PAISAGENS DA CIDADE DE FORTALEZA: UM ESTUDO DA … · Agradeço primeiramente à Deus pela saúde...

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ - UECE CENTRO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA - CCT PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM GEOGRAFIA PROPGEO NAIANA PAULA LUCAS DOS SANTOS PAISAGENS DA CIDADE DE FORTALEZA: UM ESTUDO DA RUA DOUTOR JOÃO MOREIRA A PARTIR DA FOTOGRAFIA NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX. FORTALEZA - CEARÁ 2014

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ - UECE CENTRO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA - CCT

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM GEOGRAFIA – PROPGEO

NAIANA PAULA LUCAS DOS SANTOS

PAISAGENS DA CIDADE DE FORTALEZA: UM ESTUDO DA

RUA DOUTOR JOÃO MOREIRA A PARTIR DA

FOTOGRAFIA NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX.

FORTALEZA - CEARÁ

2014

NAIANA PAULA LUCAS DOS SANTOS

PAISAGENS DA CIDADE DE FORTALEZA: UM ESTUDO DA RUA

DOUTOR JOÃO MOREIRA A PARTIR DA FOTOGRAFIA NA

PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX.

Dissertação submetida ao Programa de Pós- Graduação em Geografia do Centro Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Geografia. Área de concentração: Análise Geoambiental e Ordenamento de Territórios de Regiões Semiáridas e Litorâneas Orientador: Dr. Otávio José Lemos Costa

FORTALEZA- CE

2014

À minha mãe Aldeneide Lucas dos Santos,

Dedico este trabalho.

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente à Deus pela saúde proporcionada a mim e

minha família durante toda a construção da pesquisa. “Obrigada Deus

por me proporcionar força e determinação.”

À minha família, à minha mãe, ao Gutiérrez Reges pelo apoio

emocional.

Agradeço à CAPES pelo apoio financeiro através da bolsa de estudos.

Aos amigos do mestrado, do laboratório e da vida.

Agradeço ao Prof. Dr. Marcelo e ao Prof. Dr. Josier pelas contribuições e

disponibilidade para participar da banca de qualificação e banca de

defesa desta pesquisa.

Agradeço ao meu orientador Prof. Dr. Otávio José Lemos Costa pela

calma e sabedoria durante a realização deste trabalho.

“Veja as mudanças das estações. Tudo muda na natureza,

também você e suas estações da vida. Abrace a mudança!

Eis que Deus está na aridez, nos novos começos, na

fecundidade e nas cores inconstantes da vida. Cada dia é

vivido com novas possibilidades. Cada momento é um

dom extraordinário. Você está justamente onde devia estar

neste instante. Este momento é tudo o que você tem.

Celebre-o!”

CHRISTINE A. ADAMS

RESUMO

O conceito de paisagem não está pautado apenas no sentido visual propriamente, mas sim em todos os sentidos e todas as maneiras pelas quais os sujeitos agem, e modificam o que está ao seu redor, pois isto é a própria reconstrução da paisagem. Nesta dissertação em um primeiro momento foi realizado um estudo do conceito de paisagem no campo da geografia cultural. Nesse sentido, sob o viés da geografia cultural foi compreendido o conceito de paisagem e suas inter-relações com outras áreas de estudos como as artes, a fotografia e a história local da cidade de Fortaleza. O principal objetivo desta dissertação é compreender a composição da paisagem da cidade de Fortaleza através de registros fotográficos monocromáticos da primeira metade do século XX. Os objetivos específicos se definem em: Identificar a relação existente entre paisagem e arte fotográfica no contexto da geografia cultural; Compreender o estudo da imagem fotográfica como um campo importante para pesquisas científicas; Verificar através das fotografias monocromáticas e estudos interdisciplinares junto a história da cidade a composição da paisagem na Rua Doutor João Moreira nas primeiras décadas do século XX;. Desse modo, o tema desta pesquisa possui um caráter relevante para a geografia e justifica-se pelas reflexões teóricas propostas e inseridas na perspectiva da geografia cultural. O recorte espacial desta dissertação é a Rua Doutor João Moreira, localizada no centro da cidade de Fortaleza. A pesquisa está pautada nas fotografias dos seguintes espaços urbanos: a Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, a Praça do Passeio Público, a Santa Casa de Misericórdia, a Antiga Cadeia Pública Municipal e a Estação João Felipe, logradouros estes localizadas na Rua Doutor João Moreira. O recorte temporal ficou determinado como a primeira metade do século XX, devido ao período ser repleto de transformações, modernizações e contradições na cidade de Fortaleza, todavia durante a contextualização histórica é possível fazer um resgate temporal também nas transformações ocasionadas na cidade nas últimas décadas do século XIX. Os significados da arte apresentam-se sob diversas interpretações, atuações e apropriações espaciais. Estas características podem contribuir para a compreensão da transformação da paisagem, através das modificações na composição espacial do urbano. Portanto, compreender as variadas concepções do conceito de paisagem mediadas pela arte através da fotografia monocromática da Rua Doutor João Moreira na primeira metade do século XX é o que propõe esta dissertação. Palavras-chave: Paisagem, Geografia Cultural, Fotografia, Rua Doutor João Moreira.

ABSTRACT

The concept of landscape is not guided properly only in the visual sense , but in every way and all the ways in which individuals act , and change what's around you , because this is the proper reconstruction of the landscape . In this dissertation at first a study of the concept of landscape was conducted in the field of cultural geography . Accordingly, under the bias of cultural geography was understood the concept of landscape and its interrelationship with other areas of study such as art , photography and local history of the city of Fortaleza . The main objective of this dissertation is to understand the composition of the landscape of the city of Fortaleza through monochrome photographic records from the first half of the twentieth century. The specific objectives are defined in : Identify the relationship between landscape and art photography in the context of cultural geography ; Understand the study of the photographic image as an important field for scientific research ; Check through the monochrome photographs and interdisciplinary studies at the city's history to landscape composition at Rua João Moreira in the first decades of the twentieth century, . Thus, this research has a theme relevant to the geography and character is justified by theoretical reflections and proposals placed in the perspective of cultural geography . The spatial focus of this dissertation is Rua João Moreira , located in the center of Fortaleza . The research is guided in the photographs of the following urban areas : the Fortress of Our Lady of the Assumption , the Public Promenade Square , Holy House of Mercy, Old Public Jail and Municipal João Felipe Station , these playgrounds located at Rua João Moreira . The time frame was given as the first half of the twentieth century , due to time be full of changes , upgrades and contradictions in Fortaleza , however during historical contextualization is possible to make a temporal redemption also caused changes in the city in the last decades of nineteenth century. The meanings of art are presented in various interpretations , performances and space allocations . These characteristics can contribute to understanding the transformation of the landscape , through changes in the composition of the urban space . Therefore, understanding the varied conceptions of the concept of landscape mediated through art monochrome photography Rua João Moreira in the first half of the twentieth century is what this thesis proposes . Keywords : Landscape , Cultural Geography , Photography , Rua João Moreira.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1- Mapa de Adolfo Hebster (1875) ............................................................................ 59

Figura 2- Recorte do mapa de Adolfo Hebster (1875) .......................................................... 60

Figura 3- Rua Doutor João Moreira ..................................................................................... 62

Figura 4- Casa do Doutor João Moreira ............................................................................... 64

Figura 5- Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção ........................................................... 67

Figura 6- Chafariz do Passeio Público ................................................................................. 72

Figura 7- Passeio Público .................................................................................................... 75

Figura 8- Passeio Público .................................................................................................... 77

Figura 9- Santa Casa de Misericórdia .................................................................................. 79

Figura 10 - Cadeia Pública Municipal ................................................................................... 84

Figura 11- Prédio da Estação João Felipe ........................................................................... 89

Figura 12- Estação João Felipe ........................................................................................... 90

Figura 13- Estação João Felipe ........................................................................................... 92

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 12

1. PAISAGEM: ORIGEM E TRANSITORIEDADE CONCEITUAL ........................................ 17

1.1 O CONCEITO DE PAISAGEM E A DIMENSÃO DA ABORDAGEM CULTURAL ATÉ A

DÉCADA DE 1970 ........................................................................................................... 17

1.2 O CONCEITO DE PAISAGEM NA GEOGRAFIA CULTURAL RENOVADA ............... 22

1.3 PERSPECTIVAS ATUAIS DO CONCEITO DE PAISAGEM ....................................... 29

2. O FOTOGRÁFICO E SUAS PARTICULARIDADES ....................................................... 36

2.1 A IMAGEM FOTOGRÁFICA ....................................................................................... 36

2.2 O ESTUDO FOTOGRÁFICO NA DIMENSÃO DE KOSSOY ...................................... 41

2.3 O MODELO METODOLÓGICO DE INVESTIGAÇÃO FOTOGRÁFICA ...................... 47

2.4 O PASSADO E O PRESENTE: A MEMÓRIA NA FOTOGRAFIA ............................... 50

3. A GEOGRAFIA VISUAL DA RUA DOUTOR JOÃO MOREIRA ....................................... 55

3.1 O RECORTE ESPACIAL E TEMPORAL .................................................................... 55

3.2 A RUA DOUTOR JOÃO MOREIRA ............................................................................ 58

3.3 A FORTALEZA NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO ................................................ 66

3.4 O PASSEIO PÚBLICO ............................................................................................... 71

3.5 A SANTA CASA DE MISERICÓRDIA ........................................................................ 78

3.7 A CADEIA PÚBLICA MUNICIPAL .............................................................................. 83

3.8 A ESTAÇÃO JOÃO FELIPE ....................................................................................... 87

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 94

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 97

ANEXOS ............................................................................................................................ 101

ANEXO A ....................................................................................................................... 102

ANEXO B ....................................................................................................................... 104

APÊNDICES ...................................................................................................................... 109

APÊNDICE A ................................................................................................................. 110

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INTRODUÇÃO

A presente dissertação pretende tomar a imagem fotográfica como meio

que possibilite entender a paisagem, que é um desafio ainda posto na pesquisa em

geografia. A linguagem fotográfica permite que esta, enquanto procedimento

operacional possibilite a leitura de uma paisagem e assim seja utilizada pelos

estudos nas ciências humanas e principalmente em uma abordagem interdisciplinar

inserida no contexto geográfico.

Nesse sentido, para entender como se configurava o cotidiano da cidade

e as mudanças que ocorreram na paisagem de Fortaleza, serão analisadas

fotografias monocromáticas que retratam as primeiras décadas do século XX. Desse

modo, estudos contextualizados com o período retratado nas imagens possibilitam

diversas interpretações.

Esta dissertação pretende voltar-se para um estudo da Rua Doutor João

Moreira, localizada no centro da cidade de Fortaleza na tentativa de compreender a

paisagem a partir da fotografia das primeiras décadas do século XX, fotografias

estas selecionadas do arquivo pessoal de imagens de Miguel Ângelo de Azevedo –

o Nirez. Ao discutirmos o papel das formas simbólicas espaciais em uma

determinada paisagem, é notório perceber configurações que denotam práticas

relativas à memória.

Assim, iniciamos nosso processo investigativo elegendo algumas formas

simbólicas espaciais representadas a partir dos logradouros existentes na Rua

Doutor João Moreira, conforme estão representadas no Mapa 1. Corrêa (2007)

informa que “As formas simbólicas, materiais ou não, constituem signos construídos

a partir da relação entre formas, os significantes, os conceitos e os significados. As

formas simbólicas, no entanto, são sujeitas a interpretações distintas,

caracterizando-se por uma instabilidade de significados, por uma polivocalidade.” (P.

7, 2007)

O mapa 1- nos mostra a Rua Doutor João Moreira no ano de 2014,

situada no Centro da cidade de Fortaleza e também os logradouros que serão

trabalhados nesta pesquisa: Fortaleza Nossa Senhora da Assunção, Passeio

Público, Santa Casa de Misericórdia, Antiga Cadeia Pública e Estação João Felipe.

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Desse modo, estes são os seguintes enfrentamentos:

QUESTIONAMENTOS

De que maneira a geografia cultural consegue compreender a arte fotográfica

como um campo de estudos norteado pelo conceito de paisagem?

Como as fotografias podem contribuir para o entendimento da paisagem?

De que maneira é possível entender a paisagem de alguns logradouros

situados na Rua Doutor João Moreira em Fortaleza a partir das fotografias

monocromáticas da primeira metade do século XX?

OBJETIVOS

Geral

Compreender a composição da paisagem da cidade de Fortaleza

através de registros fotográficos monocromáticos da primeira metade do século XX;

Específicos

Identificar a relação existente entre paisagem e arte fotográfica no

contexto da geografia cultural;

Compreender o estudo da imagem fotográfica como um campo

importante para pesquisas científicas;

Verificar através das fotografias monocromáticas e estudos

interdisciplinares junto a história da cidade a composição da paisagem na Rua

Doutor João Moreira nas primeiras décadas do século XX;

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O tema desta pesquisa possui um caráter relevante para a geografia e

justifica-se pelas reflexões teóricas propostas e inseridas na perspectiva da

geografia cultural. Assim, esta pesquisa pode impulsionar outras análises, bem

como conduzir novas abordagens relacionadas aos conceitos geográficos.

O conceito de paisagem não está pautado apenas no sentido visual

propriamente, mas sim em todos os sentidos e todas as maneiras pelas quais os

sujeitos agem, e modificam o que está ao seu redor, pois isto é a própria

reconstrução da paisagem. Assim, se o indivíduo está inserido no seio de uma

cultura este age e pensa de maneira diferenciada, isso possibilita entender que os

sentidos são diversificados, podendo chegar a compreensão de que a paisagem não

é apreendida de maneira padronizada por todos os sujeitos que a compõem.

Dessa forma, justifica-se o marco temporal escolhido para esta

dissertação como as primeiras décadas do século XX, devido ao período de

transformações e efervescências na cidade de Fortaleza.

No capítulo 1 intitulado Paisagem: origem e transitoriedade conceitual

será abordado o estudo do conceito de paisagem inserido na geografia cultural, bem

como as transformações da geografia cultural tradicional para a geografia cultural

renovada e assim entender as perspectivas atuais do conceito de paisagem na

geografia e sua relação junto a outras áreas de estudo como a arte, a literatura, a

música, o cinema e a fotografia.

Nesse sentido, para estabelecer um referencial teórico ao trabalho,

conduzimos uma relação conceitual entre paisagem e cultura pela qual serão

realizadas análises a partir de autores como Sauer (2007), Berque (1998), Corrêa

(2007), Duncan (2007), Cosgrove (1998) e Meining (1976), para o método busco

esteio teórico em Merleau-Ponty (1999) para compor este primeiro capítulo entre

outros autores estudados durante o capítulo 1.

O capítulo 2 intitulado O estudo fotográfico e suas particularidades

pretende estudar a fotografia enquanto manifestação artística e também uma forma

de intervenção social que possibilita uma memória de momentos passados através

do registro da imagem.

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Nesse contexto, para a compreensão conceitual de fotografia e sua

relação interdisciplinar nesse capítulo busco esteio no pensamento de Dubois

(1993), Aumont (1993) e Barthes (1984). Kossoy (2012, 2004, 2009) possibilita uma

análise mais aprofundada de suas pesquisas neste capítulo, por meio do estudo

fotográfico e do modelo metodológico de investigação fotográfico e por fim no

capítulo é abordada a memória e a paisagem na fotografia.

O capítulo 3 chama-se A geografia visual da Rua Doutor João Moreira.

Nesse capítulo serão compreendidas as visualidades a partir das fotografias

monocromáticas da Rua Doutor João Moreira selecionadas no arquivo pessoal de

imagens de Miguel Ângelo de Azevedo – o Nirez 1, bem como será feita a

contextualização histórica da Rua e dos logradouros trabalhados nesta dissertação,

tendo como apoio teórico os trabalhos de Ponte (1999), Gylmar (2006), Aderaldo

(1998), Nogueira (1954) e outros autores já citados no capítulo 1 que trabalham com

o conceito de paisagem.

Desse modo, este capítulo possibilita a compreensão do contexto social,

histórico e cultural da cidade de Fortaleza no período de transição do século XIX

para as primeiras décadas do século XX. Assim, neste capítulo são feitas as

ligações entre o conceito de paisagem, a história da cidade e as fotografias

selecionadas por meio do recorte espacial e temporal desta dissertação.

1 Miguel Ângelo de Azevedo, conhecido por Nirez, cearense, jornalista, historiador e pesquisador em música

popular brasileira.

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1. PAISAGEM: ORIGEM E TRANSITORIEDADE CONCEITUAL

A abordagem teórica é um esteio fundamental para aproximação de um

objeto de estudo. No presente capítulo será delineado o estudo de um conceito-

chave para a ciência geográfica, aqui apresentada por meio do conceito de

paisagem, conceito este inserido na geografia cultural junto a novas concepções

mediadas pela cultura e pelas artes.

A paisagem caracteriza-se como um dos conceitos mais antigos da

geografia, foi um dos primeiros temas desenvolvidos pelos geógrafos alemães e

franceses sob a óptica do conceito de cultura. Nessa abordagem, privilegiava-se o

caráter morfológico do conceito de paisagem e a cultura era compreendida por meio

das técnicas, dos utensílios, ou seja, dos aspectos materiais concretos, utilizados

pelo ser humano a fim de modificar o ambiente natural com o objetivo de torná-lo

mais produtivo.

Nesse sentido ao tentarmos fazer uma compreensão acerca do conceito

de paisagem, podemos verificar que tal conceito não está pautado apenas no

sentido visual, mas sim em todos os sentidos e todas as maneiras pelas quais os

sujeitos interferem e modificam o que está ao seu redor, pois isto sim é a própria

reconstrução da paisagem. Se o indivíduo está inserido no seio de uma cultura este

age e pensa de maneira diferenciada, desse modo os sentidos são diversificados,

podendo chegar a compreensão de que a paisagem não é apreendida de maneira

padronizada por todos os sujeitos que a compõem.

1.1 O CONCEITO DE PAISAGEM E A DIMENSÃO DA ABORDAGEM CULTURAL

ATÉ A DÉCADA DE 1970

O termo cultura teve suas primeiras análises de cunho geográfico, pelo

alemão Friedrich Ratzel. O termo cultura serviu de esteio conceitual para

investigação no livro Antropogeografia. Andrade (1992) afirma que a temática

enfatizava o papel do homem diante da natureza e consigo as relações entre a

sociedade e o meio.

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Na França, os estudos culturais tiveram destaque através de Paul Vidal

de La Blache, e assim como na Alemanha, ocorreu simultaneamente ao processo de

sistematização da Geografia como ciência acadêmica. Vidal de La Blache elaborou

o conceito de gênero de vida e estudou as relações que podem se formar entre o

homem e o meio mais especificamente entre a população e os recursos naturais.

Para La Blache, a cultura seria interligada pelas técnicas, instrumentos, e

maneiras de habitar que as sociedades utilizavam para modelar e compor a

paisagem. Assim, o meio físico exerceria uma ascensão sobre gêneros de vida, mas

os grupos humanos também poderiam interferir, dependendo de seu estágio

civilizatório, cultural e seu potencial desenvolvimento tecnológico.

Holzer (1994) explica que tanto os alemães quanto os franceses optaram

por estudar o conceito de paisagem. Para compreender esses estudos, a seguinte

citação explica sobre o conceito de paisagem na perspectiva alemã:

No caso dos alemães esta associação pode ser atribuída ao próprio termo “ Landschaft” , muito mais complexo que seu correlatos em inglês ou nas línguas latinas. Esta palavra alemã circunscreve uma área com elementos e conteúdos muito mais amplos do que podemos encontrar em outros idiomas, englobando toda uma região com suas complexidades morfológicas, e não se limitando, portanto, ao sentido estrito daquilo que se abarca com o olhar, à cena. (HOLZER, 1994, p. 52-53)

Já no ponto de vista da escola francesa de geografia a paisagem seria

entendida na seguinte concepção:

No caso do francês a associação vidalina é da paisagem com os “Pays”. Os dados obtidos a partir do estudo dos modos de vida regionais eram associados com as técnicas de projeção mais avançadas da época. A partir das cartas geográficas procurava-se, para áreas amplas, a identificação de características genéricas, tanto físicas quanto culturais, que se constituiriam nas paisagens típicas de cada região, individualizando-as em relação às outras. (HOLZER, 1994, p. 53)

Diante dessas explicações é necessário salientar que estas duas linhas

de pensamento possibilitaram um legado importante para outros e novos estudos

sobre o conceito de paisagem na geografia. Nesse sentindo, nesta pesquisa será

abordado o conceito de paisagem diante da geografia cultural.

No inicio do século XX a dimensão cultural do conceito de paisagem

estendeu-se até os Estados Unidos e adquiriu expressividade na década de 1920

através de Carl Sauer um dos precursores da Escola de Berkeley, escola esta que

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foi estruturada as bases da geografia cultural americana. Na tentativa de

compreender as relações do homem enquanto produtor da paisagem, Sauer (2007)

associava o homem e a cultura como agentes de transformação do ambiente

natural, conforme a afirmação seguinte: “A geografia cultural se interessa, portanto,

pelas obras humanas que se inscrevem na superfície terrestre e imprimem uma

expressão característica.” (2007, p. 22).

Além disso, Holzer (1992) informa que Carl Sauer estruturou a geografia

cultural, a partir das raízes alemãs e francesas, servindo suas formulações como

fundamento tanto para geografia cultural quanto para geografia humanista. Dessa

maneira entende-se que:

A geografia cultural implica, portanto, um programa que está integrado com o objetivo geral da geografia, isto é, um entendimento da diferenciação da Terra em áreas. Continua sendo, em grande parte, observação direta de campo baseada na técnica de análise morfológica desenvolvida em primeiro lugar na geografia física. Seu método é evolutivo, especificamente histórico até onde a documentação permite e, por conseguinte trata de determinar as sucessões de cultura que ocorreram numa área. Consequentemente a geografia histórica e geografia econômica se fundem numa só disciplina, interessando-se a segunda pelas áreas culturais presentes que procedem das anteriores. (SAUER, 2007, p. 25)

Diante dessas conceituações, nas décadas seguintes surgiram críticas ao

pensamento e legado saueriano acerca do conceito de paisagem e cultura. Alguns

autores afirmavam que a proposta de Sauer não consideraria o caráter subjetivo da

paisagem, pois o mesmo não era verificado e não fazia parte do contexto científico

de suas obras. Um dos principais críticos a concepção e pensamento saueriano foi

James Duncan. Logo, serão analisadas algumas críticas que Duncan fez ao

pensamento de Sauer e a concepção de cultura inserida no surgimento da geografia

cultural.

A inserção do conceito de cultura com caráter supra-orgânico foi adotada

por Sauer no surgimento da geografia cultural, por meio da influência de estudiosos

antropológicos:

A teoria da cultura enquanto entidade supra-orgânica foi esboçada pelos antropólogos Alfred Kroeber e Robert Lowie durante os primeiros 25 anos do século XX, sendo posteriormente, elaborada por Leslie White. A cultura era vista como uma entidade acima do homem, não redutível às ações dos indivíduos e misteriosamente respondendo a leis próprias. Além disso, foi essa visão de cultura que passou a dominar a geografia cultural. Essa perspectiva foi adotada especificamente por Carl Sauer ao se associar a

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Kroeber e Lowie em Berkeley nas décadas de 1920 e 1930, sendo posteriormente transmitida para seus alunos. (DUNCAN, 2007, p. 24)

Pelo exposto, a cultura era apreendida como uma entidade supra-

orgânica com suas próprias leis pairando sobre os indivíduos e a sociedade. Mas

então o que realmente seria esse caráter supra-orgânico?

