essa intervencionista ativa da máxima interferência o pseudo-restauro da originalidade, conservador, tradicional, e do falso histórico, ou existem posturas conceituais, éticas, ou outras recomendações internacionais que o senhor considera mais pertinentes?

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Leonardo Barci Castriota: Olha, a questão do restauro é uma

questão que nós temos que discutir com urgência no Brasil, a professora Beatriz Curi, da USP tem escrito alguns artigos muito interessantes, inclusive, o último livro dela é um alerta nesse sentido, porque no Brasil nós temos, infelizmente, nós temos ficado longe da discussão internacional, por um lado nós temos uma postura do IPHAN, uma postura predominante, que se por um lado ela conseguiu preservar muita coisa, de outro ela também não fez com que a discussão avançasse muito, porque eu acho que até de forma defensiva se refugiou numa postura quase eminética, se você vê por exemplo a ação de conservação dos sítios históricos tradicionais, você vai ver que você tem pouco avanço nesse sentido, por outro lado, a gente tem uma outra postura, que é pior ainda, porque a do IPHAN pelo menos ela é aceitável e a gente poderia dizer defensiva, mas ela consegue preservar, mas a gente tem hoje uma tendência a não considerar a realidade do próprio edifício nas intervenções, o edifício é tomado muitas vezes apenas como uma fachada, varrendo tudo dentro dele, a gente tem tido intervenções, principalmente, de grandes arquitetos que até alguns anos atrás, arquitetos modernistas que eles não costumavam intervir no patrimônio, hoje nós temos intervenções desastrosas, por exemplo, me permite citar Paulo Mendes da Rocha, nosso grande arquiteto, mas infelizmente um grande destruidor do patrimônio. Em Belo horizonte, a gente teve uma grande intervenção absolutamente equivocada do governo do Estado sobre as Secretarias da Praça da Liberdade, ali nós temos um conjunto de secretarias do século XIX que foram todas transformadas em centros culturais, todas, cada uma de um Banco, e se tomou liberdades internas nessas secretarias que eu nunca vi se fazer isso com uma obra monumental, por exemplo, a Secretaria da educação que foi projeto de intervenção do Paulo Mendes da Rocha, ele simplesmente destrói grande parte do prédio original , para vocês terem uma idéia até o volume externo é alterado com a posição de uma caixa vermelha que sai sobre o telhado. Então toda aquela postura de humildade que o

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restaurador deve ter, ela não está presente nessas intervenções, porque na verdade com a condição do restaurador, é como diz uma professora espanhola, me falta o nome, mas uma especialista em restauro, ela chama de humilde condição, porque é exatamente um trabalho de hermenêutica você tem que entender o que é o edifício o que ele está falando, e de que maneira que dentro das possibilidades daquele edifício eu consigo trazer o pronúncio do presente respeitando aquilo que ele tem de essencialidade, então eu acho que essa deve ser a postura, respeitando, inclusive, a própria possibilidade que o edifício te oferece ou não, como há edifícios que não se serve a certas coisas, então não adianta forçar. No caso desse Centro Cultural de Belo Horizonte, umas das secretarias que eles quiseram transformar em sede da orquestra sinfônica eu era presidente a OAB na época, quando eles nos procuraram eu olhei e fiz uma rápida análise e dissemos que este edifício não se presta a isso, ele não comporta isso, pois fizeram um concurso público chegaram a uma solução e quando foram fazer análise técnica, viram que de fato não comportava a não ser que destruísse o prédio inteiro, então infelizmente eu acho que essa é uma questão é muito importante que se coloque, é preciso que a gente discuta isso no Brasil com urgência, porque nós temos que discutir o planejamento urbano com patrimônio, paisagem cultural com patrimônio, mas nós temos discutido pouco os restauros que se fazem aqui no Brasil.

8) Considerando que hoje no Brasil, quando se pensa em patrimônio, se pensa muito em patrimônio edificado, como o senhor vê hoje esse avanço de trabalhar o conceito de patrimônio mais abrangente como o patrimônio cultural?

Leonardo Barci Castriota: Olha, eu acho também esse passo muito importante, a gente tem que pensar que o Brasil, nesse sentido, a gente, nós somos de certa forma pioneiros, se a gente pensar no Mário de Andrade, que lá atrás nos anos 30 já tinha uma concepção de patrimônio que foi proposta na criação do IPHAN que abrangia isso tudo, ele usava a categoria de arte, mas sobre a categoria de arte ele

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compreendia todo esse universo que hoje nós entendemos como patrimônio cultural, é a virada antropológica do conceito, importantíssima sem a qual inclusive o próprio patrimônio edificado não pode ser entendido , se a gente olhar um edifício simplesmente pelo seu aspecto tectônico e xxxxx sem considerar toda a rede de significações todo o trabalho humano que está ali depositado a gente vai estar entendendo somente metade da história, então eu acho que esse avanço que é incorporado pelo IPHAN a partir do ano 2000, com o decreto que institui o instrumento do registro cultural, é importantíssimo e não é a toa que talvez seja esta a área que mais esteja crescendo no Brasil , se a gente vê as demandas que chegam ao IPHAN de patrimônio imaterial são imensas porque o Brasil é riquíssimo nessas manifestações . 9) O senhor percebe esse avanço do patrimônio, da preservação do patrimônio imaterial como algo concreto, realmente, ou algo que por trás existe tendências de políticas públicas a serem tomadas nos próximos anos? Leonardo Barci Castriota: Bom, a pergunta é difícil, eu acho que há um avanço real na medida em que a gente está de fato conseguindo incorporar coisas muito importantes inclusive provocando, dando mais condições de sustentabilidade a essas manifestações, vou lhe dar só um exemplo, no ano de 2001, 2002, Minas Gerais instituiu também o registro de patrimônio imaterial, o Estado de Minas Gerais, e nessa época o primeiro bem que foi inventariado e registrado foi o modo de fazer o queijo artesanal do xxx, isso foi importantíssimo porque naquele momento todo queijo artesanal estava sob risco por causa das leis sanitárias, as leis sanitárias eram tão rígidas que elas inviabilizariam todo queijo artesanal, mandando embora toda uma parte da nossa cultura, o que aconteceu, o IPHAN fez um estudo muito bem feito, um trabalho com esses produtores de queijo de forma que eles adaptaram algumas coisas e a legislação sanitária mineira foi abrandada para caber aquele queijo que nós consumimos há 400 anos, há 300 anos, então, com isso...

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10) Incluiu o da Canastra também.

Leonardo Barci Castriota: Incluiu o da Canastra também, então o que aconteceu, você tem um efeito real, quer dizer um instrumento do registro que em si apenas reconhece ele rebatendo na realidade e rebatendo na manutenção daquele saber fazer, o IPHAN há dois anos, também, tornou o modo de fazer do queijo da Canastra do xxx e da Serra do xxx como patrimônio, nesse caso, nacional, então a gente tem esse aspecto, quer dizer, de avanço real, mas é, também, a gente não pode deixar de reconhecer, essa segunda parte da sua pergunta, é uma área muito suscetível de influências outras que não são, necessariamente, essa área da preservação. 11) Nesse contexto todo, então, professor o senhor acharia legítimo Ribeirão Preto se candidatar primeiro como paisagem cultural do Café e depois da Cana?

Leonardo Barci Castriota: Olha, eu acho que essa é uma abordagem muito interessante, eu posso dizer que ela é pouco usual , ela, provavelmente, vai encontrar dificuldades no IPHAN, eu acho, acredito porque ela é pouco usual, vocês estão propondo um núcleo urbano, agora eu acho que é uma tentativa de grande valor, porque é uma tentativa que pode fazer com que o horizonte conceitual em relação à paisagem cultural se expanda, então eu quero acompanhar com muita expectativa torcendo para que dê certo. 12) Prof., que mensagem você daria para os educadores em relação ao patrimônio cultural e a preservação desse patrimônio no Brasil?

Cas Leonardo Barci riota: Bom, é muito interessante esta pergunta também, a gente tem feito em Minas um trabalho que a gente chama “Mestres e conselheiros”, é um seminário anual onde a gente

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reúne aqueles dois agentes que nos parece que são os grandes agentes do patrimônio, que são os professores e os conselheiros no caso em Minas, a gente tem uma política de municipalização muito forte, quase todos os municípios possui conselhos de patrimônio, em cada comunidade você tem, pelo menos nove ou dez conselheiros, e os professores que para nós os professores são os grandes agentes multiplicadores e a gente sabe disso, a importância que tem aqueles conceitos que são passados na vivência da educação para aquela criança que recebe aquilo. A gente já tem visto há uma geração com a questão ecológica, que foi o trabalho dos professores que fez com que os nossos filhos nos corrijam: “Pai guarda isso para reciclar”, “Pai não faça isso”, “Pai apaga a luz”, coisas assim, é uma consciência ecológica que foi, de certa forma, inculcada nas crianças pelo trabalho da educação, eu acho que agora é a hora do Patrimônio Cultural, quer dizer, como um tema transversal nas escolas, eu acho que não deve ser uma disciplina, mas um tema transversal que consiga passar para as crianças que o novo, o melhor não é necessariamente o novo, e que a gente tem um tesouro que a gente herdou e que nos cabe passá-lo adiante como a natureza, com a mesma idéia da sustentabilidade que existe em relação à natureza, acho que os educadores deveriam passar, também, em relação ao nosso patrimônio cultural. FREITAS, Nainôra Maria Barbosa de; MÁS, Alcione de Albuquerque; SOUZA, Wlaumir Doniseti de; VICHNEWSKI, Henrique Telles. Cultural landscapes: from coffee to sugarcane. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v. 6, n.2, 2010, p. X.

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INSTITUCIONALIZAÇÃO DA MEMÓRIA: MONUMENTOS EM LUGARES PÚBLICOS DE RIBEIRÃO PRETO, SP

Lilian Rodrigues de Oliveira ROSA

Michelle Cartolano de Castro SILVA

RESUMO: O presente artigo discute a elaboração e a implementação do inventário de identificação dos monumentos em lugares públicos de Ribeirão Preto, executado entre 2006 e 2008, pela Secretaria Municipal da Cultura. O inventário resultou na publicação de um Guia, que abrange todos os monumentos na área e período definidos, pontuando suas condições físicas e reunindo informações que evidenciam o processo de má conservação e falta de visibilidade dessas obras. PALAVRAS-CHAVE: Monumentos públicos; inventário; patrimônio cultural; Ribeirão Preto. Este artigo tem por objetivo apresentar e detalhar a elaboração e a execução do “Guia dos Monumentos em Lugares Públicos de Ribeirão Preto”, executado entre 2006 e 2008, pela Divisão de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural e pelo Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto, integrantes da Secretaria Municipal da

* Doutoranda e mestre em História pela UNESP-Franca; docente e coordenadora dos cursos de História e de Geografia do Centro Universitário Barão de Mauá; Chefe de Divisão de Preservação do Patrimônio Histórico-Cultural de Ribeirão Preto. Pós-graduada e licenciada em História pelo Centro Universitário Barão de Mauá. Chefe de seção do Arquivo Público e Histórico de Ribeirão Preto.

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Cultura. O Guia resultou de um inventário de identificação, que levantou as obras instaladas, entre 1913 e 2005, em praças, parques, avenidas e ruas da área urbana do município de Ribeirão Preto, SP. O projeto inicial, elaborado em 2006, objetivava realizar um simples registro fotográfico das condições de conservação dos monumentos, além identificar as iniciativas anteriores de inventário, a partir de uma pesquisa histórica. Naquele momento, a Secretaria da Cultura respondia a uma demanda criada pela imprensa que, corriqueiramente, denunciava as péssimas condições de preservação dos monumentos sob a responsabilidade da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto. Após uma solicitação da Diretoria de Atividades Culturais da Secretaria da Cultura, os membros da Divisão de Preservação do Patrimônio e do Arquivo Histórico, iniciaram uma discussão referente à ausência de políticas públicas que articulassem e organizassem ações de preservação do patrimônio cultural. Como resultado, foi elaborado um projeto de inventário mais amplo, que contemplava não somente a identificação dos monumentos existentes que representassem parte dos bens culturais materiais do município, mas também, aqueles que, embora não existissem mais fisicamente, continuavam a constituir parte da história da formação do patrimônio cultural da comunidade. Definiu-se que o inventário não contemplaria os bens culturais materiais imóveis, os chamados bens edificados de natureza arquitetônica, compreendendo que essa deveria ser a segunda etapa do inventário de identificação.

A equipe iniciou a elaboração do projeto, partindo de um amadurecimento sobre os conceitos de patrimônio cultural, inventário e monumento, caminho necessário para definir as diretrizes que determinariam a seleção, durante o trabalho de campo, do que seria inventariado como monumento.

O primeiro passo foi refletir sobre o significado de patrimônio cultural, para isso, foi necessário compreender que este, como todos os outros, é um conceito produzido histórica e socialmente. Intimamente influenciado pela percepção que cada sociedade tem do seu próprio

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passado, o patrimônio cultural sempre guarda em si várias camadas de significados, produzidos por práticas sociais resultantes das articulações internas e externas entre os campos cultural, econômico, político, intelectual, etc. Essas articulações ocorrem a partir de códigos que podem ou não ser compartilhados por outros grupos, definidos no espaço e no tempo.

Constantemente obrigado a encarar a finitude da sua própria existência, o homem desenvolve um mecanismo que lhe é peculiar: a necessidade de preservar o que lhe confere humanidade: sua produção cultural. Ao colocar em prática a sua intrínseca condição de único ser que tem consciência de passado, presente e futuro, o homem cria e recria o seu espaço de experiência e os seus horizontes de expectativa.

Compreende-se que “de fato, o que sobrevive não é o conjunto daquilo que existiu no passado”, mas o resultado das escolhas feitas pelas diferentes formas de poder que “operam no desenvolvimento temporal”. (LE GOFF, 1982, p.103) A partir do seu tempo, o ser humano, define os critérios de escolha dos seus testemunhos, sejam eles materiais ou imateriais, que formarão o seu patrimônio cultural, e serão as suas referências culturais responsáveis pela sua identificação e diferenciação em relação a outros grupos.

Com base nisso, o inventário não contemplou apenas parâmetros relativos à técnica e à estética das obras como os definidores norteadores do processo de identificação, mas fundamentalmente o aspecto simbólico. Critérios como monumentalidade, antiguidade, técnica arquitetônica e ou escultórica apuradas, não foram adotados como únicas características para a definição do que é, ou não, um monumento. A legitimação do valor cultural do bem inventariado foi definida a partir da sua referência em relação ao grupo que o produziu, sendo capaz de estimular a memória das pessoas historicamente vinculadas à comunidade, e que, de alguma forma, contribuiu para fortalecer os laços identitários. Dito de outra forma compreende-se o “cultural uma dimensão do social – e não o inverso.” (MENESES In MORI, 2006, p. 33-76)

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A partir desses parâmetros básicos, o projeto adotou o conceito de patrimônio cultural como os bens culturais de um determinado grupo, portadores de significados e códigos que permitem a identificação e a definição do grupo como portador de uma identidade que o diferencia. Gamarra define como,

[...] conjunto de características distintas, espirituais, que caracterizam uma sociedade ou grupo social [...], além das artes e letras, os modos de viver, os direitos fundamentais dos seres humanos, os sistemas de valor, as tradições e as crenças (GAMARRA, 1998, p. 71).

“Instruir”, “iluminar”, “avisar”, “fazer recordar”, significados

atribuídos ao verbo monere. Algo que evoca o passado. Para além da simples lembrança, agregando significados variados ao longo dos séculos, a palavra latina monumentum remete-se a raiz indo-européia men, significando uma das funções da mente: a memória. “Um sinal do passado”, que apresenta a intenção de perpetuar elementos de uma sociedade, caracterizando-se como um legado à memória coletiva. (LE GOFF, 1982, p. 103)

Dentro desse aspecto, a cidade, local por excelência das práticas políticas, pode ser compreendida como um bem cultural, um elemento gerado de maneira abstrata, produzido a partir de relações de força, definidas por tensões, conflitos, interesses divergentes de natureza política, social, econômica e cultural. Dessa maneira, de acordo com Ulpiano Meneses (2006, p. 36)

[...] a cidade não é apenas um artefato socialmente produzido, nesse campo de forças, como numa máquina. As práticas que dão forma e função ao espaço e o instituem como artefato, também lhe dão sentido e inteligibilidade e, por sua vez, alimentam-se, elas próprias, de sentido. Por isso, a cidade é também representação, imagem. A imagem que os habitantes se fazem da cidade ou de fragmentos seus é fundamental para a prática da cidade.

Partindo dessas premissas, o monumento é visto como um fragmento da paisagem ambiental urbana, uma forma de representação,

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a partir da qual a sociedade que o produziu se reconhece, ou identifica parcialmente as práticas que constroem o espaço.

De acordo com Guimarães e Okamura (1994), que realizaram um inventário de caráter acadêmico em Ribeirão Preto, a instalação de monumentos em praça pública tornou-se uma mania no século XIX.

Na busca de perpetuar para as gerações futuras elementos importantes de identidade para um determinado grupo social, normalmente ligado ao poder, os espaços públicos tornaram-se alvo de manifestações artísticas que, não raro, exteriorizam o desejo de dar publicidade, de manifestar homenagem pública, de documentar fatos ou personagens, como uma tentativa de garantia contra o esquecimento.

Definidas as bases teóricas, passou-se a reflexão sobre o instrumento de coleta de dados. Compreendendo o inventário como uma forma de proteção, que identifica testemunhos e os legitima como bens de significado histórico, arquitetônico ou afetivo para uma determinada sociedade, a idéia foi reconhecer e preservar o bem, mesmo no caso dos que não mais existissem fisicamente, mas, só por meio da documentação.

Esse registro foi capaz de oferecer elementos para a compreensão dos processos de transformação sobre a própria percepção do conceito de monumento, sobre as técnicas, e as concepções das formas de viver e fazer da comunidade ribeiropretana, ajudando na compreensão da importância de um povo apropriar-se da sua memória, ampliando suas relações de identidade com o meio que vive, tornando-se artífice da sua própria história.

Ribeirão Preto, espaço que foi objeto do inventário, é uma cidade relativamente nova, possui pouco mais de um século e meio de existência. Contudo, em decorrência do dinamismo da sua economia, sofreu transformações urbanas rápidas, avançando sobre a zona rural, num processo de construção destrutiva constante. Essas mudanças vertiginosas, sem planejamento, provocam perdas irreparáveis de testemunhos materiais do seu processo de desenvolvimento histórico.

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Várias experiências e estudos apontam que os trabalhos de preservação e reintegração do patrimônio cultural devam ser precedidos, obrigatoriamente, da elaboração de um inventário, - contínuo e permanente -, como meio para o reconhecimento das potencialidades da cidade e, como ponto de partida para qualquer ação ou intervenção. O inventário apresenta-se ainda como um instrumento de pesquisa fundamental para a consolidação de ações voltadas à proteção do patrimônio cultural de maneira integrada aos dos trabalhos de planejamento urbano.

Em encaminhamento do Corpo Técnico de Apoio ao CONPPAC-RP – Conselho de Preservação do Patrimônio Cultural de Ribeirão Preto, em 02 de setembro de 2003, os membros do grupo já concordavam que, para o cumprimento das atribuições deste órgão, definidas pela Lei 77521/1996, modificada pela Lei 2211/2007, a elaboração de um inventário de bens de interesse histórico para a cidade era de vital importância. Antes disso, outras iniciativas mostraram que a proposta de inventariar os monumentos de Ribeirão Preto não é recente. Em 1957, quando o município já contava com 26 monumentos, a Câmara Municipal aprovou a Lei 566/57, autorizando o executivo a publicar um estudo sobre essas obras, contudo, não foi localizado nenhum documento que indique que o trabalho tenha sido realizado.

Evidenciando uma preocupação com o excesso de obras instaladas na área central do município, em 1961, a Lei municipal 1.108/61, proibiu por prazo indeterminado a construção de monumentos nas Praças XV de Novembro e Carlos Gomes. Em 1965, uma equipe do Colégio Estadual Alberto Santos Dumont publicou no Diário da Manhã, em 31 de agosto de 1965, um “Histórico dos monumentos da Praça XV de Novembro”.

Cinco anos depois, em 1970, José Pedro Miranda, então jornalista do periódico “A Cidade”, listou 45 monumentos, dos quais três eram propostas idealizadas pelo autor e que não chegaram a ser concluídas. Nessa década, os jornais já noticiavam ações de depredação

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em obras dispostas em praças pública, como a estátua do padroeiro da cidade, São Sebastião, localizada na Praça das Bandeiras, que teve as placas e as letras, confeccionadas em bronze, furtadas.

Em 1979, Mário Moreira Chaves, então coordenador de patrimônio histórico da antiga Secretaria de Educação, Saúde e Bem Estar Social, inventariou os monumentos em praças públicas de Ribeirão Preto. Nesse levantamento Chaves identificou as condições de conservação, localizou e desenhou croquis, como o do monumento à São Sebastião. Com este levantamento, iniciou-se um importante trabalho de pesquisa por ele encabeçado, que avançou os estudos sobre essas obras e ofereceu importantes subsídios para a realização do presente inventário.

Em 1987, Chaves conduziu um projeto de higienização e recuperação dos monumentos públicos nas Praças da Bandeira, Camões e Praça XV de Novembro. Cinco anos depois, apresentou ao Secretário da Cultura de Ribeirão Preto, um “relato sobre a existência e manutenção dos monumentos”, no qual organizou todas as pesquisas, croquis e outros documentos relativos aos monumentos que reunira entre 1979 e 1992. No início dos anos 2000, Daniel Basso, então responsável pelo MIS (Museu da Imagem e do Som), realizou um registro fotográfico da situação de conservação das obras dispostas em áreas públicas, evidenciando o grau de degradação de vários monumentos.

Todas essas iniciativas, levadas a cabo entre os anos 50 e 2000, revelam a dificuldade do poder público em elaborar e desenvolver projetos de patrimônio cultural de longo prazo, evidenciando a falta de continuidade e condições de execução de ações concretas de intervenção. Isso pode ser explicado pelo não reconhecimento das questões relativas aos bens culturais, por parte do poder público, como integrantes do plano geral de desenvolvimento urbano, portanto, relevantes quanto ao aspecto do planejamento de longa duração.

Partindo da experiência e das informações acumuladas por esses levantamentos, a equipe elaborou e utilizou fichas de inventário

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inspiradas em modelos já testados e utilizados pela Prefeitura Municipal de São Paulo, por uma pesquisa realizada por Guimarães e Okamura (1994) e pelo trabalho feito pela Associação dos ex-alunos do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. Este último elaborou um projeto de inventário com o propósito de cadastrar os monumentos em lugares públicos feitos por seus ex-alunos. Contudo, acabaram cadastrando quase todos os monumentos da cidade de São Paulo. Em 2008 esse trabalho tornou-se um catálogo eletrônico. Guimarães e Okamura (1994) inventariaram 29 monumentos, apresentados em monografia da área de Arquitetura, orientada pela professora Dra. Maria Elízia Borges. Esse trabalho foi a primeira pesquisa acadêmica sobre os monumentos do município.

A partir desses exemplos, a ficha de inventário de identificação foi preenchida com dados coletados em campo e em pesquisas históricas, resultando no Guia de Monumentos em Lugares Públicos de Ribeirão Preto.

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Detalhe. BASSO, 2000

Detalhe. BASSO, 2000

Detalhe. BASSO, 2000.

Designação: Ao Centenário da Independência do Brasil

Data de instalação: 7/9/1922

Origem da iniciativa: Prefeito Dr. João Rodrigues Guião

Localização atual: Cruzamento das avenidas 9 de julho e Independência

Bairro: Higienópolis Cidade: Ribeirão Preto

Localização anterior: Começo da avenida 9 de Julho, quando esta se chamava Independência.

Autoria: Emílio Moço

Execução:

Medidas do pedestal: 3,70x3,70x0,30 Medidas da obra: 1,10x1,10x4,50

Material do pedestal: rocha Material da obra: rocha

Conservação: monumento em bom estado. Entorno: fiação muito próxima ao monumento

Intervenções: transferido da avenida 9 de Julho, em frente à Recreativa, para o cruzamento desta com a avenida Independência

Informações contidas na obra: Inscrições em placa de bronze: "Aos exmos. Drs. João Rodrigues Guião e Francisco da Cunha

Junqueira, Prefeito e Presidente da Câmara de Ribeirão Preto, por ocasião do Centenário da Independência do Brasil - Homenagem do município". -1822-1922, o Povo e poderes municipais de Ribeirão Preto, em homenagem a memória dos heróis do Brasil, 7-9-1922.

-"Ribeirão Preto, villa em 2-4-1871, cidade em 12-4-1889". "A Companhia Eletro-Metalurgica Brasileira inicia no anno do 1o. Centenário da Independência nacional a indústria siderúrgica em Ribeirão Preto". -7-9-1922, A festiva data foi saudada com hynnos

patrióticos e juramento a bandeira pelos 5 mil alunos das escolas do município de Ribeirão Preto.

Observação: “Obelisco em pedra composto por cinco blocos e dois cinturões”. (OLIVEIRA, M. H. R., 2007)

Histórico: o Obelisco foi instalado como parte das comemorações do centenário da Independência do Brasil. Inicialmente localizava-

se na avenida 9 de Julho, próximo à Recreativa, posteriormente, no governo do prefeito Duarte Nogueira, ele foi transferido para o

cruzamento da avenida Independência com a 9 de Julho. Outras denominações: Obelisco da Independência; Monumento ao Primeiro Centenário da Independência do Brasil.

Ficha preenchida por Lilian R. de O. Rosa e Michelle C. Ribeiro em Junho de 2008. Última revisão em novembro de 2008.

Modelo de ficha utilizada no inventário de identificação

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Pesquisando a legislação municipal relativa a monumentos e a

preservação do patrimônio histórico, foram identificadas 10 leis, entre 1955 e 1978, nas quais a Câmara Municipal autoriza a Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto a erigir monumentos que nunca foram construídos: 03 monumentos ao imigrante, um à Aviação Brasileira (lei n. 2.365, 9/09/1970), um à San Leandro (lei n. 2.295, 5/11/1969), um à Unidade Nacional (lei n. 2.269, de 11/09/1969), um ao Mestre (lei n. 2.212, de 8/05/1969), uma herma de Costábile Romano (lei n. 1.823, 20/09/1966), uma herma do Dr. Fábio de Sá Barreto (lei n. 484, de 29/12/1955), uma placa comemorativa à visita de Sir Alexander Fleming (lei n. 402, de 4/04/1955), um busto do Engenheiro Jaime Zeiger, no Teatro de Arena (lei 4.350, 20/06/1983) e um busto ao prof. Zeferino Vaz, na Praça XV de Novembro (Lei n. 3.987, de 27/10/1981).

Após essa pesquisa documental e bibliográfica de trabalhos anteriores referentes ao tema, a equipe foi a campo para identificar, fotografar e caracterizar as obras que ainda não apresentavam dimensões, materiais da peça e do pedestal nos inventários anteriores. Por falta de condições técnicas, algumas informações permanecem em aberto, aguardando novas possibilidades de pesquisa que poderão complementar o presente Guia. Com a pesquisa de campo em mãos, foi elaborado um banco de dados em Excel.

O banco de dados, além de apresentar os monumentos em condição de “existente”, também relaciona as obras somente encontradas por meio de pesquisa documental, compartilhando do princípio que o ato de rememorar poderá ocorrer pela ausência da presença física. Recuperar as informações sobre monumentos não mais existentes tem o objetivo de documentar e promover a reflexão sobre o processo de criação, instalação, destruição e esquecimento.

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Considerações Finais

Várias inferências podem ser feitas a partir dos dados coletados pelo inventário de identificação que, de fato, gerou um grande banco de dados que permitirá estudos e análises futuras por parte dos interessados na compreensão do patrimônio cultural, da memória e da construção do espaço urbano. Em caráter de considerações finais, apontaremos apenas algumas possibilidades de análises possíveis.

Dos 128 monumentos inventariados, 20 estão numa listagem de “monumentos não catalogados”. Essa lista aponta para uma ação contínua de atualização e necessário aprofundamento das pesquisas sobre obras cuja inclusão no Guia ainda está em fase de discussão pela equipe.

