Paisagens Urbanas e Midias de Localização a Emergência Dos Inforamas

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[SLIDE] PAISAGENS URBANAS E MÍDIAS LOCATIVAS: A EMERGÊNCIA DOS INFORAMAS Marcos A. Rodrigues Introdução Do objetivo de caracterizar a paisagem urbana contemporânea a partir da criação de categorias analíticas. [SLIDE] Da paisagem urbana Falar de paisagem é cair num campo tão ou ainda mais difuso do que o conceito de cidade. Há muito que o termo deixou de ser o território legítimo dos artistas e passou a ser também a moeda de troca na concorrência entre cidades, no discurso dos ecologistas e dos urbanistas ou mesmo nas visões elásticas dos gestores do patrimônio, na paranóia pelos lugares protegidos (ou a proteger). A falta de rigor na definição do termo, dentro dos diversos campos, também contribui para que a utilização da palavra “paisagem” fique opaca e seja quase sempre usada de forma tácita. Tudo é paisagem (o que equivale dizer que nada é paisagem). Sejam as cinematográficas e injustas paisagens da Los Angeles de Mike DAVIS 1 , sejam as paisagens opressoras e reluzentes do poder em Sharon ZUKIN 2 , seja o palimpsesto impenetrável de Nelson BRISSAC PEIXOTO: seria mesmo a paisagem (urbana), um muro? 3 Considerando todas as nuances que a definição de paisagem carrega consigo, a questão é saber se é possível definir uma noção de “paisagem urbana 4 ”, onde a ampliação dos usos da expressão - por vezes bastante contraditórios – tem esvaziado seu sentido. 1 DAVIS, 1992. 2 ZUKIN, 1991. 3 BRISSAC PEIXOTO, N. (2004, pg.). 4 A palavra “urbana” so veio a se tornar um termo técnico para designar tudo o que diz respeito à cidade com o nascimento do urbanismo na segunda metade do século XIX. A palavra “urbanismo” aparece em português, logo após o uso no francês. Ambas a partir do neologismo espanhol “urbanizacion” criado por Idelfonso Cerda, em 1867.

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Apresentação no Colóquio Franco-Brasileiro do grupo RETINA.

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[SLIDE] PAISAGENS URBANAS E MÍDIAS LOCATIVAS: A EMERGÊNCIA DOS INFORAMAS Marcos A. Rodrigues

Introdução

Do objetivo de caracterizar a paisagem urbana contemporânea a partir da criação de categorias

analíticas.

[SLIDE] Da paisagem urbana

Falar de paisagem é cair num campo tão ou ainda mais difuso do que o conceito de cidade.

Há muito que o termo deixou de ser o território legítimo dos artistas e passou a ser também a

moeda de troca na concorrência entre cidades, no discurso dos ecologistas e dos urbanistas ou

mesmo nas visões elásticas dos gestores do patrimônio, na paranóia pelos lugares protegidos (ou a

proteger).

A falta de rigor na definição do termo, dentro dos diversos campos, também contribui para

que a utilização da palavra “paisagem” fique opaca e seja quase sempre usada de forma tácita.

Tudo é paisagem (o que equivale dizer que nada é paisagem). Sejam as cinematográficas e injustas

paisagens da Los Angeles de Mike DAVIS1, sejam as paisagens opressoras e reluzentes do poder em

Sharon ZUKIN2, seja o palimpsesto impenetrável de Nelson BRISSAC PEIXOTO: seria mesmo a

paisagem (urbana), um muro?3

Considerando todas as nuances que a definição de paisagem carrega consigo, a questão é

saber se é possível definir uma noção de “paisagem urbana4”, onde a ampliação dos usos da

expressão - por vezes bastante contraditórios – tem esvaziado seu sentido.

1 DAVIS, 1992.

2 ZUKIN, 1991.

3 BRISSAC PEIXOTO, N. (2004, pg.).

4 A palavra “urbana” so veio a se tornar um termo técnico para designar tudo o que diz respeito à cidade com o

nascimento do urbanismo na segunda metade do século XIX. A palavra “urbanismo” aparece em português,

logo após o uso no francês. Ambas a partir do neologismo espanhol “urbanizacion” criado por Idelfonso

Cerda, em 1867.