O supra- orgânico implica uma visão de homem como relativamente passivo e impotente. Se o individuo é considerado atomístico e isolado, então as forças aglutinadoras entre os homens devem ser externas a eles. Os supra- organicistas não entendem que a “cultura é o trabalho da humanidade; temos a impressão de que ela é autônoma (...)” (DUNCAN, 2007, p. 77)

Assim, a cultura seria absorvida como algo externo aos indivíduos, onde o

processo de canalização e interiorização seria feito de maneira totalmente

condicionante, gerando assim padronizações e até homogeneidades culturais.

Desse modo, sob este viés percebe-se que a cultura determinava as ações da

sociedade.

Ainda nessa perspectiva Duncan (2007) nos remete ao pensamento de

Kroeber acerca da cultura determinando as ações humanas como pode ser

observado na seguinte afirmação “não precisamos nos preocupar com o individuo

porque ele é um mero agente das forças culturais, um mensageiro levando

informação através das gerações e de lugar para lugar.” (2007, p. 68). Duncan

(2007) também informa que Leslie White foi outro autor que tentou ser mais coerente

em sua conceituação sobre cultura, todavia continuou na perspectiva de que a

cultura determinava as ações dos homens na terra, através do seguinte

questionamento: “Se o comportamento das pessoas é determinado pela cultura, o

que determina a cultura? A resposta é que ela própria se determina. A cultura pode

ser considerada como um processo sui generis.” ( 2007, p. 68)

A geografia cultural tradicional considerava a cultura como uma força

determinante das ações humanas, esse pensamento impossibilitou outros estudos

de cunho mais crítico como pode ser constatado:

Na medida que os geógrafos culturais consideram que a cultura seja uma força determinante, outros tipos de explicação não parecem ser necessários. Por isso, muitas questões importantes são excluídas. (...) Em suma, o mundo descrito pelos geógrafos culturais é um mundo no qual o individuo está em grande parte ausente, onde o consenso prevalece, onde os desvios são ignorados. É um mundo intocado pelos conflitos interculturais. Assim, a não - intencional consequência da teoria supra-

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orgânica tem sido desencorajar a investigação de importantes questões relativas à interação social, atribuindo explicações a uma entidade transcendental. (DUNCAN, 2007, p. 78-79).

O conceito de determinismo ambiental passou a soar análogo ao caráter

de determinismo cultural no qual as diferenças existentes no ambiente físico

poderiam condicionar a diversidade cultural existentes no planeta. Todavia, é

necessário enfatizar que a crítica existente corresponde ao entendimento que é

possível existir uma diversidade cultural localizada em uma área com o mesmo tipo

de ambiente físico, portanto isso mostra que a cultura é como uma colcha de

retalhos repleta de composições, sendo esta independente da constituição biológica

e determinista do meio físico.

Sauer (2007) reafirmou o conceito de paisagem como um importante

conceito chave da geografia assim como divulgou estudos vinculados à abordagem

cultural. Desse modo, é necessário salientar a contribuição do autor ao pensamento

geográfico, principalmente no que tange a perspectiva da geografia cultural, mas

deve-se também compreender que o entendimento de uma entidade supra-orgânica

torna-se um obstáculo a partir do momento que oculta as diversas relações sociais,

econômicas e políticas existentes em uma determinada cultura.

Desse modo, entende-se que a paisagem vinha sendo discutida em

busca da compreensão entre a sociedade e o meio circundante. Contudo, nota-se

que a geografia humana por bastante tempo negligenciou o caráter simbólico do

conceito de paisagem. Esta negligência é atribuída a um determinado momento pelo

qual a geografia alicerçou metodologicamente e epistemologicamente ainda mais

seus fundamentos e bases conceituais ao positivismo. Dessa forma, não era

realizada uma discussão embasada no conceito de paisagem em termos de um

humanismo que apresentava elementos simbólicos na espacialidade em geral.

Estas indagações tornaram possíveis novas discussões sobre o aporte

teórico do conceito de paisagem e possibilitou maneiras de pensar uma nova

geografia cultural. Contudo, é necessário e relevante analisar a importância da

geografia cultural tradicional para assim entender as transformações pelas quais

fizeram parte do desenvolvimento epistemológico do conhecimento geográfico.

Ou seja, esta dissertação irá aprofundar os estudos na perspectiva da

Geografia Cultural Renovada através da reflexão sobre a paisagem junto à fotografia

que é um desafio ainda posto na pesquisa em geografia. Pretende-se compreender

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como a linguagem fotográfica permite que esta, enquanto procedimento operacional

possibilite a leitura de uma paisagem e possa ser utilizada pelos estudos nas

ciências humanas e principalmente em uma abordagem interdisciplinar inserida no

contexto geográfico, para isto no próximo tópico serão aprofundados e embasados

os estudos conceituais sobre a paisagem na perspectiva da geografia cultural

renovada.

1.2 O CONCEITO DE PAISAGEM NA GEOGRAFIA CULTURAL RENOVADA

Os estudos inseridos nas concepções naturalistas e funcionalistas

pensadas entre os séculos XVIII até os anos de 1970 tornaram-se ineficazes para

estudiosos que começaram a pesquisar uma geografia não mais pautada, apenas

na objetividade, mas sim em uma interação construída a partir da subjetividade em

seus estudos.

A partir da década 1970, a geografia cultural passou por um processo de

renovação, o conceito de paisagem passou a ser inserido nas abordagens

geográficas agora com ênfase no caráter subjetivo acrescido ainda na análise do

significado.

Nesse contexto vale ressaltar que a geografia cultural foi incorporada de

maneira tardia entre os geógrafos brasileiros, devido ao pensamento tradicional que

impediu por certo tempo a expansão deste campo da geografia humana. Corrêa

(2007) informa que a partir da década de 1990, começou a ser percebido que a

diversificação cultural existente no território brasileiro se devia ao fato de sua

estruturação e formação no decorrer dos séculos e décadas ter sido promovida por

amplos processos de formação cultural, tornando possível perceber que o Brasil é

um excelente campo para estudos da geografia cultural.

Com a introdução da geografia cultural no Brasil durante a década de

1990, o conceito de paisagem passou a ser analisado de uma maneira mais

aprofundada inserido na geografia também com o viés cultural. Só para constatar

que na geografia tradicional a paisagem era pautada na objetividade do meio físico e

na racionalidade da interpretação do objeto de estudo. Assim:

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A cultura popular, negligenciada pela geografia brasileira, constitui-se em importante temática para a inteligibilidade do país. (...) Os significados das diversas práticas espaciais associadas ao cotidiano, envolvendo as coisas correntes, e as manifestações menos frequentes ou periódicas estão, com raras exceções, a serem evidenciados pelos geógrafos brasileiros. As festas e a música popular estão, entre outras manifestações, entre aquelas práticas merecedoras de atenção. (CORRÊA; ROSENDAHL, 2007, p. 17)

O Brasil é um país gigante e exala diversidade cultural, indicam-se alguns

temas interessantes para pesquisas e estudos sob a óptica investigativa geográfica

através de assuntos como:

(...) O caráter simbólico dos prédios, monumentos, praças, ruas, bairros, cidades e regiões; As trocas comerciais através dos mercados periódicos (feiras) e do comércio itinerante um estudo compreendendo a prática cultural no espaço e seus significados; A cultura popular em suas múltiplas manifestações e variação espacial; Os contatos e conflitos culturais resultantes do processo migratório interregional; A caracterização e delimitação de áreas culturais, inclusive áreas residuais e enclaves, num contexto de difusão de uma cultura com características globais. (CORRÊA, 1995, p. 16)

Na geografia cultural renovada a paisagem é carregada de significados e

percebida como um campo repleto de interpretações. Surge um conceito que

envolve a cultura, o significado e as práticas simbólicas engendrando novas formas

de compreensão da paisagem. Nesse contexto, Silva (2001) afirma que a geografia

cultural renovada possibilitou caminhos para os estudos de uma paisagem cultural

que não é unilinear e uniforme, mas sim múltipla e repleta de variações com

fragmentos temporais das sociedades.

Dessa forma, as manifestações populares, as religiões, os hábitos e até a

culinária são exemplos de manifestações culturais. É importante também ressaltar a

linguagem e a arte como símbolos culturais manifestados através das falas, dialetos,

escritas, desenhos e também sinais corporais. Assim, podemos entender que a

paisagem cultural é transformada e modelada a todo instante. O resultado dessa

modificação é fruto da ação humana nos lugares formando novas composições

espaciais.

Refletindo sobre as modificações na geografia cultural Corrêa e

Rosendahl (2007) discutem a relação entre geografia e fenomenologia. Referindo-

se ao período de transição da geografia cultural tradicional para a geografia cultural

renovada.

24

No processo de renovação e revalorização da geografia cultural diversas influências se fizeram presentes. De um lado, a própria tradição saueriana e o legado vidaliano. De outro, a influência das filosofias do significado, especialmente da fenomenologia, e do denominado materialismo cultural de Raymond Williams (2007, p 12).

Nesses estudos, o método fenomenológico torna-se apropriado para a

transcrição do mundo enquanto cotidiano, implicando nas experiências vivenciadas

pelos seres humanos. As essências, as subjetividades a formação perceptiva são

favorecidas pelo método fenomenológico junto a valorização das experiências

humanas para a formação do conhecimento.

Algumas das compreensões e apreensões da fenomenologia podem ser

feitas por meio do pensamento de Merleau Ponty (1999) a partir da concepção

pautada na Fenomenologia da Percepção:

Toda vez que experimento uma sensação, sinto que ela diz respeito não ao meu ser próprio, aquele do qual sou responsável e do qual decido, mas a um outro eu que já tomou partido pelo mundo, que já se abriu a alguns de seus aspectos e sincronizou-se a eles. (1999, p. 291)

Deste modo, é entendido que a fenomenologia está pautada na

compreensão de significado. A percepção corresponde ao caráter a partir do mundo

vivido e de acordo com este entendimento sabe-se que descrever o espaço

propriamente dito com todas e somente suas características físicas é uma

abordagem imprópria para este trabalho, pois não privilegia a experiência humana

calcada nos estudos fenomenológicos.

A paisagem como percepção é trabalhada a partir das sensações e

experiências. O espaço e a paisagem são construídos em coletividade, no entanto

não se deve desconsiderar as experiências individuais dos seres humanos.

O mundo vivido é repleto de significações e repleto de experiências, por

isso existem compreensões diferenciadas da realidade em cada sujeito no planeta.

As experiências vividas diariamente em sociedade aguçam diferentes sentidos que

são dinâmicos e modificam-se com as diferentes maneiras de olhar e sentir o que

está ao redor. Ou seja, a paisagem não é estática, mas sim carregada de

movimentações que emanam dinamicidade de valores e sentidos.

Para o entendimento dos sentidos de apropriação da paisagem Rieper

(2007) explica que as características perceptivas são diferenciadas de um sujeito

para outro, através de alguns fatores, como os valores culturais e as experiências

25

vivenciadas pelos sujeitos. De acordo com o pensamento da autora, sensação e

sentimento são eventos relevantes no estudo da percepção, pois são estes que

individualizam, humanizam, dão cheiro, história pessoal, vida, à construção de um

espaço. Dessa maneira, relacionar essas sensações faz parte do processo de

formação e construção das paisagens.

Nessa perspectiva, a formação de imagens por experiência do vivido e a

paisagem podem ser trabalhados em uma perspectiva cultural. As linhas, cores,

ruas, avenidas, árvores que passam diante de nossos olhos diariamente são

aspectos apreendidos diretamente por fatores externos, mas nossos sentidos são

diferenciados, pois são carregados de modos de perceber diversificados.

Alguns estudiosos expressam manifestações a respeito do conceito de

paisagem. Entre eles destacam-se os estudos de Berque (1998), Cosgrove (1998),

Wagner e Mikesel (2007) e Meining (1976) os quais desenvolveram um

embasamento teórico- metodológico fornecendo instrumentos que possibilitam

reflexões no campo da geografia cultural.

Augustin Berque (1998) é um dos pesquisadores que contribuiu para o

entendimento do conceito de paisagem, este a concebe como “marca” e como

“matriz”. Para o autor a “paisagem marca” se concebe na expressão de uma

civilização, sendo produzida, formada e transformada pela sociedade, então a

“paisagem matriz” é justamente o processo de concepção do ato, ou seja, de

formação dos elementos da paisagem, que podem ser provenientes de papeis

simultâneos da paisagem marca e matriz. Desse modo, podemos entender que o

autor se propôs a investigar análise fenomenológica do conceito de paisagem.

Entende-se que a paisagem é marca porque exprime uma civilização e é matriz

porque participa dos esquemas de ação, concepção e participação.

Deste modo, o autor nos alerta para os sentidos diferenciados que estão

envolvidos no processo interativo de participação sujeito e paisagem:

De fato, o que está em causa não é somente a visão, mas todos os sentidos; não somente a percepção, mas todos os modos de relação do indivíduo com o mundo; enfim, não é somente o indivíduo, mas tudo aquilo pelo qual a sociedade o condiciona e o supera, isto é, ela situa os indivíduos no seio de uma cultura, dando com isso um sentido à sua relação com o mundo (sentido que, naturalmente, nunca é exatamente o mesmo para cada indivíduo). (BERQUE, 1998, p. 87)

26

No intuito de construir uma teoria para a leitura da paisagem, Cosgrove

(1998) busca compreensões que conduzam os geógrafos a metodologias mais

interpretativas do que morfológicas, fazendo emergir, a partir da configuração de

símbolos e signos, o verdadeiro significado da paisagem. O autor explica que o

conceito de paisagem não é apenas uma maneira de visualizar algo existente sobre

a superfície terrestre, mas sim uma composição do mundo em um momento que por

si só não é estático, mas carregado de movimentações e interpretações, conforme a

afirmação abaixo:

A paisagem sempre esteve intimamente ligada, na geografia humana, com a cultura, com a ideia de formas visíveis sobre a superfície da terra e com a composição. A paisagem, de fato, é uma maneira de compor e harmonizar o mundo externo em uma “cena”, em uma unidade visual. (COSGROVE,1998, p. 98)

Todas as paisagens possuem significados simbólicos porque é o produto

da apropriação e transformação do meio ambiente pelo homem. Cosgrove (1998, p.

108) afirma que “O simbolismo é mais facilmente apreendido nas paisagens mais

elaboradas – a cidade, o parque, o jardim – e através da representação da paisagem

na pintura, poesia e outras artes. Mas pode ser lida nas paisagens rurais e mesmo

nas mais aparentemente não-humanizadas paisagens do meio ambiente natural.”

Dessa forma, Cosgrove (1998) admite que a paisagem geográfica possui

significado simbólico , porque é produto da apropriação da natureza, na qual foi

modelada e impressa, ao geógrafo compete decodificar a paisagem aprendendo a

ler seus significados, assim o autor identifica dois tipos de paisagens:

- Paisagem da cultura dominante:

Quando falo em poder não quero me referir apenas ao sentido limitado de um grupo executivo ou de governo em particular, mas precisamente ao grupo ou classe cuja dominação sobre outros está baseada objetivamente no controle dos meios de vida: terra, capital, matérias-primas e força de trabalho. (...) Seu poder é mantido e reproduzido, até um ponto consideravelmente importante, por sua capacidade de se projetar e comunicar, por quaisquer meios disponíveis e através de todos os outros níveis e divisões sociais, uma imagem do mundo consoante com sua própria experiência e ter essa imagem aceita como reflexo verdadeiro da realidade de cada um. Este é o significado da ideologia. (COSGROVE, 1998, p. 111-112)

- Paisagens alternativas - Criadas por grupos não dominantes e dividem-

se em mais três eixos explicativos:

27

a) Paisagens residuais – Existem a partir da reconstrução de paisagens

do passado.

b) Paisagens emergentes - As paisagens emergentes são provenientes

de novos grupos podem ter caráter transitório de existência.

c) Paisagens excluídas – Estão associadas às minorias e grupos como os

ciganos e minorias raciais e religiosas.

Os aspectos históricos e temporais também influenciam na construção de

determinada paisagem. Ou seja, a percepção e visualização da paisagem atual se

concretizam a partir dos vestígios acarretados de tempos distantes no passado ou

momentos presentes que influenciam na constituição da paisagem atual e

possivelmente a futura. Neste contexto, Wagner e Mikesell (2007) irão apresentar o

conceito de paisagem compreendido a partir do seu caráter simbólico:

Poucas paisagens culturais atuais são inteiramente produtos do trabalho de comunidades contemporâneas. A evolução de uma paisagem é um processo gradual e cumulativo tem uma história. Os estágios nessa história têm significados para a paisagem atual, assim como para as do passado. Além disso, as paisagens culturais atuais do mundo refletem não apenas nas evoluções locais, mas também grande número de influências devido a migrações, difusão, comércio e trocas. (2007, p. 39)

Desse modo, é entendido que não são apenas as civilizações modernas

que contribuíram e contribuem para o processo cumulativo de construção da

paisagem, mas também são as relações de sucessões temporais entre as

civilizações que possibilitam o surgimento de vestígios e resistências de

comunidades que já existiram e que ainda possuem importância para a

compreensão da paisagem.

Os seres humanos com suas capacidades cognitivas diferenciadas

também possuem compreensões de mundo diversas e consequentemente

apreensões heterogêneas da paisagem que o cerca. Um exercício interessante é

tentar perceber como a geografia pode saltar aos nossos olhos mesmo nos

exemplos mais simples ou interessantes do cotidiano, através das percepções

ligadas a visão, a audição, olfato, tato e paladar. Todavia, nunca possuiremos a

mesma impressão da paisagem, pois pensamos e interpretamos de maneiras

diferenciadas e raciocinar desta maneira significa dizer que a subjetividade permeia

uma relação coerente nos pensamentos, o que torna possível uma junção cabível de

diversas possibilidades no conceito de paisagem.

28

Perpassar o campo do visível, ou seja, algo que está a frente dos nossos

olhos e a partir daí compreender a gama de interpretações é o que propõe Meining

(1976), ao abordar várias interpretações diferentes de perceber a paisagem como:

natureza, habitat, artefato, sistema, problema, riqueza, ideologia, história, lugar e

estética.

A interação com a história é visível no objeto de estudo desta dissertação,

a compreensão da paisagem a partir das fotografias antigas de Fortaleza nos

remetem a um possível pensamento da paisagem enquanto história:

A paisagem é um depósito imensamente rico em dados sobre as pessoas e a sociedade que a criaram, mas esses dados devem ser colocados no contexto histórico apropriado se o desejo é que sejam interpretados corretamente. Portanto, a paisagem é também uma grande exibição das consequências, embora os laços entre as atitudes, decisões, ações e resultados específicos possam dificultar uma interpretação segura. Em qualquer caso, se a visão histórica intenta servir como curiosidade, reflexão ou instrução, a paisagem fornece infinitas possibilidades. (1976, p. 43)

Ao compreender a paisagem como estética, Meining (1976) nos esclarece

que a paisagem é um mistério e que nós seres humanos tentamos capturar e

apreender os significados, todavia é o artista que tenta por meio de suas obras levar

a compreensão destes significados, possibilitando assim a percepção da paisagem

como algo existente para além de ciência e inserida nas condições pessoais e

pensamentos individuais. O autor continua afirmando que:

No gênero da pintura da paisagem, podemos encontrar exemplos que expressam muitas das visões discutidas da paisagem: o poder e a majestade da natureza, a harmonia entre o homem e a natureza, a marca da história sobre a terra, o caráter detalhado dos lugares. Cada uma delas representa uma cuidadosa seleção feita pelo artista. Mas a “pureza” da forma da paisagem como estética é uma abstração, segundo a qual todas as formas específicas são dissolvidas na linguagem básica da arte: através de cor, textura, massa, linha, posição, simetria, equilíbrio, tensão. (MEINING, 1976, p. 44)

A paisagem cultural está pautada na compreensão da transformação da

paisagem em uma vitrine cultural que é modificada e também modelada a todo

instante. O resultado dessa modificação é fruto da ação humana que opera sobre o

meio físico a fim de engendrar uma nova paisagem.

A geografia como ciência não pretende compreender todas as

características internas de determinada cultura por si só, mas sim busca

29

compreender as modificações no (do) espaço por meio da cultura, pois se o homem

age interferindo em seu habitat ele produz e reproduz cultura. Assim, o sujeito é

quem produz as manifestações culturais e o mesmo age modificando o espaço.

Quando um grupo ou sujeito consegue perpassar e difundir cultura em outro

território que não seja o seu de origem, isto possibilita o processo de ampliação

cultural, ou seja, o processo de difusão cultural.

Desse modo, como propõe a nova Geografia Cultural o conceito de

paisagem permeia a transposição do campo de visibilidade para o campo dos

significados, através de interpretações nas quais o caráter subjetivo está entrelaçado

ao poder de compreensão de determinada paisagem.

Todo o aporte conceitual que foi colocado neste tópico, apesar de

representar apenas uma parte dos estudos referentes ao conceito de paisagem, nos

dá a ideia da importância, amplitude e complexidade que envolve o tema. Este

levantamento de base teórica e conceitual servirá para a compreensão dos estudos

atuais da paisagem nesta dissertação. Para isto serão analisados no próximo tópico

as novas perspectivas e estudos atuais do conceito de paisagem.

1.3 PERSPECTIVAS ATUAIS DO CONCEITO DE PAISAGEM

A ciência geográfica tentou nos últimos anos, avançar suas pesquisas

acreditando que seria possível “estudar o espaço sem reduzi-lo apenas à sua

dimensão material, lógica e formal” Marandola (2003, p. 6). Desse modo, o grupo

vinculado à uma linha de pesquisa renovada da tradição saueriana iniciaram estudos

de relações entre a Geografia com a Literatura, a Psicologia, as Artes Plásticas; a

relação entre a fenomenologia e a geografia é incontestável, pois, propôs questões

filosóficas importantes, levando a discussão epistemológica.

Nesse contexto, muitas perspectivas de análise têm sido propostas para

compreender as muitas transformações existentes no espaço geográfico, Destaca-

se, nessa abordagem, o interesse pelos estudos de uma variedade de temas

relacionados à cultura popular, à etnia, ao gênero, à religião, bem como diferentes

manifestações artísticas. Assim a geografia cultural atual torna-se cada vez em

destaque a partir de estudos antes invisíveis pela seara geográfica:

30

A geografia cultural é atualmente uma das mais excitantes áreas de trabalho geográfico. Abrangendo desde as análises de objetos do cotidiano, representação da natureza na arte e em filmes até estudos do significado das paisagens e a construção social de identidades baseadas em lugares, ela cobre numerosas questões. Seu foco inclui a investigação da cultura material, costumes sociais e significados simbólicos, abordados a partir de uma série de perspectivas teóricas. (MCDOWELL ,1996, p.159)

Ao debater sobre a dimensão cultural são relacionados todos os aspectos

existentes no espaço, pois a cultura perpassa todas as dimensões existentes sejam

estas físicas ou humanas e a partir daí compreende-se o conceito de cultura inserido

no espaço geográfico. Neste sentido Corrêa; Rosendahl (2007) nos informam que:

Nesses caminhos podem ser considerados tanto a dimensão material da cultura como a sua dimensão não-material, tanto o presente como o passado, tanto objetos e ações em escala global como regional e local, tanto aspectos concebidos como vivenciados, tanto espontâneos como planejados, tanto aspectos objetivos como intersubjetivos. O que os une em torno da geografia cultural é que esses aspectos são vistos em termos de significados e como parte integrante da espacialidade humana. (2007, p. 13)

Além disso, é necessário enfatizar a inserção na geografia cultural de

temáticas relacionadas à literatura, a música, a pintura, a fotografia e os filmes que

se destacam entre outros campos que foram retomadas ou surgiram diante das

transformações sociais, políticas, econômicas e culturais vivenciadas na geografia.

É nesse contexto que ocorre a reelaboração dos conceitos e ampliação

dos temas da abordagem cultural, assim como as mudanças e sua renovação.