Quanto aos 128 monumentos já inventariados e incluídos no Guia de Monumentos, é possível aferir alguns dados que possibilitam uma visão mais ampla das obras estudadas.

Analisando a tipologia dos monumentos, é possível identificar que a maioria é composta por estátuas, bustos e placas, como é possível observar no gráfico, abaixo:

Fonte Guia de Monumentos em Lugares Públicos de Ribeirão Preto

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Dentre o total de monumentos, cerca de 30 obras, além de detalhes e placas de identificação, não foram encontradas fisicamente, provavelmente devido a furtos e vandalismo, entre outros:

Fonte: Guia de Monumentos em Lugares Públicos de Ribeirão Preto

Outro dado interessante que o inventário revela são os materiais utilizados nas obras, capazes de indicar o momento de cada sociedade. Por exemplo, até a primeira metade do século XX era muito comum que os monumentos fossem feitos de bronze e mármore. Atualmente, a maioria dos monumentos existente em Ribeirão é feita de cimento e outros materiais menos nobres.

Fonte: Guia de Monumentos em Lugares Públicos de Ribeirão Preto

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Outras análises podem ser feitas com base no levantamento dos

monumentos de Ribeirão Preto. Uma delas é a possibilidade de agrupamento quanto ao tema que motivou a construção da obra. Um desses temas é a homenagem a personalidades famosas em nível internacional, nacional, regional. A grande maioria se constitui de homens que tiveram carreira política ou importância religiosa, num total de 44 personalidades: 5 internacionais; 11 nacionais (entre eles os pracinhas e os bandeirantes); 20 regionais; 08 religiosas (sendo que duas delas são homenagens a Cristo).

A necessidade de estabelecer marcos cuja função é comemorar, homenagear e registrar a ocorrência de fatos considerados representativos internacionalmente, nacionalmente ou em nível regional é outro elemento motivador da instalação de monumentos em praças públicas. Foram identificados 18 monumentos que rememoram fatos históricos, sendo que 6 eram fatos de caráter internacional; 6 eram homenagens a fatos de relevância nacional e outros 6 de caráter regional.

Além das obras que originalmente foram concebidas como monumentos, é possível identificar aquelas que foram re-significadas. Tendo originalmente funções práticas, passam a representar uma espécie de legado que, ao mesmo tempo em que registra um determinado momento histórico, agrega o significado de simbolizar aspectos da sociedade que o concebeu. Um destes casos é a locomotiva, instalada na Praça Schmidt, representativa de um momento importante para o desenvolvimento do município com a chegada da ferrovia. Na época em que o único barulho que se ouvia eram os trotes dos cavalos, as crianças nas ruas, os jovens nas praças, a locomotiva era o símbolo do progresso, pois trazia em seus vagões a modernidade, o tempo das indústrias. Ao olharmos ela na praça, esse tempo nos parece muito distante, e o símbolo que a mesma representava para a cidade na época, hoje para nós é apenas monumental.

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Quanto à localização dos monumentos, mais de 60% localizam-se em praças públicas, o restante está distribuído entre avenidas, parques, instituições públicas, como os Museus Histórico e do Café e o Bosque Municipal. Esse dado evidencia que a grande maioria das obras está sob a responsabilidade direta da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto, cabendo a esta, por meio das suas secretarias municipais as obras de conservação necessárias, que acabam não sendo executadas adequadamente por falta de políticas públicas em relação ao seu acervo de bens culturais, de técnicos especializados para as obras de manutenção, elementos que evidenciam a urgência da implantação de um política pública de patrimônio cultural do município.

Dentro do contexto apresentado, Ribeirão Preto é um bom exemplo do processo de esquecimento em relação aos seus bens culturais. Durante o período de realização da pesquisa, dois bustos foram furtados: do Cel. Francisco Schmidt, em 2007, localizado na Praça Schmidt, e o do Cel. Quinzinho da Cunha, furtado no início de 2008. Além dos furtos e da depredação criminosa, as obras localizadas em praça pública passam por um processo de deterioração intensificada pela falta de manutenção. Tudo isso, aliado à falta de informações nas obras, concorre para consolidar a idéia que o monumento é compreendido como mais um equipamento em praça pública, como um banco, ou uma luminária, cristalizando a perda de significado da obra como objeto de contemplação, apreciação, informação e identidade histórica. ROSA, Lilian Rodrigues de Oliveira; SILVA, Michelle Cartolano de Castro Institutionalization of memory: monuments in public places of Ribeirão Preto, SP. DIALOGUS. Ribeirão Preto, vol.6, n.2, 2010, p. ABSTRACT: The present article discusses the elaboration and implementation of the identification inventory of the monuments in public places of Ribeirão Preto from 2006 to 2008 by the Municipal Secretary of

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Culture. The inventory resulted in the publication of a guide which extended all monuments in the area and period defined above, pointing out their physical appearance and gathering information which highlight the process of need of maintenance and lack of visibility of these works. KEYWORDS: public monuments; inventory; cultural patrimony; Ribeirão Preto.

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ESTRATÉGIAS DE PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA DO LUGAR: AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A INDUSTRIALIZAÇÃO, OS

INTELECTUAIS E A ORGANIZAÇÃO DA CULTURA E OS DESAFIOS DA PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO

AGROINDUSTRIAL EM SÃO JOSÉ DO RIO PRETO, SP

Fábio Fernandes VILLELA* RESUMO: O presente artigo tem por objetivo apresentar as relações entre as políticas públicas para a industrialização, a construção do patrimônio agroindustrial e os desafios das políticas de preservação do patrimônio em São José do Rio Preto (SP). PALAVRAS-CHAVE: Políticas Públicas para Industrialização; Patrimônio Agroindustrial; Memória do Lugar; Políticas de Preservação do Patrimônio; São José do Rio Preto. Apresentação

“Minha irmã, se não estiveres dormindo, suplico-te, à espera do dia que não tardará em nascer, me contes uma das tuas belas histórias”. (Sherazade, As Mil e uma Noites).

O presente artigo tem por objetivo apresentar as relações entre

as políticas públicas para a industrialização, a construção do patrimônio agroindustrial e os desafios das políticas de preservação do patrimônio em São José do Rio Preto (SP), (doravante, Rio Preto). Nesse sentido, partimos da problematização histórico-teórico do tema, as políticas

* Doutor em Sociologia (Unicamp) e docente do Departamento de Educação do

IBILCE/UNESP

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públicas para a industrialização no Brasil, e seus desdobramentos, e abordamos construção do patrimônio agroindustrial em Rio Preto, temática vinculada à preservação do “patrimônio ambiental urbano”, conforme Castriota (2009, p.87). Problematizamos especificamente as questões relativas aos “intelectuais e a organização da cultura”, especialmente os libaneses em Rio Preto.

A questão dos “Intelectuais e a Organização da Cultura”, sob uma perspectiva gramsciana (Gramsci, 2001), foi abordada em diversos trabalhos ao longo de nossa trajetória acadêmica (Villela, 2003; 2005; 2008; 2009). No sentido de exemplificar tais questões, escolhemos um “intelectual orgânico” da construção do patrimônio agroindustrial de Rio Preto, Murchid Homsi (1895-1959). Ao analisarmos as práticas destes “intelectuais orgânicos”, emerge a necessidade de políticas de preservação da “Memória do Lugar”, no sentido apresentado por Hayden (1997), especialmente do patrimônio de Rio Preto.

O estudo dos intelectuais, tal como formulado por Gramsci (2001), nos permite recolocar importantes questões para a compreensão das relações entre as políticas públicas para a industrialização, a construção do patrimônio agroindustrial e os desafios das políticas de preservação do patrimônio de Rio Preto. Uma parcela desses intelectuais, caracterizados como “intelectuais orgânicos” por Gramsci (2001), tais como Rino Levi e Roberto Simonsen (cf. Villela, 2003 e 2005), reúne capacidades necessárias para serem organizadores da sociedade em geral, de modo a permitir a máxima expansão de sua própria classe, ou seja, tornam-se “organizadores estatais”.

Nossa hipótese é que o libanês Murchid Homsi, radicado em Rio Preto a partir 1910, condense as principais características de “intelectual orgânico” tais como as descritas por Villela (2003 e 2005). Conforme Gramsci (2001, p.237) revela, nem todos os empresários, mas pelo menos uma elite deles tem uma capacidade de organizar a sociedade em geral, em todo seu complexo organismo de serviços, até o organismo estatal, pela necessidade de criar as condições mais favoráveis à expansão de sua própria classe. Esses “intelectuais condensados” são

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organizadores políticos e vanguarda da burguesia nacional, conforme aponta Bianchi (2001).

O tema dos “intelectuais orgânicos”, retomado a partir de Gramsci (2000), deriva diretamente do destaque que tem para este autor a problemática da hegemonia. Conforme nos mostra Gruppi (2000), uma hegemonia se constrói quando tem seus quadros, seus elaboradores, seus intelectuais. Os intelectuais são os quadros da classe econômica e politicamente dominante; são eles que elaboram a ideologia. Os intelectuais são os sujeitos da hegemonia da classe dominante. O estudo desses “intelectuais orgânicos” possibilita a compreensão da constituição da hegemonia burguesa no Brasil (cf. Bianchi 2001; Villela 2003; 2005; 2008). As Políticas Públicas para a Industrialização no Brasil

A principal tese que Ianni (1986, p.304) defende é que o

desenvolvimento econômico, em geral, e a industrialização, em particular, não foram o resultado do jogo espontâneo e automático das forças produtivas no mercado, em combinação com a atividade empresarial. E que essa participação decisiva do poder público na economia brasileira, ao menos em algumas fases do desenvolvimento econômico, resultou de certas condições estruturais. Nossa hipótese é que há um sincronismo entre a história econômica brasileira e a história econômica de Rio Preto que pode ser claramente identificado, desde os primórdios da industrialização até os dias de hoje. Propomos a seguinte evolução sincrônica da história econômica de Rio Preto, a partir da tipologia de Ianni (1986): 1ª) Final do século XIX até Década de 30 – Política Econômica Liberal; 2ª) Décadas de 30 a 50 – Política Econômica Nacionalista; 3ª) Décadas de 60, 70 e 80 - Interdependência e Modernização; e 4ª) A partir da década de 90 – Política Econômica Neoliberal.

Conforme veremos a seguir, as condições estruturais, especialmente em Rio Preto, refletiram a necessidade de criar novas

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condições institucionais, quanto a disponibilidades de capital, tecnologia e força de trabalho, para que crescesse o volume e a taxa de produção de excedente econômico. A história econômica de Rio Preto revela a intervenção governamental, mais ou menos profunda, conforme o caso, e destinou-se a acelerar o processo de transformação do excedente econômico potencial em excedente econômico efetivo. Em outras palavras, “a ação estatal” favoreceu a “racionalização” do sistema produtivo, segundo as exigências da reprodução e acumulação estabelecidas pelo setor privado. Certas fases do desenvolvimento econômico dependem de “saltos qualitativos”, isto é, algum “incentivo” no processo econômico.

A história da política econômica governamental brasileira, segundo Ianni (1986, p.307-313), desde 1930, oscilou entre duas tendências principais: a primeira denominada de “Estratégia de Desenvolvimento Nacionalista” a qual predominou nos anos 1930-45, 1951-54 e 1961-64. Ela continha, como pressuposto implícito, o projeto de um capitalismo nacional, como uma única alternativa para o progresso econômico e social; e a segunda chamada de “Estratégia de Desenvolvimento Associado” que predominou nos anos 1946-50, 1955-60 e desde 1964 em diante. Ela continha, como pressuposto, o projeto de um capitalismo associado como única alternativa para o progresso econômico e social. E esse projeto de capitalismo, para o autor, implicava o reconhecimento das conveniências e exigências da interdependência das nações capitalistas, sob a hegemonia dos Estados Unidos.

A evolução do sistema político-econômico brasileiro, conforme ocorreu desde 1930, revela o desenvolvimento e a convergência de duas tendências importantes para a compreensão do tipo de capitalismo vigente no País. Segundo Ianni (1986, p.301), essas tendências são: 1ª) o Estado foi levado a desempenhar funções cada vez mais complexas no conjunto da Economia. Essa participação crescente teve caráter direto e indireto, desde a freqüente formulação e reformulação das “regras do jogo” das forças produtivas no mercado até a criação de empresas

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estatais; 2ª) a política econômica governamental tornou-se cada vez mais complexa e ambiciosa, chegando a configurar-se como “política econômica planificada”.

A política econômica governamental brasileira nem sempre foi uma política deliberada de desenvolvimento, conforme revela Ianni (1986, p.301). Às vezes ela foi apenas, ou principalmente, “política de estabilização”. Outras vezes, orientou-se no sentido da “harmonização ou integração de setores produtivos e subsistemas regionais do País”. Portanto, nem sempre o crescimento da renda nacional foi resultado da “política econômica governamental”, planificada ou não. Ao contrário, em diversas ocasiões o crescimento da Economia não foi senão o resultado de decisões, investimentos e condições de mercado funcionando “sem qualquer direção governamental”.

Enfim, a implantação da principal política pública para o território nacional, isto é, a industrialização, conforme Ianni (1986, p.305), “não foi o resultado de mudanças quantitativas de pequeno vulto, embora essas mudanças tenham ocorrido e tenham sido importantes”. Segundo o autor, a transição para a fase de produção de bens de produção esteve associada a transformações “qualitativas”, isto é, estruturais. As transformações de tipo “qualitativo”, conforme ocorreram na economia brasileira, estiveram ligadas à participação crescente do poder público nas decisões, estímulos e investimentos relacionados com o conjunto do sistema econômico do País. A essência do “salto qualitativo” é a acentuação do elemento político, inerente às políticas econômicas governamentais. Essas evoluções e transformações da principal política pública para o território nacional, isto é, a industrialização, pode ser observada em Villela (2003; 2005 e 2008). A Construção do Patrimônio Agroindustrial de Rio Preto

Passamos a considerar os aspectos relativos à industrialização de Rio Preto e à construção de seu patrimônio agroindustrial. Esse esforço, como já adiantamos, visa ressaltar o sincronismo da história

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econômica de Rio Preto com a história econômica brasileira, e que, segundo nossa hipótese, pode ser claramente identificada desde os primórdios da industrialização até os dias de hoje. Retomando a história econômica de Rio Preto veremos que as “políticas econômicas governamentais” estiveram sempre presentes nas fases do desenvolvimento econômico da região. A seguir, abordaremos o final do século XIX até década de 30 (Política Econômica Liberal) e as décadas de 30 a 50 (Política Econômica Nacionalista). Final do século XIX e início do século XX – Política Econômica Liberal

A primeira etapa das políticas públicas do Estado para a industrialização, que vai do final do século XIX até o início do século XX, em Rio Preto, pode ser averiguada desde as primeiras reuniões dos vereadores, no final de 1894, conforme mostra Arantes (2001, p.148-150). O pesquisador revela que o primeiro documento contundente abordando este tema é datado de 01/06/1896, quando a Câmara Municipal enviou extenso memorial ao governo estadual, assinado pelo presidente Pedro Amaral, solicitando urgentes melhorias para o município, tais como a criação da Comarca e a abertura da estrada de rodagem para o Porto Taboado. Os vereadores argumentavam, na tentativa de sensibilizar as autoridades estaduais, que o município tinha “mais de duas mil almas”, e que a implementação dessas melhorias deveria atrair investimentos para a cidade, incentivando a vinda de pessoas com recursos para impulsionar e desenvolver a lavoura.

Ainda segundo Arantes (2001), a luta pela construção da estrada do Taboado atesta o esforço dos governantes daquela época, que viam na estrada o início do “desenvolvimento econômico”, porque permitiria o escoamento da produção tanto em direção a Jaboticabal e Araraquara e, daí, para São Paulo, como para os lados do Mato Grosso, onde existiam grandes fazendas produtoras de gado. Com a abertura da estrada, o gado mato-grossense passaria por Rio Preto rumo a Barretos.

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Para Arantes (2001, p.149), o grande marco do início do desenvolvimento econômico de Rio Preto é o segundo semestre de 1912, com a chegada da Estrada de Ferro Araraquarense (E. F. A.). O autor afirma que,

São José do Rio Preto torna-se até 1933, isto é, por mais de 20 anos, ponta de trilhos, isto é, “fim de linha”. A cidade torna-se pólo de convergência de passageiros e de toda a produção da região. Durante duas décadas e a partir desse momento, a cidade torna-se um “pólo de crescimento” capaz de exercer efeitos de atração ou de dominação sobre os demais municípios a ele relacionados. Torna-se uma “força motriz” no sentido de que proporciona e conduz mudanças na estrutura espacial e na sua área de influência, o que faz com que obtenha expressivas taxas de crescimento. (ARANTES, 2001, p.149).

Como destacamos de início, a história econômica de Rio Preto mostra que o desenvolvimento econômico, em geral, e a industrialização, em particular, não é resultado do jogo espontâneo e automático das forças produtivas no mercado, combinado com a atividade empresarial. A participação decisiva do poder público na economia é o resultado de certas condições estruturais. Conforme relata Arantes (2001. p.149), a primeira tentativa de industrialização de Rio Preto é de 1926, quando a Câmara Municipal decidiu autorizar o prefeito Alceu de Assis a conceder isenção de impostos por 10 anos para a instalação de uma fábrica de tecidos. Segundo o pesquisador, “não há informações sobre a existência de um possível interessado, oficialmente não houve registro de interesse”. A história econômica de Rio Preto comprova a tese de Ianni (1986) das intervenções das “ações do estado” no processo de industrialização de Rio Preto.

Seguindo as considerações feitas pelo pesquisador, a industrialização ficou esquecida por mais de uma década até que, em 15/02/1937, o vereador João Baptista França propôs doação de terreno e isenção de imposto para quem montasse uma fábrica na cidade. Em junho de 1937, quatro meses depois, o vereador Feliciano Salles Cunha

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apresentou um projeto de lei que além de doação oferecia subsídio em dinheiro para incentivar a vinda de indústrias (20 contos para fábrica de óleo e tecelagem, e 30 contos para charqueadeira). O projeto foi rejeitado dois meses depois, no dia 02/08 do mesmo ano. O marco do início da industrialização de Rio Preto foi a instalação da “Swift do Brasil” em 1944 (doravante Swift), que durante todo o seu tempo de funcionamento foi a maior empresa empregadora da cidade (veja na figura 2.1., a seguir, a Swift nos dias de hoje). Segundo informações do pesquisador, no período da moagem do caroço de algodão, ela empregava cerca de 230 funcionários, número que baixava para 170 na época de moagem do amendoim. Arantes (2001, p.149) afirma que,

A industrialização só teve início quando a Swift do Brasil escolheu Rio Preto para implantar sua fábrica de óleo de caroço de algodão. Naquela época, a cidade ocupava lugar de destaque como sede de uma região riquíssima na produção de algodão. A Swift inaugurou seus prédios, numa área de 40.000m2, às margens dos trilhos da Estrada de Ferro Araraquarense (E. F. A.) em 14/04/1944, sob a gerência de Douglas Emery e W. J. Montgomery. O complexo de edifícios da Swift tinha três grandes construções da arquitetura industrial inglesa, típica de região fabril de Manchester: o graneleiro com 3.000m2, o prédio das máquinas com 2.500m2 e o da caldeira e gerador com 1.500m2. A construção esteve sob responsabilidade da empresa paulistana J. P. Urner. A Swift produzia óleo de caroço de algodão e de amendoim. O óleo era transportado em vagão-tanque para Campinas, onde era refinado e enlatado. O óleo de caroço de algodão era enlatado com a marca “A Patroa” e o de amendoim, “A Dona”. (ARANTES, 2001, p 149).

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FIGURA 2.1. Swift em Rio Preto (1944). Fonte: Villela (2010).

Décadas de 30 a 50 – Política Econômica Nacionalista: As Mil e uma Noites do Sertão

Neste subitem, procuramos focalizar as décadas de 30 a 50,

denominada metaforicamente de “As Mil e uma Noites do Sertão”, devido à grande presença de imigrantes sírios e libaneses5 em Rio Preto. Neste período, emerge a personalidade de Murchid Homsi (1895-1959). Nascido em Hasbaya - Líbano, veio para o Brasil em 1910,

5 A imigração dos sírios e libaneses em Rio Preto começou, segundo Fernandjes (2008), no final do século XIX e se intensificou no início do século 20. Ao entrevistar o sírio radicado em Rio Preto, Hayssam Mohamad Akad, a autora revela que a Síria e o Líbano, integravam a Liga Árabe, aprendiam a cultura, eram chamados de “árabes” e foram dominados pelo regime turco. Para deixar a terra natal, as pessoas precisavam obter um passaporte “turco”. O entrevistado afirma que: “o povo estava justamente fugindo dos turcos e quando chegava no Brasil, devido ao passaporte, era chamado de “turco”. Ainda segundo Fernandjes (2008), as pessoas vendiam todos os bens que possuíam para zarpar em navios cargueiros, em busca de liberdade, paz e fortuna. Os imigrantes que chegaram no Brasil começaram a mascatear, no interior do Estado, para negociar em fazendas, sítios e colônia. Fernandjes (2008) relata que foi assim que os primeiros “árabes” (sic) chegaram em Rio Preto em 1890, quatro anos antes da criação do município. Segundo a autora, “após juntar um pouco de capital, os „árabes‟ (sic) abriam uma loja e recebiam seus patrícios, que seguiam os mesmos passos no comércio até conseguir fortuna, mascatear era tão rentável a este povo que uma das primeiras ações da Câmara Municipal de Rio Preto foi aumentar as taxas para inibir o comércio ambulante. Em abril de 1896, o Legislativo determinou a cobrança de imposto no valor de um conto de réis por caixa. A taxa era exorbitante, já que o salário do prefeito era de um conto e duzentos mil réis”.

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estabelecendo-se inicialmente em José Bonifácio - SP6. Nesta mesma época, segundo Arantes (2001, p.149), além da Swift, instalaram-se na cidade a Sociedade Algodoeira Nordeste do Brasil (Sanbra) e as Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo. Arantes (2001, p.149) registra que em 1948, Murchid Homsi inaugurava o Cotonifício Rio Preto, “uma grande fábrica para produzir e exportar plumas em fio de algodão para a Argentina”. A inauguração foi no dia 17/01/1948, e contou com a presença de vereadores e do prefeito Cenobelino de Barros Serra. Murchid Homsi administrava, no início dos anos 50, um conglomerado de 10 empresas. Na figura a seguir vemos uma foto área de Rio Preto no começo da década de 60.

FIGURA 2.2. Rio Preto (Década de 60). Fonte: Arquivo Público Municipal (2011).

6 Fernandjes (2008) afirma que os “árabes” (sic) derrubaram a concorrência dos mascates portugueses e italianos com vendas a prazo e respeito à palavra do consumidor (que se comprometia a pagar sem a necessidade de notas promissórias). Para a autora, “a confiança depositada nos „fregueses‟ e a visão futurista para o comércio fizeram o sucesso deste povo, que marcou história na cidade”. Segundo dados de Fernandjes (2008), a partir de 1913 começou a imigração em massa e, neste ano, foram registradas 11.101 entradas no Brasil. Em 1920, a população “árabe” (sic) era de 50.337, sendo 19.285 no Estado de São Paulo. A autora mostra dados do Censo de 1920 onde existiam 730 árabes em Rio Preto. Ao entrevistar Tarek Sarout, informa que a região noroeste recebeu o segundo maior número de imigrantes sírios e libaneses, perdendo apenas para a capital e que em 100 anos, Rio Preto, Onda Verde, Nova Granada, Palestina e o Triângulo Mineiro, praticamente foram habitadas por uma região só do Líbano – o Vale do Bekaa. Por fim, Fernandjes (2008) informa que as primeiras famílias que chegaram no município foram Ajdar, Arif, Azem, Barcha, Bassitt, Buchala, Buzaidi, Calil, Chalela, Cury, Daud, Fahad, Fauaz, Gorayeb, Haddad, Hawilla, Homsi, Jamal, Kfoury, Madi, Mahfouz, Mitaini, Mussi, Muanis, Naffah, Rahad, Raduan, Scaff, Suriani, Tarraf, Taufic e Younes e que, atualmente, mais de 20% da população de Rio Preto é formada por descendentes de sírios e libaneses.

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Uma bela descrição deste “intelectual orgânico” foi feita por

Gomes (1975, p.400-401). Como havíamos afirmado, este empresário nos permite problematizar as questões relativas aos “intelectuais e a organização da cultura”, especialmente dos libaneses em Rio Preto. Neste sentido, o “intelectual orgânico” da construção do patrimônio agroindustrial de Rio Preto é Murchid Homsi (1895-1959). Conforme relata Gomes (1975, p.400-401), Murchid Homsi nasceu em 25 de outubro de 1895, em Hasbaya, no Líbano7, filho de Ibrahim Homsi e Maria Bauab Homsi. Veio para o Brasil em 1910, estabelecendo-se em José Bonifácio (SP), como comerciante, onde foi o maior fornecedor dos lavradores da região. Nessa cidade, deixou marcada a sua passagem através de uma obra de grande significação econômica, qual seja, a abertura de uma estrada carroçável de 20 kms ligando José Bonifácio a Rio Preto.

Ainda segundo Gomes (1975, p.400), em 1923, transferindo-se para Rio Preto, dedicou-se ao comércio e à agricultura e, posteriormente, ao ramo industrial. No comércio e na agricultura, dominou os ramos do café, algodão, cereais, os quais produzia, beneficiava, comprava, vendia e exportava. Para fins agroindustriais, fundou as seguintes empresas: com seus irmãos, Homsi Irmãos - Indústria e Comércio Agrícola S/A, e

7 Para uma visão libanesa de “quem é árabe” entrevistamos o descendente de libaneses, Jorge José Bitar, o qual diferencia, da seguinte maneira, “árabes”, “sírios” e “libaneses”: os árabes se constituem por 22 países independentes do Oriente Médio e África. Segundo a tradição bíblica, os árabes descendem de Ismael, filho do Patriarca Abraão com Agar. Abraão também gerou Isaac, com a esposa Sara, de quem descendem os hebreus, povo do qual nasceu o Messias Jesus Cristo. Ambos os povos, árabes e hebreus, são de origem semítica, ou seja, filhos de Sem, o filho de Noé. O entrevistado afirma que é interessante destacar que através de exame de DNA comprovou-se cientificamente, que antigos árabes e hebreus de Jerusalém descendem do mesmo pai com duas mães. Para esta região imigraram os árabes da Síria, os sírios, país que já concedeu 4 Papas para o Trono de São Pedro e que tem a capital mais antiga do mundo, Damasco, com mais de 10 mil anos. Aqui fincaram suas raízes também, os árabes do Líbano, os libaneses, país do Cedro Sagrado, 72 vezes citado na Bíblia. Os libaneses se orgulham por descender dos fenícios, os grandes navegadores da Antigüidade e precursores do alfabeto fonético, que conforme alguns historiadores aportaram o Brasil, há mais 2.000 anos antes de Cabral chegar com suas caravelas (BITAR, 2010). Para uma visão complementar de “quem é árabe”, sugerimos o texto de Challita (2010).

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com outros: Homsi, Reverendo Vidal S/A, Cia. Rio Preto de Armazéns Gerais, Sociedade Algodoeira Rio Preto Ltda, Beneficiadora Paraná Ltda., Sociedade Rio Preto de Café Ltda, e Cia. de Melhoramentos do Muquilão. O autor Gomes considera Murchid Homsi o pioneiro da industrialização de Rio Preto: “foi ainda o pioneiro da industrialização de Rio Preto, onde fundou com outros companheiros: Cotonifício Rio Preto S/A, Curtume Rio Preto Ltda., Lacticínios Rio Preto Ltda., Pastifício Rio Preto S/A e Sociedade Têxtil Rio Preto S/A” (Gomes, 1975, p. 401). Na figura a seguir vemos a Indústria de Fiação de Seda de Medlij & Homsi em Rio Preto da década de 40.

FIGURA 2.3. Indústria de Fiação de Seda de Medlij & Homsi em Rio Preto (Década de 40). Fonte:

Lodi (2009).

