Palavras & Sentimentos - rl.art.br · meus contos desde 2017 até os dias de hoje. É sempre bom...

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Palavras & Sentimentos Primeira Edição por Amilton Júnior 1

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Palavras & Sentimentos Primeira Edição

por Amilton Júnior

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Palavras & Sentimentos Escrito por Amilton Júnior

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Palavras & Sentimentos Primeira Edição

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Palavras & Sentimentos Primeira Edição

por Amilton Júnior

5 Índice Apresentação .......................................................................................................................... 6

Alguém especial...................................................................................................................... 7

O Poder do Amor ................................................................................................................ 10

Eu Sempre Te Amarei ......................................................................................................... 16

Eternizados Pelo Amor ........................................................................................................ 19

Família do Coração .............................................................................................................. 21

O Caçador de Constelações ................................................................................................ 24

Amigos Irmãos ..................................................................................................................... 27

Amor Incondicional ............................................................................................................ 30

Felizes Para Sempre .............................................................................................................. 34

Vítimas do Amor ................................................................................................................. 39

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6 Apresentação

com enorme prazer que vos trago a Primeira Edição de

Palavras & Sentimentos, um e-book no qual reuni alguns de

meus contos desde 2017 até os dias de hoje. É sempre bom

falarmos de amor, cultivarmos boas coisas e semearmos esperança para o

mundo, não há forma melhor de assim fazer se não pelas palavras, pelos

sentimentos que elas podem proporcionar, pelos momentos de fuga da

realidade, descanso das perturbações que somente a arte do escrever é

capaz de garantir.

Nessa edição busquei destacar o amor, precisamos dele nesses

momentos difíceis pelos quais passamos, precisamos falar sobre ele para

que as pessoas nunca deixem de acreditar, nunca deixem de sonhar que é

possível viver um amor verdadeiro, desfrutar da integridade desse

sentimento tão nobre, valoroso, o único que pode dissipar as trevas,

fechar os olhos ignorantes e abrir as mentes para que compreendem que

é bobeira, é perda de tempo deixar de amar, recusar ao amor. Se todos o

sentissem completamente teríamos um mundo maravilhoso!

Espero que gostem e não se esqueçam que sugestões são sempre

bem recebidas. Estarei disposto a ouvir cada crítica a fim de melhorar

mais e mais e oferecer ao meu público um material de qualidade, mas

mais que isso, precisamos conquistar o maior número de pessoas

possível, precisamos levar literatura para todos, compartilhem essa obra,

conto com todos vocês.

Uma ótima leitura.

Amilton Júnior.

É

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7 Alguém especial

manhã era ensolarada. Estava ainda mais bela pelo canto

dos pássaros na janela do apartamento de Elias, que,

como na maioria das outras manhãs, foi desperto pelo

som da natureza. Mas aquele dia era diferente.

O talentoso executivo se espreguiçou ainda na cama, ao se levantar

puxou as cortinas sentindo os olhos se incomodarem pela luz do sol,

como de praxe entrou no banheiro, olhou-se no espelho, deu um suspiro

desconsolado e começou a se arrumar. Morava sozinho, não tinha com

quem tomar o café da manhã, o único que lhe fazia companhia era seu

cachorro Tobby, que ao perceber os passos do dono na cozinha correu

“dar” o bom dia.

— Dormiu bem? – o homem perguntou alisando os pêlos enrolados

do pequeno poodle, que balançava o rabinho como se agradecesse ao

carinho —. Hoje é seis de junho, recorda desse dia? — Elias iniciou o

diálogo com o animalzinho como se ele tudo entendesse —. Eu também

nunca poderia esquecê-lo... Quer biscoito? — o executivo sentou-se no

sofá da sala chamando o bichinho para o seu colo —. Quando eu voltar

prometo que vamos passear.

Tobby era inteligente, conseguia desvendar os sentimentos do dono,

sabia que algo estava acontecendo e, então, começou a lambê-lo

agitadamente, como se estivesse querendo animá-lo.

— Tudo bem, Tobby, tudo bem... — Elias ria enquanto tentava

controlar o cachorro —. Prometo que volto rápido... Mas se comporte.

O executivo era do tipo que passava na rua e chamava a atenção das

mulheres pelo perfume marcante, pelo terno sempre bem limpo e

aprumado e pelo sorriso simpático. Mas naquela manhã ele saiu de casa

um pouco mais discreto, sem se perfumar, vestiu uma camiseta branca

lisa e uma bermuda jeans sem muito estilo, na cabeça um chapéu simples

para protegê-lo do sol que já ardia e no lugar do constante sorriso um

semblante mais sério, porém, mesmo assim, simpático.

Andando pelas calçadas do bairro Elias observava com atenção as

muitas árvores que atraíam o ar fresco e garantiam sombras agradáveis,

em sua mente uma voz conhecida soava: “Tão belas, tão ornamentais...