Corrêa; Rosendahl, (2007) informam que isto pode ser verificado e exemplificado em

periódicos como Géographie et Cultures e Ecumene que, ao lado do mais antigo

Journal of Cultural Geography, contribuem, a partir da década de 1990, para

proliferar conhecimento da crescente produção da pesquisa cultural geográfica. O

Brasil, também possui um destaque importante através do Núcleo de Estudos e

Pesquisas sobre Espaço e Cultura, criado em 1993, e o periódico Espaço e Cultura,

criado em 1995, que traduzem o interesse de analisar temáticas variadas sobre

estudos culturais.

Nessa perspectiva Corrêa (1995, p. 4) afirma que “Paisagem cultural é o

conjunto de formas materiais dispostas e articuladas entre si no espaço como os

campos, as cercas vivas, os caminhos, a casa, a igreja entre outras, com seus

estilos e cores, resultante da ação transformadora do homem sobre a natureza.”.

31

Para exemplificar esses novos estudos, Corrêa (1995) nos remete a um

estudo sobre a paisagem dos cemitérios das grandes cidades brasileiras. O autor

informa que na entrada principal dos cemitérios, junto à rua ou à praça, estão os

túmulos das pessoas ricas e prestigiadas da cidade, com acabamentos em mármore

ou granito e ornamentados com símbolos imponentes. Um pouco mais atrás, estão

os túmulos dos indivíduos de classe media, com acabamentos mais simples e

baratos. Na periferia do cemitério, um pouco mais distante da entrada principal, de

acessibilidade mais difícil estão enterrados, as vezes sem nenhum jazigo, os

indivíduos das classes mais populares e menos abastardas. Desse modo, Corrêa

(1995) explica que a paisagem dos cemitérios também reproduz o status social que

os sujeitos tiveram em vida e continuam sendo reproduzidos após a morte, isto foi

compreendido através de um estudo de perspectiva funcional e simbólica nos

cemitérios, desse modo, torna-se mais evidente que estudos como este possam ser

feitos sob a perspectiva geográfica cultural.

Cosgrove (1998) explica que por bastante tempo a geografia deixou

escapar muito do significado existente na paisagem humana, tendendo a reduzi-la a

uma impressão impessoal de forças demográficas e econômicas. É nessa

perspectiva que devemos pensar sobre a ideia de aplicar aos estudos da paisagem

humana algumas das habilidades interpretativas que possuímos ao estudar um livro,

um poema, um filme ou um quadro, e a partir daí trata-la como uma expressão

humana intencional com muitas camadas de significados. Deixar essa estranheza de

lado e partir para novos campos de estudos é o que propõe o autor ao difundir suas

pesquisas geográficas pelo mundo.

Armando Corrêa da Silva (1991), realça o valor da subjetividade a partir

do método fenomenológico: “A Fenomenologia pode ser considerada como aspecto

da teoria do sujeito. Como tal, deve apreender a forma aparente e real, o conteúdo

aparente e real ao nível das ideias, dos sentimentos, das representações, do

comportamento, e principalmente, da vivência.” (SILVA, 1991 p. 54)

Hissa (2002) enfatiza o processo de construção pessoal e histórico de

formação de ações que impulsionam a composição do olhar do sujeito, para

exemplificar melhor pode ser observado na seguinte passagem: “(...) Não há um

olhar que se desvencilhe do passado, por mais imediato que esse se faça em

relação ao presente. Do mesmo modo, não há um olhar supostamente objetivo que

desconsidere o pensamento organizado anteriormente.” (2002, p.181)

32

Entendendo que o olhar torna-se uma razão fundamental para pensar o

cotidiano e que apesar das imagens tornarem-se cada vez mais parte desse

universo, a presente dissertação busca visualizar paisagens em uma determinada

área de Fortaleza, cujo registro e reprodução de imagens são objetos de análise

nesta pesquisa. As imagens fotográficas da rua Dr. João Moreira nos levam a

pensar que o espaço urbano manifesta-se diversificado, repleto de apropriações

físicas e comportamentais diferenciadas o que torna possível o processo criativo de

manifestações culturais.

Estas manifestações estão inseridas na gama de polivocalidades e

diversificações manifestadas no espaço. A polivocalidade se constitui na trama de

várias vozes no qual existe um paradoxo sensível na maneira como os sujeitos

entremeiam sociabilidades e ao mesmo tempo, vinculam através de registros

históricos o seu cotidiano.

Para compreender a concepção de paisagem na perspectiva do urbano

são discutidas as afirmações colocadas por Carlos (2007), ao relacionar as

percepções existentes na paisagem e o papel desta enquanto produção espacial.

Conforme observaremos na seguinte citação:

(...) Fechemos os olhos e deixemos nossa imaginação andar pela cidade. O que vemos? Inicialmente o perceptível é o concretamente visível: prédios, casas, ruas. Bairros que se sucedem de forma diferenciada, pois são desiguais entre si. Na grande metrópole podemos falar da favela, dos bairros de classe média, dos bairros arborizados de onde se vislumbram grandes muros rodeando mansões. Mas também podemos recordar que existe o boteco da esquina, a padaria, o supermercado, a vendinha, o clube, alguns prédios industriais de vários tamanhos e estilos, bancos, etc.(CARLOS, 2007, p. 35).

Portanto, podemos perceber que as construções existentes no urbano

são diferentes e possuem composições temporais diversificadas. No presente

trabalho, é interessante o exercício de apreensão e percepção da paisagem a partir

das fotografias, através da visualização de imagens que remetem a um momento

vivo e existente na cidade.

Dessa maneira, Carlos (2007) afirma que a paisagem é uma composição

cercada de momentos e que para compreender as transformações existentes é

necessário perceber para além da aparência instantânea da paisagem.

33

Enquanto forma de manifestação do urbano, a paisagem urbana tende a revelar uma dimensão necessária da produção espacial, o que implica ir além da aparência; essa perspectiva da análise já introduziria os elementos da discussão do urbano entendido enquanto processo e não apenas forma. A paisagem de hoje guarda momentos diversos do processo de produção espacial, os quais fornecem elementos para uma discussão de sua evolução da produção espacial e do modo pelo qual foi produzida. (CARLOS, 2007, p. 36)

Assim, a cidade passa a ser um cenário que sustenta um conjunto de

sentimentos e reflexões. Dessa maneira, possibilita estímulos que dão origem a

construções de poéticas urbanas que podem ser estudadas também pelo viés

geográfico.

Para afirmar sobre as utilizações diversas e possíveis das paisagens na

cidade, Ferrara (2000) ressalta a gama de interpretações cabíveis das imagens no

espaço urbano:

Essas imagens geradoras e geradas pelo imaginário constituem os elementos de identificação dos lugares, porém são signos, representações, mediações de formas de relações do homem com o espaço; entendê-las é indispensável para reconhecer os lugares e suas histórias e, sobretudo, identificar as percepções acionadas pela cidade e os significados que, no plano mais abstrato e geral do urbano, ela é capaz de sugerir à mente que procura interpretá-la como matriz de um fluxo contínuo de vivências. Apreender essas mediações, identificá-las e interpretá-las é a tarefa da leitura urbana. (FERRARA, 2000, p. 124)

Assim, entende-se que a paisagem existe para além do próprio sentido

visual, sendo construída pelo observar diário repleto de surpresas conforme afirma

Ferrara: “Além do ver físico, simples sensação, há um ver inteligente a que se opõe

ao cotidiano como continuidade perceptiva. Observar é produzir descontinuidade

que desfaz o anonimato da vida diária.” (FERRARA, 2000 p. 125).

Pensar a cidade além de suas composições estruturais como os prédios,

as praças, as ruas, as avenidas, os carros e os muros de concreto, mas sim como

uma forma social, é encara-la como uma ligação e uma recodificação do cotidiano a

partir dos sentidos e significados permeados pelos sujeitos que compõem o espaço.

Todavia, a arte contemporânea tem promovido uma ampliação e

expansão de várias possibilidades criativas. Hoje a arte não é percebida somente

por uma linguagem como pintura, escultura, desenhos, mas sim existem várias

formas e diversas aplicações artísticas. Desse modo, decodificar as paisagens

visualizadas a partir das fotografias é o que se pretende neste trabalho. Estudos

34

como este estão sendo concebidos de maneira mais difundida, devido a proliferação

de temas na geografia cultural que possibilitam o caminhar da geografia em meio as

artes, aqui especificada através da fotografia.

Assim, pode-se entender que o ato de fotografar é uma prática cultural

entendida a partir de registros de momentos que nos remetem a memórias de um

passado como uma marca da existência de fatos que ocorreram, fatos estes que

podem saltar aos olhos a partir do momento em que as fotografias são visualizadas.

Dessa forma para compreender a relação entre o olhar, a paisagem e o

sujeito é possível exemplificar através do trabalho do fotógrafo contemporâneo o

esloveno Evgen Bavcar que é cego e seus trabalhos promovem debates sobre o

olhar que perpassa o campo do visível, o concreto e se expande para as sensações

mais subjetivas, dessa forma Evgen Bavcar informa que compõe o processo de

formação das imagens através de registro de sonhos e tenta experimentar os outros

sentidos como a audição para compor novas fotografias.

Outro exemplo inserido na mesma perspectiva é a fotógrafa americana

Amy Hildebrand que nasceu cega por causa do albinismo. Na infância e na

adolescência, ela passou por tratamentos médicos e passou a enxergar alguns

vultos e poucas cores. Apesar das limitações de sua visão, Amy necessita e possui

uma sensibilidade aguçada que promove a composição de suas imagens.

Estes exemplos foram trazidos para refletir e pensar em como relacionar a

geografia, os sujeitos, a fotografia e artes plásticas enquanto estudo sem se prender

apenas na analise objetiva dos mesmos, mas sim também enquanto objetos que

podem ser investigados sob a óptica geográfica envolvendo o caráter sensitivo.

Dessa forma, entende-se que não possuímos a mesma impressão da paisagem,

pois interpretamos de formas diferentes e assimilamos de maneiras diversificadas.

Todavia, participam desse processo de construção da paisagem, as ações

temporais que possibilitam a conservação de resistências e vestígios de civilizações

ou arquitetura e manifestações culturais que compõem e transformam a paisagem. É

necessário saber também que a paisagem não está pautada apenas no sentido

visual, mas sim em uma gama de apreensões existentes através de vários outros

sentidos perceptivos e principalmente na interpretação subjetiva do sujeito.

Os significados da arte apresentam-se sob diversas interpretações,

atuações e apropriações espaciais. Estas características podem contribuir para a

compreensão da transformação da paisagem, através das modificações na

35

composição espacial. Desse modo, assimilar a fotografia se apresenta como

manifestação artística e forma de intervenção social proporciona uma memória e

análise de momentos históricos que promovem análises perceptivas dos sujeitos

com seu entorno.

Portanto, no início deste capítulo foi abordado o processo de

transformação da geografia cultural tradicional em geografia cultural renovada.

Dessa maneira, foi compreendido que alguns trabalhos são elaborados a partir da

compreensão do conceito de paisagem no contexto geográfico humanista e da

geografia cultural renovada. Essas duas correntes de pensamentos tiveram o

arcabouço teórico calcado tanto na geografia americana, que influenciou os países

anglo-saxões, como na geografia francófona. Todavia, o desenvolvimento de ambos

os pensamentos geográficos se deu de maneira independente, a partir de

concepções diferentes, havendo relações mais próximas só a partir da década de

1970. Os estudos da geografia cultural no Brasil foram introduzidos apenas na

década de 1990 e consigo os estudos de paisagem, bem como os temas: religião,

etnias, festas e as artes, temas antes não visualizados por pesquisadores

geográficos, mas agora campos de estudos que são interessantes e repletos de

significados para a pesquisa geográfica.

Assim, após este breve resgate histórico de compreensão dos estudos da

paisagem na geografia cultural pretende-se aprofundar no próximo capítulo os

estudos da paisagem e fotografia, a história da fotografia. Por fim, atentando-se as

variadas concepções e interpretações da paisagem da Rua Doutor João Moreira em

Fortaleza, mediadas pelas fotografias monocromáticas do inicio do século XX.

36

2. O FOTOGRÁFICO E SUAS PARTICULARIDADES

As questões teóricas que envolvem a arte fotográfica e o estudo de

autores que discutem as transformações expressas nas dimensões espaciais e

temporais, bem como a natureza conceitual da fotografia são os assuntos principais

que norteiam este capítulo. Busca-se assimilar a fotografia enquanto manifestação

artística e forma de intervenção social que proporciona uma memória e análise de

momentos históricos dos sujeitos com seu entorno. Portanto, o embasamento

conceitual dos estudos fotográficos permitirá estudar as variadas concepções e

interpretações da paisagem da cidade de Fortaleza mediadas pela fotografia

monocromática do início do século XX.

2.1 A IMAGEM FOTOGRÁFICA.

Sobre a imagem e o estudo fotográfico Phillipe Dubois (1993) entende

que a fotografia pode ser compreendida através de três categorias: a primeira seria

a fotografia como espelho do real, a segunda seria a fotografia como transformação

do real, e a terceira a fotografia como um traço do real. “A foto é uma verdadeira

fatia de espaço - tempo.” (DUBOIS, 1993 p. 103).

Na primeira categoria se reconhece a fotografia como o espelho do real.

Este pensamento está inserido na capacidade e no discurso, no qual a fotografia é

considerada uma imitação perfeita da realidade. A técnica do fotógrafo e a mecânica

da máquina fotográfica permitiria o efeito da aparente realidade encontrada na

fotografia, compreendendo esta como um retrato fiel do mundo real através da

imagem.

Desse modo, a função de representar a realidade existente antes

designada apenas a manifestação artística da pintura torna-se também designada a

fotografia. Nesse sentindo o pensamento que se repassava era que a técnica

fotográfica permitiria uma reprodução da realidade e do mundo muito mais adaptada

do que a pintura. Nessa perspectiva, a fotografia é incumbida de ser a comprovação

dos fatos, a prova verídica das circunstâncias inquestionáveis, resultado objetivo e

imparcial da representação do mundo enquanto a pintura desprender-se-ia de suas

37

funções a priori e tornar-se-ia o produto subjetivo carregado de sensibilidade e

habilidades artísticas.

Desse modo, a fotografia como um grande trunfo traz consigo uma série

de discussões acerca da objetividade existente nas artes e a reprodução da

realidade a partir das técnicas que começavam a surgir cada vez mais modernas.

Assim, a segunda categoria de Phillipe Dubois (1993) reflete a

transformação do real pela fotografia. No entendimento transformação do real pela

fotografia, esta deixa de ser em sua totalidade inocente como quando era difundido

o pensamento da fotografia enquanto espelho do real. Assim, a apreensão da

naturalidade existente na imagem fotográfica passa a ser decodificada, pois a

fotografia antes entendida como uma reprodução neutra da realidade passa a ser

concebida como um agente codificado. Desse modo, essa concepção faz referência

a composição interna da imagem e traz a reflexão de que a sociedade seria

condicionada a uma maneira de olhar e que a imagem é composta por símbolos que

necessitam de decodificação. Esta categoria está pautada na compreensão de que a

fotografia é codificada sob os pontos de vista técnicos, estéticos, entre outras

análises.

A semelhança existente entre os objetos representados pelas fotografias

se deve ao fato de que essas fotos são produzidas em tais circunstâncias forçadas a

corresponder veementemente ao objeto proposto. Assim, a fotografia comprovaria a

existência de um fato, mas não o seu verdadeiro sentido. Sob o ponto de vista da

categoria da fotografia enquanto transformação do real entende-se que o fotógrafo

agora escolhe o tema, pensa o local e toma a imagem a partir das composições a

que se destina captura-la.

Dubois (1993) explica sobre a terceira categoria de estudo para

considerar a fotografia, esta seria um traço do real, sendo este o discurso do índice

e da referência. Mesmo havendo a noção da existência dos códigos presentes na

fotografia nesta concepção é inegável a transmissão do sentimento do real. Esta

categoria de certa forma faz um retorno ao referente, mas sem o caráter mimético

existente na primeira fase. “A fotografia é em primeiro lugar o índice, em um

segundo momento ela pode se tornar parecida ao seu referente, o que seria ícone e

assim adquirir sentido, ou seja, tornar-se símbolo.” Dubois ( 1993 p. 53). Nessa

perspectiva para a imagem ser capturada enquanto representação do objeto, a

máquina e objeto devem estar no mesmo momento, tornar objeto representado.

38

Estas três categorias aqui apresentadas, contribuem para a construção do

entendimento fotográfico. Algumas mais incisivas do ponto de vista teórico do que

outras, contudo todas possibilitam uma maior amplitude de conhecimento nas

concepções e estudos da fotografia.

A partir do constructo teórico no que diz respeito a conceituação

fotográfica, a dissertação aqui proposta pretende compreender a partir das

composições fotográficas como eram apresentadas as paisagens existentes na Rua

Dr. João Moreira localizada no centro da cidade de Fortaleza e assim apreender a

composição das paisagens da cidade.

O processo de capturação de um fragmento espaço - temporal na

fotografia manifesta-se e torna-se visto como um amplo e rico recorte, carregado de

significados, discursos, lembranças, nostalgias, alegrias e tristezas todos inseridos

em um contexto social e cultural que remetem ao período em que as imagens foram

capturadas.

Assim para Barthes (1984) a fotografia tem um papel importante, através

do registro do que já passou aquilo que não volta mais, um instante capturado pela

lente do fotógrafo e registrado para posteridade. Dessa maneira, a fotografia

materializa uma necessidade de fixar e registrar momentos.

Então, pensar apenas o corte no tempo e no espaço inserido na fotografia

leva a reflexão da passagem do tempo e do espaço na fotografia como algo que

está ali congelado no processo evolutivo da vida, nesse sentido a imagem tornaria o

momento petrificado. Todavia, refletir sobre o corte temporal produzido a partir do

ato fotográfico é entender a redução da fatia do tempo a um simples instante

produzido através da fotografia.

Na tentativa de explicar essa reflexão Phillippe Dubois (1993) faz um

comparativo entre o fotógrafo e o pintor. A película que é trabalhada pelo fotógrafo é

fotossensível e esta recebe, absorve e revela a imagem de uma vez só, o contrário

do pintor que trabalha progressivamente na imagem confeccionada na tela e aos

poucos esta vai se construindo, fazendo entender que onde o fotógrafo corta o pintor

compõe a imagem. O pintor pode intervir e modificar a todo o momento sua

construção de imagem, enquanto o fotógrafo trabalha com outro tipo de composição

temporal, pois após a capturação e revelação da imagem tudo estaria em seu ponto

final que não possibilitaria mais uma mudança. É claro que estas concepções feitas

pelo autor não levaram em conta os programas mais modernos que surgiram para

39

transformação e novas composições fotográficas, todavia deve-se salientar a

importância dessas reflexões pertinentes.

Na tentativa de decodificar o mistério que é a fotografia junto a aparente

imagem estática e a carga de subjetividade por trás da imagem Roland Barthes

(1984) entende que nem sempre as fotos se concretizam na mensagem que

pretendem passar, pois existem fotos que simplesmente não transmitem nenhum

sentimento para o autor. Todavia, existem aquelas que transmitem sentimentos ao

sujeito que a observa. Assim, o leitor da fotografia estará sempre ligado a duas

categorias explicadas por Barthes (1984) que seria o studium e o puctum. Aguçar o

olhar sem, no entanto exercitar a imaginação dada pelos sentidos sensoriais que a

imagem desperta é o studium. Atravessar aquele que olha e assim perpassar o

campo do visível através dos sentidos e sentimentos seria o puctum. Quando

Barthes trabalha com essas categorias, principalmente com o puctum ele remete a

questão da subjetividade no entendimento conceitual.

Assim, Barthes (1984) exemplifica o papel da fotografia enquanto registro

de um período através de uma cena de uma época, mostrando como as pessoas se

comportavam e se vestiam como eram caracterizadas a paisagem no período da

foto. Para Barthes (1984) a fotografia explicaria melhor do que a pintura o cenário

existente e visualizado na fotografia.

Sobre a percepção visual Jacques Aumont (1993) compara o ato de ver

do olho humano com o principio da câmara escura, na qual nesta última a luz é

refletida por um orifício e através do princípio de captura esta forma uma imagem na

parede do fundo da câmara. Para Aumont (1993) isso é muito parecido com o

mecanismo do olho humano no qual a luz é percebida na retina e a maneira como o

olho vê torna-se muito parecida com o processo realizado pela máquina fotográfica.

Aumont tenta entender a relação da percepção visual e a comparação entre o ver

através do olho humano e ver através da câmera.

Sobre a percepção das imagens Aumont (1993) destaca o entendimento

da dupla realidade destas, pois numa imagem visual como uma pintura e uma

fotografia percebe-se em muitos momentos um arranjo espacial semelhante ao

existente em um cenário real. Entende-se assim como um processo simultâneo da

percepção como um fragmento da superfície plana e como fragmento do espaço

real. Assim o autor afirma que não há imagem sem percepção da imagem, ou seja,

ela necessita de um espectador que a decodifique e de algum sentido a imagem.

40

Deste modo, para o autor também é importante entender que na

percepção visual é importante ter clara a percepção espacial. A visão de um objeto

pede informações importantes da paisagem e dos objetos que compõem a cena,

bem como noções como textura e perspectiva seriam informações relevantes para a

composição das imagens. Pensar do ponto de vista técnico a captura da imagem

relaciona-se ao entendimento do dispositivo da máquina fotográfica bem como os

modos e técnicas de enquadramento, tamanho da imagem, luz e velocidade.

Aumont (1993) explica a imagem através de três conceituações: a

imagem abstrata, a imagem expressiva e a imagem aurática.

A primeira conceituação seria a imagem abstrata, o autor explica que esta

categoria relaciona-se com a arte abstrata e que muitas vezes, essa arte se

configurou pela contramão das ideologias dominantes, possibilitando pensamentos

mais livres aos artistas.

A segunda conceituação abordada é a imagem expressiva. Esse tipo de

imagem induz o espectador ao emocional. Os elementos expressivos na obra de

arte remetem os sentidos históricos, contextuais e a individualidade e pensamentos

do espectador.

A terceira conceituação seria a imagem aurática, na qual essa aura pode

ser entendida como uma atmosfera que a obra de arte transmite ao seu espectador.

Assim o autor entende que a arte primeiramente foi religiosa, tentando e desejando

uma aproximação com o sagrado. Todavia, essa aura foi transformando seu valor e

passando por vários contextos históricos na qual a moldaram.

Neste sentido, Aumont (1993) entende que a imagem produz sensações

diversas no espectador, mas o gostar ou desgostar da arte estaria atrelado as

questões ideológicas e dependeria do que o espectador consideraria artístico.

É necessário salientar a importância das concepções, conceituações e

pensamento de Aumont e dos outros autores abordados neste subtópico para o

entendimento das obras de arte e imagem.

Assim a fotografia tem a capacidade de marcar um tempo e um espaço

em um instante e ainda consegue ultrapassar esse espaço – temporal, através de

sentimentos íntimos e profundos como chorar, sorrir e rememorar histórias.

41

2.2 O ESTUDO FOTOGRÁFICO NA DIMENSÃO DE KOSSOY

A imagem fotográfica seria um produto técnico e cultural no qual a

obtenção do registro fotográfico se encontra relacionada diretamente ao processo de

criação que da origem da fotografia é o que pensa Kossoy (2012), dessa maneira

esse processo possibilita refletir sobre a imagem fotográfica enquanto meio de

conhecimento através de suas utilizações e aplicações. Neste tópico serão

abordados os estudos acerca do entendimento metodológico e conceitual da

fotografia a partir do pensamento de Kossoy (2004, 2009, 2012).