A questão da “organização da cultura”, sob uma perspectiva

gramsciana (Gramsci, 2001), pode ser observada na impressionante trajetória deste empresário. Segundo Gomes (1975, p.401), Murchid Homsi no “setor social” (sic) ligou-se a todas as instituições existentes em Rio Preto, tendo sido fundador de muitas delas entre as quais a Associação Comercial, Industrial e Agrícola, (da qual foi seu tesoureiro por muitos anos); o Clube Monte Líbano, seu presidente honorário e o principal artífice da construção da atual sede (na figura 2.4., a seguir, temos uma vista aérea do Clube Monte Líbano nos dias de hoje); o Rotary Clube (tesoureiro em diversas gestões) e sócio-fundador do

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Jockey Clube. Ainda conforme relata Gomes (1975, p.401), no “campo assistencial” (sic), foi tesoureiro e Provedor da Santa Casa de Misericórdia por mais de 10 anos, “tendo solucionado o problema de abastecimento de água dessa instituição”. A Legião Brasileira de Assistência foi presidida por sua esposa, Geny Guraib Homsi, durante muitos anos, a qual ampliou a ação assistencial dessa instituição. Enfim, Gomes (1975, p.401) revela o intelectual organizador da cultura da seguinte forma:

Ligou-se e deu seu apoio também a todas as instituições assistenciais da cidade. Em janeiro de 1958, por decreto do Presidente do Líbano, Camille Chamoun, recebeu na Chancelaria da Embaixada do seu país, no Rio de Janeiro, o título de Cônsul Honorário do Líbano. Antes mesmo de haver sido nomeado Cônsul Honorário era tido no mais alto conceito e consideração no seio da comunidade libanesa. Todos o consideravam um símbolo venerável da Pátria, amigo, generoso e desprendido, verdadeiro esteio da antiga Coligação Libanesa, hoje transformada no Clube Monte Líbano. Murchid Homsi era brasileiro naturalizado. Por seu intermédio e sua alta consideração, grandes homens de empresa se ligaram a Rio Preto, como Adib Chamas, Nassib Mattar, Carlos Jafet e Elias Saad, tanto no setor econômico como participando em obras assistenciais da cidade. (GOMES, 1975, p.401).

FIGURA 2.4. Clube Monte Líbano em Rio Preto (Década de 70). Fonte: Demian (2009).

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Retomando as questões das políticas públicas para a

industrialização no sentido de corroborar o sincronismo da história econômica brasileira com a história econômica de Rio Preto apontado anteriormente, Lodi (2009) afirma que a partir de 1945, o movimento político-militar de 1930 em oposição às velhas oligarquias regionais, “finalmente chega a Rio Preto”. A autora relata que depois de 1945, sob o impacto causado pela Segunda Guerra Mundial, as atividades da cafeicultura e da pecuária começam a perder terreno para a indústria. Devido à ausência do produto no mercado interno, provocada pelo conflito internacional, as pequenas oficinas existentes na cidade, durante a guerra, esforçaram-se em oferecer melhor qualidade em seus produtos. Ao setor industrial se direcionaram os capitais locais, contribuindo para o desenvolvimento de diversos ramos do “Parque Industrial” em formação. A autora mostra que ao poder público coube incentivar as empresas privadas a implementar as indústrias de base através da doação de terrenos, isenção de impostos e subsídios. Em síntese, Lodi (2009, p.8) afirma que,

O desenvolvimento industrial se inicia efetivamente nos anos 40 com a instalação da Swift, da Sanbra, da Matarazzo e do Cotonifício Rio Preto. A partir de então, a cidade assiste à expansão industrial responsável por alterações de forma significativa de seu perfil e as transformações da economia provocaram mudanças significativas nas funções estabelecidas para o urbano. Conseqüentemente, ocorreu o incremento da urbanização e a formação de um contingente urbano, ansioso por empregar sua força de trabalho em novas atividades econômicas, não só na indústria como também no setor de serviços. Existiam no município 240 indústrias leves que empregavam o capital de Cr$ 20.354.400,00, com 1.183 operários e consumia 704.206 kwa de força motriz. (LODI, 2009, p.8).

Desafios das Políticas de Preservação do Patrimônio de Rio Preto: A Memória do Lugar

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Como considerações finais, apresentamos os desafios das políticas de preservação do patrimônio agroindustrial, tendo em vista o legado das políticas públicas para a industrialização e a construção do patrimônio agroindustrial de Rio Preto. Hoje a principal política de preservação do patrimônio de Rio Preto está focada na revitalização do complexo da Swift (cf. Guareschi; Villela, 2010). O projeto de restauro, com diversos profissionais envolvidos, faz parte das diretrizes do Plano Diretor para desenvolvimento de Rio Preto. Esta diretriz prevê a transformação do conjunto arquitetônico da Swift em um Centro Cultural, compatibilizando o projeto arquitetônico desenvolvido pela Secretaria da Cultura do Estado com o projeto urbanístico do “Parque da Represa”, dotando a cidade de uma grande área com equipamentos ao lazer, cultura e recreação da população. Esta diretriz segue o princípio de preservação do “patrimônio ambiental urbano”, conforme as considerações de Castriota (2009, p. 89) e prevê a satisfação das necessidades das crianças, dos jovens e dos adultos, no âmbito das competências do município.

O espaço da Swift constitui-se como uma proposta intersetorial, somando a atuação de diversas áreas, tais como, meio ambiente, educação, emprego e renda, participação popular, desenvolvimento local, saúde, cultura, esporte e lazer, inspirados na concepção de “equipamento urbano agregador da comunidade”. A proposta de revitalização possui uma visão educadora que pode se estender por toda a cidade. A Swift pode se tornar um espaço de organização e de apoio dos sujeitos sociais na afirmação de direitos e de promoção da cidadania. Entretanto, a cidade dispõe de inúmeras possibilidades educadoras.

Os diversos edifícios do patrimônio agroindustrial de Rio Preto poderiam constituir-se em espaços culturais de aprendizagem permanente. Trata-se da idéia da cidade como espaço de cultura educando, promovendo e desenvolvendo o protagonismo de todos: crianças, jovens, adultos, idosos (cf. Gadotti; Padilha; Cabezudo, 2004). Nesse sentido, o patrimônio agroindustrial de Rio Preto poderia

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constituir-se em espaços “intencionalmente” educadores. Veja-se, por exemplo, entre outros espaços, o grande Complexo de Laticínios da década de 50. A seguir temos uma foto dos edifícios abandonados do Complexo de Laticínios.

FIGURA 3.1. Edifícios Abandonados de um Complexo de Laticínios em Rio Preto (Década de 50).

Fonte: Villela (2010).

Por fim, outro conceito fundamental que poderia funcionar como

uma espécie de “condensador” das diversas perspectivas de preservação do patrimônio agroindustrial é o conceito de “Memória do Lugar” desenvolvido por Hayden (1997). A autora mostra que se a memória social depende da narração para sua continuidade, a paisagem urbana também poderia contribuir através da “memória do lugar" que seria uma persistência estabilizadora do lugar como um contenedor de experiências que contribui tão poderosamente para a sua memorabilidade intrínseca. A autora defende que uma memória alerta e viva se conectaria com o lugar, encontrando nele traços que favorecem e se desenvolvem paralelamente às suas próprias atividades. Tal fato leva a autora a afirmar que a memória seria “naturalmente orientada em relação a lugares ou, pelo menos, suportada por lugares”.

Segundo nosso ponto de vista, “intelectuais orgânicos”, como Murchid Homsi, citados a seguir: Gomes (1975), Arantes (2001), Brandi (2002), Fernandjes (2008), Lodi (2009), Demian (2009), Bitar (2010),

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Challita (2010), entre outros, nos ajudam a recuperar a ideia de “Memória do Lugar”. A “Memória do Lugar” é a capacidade humana de se conectar tanto com o ambiente natural quanto com o construído, que estão ligados em idéias como as de “paisagem cultural” e de “patrimônio ambiental urbano”.

Esse conceito poderia “condensar” as políticas de preservação do patrimônio de Rio Preto, tateada pelos “intelectuais orgânicos” das áreas de patrimônio cultural e memória. Segundo Hayden (1997), a “Memória do Lugar” poderia ser a chave para o poder dos lugares históricos em ajudar os cidadãos a definir o seu passado comum. Um exemplo da aplicação estratégica do conceito de “Memória do Lugar” é o “Monumento à Imigração Árabe de São José do Rio Preto”, desenvolvido a partir de discussões no âmbito do Comdephact – Rio Preto (Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural de Rio Preto). A comunidade árabe de Rio Preto se articulou em torno da proposta e a ideia ganhou vida e apoio da Prefeitura Municipal. Na figura a seguir vemos a maquete eletrônica da futura praça e museu da imigração árabe em Rio Preto.

FIGURA 3.2. Monumento a Imigração Árabe em São José do Rio Preto-SP (2011). Fonte: KSA

Arquitetura e Urbanismo (2011).

Os lugares podem despertar memórias naqueles que

compartilham um passado comum, enquanto, ao mesmo tempo, podem representar passados também para “estrangeiros” que estejam

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interessados em conhecer com eles o presente. A idéia de “Memória do Lugar” aparece como uma idéia poderosa para se ligar os diversos campos da preservação do patrimônio agroindustrial de Rio Preto, possibilitando, ainda, a preservação da memória da imigração de sírios e libaneses para o Brasil e a atuação de intelectuais orgânicos, como o libanês Murchid Homsi. Enfim, preservar a memória do lugar, contando as muitas histórias do sertão paulista. ABSTRACT: This article aims to present the relations between public policies for industrialization, construction of agro-industrial heritage and the policy challenges of heritage preservation in Sao Jose do Rio Preto (SP). KEYWORDS: Public Policies for Industrialization; Heritage Agroindustrial; Memory of Place, Heritage Preservation Policies in São José do Rio Preto. VILLELA, Fábio Fernandes. Strategies to preserve the memory of place: public policies for industrialization, the intellectuals and the organization of culture and heritage preservation challenges of agro-industrial in São José do Rio Preto, SP, Brazil. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.6, n.2, 2010, p. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ARTIGOS/ARTICLES

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ESPAÇO E FESTEJOS RELIGIOSOS: ASPECTOS DA ESPACIALIDADE DE COMUNIDADES RIBEIRINHAS DA

AMAZÔNIA*

Adriano Lopes SARAIVA** Josué da Costa SILVA***

RESUMO: Este artigo se propõe a analisar o espaço de comunidades ribeirinhas do município de Porto Velho, Estado de Rondônia; a partir da realização de festejos religiosos, a religiosidade contida neste evento e os acontecimentos inerentes à festa e sua influência na organização espacial das comunidades. Utilizando para tanto, teóricos da Geografia Cultural e da área da Antropologia para dar conta da análise aqui pretendida. PALAVRAS-CHAVE: Espaço; Festejos religiosos; Comunidades ribeirinhas; Geografia Cultural; Amazônia. Introdução

* Capítulo da Dissertação de Mestrado intitulada “Festejos e Religiosidade Popular: o festejar em comunidades ribeirinhas de Porto Velho/RO”, apresentada ao Programa de Pós-graduação Strictu Sensu em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente/PGDRA da Fundação Universidade Federal de Rondônia – UNIR. ** Geógrafo e Mestre em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente pela Universidade Federal de Rondônia/UNIR. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Modos de Vida e Culturas Amazônicas – GEP Cultura. Endereço eletrônico: [email protected] *** Professor Adjunto do Departamento de Geografia e Coordenador do Programa de Mestrado em Geografia da Universidade Federal de Rondônia – UNIR. Endereço Eletrônico: [email protected]

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O homem que vive na Amazônia tem dentro de suas práticas

religiosas mais comuns o catolicismo. Neste universo amazônico é muito comum à crença em superstições e mitos que fazem parte do cotidiano das comunidades situadas à margem dos rios, como as lendas da cobra grande, da mãe da mata, do curupira, e nas crenças como o mau olhado e os encantamentos. Essa é uma religiosidade que tem como um dos pontos fortes a devoção aos santos católicos e da reunião da comunidade em momentos específicos para celebrarem seus padroeiros, transformando-se em eventos que se caracterizam pela realização de festas religiosas ou festejos, como são popularmente chamados na região ribeirinha. Dessa maneira, as comunidades ribeirinhas passam grande parte do ano ora envolvidas com a preparação, ora com a realização ou participação nesses acontecimentos religiosos.

Percebemos uma relação social e um modo de vida bem característicos daqueles que habitam em regiões ribeirinhas. Quando falamos em ribeirinhos, nos reportamos a Silva (2000), que nos fala que essas populações possuem um modo de vida peculiar, distinto do das demais populações do meio rural ou urbano, possuindo sua cosmovisão marcada pela presença das águas. Para estas populações, o rio, o igarapé e o lago não são apenas elementos do cenário ou da paisagem, e sim algo construtivo do modo de ser e de viver do homem.

Nesse cenário despontam várias formas de se relacionar com o ambiente. Nesse trabalho vamos destacar os festejos religiosos e a religiosidade popular existente nessas populações. No universo da religiosidade popular do ribeirinho podemos encontrar desde as crenças nos santos católicos, nos elementos das águas e das matas, as festas religiosas, bem como a presença de igrejas pentecostais com seus cultos e festividades próprias e outras formas de religiosidade como a crença em xamanismos e entidades sobrenaturais do universo sagrado e profano do imaginário popular.

As comunidades situadas às margens do rio Madeira apresentam a estrutura política administrativa na forma de distritos. Na

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região ribeirinha temos quatro distritos: São Carlos, Nazaré, Calama e Demarcação. Esses distritos apresentam contingente populacional variado, formas de organização político-administrativas como Associações de Moradores e Administradores Locais, possuem escolas públicas que em sua maioria oferecem apenas o ensino fundamental (1º ao 5º série, Educação de Jovens e Adultos), atendimento médico nos Postos de Saúde, pequenos comércios, igrejas católicas e de outras denominações religiosas. Essas comunidades possuem suas festividades e momentos voltados para os eventos religiosos. A base de sua economia está centrada na produção de farinha, agricultura de subsistência e na pesca para consumo e venda. As casas são construídas em madeira e cobertas de palha, outras são construídas em alvenaria, sendo que algumas possuem cobertura de telha. O ordenamento das casas segue a linha do rio, dessa forma, não há ruas como na cidade, como no modo urbano; e sim caminhos que são definidos pelo movimento do ir e vir do rio. As “ruas” são as somas dos quintais (da frente das casas) e tem sua modificação marcada pelo avanço do rio, que quebra constantemente, fazendo com que os moradores recuem suas casas, levando consigo a nova extensão da rua.

As festas religiosas merecem destaque por representarem mudança, por modificarem o espaço, por mudarem o tempo das comunidades. Em algumas festas temos essas características mais visíveis, com a construção de novas igrejas e a criação de espaço próprio para o santo padroeiro. Assim, são as festas; acontecimentos fruto do sincretismo religioso; que trazem consigo características próprias que moldam o espaço, transformando-o num lugar único. O que nos lembra os escritos de Luis Boada (1991, p.88), onde podemos observar que o espaço pode ser humanizado, ou seja, transformado num lugar diferenciado do restante, basta que para tanto ali sejam realizados ritos que dêem conta de tal tarefa, o que, aliás, pode muito bem ser realizado através das festas religiosas.

Esse artigo busca dar subsídios para o entendimento desse grupo social, que mantém sua estrutura social com ligações com sua

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origem étnica. Ao falarmos do espaço de comunidades ribeirinhas, estamos a todo o momento buscando elementos ligados ao universo mental do grupo, da cultura e da religiosidade. Conceituando os festejos religiosos

Historicamente, as festas são de grande destaque na cultura brasileira, pois desde o período colonial elas foram importante elemento na construção da sociabilidade entre os povos, facilitando a inserção de símbolos que foram incorporados com a partir dos processos históricos de ocupação da nova terra (DEL PRIORE, 1994). As procissões e as festas religiosas são consideradas as atividades urbanas mais antigas do Brasil, já que os relatos dos viajantes dão conta que já na época do descobrimento as comemorações de ordem religiosas e festivas estavam presentes nas atividades dos portugueses e dos indígenas (TINHORÃO, 2000). A missa rezada em terra brasileira pelo Padre Frei Henrique foi a primeira atividade religiosa organizada pelos portugueses, demonstrando dessa forma, a força do catolicismo e a presença da Igreja nessas expedições, além do mais é importante ressaltar que as religiões realizam festas que buscam reproduzir a história da manifestação do Espírito Divino na natureza e na história (BARROS, 2002)

Dessa forma, a religiosidade e as festas religiosas são apontadas como um dos fortes elementos de mediação entre as diferentes culturas que povoaram o Brasil e que deram origem à cultura nacional, já que nelas todas se juntavam para desfrutar a alegria, a música, a distribuição gratuita de comida e, com destaque, um momento de abrandamento da ordem estabelecida. Para Rita Amaral (1998, p. 52) „[...] pode-se dizer que a festa é uma das vias privilegiadas no estabelecimento de mediações da humanidade [...]”. Para ela a festa brasileira se liga essencialmente à religião e desde o período colonial a sociabilidade brasileira encontra-se estreitamente relacionada à realização de festas.

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Como temos uma população profundamente religiosa que tem a sua disposição um grande universo de crenças e práticas religiosas, e que esta religiosidade tem como principal característica ser festiva e carnal, vivida de forma pública e teatral, sendo expressas por meio de festas, procissões, pagamento de promessas, folguedos e demais outras manifestações da crença católica do grupo.

Manifestações da cultura popular como as festas religiosas são estudadas e definidas de diversas maneiras, alguns autores como Amaral (1998), DaMatta (1997), Figueiredo (1999), Duvignaud (1983), Durkheim (1989), Barros (2002), Perez (2002), Guarinello (2001), Rosendahl (1999a) e Maia (1999) levantam questões que se referem ao caráter ritual, religioso, político, formador de identidades, reflexo da vida social, organizativo, cultural e formador de grupos sociais desse acontecimento.

Na verdade o termo festa é estudado por várias áreas do conhecimento e cada uma delas busca conceituar esse evento. Temos dentro deste universo uma série de termos e definições, no entanto alguns demonstram mais segurança e condições de mostrar a riqueza da festa em toda a sua extensão.

O festejo surge como um evento ligado ao universo mental e religioso, fruto de uma promessa ou de uma graça alcançada. Para que se ocorra uma festa é fundamental um pretexto, é preciso algo para celebrar, algo motivado por uma graça alcançada, pela saúde recuperada, mostrando que toda festa é um tempo consagrado (PEREZ, 2002). Nos estudos de Durkheim (1989), as festas surgiram pela necessidade de separar no tempo os dias ou períodos que são determinados para as atividades do cotidiano de períodos voltados às atividades sagradas.

A realização desses eventos vem para mudar, modificar o cotidiano, o espaço e o tempo das comunidades; nesse sentido estudos apontam que as festas não devem ser vista como oposta ao cotidiano, e sim integrada a ele. Indo de encontro com essa concepção, Noberto Guarinello define as festas em cinco momentos:

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1. implica uma determinada estrutura social de produção, no sentido de que as festas não são dádivas de Deus, nem caem dos céus segundo nossos desejos [...] 2. envolve a participação concreta de um determinado coletivo, seja ele a sociedade em seu conjunto, ou grupos dentro dela, com maior ou menor expressão ou força legitimadora, distribuindo-se os participantes dentro de uma determinada estrutura de produção e consumo da festa, na qual ocupam lugares distintos e específicos; 3. aparece como uma interrupção do tempo social, uma suspensão temporárea das atividades diárias que pode ser cíclica, como nas festas de calendário, ou episódica, como da comemoração de eventos singulares [...] 4. articula-se em torno de um objeto focal, que pode ser um ente real ou imaginário, um acontecimento, um anseio ou satisfação coletivos e que atua como motivação da festa [...] 5 por fim, uma festa é uma produção social que pode gerar vários produtos, tanto materiais como comunicativos ou, simplesmente, significativos. (GUARINELLO, 2001, p.971)

Percebemos diante dos conceitos acima descritos o caráter

geral que o termo “festa” apresenta, e ao aprofundarmos nosso olhar vamos ter ai este evento se apresentando como um aspecto da vida das populações, isso lhe confere um caráter paradoxal, uma vez que podemos dizer que a festa oscila em dois pólos, o cerimonial e o festivo; tendo momentos ligados a cada um deles.

Autores como Durkheim, Perez e Amaral mostram o caráter de efervescência coletiva da festa, uma vez que este momento está situado em dois aspectos principais:

1 Aspecto Ritual: representado pelas cerimônias religiosas e pelas solenidades dos rituais; 2 Aspecto do Divertimento: representado pelo fator recreativo das festas. Durkheim, em sua obra clássica sobre a vida religiosa (1989, p.

452), discute a importância do elemento recreativo e estético na religião,

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mostrando a inter-relação entre cerimônia religiosa e a idéia de festa, pela aproximação entre os indivíduos, pelo estado de “efervescência” coletiva que propicia e pela possibilidade de transgressão às normas.

A festa surge também como fator de mudança do cotidiano, sendo “[...] uma espécie de parada na vida cotidiana, como um momento contemplativo no meio da ação diária. [...]” (BARROS, 2002, p. 67). Trazendo momentos de divertimento, de busca do sagrado, de pagamento de promessas e da realização de novos pedidos ao santo padroeiro. A festa nas palavras de Lea Peres “[...] instaura e constitui um outro mundo, uma outra forma de experienciar a vida social, marcada pelo lúdico, pela exaltação dos sentidos e emoções [...] e, mesmo, em grande medida pelo não-social” (2002, p.19). Estas mudanças são sentidas a partir do momento que a participação na vida da comunidade se torna mais constante, assim pode-se perceber os tempos diferenciados que existem: o tempo do trabalho - o cotidiano -, e o tempo da festa – o divertimento e o sagrado.

Esse conceito nos mostra uma das características fortes da festa, que é seu caráter socializador, já que com a realização destes eventos o grupo se encontra, realizam mais atividades em conjunto. O que é destacado por Maffesoli (1994, p.112) quando ele nos diz que é o “estar junto à toa” que tem sua importância nas coletividades dos momentos específicos das festas, ações comuns através dos quais a comunidade vai fortalecer o “sentimento de si mesma”. Esta sociabilidade esta presente na realização dos festejos nas comunidades ribeirinhas já que o modo de organização traz para dentro do evento as pessoas, para que haja uma festa é necessária antes uma capacidade organizativa que vai desaguar na formação de grupos que vão trabalhar para que este evento aconteça, e este estar junto mostra a força de organização que as comunidades possuem.

O festejo possui sua riqueza de rituais, a cerimônia religiosa e a participação popular fazem parte do contexto deste evento. A festa de santo das comunidades ribeirinhas vista como ritual é, antes de tudo, o resultado do modo de vida ribeirinho, suas implicações podem revelar,

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mediar ou colocar no mesmo plano interesses opostos que durante a festa são esquecidos para logo ao termino voltarem a fazer parte do cotidiano. Esse caráter revelador da festa é ressaltado por Figueiredo (1999, p.121), pois segundo ele “[...] a „festa de santo' deve ser observada como fenômeno social que descortina o imaginário do morador da localidade, a partir das representações cotidianas transportadas para os momentos festivos como não-formais e não-cotidianos.”

O local de realização da festa nos remete aos estudos de Moura (1986, p.22), onde ela nos fala que a festa é capaz de fazer com as pessoas deixem seu trabalho, deixem sua rotina para se dedicar à festa. São dias que tem característica de feriado, pois fazem parte do calendário das comunidades; por isso são importantes; esses acontecimentos chegam a ter mais importância que os feriados oficiais para as populações rurais ribeirinhas.

O que explica tal fato é o caráter religioso que envolve o acontecimento, sempre ligado à fé e à devoção do grupo, caracterizando a festa como mediadora do encontro de Deus com o povo, ritualizando as atividades voltadas ao sagrado e ordenando a maneira pela qual a festa é conduzida pelos atores sociais que a compõem, pois todo festejo tem um rito e este rito tem sua ordenação que não muda (BARROS, 2002). As festas religiosas e o espaço das comunidades ribeirinhas

As festas religiosas configuram-se como eventos ligados ao sacramentalismo cristão ligado ao universo mental do grupo. O ribeirinho cumpre suas promessas e graças recebidas por meio de rituais, traduzidos na forma de festas religiosas, almoços comunitários, missas, procissões, novenas, bailes, etc. Cada festejo possui sua própria história e razão de existência. Representa agradecimento, devoção e também saúda um novo período produtivo que se inicia nessas comunidades, o início do período de plantio, pode representar também a solução de um

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grave problema, a saúde recuperada, tudo isso é traduzido em agradecimentos. Portanto, a organização espacial estará ligada ao universo das crenças, o que refletirá de forma concreta na maneira pela qual o homem irá estabelecer-se no espaço.

As atribuições dadas ao espaço e a forma de organizar-se nele estão ligados a cultura e modo de vida das populações. Entre as populações ribeirinhas as crenças, os mitos e a religiosidade destacam-se dentro da cultura do grupo, tornando-se fatores responsáveis pela organização sócio-espacial das comunidades.

Nos baseamos em Silva (2000) ao que se refere a definição de população tradicional ribeirinha, sendo uma população que possui seu modo de vida peculiar que as distingue das demais populações do meio rural ou urbano, possuindo sua cosmovisão marcada pela presença das águas. Para estas populações o rio, o igarapé e o lago não são apenas elementos do cenário ou paisagem, mas algo constitutivo do modo de ser e viver do homem.

As festas religiosas são fatores de destaque entre essas populações. O geógrafo Carlos Eduardo Maia as define como: “[...] manifestações culturais que se caracterizam, entre outros aspectos, por serem eventos efêmeros e transitórios, perdurando algumas horas, dias ou semanas [...]” (1999, p.204). Estando ligadas à religiosidade e ao costume de “pagar” e de “fazer” promessas, esse ato é destacado por Rosendahl, pois ”[...] a prática religiosa de "fazer" e "pagar" promessas constitui uma devoção tradicional e bastante comum no espaço sagrado dos santuários católicos” (1999b, p.61). Assim, cada festa é resultado de um acontecimento particular ligado a algum fato referente a um sujeito de destaque no âmbito da comunidade

No estudo do antropólogo Charles Wagley “Uma Comunidade Amazônica” (1988), o papel das festas religiosas é por ele destacado, posto que seja de fundamental importância para acentuar o cotidiano dos ribeirinhos amazônicos, com os quais realizou seu trabalho. Wagley destaca que “[...] todos os anos, em maio e junho, quando, no Vale Amazônico, os rios voltam aos seus leitos e as chuvas diminuem,

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começa a estação seca; realizam-se então inúmeras festas [...]” (1988, p.194). Nesse sentido, estudos de Saraiva & Silva (2002, p.204) nos dizem que “[...] as atividades realizadas durante as festas constituem momentos onde o espaço ganha contornos diferentes do que possui durante o cotidiano [...], cada morador vive o espaço de uma maneira particular”. O que nos faz perceber que o espaço das comunidades ribeirinhas recebe designações ligadas às crenças criadas pelo grupo, ligadas a elementos constituintes da realidade do homem ribeirinho, como os rios, os igarapés, os lagos, a mata, as lendas, os mitos, etc. Nascimento Silva exemplifica a organização espacial de comunidades ribeirinhas:

[...] o espaço, nas comunidades ribeirinhas, ainda está muito próximo, ou melhor, está intimamente ligado às pessoas, e elas mesmas ainda não perderam completamente o controle desse espaço, onde reconhecem os signos e significados que estão presentes em seu ambiente sem se separem deles inteiramente, sem transformá-lo essencialmente em mercadorias (2000, p.94-95).

O que é atestado por Riviére quando nos fala: [...] o espaço, não se trata somente de uma relação concreta, física, com ele, feita de práticas e de descolamentos, ou de uma fenomenologia do espaço vivido, mas de uma imaginário no qual entram os estereótipos da civilização e os valores ligados à identidade e à diferenciação social. (1999, p.59).