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Na língua inglesa o sufixo “scape” serve a todo tipo de definição, como se fosse mesmo um

conceito guarda-chuva para descrever qualquer conjunto com características semelhantes. Mas,

semelhantes em quê, mesmo? Cityscape, townscape, urbanscape, soundscape, infoscape,

netscape. A série não termina aqui. E, nesses casos, são mesmo muros-esfinge, como os de

BRISSAC PEIXOTO, onde a resposta para decifrá-los, longe de algum rigor conceitual, reside em

cada indivíduo que os confronta.

De fato, uma espécie de “lift” epistemológico parece necessário. Não tanto para conciliar

as diversas visões e utilizações do termo quanto pelo potencial de conceito operacional para lidar

com a cidade contemporânea. No âmbito desse trabalho, a idéia é mesmo construir um suporte

teórico capaz de suportar categorias de análise.

A estratégia, então, é “limpar” um pouco a multiplicidade desses usos, dada hoje por

perspectivas diferentes, sejam disciplinares, profissionais ou artísticas, ao mesmo tempo em que se

propõe um contorno mais definido para o termo. Um recuo, para entender os seus

desdobramentos, se faz, então necessário.

_________

É razoavelmente consensual, entre os diversos autores que se ocupam do tema, que a

noção de paisagem nasce com o fim da Idade Média, com a pintura holandesa, e se desenvolve

com a descoberta da perspectiva no Quattrocento italiano. O termo paisagem e o gênero de pintura

que ele descreve aparecem para suprir as demandas da nova classe de mercadores das cidades

emergentes da Antuérpia, Amsterdam e Londres. Da Holanda vem, inclusive, a palavra landschap

que originou a correlata inglesa landscape5.

Na origem da paisagem pictórica estão as experiências de Brunelleschi e as teorias de

Alberti que permitiram construir sobre uma superfície plana a imagem de um objeto em volume

graças à perspectiva artificialis. Os dois, junto aos artistas do Quattrocento, modificaram a

representação do espaço, fornecendo suas novas regras.

A palavra landscape, nesse período e por cerca de 500 anos mais, ficou atrelada ao registro

pitoresco dos aspectos naturais de lugares visitados. Geralmente uma vista prazerosa ou um

panorama selvagem, de natureza intocada.

5 CAUQUELIN, A. 2000; WILSON C. & GROTH P., 2003.

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O momento seguinte da trajetória da paisagem como “gênero” se dá no início do século XIX

com o advento da arte dos jardins franceses geometrizados e a tentativa de arquitetos como Le

Nôtre de unir, utopicamente, o ambiente que era visto e representado na pintura renascentista. A

paisagem se torna o lugar de expressão de uma nostalgia, mas também de uma abordagem

subjetiva que tenta dar “cientificidade à organização dos espaços” 6.

Segundo Françoise CHENET-FAUGERAS7, no entanto, essa concepção tradicional do termo

se dá ao mesmo momento em que a cidade também surge dentro da paisagem, de forma “irônica

e subversiva”, a partir do poema inaugural “Paysage” nos “Tableaux parisiens”, de Baudelaire.

Ainda segundo a autora, a expressão “paisagem urbana” parece ter sido utilizada pela

primeira vez em 1892, dentro de “L’Avertissement de Bruges-la-Morte” de Georges Rodenbach:

La ville orientant une action; ses paysages urbains, non plus seulement comme

des toiles de fond, comme des thèmes descriptifs un peu arbitrairement choisis

(CHENET-FAUGERAS, 1994, pg.29)8

A partir desse período a cidade vira o arquétipo da paisagem. O campo vira o “negativo” da

cidade e os elementos naturais entram num processo de modelização e parques e jardins passam a

ser construídos geometricamente, segundo os princípios arquitetônicos que se encontra nas

utopias das cidades-jardim.

[SLIDE] Os diversos olhares sobre a paisagem urbana

“Ce sont les regardeurs qui font les tableaux”

Marcel Duchamp

Ao longo de todo o século XX, diversos campos se apropriaram do conceito de paisagem

urbana para dar conta de abordagens e objetos diferentes. Notadamente podem ser citados os

geógrafos, os arquitetos paisagistas e os urbanistas. A este grupo vieram se juntar, mais

recentemente, os turismólogos, os patrimonialistas e os sociólogos.