A fotografia que gera a imagem é resultado de um processo criativo

inserido na elaboração fotográfica. A construção da imagem fotográfica se dá pela

conjuntura existente do mundo real que se materializa na imagem através de seus

muitos códigos culturais e ideológicos. Dessa maneira, para entender as fotografias

é necessário buscar o contexto no qual elas estão inseridas. Ao estudar esses

documentos visuais percebe-se o grau de complexidade epistemológica na tentativa

de compreender os processos que fazem parte da composição fotográfica como os

elementos que constituem e possibilitam o entendimento da imagem fotográfica.

Assim como as demais fontes de informação históricas, as fotografias não podem ser aceitas imediatamente como espelhos fiéis dos fatos. Assim como os demais documentos elas são plenas de ambiguidade, portadoras de significados não explícitos e de omissões pensada, calculadas, que aguardam pela competente decifração. Seu potencial informativo poderá ser alcançado na medida em que esses fragmentos forem contextualizados na trama histórica em seus múltiplos desdobramentos (sociais, políticos, econômicos, religiosos, artísticos, culturais enfim) que circunscreveu no tempo e no espaço o ato da toma do registro. ( KOSSOY, 2009, p. 22)

Assim a história da fotografia está inserida no âmbito do passado

histórico, do avanço das técnicas, da concretização desta enquanto veículo de

comunicação até a expansão comercial através das indústrias voltadas para a área

específica das fotografias.

As apreensões e transformações no uso da fotografia foram acontecendo

no decorrer do tempo, a sensação transmitida era que as pessoas no mundo

pareciam mais familiares e próximas após a disseminação do conhecimento

fotográfico. Essa proximidade era acarretada devido a proliferação de conhecimento

de realidades existentes em outros lugares, estas realidades agora visualizadas

42

através das fotos, antes eram transmitidas apenas através da escrita ou via oral por

meio do repasse das histórias de fatos e momentos que aconteceram, assim como o

registro das imagens era feito apenas através de desenhos e pinturas. Kossoy

(2012) afirma que por meio da reprodução das técnicas fotográficas em grande

escala e das revelações das fotos feitas em papel proliferou-se outro tipo de

conhecimento e aprendizagem do real.

Para Kossoy (2012) a fotografia é uma arma susceptível a manipulação,

entretanto os espectadores que visualizavam as fotos viam nesta a exibição da

realidade tal qual uma espécie de verdade absoluta resultado apenas da

imparcialidade fotográfica. Assim, o autor questiona o que seria a imagem

fotográfica? “A imagem fotográfica é o que resta do acontecido, fragmento

congelado de uma realidade passada, informação maior de vida e morte, além de

ser o produto final que caracteriza a intromissão de um ser fotográfico num instante

dos tempos.” (2012 p. 39).

Desse modo, a imagem fotográfica pode se prestar a intencionalidades

através de utilizações interesseiras:

É necessário admitirmos que a imagem fotográfica pode se prestar a utilizações interesseiras- o que não é nenhuma novidade-, justamente em função de sua pretensa credibilidade enquanto registro visual “neutro” dos fatos. Sempre houve um condicionamento quanto à certeza de a fotografia ser uma prova irrefutável de verdade. (KOSSOY, 2009, p. 133)

O autor continua seus questionamentos através de uma reflexão crítica

sobre a credibilidade que se atribui a um registro fotográfico:

Apesar de toda a credibilidade que se atribui à fotografia enquanto “documento fiel” dos fatos, rastro direto do real etc., devemos admitir que a obra fotográfica resulta de um somatório de construções, de montagens. A fotografia se conecta fisicamente ao seu referente, - e esta é uma condição inerente ao sistema de representação fotográfica – porém, através de um filtro cultural, estético e técnico, articulado no imaginário de seu criador. (...) (KOSSOY, 2009, p. 42- 43)

A fotografia seria resultado da ação do fotógrafo que em um determinado

espaço-tempo preciso definiu um assunto específico e utilizou uma máquina

fotográfica suficientemente capaz de captar a imagem fotográfica. Kossoy (2012)

informa que três elementos são relevantes para a efetivação fotográfica. Os

elementos seriam estes: o assunto, o fotógrafo e a tecnologia.

43

É necessário inserir a fotografia em um contexto junto a outras fontes

bibliográficas para entender e interpretar o que está para além da imagem e assim

tentar chegar ao entendimento do acontecido que se propaga na aparente fotografia.

Kossoy (2012) comenta um estudo pautado na interdisciplinaridade para

compreender as imagens.

(...) a proposição de um modelo metodológico de análise e interpretação das imagens fotográficas, entendidas como fontes históricas, modelo que tem sido adotado pelos pesquisadores e estudiosos, o que se confirma pela sua aplicabilidade em diferentes áreas das ciências humanas. (2012, p. 17)

Para o autor este documento deve ser fonte de estudo aliada a outras

referências, possibilitando assim o entendimento necessário para o pesquisador.

Desse modo, Kossoy (2012) confirma que existiu por bastante tempo certa aversão

em relação à utilização da fotografia enquanto fonte histórica ou instrumento de

pesquisas científicas. O autor explica duas razões para essa resistência:

A primeira é de ordem cultural: apesar de sermos personagens de uma “civilização da imagem” – e neste sentido alvos voluntários e involuntários do bombardeio contínuo de informações visuais de diferentes categorias emitidas pelos meios de comunicação – existe um aprisionamento multissecular à tradição escrita como forma de transmissão do saber, como bem esclarecia Pierre Francastel décadas atrás nossa herança livresca predomina como meio de conhecimento científico. A fotografia é, em função dessa tradição institucionalizada, geralmente vista com restrições. (2012, p. 32)

Desse modo, a primeira razão estaria relacionada ao caráter cultural

atrelado a proliferação de conhecimento da escrita da palavra. Para o autor isto

gerou de certa forma um condicionamento intelectual que perpassa séculos

vinculados única e exclusivamente ao principal meio de comunicação existente e

como fonte principal de transmissão do saber os livros. Para Kossoy (2012) esse

seria um dos motivos para relutância da fotografia enquanto embasamento e fonte

de pesquisas científicas.

A segunda razão decorre da anterior e diz respeito à expressão. A informação registrada visualmente configura-se num sério obstáculo tanto para o pesquisador que trabalha no museu ou arquivo como ao pesquisador usuário que frequenta essas instituições. O problema reside justamente na sua resistência em aceitar, analisar e interpretar a informação quando esta não é transmitida segundo um sistema codificado de signos em conformidade com os cânones tradicionais da comunicação escrita. (2012, p. 32)

44

A segunda análise está relacionada também a uma prática cultural,

devido à atitude frequente de compreender a fotografia através de padrões ou

explicações pré-estabelecidas. As informações registradas a priori como

esclarecimentos já codificados sobre a fotografia ou o objeto de arte que está em

foco acarretaria problemas posteriores, pois quando esta informação não é

transmitida a priori de acordo com o sistema tradicional da escrita isso desencadeia

outro problema. Ou seja, a existência de uma análise prévia já decodificando o que a

fotografia deseja transmitir seria a segunda razão para a dificuldade de apreender a

fotografia enquanto fonte de pesquisa científica.

Pautado no embasamento teórico- metodológico de Boris Kossoy (2012)

na análise técnico - iconográfica são considerados relevantes para a pesquisa as

fontes históricas, os conhecimentos escritos, as histórias transmitidas via oral, bem

como objetos que representam o período retratado nas imagens fotográficas e

possibilitam os estudos de identificação dos documentos.

Situa-se este estudo no nível técnico e descritivo, o qual fornecerá elementos seguros e objetivos para a interpretação. Aqui foi englobado, de uma certa forma aquilo que a metodologia clássica da história denominou crítica externa, exame que não tenho conhecimento de ter sido desenvolvido anteriormente em relação as fontes fotográficas. De qualquer forma consideramos ser este um exame especifico para o entendimento das fontes fotográficas. É a natureza do documento que interessa nesse estudo o ser do documento – compreender o documento. (2012, p. 77)

Assim, a fotografia não explica todo o passado, mas sim uma cena diante

de todo o contexto sociocultural que a imagem está inserida.

A imagem é antes de tudo uma representação elaborada a partir do real

que parte a priori do olhar do fotógrafo para uma posterior análise subjetiva do

sujeito que a observa.

O contexto particular que resultou na materialização da fotografia, a história do momento daquelas personagens que vemos representadas, o pensamento embutido em cada um dos fragmentos fotográficos, a vida enfim do modelo referente – sua realidade interior – é todavia, invisível ao sistema óptico da câmara. Não deixa marcas no dispositivo fotossensível, não pode ser revelada pela química fotográfica, nem tampouco mostrada pelos recursos eletrônicos. Apenas imaginada. (KOSSOY, 2009, p. 133)

As fotografias possibilitam refletir sobre os lugares e sujeitos que

caracterizam e formam a paisagem. Participam da composição da paisagem as

45

ações do tempo, o acúmulo histórico, a arquitetura e as manifestações culturais. É

necessário informar também que a paisagem não está pautada apenas na

visualização de um lugar, mas sim em uma gama de apreensões existentes através

de outros sentidos perceptivos e principalmente na interpretação subjetiva do sujeito

diante da paisagem.

A paisagem que nos cerca exemplificada através dos monumentos

arquitetônicos existentes e os objetos históricos podem ser compreendidos como

fatia ou parte de uma realidade do presente ou do passado. Os indícios existentes

na imagem fotográfica são as pistas inerentes ao próprio documento. Kossoy (2004)

informa que as representações fotográficas possuem em si mesmos conhecimentos

e dados do real, desse modo, são instrumentos de grande valor em uma pesquisa

pautada na interpretação e entendimento fotográfico.

Nesse sentido, as imagens fotográficas devem ser analisadas a partir de

metodologias compatíveis e assim se constituíram como fontes de pesquisa para a

investigação de cenários e memórias de vida.

Os indícios são as pistas, os vestígios existentes nas imagens

fotográficas que se tornam importantes junto a referências bibliográficas que

permeiam o campo de estudos em diversas áreas como a geografia, a antropologia,

a histórica entre outras, possibilitando a ampliação dos estudos do sentido na

imagem fotográfica. São informações que são repassadas através da forma escrita e

visual que tornam possíveis entender as paisagens geográficas e a história por trás

do registro fotográfico.

Ainda nesse sentido uma evidência fotográfica pode fornecer vestígios de

algo que na verdade não aconteceu ou ocultar através da adulteração do real

sentindo na imagem. Nessa perspectiva Kossoy (2004) explana sobre o modelo de

análise interpretativa para compreender as fotografias.

O modelo que proponho tem por base um conjunto de conceitos que estabelecem os fundamentos teóricos e é erigido segundo pressupostos metodológicos de análise e interpretação pensados especificamente para a fotografia como documento e representação; um modelo que visa à desmontagem do signo fotográfico seja no plano técnico e iconográfico seja na sua dimensão cultural e ideológica. (2004, p. 229)

Desse modo, entende-se que a fotografia vai além do que se mostra

realmente. O assunto fixado na imagem tem sua própria explicação, uma história

46

existente não necessariamente e nem sempre explicita na imagem fotográfica.

Como um mistério determinado no espaço e no tempo que corresponde a própria

imagem. Kossoy (2004) nos alerta que isso característico da fotografia, mostrar algo

existente, todavia seu significado consegue ultrapassar o que está posta na imagem

fixa.

Existe um conhecimento implícito nas fontes não verbais como a fotografia; descobrir os enigmas que guardam em seu silêncio é desvendar fatos que lhe são inerentes e que não se mostram, fatos de um passado desaparecido que imaginamos, em eterna tensão com a imagem presente que vemos no documento: realidades superpostas. Existe, sim, um pensamento plástico como afirmava Francastel. Não raro, memória, informação, propaganda, testemunho e ficção se confundem numa única imagem. Seguir decifrando essa forma de conhecimento é o desafio que nos move. (2004, p. 232)

Nesse sentido, nesta dissertação será trabalhado um conjunto de

imagens intitulado Álbum Vistas do Ceará do ano de 1908, bem como fotografias

avulsas que retratam os principais logradouros situados na Rua Doutor João

Moreira. Nesse contexto, nas primeiras décadas do século XX, a cidade de

Fortaleza vivenciava o período intitulado Belle Époque período este repleto de

mudanças comportamentais e arquitetônicas na cidade de Fortaleza.

Desse modo, as fotografias retratadas do período selecionado nesta

pesquisa demonstram o poder aquisitivo das classes mais abastardas da cidade de

Fortaleza, estas fotografias poderão ser visualizadas no capítulo 3 desta pesquisa.

Nesse sentido, Kossoy (2009) explica que fotografias dirigidas com

temáticas específicas contribuíam para uma leitura dirigida de determinadas cidades

espalhadas pelo mundo. Nesse sentido, o Álbum Vistas do Ceará foi publicado na

França com exaltação das paisagens dos belos lugares existentes na cidade de

Fortaleza.

No Brasil essas imagens encomendadas também foram produzidas. Tratam-se de imagens encomendadas que, se por um lado, se prestavam para a fixação da memória, por outro, tinham em geral, um finalidade promocional, propagandística, financiadas por instituições oficiais ou empresas privadas interessadas em divulgar um certo tipo de progresso. Imagens que exaltam o material, mas que em geral minimizam, ou mesmo omitem, o social. ( KOSSOY, 2009, p. 82)

Desse modo, o autor comenta que essas imagens são construídas para

se propagar uma ideia ou um ideal de progresso em um determinado lugar, pois

47

dependendo de como a fotografia tenha sido elaborada e multiplacada em milhares

de cópias seria aquela a imagem repassada para outros que poderiam não conhecer

aquele lugar e assim teriam a impressão de progresso e poder, escondendo as

mazelas existentes, mas que ali não foram retratadas, assim a fotografia se

prestando a ideologias bem como se apropriado de seus diferentes usos.

2.3 O MODELO METODOLÓGICO DE INVESTIGAÇÃO FOTOGRÁFICA

Para a fundamentação metodológica que direcione caminhos que

delineiam etapas a se cumprir, busca-se esteio nos trabalhos desenvolvidos por

Kossoy (2012) com o intuito de compreender as fotografias que serão trabalhadas e

o contexto no qual elas estão inseridas em uma pesquisa científica.

O autor informa que para entender as fotografias é necessário o

entendimento do contexto na qual a imagem está inserida e a busca desse

entendimento se faz através de estudos situados também junto a outras fontes

bibliográficas que proporcionem o embasamento científico para a construção da

pesquisa.

Existem diferentes modelos e tipos de fontes que contribuem para a

construção investigativa da fotografia, diante desse raciocínio Kossoy (2012) traz

informações sobre quatro grandes categorias possíveis para um estudo investigativo

e seriam estas: as escritas, as iconográficas, as orais e os objetos. Diante desta

subdivisão feita pelo autor é importante discorrer um pouco mais sobre as fontes

iconográficas que estão subdivididas em fontes iconográficas originais e fontes

iconográficas impressas. A seguinte explanação aborda o entendimento sobre fontes

iconográficas originais:

As fontes iconográficas originais – em especial as fotográficas que nos interessam diretamente – referem-se às fotografias de época, as quais se encontram em coleções públicas e privadas, muitas vezes em antiquários e sebos de descendentes dos fotógrafos. (2012, p. 73)

Dessa maneira, as fotografias originais possibilitam informações

importantes e promovem o contato direto do pesquisador junto às imagens. Para as

fontes iconográficas impressas existem mais três sub-categorias que seriam: as

48

publicações que contenham imagens fotográficas, os desenhos representando

objetos e fatos relacionados à práxis fotográfica e as caricaturas acerca da atividade

fotográfica estampadas em periódicos.

Ainda nessa linha de raciocínio Kossoy (2012) explica sobre a trajetória e

a procedência do documento fotográfico. Assim, para a construção da pesquisa

seria interessante buscar e envolver a trajetória do documento fotográfico na

pesquisa, na tentativa de compreender a origem, ou seja, de onde veio o documento

fotográfico, todavia isso nem sempre é possível, pois nos deparamos diante da

imprecisão das informações que são repassadas de arquivos públicos, pois muitas

fotografias podem não possuir um catálogo oficial e até mesmo pesquisas anteriores

podem não ter sido realizadas no sentido de auxiliar no embasamento da pesquisa

científica. Entretanto, isso não significa que a pesquisa não possa ser realizada, é aí

que entra o papel do pesquisador aguçando o sentido investigativo para entender as

informações através de uma interdisciplinaridade.

Nesse sentido, o autor continua a explicar que ao selecionar as imagens

abordadas em uma pesquisa torna-se necessário entender sobre a análise técnica e

a análise iconográfica. Assim, para o autor a análise técnica seria o estudo a

investigação do artefato a explicação de cunho técnico; a análise iconográfica seria

o estudo das informações a análise do conteúdo da imagem. Nesse sentido,

A separação entre análise técnica e análise iconográfica dá-se apenas para efeito didático. Na prática, esta dupla análise (que corresponde ao exame técnico-iconográfico) se realiza conjuntamente, e seu resultado será tanto mais rápido e eficaz, quanto maior for a experiência do pesquisador, quanto mais intensa for sua convivência com as fontes fotográficas. É justamente pelo contínuo cruzamento das informações implícitas e explícitas do documento como um todo que se poderá reconstituir o processo que culminou com a materialização iconográfica de um artefato fotográfico num particular lugar e época. (2012, p. 81).

Para o autor a fotografia não é uma imagem indiscutível da realidade,

mas sim uma criação de um autor - o fotógrafo que pode excluir ou incluir conteúdos

na cena. Assim, o ato realizado pelo fotógrafo envolve variados interesses como os

sentimentos, vontades e criatividade advindas primeiramente do criador da imagem.

Deve-se por outro lado entender que a imagem fotográfica é um meio de conhecimento pelo qual visualizamos microcenários do passado; contudo, ela não reúne em si o conhecimento do passado. O exame das fontes fotográficas jamais atingirá sua finalidade se não for continuamente alimentado de informações iconográficas (necessárias aos estudos

49

comparativos) e das informações escritas de diferentes naturezas contidas nos arquivos oficiais e particulares, periódicos da época, na literatura, nas crônicas, na história e nas ciências vizinhas. (2012, p. 82)

Assim, o autor atenta para possíveis pistas que possam surgir e auxiliar o

campo investigativo da pesquisa científica estas pistas nas imagens seriam os

nomes de ruas, os cartazes, os prédios e as mudanças na arquitetura entre outras

fontes que não podem passar despercebidas pelo pesquisador diante das

fotografias. Desse modo, chega-se ao pensamento e junção de informações:

Somente pelo contínuo cruzamento das informações existentes (implícitas e explicitas) nos caracteres externos e internos do objeto - imagem poder-se-á determinar com precisão os componentes do processo que geraram essa fonte histórica. Qualquer que seja a fotografia a ser submetida ao exame técnico- iconográfico, a inter-relação entre os caracteres externos e internos deve ser constantemente realizada. (2012, p. 91)

Para auxiliar a construção da pesquisa foi inserida uma sistematização de

informações e sugestão de roteiros pautados na concepção metodológica de Kossoy

(2012).2 Nesta pesquisa foram utilizadas as seguintes etapas do roteiro: I.

Identidade do documento e características individuais e II. Informações referentes ao

assunto.

Desse modo, é necessário informar que no roteiro metodológico original

existem mais duas etapas que não foram utilizadas nesta pesquisa, as etapas

seriam estas: III. Informações referentes ao fotógrafo e IV. Informações referentes à

tecnologia. Estas duas etapas não foram utilizadas, pois esta dissertação não

realizou um estudo pautado nos fotógrafos e na tecnologia que foi aplicada nas

imagens, mas sim na identidade do documento e nas informações contidas nas

imagens, ou seja, nas informações referentes ao assunto e na sua contextualização.

Nesse sentido, esse roteiro auxilia enquanto modelo de sistematização das

informações para identificar o documento fotográfico, possibilitando informações

importantes para o estudo técnico-iconográfico.

Nesta proposição investigativa, a fotografia junto ao estudo da paisagem

poderá contextualizar uma trajetória de imagens ao longo de um período histórico da

cidade de Fortaleza. Busca-se a compreensão através da fotografia revelando a

paisagem, levando o observador a entender possibilidades, contextos sociais,

históricos e econômicos presentes na imagem.

2 Segue no Anexo A desta pesquisa a sugestão de roteiro metodológico de Boris Kossoy (2012).

50

2.4 O PASSADO E O PRESENTE: A MEMÓRIA NA FOTOGRAFIA

Quando nos deparamos diante de uma fotografia o que realmente

vemos? A nossa compreensão da imagem fotográfica é influenciada por várias

compreensões de mundo em nossa mente, derivadas estas de nossas experiências

e imaginações. A fotografia nunca é totalmente imparcial, pois a primeira

visualização existente foi a do fotógrafo que registrou o ato fotográfico, seja de

maneira espontânea, seja incumbido desta tarefa.

Nesta dissertação, serão trabalhadas fotografias do início do século XX

na busca de compreender a paisagem da Rua Doutor João Moreira. Nesse

entendimento quando se visualiza uma fotografia, principalmente as mais antigas é

necessário refletir sobre a trajetória da fotografia e lembrar que atrás de toda

fotografia existe uma história. Kossoy (2012) explica que a trajetória fotográfica é

percorrida através de três estágios bem definidos. A primeira seria a finalidade para

que ela exista de fato, esta finalidade pode ter sido do fotógrafo que se viu instigado

a fotografar o acontecido de maneira espontânea ou então foi incumbido e pago

para fotografar tal fato. A segunda intenção seria a materialização da fotografia. A

terceira intenção seriam os caminhos pelos quais essa fotografia ainda vai percorrer.

Nessa terceira intenção vale lembrar sobre os caminhos percorridos e:

(...) As mãos que a dedicaram, os olhos que a viram, as emoções que despertaram os porta-retratos que a emolduram, os álbuns que a guardaram, os porões e sótãos que a enterraram e as mãos que a salvaram. Neste caso seu conteúdo se manteve, nele o tempo parou. As expressões ainda são as mesmas. Apenas o artefato, no seu todo envelheceu. (2012, p. 47)

Assim a imagem fotográfica é uma forma de conhecimento na qual

podemos visualizar alguns cenários do passado, todavia as imagens não reúnem

por si só o total conhecimento do passado. Kossoy (2012) questiona se existe

melhor exercício para reviver o passado que a apreciação solitária de nossas

próprias fotografias?

A fotografia e o passado associados levam a refletir e relembrar dos

momentos que já foram vivenciados através de uma experiência visual dos seres

diante da imagem de si próprio, por meio de fotografia de diversas ocasiões seja dos

51

momentos mais comuns do cotidiano assim como momentos importantes que já

foram vividos no passado.

Quando o homem vê a si mesmo através dos velhos retratos nos álbuns, ele se emociona, pois percebe que o tempo passou e a noção de passado se lhe torna de fato concreta. Pelas fotos dos álbuns de família, constata-se a ação inexorável do tempo e as marcas por ele deixadas (...) (2012, p. 112).

Esse pensamento nos faz refletir acerca da maneira como nos

envolvemos afetivamente com os conteúdos existentes nas fotografias, pois de uma

maneira ou de outra nos dizem respeito e através delas afloramos nossos sentidos,

voltamos ao passado, visualizamos como eram nossos amigos e como nós mesmos

éramos , assim os sentimentos afloram. Kossoy (2012) exemplifica como uma

espécie de viagem de volta ao passado sob a mediação da imaginação que

possibilita reconstruir os acontecimentos em nossa mente. Nos álbuns de famílias a

cada página que percorremos personagens nos saltam aos olhos e novos assuntos

rememoram em nossa imaginação, um meio que possibilita reconstruir uma trajetória

de vida através das fotografias.

A fotografia pode trazer de volta informações do passado, mas não

consegue compreender os significados em sua plenitude, ou seja, o entendimento

da realidade em sua totalidade como era no passado. Por trás da aparência ingênua

da fotografia existe uma carga de pensamentos ideológicos que podem manipular o

sentido espontâneo existente em uma fotografia.