Outro aspecto a ser destacado é que a festa religiosa necessita

de vários espaços para sua realização. Cada momento da festa é pensado e realizado em um determinado espaço, por exemplo: a procissão é realizada nas ruas da comunidade, o baile no centro comunitário ou outro lugar que comporte tal atividade. Assim:

A rua, os pátios, as praças, tudo serve para o encontro de pessoas fora das suas condições e do papel que desempenham em uma

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coletividade organizada. Então, a empatia ou a proximidade constituem os suportes de uma experiência que acentua intensamente as relações emocionais e dos contatos afetivos, que multiplica ao infinito as comunicações, e efetua, repentinamente, uma abertura recíproca entre as consciências na medida que a festa não mais necessita de símbolos e inventa as suas figurações que desaparecem, muitas vezes, em seguida perecível. (DUVIGNAUD, 1983, p.68)

Esta organização social nos remete ao espaço utilizado para a

realização da festa e suas funcionalidades, o que é destacado por Maia: [...] grande parte das festas, no seu momento de ocorrência, simplesmente fornecem nova função às formas espaciais prévias que dispõem para a sua realização (ponto central): ruas, praças, etc. Mas, tão logo cesse o período ou momento extraordinário, tais formas retomam a sua função habitual. (1999, p.204)

Com efeito, as festas religiosas constituem momentos onde a população ribeirinha modifica o espaço que habita, dando-lhe significados os mais diversos, transformando-o num lugar único fruto das crenças dessas populações, diferenciando e qualificando locais com características que só existem durante o período da festa.

A realização de festas religiosas pode deixar marcas no espaço, funcionando como fator de organização e de mudanças na espacialidade das comunidades, além de trazerem à tona as relações que implicam a realização de um festejo como, as disputas e os conflitos existentes entre o grupo.

O ribeirinho vive o espaço de maneira peculiar, levando em consideração a maneira pela qual se relaciona com o ambiente a sua volta. É uma relação de respeito pautado nas crenças e nos mitos, como destaca Silva (1994, p.13): "A natureza passa a ser humanizada, desmistificada, ou seja, desnudada de mistérios e incorporada de novos significados. Passa a correr, em alguns momentos, a sacralização da paisagem. A "mata" e o "rio" passa a ter um significado especial para esse grupo [...]".

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A religiosidade tem papel de destaque entre essas populações, tornando-se elemento capaz de promover mudanças na organização do espaço desses locais. Assim, temos dentro da realidade do ribeirinho elementos constituintes da cultura que compõem o espaço, como as crenças, o sincretismo religioso e os mitos. Cada elemento torna a festa fator de destaque nas modificações espaciais presentes nas comunidades. No que se refere ao espaço recriado, o conceito que melhor o define está ligado ao ambiente construído como espaço natural modificado pela ação humana (BOADA, 1991, p.88).

Na comunidade de Nazaré temos um exemplo do espaço modificado pela ação humana ligado à cultura do grupo social. Foi criado um novo bairro na comunidade chamado “Bairro de São Sebastião”, fruto de uma promessa feita pelo líder religioso da comunidade, o que acarretou a construção da nova igreja católica, que fica mais distante da parte central da comunidade. O espaço de São Sebastião representa para o exercício da fé católica do grupo um aumento, pois a partir de então duas igrejas passaram a existir na comunidade. Cada igreja possui um grupo organizado de membros da comunidade que ficam responsáveis pelas tarefas de limpeza, manutenção e organização do lugar para as celebrações, sendo que o grupo da igreja de São Sebastião tem como coordenador o chefe religioso da vila de Nazaré. Sua autoridade é reiterada pelo viés educacional, além de conduzir e manter o grupo dentro da mesma religião e crença. Contribuindo para o fortalecimento da doutrina cristã que faz frente ao vertiginoso crescimento das igrejas neo-pentencostais dentro das comunidades ribeirinhas.

A criação de um espaço como o Bairro de São Sebastião vem para enfatizar o papel do líder religioso entre o grupo. Sua função está ligada à organização do festejo de São Sebastião, sendo também responsável por manter o grupo congregando os mesmos cultos e rituais católicos. As atividades desenvolvidas para a realização da festa são coordenadas por este líder, que funciona como o ordenador dos rituais dentro do espaço sagrado. Assim, a atuação do líder pode lhe dar

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legitimidade junto ao grupo e com os participantes do evento (MAIA, 1999, p.209). A religiosidade popular no contexto das comunidades amazônicas

Para tecermos comentários sobre a religiosidade popular existente nas comunidades amazônicas é necessário, antes, buscarmos fundamentos para trazer à tona a grande diversidade das crenças e religiosidades existentes no Brasil.

Um aspecto importante está ligado à definição de “popular”, visto que já é por demais polêmica ter tal definição, outro aspecto é definir religiosidade popular de uma forma tal que se obtenha unanimidade. Nesse sentido a própria noção de religião popular foi objeto de inúmeras tentativas de definição e de contestações freqüentemente renovadas, chegando até a dar a impressão de um recomeço indefinido dos mesmos equívocos. Porém, ao nos aprofundarmos, encontramos outras noções, designando os grandes componentes da noção-mãe: preces, devoções, peregrinações.

Neste caso, torna-se menos complexo um delineamento do termo religiosidade popular, não pelo que ele representa, mas, ao contrário, pelo que não representa, já que está ligado ao universo mental dos grupos humano. Ademais, a religiosidade popular não é corpo eclesial nem corpo doutrinário, configurando-se em uma religiosidade dotada de razoável independência da hierarquia eclesiástica; incluindo nesse contexto toda a documentação oficial da Igreja e todos os teólogos elaboradores da doutrina. Independência essa ao caráter sistemático do catolicismo oficial, materializada em uma explosão quase íntima ao “sagrado”, humanizando-o, sentindo-o próximo, testando-o e sentindo sua força por métodos criados, não pelo clero, mas pelos próprios devotos, métodos esses que são transmitidos, em sua grande totalidade, oralmente. Em suma, o vivido em oposição ao doutrinal.

No ambiente amazônico esta relação se deu seguindo os seguintes aspectos e características:

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[...] A interação dos elementos religiosos processou-se de modo desigual e por etapas que dependeram de fatores diversos, porém específicos ao ambiente amazônico, ou sejam – os recursos econômicos da floresta tropical, a organização das sociedades tribais, as técnicas primitivas de exploração do meio, a influência dos missionários, o caráter do catolicismo ibérico em confronto com a ideologia do aborígine e, finalmente, as características da sociedade mestiça de índios e brancos que emergiu e se desenvolveu na atual sociedade rural contemporânea. (GALVÃO, 1976, p.07)

As manifestações de religiosidade popular vão permear o

imaginário do povo brasileiro em suas relações com o sobrenatural, formando-se em nosso país um catolicismo extra-oficial, de caráter pragmático, popular e tributário de superstições tomadas a outras religiões. A este irá se opor ao catolicismo romano, baseado nos preceitos do Clero, na figura da Santíssima Trindade, na figura do indivíduo e nos sacramentos.

Em outras palavras, o catolicismo oficial é voltado para a salvação da alma fará frente a um “catolicismo de santos” em que a figura de Cristo perde importância, a oração dá passagem às formulações mágicas e a resolução dos problemas cotidianos suplantam a salvação da alma. Os santos, cada um com sua “especialidade”, serão os companheiros de jornada nesta vida, auxiliando ou impedindo projetos e sendo por consequência “recompensados” pelos fiéis com festas, romarias, pagamentos de promessas e procissões, ou então “punidos”, seja com blasfêmias, seja com o não atendimento dos pedidos, seja com “castigos” advindos no não cumprimento das promessas.

Dentro da realidade amazônica vamos ter uma religiosidade permeada por vários aspectos. Somados aos que já foram comentados temos o fator indígena e as crenças do caboclo. Estes aspectos por si só, já são capazes de dar novas características às crenças e ao modo como o homem se relaciona como sagrado. Nas comunidades amazônicas temos deste os mistérios das encantarias, da pajelança, dos

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rituais até os momentos efervescentes das festas religiosas e o imaginário das entidades míticas do mundo da natureza. Essa maneira de se relacionar com o sagrado e com o universo das crenças não representa apenas o produto da amalgamação de duas tradições, a ibérica e a do indígena, estas duas fontes são formadoras da religião do ribeirinho da Amazônia, ressaltando que o componente ambiente físico é grande responsável por este fenômeno. (GALVÃO, 1976)

Estamos nos referindo às sociedades tradicionais, que tem uma relação com o sagrado e o mundo das crenças caracteristicamente diferente das sociedades modernas. O que nas palavras de Giddens quer dizer que “[...] nas culturas tradicionais, o passado é honrado e os símbolos são valorizados porque contêm e perpetuam a experiência de gerações. (1991, p.44)”

Ainda neste sentido podemos fundamentar nossos argumentos no tocante às populações tradicionais levando em conta que o mundo do ribeirinho amazônico é orientado pela construção de uma rede de significados manifestos nos símbolos e mitos da paisagem habitada. Nesse momento cabe uma discussão sobre este modo de vida, visto que Antônio Carlos Diegues (1996) com o seu livro “O Mito Moderno da Natureza Intocada” nos apresenta conceitos que podem ilustrar a realidade descrita neste trabalho. Já que analisar populações ribeirinhas é estar se deparando com um modo de vida tradicional, que possui características próprias como: modo de vida, dependência e até simbiose com a natureza, os ciclos naturais e os recursos naturais renováveis; conhecimento aprofundado da natureza e de seus ciclos que se reflete na elaboração de estratégias de uso e de manejo dos recursos naturais, noção de território ou espaço onde o grupo social reproduz-se econômica e socialmente; importância das atividades de subsistência, ainda que a produção de mercadorias possa estar mais ou menos desenvolvida, o que implica uma relação com o mercado; reduzida acumulação de capital; importância dada à unidade familiar, doméstica ou comunal e às relações de parentesco ou compadrio para o exercício das atividades econômicas, sociais e culturais; importância das

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simbologias, mitos e rituais associados à caça, à pesca e atividades extrativistas; a tecnologia utilizada é relativamente simples, de impacto limitado sobre o meio ambiente. (DIEGUES, 1996, p.87-88)

E no contexto das populações tradicionais ribeirinhas a religiosidade é latente. As crenças e os valores religiosos perpassam as instituições oficiais, uma vez que a Igreja não se faz presente na grande maioria das comunidades. Fato muito bem ilustrado por Galvão (1976, p. 03):

As instituições religiosas [...] traduzem os padrões sócio-culturais característicos do ambiente regional. Organizado na base do pequeno grupo local, o povoado, o sítio [...], o catolicismo do caboclo é marcado por acentuada devoção aos santos padroeiros da localidade e a um pequeno número de “santos de devoção” identificados à comunidade. (Grifo nosso)

E esta devoção é marcada por rituais que são conduzidos por membros da própria comunidade que possuem características que os distinguem dos demais; normalmente são os líderes, as pessoas mais antigas do local ou mesmo aquele que detêm mais “posses” (recursos econômicos). Assim, percebemos uma estreita relação entre o universo das crenças e das devoções com o modo de vida das populações ribeirinhas e, diante do contexto da modernidade, elas enquanto populações tradicionais ainda sustentam este modo de se relacionar como sagrado levando em conta que estes aspectos derivam de uma herança indígena e ibérica; resultando daí uma colcha de retalhos extremamente rica e que caracteriza as populações residentes nas áreas ribeirinhas da Amazônia. Anotações conclusivas

As mudanças espaciais ocorridas nas comunidades ribeirinhas são resultados de diversos elementos. A cultura do homem ribeirinho é o fator de destaque, o espaço é reflexo desta cultura. Temos na fé do

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ribeirinho elementos norteadores da construção de seu espaço e as festas funcionam como fator de mudança dentro do tempo e do espaço. São momentos de grande vivência para os moradores das comunidades ribeirinhas e representam a manifestação de uma das facetas que o grupo possui sua forte religiosidade.

As atividades realizadas durante a festa constituem momentos onde o espaço ganha contornos diferentes do que possui durante o cotidiano das comunidades, cada morador vive o espaço de uma maneira particular. Esse momento está ligado à fé e devoção que está presente no festejo, sendo resultado da cultura e do modo de vida dessas populações.

E nesse sentido que o espaço representa estas relações. A organização para a festa reflete o trabalho e suas relações, sejam elas conflitantes ou não, de acordo com o que já foi previamente definido cada atividade será desenvolvida em dado local que já foi pensado para aquele momento. A dinâmica espacial passa necessariamente pela funcionalidade, tanto para um Festejo como para outro, todavia esta mudança ou movimento no espaço da comunidade só pode ser observado no período da festa, quando passa este período os locais que serviram para alojar algum momento do Festejo voltam a fazer parte do universo cotidiano. SARAIVA, Adriano Lopes; SILVA, Josué da Costa. Space and Parties Religious: aspects of the spaces communities that live next to rive of the Amazonia. DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.6, n.2, 2010, p. X. ABSTRACT: This article is propose to analyze the space of the community that live next to rive, municipality of Porto Velho, the state of Rondônia; from realization of parties religious, the religiosity included in this party and event that do part of party and its influence in the space organization of the community. Using theoretical of Cultural Geography and area Anthropology like base to analysis which intend.

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KEY WORDS: Space, parties religious; community that live next to rive; Cultural Geography; Amazonia. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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WAGLEY, C. Uma comunidade amazônica: estudo do homem nos trópicos. São Paulo: EDUSP/ITATIAIA, 1988.

A GEOGRAFIA ESCOLAR E A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO

FUNDAMENTAL

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Clézio SANTOS*

RESUMO: A geografia enquanto área do conhecimento esta presente nos anos iniciais do ensino fundamental declaradamente após a LDB de 1996. Anteriormente mesclava-se junto aos conteúdos denominados de estudos sociais. O texto procura responder a questão: Quem ensina geografia nos anos iniciais do ensino fundamental? Para responder tal questão nos reportamos a uma breve história da disciplina escolar geografia para situar inicialmente o professor da disciplina escolar geografia para posteriormente apontar o professor dos anos iniciais do ensino fundamental que trabalha com a área de geografia. Nesse percurso destacamos a relação necessária entre teoria e prática. PALAVRAS CHAVE: Ensino de geografia, professores, educação básica.

Introdução

Você já parou para pensar quem foram os primeiros professores

de Geografia no Brasil? E que tipo de Geografia eles ensinavam? Devemos nos perguntar também quando a Geografia, enquanto

componente curricular da escola começou a ser ministrada no território brasileiro? A resposta causa um susto à maioria das pessoas, quando são informadas que a Geografia como tal, inicia-se junto com os primeiros colégios organizados no Brasil.

Segundo Santos:

* Professor Doutor do Colegiado de Geografia da Fundação Santo André

(CUFSA) e do curso de Geografia da Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES). [email protected]

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A Geografia, portanto, enquanto componente curricular escolar começou a ser ministrada no Brasil desde a fundação dos primeiros colégios jesuítas, ainda no século XVII e XVIII. Esse componente curricular, dotado de conhecimento diferenciado, era ministrado pelos jesuítas (religiosos membros da uma Ordem encarregada de catequizar os moradores primitivos do território brasileiro, então colônia pertencente ao Reino de Portugal). Podemos dizer que os primeiros indivíduos a ministrarem os conteúdos de Geografia eram os jesuítas. Essa situação permanece até a existência de indivíduos com formação superior no território nacional, porém a presença dos seminaristas é marcante ainda no século seguinte (2007, p. 6).

Já nas primeiras décadas do século XX, quem ministrava aulas de Geografia no Brasil eram engenheiros, advogados, e também seminaristas. No Brasil não havia ainda um curso de formação voltado aos professores de Geografia. Até então, a Geografia como componente curricular era uma disciplina enumerativa, cheia de nomenclaturas, exigindo a memorização de quem a estudava. A ensinada nas escolas, bem como a Geografia feita nas Universidades, recebia influências das idéias divulgadas e ensinadas até meados do século XIX na Europa (Predomínio da escola francesa e recebendo algumas contribuições da escola alemã).

A componente curricular Geografia no Brasil refletia esse contexto vivido pela produção científica geográfica. A Geografia é a dos livros didáticos, ou seja, os manuais organizados para ensinarem o conteúdo de Geografia no antigo ginásio. Esses manuais didáticos representavam o que foi a Geografia até meados do século XIX na Europa.

Era uma Geografia que priorizava a enumeração de nomes de rios, serras, lagos, cidades, capitais, entre outras informações.

De acordo com Pontuschka (1999), a memorização e a nomenclatura caracterizam uma metodologia herdada do que se convencionou a se chamar de escola francesa e esta já recebia críticas do professor de Geografia do Colégio Pedro II e autor do livro Metodologia do ensino geográfico, escrito em 1925. Delgado de Carvalho

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é um importante articulador e estruturador inicial do ensino de Geografia no Brasil.

Porém ainda neste período histórico a valorização do conteúdo era muito mais enfatizado que a maneira com que esses conceitos iam ser trabalhados pelo professor, ou seja, pouca era a importância dada a questão didática até então.

O contexto inicial exposto nesta introdução ajuda a compor nosso objetivo principal que é responder: quem são os professores de Geografia nas séries iniciais do ensino fundamental no Brasil?

Para tal nos utilizaremos de um referencial teórico calcado em geógrafos que tem contextualizado a história da disciplina escolar Geografia e de geógrafos que tem trabalhado com a Geografia nas séries iniciais como: Pereira (1987), Vesentini (1989, 2002 e 2006) Pontuschka (1999), Cavalcanti (2000), Kaercher (2000), Santos & Tunes (2001), Straforini (2004), Vieira (2004), Gebran (2005), Santos (2007) e Pontuschka; Paganelli; Cacete (2007).

A geografia escolar e seus professores

No início do século XX, temos duas instituições importantes que

influenciaram a Geografia na sua forma de pensar: uma das instituições já foi citada anteriormente, o Colégio Pedro II e a outra é o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Eram duas instituições de referência do que se fazia como Geografia no Brasil.

Outro importante marco no Brasil para a Geografia foi a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e a Universidade de São Paulo (USP), em 1934. O objetivo central desta faculdade era formar professores, incluindo os professores de Geografia. Outros postos relevantes foram a fundação do Departamento de Geografia da USP em 1946 e a separação dos cursos de História e Geografia em 1957.

A Associação dos Geógrafos do Brasil (AGB) surge também em 1934, associação esta que terá um papel importante na Geografia Brasileira em todo o desenvolvimento e divulgação das pesquisas da

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área; inclusive para a Geografia Escolar. Ainda nos dias atuais a AGB é instituição que congrega o maior número de geógrafos e professores de Geografia no Brasil, organizando os maiores encontros e publica inúmeros periódicos e livros sobre Geografia.

Apesar de todo esse crescimento da ciência geográfica no ensino superior brasileiro, ao longo do século XX, a Geografia escolar ainda era segmentada e com uma postura teórica e metodológica bastante tradicional.

A Geografia presente nas salas de aula das escolas de ensino básico ainda se mantinha na lógica da “decoreba”, da “exaltação apenas dos acidentes físicos”, da enumeração de informações, e da descrição de lugares e paisagens. Os conceitos e conteúdos geográficos eram ensinados de forma desarticulada, e distantes da realidade. Podemos comprovar esse aspecto da Geografia escolar, tendo como base um trecho do texto de Pereira:

A Geografia nessa escola ´tradicional´ é a que tem como fórmula a descrição do espaço natural (relevo, clima, vegetação, etc.), seguida da superposição, também descritiva, dos fatos ´humanos´, compondo a paisagem, isto é, a tentativa ou não de relacionar o homem e seu meio, e, finalmente, a descrição dos fatos econômico (1988, p.116).

Verificamos que até meados do século XX a situação da Geografia produzida no Brasil começava a se alterar, com novas instituições que iniciavam a produção de uma Geografia brasileira nos moldes da Ciência Moderna. Todavia essa produção ainda não chegava às escolas e a Geografia escolar continuava a ser um conjunto de informações descritivas e enumerativa, sem reflexões de âmbito sócio-espacial.

Este era o panorama da Geografia Escolar brasileira em seu primeiro período, dando ênfase maior nas primeiras décadas do século XX e em especial a década de 30. Uma Geografia tradicional, influenciada por idéias eurocêntricas.

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A fundação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e da Universidade de São Paulo contribuiu para mudanças no perfil do professor de Geografia, criando um profissional novo, o bacharel e o licenciado em Geografia, com um papel importante na mudança cultural sobretudo na sala de aula e na produção da Geografia.

Na Geografia brasileira, o período que se estende entre as décadas de 1950 e 1970, percebe o grande poder da influência da Ciência francesa no Brasil. Principalmente por meio da obra do geógrafo paulista Aroldo de Azevedo e de seus diversos livros didáticos, adotados hegemonicamente nas escolas brasileiras. Temos nos livros de Aroldo de Azevedo a presença bastante viva das idéias do geógrafo francês Vidal de La Blache. Habilidades básicas da Geografia como a descrição, comparação e análise de diferentes espaços e paisagens para a posterior classificação estão presentes. Dessa forma os livros de Aroldo trazem para o enfoque educacional brasileiro uma forma de trabalhar tradicional e sem relação direta com a Geografia que praticava enquanto Ciência e se distanciava ainda mais da relação com a sociedade.

A Geografia escolar brasileira de certa forma acostumada ao uso de manuais, passa a ter como referência os livros de Aroldo de Azevedo e outros autores que também praticavam a Ciência geográfica da mesma forma. O positivismo como metodologia científica chegava às escolas como um discurso aceito, pois a escola brasileira como um todo aceita e compactuava com essa forma de produção de Ciência. Além de ser a Geografia que os formando da Universidade de São Paulo levava para escola como professores de Geografia.

Essa forma de trabalhar a Geografia foi alvo de críticas como a do professor e geógrafo Manoel Fernando Gonçalves Seabra:

As tendências hoje incluídas no rótulo de geografia tradicional são corporificadas nos princípios de La Blache, tendo como objetivo geral à preocupação em abordar de forma central as relações do homem com a natureza. Todas elas redundaram em formas mais ou menos radicais de naturalização da sociedade

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humana, abstraindo do homem o seu caráter social (apud PONTUSCHKA, 1999, p.117).

Esse tipo de Geografia que estava sedo ministrada nas escolas brasileiras (que seguiam a geografia denominada de tradicional) passou a ser colocada em xeque. Esse questionamento ganhou força a partir da década de 1950 no cenário internacional e nas décadas posteriores no Brasil.

A partir de 1950 a necessidade de uma reformulação da Geografia, sobretudo em relação a metodologia e conteúdos passaram a ser fundamentais, dado as inúmeras críticas à Geografia, que apesar de estar sendo gestada num momento moderno, continuava a ser tradicional. Houve o surgimento de movimentos que buscavam a renovação no ensino de Geografia dos conteúdos, das metodologias, enfim, do papel que a componente curricular Geografia desempenharia na sociedade a partir de então.

A transformação vivida na sociedade brasileira de âmbito econômico, político e social, junto a expansão da indústria e da lógica capitalista fizeram com que o tipo de Geografia adotado até o período passasse a ser questionado.

Era uma Geografia incapaz de explicar as transformações que fomentaram no espaço, juntamente com as “novas” relações sociais vigorantes e a complexidade dos acontecimentos, levando vários geógrafos a buscarem novas leituras do mundo. O ensino tradicional não conseguia acompanhar esse movimento da sociedade brasileira. Segundo Pereira:

Um desses fatores seria a própria incapacidade da Geografia Tradicional de dar conta de uma realidade altamente explosiva produzida pela expansão do sistema capitalista e todas as suas contradições: afloram problemas urbanos, agrários, políticos e a Geografia Tradicional segue no seu velho lengalenga de “relevo, clima, vegetação, agricultura, indústria”. A realidade não tinha e

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não tem a ver com a harmonia que essa Geografia, e também a maior parte dos livros didáticos, nos transmite (1988, p.131).

Esses fatores fizeram com que a Geografia Moderna, ufanista e descritiva, perdesse importância frente aos acontecimentos do mundo cotidiano, não perdendo de vista a incapacidade de entender de forma aceitável o espaço com suas transformações e relações complexas.

Ainda na década de 50, o ensino deixa de ser voltado apenas para as classes dominantes, passar a incorporar as classes populares. Isso causou grande transformação na educação brasileira. Novos questionamentos, visões e perspectivas relacionadas ao ensino são postos.

No final da década de 60 e início da de 70, surgem reivindicações que buscavam o aumento do número de vagas nas universidades públicas. Também surgem os cursos rápidos de Estudos Sociais, que levaram alguns cursos de Geografia ao fechamento por ficarem sem alunos, tendo em vista que essa nova disciplina “habilitava” a lecionar história e geografia num menor período de formação.

Esses novos cursos de Estudos Sociais receberam duras críticas relacionadas à formação de professores e a questão do sentido “polivalente”. Frente às críticas e a incapacidade de respondê-las de forma satisfatória, os cursos de Estudos Sociais no ensino superior teve seu fim em meados da década de 70. Porem ainda hoje, termos em muitas escolas os conteúdos de História e Geografia sendo ministrados de forma conjunta, principalmente nas séries inicias do ensino fundamental e ainda como curso superior de Estudos Sociais em funcionamento, formando professores.

Depois de enumerarmos e apresentarmos todo esse contexto é inegável afirmar que a Geografia, tanto acadêmica como escolar, passaram por um processo de transformação, exigindo uma Geografia nova. Que alguns autores identificaram como uma crise. Nesse aspecto, podemos deduzir que a transformação da Geografia se confunde com a transformação da própria sociedade e acima de tudo da escola.

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Este momento da história da Geografia escolar apresenta o início do descontentamento de uma Geografia escolar feita a partir de uma abordagem tradicional e a incapacidade desta abordagem de acompanhar o cotidiano e a realidade social brasileira. Surgindo deste contexto novas abordagens geográficas. Uma Geografia Nova.

O surgimento de uma nova maneira de se reconhecer, avaliar e estudar o espaço seria inevitável e necessária ao desenvolvimento da disciplina, tanto em nível acadêmico como escolar. Esse período de renovação foi motivado por concomitante crise da Geografia e da escola, onde a pedagogia se preocupava mais com as técnicas a serem ministradas do que com o conteúdo.

Assim, as discussões sobre a atuação social da Geografia se faziam cada vez mais presentes. Começou-se a valorizar o papel da Geografia como ciência social, deixando de tentar apenas descrever e reproduzir conhecimentos e a relação homem - natureza, como também, buscando o envolvimento com as questões sociais e uma maior atuação na esfera política, produzindo, outra realidade. Nas palavras de Andrade:

A crise econômica dos anos 70 e o desastre do modelo imposto em 1964 deram margem a que surgisse uma reação entre geógrafos, classificados em geral de críticos, que procuravam reabilitar uma geografia política e social. O grupo reunia tanto geógrafos positivistas como marxistas – leninistas, que procuravam modelos europeus para a Geografia brasileira, e marxistas heterodoxos, [...], enquanto grupos menores também arregimentavam adeptos. Esses grupos trouxeram inovações ao pensamento geográfico, mas também promoveram sérias distorções (1999 apud SANTOS, 2007, p.9).

Exatamente em meados da década de 70 surge essa nova forma de se produzir conhecimento geográfico, primeiramente na França, em seguida ainda em países europeus como Espanha, Itália, Alemanha, chegando à América, no México e Brasil, além de inúmeros outros países. Um dos marcos para essa renovação foi a obra de Yves Lacoste,

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A Geografia – isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra, de 1976. Para Lacoste (apud PONTUSCHKA, 1999), “não basta explicar o mundo, é preciso transformá-lo”. Segundo Moreira (1992, apud CAVALCANTI, 2000), Lacoste teve o papel de impulsionador inicial das reflexões para a renovação da Geografia no Brasil, trazendo para a sociedade um novo olhar, uma nova percepção e conhecimento do espaço vivido e do não vivido, das diversas realidades, participando dela, ou não.

A partir de então, a Geografia começa a se preocupar com a formação do cidadão, deixa de ser uma disciplina apolítica, passando a discutir as questões sociais, desenvolvendo uma leitura da realidade do espaço geográfico sem negligenciar suas “tensões e contradições, que ajudasse enfim a esclarecer a espacialidade das relações de poder e de dominação” (VESENTINI, 2002).

Essa nova abordagem geográfica influenciará os livros didáticos e o próprio cotidiano escolar na Geografia Escolar brasileiro até os nossos dias.

Já no final do século XX e início do XXI, temos a implantação de uma nova abordagem geográfica, trazida pelo mundo da educação, por meio de políticas neoliberais adotadas pelo governo brasileiro. Estamos falando dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e das Diretrizes Nacionais da Geografia (DCNs) e suas orientações.

Apresentamos em linhas gerais às abordagens geográficas existentes no ensino brasileiro vigente no momento atual, destacando a abordagem crítica e a chegada de novas abordagens.