Passada em revisão uma vasta bibliografia sobre o assunto, é preciso registrar uma

observação que, de certa forma, é inexistente nos diversos autores que tratam do assunto, embora

6 CHENET-FAUGERAS, 1994.

7 Idem.

8 A cidade dirigindo uma ação; suas paisagens urbanas, não apenas como cenários, como temas descritivos um

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fundamental para as argumentações que aqui serão feitas: a questão do nível de interação entre o

olho que vê e a paisagem propriamente dita.

Para efeitos desse trabalho, então, falar da paisagem urbana também implica em

considerá-la em pelo menos três estatutos:

[SLIDE] 1. O da interação direta, corporal e dinâmica, que resulta da relação entre um suporte

geograficamente localizado e a percepção física, visual, sem mediações técnicas;

2. O da representação, que é indireta e estática;

3. E o da interação mediada, que é híbrida.

Os dois primeiros estão dentro das classificações tradicionais da paisagem e sustentam a

maior parte dos estudos sobre a paisagem. O estatuto de terceiro tipo é uma distinção da

paisagem contemporânea que é proposta aqui e será detalhada ao longo deste trabalho.

[SLIDE] No nosso entendimento, paisagem urbana é uma coexistência de estágios diversos das

relações entre a interação/percepção da visão humana (natural ou ampliada) e as alterações

visuais dos elementos artificiais e naturais de uma cidade. Essas relações, aqui chamadas de

Dromorfoses, são estruturadas, fundamentalmente, pela circulação – de pessoas, objetos e

informação - em velocidades diversas.

[SLIDE] A natureza desse complexo é uma coexistência de três estados principais de interação

entre a visão e as variações de espaço e tempo, que são tipos de Dromorfose: o Panorama, o

Fotorama, o Diaporama e o Inforama. Conceitos que carregam em si os diferentes níveis de

articulação tecnológica e interação entre homem e meio ambiente urbano, as diferentes

velocidades de circulação (dos corpos, da informação e dos objetos) e as diferentes escalas de uma

cidade.

A coexistência desses níveis também pressupõe uma relação dinâmica, de alternância e de

intensidade, que constroem e reconstroem a paisagem urbana continuamente, produzindo o

visível e o invisível. Dromorfose é a alteração do nível de interação com a paisagem urbana

provocada pela velocidade da circulação e dos delocamentos de pessoas, objetos e informação.

tanto arbitrariamente escolhidas (tradução nossa).

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[SLIDE] Mídias Locativas

Mídia locativa é um conjunto de dispositivos tecnológicos e processos comunicacionais,

cujo conteúdo da informação (digital) está diretamente associado a um posicionamento conhecido.

Pode funcionar através de georeferenciamento (GPS) ou identificação por rádio-frequência (RFID e

Bluetooth). [3 SLIDES]

[SLIDE] Dos Inforamas

[SLIDE] “(...) quanto mais os telescópios forem aperfeiçoados mais estrelas surgirão no céu".

Gustave Flaubert

Os Inforamas são, nos dias que correm, o ponto extremo da interação com a paisagem

urbana. Estado da arte, mesmo, nesse sentido, dos meios de comunicação como extensões do

homem, como as entende Marshall McLuhan.

[SLIDE] Os Inforamas são paisagens híbridas; possíveis a partir do desenvolvimento das tecnologias

de informação e comunicação, sobretudo da emergência comercial dos dispositivos de telefonia

móveis dotados dos recursos de posicionamento global por satélite (GPS). Essa capacidade de

identificar por coordenadas geográficas precisas a localização desses aparelhos, em combinação

com o acesso via internet sem fio a diversos bancos de dados, inaugurou recentemente, um novo

patamar da visão humana9.

A visão (e a percepção) da paisagem urbana, sobretudo a arquitetônica, não é, já há algum

tempo, necessariamente seriada e linear como num percurso a pé, mas sim, desde o advento das

9 De certa forma a interação mediada da paisagem através de webcams pela internet, acessadas de terminais

fixos, também tem possibilidades de acrescentar informações à paisagem enquadrada pela câmera. Falta a esse

tipo de paisagem, no entanto, a informação dinâmica de localização geográfica, possível pelos sistemas de

posicionamento global (GPS), que modificam os dados a partir do ponto em que o dispositivo se encontra

localizado. Da mesma forma, às tecnologias como Google Earth e Google Maps, que acrescentam informações

às bases cartográficas, faltam a questão do tempo real, já que suas informações são simulações a partir de

bases fotográficas.

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tecnologias da captação da imagem em movimento, fragmentada, arrítmica, atemporal e

maquínica.