Assim Kossoy (2012, p. 126) entende que “Embora a imagem fotográfica

se refira unicamente ao fragmento retratado, elas tendem a levar o receptor a

compreendê-las como expressão de toda uma realidade. Uma espécie de percepção

do fragmento como um todo”.

Um fragmento inserido na fração do espaço-tempo como uma interrupção

no processo evolutivo que se torna fixado na imagem como algo do passado. Assim

o fragmento constituindo uma cena este fica interrompido, mas em uma análise mais

profunda não diria que a imagem fica isolada em sua bidimensão, pois a partir do

momento que uma pessoa visualiza a fotografia esta sai do isolamento aparente e

transmite uma carga de significados que perpassam para além da imagem estática.

Da ingenuidade existente no olhar do espectador aos críticos e sensíveis

olhares existentes nos dias de hoje diante das imagens veiculadas a comerciais e

52

publicidades, percebe-se a fotografia inserida no contexto da transformação do ver a

imagem junto ao avanço das técnicas. Nesse processo se avança também os

mecanismos mais modernos que permitem a persuasão da imagem, induzindo o

espectador a pensar algo que nem sempre é a verdade intencional. Nesse

procedimento ocorrem distorções nas imagens com a finalidade maior de conduzir

as pessoas ao consumismo exacerbado, através da insatisfação diante dos objetos

que possuem, das roupas e até do corpo, estabelecendo e fixando padrões estéticos

divulgados e estabelecidos através das imagens publicitárias. Os estudos da

fotografia também devem se deter a entender essas linhas de pensamento que se

configuram na atualidade, mas não devem excluir o entendimento da fotografia

enquanto manifestação artística por muitas vezes desprendida da lógica capitalista.

Ao se tratar da memória deve-se informar que os dados que se

aglomeram na fotografia representam o acúmulo de sedimentos depositados pelo

tempo. Uma leitura sobreposta dos sujeitos que visualizam para além do processo

químico existente na revelação fotográfica é o que propõe Dantas (2000) em seu

entendimento sobre a fotografia e a memória.

As imagens cercam nosso cotidiano e nos devoram, seja em nossa casa

através da televisão, seja nas ruas através das placas e muros que se destacam

diante de nossos olhos, imagens estas que modificam e compõem a paisagem nos

espaços urbanos. Cenários que se tornam efêmeros pela rapidez com que mudam

em uma velocidade surpreendente. Paisagens que se formam com a finalidade

maior de sobressair as imagens diante das pessoas.

A imagem hoje está inserida no cotidiano das pessoas. Jornais, revistas,

manchetes na internet, muitas pessoas não imaginariam ler ou interessar-se pelo

conteúdo nesses tipos de comunicação se não existisse algum tipo de ilustração que

lhe remetam a situação descrita no contexto.

Cada fotografia guarda consigo uma história que representa um

acontecimento. Nas fotografias de família podem ser exemplificados os momentos

em que os laços ressurgem ou acabam sendo deixados de lado ao relembrar

momentos que fizeram parte da história sejam estes momentos tristes ou alegres. As

fotografias eternizam-se a partir do momento que elas repassam sentimentos ao

expectador.

Nesse sentido, refletindo sobre esse tema nos deparamos com ações

como a conservação e manutenção de imagens que nos remetem a histórias e

53

momentos do passado. Quando visitamos amigos e familiares muito íntimos em

alguns momentos nos deparamos com a visualização de fotos estampadas na sala

em porta-retratos ou até mesmo álbuns de famílias que nos são mostrados como

uma forma de contar a história de vidas através das fotografias. Fotos de quando

éramos crianças, de viagens, de aniversários em família são exemplos de momentos

que ficam registrados. As fotografias são guardadas para relembrar os momentos

que foram vividos, mas também em outros momentos essas fotografias podem

remeter sentimentos que não nos fazem bem e somos instigados a destruir imagens

que não mais nos agradam que relembram momentos tristeza ou raiva como uma

tentativa de apagar o passado e na certeza de que essas fotografias não irão mais

ressurgir diante do sujeito que a observa e não gosta mais do que vê diante de si.

Nesse sentido,

A relação entre paisagem e memória está assentada na geografia da percepção, na existência de um conjunto de signos que estruturam a paisagem segundo o próprio sujeito e refletem uma composição mental resultante de uma seleção plena de subjetividade, a partir da informação emitida por seu entorno.” (COSTA, 2003, p. 34)

A imagem aparentemente congelada consegue ser apreciada por outros

sujeitos e estimula também os sentidos afetivos e emocionais. Desse modo, esta

imagem dita como congelada só volta a ter um sentido se esta for descongelada por

algum espectador como uma peça na qual os atores voltam a cena misturam-se com

a plateia e saltam do momento em que foram cristalizados. A subjetividade é o que

promove este fato tão interessante para ser estudado junto a análise fotográfica nas

pesquisas científicas. Nesse sentido Kossoy (2012) afirma que:

O arrolamento de inúmeros fatos pouco contribuirá para a história se não se buscar suas conexões causais, se não houver um esforço de interpretação, que é obviamente subjetiva e nem poderia escapar de tal condição, posto que elaborada pelo homem. (2012, p. 150)

Dantas (2000) afirma que o ponto inicial para entender a realidade gerada

pela composição do documento fotográfico resultado do esforço empreendido pelo

investigador o sujeito em cena tentando descongelar, um documento marcado pelo

tempo e coberto por camadas densas de memórias. Nessa seara o investigador

deve ter como procedimento metodológico a aproximação ao objeto estudado, bem

54

como a imaginação e a criação como campos que tecem o percurso e embasam a

argumentação científica na pesquisa.

O fragmento da realidade gravado na fotografia representa o congelamento do gesto e da paisagem, e, portanto a perpetuação de um momento, em outras palavras, da memória: memória do individuo, da comunidade, dos costumes, do fato social, da paisagem urbana, da natureza. (2012, p. 167)

Portanto neste capítulo pretendeu-se entender como a fotografia pode ser

estudada sob o viés científico e no capítulo seguinte será embasado o recorte

temporal da pesquisa a partir dos estudos da paisagem da cidade de Fortaleza no

início do século XX.

55

3. A GEOGRAFIA VISUAL DA RUA DOUTOR JOÃO MOREIRA

A compreensão do contexto social, histórico e cultural da cidade de

Fortaleza no período de transição do século XIX para as primeiras décadas do

século XX é necessária para nortear periodizações e articulações espaços-

temporais. Nesse sentido, são pertinentes leituras referentes ao modelo

metodológico de investigação fotográfica, a paisagem e à história da cidade para o

entendimento das fotografias da Rua Doutor João Moreira no centro da cidade de

Fortaleza.

Desse modo, é necessário articular o conceito de paisagem, pois vimos

que através dele podemos abordar as dimensões de uma paisagem cultural que se

manifesta nas proposições de um recurso imagético. Assim, Cosgrove (1998, p. 96)

nos diz que “(...) a mágica real da geografia está no sentido de se maravilhar com o

mundo e tentar refletir sobre o mosaico variado da vida humana e refletir suas

expressões na paisagem humana”.

Assim, para o entendimento da composição fotográfica será

contextualizado o local, a data e os significados existentes na fotografia

monocromática da primeira metade do século XX. Nesse sentido, no decorrer deste

capítulo será feita uma investigação sobre a composição das imagens junto ao

conceito de paisagem na perspectiva da geografia cultural, bem como serão

discutidas a dinâmica social e as motivações conjunturais da existência de alguns

logradouros na Rua Dr. João Moreira.

3.1 O RECORTE ESPACIAL E TEMPORAL

A Rua Doutor João Moreira será trabalhada enquanto recorte espacial

desta pesquisa. Nesse sentido, busca-se entender como uma rua tão pequena na

sua dimensão espacial possui monumentos arquitetônicos com caráter tão distintos

que moldam e compõem a paisagem do centro da cidade de Fortaleza. Os

monumentos descritos nesta pesquisa ainda existem na Rua Doutor João Moreira

alguns mudaram sua “forma, função e estrutura através dos processos 3”, mas ainda

3 “Forma é o aspecto visível de uma coisa. Refere-se, ademais ao arranjo ordenado de objetos, a um padrão.

Tomada isoladamente, temos uma mera descrição de fenômenos ou de um de seus aspectos num dado instante

56

existem como uma maneira de contar a história do passado e na composição da

paisagem atual do centro da cidade de Fortaleza.

Para expressá-lo em termos mais concretos, sempre que a sociedade (a totalidade espacial) sofre uma mudança, as formas ou objetos geográficos (tanto os novos como os velhos) assumem novas funções; a totalidade da mutação cria uma nova organização espacial. Em qualquer ponto do tempo, o modo de funcionamento da estrutura social atribui determinados valores às formas. Todavia, se examinarmos apenas uma fatia de tempo homogêneo, careceremos de um contexto em que possamos basear nossas observações, uma vez que a estrutura varia conforme os diferentes períodos históricos. (...) Por conseguinte, a paisagem é formada pelos fatos do passado e do presente. (SANTOS, 1998, p. 67- 68)

Desse modo, a Rua Dr. João Moreira era uma das portas de entrada à

cidade de Fortaleza, através da Estrada de Ferro de Baturité, junto a Estação João

Felipe. O recorte temporal escolhido como as primeiras décadas do século XX

justifica-se pela efervescência e transformação urbanística que a cidade de

Fortaleza vivenciava desde o período de transição do século XIX para o início do

século XX.

Diante dos estudos que embasam a relação interdisciplinar desta

pesquisa é necessário um mergulho investigativo na imagem fotográfica para

entender as transformações acarretadas na paisagem. Nesse contexto é necessário

informar que este capítulo se reporta ao modelo metodológico de investigação

iconográfica abordado por Kossoy (2012) no qual o autor explica através de modelos

a sistematização das informações contidas nas fotografias e sugere alguns roteiros

para o campo que ajudam na coleta e na construção da pesquisa.

As fotografias selecionadas nesta dissertação foram coletadas no acervo

particular de imagens de Miguel Ângelo de Azevedo – o Nirez, a intencionalidade a

priori era que todas as fotografias selecionadas correspondessem a um álbum

específico, todavia isso não pôde ser concretizado, pois alguns espaços inseridos na

Rua Doutor João Moreira como a Cadeia Pública Municipal e a Santa Casa de

Misericórdia não estavam inseridos em um álbum específico de imagens. Dessa

forma, algumas fotografias selecionadas nesta dissertação são avulsas e compõem

do tempo. Função, de acordo com o Dicionário Webster, sugere uma tarefa ou atividade esperada de uma forma,

pessoa, instituição ou coisa. Estrutura implica a inter-relação de todas as partes de um todo; o modo de

organização ou construção. Processo pode ser definido como uma ação contínua desenvolvendo-se em direção a

um resultado qualquer, implicando conceitos de tempo (continuidade) e mudança.” (SANTOS, p. 69,1998)

57

o acervo de imagens do Nirez e outras correspondem ao “Álbum Vistas do Ceará do

ano de 1908” também localizado no acervo de imagens do Nirez.

O “Álbum Vistas do Ceará de 1908” foi publicado em Nice na França no

ano de 1908, este álbum contem fotografias de praças, ruas, prédios e retratam os

costumes dos habitantes da época. Esta informação foi colhida junto ao Nirez no

qual ele informa que não se tem ideia de quem tenha sido o fotógrafo que registrou

as imagens contidas no “Álbum Vistas do Ceará de 1908”. Desse modo, sobre o

“Álbum Vistas do Ceará de 1908” deve-se informar que é composto por dois álbuns

um vertical e um horizontal algumas fotografias se repetem nos dois álbuns e o

mesmo foi selecionado para esta pesquisa por conter imagens relevantes do Ceará

e principalmente fotografias que registram a Rua Dr. João Moreira no início do

século XX. Desse modo, Ponte (1999) explica que:

Em 1908 um álbum com fotografias de Fortaleza circulava pela Cidade. Para gáudio dos agentes locais da modernização urbana, o livro, confeccionado em papel nobre, trazia 160 estampas de tudo o que representava o aformoseamento e o progresso da Capital no começo do século: praças recém-modeladas, jardins públicos ruas alinhadas com bondes, transeuntes, sobrados e estabelecimentos comerciais, Passeio Público e Parque da Liberdade e seus elegantes frequentadores, estação Central Ferroviária, mansões e fachadas art-noveau, cafés, templos, escolas, porto, praias, lagos, etc. (o asilo e o cemitério não aparecem). Este “Álbum Vistas do Ceará, 1908”, editado pela Casa Boris Frères & Cia., a mais poderosa das firmas estrangeiras no Ceará, e impresso na França, significava, formalmente, uma homenagem à Capital, em reconhecimento a sua beleza e ao seu desenvolvimento. Confeccionado na Europa por uma consagrada companhia francesa e distribuído em vários lugares, o álbum não deixava de ter um desejo de divulgação de uma cidade que era, na leitura capitalista, um próspero mercado urbano. (PONTE, 1999, p. 131)

Assim, é necessário informar que na presente dissertação não constam

os créditos para o fotógrafo que registrou as imagens selecionadas, pois não foram

encontrados escritos nem relatos no álbum e nas fotografias avulsas de quem teria

sido o autor ou os autores das imagens, todavia foram coletadas outras fontes

bibliográficas como textos e artigos que proporcionem o entendimento das

fotografias e da paisagem, e também a contextualização e entendimento junto ao

recorte temporal proposto nesta dissertação que se trata das primeiras décadas do

século XX. Nesse sentido, Ponte (1999) continua sua explanação informando que a

fotografia tinha grande importância na cidade de Fortaleza.

58

Considerando que a fotografia, por sua extraordinária capacidade imagética de informação, vale por mil palavras, nada como divulgar Fortaleza através do elogio das imagens fotográficas ( o “Àlbum” é econômico em textos). A ideia foi ainda mais feliz porque veio à luz do momento em que a fotografia configurava-se como uma verdadeira coqueluche na região, assim como em todo o Brasil. (...) (1999, p. 131).

Desse modo, serão estudados neste capítulo alguns logradouros

específicos da Rua Doutor João Moreira, junto às fotografias selecionadas, a história

local, o modelo metodológico de investigação e o estudo da paisagem pautado na

geografia cultural.

Portanto, após fazer uma apresentação do recorte espacial e temporal,

nos próximos tópicos serão feitos estudos dos logradouros existentes na Rua Doutor

João Moreira, que marcaram historicamente o processo de formação da cidade de

Fortaleza. Os tópicos seguem dessa maneira: Rua Doutor João Moreira, Fortaleza

de Nossa Senhora da Assunção, Passeio Público, Santa Casa de Misericórdia,

Cadeia Pública Municipal e Estação João Felipe.

3.2 A RUA DOUTOR JOÃO MOREIRA

A Rua Doutor João Moreira, localizada no centro da cidade de Fortaleza

já possuiu outros nomes antes deste que a intitula. Conforme, Aderaldo (1998)

outros nomes já intitularam este logradouro, por exemplo, em 1828 era conhecida

por Rua Nova da Fortaleza, em 1855 chamava-se Travessa do Quartel, em 1888 era

Travessa da Misericórdia e o nome atual existe desde 1933 chamando-se Rua

Doutor João Moreira.

Na planta arquitetônica do ano de 1875, criada por Adolfo Hebster pode-

se observar ao aproximar o mapa, a Rua Doutor João Moreira com a configuração

urbana da época. Dessa forma,

Em 1875, Adolfo Hebster, engenheiro da Província do Ceará e da Câmara Municipal de Fortaleza, desde 1855 contratado de Pernambuco para substituir o então “arruador” ( arquiteto leigo), concluía a “ Planta Topográfica da Cidade de Fortaleza e Subúrbios ”. Apesar de não ser um projeto inteiramente original, uma vez que mantinha o sistema de traçado urbano em forma de xadrez projetado para a cidade pelo engenheiro Silva Paulet em 1818, tratava-se de um estudo decisivo para a capital dali para a frente, pois ampliava-lhe o traçado para além dos seus limites de então (...) ( PONTE, 1999, p. 23)

59

Nesse sentido na planta arquitetônica de 1875 se previam os primeiros

subúrbios na cidade de Fortaleza, muitos destes formados devido o adensamento

populacional nas últimas décadas do século XIX, uma das principais causas desse

aumento populacional foram as migrações causadas após as secas intensas que

ocorreram no final do século XIX e início do século XX.

Figura 1- Mapa de Adolfo Hebster(1875) Fonte: Gylmar, C.; Veloso, P.; Capelo, P. (org.). Ah, Fortaleza!. Fortaleza: Terra da Luz Editorial, 2006 .

60

A figura 1 mostra o mapa de Adolfo Hebster de 1875, representando a

cidade de Fortaleza com sua configuração urbana no final do século XIX. Nesse

sentido, na figura 2 foi realizada uma aproximação da figura 1, através de um recorte

na imagem, adaptando o mapa para que fosse visualizado cada quarteirão

pertencente à Rua Doutor João Moreira.

Figura 2- Recorte do mapa de Adolfo Hebster (1875) Fonte: Gylmar, C.; Veloso, P.; Capelo, P. (org.). Ah, Fortaleza!. Fortaleza: Terra da Luz Editorial, 2006

Desse modo, a linha vermelha grifada na figura 2 representa a Rua

Doutor João Moreira. A rua está enumerada de acordo com cada quarteirão que

será abordado nesta dissertação:

(1) Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção;

(2) Passeio Público;

(3) Santa Casa de Misericórdia;

(4) Cadeia Pública Municipal

(5) Estação João Felipe.

61

Nota-se também em frente à Estação João Felipe número (5) podia ser

visualizada a Praça, o Campo da Amélia e o Cemitério Velho, estes dois últimos não

existem mais, o Campo da Amélia e o Cemitério Velho foram anexados ao terreno

da Estrada de Ferro de Baturité e englobados às dependências da Estação João

Felipe.

Desse modo, sobre o processo de configuração do espaço urbano da

cidade de Fortaleza, Ponte (1999) informa que dois períodos foram importantes nas

últimas décadas do século XIX:

Além da nova planta urbanística de Hebster, dois outros acontecimentos relevantes assinalaram Fortaleza nos anos 70 do século passado. O primeiro foi a instalação da ferrovia ligando a Capital com a cidade de Baturité, decisiva para dinamizar a circulação de mercadorias exportadas e importadas. O segundo foi uma epidemia de varíola que durante três anos dizimou grande parte de cerca dos 100 mil retirantes abarracados nos arredores da Cidade, expulsos do sertão pela seca de 1877-1879.(...) (PONTE, 1999, p. 28)

Assim, após compreender um pouco da configuração e localização

geográfica da Rua Doutor João Moreira do final no século XIX através do mapa de

Adolfo Hebster, agora serão expostas as fotografias monocromáticas do início do

século XX e discutidas de acordo com os acontecimentos históricos dos principais

logradouros inseridos na Rua Doutor João Moreira.

Desse modo, durante a análise do material fotográfico torna-se

necessária a busca de outras fontes bibliográficas que abasteçam as informações da

pesquisa, informações estas contidas em livros e arquivos públicos. Assim, as

fotografias que se mantiverem preservadas enquanto fontes iconográficas como

registros de tempos e histórias do passado, possibilitam estudos ricos e

diversificados em uma pesquisa.

As fotografias, em geral, sobrevivem após o desparecimento físico do referente que as originou: são os elos documentais e afetivos que perpetuam a memória. A cena gravada na imagem não se repetirá jamais. O momento vivido, congelado pelo registro fotográfico, é irreversível. As personagens retratadas envelhecem e morrem, os cenários se modificam, se transfiguram e também desaparecem. O mesmo ocorre com os autores- fotógrafos e seus equipamentos. De todo o processo, somente a fotografia sobrevive. Os assuntos nela registrados atravessam os tempos e são hoje vistos por olhos estranhos em lugares desconhecidos: natureza, objetos, sombras, raios de luz, expressões humanas, por vezes crianças, hoje mais que centenárias, que se mantiveram crianças. (KOSSOY, 2009, p. 139)

62

Na figura 3 pode ser visualizada a Rua Dr. João Moreira anterior a 1908,

esta fotografia faz parte do Álbum Vistas do Ceará publicado em 1908. Esta imagem

foi registrada em frente ao Passeio Público à direita da fotografia está a Rua Major

Facundo e na esquina ainda no canto direito da imagem o Hotel de France.

Figura 3- Rua Doutor João Moreira

4

Fonte: Arquivo Nirez – Álbum Vistas do Ceará (1908)

Nesta imagem pode ser observada a rua constituída ainda por pedras

toscas. Percebe-se também que a fotografia é monocromática, pois se trata do início

4 No Anexo B está a tabela com a Identidade do documento e características individuais baseadas no modelo

metodológico de Kossoy (2012). Todas as fotografias analisadas nesta dissertação estão com as tabelas inseridas

no anexo desta dissertação.

63

do século XX. No canto direito da imagem observamos alguns animais soltos na rua

e pessoas que passam vestidas ao estilo da época, isto possibilita uma interessante

reflexão sobre o contraste existente na cidade do início do século XX.

Duas perspectivas podem ser observadas de um lado o ar de

modernidade e a influência francesa pairando sobre a cidade e do outro lado a

cidade de Fortaleza com sua inerente essência provinciana e rural que detinha no

início do século XX. Desse modo, é interessante refletir sobre a influência ideológica

da cultura francesa na cidade de Fortaleza no final do século XIX:

Como outras cidades que se desejavam civilizadas. Fortaleza também tinha Paris como referência de modernidade. Assim, a capital foi arrebatada por uma febre de afrancesamento. Ser modesto era acompanhar as modas vindas de Paris, usar expressões em francês, abrir lojas com nomes franceses (...) (GYLMAR et al., 2006, p. 76)

O perfil do centro da cidade no início do século XX era como um espaço

único que representava as transformações e a efervescência pelas quais a cidade

passava, seja pelo ar de modernidade e elegância que assolava Fortaleza, seja

pelas contradições que também se erguiam diante dos cearenses, através das

casas construídas sem nenhum planejamento, pessoas desempregadas e mendigos

que começavam a vagar pelas ruas da cidade, obviamente nesta imagem não é

retratado este perfil, pois trata-se de um registro da cidade de Fortaleza com seu

cotidiano singelo e distante das inquietações e contradições que estavam por se

intensificar no decorrer dos anos seguintes.

Na verdade o processo de transformação que culminou na inserção da

cidade de Fortaleza no período intitulado belle époque no início do século XX

começou ainda no século XIX através da exportação do algodão advindo do interior

por meio da via férrea que chegava à estação João Felipe, nesse sentido a Rua

Doutor João Moreira participou ativamente como uma das principais vias de

circulação da cidade. Assim diante desse processo, é necessário informar que

mudanças de grande impacto começaram mais intensamente após a segunda

metade do século XIX, pois a cidade passou a concentrar mais capital, advindo

principalmente do algodão, mais pessoas, mais espaços urbanizados e ainda no

final do século XIX tornou-se um importante centro urbano do estado do Ceará.

O algodão foi um dos elementos que mais contribuiu para as mudanças

na estrutura da cidade, surgiram novos lugares que tinham a funcionalidade ligada

64

diretamente ao algodão. O ritmo acelerado de crescimento econômico na cidade

começava a ter mais efervescência:

(...) O apogeu do cultivo e exportação do algodão teve forte impacto na geografia da cidade. Ao propor os grandes bulevares constituídos pelas avenidas Dom Manoel, Duque de Caxias, e Imperador; esse engenheiro visionário emprestava à cidade áreas de grande centro, ao mesmo tempo que propiciava a expansão de atividades que se firmavam num período em que sua economia crescia em ritmo acelerado. (GYLMAR et al., 2006, p. 34)

Assim, começaram a ocorrer muitas mudanças no cenário cearense na

segunda metade do século XIX e se estenderia também para as primeiras décadas

do século XX. Nesse mesmo contexto para melhor situar a pesquisa observa-se na

fotografia abaixo a residência onde morou e faleceu o Doutor João Moreira. Este

prédio está localizado entre as ruas Dr. João Moreira e Barão do Rio Branco de

acordo com Aderaldo (1998).