A relevância da teoria e do método na Geografia Escolar

Nas últimas décadas do século XX e no início deste século, têm

ocorrido intensas discussões de natureza teórico-metodológica envolvendo o ensino de Geografia. Essas discussões têm por objetivo superar os conceitos e métodos ligados à Geografia Tradicional, pelo

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fato de restringir-se à transmissão mecânica dos conteúdos, transformando a Geografia em uma disciplina escolar que deixa de contribuir ao aluno uma visão mais completa do mundo o que Vesentini (2004) chama de totalidade de sua realidade espacial, fornecendo apenas informações desconexas e soltas sobre partes do mundo. Partes estas compreendidas, pelos alunos, como espaços que não tem nenhuma relação social ou espacial com o seu próprio espaço.

O caminho pedagógico-metodológico que tem sido apontado por muitos pesquisadores do ensino de Geografia destacando Pontuschka (1999), Cavalcanti (2000), Vesentini (2004), Pontuschka; Paganelli; Cacete (2007), entre outros, para a superação desta problemática é a de que a prática do professor deve ser sustentada por um método de ensino eficiente em estabelecer e articular relações concretas entre conteúdos programáticos da Geografia e a realidade próxima do aluno.

Isto significa que o professor de Geografia, ao trabalhar os conceitos e conteúdos da disciplina de Geografia, a sua preocupação básica deve ser a de partir da realidade do aluno, do espaço vivido e concreto em que o aluno produz as suas relações sociais. Esse encaminhamento metodológico torna o aprendizado mais próximo à realidade do aluno e, assim portanto, mais significativo para o mesmo.

Acompanhando os Encontros Nacionais de Professores de Geografia organizados pela Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB), os Encontros Nacionais de Prática de Ensino de Geografia; e as publicações específicas da área de Educação e em especial as de Ensino de Geografia, percebemos que avanços foram feitos no sentido de tornar o aprendizado da Geografia mais próximo da necessidade de compreensão da realidade do aluno. Porém este avanço não está longe de contradições dentro do exercício de se ensinar a Geografia Escolar. Essas contradições devem ser superadas. Caso isso não ocorra, a contradição vai atrapalhar o desenvolvimento dos alunos evitando o estado de conscientização.

A geógrafa Noemia Vieira (2006) destaca que o modo como foram sendo abordadas e conduzidas às discussões em torno da relação

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entre conteúdos de Geografia e a realidade do aluno, fizeram com que a prática de muitos professores se reduzisse à análise de fatos espaciais que imediatamente o aluno vivencia e, conseqüentemente, a transmitir somente os conteúdos que possuem utilidade prática para a vida cotidiana. O que compromete o processo de compreensão e reflexão da realidade na totalidade.

Segundo Vieira:

Ao secundarizar ou negligenciar a transmissão de alguns conteúdos ao aluno, pelo fato de não possuírem utilidade prática para sua vida cotidiana, bem como restringir os estudos do espaço geográfico à análise dos elementos presentes na realidade espacial que o aluno vivencia, o professor estará colocando o aluno em contato com conteúdos que o levem unicamente a compreender a organização espacial da sociedade a partir do que ela aparenta, cerceando as possibilidades do indivíduo de visualizar as contradições presentes na realidade

social em que vive (2006, p.6).

Entendemos que este é um tipo de prática educativa linear e dotada de uma coerência, pois trabalha com uma concepção de educação que acaba tendo como resultado a formação de indivíduos passivos e acríticos, frente a sua realidade, ou seja, indivíduos que não questionam e aceitam com naturalidade. Em grande parte, os conteúdos que têm sido secundarizados no processo de ensino são aquele por levar o aluno a enxergar para além da aparência e a detectar as contradições presentes em sua realidade, sendo possível construir uma visão crítica que leve em conta a realidade na totalidade.

Faz-se necessário que estas discussões cheguem aos professores de Geografia e os remetam a uma reflexão de sua prática com o objetivo de superar essa forma linear e acrítica de trabalho. Uma Geografia Escolar construída com essas bases permitirá que a educação escolar contribua efetivamente para formação de indivíduos que saibam

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se posicionarem criticamente diante de sua realidade e teçam um entendimento mais amplo de sua espacialidade. A Geografia nas séries iniciais do Ensino Fundamental

Ao trabalhar Geografia nas séries iniciais do Ensino Fundamental,

se deve ter com clareza o papel da ciência geográfica e a relevância da relação sociedade-natureza, seja com o indivíduo, com o grupo social e no geral do compromisso da sociedade em construir o espaço geográfico, assim, a paisagem e o espaço geográfico, partem daí para organizar o trabalho. No ensino de Geografia não se espera mais que o estudante memorize informações como lhe são transmitidas, mas sim, que compreenda o que faz por que faz e para que faz. Da mesma forma, o papel do professor também muda de transmissor de conhecimento, ele passa a ser um mediador, um articulador entre o conhecimento e o estudante. O conhecimento geográfico não deve e não pode ser visto como algo meramente descritivo, mas como um conhecimento que objetiva a compreensão do espaço a partir da realidade vivida, possibilitando ao estudante o desenvolvimento da capacidade de observar, conhecer, explicar, comparar e representar tanto as características do lugar em que vive como as de diferentes paisagens, neste sentido, proporcionar ao estudante a construção de aprendizagens significativas, utilizando seus conhecimentos prévios e relacionando-os aos novos conteúdos de aprendizagem, o estudante irá conseguir transferir o que aprendeu na escola para a vida.

Dominar integralmente a leitura com símbolos e signos e, assim, beneficiar-se das oportunidades oferecidas pela educação ao longo de sua vida (PERRENOUD, 1999, p:12).

Ensinar Geografia é possibilitar que o educando compreenda qual é a sua posição nas relações da sociedade com a natureza,

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conscientizando-o de que suas ações em relação à natureza têm conseqüências para ele e para e a sociedade onde vive, e para isso, é fundamental desenvolver no estudante as competências para compreender as diferentes relações existentes na construção do espaço geográfico e, assim, perceber a importância da solidariedade, da cidadania e o seu papel na transformação dessas relações.

O Estado tem investido em educação, investimento que ainda não é o necessário, mas teve uma pequena melhora com o FUNDEB8, com isso, conseqüentemente eleva-se o número de professores nas escolas, o que não significa que a qualidade desse ensino tenha melhorado ao necessário, mas para que essa melhora seja realmente efetiva, faz-se necessário à cobrança da sociedade sobre os políticos das políticas educacionais, dos educadores que se apropriem do saber ainda mais para “educar” e buscar cada vez mais conhecimento e que este seja socializado, a formação do professor são fatores determinantes para a qualidade social da educação e que este mesmo Estado, deixe às políticas neoliberais e assuma realmente o seu papel de provedor, para que tenha de seu povo, um retorno satisfatório, não apenas alguns, mas todos possam devolver ao país os frutos colhidos por uma excelente educação pública. Neste sentido, temos organizado hoje a educação básica que

compreende a educação infantil, a educação fundamental e o ensino médio, e tem duração de dezoito anos. Portanto as séries inciais do

ensino fundamental corresponde a duração de cinco anos, incluindo alunos de 6 a 10 anos.

Acredita-se que seja fundamental o início da vida escolar da criança na rede pública aos seis, assim, as prerrogativas servem para todas e não apenas para as da elite. Cabe ressaltar também que esta inserção aos seis anos deve estar bem clara para as(os)

8 Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de

Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) Fonte: MEC, 2006.

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educadoras(res), o cuidado com essas crianças nas questões pedagógicas onde o brincar, o jogo simbólico, a socialização e o processo de alfabetização, são muito importantes.

O primeiro ano do ensino fundamental de nove anos não se destina exclusivamente à alfabetização.

Mesmo sendo o primeiro ano uma possibilidade para qualificar o ensino e a aprendizagem dos conteúdos da alfabetização e do letramento, não devem ser priorizadas essas aprendizagens como se fossem a única forma de promover o desenvolvimento das crianças dessa faixa etária. É importante que o trabalho pedagógico implementado possibilite ao aluno o desenvolvimento das diversas expressões e o acesso ao conhecimento nas suas diversas áreas. A Formação dos professores das séries iniciais do Ensino Fundamental e a área de Geografia

O nível educacional da população adulta de um país é o resultado de décadas de investimento em educação, da mesma forma que o estoque de capital físico da economia é o resultado de décadas de investimento em máquinas, equipamentos e infra-estrutura. Mesmo em países como o Brasil, que tradicionalmente tem dado pouca atenção à educação, os investimentos em capital educacional são elevados. Os investimentos brutos em educação no Brasil representam algo perto de 10% da renda nacional, uma cifra elevada, mas ainda bastante inferior à taxa de investimento bruto em capital físico que gira em torno de 20% da renda nacional. Os investimentos em educação no Ensino Superior tem se dado no âmbito privado, sendo que a necessidade nacional seria de âmbito público, com mais universidades públicas Estaduais ou Federais. Infelizmente o investimento nestas não acontece por vários motivos, e um dos principais motivos é política neoliberal, que obriga o Estado a minimizar os custos em educação, saúde etc.

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As mudanças no mundo do trabalho têm intensificado a demanda por educação superior. No Brasil, o sistema de ensino superior, que foi predominantemente público até a década de 70, teve seu perfil radicalmente modificado após esse período, com a predominância progressiva das matrículas no setor privado. Na década de 70, paralelamente a um crescimento limitado do setor público, há um primeiro ciclo de expansão ocorrido no âmbito do ensino privado. Tal crescimento introduziu uma diferenciação e hierarquização entre os estabelecimentos. Às antigas universidades privadas de natureza confessional ou não-lucrativa, somaram-se, em maior número, as instituições criadas pela iniciativa empresarial. Passam a predominar pequenas instituições isoladas dedicadas exclusivamente ao ensino para atendimento da demanda e cujos padrões de qualidade eram bastante heterogêneos. Assiste-se também, a partir da década de 80, apesar da desaceleração do crescimento nesse período, à transformação de instituições isoladas em universidades, até então prerrogativa limitada às instituições públicas e algumas de natureza confessional. Esse crescimento do ensino superior e as mudanças ocasionadas pelas inúmeras políticas nacionais do ensino superior alteraram em parte a formação dos professores e em especial a formação dos professores das séries iniciais do ensino fundamental.

A necessidade da efetiva reformulação dos modelos tradicionais de formação docente, de forma continuada, tem servido como meio para se chegar a uma educação e aos seus profissionais competentes, e esta idéia cresce dia-a-dia, não só no Brasil, como em todo mundo, não apenas entre pesquisadores e acadêmicos, como também está presente na definição de políticas que afetam os sistemas de profissionalização. Assim, só podemos pensar em mudança da prática docente se reformularmos a atuação junto aos professores e, para tal, a preparação profissional inicial ou continuada, constituem grande estratégia de profissionalização do professor, desenvolvendo-lhe competências necessárias para atuar no novo cenário, posto que a maior parte das

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reformas educacionais que vêm sendo adotadas, contemplam a formação inicial dos professores, as medidas de aperfeiçoamento, os debates, a capacitação em serviço, embora somente estas medidas não sejam suficientes para atender e abranger amplamente a questão. Com o caráter reflexivo, do professor, deve-se estender a sua competência as ações de revisão sobre sua pratica, envolvendo não só trabalho criativo, autônomo, calcado, não apenas no conhecimento (métodos, conceitos e princípios), mas também nas capacidades de saber, saber fazer, saber como. Com isto, haverá um desenvolvimento da capacidade de aprender com sucesso e com os erros, no aprender com o outro, na troca de experiências, no aceitar responsabilidades, entre outras. O curso de Pedagogia é o locus da formação dos professores das séries iniciais do Ensino Fundamental e da Educação Infantil. Porém a maioria dos cursos de Pedagogia tem sua grade curricular voltada à demanda de profissionais para a área de gestão educacional, em condições de atender, com eficácia, as orientações para a Educação Básica. Todavia a maioria das grades curriculares de Pedagogia é preenchida por disciplinas de Fundamentos e uma pequena parte de disciplinas de cunho metodológico e prático. A tendência é que haja um equilíbrio maior frente às novas orientações emanadas das políticas educacionais. As novas Diretrizes do curso de Pedagogia, homologadas dia 4 de abril de 2006 pelo ministro da Educação, Fernando Haddad, visam à qualidade do ensino básico em todo o país. A partir do próximo semestre letivo, todo curso de Pedagogia deverá formar professores para o magistério, na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, além preparar para matérias pedagógicas nos cursos de Ensino Médio, na modalidade normal, e nos cursos da Educação Profissional, e isto irá mudar no quadro o ensino das Metodologias, sendo que o a Metodologia de Geografia será mais enfatizada do que antes o que irá ajudar o educador a lidar com alguns temas da Geografia que até então não se aprendia no curso de Pedagogia.

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Temos a abertura para novas disciplinas voltadas para conteúdos metodológicos cuja função primordial é auxiliar diretamente a formação dos professores das séries iniciais do Ensino Fundamental no que se refere ao conhecimento geográfico para esse período educacional. Considerações Finais

A Geografia escolar no final do século XX e início do XXI visualiza novas abordagens geográficas, trazidas pelo mundo da educação, por meio de políticas inovadoras. Porém essas novas abordagens trazem novos desafios para a formação dos professores de geografia e também os professores que vão trabalhar com a área de geografia nas séries iniciais do ensino fundamental.

Destacamos a importância da reflexão sobre a problemática vivenciada pelo ensino de Geografia na relação teoria e método, contribuindo para a sua superação e para o aprimoramento do papel desta disciplina no processo de formação do indivíduo desde as séries iniciais do ensino fundamental até a finalização do ensino médio. Portanto esse posicionamento é fundamental para professores que vão lidar com o conhecimento geográfico, seja eles professores de Geografia ou professores das séries iniciais.

No início do século XXI as grades curriculares dos cursos de graduação em Pedagogia, têm sofrido inúmeras modificações. Uma dessas modificações é à entrada de disciplinas específicas de Metodologia de Geografia, que auxiliam diretamente aos profissionais das séries iniciais do Ensino Fundamental a lidar com o conhecimento geográfico.

A questão inicial sobre quem ensina Geografia nas séries iniciais do ensino fundamental; pode ser respondida da seguinte maneira: Na atualidade a área de Geografia nesse período educacional é ensinada por professores ainda com pouca familiaridade com o conhecimento geográfico, com dificuldades em fazer a relação necessária entre teoria e prática. Sendo necessário um número maior de trabalhos acadêmicos

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que tenham a preocupação de como a Geografia vem sendo explorada nessas séries e como poderiam ser explorada. Esses trabalhos não deveriam fincar-se apenas nas possibilidades metodológicas da participação do conhecimento geográfico nessa fase de ensino-aprendizagem e sim explorar o contexto político da necessidade de se ensinar o conhecimento geográfico neste período educacional. Esse referencial auxiliaria diretamente os professores das disciplinas de Metodologia e Prática de Ensino de Geografia nas séries iniciais do Ensino Fundamental.

SANTOS, Clézio. To school geography in the formation teachers in first years of basic schooling. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.6, n.2, 2010, p.

ABSTRACT: Geography while area of the knowledge this gift in the first years of basic schooling declared after the LDB of 1996. Previously it was together to the called contents of social studies. The text looks for to answer the question: Who teaches geography in the first years of basic schooling. To answer such question in we report them to one brief history of disciplines pertaining to school geography to point out the professor initially of disciplines pertaining to school geography later to point the teacher of the first years of basic schooling that works with the geography area. In this passage we detach the necessary relation between practical and theory. KEYWORDS: teaching of geography, teachers, basic education.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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VIEIRA, N. R. A educação escolar e o conhecimento geográfico: para um ensino de geografia além da realidade imediata do aluno. In <http://www2.prudente.unesp.br/dgeo/nera/Produ%C3%A7%C3%A3o%20NERA/Prod%5B1%5D.%20NOemia%204.pdf> Acesso em 05 de fevereiro de 2007.

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PRÁXIS EDUCATIVA E LIBERTAÇÃO DO SER HUMANO: AS CEBs COMO MOVIMENTO SOCIAL

Claudemiro Godoy do NASCIMENTO* RESUMO: Pretende-se com este artigo refletir as CEBs como movimento social inserido num dado momento histórico da realidade brasileira (1968-1992). Além disso, apresentar determinadas práxis educativas de libertação do ser humano promovidas pelas CEBs ao longo desses anos. Sabe-se que as CEBs foram protagonistas em suas ações ao realizar articulações formativas de agentes de pastoral, religiosos ou leigos, e que passaram a exercer um papel fundamental na sociedade, como intelectuais orgânicos de uma proposta transformadora. Por fim, faz-se necessário dizer que a reflexão realizada se encontra ainda em fase de construção, pois compreendemos que os estudos até o momento realizados são introdutórios e preliminares. PALAVRAS-CHAVE: CEBs, movimentos sociais, educação, práxis, libertação, teologia. Introdução As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) constituíram-se na história brasileira como um amplo movimento social a partir do final da década de 60 e início da década de 70 até fins dos anos 80, entrando em

* Filósofo e Teólogo. Mestre em Educação (UNICAMP). Doutor em Educação (UnB). Professor Adjunto I da Universidade Federal do Tocantins – UFT/Campus de Arraias e do Programa de Pós-Graduação (Mestrado) em Desenvolvimento Regional – UFT/Campus de Palmas. Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação do Campo (GEPEC) na UFT. E-mail: [email protected]

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refluxo a partir dos anos 90 devido o avanço de tendências neoconservadoras ligadas a movimentos pentecostalistas como a Renovação Carismática Católica, Opus Dei, Comunhão e Libertação, entre outros (COMBLIN, 1996). Como movimento social, as CEBs foram interpeladas a assumir um papel de iracúndia na sociedade brasileira que sofria com as mazelas do Regime Militar, bem como com o mito do desenvolvimento e do progresso. De certa forma, as CEBs tornaram-se uma resposta de uma Igreja popular que surgia diante de uma Igreja Oficial e hierárquica omissa. “Uma Igreja dos pobres” foi como ficou conhecido este movimento que, sem dúvida, provocou situações de conflito dentro da sociedade e no interior da própria Igreja Institucional. A organização em pequenas comunidades promoveu a “irrupção dos pobres” que tinham, em suas comunidades, espaços de formação e de conscientização popular. Uma conscientização não isolada e individual, muito menos, uma conscientização de transmissão de um sujeito que sabe para outro que não sabe, mas, uma conscientização em comunhão como bem afirmava Paulo Freire (1987) em sua Pedagogia do Oprimido. Assim, com o surgimento das CEBs e sua irrupção dos pobres dois problemas poderiam ser resolvidos, naquele momento histórico específico, a saber: a transformação da sociedade e a transformação da Igreja. Nas periferias das cidades às comunidades rurais, das lutas pela moradia e por creches nas grandes cidades ao processo de luta pela terra promovida pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) junto às comunidades cristãs da roça, da busca incondicional pelos direitos humanos dentro do Regime Militar aos processos de formação dos agentes de pastorais, em nosso entender, constituíram-se como espaços de formação de uma nova cultura política alicerçadas na lógica da resistência e da luta social. Lutas sociais de resistência que possibilitaram o direito aos excluídos em interpretar o mundo. De Norte a Sul, nasceram CEBs que buscavam unir fé e ação numa única relação que consideramos dialética. A fé dos peões, dos

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bóias-frias, dos sem-teto, dos sem-terra, dos operários, dos seringueiros, dos desempregados, dos moradores de rua, dos presos, dos analfabetos, dos ribeirinhos, dos pescadores, dos favelados, dos acampados, dos ameaçados de morte, entre outros. Uma fé que se unia a uma ação política, comprometida e utópica que pretendia transformar a sociedade capitalista desumana em uma nova sociedade humanizada, emancipada e liberta de todas as correntes da escravidão promovida pela lógica racionalista do capital que mantinha “os pobres cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos”. Daí compreendermos também que as CEBs foram um movimento organizado da sociedade civil no interior da Igreja que proporcionou o surgimento de novas lideranças sociais, de novos intelectuais orgânicos e de novos atores políticos que, pela formação em comunhão, pôde-se criar um novo conceito de cultura política. Houve uma substituição do velho conceito de cultura política despótica, coronelista, caciquista, oligárquica (TOURAINE, 1989) por uma nova cultura política de participação popular e com uma dimensão cidadã diferente do cidadão liberal-burguês defendido amplamente pelo capitalismo. Neste sentido, afirma Freire acerca da cidadania:

Não dá pra dizer que a educação crie a cidadania de quem quer que seja. Mas sem a educação é difícil construir a cidadania. A cidadania se cria como uma presença ativa, crítica, decidida, de todos nós com relação à coisa pública. Isso é dificílimo, mas é possível. A educação não é a chave para a transformação, mas é indispensável. A educação

sozinha não faz, mas sem ela também não é feita a cidadania (1995, p.74).

Gohn explica bem o papel desses novos atores orgânicos que, nas CEBs, foram muito comuns nas décadas de 70 e 80, a saber;

[...] resgatar sua cultura, porque ela é também força sociopolítica, mas esta tarefa deve ser feita por um agente mediador, diferente do

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intelectual orgânico tradicional, oriundo das vanguardas dos partidos políticos de esquerda, que levaria uma “verdade esclarecida”. O novo intelectual, assessor/mediador deveria ouvir o povo e sistematizar seu

conhecimento. Ele deveria educar a sensibilidade desse povo (1999, p.43).

Dessa forma, queremos refletir sobre as CEBs a partir de três ângulos principais, a saber: as CEBs como movimento social, suas bases epistemológicas na Teologia da Libertação e sobre as práxis educativas das CEBs a partir de dois eixos: os encontros intereclesiais e as Campanhas da Fraternidade realizadas durante o período histórico proposto para esta reflexão. As CEBs como movimento social

As Comunidades Eclesiais de Base podem ser definidas como uma reunião de pessoas ao redor da mesma fé. Contudo, numa perspectiva sócio-política as CEBs podem ser definidas como um grupo de pessoas que se reuniam (ou em alguns lugares se reúnem ainda) para refletir os problemas da comunidade à luz de fé e de uma hermenêutica libertadora que fazem da Bíblia. Talvez esteja generalizando, mas, em nossa compreensão, as CEBs foram um dos poucos movimentos que utilizaram a Bíblia como instrumento de libertação e emancipação do ser humano, ao contrário do que historicamente foi realizado, ou seja, utilização da Bíblia como instrumento de coerção, inculcação, domesticação e escravidão.

Frei Betto (1981) relata que as CEBs não são homogêneas, ao contrário, são heterogêneas devido a grande diversidade cultural onde estão inseridas.

No século XX, os movimentos sociais ganharam visibilidade no cenário mundial e nas sociedades enquanto fenômenos históricos concretos, ou seja, “os movimentos sociais são fenômenos históricos decorrentes de lutas sociais” (GOHN, 2000, p.19-20). Por isso, a categoria movimento social foi objeto de debate em diversas áreas do

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conhecimento como sociologia, educação, antropologia e a política o que permitiu várias linhas de conceituação sobre o assunto. Além disso, Gohn (2000, p.62) revela que os “movimentos sociais são, em larga escala, esforços coletivos em busca de mudanças ou para resistir a elas. Eles alteram a vida das pessoas”.

Coincidentemente, as CEBs se tornaram nas décadas de 70 e 80 do século passado, fenômenos históricos de compromisso com as lutas sociais focalizadas em cada região da América Latina. Um movimento social que nasce dentro da Igreja que se transformava diante da abertura promovida pelo Concílio Vaticano II e pela secularização. Os esforços das CEBs foram para realizar mudanças na vida das pessoas, no cotidiano das comunidades que estavam sob a égide de uma profunda barbárie provocada pelas inúmeras formas de desigualdade social. Daí concordarmos com Gohn (2000, p.63) quando afirma que os “movimentos sociais não surgem como resultado de acontecimentos abruptos ou dramáticos, mas devido ao aumento de experiências tidas como injustas e desiguais”.

Assim, podemos entender as CEBs como movimento social na perspectiva de que suas ações permitiram, no recorte histórico específico (1968-1992), promover seres humanos inseridos na realidade de marginalização à “sujeitos da história, atores, agentes dinâmicos, produtores de reivindicações e demandas, e não como simples representantes de papéis atribuídos de antemão pelo lugar que ocupariam no sistema de produção” (GOHN, 2000, p.143).

Segundo a cientista política Maria da Glória Gohn ao analisar as características e especificidades dos movimentos latino-americanos destaca o importante papel dos movimentos populares ligados à Igreja, em nossa concepção, ligados às Comunidades Eclesiais de Base.

Os movimentos populares que se destacaram e se tornaram conhecidos internacionalmente foram os que estavam sob o manto protetor da Igreja católica em sua ala progressista, da Teologia da Libertação, conforme já assinalado e de amplo conhecimento público. A religião é de modo geral um valor muito importante na vida do

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homem pobre latino-americano. O passado colonial moldou uma cultura em que religião é sinônimo de esperança. As camadas populares sempre buscam a religião: a católica, as de origem africana ou as modernas seitas contemporâneas. A Igreja católica sempre teve uma presença marcante na América Latina, dentro da correlação das forças sociopolíticas existentes (GOHN, 2000, p.229-230).

Mas, como poderíamos definir movimentos sociais para que possamos entender as CEBs enquanto tal? A partir da visão de Gohn (2000), mesmo com a possibilidade de equívocos, sentimos que as definições dadas por Touraine (1965, 1973, 1989 e 1994) contemplam nossas intencionalidades.

Movimentos sociais são ações sociopolíticas construídas por atores sociais coletivos pertencentes a diferentes classes e camadas sociais, articuladas em certos cenários da conjuntura socioeconômica e política de um país, criando um campo político de força social na sociedade civil. As ações se estruturam a partir de repertórios criados sobre temas e problemas em conflitos, litígios e disputas vivenciados pelo grupo na sociedade. As ações desenvolvem um processo social e político-cultural que cria uma identidade coletiva para o movimento, a partir dos interesses em comum. Esta identidade é amalgamada pela força do princípio da solidariedade e construída a partir da base referencial de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupo, em espaços coletivos não-institucionalizados. Os movimentos geram uma série de inovações nas esferas pública (estatal e não-estatal) e privada; participam direta ou indiretamente da luta política de um país, e contribuem para o desenvolvimento e a transformação da sociedade civil e política. Estas contribuições são observadas quando se realizam análises de períodos de média ou longa duração histórica, nos quais se observam os ciclos de protestos delineados. Os movimentos participam portanto da mudança social histórica de um país e o caráter das transformações geradas poderá ser tanto progressista como conservador ou reacionário, dependendo das forças sociopolíticas a que estão articulados, em suas densas redes; e dos projetos políticos que constroem com suas ações. Eles têm como base de suporte

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entidades e organizações da sociedade civil e política, com agendas de atuação construídas ao redor de demandas socioeconômicas ou político-culturais que abrangem as problemáticas conflituosas da sociedade onde atuam. (GOHN, 2000, p.251-252).

Dessa forma, compreendemos as CEBs (Comunidades

Eclesiais de Base) como um movimento social fortemente presente e atuante em outros movimentos sociais e populares da sociedade civil, bem como presente e atuante nos sindicatos, nos partidos políticos e nas ONGs. Suas ações, sem dúvida, foram sócio-políticas determinadas por um conjunto de atores coletivos inseridos em vários eixos de ação-participação da sociedade brasileira e latino-americana. Bases Epistemológicas das CEBs

A teologia da libertação enquanto fonte epistemológica das CEBs interrogava: Como tornar-se cristão num mundo repleto de miseráveis e injustiçados? Trata-se de uma chave para se compreender a teologia da libertação e seu referencial teórico, os quais se destacam: Assman (1973), Boff (1975), Galilea (1977), Gutiérrez (1971), Richard (1984) e Segundo (1975).

Daí a urgência necessidade da com-paixão – compaixão – com os pobres a paixão - origem do ato de libertação, para com as pessoas que se encontram presentes e inseridas em realidades escandalosas espalhadas pelo mundo todo, principalmente, na África, Ásia e América Latina. Por isso, a práxis educativa das CEBs se enche de iracúndia, aquilo que Freire (2000) chama apaixonadamente de pedagogia da indignação diante de infernos sociais e humanos causados pelo racionalismo do capital e pelo endeusamento à lógica do mercado.