As tecnologias digitais abriram um novo campo para “o real”, o expandindo, a partir de

sistemas que combinam informações numéricas com os objetos físicos. Alguns autores chamam

esse novo espaço de “realidade aumentada” (Augmented Reality - AR).

A possibilidade da interação física com objetos virtuais existe desde 1975 com os trabalhos

pioneiros do cientista/artista Myron Krueger10. A popularização e acesso amplo, no entanto, só foi

possível recentemente com a evolução dos dispositivos móveis comerciais, sobretudo com o

surgimento da geração 3G do aparelho iPhone da empresa Apple11.

[02 VIDEOS]

As possibilidades abertas por essa nova “realidade” foram, até o momento, mais

percebidas/apropriadas pelos domínios da comunicação e da sociologia. E, mais intensamente,

pela sociologia da comunicação.

O primeiro campo com o foco na questão da convergência das mídias, onde o celular

aparece como dispositivo último dessa tendência permitindo portabilidade e mobilidade. A

sociologia, por sua vez, preocupa-se com as novas sociabilidades, a construções de novos

territórios e as formas de apropriação urbana que decorrem a partir desse novo mundo

transparente.

Do ponto de vista da paisagem urbana e, mais especificamente, dessa paisagem enquanto

objeto de interesse da arquitetura e do urbanismo, no entanto, um entendimento mais teórico

ainda se faz necessário.

Como um dos tipos de Dromorfose, os Inforamas se inscrevem no extremo limite das

velocidades. Os dados chegam na rapidez de quase instantaneidade das conexões por satélites.

Embora essa velocidade extrema, também, não os defina por si só. Ela coexiste com a lentidão das

paisagens fisicamente ancoradas no espaço geográfico; os edifícios, as vias e os elementos diversos

da paisagem urbana tradicional. Pode-se dizer que os Inforamas são constituidos por uma camada

(layer) de informações sobre o espaço físico das cidades. Camada, essa, que transforma a paisagem

urbana numa dimensão de terceiro tipo.

Os Inforamas prescindem dos deslocamentos físicos. O movimento é, sobretudo, de

10

www.siggraph.org/artdesign/gallery/S98/pione/pione3/krueger.html 11

www.apple.com/fr/iphone/apps-for-iphone/

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informações e dados, que o dispositivo capta e traduz nessa nova paisagem; embora a mobilidade

corporal seja completamente possível e, mesmo, parte constituinte das suas possibilidades

tecnológicas, visto que os dispositivos móveis portáteis, como os telefones celulares, são o lócus

hegemônico da sua existência. É possível enxergar essa paisagem híbrida de dentro de um veículo

em movimento; sentado numa mesa de café, na grama de um parque ou num banco de praça.

O hibridismo visual dos Inforamas se caracteriza pela superposição de informações textuais

e gráficas à paisagem urbana capturada, em tempo real, por microcâmeras de vídeo, embutidas

nos dispositivos móveis. Diferentes das infografias estáticas tradicionais, como as dos guias

turísticos ou da sinalização urbana, por exemplo, as informações aqui são dinâmicas: mudam com

o posicionamento de quem as vê; mudam com a alimentação dos bancos de dados que lhes dá

suporte.

Os Inforamas não estão isentos de se tornarem logoramas. A [info]topologia que lhe

constitui, bastante adequada aos fluxos velozes de informação, começou a ser desenhada,

sobretudo, por empresas privadas dependentes de fontes publicitárias. Os aplicativos de realidade

aumentada disponíveis para o dispositivo iPhone na loja virtual da Apple (store.apple.com), como o

MetroParis, indexa as informações de estabelecimentos comerciais com a exibição das suas

logomarcas.

Nessas dobras da paisagem contemporânea, onde os limites são difusos - em que pese as

tentativas de classificação – as Inforamas podem por vezes, então, serem também Diaporamas. A

possibilidade de fazer um recorte específico da cidade, a partir de um discurso visual, está mais do

que dado. Mais do que outras tecnologias, no entanto, sobretudo as consideradas massivas12,

também as possibilidades das narrativas plurais estão presentes, com diversos projetos ao redor do

mundo já explorando novos caminhos13.

[SLIDE]

12

LEMOS, 2007. 13

LEMOS tem feito um levantamento continuo desses projetos e disponibilizado em seu blog

http://andrelemos.info.