Figura 4- Casa do Doutor João Moreira Fonte: Arquivo Nirez – Àlbum Vistas do Ceará (1908)

65

Na figura 4, a imagem foi registrada na parte interna do Passeio Público.

A localização da casa era na esquina da antiga Rua Formosa, atual Rua Barão do

Rio Branco com Rua Dr. João Moreira. Nota-se na imagem o gradil construído

limitando as áreas de entrada à praça. Observa-se o estilo arquitetônico padrão de

casas da época. Essa grade visualizada na imagem justifica-se, porque a Santa

Casa de Misericórdia promovia quermesses no Passeio Público e uma das

funcionalidades do gradil que cercou e delimitou a entrada ao Passeio Público era a

organização, pois limitava a entrada de pessoas e a cobrança dos ingressos: “O

gradil era utilíssimo à Misericórdia porque, só permitindo as entradas pelos portões,

facilitava a cobrança das mesmas durante as quermesses que se fazia de beneficio

desse instituto pio.” (NOGUEIRA, 1954, p. 24)

Dessa maneira, após situar a localização e uma breve contextualização

da Rua Doutor João Moreira, no próximo tópico será feito um estudo de algumas

formas simbólicas aqui nomeadas de logradouros localizados na Rua Doutor João

Moreira.

Nesse sentido, sobre as formas simbólicas espaciais, Corrêa (2007)

explica que estas formas sendo materiais ou não são sujeitas a diversas

interpretações com muitos significados.

As formas simbólicas espaciais estão dispersas pela superfície terrestre, sugerindo à força das representações que os homens constroem a respeito de diversas facetas da vida, envolvendo o passado, o presente e o futuro, as diferenças, a igualdade e o poder, a celebração, a contestação e a memorialização. (CORRÊA, 2007, p. 15)

Dessa maneira, as formas simbólicas envolvem o passado, o presente e o

futuro através de suas várias camadas de interpretações, nesse sentido para

entendermos melhor, um dos exemplos que o autor traz é o das formas simbólicas

atreladas à identidade religiosa. Corrêa (2007) lembra que a identidade católica do

povo brasileiro se manifesta através de diversas formas simbólicas e uma delas é a

enorme estátua do Cristo Redentor, localizada no Rio de Janeiro, entre outras

formas que se espalham por todo o território brasileiro.

As formas simbólicas tornam-se formas simbólicas espaciais quando constituídas por fixos e fluxos, isto é, por localizações e itinerários, apresentando, portanto, os atributos primeiros da espacialidade. Palácios, templos, cemitérios, memoriais, obeliscos, estátuas, monumentos em geral, shopping centers, nomes de logradouros públicos, cidades e elementos da

66

natureza, procissões, desfiles e paradas, entre outros, são exemplos correntes de formas simbólicas espaciais. (CORRÊA, 2007, p. 8 e 9)

Desse modo, o autor informa que este é um rico campo de estudos

investigativos para os geógrafos. Sendo assim, o Brasil enquanto um país marcado

por enormes diferenças culturais e econômicas que precisam ser estudadas por

meios diversos entre eles o das formas simbólicas. Nesse sentido no próximo tópico

será abordado um logradouro da Rua Doutor João Moreira, a Fortaleza de Nossa

Senhora da Assunção.

3.3 FORTALEZA NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO

A cada quarteirão da Rua Doutor João Moreira encontra-se um

logradouro interessante que aguça o campo investigativo desta pesquisa.

Desse modo, foram colhidas fotografias e contextualizadas junto ao

recorte temporal para o estudo e entendimento da paisagem correspondente da

imagem.

Sobre a paisagem Cosgrove (1998, p. 100) afirma que “(...) ao mesmo

tempo, paisagem lembra-nos que a geografia está em toda a parte, que é uma fonte

constante de beleza e feiura, de acertos e erros, de alegria e sofrimento, tanto

quanto é de ganho e perda.”

Nesse sentido, é necessário um breve levantamento sobre o processo de

construção e formação do Forte de Nossa Senhora da Assunção, pois o processo de

formação do forte caminha com o processo da evolução urbana do centro da cidade

de Fortaleza.

A Figura 5 faz parte do “Álbum Vistas do Ceará de 1908”. Corresponde a

uma das entradas para a Rua Dr. João Moreira. Um dos locais por onde a cidade de

Fortaleza começou seu crescimento urbano a princípio com poucos habitantes e aos

poucos foram ocorrendo mudanças na cidade e na paisagem. A proximidade a

Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, possibilitava a segurança para a

instalação da Vila de Fortaleza que posteriormente se transformaria na cidade de

Fortaleza.

67

Na figura 5 pode ser visualizado o forte e uma rua ainda revestida com

pedras toscas e alguns postes de iluminação pública.

Figura 5- Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção Fonte: Arquivo Nirez – Àlbum Vistas do Ceará (1908)

Os motivos que influenciaram a construção onde hoje está a 10º Região

Militar, a Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, localizada próximo ao Passeio

Público e Santa Casa de Misericórdia, estão diretamente relacionados com as águas

do Riacho Pajeú, pois para a construção de uma base de segurança era necessário

um local onde fosse possível ter água potável para beber, cozinhar e banhar-se. Ou

seja, próximo de onde o forte ficou estabelecido, foi descoberto um riacho com

68

águas limpas e claras um ponto bem escolhido por Matias Beck para construção do

forte a princípio intitulado de Forte Schoonerborch.

Desse modo, Aderaldo (1998) informa em síntese como foi o processo de

mudança da instalação do forte para as proximidades do Riacho Pajeú conforme

citação abaixo:

Trazendo do reduto da Barra do Ceará a madeira que pôde aproveitar as telhas e as peças de canhão, servindo-se de carros puxados por bovinos oriundos daqueles trazidos por Martim Soares Moreno, Matias Beck no novo lugar instalou o seu forte, que batizou de Schoonenborch, em homenagem a uma das autoridades holandesas de Pernambuco. (1998, p. 20)

Em meados de 1654, ocorreu a mudança do nome e da gestão do forte

anteriormente intitulado Forte Schoonenborch pelo holandês Matias Beck para

Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção sob o domínio do português Álvaro de

Azevedo. Na citação abaixo são descritos os motivos que acarretaram a mudança

da gestão e nome do forte antes fundando por um holandês e posteriormente

apropriado por um português.

Em 1654 Matias Beck rende-se ao português Álvaro de Azevedo Barreto, como é sabido. Este veio libertar aquele do assédio indígena, como está escrito no diário do próprio Beck. Praticamente sitiados, sem possibilidade de sair de seu reduto, estavam os holandeses quase a passar fome, pois já devoravam os muares de seus serviços. E a indiada, em redor, aguardava o momento favorável para a repetição do massacre da Barra do Ceará. A chegada de Álvaro de Azevedo Barreto foi por isso um alívio. E do holandês nada ficou, nem mesmo o nome Forte, que foi logo crismado de Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, no bom estilo português. Somente a partir de então teve início o arruamento da incipiente população. (ADERALDO, 1998, p. 20)

Compreendendo que a cidade de Fortaleza começou a surgir no entorno

dessa fortificação é necessário informar que no decorrer dos séculos seguintes a

cidade havia se desenvolvido pouco e no início do século XIX haviam poucas ruas e

o maior número de casas ficavam situadas próxima a Fortaleza de Nossa Senhora

da Assunção.

Aderaldo (1998) informa como eram as ruas no inicio do século XIX na

cidade de Fortaleza:

No início do século XIX, a cidade pouco se tinha desenvolvido. Nessa ocasião, precisamente em 1810, por aqui transitou o inglês Henry Koster, que conheceu Fortaleza com 2000 habitantes, a ela assim se referindo: - “Não é muito para compreender a razão da preferência a este local.” (...) É que naquela época, nossa cidade apresentava ruas não calçadas, casas

69

desarrumadas etc. Somente depois teve início um arruamento mais ordenado, que se balizou no Quartel, daí surgindo a Rua do Quartel, que hoje tem o nome de General Bizerril; (...) O arruamento de Fortaleza se daria assim: - saindo do Quartel para o Sul, Rua do Quartel; passando pela frente do Quartel e marginando o Pajeú, Rua de Baixo, ou dos Mercadores, ou Rua Direita, hoje tripartida em Avenida Alberto Nepomuceno, Rua Sena Madureira e Rua Conde d’Eu, como ficou dito. (1998, p. 24)

Posteriormente a mudança de gestão entre holandeses e portugueses

vieram às primeiras transformações urbanísticas mais notórias no entorno do forte.

Nesse sentido de evolução urbanística na cidade de Fortaleza, na Figura

5, retratada no início deste tópico pode se visualizar postes de iluminação pública na

cidade de Fortaleza. E por tratar da iluminação é interessante informar que a

chegada da iluminação pública na cidade de Fortaleza teve início em 1848 conforme

Aderaldo (1998) antes todas as casas eram iluminadas por velas.

A ideia de se iluminar a Fortaleza data de 25 de janeiro de 1834. O Conselho da Província, nesta data, propôs ao então Presidente Inácio Corrêa de Vasconcelos este melhoramento, que abrangeria todas as principais ruas e travessas da cidade, para o que seriam necessários cem lampiões. (...) Data, pois, de 1848 o célebre “contrato” da nossa iluminação com a lua; contrato que perdurou até 25 de outubro de 1935, data em que a Companhia do Gás suspendeu o fornecimento de luz à cidade. (...) Cada lampião continha uma caixinha cheia de azeite de peixe com torcida de algodão; qualquer coisa parecida com esses pequenos tachos de que os ourives se servem para soldar ao maçarico. (ADERALDO, 1998, p. 27 e 28)

Nogueira (1954) explica sobre a iluminação da cidade através de uma

divisão em três épocas: 1º óleo de peixe; 2º gás carbônico; 3º eletricidade.

À era do azeite de peixe sucedeu a do gás carbônico, que começou aos 17 de outubro de 1866, com a iluminação de algumas ruas, do Clube Cearense e de outros edifícios. (...) Com a guerra de 1914 o fornecimento de carvão de pedra tornou-se deficiente, pelo que a Companhia apagou metade dos combustores da cidade. E a fim de atender a melhor iluminação da Praça do Ferreira e de outras, para estas transportou parte dos que não funcionavam. Claras as praças, escuras as ruas, especialmente nas nossas antigas e indecentes noites de escuro. A companhia de gás fez ponto aos 25 de outubro de 1935, encerrando-se, assim, a era do gás carbônico, que durou 68 anos, 1 mês e 8 dias. (...) A era do gás carbônico sucedeu a da eletricidade com fios. Antes da extinção da iluminação elétrica das nossas praças e ruas. Aos 10 de outubro de 1933 foram instaladas, a título de experiência, quatro lâmpadas de cem velas na Rua Formosa, entre a Municipal e a das Hortas; e, por fim, aos 8 de dezembro de 1934, inaugurou-se a iluminação geral, começando-se pela colocação de algumas lâmpadas na Praça do Ferreira. (ADERALDO, 1998, p. 30, 31)

Desse modo, de vila, pequena em extensão e número populacional

mudanças surgiram na paisagem e crescia uma nova cidade. Todavia, junto a essas

70

transformações vieram também as contradições de uma cidade que entrava em

expansão assolada pela modernidade e crescimento em contraponto as

disparidades sociais que começavam também a surgir como o aumento populacional

e a concentração em áreas do centro que não estavam preparadas para esse

aumento de contingente e com isso ocorreu uma expansão da malha urbana na

cidade de Fortaleza.

Assim, ao estudar neste tópico a Fortaleza de Nossa Senhora da

Assunção o autor que vem em mente, pois aborda em seus estudos o conceito de

paisagem na geografia cultural através do pensamento da paisagem enquanto

marca e matriz, é Berque (1998).

Na concepção de Berque (1998) foi introduzido no Capítulo 1 desta

dissertação e pretendo aprofundar os pensamentos desse autor neste tópico,

através da concepção da paisagem enquanto marca e matriz.

Para o autor este concebe a paisagem enquanto marca e matriz, a

paisagem é uma marca que expressa uma civilização a partir da sua materialidade

que pode ser descrita, mas é também matriz vista e apreendida pelos sujeitos que

participam dos esquemas de percepção.

Desse modo, o autor explica a relação existente entre paisagem marca e

matriz.

É preciso compreender a paisagem de dois modos: por um lado ela é vista por um olhar, apreendida por uma consciência, valorizada por uma experiência, julgada (e eventualmente reproduzida) por uma estética e uma moral, gerada por uma política, etc. e, por outro lado, ela é matriz, ou seja, determina em contrapartida, esse olhar, essa consciência, essa experiência, essa estética e essa moral, essa política etc. (BERQUE, 1998, p.86)

Portanto, a paisagem se transforma porque há sempre interferências

externas assim:

A paisagem e o sujeito são co-integrados em um conjunto unitário, que se autoproduz e se auto-reproduz ( e, portanto, se transforma, porque há sempre interferências com o exterior) pelo jogo, jamais de soma zero, desses diversos modos. O jogo seria de zero se a paisagem não tivesse nenhum sentido (isto é, nem significado, nem tendência evolutiva), o que nunca é o caso. (...) (BERQUE, 1998, p. 86)

Nesse sentido, existe uma relação que não está pautada apenas no

objeto na materialidade e nem apenas no sujeito, mas sim na interação complexa

entre ambos enquanto marca e matriz.

71

É o que podemos perceber no logradouro Fortaleza de Nossa Senhora da

Assunção que participa do esquema enquanto marca de uma civilização a partir da

materialidade existente e ao mesmo tempo matriz valorizada por uma experiência,

aprendida e transformada pelos sujeitos ao redor. Atualmente no local do forte está

situada a 10º Região Militar do Exército Brasileiro.

3.4 O PASSEIO PÚBLICO

A Praça do Passeio Público passou por diversas transformações no

decorrer dos séculos, antes de ser conhecido como Passeio Público foi Campo da

Pólvora em 1825 as dimensões eram maiores depois foram reduzidas,

posteriormente passou a se chamar Praça dos Mártires e por fim Passeio Público

como informa Nogueira (1954).

Nogueira (1954) faz uma análise descritiva das primeiras mudanças

acarretadas no Passeio Público a princípio quando o Campo de Pólvora deixou de

existir como pode ser observado na citação abaixo:

O patíbulo levantado pela Comissão Militar no antigo campo da pólvora esteve de pé até 1831, ano em que, entusiasmados com o 7 de abril, na noite de 25 de maio os patriotas, armados de machados , puseram aquilo abaixo. (...) Depois da Fortaleza (1817) e da Misericórdia (1861), o Quartel de 1ª linha (1862) veio fechar a praça. (...) Já a esse tempo (1876) as grades, agora removidas, circundavam um terreno retangular, no qual se construiu, mais tarde , o jardim. Eram montadas sob um pequeno muro, de cerca de um metro de altura; entre cada dois lances de grade, uma coluna. Toda a alvenaria era revestida desse excelente guarnecido de cal, em que os nossos pedreiros são exímios. Acompanhado o gradil, havia pelo lado interno, uma calçada de tijolo, de uns dois metros de largura; tudo mais areia e algumas mongubeiras e castanheiras das quais ainda resta uma ou outra. (NOGUEIRA, 1954, p. 17)

Desse modo, surgiram propostas para mudar a funcionalidade da praça e

assim atrair a população local para aquele espaço.

Se não me engano, foi pelos anos de 1879 que o negociante Tito Antônio da Rocha, português de nascimento, mas cearense pelo coração, tomou a si o encargo de transformar aquela praça cheia de areia em um logradouro público excelente. (...) Para atrair o povo, e antes de começar os trabalhos, fez com que aos domingos, pela tarde, a música do 15º tocasse dentro do recinto e junto ao portão, que dava para a Misericórdia. (NOGUEIRA, 1954, p. 18)

72

Nesse sentido, as modificações feitas pelo Tito Antônio da Rocha de

acordo com Nogueira (1954):

Esse bom cearense adotivo construiu uma avenida cimentada ligando o portão que ficava em frente ao Quartel; o tanque circular, em cujos bordos estavam lindos repuxos, e tendo ao centro a coluna que ainda ali se vê; e sobre quatro pedestais, fazendo corpo com as paredes do tanque, outros tantos jarrões, verdadeiras preciosidades por serem de legítima louça chinesa. O coreto da música e o botequim são obras sua, sendo que o primeiro tinha uma elegante coberta em forma de pirâmide. Retirou o gradil que havia do lado do mar e, com a área do antigo corredor, aumentou a do primeiro plano do Passeio. Foi aí que em 1888 construíram a Avenida Caio Prado. (1954, p. 18 -19).

Na figura 6 pode ser observado o chafariz ao centro do Passeio Público e

alguns homens que posam para a fotografia.

Figura 6- Chafariz do Passeio Público Fonte: Arquivo Nirez – Àlbum Vistas do Ceará (1908)

73

Pode se perceber o ar de modernidade e sofisticação que estava

presente na Praça do Passeio Público. Assim a Figura 6 retrata o primeiro plano ou

primeiro andar do Passeio Público junto à classe elitizada que frequentava aquele

espaço para passear com a família e contemplar a paisagem da praça com seus

belos jardins, seus chafarizes e o ar bucólico que era contemplado naquele local.

Logo que ficaram prontas as obras do primeiro plano, começou a afluência de povo, quer pela tarde, quer nas noites de quintas e domingos. Ali se reunia a melhor sociedade de Fortaleza para ouvir as bandas do 15 º e da Polícia. (...) Ar puro, brisa do mar, boa música tudo contribuía para torná-lo imensamente agradável. (NOGUEIRA, 1954, p. 20)

Desse modo, segue uma descrição das transformações e urbanização

feitas a partir do surgimento do Passeio Público, a existência de três andares ou

alamedas e a utilização daquele espaço de acordo com Ponte (1999):

Naquela década, surgiu o Passeio Público no local, até então, da Praça dos Mártires, que foi remodelada com implante de bancos, canteiros, café-bar, réplicas de esculturas clássicas e 3 planos ou “ avenidas” – uma para o desfrute das elites, a segunda para as classes médias e a terceira para os populares. Localizado no perímetro central e com ampla vista para o mar, o Passeio tornou-se de pronto a principal área de lazer e sociabilidade, até que despontassem outras tentadoras opções a partir do século XX (...) (1999, p. 31)

A vida social da cidade teve grande efervescência principalmente em

1880 quando ocorreu a inauguração do 1º plano do Passeio Público. E assim é

necessário explicar que o Passeio Público possuiu três andares ou três alamedas

que foram divididas da seguinte maneira:

(...) Havia três alamedas, conhecidas como avenidas: - Caio Prado, olhando para o mar; a do centro, denominada Carapinima, fronteiriça à porta principal da Santa Casa e a Mororó, mais próxima do calçamento da Rua João Moreira. Nelas se observava uma separação voluntária das classes sociais: numa alameda a grã-finagem; na outra, a classe média; e na terceira as domésticas. (ADERALDO, 1954, p. 34)

Na citação acima o autor chega a comentar sobre uma separação

voluntária que existiria entre as três alamedas, mas na verdade poderíamos refletir

sobre uma segregação determinada pela arquitetura, pelas vestes dos frequentares

que inibiam e separavam os frequentadores do mesmo espaço no final do século

XIX como são observadas nas fotografias abordadas nesta dissertação.

74

É possível verificar a existência de uma separação de classes imposta até

pela configuração espacial da praça. Isso nos remete à Cosgrove (1998) sobre o

conceito de paisagem enquanto elemento de uma cultura dominante, “Por definição,

cultura dominante é a de um grupo com poder sobre outros.” (p. 111, 1998).

Cosgrove(1998) discute sobre a configuração dos espaços urbanos e a

geometrização com que se compunham as cidades como uma espécie de

representação do poder.

Dessa forma, a Praça do Passeio Público, sua arquitetura e composição

geométrica influenciava e configurava uma separação de classes em um espaço de

lazer da cidade. Cosgrove (1998), afirma que:

Em termos de paisagens existentes, naturalmente somos inclinados a ver a expressão mais clara da cultura dominante no centro geográfico do poder. Em sociedades de classe, exatamente como o excedente é concentrado socialmente, assim o é concentrado espacialmente, em casas de campo e seus parques, mas acima de tudo na cidade. É instrutivo observar quão historicamente consistente tem sido o uso de formas racionais, geométricas, no plano das cidades: sistemas de vias em círculos, quadrado ou em tabuleiro de xadrez são recorrentes. (...) Representa a razão humana, o poder do intelecto. (...) Paisagens de cidades modernas são igualmente exercícios em geometria aplicada, quer estejamos considerando a Cidade Radiante de Le Corbusier ou os cubos de Manhattan ou a silhueta de edifícios contra o céu de Dallas. (1998, p. 113)

Desse modo, repassava-se que no Passeio Público a separação de

planos ou andares que existia era feita de maneira voluntária, todavia sabe-se que

na realidade não era um ato voluntário, mas sim uma segregação de áreas impostas

enfatizando o que Cosgrove (1998) aborda em seus estudos através da paisagem

de uma cultura dominante como podem ser observados nas fotografias discorridas

neste tópico.

Assim, para exemplificar o que está sendo discutido em questão, a figura

7 mostra uma família adentrando o Passeio Público pelos portões da Rua Major

Facundo com Rua Dr. João Moreira. Na Figura 7 pode se observar pessoas com

trajes mais sofisticados que nos remete a cultura francesa bem como a arquitetura

ao redor da praça como é notável através da visualização do Hotel localizado no

canto direito da imagem intitulado Hotel de France. O primeiro andar do Passeio

Público era reservado a pessoas que detinham mais poder aquisitivo e nesta

imagem percebe-se a imponência e sofisticação das pessoas que frequentavam

aquele espaço.

75

Figura 7- Passeio Público Fonte: Arquivo Nirez – Àlbum Vistas do Ceará (1908)

As transformações que estavam ocorrendo e a influência da cultura

francesa na cidade nos remete ao período que foi iniciado a Belle Époque na cidade

de Fortaleza trata-se da transição últimas décadas do século XIX e primeiras

décadas do século XX.

Paris, “capital do século XIX”, segundo a expressão feliz de Walter Benjamin, não só estava em moda como ditava modas para o mundo ocidental, estabelecendo modelos e figurinos a serem seguidos para se poder estar em dia com os novos tempos. Assim o foi na Europa, em São Paulo, Rio de Janeiro ou mesmo em Florianópolis. Em Fortaleza não foi diferente, seduzindo os novos grupos afluentes, sequisos por novidades que lhes deleitassem e demarcassem a superioridade social e estética. Ao afrancesamento, sinal de prestígio e refinamento, tornou-se uma febre na Capital, tomando-a de assalto das mais variadas formas e sentidos. (PONTE, 1999, p. 144)

Ocorreram mudanças estruturais e funcionais de muitos prédios e praças

localizadas no centro da cidade de Fortaleza. Como podemos observar:

76

Fortaleza inicia sua Belle Époque na década de 1880 mesmo, absorvendo com imediatez algumas inovações que acabaram de despontar nos centros de referência, o que demonstra o estreito contato que a capital tinha com a Europa. Dessa forma, ainda nos anos 80 foram instalados equipamentos nunca vistos na cidade e que causaram a maior sensação: bondes e Passeio Público (1880), fotografia, telégrafo, submarino ligando Fortaleza ao sul e à Europa (1882), telefone (1883) e cafés afrancesados na Praça do Ferreira. (GYLMAR et al., 2006 ,p. 71)

Essas novidades que surgiram na cidade com equipamentos e modas

inspirados nos moldes franceses por assim dizer até um afrancesamento da cidade

perduraram durante as primeiras décadas do século XX. Nesse período a elite local

também estava em evidência e quem sempre acompanhava as mudanças e modas

que vinham de Paris eram sempre os que detinham mais poder aquisitivo. Como

podem ser visualizadas nas fotografias do Passeio Público famílias passeiam no

primeiro andar que já era destinado apenas a elite local.