Assim, não se pode negar que teologia da libertação e pedagogia da indignação encontrava-se dialeticamente intrínsecas e presentes nas ações das CEBs nos anos 70 e 80 do século XX. Segundo Boff e Boff (2001: p. 14) “por detrás da Teologia da Libertação existe a opção profética e solidária com a vida, a causa e as lutas destes milhões

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de humilhados e ofendidos em vista da superação desta iniqüidade histórico-social”. Trata-se da fé que se encontrava com as injustiças feitas aos pobres. Mas quem eram os pobres na visão de Boff e Boff (2001, p.15):

[...] são os operários explorados dentro do sistema capitalista; são os subempregados, os marginalizados do sistema produtivo – exército de reserva sempre à mão para substituir os empregados – são os peões e posseiros do campo, os bóias-frias como mão-de-obra sazonal. Todo este bloco social e histórico dos oprimidos constitui o pobre como fenômeno social.

Com isso, a urgência da libertação urge na história daqueles

que se encontram expostos a uma realidade de exclusão. Libertação significa literalmente ação que liberta que deve superar os riscos de entrarmos em duas atitudes perigosas, a saber: o assistencialismo e o reformismo, situações comuns quando se quer fazer “remendos” com as pessoas que se encontram nos porões da vida.

No assistencialismo há comoções em relação ao quadro de miserabilidade coletiva, daí que, procuram-se ajudar os carentes, os despossuídos. Essa ajuda torna o pobre em objeto de caridade o que determina a não-libertação da pessoa enquanto sujeito da história. Segundo Boff e Boff (2001, p.17) “o assistencialismo gera sempre dependência dos pobres, atrelados às ajudas e decisões dos outros, não podendo ser sujeitos de sua própria libertação”.

No reformismo, amplia-se a manutenção das relações sociais e da estrutura da sociedade capitalista. Aparentemente, as reformas apresentam processos de desenvolvimento social e econômico, mas, por detrás das aparências, o desenvolvimento é realizado à custa dos pobres, dos excluídos da sociedade. Trata-se de um desenvolvimento elitista, explorador e excludente que necessita manter tais equações para legitimar e perpetuar o bem-estar das classes dominantes.

Para a teologia da libertação se faz necessário a promoção de um Estado de libertação da pessoa humana e da própria sociedade.

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Na libertação, os oprimidos se unem, entram num processo de conscientização, descobrem as causas de sua opressão, organizam seus movimentos e agem de forma desarticulada. Inicialmente reivindicam tudo o que o sistema imperante pode dar (melhores salários, condições de trabalho, saúde, educação, moradia etc.; em seguida, agem visando uma transformação da sociedade atual na direção de uma sociedade nova marcada pela participação ampla, por relações sociais mais equilibradas e justas e por formas de vida mais dignas. (BOFF e BOFF, 2001, p.18).

Percebemos que os autores acima destacam determinadas

categorias possuídas de práxis pedagógica, a saber: união, processo de conscientização, descobertas, organização e ação. Contudo, para que a práxis pedagógica da teologia da libertação entrasse em vigor tornava-se necessário e conclamava-se a “emergência de uma nova consciência libertária” que tivesse como finalidade “libertar a liberdade cativa”.

[...] emerge a libertação como estratégia dos próprios pobres que confiam em si mesmos e em seus instrumentos de luta com os sindicatos independentes, organizações camponesas, associações de bairros, grupos de ação e reflexão, partidos populares, comunidades eclesiais de base. A eles se associam grupos e pessoas de outras classes sociais que optaram pela mudança da sociedade e se incorporam em suas lutas. (BOFF e BOFF, 2001, p.19).

Com a teologia da libertação a religião deixava de ser ópio do

povo e passava a ser caracterizada como projeto de emancipação das pessoas que visava fazer do não-homem um homem pleno, um novo homem, conseqüentemente, daí surgiria uma nova humanidade.

Enquanto epistemologia das CEBs, a teologia da libertação apresenta um método a partir de três momentos assim determinados historicamente, a saber: ver, julgar e agir. O método ver-julgar-agir apresenta três medições que permeiam o processo de laboração da teologia da libertação: mediação sócio-analítica, mediação hermenêutica

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e mediação prática. A mediação sócio-analítica do método da teologia da libertação é a que mais nos interessa nesta reflexão, pois procurar entender o fenômeno da opressão a partir de três respostas possíveis: a empirista, a funcionalista e a dialética.

MÉTODO DO “VER-JULGAR-AGIR”

FONTE: IRIARTE (1992: p.31).

A explicação empirista vê a pobreza e a miséria como vício com causas na indolência, na ignorância ou na maldade humana. Trata-se de uma concepção vulgar de miséria social muito utilizada pelas ações assistencialistas, pois a pobreza não é atacada pelo fato do pobre ser visto como “coitado”.

A explicação funcionalista percebe a pobreza como atraso econômico e social onde a saída são as reformas promovidas pelo Estado e seus governos. Por um lado, os funcionalistas reconhecem a pobreza como fenômeno coletivo, mas, por outro lado, negam a existência de conflititividade nas ações que buscam sua superação.

Por fim, a explicação dialética que vê na pobreza um fenômeno coletivo e conflitivo presente na sociedade de classes e exige sua

ILUMINAÇÃO E REFLEXÃO

Compreensão e discernimentos

JULGAR

Para diagnosticar melhor a realidade ORGANIZAÇÃO E AÇÃO

Comprometer-se

Para transformar a realidade

INFORMAÇÃO E VISÃO

Experiências e Conhecimentos

ANALISAR

Para conhecer melhor a realidade

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superação para que se crie a alternativa possível. A superação se dá pela revolução ou transformação da sociedade e não por reformas e, muito menos, por práticas de caridade de cunho assistencialistas. Daí que o pobre surge como sujeito para superar sua própria pobreza econômica e social. Contudo, não podemos delimitar o conceito de pobreza do pobre somente ao âmbito social e econômico. O conceito de pobreza é muito maior do que a sociedade e a economia para a teologia da libertação.

Há que se entender que a teologia da libertação tornou-se a bandeira para uma nova sociedade. Não mais bandeira de pura con-testação e, muito menos, de con-servação, mas, de construção que permitisse uma “sociedade alternativa ao capitalismo e alternativa ao socialismo – sociedade mais plena e mais humana, sociedade livre e libertada numa palavra, sociedade de libertos” (BOFF e BOFF, 2001: p. 149).

Para compreendermos o que foi a CEBs nos anos 70 e 80 do século passado, pretendemos dizer, a priori, o que não se caracteriza como sendo CEBs. Para isso, contamos com a discussão que Iriarte (1992) realiza acerca do que não é CEBs. O autor relata que as CEBs não se tratam de um grupo de oração, de uma irmandade ou de uma associação religiosa. Além disso, as CEBs não podem ser fragmentadas como sendo um grupo de estudos, de reflexão e de discussão, muito menos, um grupo somente de base e um grupo de protesto que se isola do restante da sociedade.

Por isso, nesta reflexão pretendemos perceber as CEBs para além de um novo jeito de ser Igreja. Mas reconhecer que as CEBs foram dentro da estrutura da sociedade latino-americana e, principalmente, brasileira um movimento social em ação, ou seja, um meio para se atingir a libertação. Daí que, as CEBs ao produzirem espaços de ação libertadora e emancipadora do ser humano, produziram, também, práxis educativas que formaram e informaram as pessoas que, em comunhão, passaram a lutar por dignidade e justiça social.

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CEBs e práxis educativa: a libertação do ser humano Nesta terceira parte queremos apresentar as CEBs que fomentou práxis educativas na sociedade brasileira, tendo em vista a libertação integral do ser humano. Dois espaços de práxis educativa se constituíram ao longo da história das CEBs no período que nos propomos a refletir, ou seja, de 1968 a 1992, a saber: os Encontros Intereclesiais de CEBs e as Campanhas da Fraternidade que, embora institucionalizadas pela Igreja Oficial, são realmente refletidas nas pequenas comunidades já que os movimentos conservadores da Igreja Católica nunca viram com bons olhos a aproximação da instituição com temáticas sociais que questionam o status quo do liberalismo burguês. Os intereclesiais de CEBs: espaços de práxis educativa Apresentamos abaixo um quadro demonstrativo dos 11 Encontros Intereclesiais de CEBs realizados até os dias atuais, a saber:

INTERECLESIAIS DE CEBs Encontro Tema Local Número de

Participantes Ano

1º Intereclesial

Uma Igreja que nasce do povo pelo Espírito de

Deus

Vitória – ES 80 1975

2º Intereclesial

Igreja, Povo que caminha

Vitória – ES 100 1976

3º Intereclesial

Igreja, povo que se liberta

João Pessoa –

PB

150 1978

4º Intereclesial

Igreja, povo oprimido que se organiza para a

libertação

Itaici – SP 300 1981

5º CEBs, povo Canindé – 489 1983

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Intereclesial unido, semente de uma nova

sociedade

CE

6º Intereclesial

CEBs, povo de Deus em busca

da terra prometida

Trindade – GO

1.647 1986

7º Intereclesial

Povo de Deus na América

Latina a caminho da libertação

Duque de Caxias – RJ

2.550 1989

8º Intereclesial

Povo de Deus renascendo das

culturas oprimidas

Santa Maria – RS

2.432 1992

9º Intereclesial

Cebs, vida esperança nas

massas

São Luís – MA

2.798 1997

10º Intereclesial

Cebs, povo de Deus, 2000

anos de caminhada

Ilhéus – BA 3.063 2000

11º Intereclesial

Cebs, espiritualidade

libertadora

Ipatinga – MG

3.806 2005

12º Intereclesial

CEBs: Ecologia e Missão

Porto Velho – RO

- 2009

Fonte: CNBB (2008).

Conforme podemos observar, os temas dos encontros intereclesiais das CEBs são provocativos. Provoca-se, de um lado, a sociedade brasileira a pensar uma nova práxis de libertação do ser humano e, de outro lado, a própria Igreja com seus muros conservadores que se destina a viver no mofo e nas teias de aranha.

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Com a realização dos encontros intereclesiais, as CEBs passaram a ter uma grande visibilidade nacional conforme é destacado na citação abaixo:

Do Amazonas ao Rio Grande do Sul vêm sendo criadas as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base). De uma região para outra elas variam muito em suas fórmulas, aspectos, condições. Mas todas estruturam-se dentro de um mesmo princípio filosófico: inspiradas no Concílio Vaticano II, defendem a libertação do homem por seu próprio esforço. Acusadas de comunistas ou subversivas, as Comunidades de Base têm como uma de suas principais funções o desenvolvimento da consciência política – apartidária e não ideológica – e o despertar do povo para os seus direitos. Com isso desencadeiam um processo de reflexão crítica sobre a realidade dos problemas locais e as causas dessas realidades (Jornal do Brasil, 14 de maio de 1978, citado por PERANI, 1978, p.36).

Os encontros intereclesiais foram (ou ainda são?) uma tentativa

de articular as experiências das comunidades do Brasil em momentos comuns, de partilha, de celebração da vida, de análises da conjuntura política, econômica e social. Os intereclesiais foram um forte momento de animar e fortalecer as comunidades na caminhada, na continuidade de suas lutas sociais e na comunhão de ações que integram o bojo das esperanças e utopias de uma nova sociedade, mais justa e solidária. Os delegados dos Intereclesiais tinham o compromisso de levar as discussões realizadas durante o encontro para suas comunidades de origem e ali “inculturar” pedagogicamente o refletido na realidade social e nas lutas promovidas no cotidiano.

O papel dos assessores/mediadores é imprescíndivel nos encontros intereclesiais, já que são eles que dão a tonalidade da caminhada e da animação de todos os participantes. Por isso, os intereclesiais se tornaram espaços de formação popular, de educação não-formal, intencional, de formação para uma outra cidadania que rompesse com as velhas praticas de cidadania liberal-burguesa. Dessa

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forma, defendemos a idéia histórica de que a partir de 1968 com a realização da Conferência Episcopal de Medellín até 1992 com a realização da Conferência Episcopal de Santo Domingo, as CEBs tiveram espaços de acolhida em determinados setores da Igreja-Instituição. Após 1992, as CEBs entraram em refluxo dentro da Igreja e da própria sociedade. Os motivos desse refluxo ainda são incertos, mas apontamos duas hipóteses que no futuro pretendemos observar, a saber: o avanço do pentecostalismo e do neo-pentecostalismo, dentro e fora da Igreja Católica e, também, o fluxo de setores conservadores da Igreja junto à hierarquia da Igreja como a Opus Dei que vê as CEBs como um braço direito do marxismo que penetrou na Igreja-Instituição. Evidentemente que os encontros intereclesiais passaram a ser vistos como encontros de marxistas, de subversivos e de socialistas travestidos de padres. O clima sempre foi tenso e piorou quando as CEBs, por exemplo, por meio do compositor Zé Vicente de Cratéus – Ceará, compôs o canto popular que, em sua letra, traz elementos do sentido e da luta social das comunidades, a saber: “Pai-Nosso dos Mártires”. Comparar Deus com os pobres era demais para os conservadores e para as elites católicas liberais-burguesas.

Pai Nosso, dos pobres marginalizados! Pai Nosso, dos mártires, dos torturados! Teu nome é santificado naqueles que morrem defendendo a vida. Teu nome é glorificado quando a justiça é a nossa medida. Teu reino é de liberdade, de fraternidade, paz e comunhão. Maldita toda violência que devora a vida pela opressão. Ô, ô, ô, ô ... Queremos fazer tua vontade, és o verdadeiro Deus Libertador. Não vamos seguir as doutrinas corrompidas pelo poder opressor. Pedimos-te o pão da vida, o pão da segurança, o pão das multidões, O pão que traz humanidade, que constrói o homem em vez de canhões. Ô, ô, ô, ô ... Perdoa-nos quando por medo, ficamos calados diante da morte. Perdoa, e destrói o reino, em que a corrupção é a lei mais forte. Protege-se nos da crueldade, do esquadrão da morte, dos prevalecidos. (ZÉ VICENTE).

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Campanhas da Fraternidade: o compromisso de “educar” toda sociedade

O surgimento da Campanha da Fraternidade (CF) aconteceu a partir de uma campanha local criada em Natal – RN no ano de 1961 com o objetivo de arrecadar fundos para a Cáritas Brasileira. A partir de 1962, a campanha recebeu novas adesões diocesanas e, com isso, foi crescendo a cada ano. A partir de 1964, a CNBB adota a CF como instrumento das Diretrizes Gerais da Ação Pastoral. Precisa ser destacado que o momento histórico era propício. O Concílio Vaticano II encontrava-se em plena atividade o que daria novos rumos para a Igreja Católica no mundo. Um novo sentido que buscaria fazer da Igreja descer do pedestal medieval e inserir-se num novo tempo, de compromisso com os pobres e de co-responsabilidade pela transformação do mundo, das sociedades humanas e das pessoas, escravizados pelo sistema capitalista e pelas experiências mal-sucedidas do socialismo. No Brasil, a CF tornou-se um processo, um instrumental, uma referência de análise da realidade brasileira. Podemos definir como objetivos permanentes da CF como sendo:

[...] despertar o espírito comunitário e cristão no povo de Deus, comprometendo, particularmente, os cristãos na busca do bem comum; educar para a vida em fraternidade, a partir da justiça e do amor, exigência central do Evangelho; renovar a consciência da responsabilidade de todos pela ação da Igreja na Evangelização, na promoção humana, em vista de uma sociedade justa e solidária (todos devem evangelizar e todos devem sustentar a ação evangelizadora e libertadora da Igreja). (CNBB, 1998: p.21).

A Campanha da Fraternidade (CF) é uma campanha de reflexão

realizada anualmente pelas comunidades, principalmente por aquelas que, direta ou indiretamente, são ligadas pelas CEBs. Evidentemente

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que trata-se de uma campanha promovida pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), logo, é uma atividade institucional da Igreja Católica. Contudo, nem todos os grupos ligados à Igreja adotam a CF como proposição já que discordam dos eixos temáticos. A CF é refletida com mais regularidade nas CEBs, hoje, com uma menor ênfase do que nos anos de 1968 a 1992. O principal objetivo das campanhas da fraternidade é o despertar da sociedade para questões que afetam a vida de alguma forma. Trata-se de reflexões concretas da realidade brasileira com estudos cientificamernte elaborados sobre a questão abordada. Abaixo, apresentamos a tabela que demonstra o caminho das Campanhas da Fraternidade realizadas, suas fases, períodos, anos, temas e lemas.

Campanhas da Fraternidade realizadas e a realizar FASES Períodos Ano Tema Lema

1ª Fase: Renovação Interna da

Igreja

Renovação

da Igreja

1964 Igreja em Renovação

Lembre-se você também é Igreja

1965 Paróquia em Renovação

Faça de sua paróquia uma

comunidade de fé, culto e amor

Renovação do Cristão

1966 Fraternidade Somos responsáveis

uns pelos outros

1967 Co-responsabilid

ade

Somos todos iguais, somos todos irmãos

1968 Doação Crer com as mãos

1969 Descoberta Para o outro, o próximo é você

1970 Participação Participar

1971 Reconciliação Reconciliar

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1972 Serviço e Vocação

Descubra a felicidade de

servir

2ª Fase: A Igreja

preocupa-se com a

realidade social do povo

Denúncia do pecado social e promoção da justiça

1973 Fraternidade e Libertação

O egoísmo escraviza, o amor liberta

1974 Reconstruir a vida

Onde está teu irmão?

1975 Fraternidade é Repartir

Repartir o Pão

1976 Fraternidade e

Comunidade

Caminhar juntos

1977 Fraternidade na Família

Comece em sua casa

1978 Fraternidade no Mundo do

Trabalho

Trabalho e justiça para

todos

1979 Por um mundo mais

humano

Preserve o que é de todos

1980 Fraternidade no mundo

das migrações:

exigência da Eucaristia

Para onde vais?

1981 Saúde e Fraternidade

Saúde para todos

1982 Educação e Fraternidade

A verdade vos libertará

1983 Fraternidade e Violência

Fraternidade Sim, Violência

Não

1984 Fraternidade e Vida

Para que todos tenham Vida

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1985 Fraternidade e Fome

Pão para quem tem fome

1986 Fraternidade e Terra

Terra de Deus, Terra de Irmãos

1987 A Fraternidade

e o Menor

Quem acolhe o menor, a mim

acolhe

1988 A Fraternidade

e o Negro

Ouvi o clamor deste povo

3ª Fase: A Igreja volta-se para situações existenciais do povo brasileiro

Temas sociais,

políticos, econômicos e

culturais

1989 A Fraternidade

e a Comunicação

Comunicação para a verdade

e a paz

1990 A Fraternidade e a Mulher

Mulher e homem:

imagem de Deus

1991 A Fraternidade e o Mundo do

Trabalho

Solidários na dignidade do

trabalho

1992 Fraternidade e Juventude

Juventude: caminho aberto

1993 Fraternidade e Moradia

Onde moras?

1994 A Fraternidade e a Família

A família, como vai?

1995 A Fraternidade

e os excluídos

Eras tu, Senhor?

1996 A Fraternidade e a Política

Justiça e Paz se abraçarão

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1997 A Fraternidade

e os encarcerados

Cristo liberta de todas as prisões

1998 Fraternidade e Educação

A serviço da vida e da

esperança

1999 Fraternidade e os

desempregados

Sem trabalho... Por quê?

2000 Dignidade Humana e

Paz

Novo Milênio sem Exclusões

2001 Fraternidade e Drogas

Vida Sim, Drogas Não

2002 Fraternidade e Povos

Indígenas

Por uma terra sem males

2003 Fraternidade e as Pessoas

Idosas

Dignidade, Vida e Esperança

2004 Fraternidade e Água

Água: Fonte de vida

2005 Solidariedade e Paz

Felizes os que promovem a

paz

2006 Fraternidade e Pessoas

com deficiência

Levanta-te, vem para o meio!

2007 Fraternidade e Amazônia

Vida e Missão neste chão

2008 Fraternidade e Defesa da

Vida

Escolhe, pois, a vida

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2009 Fraternidade e Segurança

Pública

A paz é fruto da justiça

FONTE: CNBB (2008).

Sem a intencionalidade epistemológica de analisar os temas da CF, queremos destacar que nas CEBs, tais temas eram refletidos com metodologias estratégias de inserir as reflexões nas ações das pessoas e da luta social. De 1968 a 1992, alguns temas chamam a atenção pela sua história e por seus efeitos nas CEBs do Brasil, entre as quais destacamos três:

Participar (1970) onde se refletiu a importância do agente cristão participar das discussões políticas, econômicas, culturais, eclesiais e sociais, já que a participação é o ponto chave para se ter a luta social.

Fraternidade é Repartir (1975) que apontou os males da sociedade do consumo, do individualismo, do egoísmo narcisista e social. Esta campanha possibilitou com que muitas comunidades pudessem ser co-responsáveis por outras. Repartir significa também assumir, em comunhão, os compromissos de luta contra as injustiças e contra as causas que leva a termos uma sociedade desigual.

Fraternidade e Terra (1996) geraram um grande debate na sociedade brasileira acerca da reforma agrária. Estávamos no momento histórico onde a UDR e as forças reacionárias do campo buscavam se organizar para derrotar as lutas implementadas pelos movimentos sociais do campo como o MST e a CPT. A Igreja e a questão da terra são palcos de reflexões e debates, pois com a CF, as comunidades puderam compreender da importância de se repartir a terra que é de todos e não dos latifundiários.

Acreditamos que as Campanhas da Fraternidade puderam realizar uma real práxis educativa, subjetiva e coletiva, nas várias CEBs espalhadas pelo Brasil, principalmente, dos anos de 1968 a 1992, que consideramos o auge das experiências das CEBs no Brasil. Práxis educativas que possibilitaram a luta social na comunidade, na família, no trabalho, nos migrantes, nos sem-terras, nos negros, na mulher, na

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comunicação, nos sem-comida, nos desempregados, enfim, em todas as situações existenciais de risco. Considerações finais Não se pretende concluir a reflexão. Consideramos que seria um dogma racionalista tentar concluir algo acerca das CEBs e das experiências educativas apontadas nesta reflexão. No entanto, faz-se necessário destacar que as CEBs tiveram um papel fundamental na sociedade brasileira. Foram, sem dúvida, celeiro de formação de novas lideranças, novos atores e sujeitos políticos que surgiram com uma postura ético-cristã dentro da sociedade e no mundo. Concordamos com Dom Pedro Casaldáliga, hoje bispo emérito de São Félix do Araguaia/MT, que aponta os desafios das CEBs para este século XXI, a saber:

- O século XXI ou será místico ou não será humano. Por que a mística é esse sentido profundo da vida, essa abertura ao horizonte de Deus, em busca da resposta última. - O século XXI cristão optará pelos excluídos ou não será cristão. À medida que cresce a criminosa desigualdade no mundo, excluídas da vida e da dignidade as minorias humanas, a opção pelos pobres aparece cada vez mais como constitutivo essencial da Igreja de Jesus. - O século XXI cristão, ou será ecumênico ou não será eclesial. Poderá ser uma berrante eclosão de minicristianismos sem consistência evangélica e sem comunhão testemunhante, mas não a Igreja de Jesus, testemunha da Páscoa, enviada para que o mundo creia; - O século XXI, ou será ecológico ou simplesmente „não será‟. Não que eu creia que esteja chegando o fim do mundo nesse cacarejado ano 2000; mas segundo as ciências e as esperanças, parece, sim, que estamos empenhados todos em acabar com o ar, com a água, com a floresta, com a vida. A ecologia é a grande política pendente, e deve ir sendo, cada vez mais, ética, teologia, espiritualidade. (A Escada de Jacó – Circular Fraterna, 1999).

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Como afirmamos na introdução desta reflexão, a cidadania das CEBs se difere da cidadania liberal-burguesa. Diferenças substanciais, já que o conceito de cidadania nas CEBs não se resume ao cidadão isolado, ser individual. Ao contrário, trata-se de uma cidadania coletiva e comunitária que são elaboradas especificamente pelos movimentos sociais organizados. É diante dessa cidadanização coletiva que apontamos as CEBs como movimento social que buscou, de 1968 a 1992, uma práxis educativa que libertasse o ser humano da longa escuridão perpétua do capitalismo e suas conseqüências desastrosas para toda a humanidade. Neste sentido, afirma a cientista política dos movimentos sociais Maria da Glória Gohn:

O desenvolvimento explorador e espoliativo do capitalismo, a massificação das relações sociais, o descompasso entre o alto desenvolvimento tecnológico e a miséria social de milhões de pessoas, as frustrações com os resultados do consumo insaciável de bens e produtos, o desrespeito à dignidade humana de categorias sociais tratadas como peças ou engrenagens de uma máquina, o desencanto com a destruição gerada pela febre do lucro capitalista etc., são todos elementos de um cenário que cria um novo ator histórico enquanto agente de mobilização e pressão por mudanças sociais: os movimentos sociais. (GOHN, 1992: p.15-16).

Com essas palavras, acreditamos que as CEBs como movimento social foi um novo ator histórico e um agente coletivo de mobilização e pressão devido, principalmente, a sua dimensão de organização sócio-política e a sua dimensão de cultura política que rompeu com as velhas práticas de cultura política alicerçadas na lógica do patrimonialismo oligárquico.

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NASCIMENTO, Claudemiro Godoy do. Educative práxis and the human being liberation: the CEBs as social movement. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.6, n.2, 2010, p. ABSTRACT: It is with this article reflect the CEBs as social movement within a given time history of the Brazilian reality (1968-1992). Also, make certain educational praxis of liberation of the human being promoted by the CEBs over the years. It is known that the CEBs were protagonists in their actions to achieve joints training of agents, pastoral, religious or lay, and now to have a key role in society as organic intellectuals of a proposal sector. Finally, it is necessary to say that the discussion held is still in the construction phase, because we understand that the studies conducted to date are preliminary and introductory. KEY-WORDS: CEBs, social movements, education, practice, release, theology. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOFF, L Teologia do Cativeiro e da Libertação. Petrópolis: Vozes, 1975. BOFF, L, & BOFF, C. Como fazer teologia da libertação. Petrópolis: Vozes, 2001. CASALDÁLIGA, P. A escada de Jacó. São Félix do Araguaia: Circular Fraterna, 1999. CNBB (1998). Fraternidade e Educação: a serviço da vida e da esperança. São Paulo: Editora Salesiana de Dom Bosco. ___. Campanhas da Fraternidade: CEBs. Disponível em: <www.cnbb.org.br>. Acesso em 05 de abril de 2008. COMBLIN, José (1996). Cristãos rumo ao século XXI. São Paulo: Paulus.

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GESTÃO DEMOCRÁTICA NA ESCOLA: IMPRESSÕES DOS PARTICIPANTES DO PROGRAMA PROGESTÃO

Iraíde Marques de Freitas BARREIRO* Gabriella Garcia MOURA**

RESUMO: Neste artigo discute-se a concepção de gestão democrática dos proponentes do Progestão, da equipe formadora (formadores e multiplicadores) e dos gestores-cursistas (diretor, vice-diretor e supervisor pedagógico). Foram analisadas três questões que aferem a compreensão do conceito gestão democrática e como os partícipes do programa o implementaram na escola. Discute o perfil atribuído à gestão escolar a partir da reforma do Estado e da aprovação da LDB/96. PALAVRAS-CHAVE: gestão democrática; formação continuada; políticas públicas.

A gestão escolar tem merecido destaque no cenário educacional com investimento das políticas públicas na formação de gestores, por meio de programas de formação continuada. Nesse sentido foi lançado em 05 de abril de 2001, pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), o Programa de Capacitação a Distância para Gestores Escolares (Progestão), concebido como política inovadora no campo da formação continuada de dirigentes escolares das

* Professora da Universidade Estadual Paulista – UNESP, Departamento de Educação da Faculdade de Ciências e Letras, Assis, Estado de São Paulo, Brasil, orientadora, CNPq/PIBIC. ** Mestranda em Psicologia da Universidade de São Paulo – USP, Departamento de Psicologia e Educação, Ribeirão Preto, Estado de São Paulo, Brasil, bolsista.