Dos equipamentos cabe destacar o Passeio Público por ter sido projetado para ser o lugar, por excelência, da fruição daqueles belos tempos na cidade. Nenhum outro logradouro de Fortaleza era tão belo, confortável, iluminado – tinha vista para o mar, bancos, coreto, jardins repleto de flores, lagos artificais, estátuas de divindades mitológicas, árvores frondosas etc. (GYLMAR et al., 2006, p. 73)

A Figura 8 retrata famílias contemplando a paisagem e ar agradável do

Passeio Público. Nota-se apenas pessoas bem trajadas à moda típica da época para

pessoas mais abastardas, mulheres, crianças e homens o típico passeio em família

que compunha a elite fortalezense no início do século XX.

O momento era, pois propício à disseminação do consumo de novos figurinos, tecidos, chapéus e demais adereços vindos sobretudo de Paris e Londres. Dependendo de um público endinheirado para consumi-la, a moda caiu como uma luva para a jeunesse dorée emergente de Fortaleza, ávida por evidenciar, pelo requinte da aparência, a sua consagração sócio-econômica. E não faltavam, agora, oportunidades sociais e urbanas para esta visibilidade: havia sempre modelos para vestir fosse nos bailes dos clubes, no carnaval, nas tardes de turfe, nos “footings” do Passeio Público, nas solenidades ou no interlúdio de uma conversação entre pares no Café Riche.(PONTE, 1999, p. 149)

E para não serem incomodados existia a separação entre os andares da

Praça como é percebido na fotografia registrando apenas pessoas de classe mais

abastarda em um tranquilo passeio pelas tardes da cidade de Fortaleza.

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Figura 8- Passeio Público Fonte: Arquivo Nirez – Àlbum Vistas do Ceará (1908)

Desse modo, foi feita uma crítica a esse período e as contradições que ali

se formavam:

Remodelar cidade e sociedade compreendia introduzir equipamentos e serviços urbanos modernos, introjetar noções de higiene, trabalho, beleza e progresso, eliminar os focos naturais de insalubridade e disciplinar o crescente contigente de miseráveis, “vadios”, prostitutas, loucos – estigmatizados como a horda de “bárbaros” que punha em perigo a constituição de uma nova ordem social modernizante e excludente. A época, portanto só foi bela para as elites e parcelas das camadas sociais médias; para os pobres ela foi sinônimo de vigilância policial, controle de hábitos e confinamento de corpos. (GYLMAR et al., 2006, p. 69)

E assim no decorrer das décadas seguintes o entusiasmo antes visto

durante a Belle Époque começou a diminuir e por fim cessar após a I Guerra

Mundial (1914- 1918). Diante disso a cidade já tinha passado por muitas mudanças

acarretadas em consequência da Fortaleza Belle Époque.

78

No período pós Belle Époque ficaram vestígios de um centro aglomerado

de pessoas e barulhos. Surgiram novos rumos para a elite cearense que passa a se

transferir para áreas consideradas mais tranquilas junto ao litoral leste, pois desde a

década de 1920 o banho de mar foi incorporado ao lazer dos fortalezenses.

A ordem a partir de então não era mais civilizar a capital a todo custo e sim organizar racionalmente os espaços para disciplinar a intensificação dos fluxos urbanos. O embelezamento urbano, dessa forma, deixa de ser uma questão central embora continue – não mais sob a égide do florido e rebuscado estilo noveau e sim do contido e geometrizado art déco. (GYLMAR et al., 2006, p. 78)

Assim ocorreram muitas transformações na paisagem do Passeio Público

como pôde ser observado nas fotografias junto às apropriações deste logradouro no

início do século XX.

As transformações comportamentais e estruturais vivenciadas na cidade

de Fortaleza deixou que por alguns momentos o Passeio Público ficasse

desvalorizado e sem manutenção, todavia nos dias de hoje está ocorrendo uma

preservação e ocupação desse espaço, através de apresentações artísticas de

música e teatro, cursos ao ar livre e quiosques de alimentação.

3.5 A SANTA CASA DE MISERICÓRDIA

Nesse tópico será explanada a contextualização histórica do processo de

construção da Santa Casa de Misericórdia no Ceará junto às transformações na

paisagem da cidade a partir do surgimento da mesma.

Na Figura 9, pode ser observado o prédio da Santa Casa de Misericórdia,

local que serviu de ajuda a muitos flagelados das secas do final do século XIX e

início do século XX. Esta figura mostra o prédio já construído com dois andares a

fotografia retratada é da década de 1930.

Nesse sentido, será feita uma contextualização do processo de

implantação da Santa Casa de Misericórdia e as transformações acarretadas na

paisagem pela implantação da mesma.

79

Figura 9- Santa Casa de Misericórdia Fonte: Arquivo Nirez – Fotografia avulsa (1930)

A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia surgiu em Portugal e veio

para o Brasil desde o período de povoamento do território brasileiro com o intuito de

cuidar de pessoas doentes e mais necessitadas.

Com a extensão do domínio dos lusitanos a novas terras descobertas, a Irmandade da Misericórdia os ia acompanhando, havendo surgido em Goa, India, em 1520 e logo depois no Brasil em 1540 com a Santa Casa de Santos, fundado por Brás Cubas, seguindo-se a Vitória, no Espiríto Santo pelo padre José Anchieta em 1545; a de Porto Seguro e de Olinda, em 1560, e a do Rio de Janeiro em 1582 ainda pelo padre Anchieta. Atualmente estão espalhadas por mais de 200 cidades no Brasil, ocupando sempre lugar preponderante na assistência dos enfermos desvalidos. (SUCUPIRA, 1985, p. 212 )

As instituições da Santa Casa espalharam-se pelo Brasil desde a

instalação da primeira no ano de 1540, todavia no Estado do Ceará a mesma veio

instalar-se apenas trezentos anos depois.

E isso somente se deu por iniciativa do Presidente da Província, Coronel Inácio Correia de Vasconcelos, que tomara posse do cargo no dia 4 de

80

dezembro de 1845. Vivamente impressionado com as dolorosas consequências da seca de 1845, que deixara um lastro enorme de pessoas doentes e sem um lugar para tratar-se, tomou a seu cargo construir o que ele chamou de Hospital de Caridade (...). (SUCUPIRA, 1985, p. 213)

Muitos presidentes sucederam, mas nenhum teve o verdadeiro interesse

em dar continuidade às obras da Santa Casa então: “Coube ao presidente Padre Dr.

Vicente Pires da Mota, empossada em 20 de fevereiro de 1854, voltar suas vistas

para o futuro hospital. Na época, o Ceará em peso havia sido atingido pela epidemia

da cólera, que causava horrível devastação na população.” (SUCUPIRA, p. 214,

1985). Sucupira (1985) informa que o padre Dr. Vicente colocou a cargo do boticário

Ferreira a continuação e averiguação das obras na casa de Irmandade.

O prédio da Santa Casa de Misericórdia ficou pronto em 1857, mas não

começou de imediato o atendimento, pois não havia médicos contratados e

disponíveis no período em questão. Apenas em 07 de outubro de 1859 o presidente

Antonio Marcelino Nunes Gonçalves decidiu organizar a Irmandade da Misericórdia

que passou a chamar-se posteriormente de Santa Casa da Misericórdia e as

atividades começaram apenas em 1861 na Santa Casa de Misericórdia.

O ano de 1877 assignalou-se por uma seca tremenda. Depois de 32 annos de invernos, o Ceará era visitado por uma grande calamidade, que muita gente desconhecia. Durante o período de 1846 a 1876, a então província tinha progredido extraordinariamente; a indústria pastoril era sua maior riqueza e os que haviam assistido a fatalidade 1845 não se lembravam mais de seus horrores despreoccupada vivia a população cearense, com relação as seccas, na abastança que os bons tempos lhe proporcionaram. A secca manifestou-se ameaçadora e terrível e com ella sua companheira de sempre - a peste. (ROCHA, 1914, p. 287)

O cenário na cidade de Fortaleza iria se transformar devido, às migrações

do campo para a cidade, o aumento populacional, bem como as muitas vidas que se

findaram pelos caminhos tentando chegar a capital do Ceará e as doenças que se

espalhavam de maneira assustadora nas últimas décadas do século XIX.

Durante o período da seca os retirantes sempre migravam com destino a

cidade de Fortaleza, todavia durante a seca de 1877 o cenário foi bem mais cruel.

As doenças se espalhavam junto a leva de pessoas que chegavam a cidade

tentando sobreviver diante da fome e doenças que assolavam grande parte destes

retirantes. Todos os dias inúmeras pessoas morriam, vitimadas pela varíola, pela

fome, o problema era de cunho social não mais apenas físico e climático. A seca era

81

umas das principais causas desse movimento migratório no qual retirantes saiam de

suas terras em busca da sobrevivência em um lugar que possibilitasse isto, mas

nem sempre foi possível, pois aqueles que conseguiam chegar a cidade estavam

fracos ou continuaram sem saber o que fazer para sobreviver.

Os retirantes, os flagelados da seca eram vistos como um problema para

a elite da cidade de Fortaleza. Os questionamentos que surgiam eram estes: O que

fazer com os miseráveis que rondavam a cidade? Onde iriam morar? Assim pensava

a elite local diante de um cenário que se formava e assustava os mais abastardos.

Fortaleza vivia uma época no qual o ar de modernidade assolava a cidade através

da arquitetura e dos hábitos de influência europeia que se proliferavam entre os

mais ricos, em contraponto a uma massa necessitada que se fixava na cidade

Fortaleza. Os flagelados da seca chegavam famintos a cidade e promoviam uma

desconfiguração no espaço urbano que até então estava tentando se desenvolver

nos moldes europeus junto a projetos de embelezamento da cidade.

A concentração de grupos e indivíduos nos principais centros do país, lado a lado com o volume de edificações que surgiam, produzia na visão médica, movimento urbano desordenado e conferia um quadro hostil à cidade. A ocorrência frequente de epidemias e endemias gerava medo nas elites e nos negociantes estrangeiros, além, de que recruscedia a mendicância e minava a força de trabalho. (...) Na tentativa de normalizar aquilo que concebiam como irracionalidade urbana, os médicos percorreram a cidade refletindo sobre a insalubridade e a morbidade, levantando um conjunto diversificado de fatores físicos e sociais que tornavam a cidade um território potencialmente inseguro e perigoso. (PONTE, 1999, p. 74)

Assim, a solução para a elite local seria afastar grande parte dos

retirantes para continuar os projetos de modernização da cidade, e como algo

contraditório muitos dos projetos de modernização de Fortaleza foram concretizados

mesmo nos anos de seca e muitas dessas obras foram realizadas pelas mãos dos

retirantes que trabalharam em construções ostentativas.

Dessa forma, entrava-se em contradição a cidade que crescia junto ao

embelezamento da cidade situado dentro dos moldes parisienses da arquitetura e da

moda e até dos costumes em contraponto, a fome, a miséria e a mendicância de

muitos que passavam a circular pela cidade. A mão de obra dos retirantes era

empregada em várias construções da cidade.

Costa (2004) informa que a cidade não estava preparada para receber

uma enorme quantidade pessoas. E os questionamentos que surgiam: Como

82

atender a higiene de toda essa população, como iriam se alimentar? Por um

momento ficou proibida a mendicância pelas ruas da cidade os retirantes deveriam

tentar se manter limpos nos alojamentos que foram disponibilizados. Mesmo

tentando cuidar da higiene da população, estas tentativas não foram eficazes e

todos os dias morriam centenas de pessoas em decorrência da peste que assolava

a cidade.

O discurso que justificava a exclusão dos menos favorecidos estava

relacionado diretamente a um pensamento higienista e de limpeza dos espaços da

cidade.

Assim, Adolfo Hebster na planta de 1875 retratada no inicio deste

capítulo, já mostrava a área que estava a surgir para além do perímetro central da

cidade que eram os subúrbios, estes foram formados principalmente após a seca de

1877, afinal os retirantes precisavam ficar em algum lugar e o mesmo escolhido para

estes era a área que marginava o perímetro da área central. Até mesmo a

construção dos “campos de concentração” os aldeamentos construídos com a

finalidade de abrigar os retirantes das secas estavam localizados nas áreas que

marginalizavam a área central da cidade.

Desse modo, todo o discurso da seca e dos flagelados que rondavam a

capital do estado que estava se desenvolvendo e modernizando no final do século

XIX, formando uma nova composição espacial e assim uma nova configuração na

paisagem da cidade, nos remete as ideias de Cosgrove (1998) ao abordar as

paisagens da cultura alternativa e sua divisão:

Por sua natureza, as culturas alternativas são menos visíveis na paisagem do que as dominantes, apesar de que, com uma mudança na escala de observação, pode parecer dominante uma cultura subordinada ou alternativa. (...) Mas por mais dominante localmente que possa parecer uma cultura alternativa, ela continua subdominante à cultura nacional oficial. Nesta última escala divido as culturas alternativas em residuais, emergentes e excluídas. (1998, p. 116, 117)

Dessa forma, no primeiro capítulo desta dissertação foi feito um breve

levantamento sobre essas três divisões da paisagem da cultura alternativa de

Cosgrove (1998). Este tópico desta dissertação relaciona-se diretamente com a

paisagem da cultura alternativa dos excluídos, pois para alguns pesquisadores estes

estudos são direcionados apenas a interesses marginais que podem não oferecer

muito retorno científico, todavia o que aconteceu na cidade de Fortaleza como está

83

retratado neste tópico, a partir de uma nova configuração que se formou na cidade

diante do aumento populacional desencadeado por uma seca, pode ser sim um

campo de estudos repleto de significados e inserido nos estudos da paisagem a

partir da geografia cultural.

O mesmo é verdade que para outras culturas excluídas, a não ser um estudo ocasional, geralmente tratado como de interesse marginal ou levemente suspeito. Mas a paisagem humana está repleta de símbolos de grupos excluídos e de seu significado simbólico. (COSGROVE, 1998, p. 120, 121)

Nesse sentido, Costa (p. 33, 2003) afirma que “As paisagens excluídas,

que muitas vezes são marginalizadas por não conterem um aspecto estético que as

justifiquem como tal, também trazem com elas um forte poder simbólico.”

Dessa forma, a Santa Casa de Misericórdia participou e ainda participa do

processo de composição da paisagem da cidade de Fortaleza, ainda hoje tenta

manter sua forma e função cumpre o papel de Hospital de Caridade através de suas

inúmeras histórias no decorrer de tanto anos de existência.

3.7 A CADEIA PÚBLICA MUNICIPAL

Na Rua Doutor João Moreira com Rua Senador Pompeu está localizada a

antiga Cadeia Pública Municipal. Hoje está situado neste logradouro o Centro de

Turismo atual Encetur. Muitos turistas que passam por ali e até a população local

não imaginam a verdadeira funcionalidade daquele espaço que serviu de prisão

municipal no final do século XIX e muitas décadas do século XX.

Portanto, os saberes e os fazeres humanos atribuem significados e

organizam as paisagens, e os símbolos presentes fazem a mediação entre o mundo

interior e o mundo exterior.” Costa (p. 34, 2003)

Nesse sentido, Costa (2003) explica que “ A paisagem revela ainda, a

realidade do espaço em um determinado momento do processo. O espaço

construído ao longo do tempo de vida das pessoas, considerando a forma como

vivem, o tipo de relação que existe entre elas e que estabelecem com a natureza.”

(p. 34, 2003).

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Desse modo, iremos analisar nesse tópico a composição da paisagem da

Rua Doutor João Moreira a partir da construção de um espaço repleto de conflitos

que foi a cadeia pública municipal.

Figura 10 - Cadeia Pública Municipal Fonte: Arquivo Nirez – Fotografia avulsa (1908)

A Figura 10 retrata a imagem da cadeia pública no início do século XX

algumas décadas após sua construção. Nesta imagem pode ser observada uma das

fachadas da antiga cadeia pública que tinha entrada principal para a Rua Doutor

João Moreira.

A cadeia pública iniciou sua construção em 1850, buscando o

ordenamento e segurança da sociedade fortalezense da época. Antes desse período

os presos ficavam isolados em celas situadas no quartel, todavia em alguns

momentos o número de presos aumentava e as celas ficavam apertadas e

pequenas demais para o contingente de presos. A construção da cadeia pública foi

85

bastante lenta podendo ver o descaso da província com a necessidade de se

construir uma cadeia pública municipal.

Falcão (2003) informa que a conclusão das obras da cadeia encerrou em

dezembro de 1866 com muitas pendências ainda por terminar. A nova cadeia foi

elaborada com base na legislação Imperial e levou um período de praticamente 16

anos para ficar pronta.

O projeto da cadeia pública municipal de Fortaleza foi elaborado com

base em um modelo penitenciário vindo dos Estados Unidos:

Auburn era uma prisão, na cidade de Nova Iorque, que em 1821 aplicava um novo modelo, o qual exigia silêncio absoluto, mas em regime de comunidade durante o dia e isolamento noturno. A grande novidade deste regime foi a introdução de oficinas onde os internos se submetiam a uma rigorosa jornada de trabalho. O chicote garantia o silêncio absoluto entre os presos. (FALCÃO, 2003, p. 81)

Esse seria o modelo de inspiração para a construção da cadeia pública

municipal de Fortaleza a intenção era substituir outras penas que já existiam como o

enforcamento e a guilhotina e tentar um novo modelo penitenciário.

Todavia, a construção da cadeia demorou 16 anos, tempo demais para

uma construção, o que possibilitou transformações nos modelos prisionais. Quando

finalmente a cadeia foi inaugurada, a mesma já apresentava defeitos em sua

funcionalidade, lembrando nem de maneira distante o modelo prisional que havia

servido de inspiração para o projeto de construção da cadeia pública municipal.

É necessário lembrarmos que uma das razões para sua construção foi a situação decadente das cadeias existentes, em que autoridades e sociedade clamavam por um espaço mais adequado, saudável e humano. Então veio a construção da Cadeia de Fortaleza que antes do término de suas obras já não correspondia mais ao sonho inovador. E aí entra o problema da falta de higiene. Segundo o artigo 517 do Código Criminal o carcereiro era o responsável pelo asseio das prisões, e que empregaria para tal os próprios presos. Que os presos foram usados, foram, porém o asseio acabava não ocorrendo como deveria. No mesmo espaço que comiam, faziam suas necessidades fisiológicas, quando não, era o mesmo lugar do banho. Sem deixar de observar que “o serviço da limpeza é feito muito impropriamente, sendo os materiais fecais em cada prisão lançados numa latrina de madeira”. (FALCÃO, 2003, p.95)

Desse modo, não foi compatível o que estava acontecendo na realidade

com o que se previa no projeto da prisão. Os presos, na verdade, viviam em

86

condições desumanas e esta situação gerava condições ideais para a proliferação

de doenças.

Entre 1876 e 1877 foram 16 presos mortos. Era inadmissível que tal quadro ocorresse num espaço que deveria ser exemplar, e que estava às custas do Estado provincial. É uma boa demonstração da falência do sistema penitenciário da Província naquela época, mas também da incompetência do Estado Imperial de cuidar das questões do país, mesmo em período de relativa prosperidade devido às exportações do café, e de alguns produtos provinciais, como no caso do Ceará a atividade algodoeira. (FALCÃO, 2003, p.95)

No relatório da Secretaria de Polícia de 1876 são descritas várias queixas

sobre a maneira como os presos ali eram mantidos faltava trabalho, espaço, higiene

e ensino de acordo com Falcão (2003) neste relatório era enfatizado que tudo faltava

dentro da cadeia. “Como podia se esperar dos presos algo mais positivo em termos

de recuperação, se nem uma oportunidade sólida de ter uma profissão era dada?

Ora se nem aos que estavam fora das grades havia tantas chances, muito menos os

que eram encarcerados.” (FALCÃO, p. 97, 2003)

Assim, como nos dias de hoje a cadeia havia virado uma escola no qual

os presos saiam de lá pior do que entravam e segundo Falcão (2003) após 10 anos

de sua inauguração a penitenciária já necessitava de reformas, lembrando que para

ficar pronta a prisão levou cerca de 16 anos e já estava defasada.

Nesse sentido, uma das principais críticas que se fazia a cadeia pública e

ao sistema prisional era que: “(...) Em lugar de modificar os criminosos, serviam para

distanciá-los ainda mais dos ideais de civilidade que deveriam ser neles incutidos.”

(FALCÃO, p. 103, 2003).

As atividades da cadeia pública municipal de Fortaleza foram encerradas

no final da década de 1960 e os presos foram transferidos para um novo presídio

intitulado Instituto Penal Paulo Sarasate.

O prédio da cadeia manteve muito de sua característica arquitetônica e

preservação do espaço, todavia sua função foi modificada hoje o prédio é utilizado

para fins turísticos com o nome de Centro de Turismo – Encetur junto a lojas de

artesanato e quiosques de alimentação.

87

3.8 A ESTAÇÃO JOÃO FELIPE

A Estação João Felipe foi projetada e construída com vistoria do

engenheiro Henrique Foglare no mesmo local do antigo cemitério da cidade o São

Casemiro. A mão- de- obra da construção da estação em sua maior parte foi

composta pelos flagelados da seca de 1877 que vieram para a cidade de Fortaleza,

tentando sobreviver a seca que castigava o sertão do Ceará. A Estação começou a

ser construída em 1879, mas só foi inaugurada em 9 de Junho de 1880.

Sobre o terreno que deu origem a construção da Estação João Felipe é

necessário fazer um breve levantamento histórico para informar a utilização do

mesmo antes da instalação da estação. Ainda nas primeiras décadas do século XIX

as pessoas que faleciam na cidade de Fortaleza eram enterradas nos terrenos ao

redor das igrejas da cidade, todavia no decorrer das décadas seguintes foi

necessário a construção de um local específico para enterrar os corpos, assim surge

o interesse em instalar o Cemitério São Casemiro na cidade, local onde

posteriormente foi construída a Estação Ferroviária João Felipe e os corpos ali

enterrados foram transferidos para o novo cemitério o São João Batista. Aderaldo

(1998) exemplifica através de contos uma das causas que culminou a construção de

um cemitério na cidade de Fortaleza nas primeiras décadas do século XIX:

Em 1849 a esposa do Presidente da Província, residindo no prédio que futuramente se chamaria Palácio da Luz, foi assistir a missa na igreja do Rosário e tropeçou em laje do piso, deslocando-a, o que possibilitou a emanação de odores desagradáveis, provenientes de cadáver em decomposição recentemente ali enterrado. Isso fez com que o presidente determinasse a fundação de um cemitério, o que ocorreu próximo à futura estação da Rede Viação Cearense, o qual se denominou São Casemiro, exatamente por ser esse o nome do Presidente de então. Somente muitos anos depois seria fundado o cemitério de São João Batista, para onde foram traslados os restos de quantos haviam sido enterrados no cemitério de São Casemiro construindo-se no local deste último as dependências da estação. (ADERALDO, 1998, p. 30)

Nos anos que se passaram junto a falta de informação tornou possível o

esquecimento de alguns fortalezenses sobre o processo de construção da Estação

João Felipe.

Esta informação nos remete ao pensamento de Cosgrove (1998) ao

estudar as paisagens das culturas alternativas na categoria de paisagens residuais:

88

Os geógrafos há muito tem interesse por paisagens relíquias, usando-as geralmente como pistas para a reconstrução de antigas geografias. Mas, como ocorre com todos os documentos históricos, é difícil recuperar o significado de tais formas para os que as produziram e, na verdade, a interpretação que fazemos deles nos diz tanto sobre nós mesmos e nossas suposições culturais quanto sobre seu significado original. (1998, p. 117)

Desse modo, Nogueira (1954) informa o quanto é surpreendente pensar

que as pessoas que passam em frente a Estação João Felipe muitas décadas após

sua construção não lembrem-se ou não saibam que ali embaixo daqueles muros já

existiu um cemitério, local de repouso e moradia eterna de muitos que por Fortaleza

passaram, fizeram história e aqui morreram.