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escolas públicas, organizado nas modalidades presencial (25%) e a distância (75%). (PROGESTÃO, 2004)

Em 2007 realizamos pesquisa que avaliou o desenvolvimento do Progestão. O trabalho de campo foi realizado em três escolas estaduais que mantiveram a mesma equipe gestora no decorrer do programa, em um município do estado de São Paulo. Para este artigo foi feito um recorte desta pesquisa maior, em que será discutida a concepção de gestão democrática dos partícipes do Progestão, definidos como: a) elaboradores dos módulos do Progestão (da política); b) equipe formadora (formadores e multiplicadores) que recebiam os conhecimentos e orientações do programa e transmitiam aos cursistas; c) equipes gestoras (gestores-cursistas) formadas pelo diretor, vice-diretor e supervisor pedagógico, das três escolas analisadas. Objetiva-se analisar como estes três segmentos apreenderam o conceito de gestão democrática e, a partir disso, como implementaram as ações no cotidiano escolar.

Formação continuada para gestores

A ênfase na formação de gestores, por meio de programas de

formação continuada, representa a expressão de mudanças mais amplas na sociedade, que aliadas à aprovação da legislação educacional vão impulsionar reformas na educação, e em particular na gestão escolar. Michels (2006, p.406), ao discutir a reforma educacional considera que a mesma se “sustenta em três eixos, gestão, formação de professores e inclusão, que, articulados entre si, atribuem a escola uma nova organização”. O enfoque na gestão escolar tem levado a um impulsionamento na formação de gestores, por meio de programas de formação continuada, que aliado ao destaque dado a descentralização compõe outro olhar, em que gestores e professores são responsabilizados pela gestão administrativa e financeira da escola, com similaridades na gestão empresarial.

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Gatti (2008) ao analisar as políticas públicas para a formação continuada no Brasil afirma que os últimos dez anos foram pródigos em diferentes iniciativas, denominadas “educação continuada”, desenvolvidas pelas instâncias federal, estadual e municipal de governo. As discussões sobre o conceito de educação continuada apontam que ele teve e tem um entendimento amplo, sendo que

[...] ora se restringe o significado da expressão aos limites de cursos estruturados e formalizados oferecidos após a graduação, ou após ingresso no exercício do magistério, ora ele é tomado de modo amplo e genérico, compreendendo qualquer tipo de atividade que venha a contribuir para o desempenho profissional – horas de trabalho coletivo na escola, reuniões pedagógicas, trocas cotidianas com pares, participação na gestão escolar [...]. (GATTI, 2008, p.57)

Afirma ainda, que “também tomaram impulso nas políticas de governos propostas de aprimoramento de gestores” e cita o Progestão como um programa desenvolvido com maior ou menor amplitude em todos os estados do país tendo atendido até 2006, 128.764 gestores. (GATTI, 2008, p.60)

A necessidade de formular novas propostas para o desenvolvimento da gestão escolar vem na esteira da racionalização que marcou a reforma do Estado brasileiro nos de 1990, particularmente por meio das privatizações e ajustes da máquina estatal. Na educação tais mudanças foram legitimadas com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação em 1996. Seu artigo 15 define que “os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira observada as normas gerais de direito financeiro público”. Desde então, a autonomia vem sendo considerada como um dos pilares sobre os quais se assenta a eficácia escolar e se constituiu em um dos conceitos mais mencionados na gestão educacional. Essas mudanças levaram a formação de uma nova cultura escolar pautada nos processos de “descentralização”,

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“autonomia”, “participação” e “gestão democrática”, que na prática se revestem de cunho mais gerencial, financeiro e menos pedagógico.

Para o exercício da autonomia cada sistema de ensino deverá implantar a gestão democrática, o que pressupõe um conjunto de ações integradas e de co-responsabilidades administrativas entre a União, estados, municípios, incluindo as escolas e contando com a participação da comunidade educacional e da família nas decisões relativas à escola (FONSECA et. al., 2004, p.54). Para estes autores:

[...] a literatura sobre o assunto é plena de conceitos que entendem gestão como um conjunto de intervenções, decisões e processos com certo grau de intencionalidade e sistematização, tentando modificar atitudes, idéias, culturas, conteúdos, modelos organizacionais e práticas pedagógicas”. (FONSECA et. al., 2004, p.55)

Que compreensões se têm e quais ações decorrem delas quando se propõe a gestão democrática na escola? Para Rosenfield (1984, p.52) “a democracia baseia-se num imaginário formado na possibilidade histórica de uma nova comunidade política, aberta à pluralidade dos discursos e ações políticas e fazendo com que cada indivíduo possa igualmente participar da condução dos negócios públicos”.

Esta participação é promotora do sentimento de pertencimento à sociedade, de modo que cada cidadão sente-se integrado e partícipe nas diferentes instancias sociais. No entanto, Azanha (1993) afirma que discursos e proposições da educação para a democracia são diversos. Em geral são os próprios conceitos que ganham notoriedade e vida própria e não as práticas e a cultura escolar com vistas à democracia. O autor chama atenção, ainda, para os significados que a temporalidade confere às palavras de acordo com as crenças, valores e gostos que se associam ao uso que fazemos delas, determinados pelo contexto histórico.

Ao refletir sobre a educação afirma o inesquecível educador:

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[...] ser possível apreender grande parte da mentalidade pedagógica recente se a atenção for focalizada nos usos de algumas palavras como `autonomia´, `gestão democrática´, `participação´ e outras correlatas. Porque estas palavras se tornam `sagradas´ e, como tais, portadoras, nos seus usos, das crenças, dos valores e dos modismos intelectuais que condicionam as discussões e a proposição de soluções dos problemas educacionais atuais. (AZANHA, 1993, p.37)

Tinha razão o autor ao chamar atenção para os verdadeiros significados destas palavras “sagradas” para que não se transformem em “meros slogans e não numa indicação de soluções”. Atualmente, a circularidade de tais conceitos indica que os mesmos se firmam mais como slogans e menos como propulsores para a compreensão dos fins da educação, com vistas a novas práticas.

No processo de hegemonia do modelo neoliberal de Estado tais termos são ressignificados com prevalência e adaptação da lógica do mercado. O regime democrático deveria ser entendido como “um conjunto de regras de procedimento para a formação de decisões coletivas, em que se prevê a participação mais ampla possível dos interessados (LIMA, 2004, p.29). Bueno (2003) afirma que a democracia e a autonomia são atributos que não se desenvolvem pela imposição, mas exigem a demanda dos próprios atores escolares. Logo, apenas com uma efetiva participação – conquistada – envolvimento e comprometimento local é possível promover a efetividade do ensino. No entanto, a autora reconhece que isto não vem ocorrendo, na medida em que os conceitos de democracia e autonomia são articulados de “cima para baixo”; ou seja, estão menos voltados para a incorporação da capacidade comunitária de decisões e mais concentrados no repasse de serviços obrigatórios.

Contexto, pesquisa e metodologia

Com o objetivo de formar lideranças comprometidas com a

gestão democrática, com foco no sucesso escolar dos alunos, o

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Progestão propôs-se a melhorar o perfil das lideranças democráticas comprometidas com o projeto pedagógico da escola, desenvolver competências administrativas e a autonomia na perspectiva da formação continuada, formar redes de intercâmbio de experiência e incorporação de novas tecnologias (PROGESTÃO, 2004). Partiu da tese que o sucesso escolar dos alunos está diretamente relacionado com a gestão escolar. O conteúdo do programa foi organizado em 09 módulos, com 30 horas cada, além de outros módulos designados como Guia do Tutor e Guia Didático.

Para a execução do programa firmou-se um acordo financeiro entre o Consed e 17 Estados que se consorciaram no financiamento das despesas, com a incorporação de parceiros como a Fundação Ford, Universidad Nacional de Educación a Distância (UNED)/Espanha, por intermédio da cooperação técnica em EaD, e a Fundação Roberto Marinho, pelo desenvolvimento dos vídeos. As Tecnologias de Comunicação e Informação (TICs) foram asseguradas por meio de parcerias com a PUC (Pontifícia Universidade Católica) e a Microsoft. (PROGESTÃO, 2006, p.22)

No estado de São Paulo o programa foi estruturado em três edições, com início em 2004 e término em 2006, de modo a atender gradativamente todas as equipes gestoras das escolas, das Diretorias de Ensino da Capital, Grande São Paulo e interior. O estado de São Paulo contou com 24 multiplicadores que receberam orientações da equipe do Consed e repassaram a outros 400 formadores, de modo presencial, na cidade de São Paulo, que por sua vez formaram 1200 cursistas nos modos presencial e a distância. O município, cuja três escolas foram objeto de análise dessa pesquisa, participou da segunda edição do programa em 2005. Contou com 02 formadores e 04 multiplicadores, que exerceram a função de coordenadores do programa na Diretoria de Ensino e repassam os conhecimentos aos gestores-cursistas.

Para a escolha das três escolas foi considerado aquelas que mantiveram a mesma equipe gestora durante o desenvolvimento do Progestão até a aplicação das entrevistas para a pesquisa. Partimos do

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suposto que a manutenção da mesma equipe gestora na escola enseja mudanças qualitativas no cotidiano escolar, tendo em vista as proposições do programa. As entrevistas, respondidas na forma de diálogos e transcritas posteriormente, envolveram as equipes gestoras de cada escola com questões acerca do desenvolvimento do programa, explicitação de conceitos e ações implementadas na escola.

Para a consecução deste artigo foram trabalhadas três questões respondidas pelos formadores e multiplicadores do Progestão, e pelos gestores-cursistas. Buscamos verificar como os formadores e multiplicadores apreenderam os conceitos de gestão democrática e como os gestores-cursistas propuseram ou não modificações no modelo de gestão na escola, a partir dos conhecimentos adquiridos no curso. Desse modo aos formadores e multiplicadores foi perguntado como definem a concepção de gestão democrática e quais modificações ocorridas na gestão escolar, poderiam ser atribuídas ao Progestão. Os gestores-cursistas responderam como compreenderam a gestão democrática proposta pelo programa e como a desenvolveu em sua escola.

A pesquisa fundamenta-se na abordagem qualitativa, de cunho avaliativo, que busca compreender o Progestão a partir da perspectiva de seus formuladores, executores e beneficiários. A avaliação de políticas públicas e a metodologia de Análise de Conteúdo mostraram-se importantes por se considerar todo o processo de desenvolvimento do Progestão e não somente o resultado final da política. A Análise de Conteúdo contribui para a explicitação no texto escrito, do discurso ideológico e da identificação das concepções orientadoras da política e do discurso dos participantes. (BARDAN, 1977)

Segundo Belloni (2001), a análise de documentos constitui-se em relevante estratégia metodológica para a análise de políticas por possibilitar a identificação do encadeamento sócio-político da proposta e sua estratégia de implementação. “A pesquisa avaliativa é, em geral, centrada na análise da adequação e relevância de políticas, programas ou projetos, com objetivos e metas explícitos, e com a finalidade de identificar os fatores que favorecem ou impedem seu desenvolvimento”

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(BELLONI, 2001, p.46). O levantamento da freqüência dos temas nos documentos do programa orientou a elaboração e análise das entrevistas realizadas com os formadores, multiplicadores e cursistas. Para este artigo o módulo II mereceu atenção especial por tratar do desenvolvimento da gestão escolar.

Gestão democrática para os formuladores do Progestão

O módulo II, Como promover, articular e envolver a ação das

pessoas no processo de gestão escolar (PROGESTÃO, 2001) é dividido em 4 unidades, intituladas com indagações: Por que promover a gestão democrática nas escolas públicas? Como promover espaços de participação de pessoas e setores da comunidade nas escolas? Como construir autonomia na escola? Como estimular ações inovadoras capazes de modificar o ambiente de formação e trabalho nas escolas?

Para o Progestão a “gestão participativa do ensino público se busca pelo diálogo e pela mobilização das pessoas, a criação de um projeto pedagógico com base em formas colegiadas e principalmente de convivência democrática”. Gestão democrática é definida como “um tipo de gestão político-pedagógica e administrativa orientada por processos de participação das comunidades local e escolar”. (PROGESTÃO, 2001, p.18)

Os objetivos deste módulo se propuseram a: [...] identificar, na legislação, os pressupostos da gestão democrática nas escolas; conceituar gestão democrática escolar; avaliar a importância da prática de gestão democrática; administrar situações de conflito visando garantir o direito à educação de qualidade” (PROGESTÃO, 2001, p.17).

Para garantir a autonomia escolar e a integração com a comunidade, deve-se “consolidar mecanismos e procedimentos de participação e gestão colegiada na escola; destacar a relação entre a construção do projeto pedagógico e o exercício da autonomia na escola;

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analisar mecanismos de envolvimento de alunos, pais, professores e funcionários em ações compartilhadas na tomada de decisões e na gestão da escola”. (PROGESTÃO, 2001, p. 68)

A gestão democrática é entendida pelo programa como aquela que trata de fortalecer procedimentos de participação das comunidades escolar e local no governo da escola, descentralizando os processos de decisão e dividindo responsabilidades. As definições e intenções do programa são importantes, especialmente quando se afirma que o exercício da democracia e da autonomia pressupõe “a democratização da cultura da organização escolar e a implementação de novas práticas cotidianas”. (PROGESTÃO, 2001, p.68)

Porém, ao definir os referenciais do programa e elaborar seus pressupostos, o Progestão orienta aos formadores e multiplicadores que “devem induzir entre os gestores cursistas a gestão democrática da escola pública, fundada no desenvolvimento de práticas compartilhadas de construção e desenvolvimento do projeto pedagógico” (PROGESTÃO, 2001, p.13. Grifo nosso). Segundo o Dicionário Larousse Cultural (1999, p.522), a palavra induzir refere-se a “levar ou persuadir a praticar algum ato; levar a crer ou a aceitar”. Gestão democrática, fundada na democracia, vai muito além da indução, mas significa a criação de um espaço comum de participação e decisão que envolve mudanças nos processos de participação, o que pressupõe:

[...] uma concepção de liberdade que não se confunde de modo nenhum com o livre-arbítrio da vontade particular. A sua significação repousa, ao contrário, na criação de um espaço comum onde os homens se reúnem para deliberarem juntos sobre seus problemas coletivos, não somente sobre os grandes problemas do estado, mas, sobretudo o que diz respeito, do bairro à escola, a seus assuntos comuns. (ROSENFIELD 1984, p.43)

A criação deste espaço comum demanda discussão dos anseios e necessidades da comunidade escolar com o intuito de criar práticas voltadas para a proposição de expectativas e solução de

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conflitos. As normas deveriam ser discutidas como meios de regulamentar ação e organizar práticas cotidianas. No entanto, as leis impostas à escola e aquelas formuladas por ela própria acabam por desempenharem um papel alienante. A escola acaba se configurando como um local de pouca liberdade, em que a comunidade não se sente partícipe a falar, a discutir e a centralidade das atividades recai em práticas do “fazer”, dissociadas de reflexões que se exteriorizam como participação.

A gestão democrática para formadores e multiplicadores

Os formadores e multiplicadores definem gestão democrática

como “gestão colegiada, trabalho em equipe, democracia, participação da comunidade, desenvolvimento e movimentação para algo”. Na visão deles, este entendimento difere do conceito de direção que remete mais a algo administrativo; “gestão é mais que administrar, é o humano na administração”.

Avaliam que, anterior ao Progestão já existia um discurso teórico sobre gestão, “mas agora as equipes gestoras tiveram tarefas comuns voltadas para a gestão com sentido pleno para articular um trabalho coletivo em que pessoas tomam decisões a partir de prioridades”. Para eles, a maioria das escolas percebeu que “gestão é criar espaços para que outras pessoas participem de decisões que interessam a todos; é coordenar um grupo de trabalho”, conforme uma formadora.

A gestão ganhou força porque os gestores precisaram, em vários momentos, se organizar para cumprir as propostas que o programa trouxe. No entanto uma formadora ressalta que

[...] os conteúdos do Progestão foram abrangentes e não aprofundou conceitos como o de democracia, mas que a metodologia agregou e avançou nos trabalhos, tornando-se ela própria um conteúdo, na medida em que a equipe foi solicitada a organizar trabalhos coletivos. Isso foi o maior de todos os conteúdos.

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Os depoimentos indicam que houve certo partilhamento de experiências que suscitou sentimentos de pertencimento, devido aos trabalhos em grupos e troca de experiências favorecidas pelo programa, o que em si é positivo. Porém, Benevides (2003, p.314) adverte que, a formação de valores republicanos e democráticos não ocorre intelectualmente apenas, mas, sobretudo, pela consciência ética, formada tanto de sentimentos quanto de razão, determinantes de ações. Os depoimentos são contraditórios e explicitam dificuldades do programa em formar os gestores para a democracia. Para alguns formadores o programa não aprofundou o próprio conceito de democracia, para outros o mérito maior foi o de organizar e definir os papéis na escola, o que se aproxima mais da gestão empresarial.

Ao elencar as modificações que o Progestão ensejou nas escolas há formadores e multiplicadores que afirmam: “a) ocorreu organização do trabalho em equipe; os gestores não conheciam exatamente seus papéis. O vice-diretor era visto como um “secretário” do diretor. O coordenador cuidava isolado, da questão pedagógica. Agora passou haver maior diálogo entre eles; b) houve fortalecimento dos órgãos colegiados (conselho de classe, reuniões com pais, professores e alunos, conselho participativo); c) os gestores aprenderam a criar uma relação espaço-tempo, organizam-se melhor e preparam reuniões juntos; d) trocas de experiências e modelos de planejamento entre as escolas; e) o módulo sobre questões pedagógicas acrescentou certos conhecimentos aos gestores; f) a participação dos pais nas reuniões ganhou outra dimensão, agora são ouvidos”.

O destaque atribuído à parte prática é relevante, mas, desprovido de reflexões favorecedoras da ampliação do espaço da participação, como a inclusão da sala de aula e a incorporação da comunidade interna e externa nos debates e nas decisões. Com isso essa prática termina por ser a repetição de si mesmo o que compromete a compreensão das metas educativas, dos processos que as compõem e, principalmente do lugar da democracia na educação, nas relações cotidianas e pedagógicas. Paro destaca que

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[...] se a verdadeira democracia caracteriza-se, dentre outras coisas, pela participação ativa dos cidadãos na vida pública, considerados não apenas como `titulares de direito´, mas também como `criadores de novos direitos´, é preciso que a educação se preocupe com dotá-los das capacidades culturais exigidas para exercer essas atribuições, justificando-se, portanto, a necessidade de a escola pública cuidar, de modo planejado e não apenas difuso, de uma autêntica formação democrata (2007, p.25).

Se por um lado a autonomia e a gestão democrática foram grandes metas do Progestão, por outro o próprio programa pautou-se em práticas centralizadoras, ainda que em determinados momentos os partícipes avaliem que avançaram no processo. A promoção e ampliação da participação da comunidade e a consequente autonomia da escola foram orientadas, transmitidas e “induzidas”, o que acabou se traduzindo num formato de gestão concedida e limitada. Ou seja, não houve uma formação para a democracia, que reforçasse a titularidade de direitos e ao mesmo tempo favorecesse a criação de outros. A fala dos gestores-cursistas é indicava desta situação:

Fizemos reunião com os pais e os chamamos para essa responsabilidade [da participação], porém não houve muitas mudanças. [...] Tentamos envolver a comunidade através das reuniões [...] mas a verdade é que não resultou em nada. Este ano [2008], por exemplo, nós resolvemos dar os materiais didáticos só para os pais, numa tentativa de trazê-los à escola. Os professores aproveitam para conversar com eles, dar algumas indicações necessárias que devem partir da casa do aluno, mas muitos pais só querem saber de ir embora e perguntavam se a reunião vai demorar a acabar. [...] Portanto, houve pouca participação da comunidade e não conseguimos envolvê-los”.

A recusa dos pais em se envolver com a escola explicita a cultura instituída, pela qual sempre são solicitados a ouvir queixas dos

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professores sobre seus filhos. Por outro lado expõe o quanto os participantes do Progestão estão distantes de instituírem novas práticas que efetivamente garantam a apropriação do espaço escolar de modo que gestores, professores, alunos e pais efetivamente sintam-se partícipes. A gestão [...] implica participação de todos os segmentos da unidade escolar na elaboração e execução do plano de desenvolvimento da escola, para realizar uma postura educacional compatível com as amplas necessidades sociais. (LUCK, 2006, p.27)

Portanto, gestão democrática, pressupõe um trabalho compartilhado, sendo necessário criar ambientes participativos em que possa haver comunicação aberta, discussões e confrontações de idéias. Diretores, pais, alunos, funcionários e a sociedade em geral devem ser partes vitais da escola, responsáveis pela construção das normas comuns, pelos planos e projetos, implicados com os desafios e soluções de problemas.

A gestão democrática para os gestores-cursistas

Os cursistas (diretor, vice-diretor e coordenador) responderam

como compreenderam a concepção de gestão democrática transmitida pelo programa e como a trabalharam na escola. Para os cursistas da escola A, a compreensão da gestão democrática foi melhor ao “estudarem novas teorias e trabalhar em equipe (funcionários, alunos, pais). Gestão não é só a parte administrativa; gestor não é só ser diretor. O programa nos ensinou que gestão envolve todos, inclusive os coordenadores; é gestão da comunidade, do projeto pedagógico; ampliou-se a concepção”.

Para os cursistas da escola B, gestão democrática significa, “compromisso, coletivo, envolvimento, gestão compartilhada. A gestão é suporte fundamental para todas as atividades na escola; o coletivo constrói o todo e deve ser o ponto de articulação entre escola e comunidade. Buscamos a participação ativa dos funcionários e professores. A equipe leu, estudou e o trabalho melhorou muito com as reflexões e as auto-avaliações”. A equipe da escola C respondeu que

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“gestão democrática é trabalho conjunto em que todos deveriam participar”.

A auto-avaliação foi destacada como mérito do Progestão ao auxiliar nas práticas de gestão, uma vez que mobiliza o olhar a escola “de fora” e indica o que precisa ser transformado. “Fomos instruídos a realizar avaliação/auto-avaliação e indicá-la aos professores. Levantar o que se destacou e a partir disso fazer o planejamento com a participação de todos os segmentos, incluindo da comunidade”. Afirmam que a auto-avaliação contribui para com a definição de papéis entre gestor e coordenador pedagógico; agora estas funções são percebidas de modo inter-relacionado. “Passamos a enxergar a gestão de forma mais ampla. Antes entendíamos que a gestão era só o diretor; o programa mostrou que a gestão envolve a todos”.

O uso de definições conceituais similares pelos gestores-cursistas pode indicar mais a repetição de modelos e menos um processo de elaboração conceitual indicativo de novos rumos no cotidiano escolar. Quando indagados sobre como concretizam esta nova concepção da gestão na escola, as respostas são evasivas e se reportam a definições de conceitos sem conseguir dar materialidade aos mesmos, prendendo-se a descrições de atividades ou à valorização do planejamento escolar. Desta forma a equipe gestora da escola A afirmou “que a atividade proposta pelo Progestão, sobre a escola que temos e a escola que queremos foi relevante, as reuniões têm maior organização e o relacionamento com os funcionários melhorou porque passaram a ser vistos como agentes educacionais”.

Para a escola B, “tudo que o Progestão trouxe a escola já fazia; ele deu uma organizada, reforçou que não se pode desviar o olhar da escola, rever práticas, que funcionários e professores devem refletir sobre suas funções e promoverem auto-avaliação”. Ou seja, é como se o Progestão tivesse vindo para referendar as práticas do cotidiano escolar; “tudo isso a gente já fazia [...] não houve muitas mudanças, como afirma a equipe gestora da escola C. Para esta escola a gestão democrática foi percebida “nas reuniões com a socialização das reflexões ocorridas

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durante os exercícios práticos do Progestão e nas reuniões com os pais que foram chamados para essa responsabilidade; porém não houve muitas mudanças”.

Considerações Finais

A atuação do programa foi periférica? Como promover

mudanças? Para Fonseca et. al. (2004, p.58) quando se desencadeia mobilização pessoal e institucional há maior ressonância, de modo que “a ação inovadora é tomada como um fenômeno que se insere no contexto escolar, garantindo-se o protagonismo dos sujeitos envolvidos diretamente no processo e a história construída pela comunidade onde a escola se insere”.

A propositiva de desenvolver a gestão democrática deve estar aliada à incorporação dos professores, alunos e da comunidade escolar como um todo e, sobretudo acompanhada de vontade política. É um grande desafio recuperar o interesse e o entusiasmo dos cidadãos, mas é uma tarefa que proporcionará aos alunos a oportunidade de viver experiências solidárias, participativas e políticas, formando cidadãos preocupados com o exercício da cidadania e interesse social.

De acordo com Paro (2007, p.18) a educação escolar abrange duas dimensões: a individual e a social. A primeira refere-se ao saber necessário ao desenvolvimento do educando, enquanto a segunda está ligada a formação do indivíduo direcionada para construção e conscientização social e, portanto, se sintetiza na formação democrática. No entanto, esclarece o autor que a escola parece estar mais preocupada com uma educação que prepare para o mercado de trabalho e com “um currículo essencialmente informativo, ignora a necessidade de formação ética de seus educandos, como se isso fosse apenas o papel da família”.

É preciso conscientizar-se de que o aluno não aprende apenas na sala de aula, mas na escola como um todo: pela maneira como a escola se organiza e funciona por meio de as ações globais que

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promove, pelo modo como as pessoas nela se relacionam e como a escola se relaciona com a comunidade. Ou seja, conforme indica Luck (2006), a escola contribui para a formação cidadã inclusive pelas suas práticas cotidianas.

Educar pressupõe a assimilação e incorporação de valores, comportamentos, hábitos, crenças e expectativas, de modo que, “ao proporcionar valores e conhecimentos, capacite e encoraje seus alunos a exercer de maneira ativa sua cidadania na construção de uma sociedade melhor”. (PARO, 2007, p.19)

Desta forma, a gestão democrática não deve ser entendida como um fim a ser atingido com o intuito de atender às diretrizes propostas pela legislação ou pelos programas de formação continuada, mas ser incorporada como prática do cotidiano escolar. Deve permear todas as ações e atividades da escola, como único meio de alcançar o comprometimento social e o desenvolvimento do pensamento crítico de seus alunos; isto é, formá-los para tomar decisões, compreender o mundo a sua volta, a complexidade da realidade social, cultural, econômica, política e científica, tornando-se cidadãos responsáveis, pela intervenção e participação. Parece-nos que a compreensão desta complexidade o programa não proporcionou, aliado à estruturas de funcionamento da escola, como número de alunos por sala de aula e ao vai e vem de professores pelas escolas, que dificultam os compromissos docentes.

Os depoimentos mantêm o mesmo movimento do pião, ao girar em torno de um mesmo discurso e definições: “a escola já tinha consciência sobre sua autonomia”; “a escola já fazia isso”; “trouxe confiança”; “segurança”; “definiu papéis”; “melhorou a administração”; e por ai vai. As colocações dos partícipes continuam a indicar que a escola, as práticas pedagógicas e institucionais não se modificaram.

O programa de formação continuada para os gestores foi inócuo? Não dá para se ter esta certeza. O que é gestão democrática na atual estrutura escolar e educacional? Os depoimentos revelam que

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prática docente e a gestão pouco ou nada se alteraram e se mantêm sempre na intenção “de”; de mudar. Para Azanha:

[...] a mudança das práticas escolares não é uma simples questão de levar novas tecnologias ao magistério. As práticas da vida escolar estão ligadas a uma mentalidade vigente. [...] a questão da autonomia não se esgota num conjunto de condições. É preciso que a busca da autonomia seja, em cada escola, uma oportunidade de revisão dos compromissos do magistério com a tarefa educativa (1993, p.45).

A descontinuidade das políticas educacionais, a pouca valorização da profissão docente, são alguns fatores que emperram avanços. Os programas de formação continuada finalizam apressadamente a par de das atribuições docentes e administrativas de docentes e gestores que aumentam a cada dia. A rotina na escola e a descontinuidade das reflexões se incumbem do esquecimento, agravadas pela mudança constante de gestores nas escolas, o que mina, ainda mais, as ações coletivas, inclusive a melhoria da qualidade da educação. Para Weber:

[...] a inserção da construção da qualidade na luta pela democratização da gestão da escola pública requererá, do professorado, a sua participação ativa no debate das questões educacional, a crítica e o despojamento de preconceitos e embevecimentos, seja em relação ao aluno, seja no tocante ao poder público nas suas diferentes esferas, seja no que concerne à população usuária e à própria comunidade, bem como a inclusão das diferenças

e divergências na luta pela afirmação da justiça social (1992, p.219).