Parte das oficinas, o Chalet, a Carpintaria, os Depósitos e desvios estão assentes sobre o local do antigo cemitério de S. Casemiro, assim chamado pelo nome do presidente Casemiro José de Morais Sarmento. O Cemitério Velho, também chamado do Croatá, por causa do morro que lhe ficava ao lado, foi edificado em virtude da lei provincial nº 319, de 1º de agosto de 1844, ficando completas as obras em 1849. Aí se fizeram enterramentos até abril de 1865, época em que foi fechado sob pretexto de se achar quase dentro da cidade, estar sendo invadido pelas areias do morro, estarem sepultados inúmeros coléricos. Daí por diante jazeu em completo abandono, até que em 1877 se resolveu a sua demolição. A autoridade competente mandou exumar alguns restos e os recolher, aos 12 de abril de 1880, ao Cemitério Novo, de S. João Batista (...). (NOGUEIRA, 1954, p. 74 - 75)

Os motivos alegados para a retirada do cemitério São Casemiro estavam

atrelados a inconveniência do espaço onde foi construído o antigo cemitério, pois o

mesmo colocava a população em perigo. Durante o século XIX muitas pessoas

morreram de doenças infecciosas como a cólera e a tuberculose e o que se

proliferava era que os ventos vindos do cemitério poderiam trazer doenças para

população da cidade que morava ali nas proximidades. Afinal a cidade foi crescendo

e se expandindo próxima a Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção.

Todavia, é necessário informar também que outras motivações foram

necessárias para a transferência do cemitério, uma delas foi o aumento no

contingente populacional da cidade que cresceu bastante e a outra causa esteve

ligada a localização estratégica que justificou a implantação da estação naquele

local, pois a proximidade junto ao mar e ao porto da cidade facilitaria a escoação dos

produtos advindos do interior.

Nogueira (1954) expõe a opinião diante da transferência do cemitério

velho da cidade para o novo chamado São João Batista:

89

Compreende-se perfeitamente as razões por que se fechou o Cemitério Velho; o que porém nunca pudemos compreender foi o abandono, de que fomos tantas vezes testemunhas, daquele humilde Campo Santo. Em 1878 já estava quase tudo em ruínas: túmulos desmoronados, catacumbas abertas, deixando ver o seu horripilante conteúdo, ossos dispersos pelo chão, onde os animais pastavam tranquilamente. (1954, p. 75)

Assim a construção da estação foi possível e o prédio da Estação João

Felipe era de um só andar e amplo, pois nas dependências estavam localizadas as

oficinas que faziam parte da estação. A fachada era composta por colunas e uma

escadaria que ligava a parte exterior junto a parte interna da Estação.

Figura 11- Prédio da Estação João Felipe Fonte: Arquivo Nirez – Álbum Vistas do Ceará (1908)

Na Figura 11 pode ser visualizado o prédio da Estação João Felipe no

início do século XX. Antes de chamar Estação João Felipe, o prédio era intitulado de

Estação Central até meados de 1956 e os trens partiam principalmente para estação

da Parangaba e Baturité. Nota-se a iluminação pública e o campo da Amélia

localizado em frente ao prédio da estação.

90

Nogueira (1954) faz uma crítica ao local de escolha para a construção da

Estação João Felipe:

Nas grandes cidades, a necessidade de espaço explica a demolição de muita coisa velha. Na Fortaleza daquele tempo nem esta razão se podia apresentar; não se podia dizer que o Cemitério devia desaparecer para ceder lugar às construções da Estrada. Esta dispunha de locais muito melhores que o atual, onde pudesse se estabelecer. Que a tradição que tenha colocado a Estação onde ela está para que fosse vista do mar, como já o eram a Fortaleza, a Misericórdia e a Cadeia. Completava-se com a Estação um certo quadro que obrigaria o navegante, bem de longe, a aproximar-se com respeito, pois aqui também havia Força e Humanidade, Rigor e Autoridade. Idéias do tempo... (1954, p. 76)

A Figura 12 destaca a Estação João Felipe no ano de 1912, localizada na

Rua Doutor João Moreira.

Figura 12- Estação João Felipe Fonte: Arquivo Nirez – Fotografia Avulsa (1912)

91

Em frente ao prédio da estação encontrava-se o campo da Amélia e

posteriormente uma parte do terreno foi transformada na “Praça da Estação”. Nota-

se também nessa fotografia os cabos e fios de implantação dos bondes elétricos no

centro da cidade um sinal de modernidade e avanço na mobilidade da cidade de

Fortaleza do início do século XX.

Sobre as transformações no campo da mobilidade urbana na cidade de

Fortaleza, sabe-se que se instalaram na cidade os primeiros bondes puxados por

animais ainda no final do século XIX. E no início do século XX chegaram os bondes

elétricos e ainda em meados da década de 1920 chegam os primeiros ônibus.

Fortaleza inaugurou sua primeira linha de bonde com tração animal em 1880. (...) Os bondes elétricos chegam em 1913, expandem-se rapidamente atendendo as demandas de vários bairros das imediações do Centro, mas tiveram vida curta- foram desativados em 1947. A primeira linha de ônibus foi instalada em 1928, com seis ônibus da Empresa Pedreira que cobriam a cidade. (GYLMAR et al., 2006, p. 34)

Sobre os bondes deve-se dizer que existia uma separação de classes

para os bondes elétricos com vagões que eram ocupados por pessoas de primeira

classe e bilhetes mais caros e na segunda classe bilhetes mais baratos. E uma parte

do valor adquirido das passagens era doada para casas beneficentes como a Santa

Casa de Misericórdia é o que informa Aderaldo (1998):

Em 1914 teve início a era dos bondes elétricos. Havia bondes de “tostão” e de “dois tostões”, isto é, de cem e de duzentos réis, que eram identificados pela cor de suas testadas: - o de segunda classe era prateado e o de primeira classe era pintado de verde. Os cupões de passagens, destacados pelos cobradores (condutores, como eram impropriamente chamados) à vista dos passageiros, eram a estes entregues porque valiam a centésima parte de seu preço, desde que resgatados em favor de associações de caridade, como a Santa Casa , o Asilo de Alienados , Leprosário etc. Dessa forma, a empresa concorria para aquelas filantrópicas entidades e, ao mesmo tempo, controlava o movimento de passageiros, para efeito de tomadas de contas. (1998, p. 41)

Na Figura 13 pode ser observada a fachada da Estação João Felipe, já

com os bondes circulando pela cidade, bem como um carro estacionado em frente

ao prédio da Estação. Árvores no canto direito onde antes era um campo aberto.

Esta fotografia registra a urbanização visualizada na paisagem da cidade de

Fortaleza no início do século XX.

92

Figura 13- Estação João Felipe Fonte: Arquivo Nirez – Fotos Avulsas (1914)

Nesse sentido, as informações descritas neste tópico nos remete ao

pensamento de Meining (1976) ao explicar sobre várias versões existentes para uma

mesma cena o autor em uma delas aborda sobre a paisagem como história. “Para

tal observador, tudo que se estende à frente de seus olhos é um complexo registro

cumulativo do trabalho da natureza e do homem em um dado lugar.” (p. 42, 1976)

Podemos observar isto nas fotografias e nos relatos descritos nesta pesquisa. “A

paisagem visível não é um completo registro da história, mas ela poderá fornecer

com diligência e por interferência muito mais dados do que um olhar casual.” ( p. 42,

1976)

Assim foram feitas observações das imagens junto as decrições

existentes sobre a história da época da construção e retratação das imagens.

Atualmente a Estação João Felipe está desativada, devido a inauguração do metrô

da cidade de Fortaleza, a Estação não funciona mais como ponto de idas e vindas

93

dos trens, mas existem alguns projetos para a revitalização do local mantendo seus

estilo arquitetônico e mudando a sua função para com a população.

94

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conceito de paisagem é um dos mais antigos conceitos geográficos.

Desse modo, entende-se que a geografia humana por bastante tempo negligenciou

o caráter simbólico e subjetivo inserido no conceito de paisagem.

Nesta dissertação o embasamento teórico esteve pautado no estudo da

paisagem a partir da geografia cultural. Foi realizado um resgate histórico conceitual

da paisagem e cultura a principio com Sauer (2007), todavia surgiram críticas ao

pensamento e legado saueriano, no qual Sauer (2007) enfatizava a cultura com seu

caráter supra-orgânico e suas leis que pairavam a sociedade, Duncan (2007) foi um

autor crítico aos estudos de Sauer (2007), no entanto ficou evidente que foi a partir

do pensamento de Sauer (2007) que novos estudos surgiram e embasaram a

geografia cultural.

A partir da década de 1970 a geografia cultural passou por um processo

de mudança, diante dessas transformações surgiu a geografia cultura renovada, o

caráter subjetivo junto aos significados e simbolismo passou a ser inserido nos

estudos geográficos, bem como novos estudos surgiram inserindo o conceito de

paisagem, região , lugar, território e espaço.

A paisagem passou a ser um conceito envolvido nas práticas culturais e

nas práticas simbólicas que levam novas concepções geográficas e possibilitam

novos estudos enviesados em áreas interdisciplinares e alguns podem até comentar

como áreas marginalizadas para a geografia como a arte, o cinema, a literatura, a

fotografia entre outras áreas, todavia sabe-se que são áreas que possibilitam

estudos ricos e interessantes para a geografia cultural.

No Brasil a geografia cultural foi introduzida de certa forma tardiamente,

começou apenas na década de 1990 e proliferou-se principalmente nos estudos de

religião, etnias e festas populares, campos estes não visualizados anteriormente

com tanta força, quanto a partir da inserção da geografia cultural no Brasil.

Assim o conceito de paisagem permeou toda essa dissertação com mais

intensidade no primeiro capítulo a partir da apresentação conceitual e ao final

através da relação das imagens com os autores que trabalham com conceito de

paisagem na geografia cultural.

Nesse sentido, a fotografia enquanto arte e intervenção social pode

proporcionar uma memória e registro de momentos históricos dos sujeitos com o seu

95

entorno. Assim, a fotografia possui uma capacidade de demarcar um tempo e um

espaço em um só instante.

Desse modo, entende-se que a imagem fotográfica pode não explicar

todo o passado, mas ela é um registro de algo do passado, ou seja algo que já

aconteceu não volta mais, uma cena que se insere em todo um contexto sócio

cultural de período retratado. Kossoy(2012) explica que é necessário uma busca

junto a outras fontes bibliográficas para a realização de um estudo de imagens

fotográficas, pois a realidade não necessariamente está ali posta para todos

entenderem, é necessário um estudo aprofundando junto a outras fontes para tentar

entender o que a imagem quer passar, principalmente se envolve uma pesquisa

científica.

Assim, a paisagem vista na fotografia, a arquitetura e as roupas são

pistas inerentes ao documento fotográfico que servem para uma compressão do que

a imagem quer retratar. Dessa forma, estas pistas se tornam importantes, pois são

vestígios existentes nas imagens e junto a outras fontes bibliográficas e informações

repassadas via escrita ou oral torna possível entender as paisagens geográficas

existentes por trás e para além da fotografia. Portanto, nesta dissertação a fotografia

pôde ser estudada sob o viés científico associada junto ao estudo geográfico através

do conceito de paisagem.

Portanto, relacionando o conceito de paisagem junto às imagens

fotográficas monocromáticas da primeira metade do século XX, foram realizados os

estudos dos logradouros existentes na Rua Doutor João Moreira, que possibilitaram

a contextualização e entendimento do processo de formação da cidade de Fortaleza,

a partir do recorte espacial selecionado para esta pesquisa como: Fortaleza de

Nossa Senhora da Assunção, Passeio Público, Santa Casa de Misericórdia, Cadeia

Pública Municipal e Estação João Felipe.

Desse modo, cada logradouro se deteve a uma breve explicação histórica

relacionada ao conceito de paisagem permeado a partir da geografia cultural na

seguinte maneira: a Fortaleza de Nossa da Assunção se deteve a estudar a

paisagem enquanto marca e matriz de Berque (1998); o Passeio Público abordou a

paisagem da cultura dominante de Cosgrove (1998); a Santa Casa de Misericórdia a

paisagem dos excluídos de Cosgrove (1998); a Antiga Cadeia Pública Municipal a

paisagem e o processo de construção de um determinado espaço por Costa (2003);

a Estação João Felipe relacionou as paisagens residuais de Cosgrove (1998).

96

Dessa forma, para o entendimento da composição fotográfica foi

contextualizado o local, a data e os significados existentes nas fotografias através de

uma investigação das imagens junto ao modelo metodológico de Kossoy(2012). As

imagens foram associadas junto ao contexto histórico e social do período

selecionado enquanto recorte espacial, bem como a história da cidade de Fortaleza

nas últimas décadas do século XIX e primeiras décadas do século XX foram

pertinentes para o constructo e compreensão das fotografias monocromáticas.

Ao longo desta pesquisa foi possível constatar que as fotografias podem

ser estudadas pelo viés geográfico e foi possível entender a composição da

paisagem da Rua Doutor João Moreira, localizada na cidade de Fortaleza a partir da

fotografia monocromática da primeira metade do século XX.

97

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101

ANEXOS

102

ANEXO A

I. IDENTIDADE DO DOCUMENTO + CARACTERÍSTICAS INDIVIDUAIS

( Registro, localização física, procedência, conservação)

1. Identificação

1.1 Nº de tombo ou registro, nomes, títulos e demais elementos relativos à

identificação do documento;

2. Localização física do documento

2.1 Localização do documento na instituição;

3. Procedência

3.1 Origem da aquisição ( de quem foi adquirido?)

3.2 Tipo de aquisição ( compra, permuta, doação, empréstimo, outras) data e

demais detalhes; em se tratando de instituição pública, especificar o número do

processo e demais detalhes, se forem importantes para a elucidação da história do

documento;

3.3 Foi adquirido juntamente com outros documentos?

3.4 É peça avulsa ou faz parte de um conjunto de fotos?

3.5 Se o documento fotográfico for parte integrante de um álbum ou de uma

publicação – em que foram utilizadas cópias fotográficas originais ou reproduções

sob diferentes meios, a título de ilustração – é necessário recuperar os dados

bibliográficos;

3.6 Demais informações sobre a procedência;

4. Conservação

4.1 Estado atual de conservação

4.2 Condições físicas em que se acha armazenado ( pasta, envelope, arquivo de

madeira, metal, etc.);

4.3 Condições ambientais em que se acha armazenado ( local climatizado

segundo as normas ou sem nenhuma climatização);

II. INFORMAÇÕES REFERENTES AO ASSUNTO

(Tema representado na imagem fotográfica)

1. Referência visual do documento

103

Útil enquanto instrumento de trabalho ao longo de toda a pesquisa, daí a

necessidade de reprodução do documento- matriz – frente e verso se for o caso (

reprodução em diferentes processos e suportes, conforme a necessidade; fotografia,

meios eletrônicos, etc.)

2. Descritores de conteúdo ( palavras- chave – inventário temático)

Atribuição de palavras-chave direta e/ou indiretamente relacionadas ao conteúdo;

3. Anotações no documento matriz

Observar eventuais anotações como, por exemplo: notas marginais, comentários,

dedicatória, data e local, e outras informações anotadas; podem se tratar de

importantes indícios para a identificação do documento como um todo ou da imagem

em particular;

4. Descrição concisa do tema

Descrição precisa e concisa do conteúdo da imagem;

104

ANEXO B

ADAPTAÇÃO DO MODELO METODOLÓGICO DE KOSSOY( 2012)

ID IDENTIDADE DO DOCUMENTO + CARACTERÍSTICAS

INDIVIDUAIS

Título: Figura 1- Rua Dr. João Moreira

Localização

física do

documento:

Arquivo Nirez

Faz parte de um conjunto de um conjunto de fotos.

Álbum Vistas do Ceará – 1908

Conservação: Fotografia em bom estado com poucas manchas

Condições de

armazenamento:

Armazenada em arquivo pessoal em boas condições

climáticas.

Descrição

Concisa do

Tema:

Rua Dr. João Moreira. Lateral esquerda Passeio Público.

Lateral direita Rua Major Facundo esquina com Hotel de

France. Rua calçada de pedra. Algumas pessoas e no canto

direito da fotografia animais.

ID IDENTIDADE DO DOCUMENTO + CARACTERÍSTICAS

INDIVIDUAIS

Título: Figura 2 - Casa do Dr. João Moreira

Localização

física do

documento:

Arquivo Nirez

Faz parte de um conjunto de um conjunto de fotos.

Álbum Vistas do Ceará – 1908

Conservação: Fotografia em bom estado com poucas manchas

Condições de

armazenamento:

Armazenada em arquivo pessoal em boas condições

climáticas.

Descrição

Concisa do

Tema:

Rua Dr. João Moreira. Vista de dentro do Passeio Público.

Casa onde morou Dr. João Moreira. Esquina da Rua Formosa

(atual Barão do Rio Branco). Rua calçada de pedra.

105

ID IDENTIDADE DO DOCUMENTO + CARACTERÍSTICAS

INDIVIDUAIS

Título: Figura 3 - Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção

Localização

física do

documento:

Arquivo Nirez

Faz parte de um conjunto de um conjunto de fotos.

Álbum Vistas do Ceará - 1908

Conservação: Fotografia com algumas manchas

Condições de

armazenamento:

Armazenada em arquivo pessoal em boas condições

climáticas.

Descrição

Concisa do

Tema:

Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção entre as Ruas Dr.

João Moreira e Av. Alberto Nepomuceno.

ID IDENTIDADE DO DOCUMENTO + CARACTERÍSTICAS

INDIVIDUAIS

Título: Figura 4 - Chafariz do Passeio Público

Localização

física do

documento:

Arquivo Nirez

Faz parte de um conjunto de um conjunto de fotos.

Álbum Vistas do Ceará - 1908

Conservação: Fotografia em bom estado com pequenas manchas.

Condições de

armazenamento:

Armazenada em arquivo pessoal em boas condições

climáticas.

Descrição

Concisa do

Tema:

Chafariz da Praça. Plantas e Pessoas com trajes da época.

ID IDENTIDADE DO DOCUMENTO + CARACTERÍSTICAS

INDIVIDUAIS

Título: Figura 5- Passeio Público

Localização Arquivo Nirez

106

física do

documento:

Faz parte de um conjunto de um conjunto de fotos.

Álbum Vistas do Ceará – 1908

Conservação: Fotografia em bom estado com poucas manchas

Condições de

armazenamento:

Armazenada em arquivo pessoal em boas condições

climáticas.

Descrição

Concisa do

Tema:

Praça do Passeio Público. Entrada da Rua Dr. João Moreira

com Rua Major Facundo. Homens, mulheres e crianças com

trajes típicos da época. Um família visita o Passeio Público.

ID IDENTIDADE DO DOCUMENTO + CARACTERÍSTICAS

INDIVIDUAIS

Título: Figura 6 - Passeio Público

Localização

física do

documento:

Arquivo Nirez

Faz parte de um conjunto de um conjunto de fotos.

Álbum Vistas do Ceará - 1908

Conservação: Fotografia em bom estado com pequenas manchas.

Condições de

armazenamento:

Armazenada em arquivo pessoal em boas condições

climáticas.

Descrição

Concisa do

Tema:

Primeiro Andar do Passeio Público. Pessoas com trajes da

época desfrutam do Passeio Público.

ID IDENTIDADE DO DOCUMENTO + CARACTERÍSTICAS

INDIVIDUAIS

Título: Figura 7 - Santa Casa de Misericódia

Localização

física do

documento:

Arquivo Nirez

Foto Avulsa

Aproximadamente 1930

Conservação: Fotografia em bom estado com pequenas manchas.

107

Condições de

armazenamento:

Armazenada em arquivo pessoal em boas condições

climáticas.

Descrição

Concisa do

Tema:

Prédio da Santa Casa de Misericórdia com dois andares.

Esquina da Rua Dr. João Moreira com Rua Barão do Rio

Branco ( antiga rua Formosa).

ID IDENTIDADE DO DOCUMENTO + CARACTERÍSTICAS

INDIVIDUAIS

Título: Figura 8 - Cadeia Pública Municipal

Localização

física do

documento:

Arquivo Nirez

Foto Avulsa

Aproximadamente 1908

Conservação: Fotografia em bom estado com pequenas manchas.

Condições de

armazenamento:

Armazenada em arquivo pessoal em boas condições

climáticas.

Descrição

Concisa do

Tema:

Prédio da Antiga Cadeia Pública Municipal. Atual Centro de

Turismo.

ID IDENTIDADE DO DOCUMENTO + CARACTERÍSTICAS

INDIVIDUAIS

Título: Figura 9 - Prédio da Estação João Felipe

Localização

física do

documento:

Arquivo Nirez

Álbum Vistas do Ceará - 1908

Conservação: Fotografia em bom estado com pequenas manchas.

Condições de

armazenamento:

Armazenada em arquivo pessoal em boas condições

climáticas.

Descrição

Concisa do

Tema:

Prédio da Estação João Felipe. Praça ainda não urbanizada.

108

ID IDENTIDADE DO DOCUMENTO + CARACTERÍSTICAS

INDIVIDUAIS

Título: Figura 10 -Estação João Felipe

Localização

física do

documento:

Arquivo Nirez

Foto Avulsa (1914)

Conservação: Fotografia em bom estado com pequenas manchas.

Condições de

armazenamento:

Armazenada em arquivo pessoal em boas condições

climáticas.

Descrição

Concisa do

Tema:

Prédio da Estação João Felipe. Praça ainda não urbanizada.

Fios e postes para a instalação dos bondes elétricos no centro

da cidade de Fortaleza.

ID IDENTIDADE DO DOCUMENTO + CARACTERÍSTICAS

INDIVIDUAIS

Título: Figura 11 - Estação João Felipe

Localização

física do

documento:

Arquivo Nirez

Foto Avulsa

Aproximadamente 1914

Conservação: Fotografia em bom estado com pequenas manchas.

Condições de

armazenamento:

Armazenada em arquivo pessoal em boas condições

climáticas.

Descrição

Concisa do

Tema:

Prédio da Estação João Felipe. Praça urbanizada. Bondes

elétricos circulando. Um carro parado em frente a Estação

João Felipe.

109

APÊNDICES

110

APÊNDICE A

As fotografias abaixo são registros de minha autoria feitos no ano de

2014, através da visualização destas imagens pode ser feito uma comparação e

percepção das mudanças acarretadas na paisagem no decorrer de muitos anos que

se passaram nos logradouros existentes na Rua Doutor João Moreira.

Rua Doutor João Moreira Foto: SANTOS, N. P. L. dos. (2014)

111

Casa do Doutor João Moreira Foto: SANTOS, N. P. L. dos. (2014)

Fortaleza Nossa Senhora da Assunção Foto: SANTOS, N. P. L. dos. (2014)

112

Chafariz Passeio Público Foto: SANTOS, N. P. L. dos. (2014)

113

Passeio Público Foto: SANTOS, N. P. L. dos. (2014)

Fortaleza Nossa Senhora da Assunção Foto: SANTOS, N. P. L. dos. (2014)

114

Santa Casa de Misericórdia Foto: SANTOS, N. P. L. dos. (2014)

Antiga Cadeia Pública Municipal Foto: SANTOS, N. P. L. dos. (2014)

115

Estação João Felipe Foto: SANTOS, N. P. L. dos. (2014)

Estação João Felipe Foto: SANTOS, N. P. L. dos. (2014)

116

Estação João Felipe Foto: SANTOS, N. P. L. dos. (2014)