Somente assim, a gestão democrática possa ser mais do que participar, coordenar reuniões em grupo, definir papéis, administrar e participar de decisões definidas por outros.

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BARREIRO, Iraíde Marques de Freitas; MOURA, Gabriella Garcia Democratic management in schools: Impressions conveyed by participants of the program Pro management (Progestão). DIALOGUS. Ribeirão Preto, v. 6, n. 2, 2010, p. X. ABSTRACT: This article broaches the democratic management concept understood by the proponents of Progestão, organizing team (organizers and multipliers), and those managers participating in the course (principals, vice principals, and pedagogical supervisors). One analyzed three issues which check the understanding of the democratic management concept and also how those participating in the program implement it in schools. It broaches the profile assigned to school management starting from the amendment to the State and the passing of the Law of Guidelines and Principles of Education (LDB)/96. KEYWORDS: democratic management; continuing development; public policies. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZANHA, J. M. P. Autonomia da escola, um reexame. São Paulo: FDE, 1993, p.37-46. BARDAN, L. Análise de conteúdo. Trad. Luis A. Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa: Edições 70, Ltda, 1997. BELLONI, I. et al. Metodologia de avaliação em políticas públicas: uma experiência em educação profissional. São Paulo: Cortez, 2001. BENEVIDES, M. V. Educação em direitos humanos: de que se trata? In: BARBOSA, R. L. L. (Org.). Formação de educadores: desafios e perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 2003. p.309-318. BUENO, M. S. S. Descentralização e Municipalização do ensino em São Paulo: conceitos e preconceitos. In: MARTIM, A. M; OLIVEIRA, C; BUENO, M. S. S. Descentralização do Estado e municipalização do

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ensino: problemas e perspectivas. Rio de Janeiro: DP&A: 2004, p.177-192 DICIONÁRIO – Grande dicionário Larouse Cultural da língua portuguesa. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999. FRANCO, M, P. P. B. Análise de conteúdo. Brasília: Liber Livro Editora, 2005. FONSECA, M; OLIVEIRA, J. F. DE; TOSCHI, M. S. As tendências da gestão na atual política brasileira: autonomia ou controle? In: BITTAR, M; OLIVEIRA, J. F. (Orgs.) Gestão e políticas da educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2004, p.53-68. GATTI, B. A. Análise das políticas públicas para formação continuada no Brasil, na última década. Revista Brasileira de Educação (Rio de Janeiro), v. 13, n. 37, p.57-69, 2008. LIMA, B. A. (Org.). Estado, políticas educacionais e gestão compartilhada. São Paulo: Xamã, 2004. MICHELS, M. H. Gestão, formação docente e inclusão: eixos da reforma educacional brasileira que atribuem contornos à organização escolar. Revista Brasileira de Educação (Rio de Janeiro), v. 11, n. 33, p.406-423, 2006. PARO, V. H. Gestão escolar, democracia e qualidade de ensino. São Paulo: Ática, 2007. PROGESTÃO: DOURADO, L. F. Como promover, articular e envolver a ação das pessoas no processo de gestão escolar? Brasília: CONSED – Conselho Nacional de Secretários de Educação, 2001. PROGESTÃO: MACHADO, A. M. de M. (Org.) Progestão: construindo saberes e práticas na escola pública. Brasília: CONSED – Conselho Nacional de Secretários de Educação, 2004. PROGESTÃO: MACHADO, A. M. de M. (Org.) Progestão: construindo saberes e práticas na escola pública. Brasília: CONSED – Conselho Nacional de Secretários de Educação, 2006. PROGESTÃO. Programa de Capacitação a Distância para Gestores Escolares. Disponível em: http://cenp.edunet.sp.gov.br/ProGestao/ (Acesso em: 06/03/2006).

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ROSENFIELD, D. L. A questão da democracia. São Paulo: Brasiliense, 1984. WEBER, S. Escola pública: gestão e autonomia. In: VELLOSO, J. et. al. Estado e educação. Campinas: Papirus/Cedes, 1992, p.215-222.

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ENSAIO/ANALYSIS

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O LEITE DERRAMADO CUJA LEMBRANÇA NOS ESPELHA... MEMÓRIAS E SOCIABILIDADES NUM DISCURSO LITERÁRIO

DO/SOBRE O BRASIL

Humberto PERINELLI NETO*

RESUMO: Trata-se neste texto de promover uma leitura indiciária do romance “Leite Derramado” e, segundo esta orientação metodológica, indicar como ele revela traços da formação social brasileira.

PALAVRAS-CHAVE: Leite Derramado; Chico Buarque de Holanda; método indiciário; formação social brasileira.

Na década de 1990, Chico Buarque decidiu investir na autoria

de textos literários. Assim, foram publicados “Estorvo” (1991), “Benjamim” (1995) e “Budapeste” (2003), sendo os dois últimos inspiradores para a produção de filmes cujos títulos são homônimos.

No ano de 2009 veio a lume “Leite Derramado”. Tal obra foi acolhida com críticas que ressaltaram, principalmente, sua proximidade com algumas obras machadianas (“Dom Casmurro” e “Memórias Póstumas de Brás Cubas”), sua afinidade com certas interpretações sociológicas marxistas, bem como as características da narrativa (entrecortada, seletiva, que simula os vacilos e a passionalidade de um relato retrospectivo). Opto aqui por refletir sobre o diálogo que promove entre a literatura e a história como forma de refletir e de pensar o Brasil.

* Doutor em História e Cultura Política (UNESP/Franca) e docente do Departamento de Educação do IBILCE/UNESP/São José do Rio Preto e do Centro Universitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto (SP).

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A princípio, cabe ressaltar que “Leite Derramado” é o romance mais histórico já publicado por esse escritor. Página após página é impossível não reconhecer a proximidade existente entre algumas passagens e os postulados defendidos por autores como Antonio Candido (1976), Caio Prado Júnior (2000), Gilberto Freyre (1852), Darcy Ribeiro (2004), Roberto Damatta (1999), Machado de Assis (GLEDSON, 2006), Florestan Fernandes (1974), Robert Schwarz (1977) e o próprio pai do autor, Sérgio Buarque de Holanda (1995).

O sentido de histórico aqui empregado merece comentário. Não se deve entender por histórico a simples referência a fatos e personagens ilustres. Esta fórmula pode discretamente ser encontrada ao longo do texto, mas o que ganha relevo na obra em questão é o mapeamento do “jeito brasilis” historicamente construído. Chico Buarque narra de forma literária a maneira como pensamos o mundo, ele se detém no esforço de apresentar nosso ethos, diriam os antropólogos, preocupados em levantar aspectos de nossa matéria-prima sócio-cultural.

Esse nosso jeito foi forjado na própria carne. Não se trata de uma mistura baseada apenas na circularidade cultural, mas também na consangüinidade, nas vivências sexuais múltiplas, algumas desejadas e permitidas, enquanto outras tantas forçadas e violentamente realizadas. Seria coincidência o título da obra (“Leite Derramado”), ao que parece uma alusão ao ato de lembrar com certo lamento e, ao mesmo tempo, uma metáfora para o jorro do prazer sentido? Essa similitude de significados não parece mera coincidência.

Sem muito esforço é que encontramos na citada obra a narração de várias cenas em que é lembrada a mistura de prazer e dor. Matilde é tratada com certa aspereza e brutalidade, mas a tudo perdoa, dada a leveza de seu espírito. Os empregados da família Assumpção revelam esse mesmo pendor, a ponto do autor nos afirmar que o velho Balbuino “todo dia tirava a roupa e se abraçava num tronco de figueira, por necessidade de apanhar no lombo” (p.102), mesmo após a ocorrência da abolição dos escravos. Até mesmo Eulálio revela seu

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pendor pelo masoquismo, ao recordar que quando menino: “sentia falta de baixar as calças para meu pai me surrar com o cinto” (p.74).

Outras passagens parecem igualmente ilustrar a força e significância da mistura advinda do prazer e da dor. Eulálio convive intimamente com personagens negros (Balbino e Matilde), que lhe são subservientes, mas que, ao mesmo tempo, lhes arrebatam os sentimentos e os sentidos, porque operam sobre seu desejo, sua consciência. Com esse expediente, trata-se de apontar um dos traços de nossa brasilidade: a ambivalência.

E não apenas Eulálio ilustra isso. O avô deste personagem é apresentado como sendo alguém que “desde fedelho se metia entre as escravas nas propriedades de seu pai, um barão negreiro”. O pai de Eulálio é igualmente associado a tal “gosto”, tendo em vista que, embora “só apreciava as louras e as ruivas, de preferência sardentas”, foi assassinado por ter se envolvido com senhora casada de “cabelos castanhos”. Apesar disso, a hipocrisia é marca registrada quanto ao reconhecimento do preconceito, como sugere o moribundo Eulálio, ao afirmar que, por conta de certas experiências, se fez “adulto sem preconceitos de cor”.

Não se trata de acreditar que o autor defenda a idéia de que a libido sexual é a mola mostra das ações da elite brasileira. Do ponto de vista freudiano a discussão parece ser um pouco diferente. O desejo sexual manifesto pelos membros da elite aqui representada pela família Assumpção revelam não apenas pulsões de vida, mas também de morte... pulsões essas projetadas sobre o Outro. É esse sentimento dúbio (vida/morte) que move as ações registradas entre personagens desse grupo e aqueles que constituem o que poderíamos chamar de povo (os “Balbinos”, descritos na obra).

É esse sentimento, aliás, que move essa elite a se desvencilhar de qualquer marca que a aproxime do povo e, particularmente, dos signos de negritude que o ilustram de modo impar. Explica-se, dessa forma, a identificação sutil e nunca evidente, portanto, de que Matilde era negra por parte de Eulálio (ela é tratada como sendo

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“castanha” e outras expressões desse tipo). Daí também o reconhecimento de que os integrantes do ramo materno da família do protagonista (“os Montenegro de Minas Gerais”) possuíam “lábios grossos” e “cabelo pixaim”, termos perversamente escolhidos para ocultar o reconhecimento da negritude que nos faz parte. Nesse sentido, quanta ironia expressa pelo autor ao denominar os membros masculinos da família Asumpção por Eulálio, termo válido para acentuar a negação do Outro por parte da elite brasileira.

Prosseguindo ainda nessa observação, tomam-se em conta as memórias narradas por Eulálio em relação a sua esposa, Matilde. Ele é perdidamente apaixonado por ela, a ponto de lhe devotar um ciúme doentio. Contudo, ele desaprova seus gostos musicais, seu jeito de falar, seus modos, etc. A descrição das cenas de sexo é paradigmática: Eulálio possui Matilde com força, com violência, contra a parede da cozinha, ou seja, num espaço associado à intimidade e ao domínio do vencido. Freyreano, deverás freyreano!

Uma das passagens que metaforicamente melhor assinalam a habilidade brasileira de conciliar os contrários é a que diz respeito à justaposição sagrado/profano, desejo/violência: Ao recordar o dia em que se apaixonou por Matilde, Eulálio pontua: “Então, não sei como, em plena igreja me deu vontade de conhecer sua quentura” e prossegue “Imaginei abraçá-la de surpresa, para ela pulsar e se debater contra o meu peito, seria como abafar nas mãos o passarinho que capturei na infância” (p.21).

Mas é impossível passar incólume por essa mistura baseada no prazer e na dor. O resultado dessa ambivalência é a plasticidade com que os membros dessa elite vivem seus projetos e moldam seus comportamentos. Na sucessão das gerações da família Assumpção constam tipos variados, desde barão, senhor de escravos, senador, bacharel, artista, imigrante, comunista e até mesmo traficante. Contudo, a intensa vivência das pulsões de vida e de morte se volta contra os próprios membros da elite, a ponto de provocar a perda material e

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simbólica de geração a geração, daí à lembrança do dito popular “pai rico, filho nobre e neto pobre”.

Essa mistura também é percebida na conjugação bem realizada de polidez e violência. Os membros da elite se valem do uso da força física quando necessário (o chicote transmitido de pai para filho na família Assumpção matiza isso), ao passo que também reconhecem a validade de comportamentos já mapeados pelos estudiosos brasileiros, caso do “sabe com que está falando”, os “mecanismos do favor” e a “cordialidade”. Daí a preocupação de Eulálio em ressaltar seu sobrenome, lembrar os feitos familiares e narrar situações que envolvem favores obtidos de contatos com autoridades, preocupações com a aparência (gravata, terno, bigode, etc) e a assimilação de modismos estrangeiros próprios em criar diferenciações sociais.

Tal mistura é tão enraizada no jeito e no modo de viver da sociedade brasileira, que determina a percepção da modernização tão enfaticamente narrada em “Leite Derramado”. A listagem de novidades inglesas, francesas e norte-americanas vai desde o “bridge”, o “pompoarismo” até a “frigidaire”, a “cerveja gelada”, o “chalé” e o “Ford”. No entanto, essa listagem convive com a força evocativa de gestos e signos antigos, como “goiabada com requeijão”, “seios fartos”, “polca”, a “cantiga do boitatá-pega-neném” e a “congregada mariana”. Desta convivência promovida por Chico Buarque em sua obra resulta a clareza da densidade temporal que nos percorre a alma, indelevelmente, com gosto e mesmo que a contragosto (considerando-se a busca pelo novo por parte da elite).

O autor em foco parece insistir na validade de lembrarmos esses traços de nossa formação sócio-cultural. Na narrativa tortuosa e incoerente do moribundo Eulálio é possível identificar a força da memória, a importância que ela exerce na organização da vida humana, tendo em vista oportunizar o re/conhecimento e, por conta disso, nos permitir um melhor posicionamento diante da realidade. Contudo, ela provoca dor, já que “a memória é uma grande ferida” (p.10) associada ao passado e instância afetiva e psicológica dotada de contornos maiores

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do que o presente, por se tratar de “um salão cada vez mais espaçoso” (p.14) quando envelhecemos.

“Leite Derramado” é obra literária consagrada ao ato de refletir sobre a força e a significação da memória. Dezenas de passagens revelam os diferentes suportes das experiências vividas, pois a lembrança se evidencia nas casas, nos vestidos e demais roupas, nas músicas, nas fotografias, nos espaços urbanos, nas paisagens naturais, nas comidas, etc. Pode-se dizer que a obra insiste em frisar uma saturação simbólica do passado a nos cercar, a nos conter e, muitas vezes, parece nos aprisionar ao passado (seria a força de nossas raízes, como insiste Sérgio Buarque de Holanda?).

A memória desfiada por Chico Buarque em “Leite Derramada” ganha contornos psicanalíticos. Trata-se de narrar para se autodescobrir, desvelar aspectos de nossa própria psique. O autor tenta despistar, como quando Eulálio afirma que “repete casos antigos [...] para si próprio [...] para a hipótese da história se extraviar” (p.96). Porém, a obra em questão é narrada em primeira pessoa e o personagem-narrador se chama Eulálio. Desse modo, é plausível afirmar que a história desfiada por esse personagem diz respeito ao Eu que forma cada um de nós, ao Eu que configura o Brasil e sua maneira de ser.

O “Leite Derramado” é a matéria que nos forma e que, por esse motivo, nos informa a respeito daquilo que plástica e ambivalentemente nos constitui: o prazer, o lamento e a violência. Não há como não se encantar e, ao mesmo tempo, se indignar com a imagem refletida no espelho ou com a lembrança dessa imagem, haja vista que é “um pandemônio, mas está tudo lá dentro, depois de fuçar um pouco o dono é capaz de encontrar todas as coisas” (p.41).

PERINELLI NETO, Humberto. The leite derramado in remembrance of which mirrors ... memories and sociability in a literary discourse of / about Brazil. DIALOGUS, Ribeirão Preto, v.6, n.2, 2010, p.

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ABSTRACT: It is in this text to promote a reading of the novel “Leite Derramado” and, according to this methodological orientation, indicate how it reveals traces of the Brazilian social formation.

KEYWORDS: Leite Derramado; Chico Buarque de Holanda; evidentiary method; Brazilian social formation. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS CÂNDIDO, A. Dialética da malandragem. In ___. O discurso e a cidade. São Paulo: Duas Cidades, 1976, p.19-53. DA MATTA, R. O que faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1999. FERNANDES, F. A Revolução Burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1974. FREYRE, G. Casa grande & senzala: introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil – formação da família brasileira sob o regime de economia patriarcal. Rio de Janeiro: José Olympio, 1952. GLEDSON, J Por um novo Machado de Assis – ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. HOLANDA, C. B. Leite Derramado. Companhia das Letras, 2009, 195 p. HOLANDA, S. B. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. PRADO JUNIOR, C. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense/Publifolha, 2000. RIBEIRO, D. O povo brasileiro – formação e sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. SCHWARZ, R. As idéias fora do lugar. In ___. Ao vencedor as batatas: forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro. Rio de Janeiro: Duas Cidades, 1977, p.13-28.

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ÍNDICE DE AUTORES/AUTHORS INDEX

BARREIRO, Iraíde Marques de Freitas;

FREITAS, Nainôra Maria Barbosa de ;

MANOEL, Ivan Aparecido;

MÁS, Alcione de Albuquerque;

MOURA, Gabriella Garcia;

NASCIMENTO, Claudemiro Godoy do;

PERINELLI NETO, Humberto;

ROSA, Lilian Rodrigues de Oliveira;

SANTOS, Clézio;

SARAIVA, Adriano Lopes;

SILVA, Josué da Costa;

SILVA, Michelle Cartolano de Castro;

SOUZA, Wlaumir Doniseti de;

VICHNEWSKI, Henrique Telles;

VILLELA, Fábio Fernandes;

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ÍNDICE DE ASSUNTOS

Amazônia;

CEBs,

Chico Buarque de Holanda;

Comunidades ribeirinhas;

Educação básica;

Educação,

Ensino de geografia,

Espaço;

Festejos religiosos;

Formação continuada;

Formação social brasileira;

Geografia Cultural;

Gestão democrática;

Inventário;

Leite Derramado;

Libertação,

Memória do Lugar;

Método indiciário;

Monumentos públicos;

movimentos sociais,

Patrimônio Agroindustrial;

Patrimônio cultural;

Políticas de Preservação do Patrimônio,

Políticas Públicas para Industrialização;

Políticas públicas;

Práxis,

Professores,

Ribeirão Preto;

São José do Rio Preto;

Teologia;

Tradicionalismo católico;

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SUBJECT ÍNDEX

Amazonia;

Basic education;

Brazilian social formation;

CEBs,

Community that live next to rive;

Continuing development;

Cultural Geography;

Cultural patrimony;

Democratic management;

Education,

Evidentiary method;

Heritage Agroindustrial;

Heritage Preservation Policies;

Inventory;

Memory of Place,

Parties religious;

Practice,

Public monuments;

Public Policies for Industrialization;

Public policies;

Release,

Ribeirão Preto;

São José do Rio Preto;

Social movements,

Space,

Teachers,

Teaching of geography,

Theology;

Traditional catholic;

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Normas para publicação na revista DIALOGUS

Normas para apresentação de original

Apresentação: Os trabalhos devem ser redigidos em português e

encaminhados via e-mail, em dois arquivos separados:

- um completo (Conforme estrutura do trabalho, abaixo proposta);

- outro sem qualquer identificação do autor e com indicação da área e da sub-

área do trabalho, segundo tabela Capes.

Os textos devem ser digitados em Word (versão 6.0 ou superior), fonte 11, tipo

Arial Narrown, tendo, no máximo, vinte e cinco páginas (salvo exceção). A

configuração da página deve ser a seguinte: tamanho do papel: A4 (21,0 x 29,7

cm); margens: superior e inferior: 7,3 cm; direita e esquerda, 5,3 cm.

Espaçamento: espaço simples entre linhas e parágrafos; espaço duplo entre

partes do texto e entre texto e exemplos, citações, tabelas, ilustrações etc.

Adentramento: parágrafos, exemplos, citações: tabulação 1,27 cm.

No que tange ao conteúdo dos artigos, os dados e conceitos emitidos nos

trabalhos, bem como a exatidão das referências bibliográficas, são de inteira

responsabilidade dos autores.

Não serão aceitos trabalhos fora das normas aqui estabelecidas.

Estrutura do trabalho

Os trabalhos devem obedecer à seguinte seqüência: Título; Autor(es - por

extenso e apenas o sobrenome em maiúsculo); Filiação científica do(s) autor(es)

- indicar em nota de rodapé: Universidade, Instituto ou Faculdade,

Departamento, Cidade, Estado, País, orientação, agência financiadora (bolsa

e/ou auxílio à pesquisa); Resumo (com máximo de sete linhas); PALAVRAS-

CHAVE (até cinco); Texto (subtítulos, notas de rodapé e outras quebras devem

ser evitadas); Abstract e Keywords (versão para o inglês do resumo e dos

PALAVRAS-CHAVE precedida pela referência bibliográfica do próprio artigo);

Referências Bibliográficas (trabalhos citados no texto), com indicação de

tradução (no caso de obras estrangeiras) e número da edição.

• Título: centralizado, letras em maiúsculo, negrito e fonte 12.

• Subtítulos: sem adentramento, apenas a primeira letras do subtítulo deve ser

maiúscula e fonte 12.

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• Nome(s) do(s) autor(es): nome completo na ordem direta, na segunda linha

abaixo do título, alinhado à direita. Letras maiúsculas apenas para as iniciais e

para o sobrenome principal. Fonte 12.

• Resumo: a palavra RESUMO em maiúsculas, em negrito, seguida de dois

pontos, na terceira linha abaixo do nome do autor, sem adentramento. Na

mesma linha iniciar o texto de resumo.

• PALAVRAS-CHAVE: a expressão PALAVRAS-CHAVE em maiúsculas, em

negrito, seguida de dois pontos, na segunda linha abaixo do resumo e uma linha

cima do início do texto. Separar os PALAVRAS-CHAVE por ponto e vírgula.

-Referência bibliográfica completa do próprio trabalho em inglês, conforme o

exemplo:

PÁDUA, Adriana Suzart de. Change and continuity. Comparative notes about

Venezuela´s Bolivarian Constitution. DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.X, n.X, 200X,

p. X.

• Abstract: a palavra ABSTRACT em maiúsculas, em negrito, seguida de dois

pontos, na segunda linha abaixo da referência bibliográfica completa do próprio

trabalho em inglês, sem adentramento. Na mesma linha, iniciar o texto do

abstract.

• Keywords: a palavra KEYWORDS em maiúsculas, em negrito, seguida de dois

pontos, na segunda linha abaixo do abstract. Utilizar no máximo cinco keywords

separados por ponto e vírgula.

- Referências Bibliográficas: a palavra REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS em

maiúsculas, em negrito, seguida de dois pontos, na segunda linha abaixo do

keywords. Devem ser dispostas em ordem alfabética pelo sobrenome do

primeiro autor e seguir a NBR 6023 da ABNT.

Abreviaturas - os títulos de periódicos devem ser abreviados conforme o

Current Contents. Exemplos:

Livros e outras monografias

LAKATOS, E. M., MARCONI, M. A. Metodologia do trabalho científico. 2. Ed.

São Paulo: Atlas, 1986. 198p.

Capítulos de livros

JOHNSON, W. Palavras e não palavras. In: STEINBERG, C. S. Meios de

comunicação de massa. São Paulo: Cultrix, 1972, p.47 - 66.

Page 197: PAISAGENS CULTURAIS: DO CAFÉ À CANA · Mas, o vinho novo deve-se pôr em odres novos, e assim ambos se conservam. ... “vinho velho” seria melhor: porque teria descansado em

Dissertações e teses

BITENCOURT, C. M. F. Pátria, Civilização e Trabalho. O ensino nas escolas

paulista (1917-1939). São Paulo, 1988. Dissertação (mestrado em História) -

FFLCH, USP.

Artigos e periódicos

ARAUJO, V.G. de. A crítica musical paulista no século XIX: Ulrico Zwingli.

ARTEunesp (São Paulo), v.7, p.59-63, 1991.

Trabalho de congresso ou similar (publicado)

MARIN, A. J. Educação continuada: sair do informalismo? In: CONGRESSO

ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES, 1, 1990.

Anais... São Paulo: UNESP, 1990, p.114-118.

Citação no texto: O autor deve ser citado entre parênteses pelo sobrenome,

separado por vírgula da data de publicação: (BECHARA, 2001), por exemplo. Se

o nome do autor estiver citado no texto, indica-se apenas a data entre

parênteses: “Bechara (2001) assinala ...”. Quando for necessário especificar

página(s), esta(s) deve(m) seguir a data, separada(s) por vírgula e precedida(s)

de p. (MUNFORD, 1949, p.513). As citações de diversas obras de um mesmo

autor, publicadas no mesmo ano, devem ser discriminadas por letras minúsculas

após a data, sem espacejamento (PESIDE, 1927a) (PESIDE, 1927b). Quando a

obra tiver dois autores, ambos são indicados, ligados por & (OLIVEIRA &

LEONARDO, 1943) e quando tiver três ou mais, indica-se o primeiro seguido de

et. al. (GILLE et. al., 1960).

Notas - Devem ser reduzidas ao mínimo e colocadas no pé da página. As

remissões para o rodapé devem ser feitas por números, na entrelinha superior.

Anexos e/ou Apêndices - Serão incluídos somente quando imprescindíveis à

compreensão do texto.

Tabelas - Devem ser numeradas consecutivamente com algarismos arábicos e

encabeçadas pelo título.

Figuras - Desenhos, gráficos, mapas, esquemas, fórmulas, modelos (em papel

vegetal e tinta nanquim, ou computador); fotografias (em papel brilhante);

radiografias e cromos (em forma de fotografia). As figuras e suas legendas

devem ser claramente legíveis após sua redução no texto impresso de 10,4 x

15,1 cm. Devem-se indicar, a lápis, no verso: autor, título abreviado e sentido da

figura. Legenda das ilustrações nos locais em que aparecerão as figuras,

Page 198: PAISAGENS CULTURAIS: DO CAFÉ À CANA · Mas, o vinho novo deve-se pôr em odres novos, e assim ambos se conservam. ... “vinho velho” seria melhor: porque teria descansado em

numeradas consecutivamente em algarismos arábicos e iniciadas pelo termo

FIGURA.

Anexo(s): introduzir com a palavra ANEXO(S), na segunda linha abaixo da

Referencia bibliográficas, sem adentramento. Continuar em nova linha, sem

espaço.

Page 199: PAISAGENS CULTURAIS: DO CAFÉ À CANA · Mas, o vinho novo deve-se pôr em odres novos, e assim ambos se conservam. ... “vinho velho” seria melhor: porque teria descansado em

EQUIPE DE REALIZAÇÃO

Coordenação Profª Esp. Cláudia Helena Araújo Baldo

Prof. Ms. Cícero Barbosa do Nascimento Prof. Dr. Humberto Perinelli Neto

Profª Ms. Lilian Rodrigues de Oliveira Rosa

Diagramação Marcelo Henrique Vieira

Revisão Técnica (Normas) Profª Esp. Cláudia Helena Araújo Baldo

Prof. Ms. Cícero Barbosa do Nascimento Prof. Dr. Humberto Perinelli Neto

Profª Ms. Lilian Rodrigues de Oliveira Rosa Prof. Dr. Paulo Eduardo V. P. Lopes

Revisão Técnica (Língua Estrangeira) Ana Carla Vannucchi

Assessoria Discente Ana Carla Vannucchi – Coordenação

Cláudio Gonçalves da silva Neto Fábio Martins Gaioli

Rogério de Almeida Manço Guilherme Pires de Campos

Juliana Hernandez

Lucas Dario Romero y Galvaniz Vanessa Cristina Silva Souza Larissa Carolina Aguiar Lemes

Wesley R. de Agostino

SOBRE O VOLUME

Mancha: 9,6 X 17,7 Tipologia: Arial Narrown

Papel: Sulfite 75g Matriz:

Tiragem: 450 exemplares

Produção Gráfica Editora e Gráfica Padre Feijó Ltda.

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Fone: (16) 3632-2131 - Ribeirão Preto – SP

DIALOGUS Rua Ramos de Azevedo, n.423, Jardim Paulista

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