Minha vida tem estado assim desde que nos conhecemos”.

A

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8 Um aperto no peito, mas seus passos continuaram.

O loiro atraente entrou em uma floricultura requisitada que possuía

os mais belos arranjos com os mais diferentes tipos de flores.

Observando vaso por vaso, flor por flor, ele se atentava à textura, à cor e

ao perfume exalado, até encontrar um buquê de rosas e margaridas, que

tinham o cheiro do campo, da simplicidade, “... do amor... Você não

poderia ter pensado em um arranjo melhor. Eu simplesmente adorei,

parece que foi feito especialmente para mim... Você me conhece tão bem

que nem parece real”.

— Para a namorada? — a balconista era uma senhora sorridente, que

possuía um brilho diferente no rosto, algo que Elias não conseguia

explicar.

— Na verdade, não... — respondeu tímido —. É para um alguém

especial.

— Seja lá quem for o presenteado é uma pessoa de sorte

— Por que diz isso?

— Da próxima vez que falar desse “alguém especial” se olhe no

espelho, seus olhos exibem o tamanho do seu carinho...

O alguém especial, segundo o próprio executivo, merecia o maior

carinho que alguém poderia dar.

Elias continuou o seu trajeto. Conforme se aproximava do destino

sentia o coração pulsar mais forte, tudo se tratava do reencontro após

certo tempo.

“Nem todo o dinheiro do mundo me faria mais feliz do que já sou...

Eu tenho o tesouro mais precioso que alguém seria capaz de ter, ele é o

seu amor... Dele não abro mão, não troco por jóias preciosas e nem por

riqueza alguma, com ele eu já tenho tudo”.

Um nó se formou na garganta do rapaz.

O alguém especial era Mariana, a noiva de Elias, uma mulher que

encantava pelos olhos-violeta, pelos cabelos claros e pelo modo suave de

falar. Ela mudou a vida do executivo de uma maneira que ninguém faria,

ela o fez conhecer o amor verdadeiro, o amor que não machuca que não

faz chorar, que vivifica aqueles que o sentem.

Era um lugar aberto, repleto de árvores e bancos pelas esquinas. O

clima ali era fresco, mas trazia com ele um sentimento de vazio, de

saudade. Elias suspirou fundo, cada passo dado refletia em uma batida

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9 mais forte do coração, ele estava prestes a se encontrar com aquele que

tanto amava depois de algum tempo sem se aproximar.

“Eu sei que nosso sonho é sermos felizes juntos, é vivermos coisas

incríveis, mas também preciso pensar no agora e eu sei que todos os

nossos sonhos poderão, simplesmente, ter um ponto final... O que você

não pode esquecer é que eu o amei de uma forma intensa, que eu sempre

o desejei ao meu lado, que a sua simples presença era suficiente para me

confortar nas horas difíceis...”.

Elias repousou o buquê sobre a construção feita de mármore, ao lado

de um retrato que exibia Mariana e seu sorriso angelical. As lágrimas

finalmente romperam a barreira criada pelas pálpebras e rolaram

desesperadamente.

— Não faz idéia de como sinto a sua falta, de como a sua ausência

me corrói, de como é difícil discar o seu número e saber que o “alô” não

será mais o seu, de como é impossível passar em frente a sua casa e não

encontrá-la no jardim com aquele sorriso cativante enquanto acenava

docemente — as palavras começaram a sair, cheias de saudade —. Há um

ano você se foi, há um ano não sinto o seu toque, o seu cheiro, não ouço a

sua voz... Há um ano não consigo aceitar que não a tenho mais em

minha vida... Há um ano minha alma é consumida pela falta que você

causa... Eu juro, eu juro que daria tudo o que tenho, tudo o que conquistei

para tê-la de volta... Viver sem você, sem a mulher que eu mais amei, é o

maior dos meus sacrifícios...

“Você precisa entender que foi a melhor coisa que me aconteceu, foi

o que me motivou a viver, foi o que me ajudou a passar por muitas

dores... sem você eu estaria em uma escuridão sem fim, mas o seu amor

iluminou a minha vida e, mesmo que sejamos separados, ainda

estaremos unidos por nossas almas que se amarão eternamente”.

Aquelas foram as últimas palavras que ele ouviu da tão amada

mulher. Daquele alguém especial.

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10 O Poder do Amor

udo começou no auge da adolescência, quando os

hormônios estão aflorados e os sentimentos totalmente

confusos, quando a vida passa ser vista com maturidade,

quando os desejos são trocados e se tornam ainda mais intensos.

Ana e Arthur cresceram juntos, eram melhores amigos,

compartilhavam segredos que ninguém poderia imaginar, na verdade

possuíam uma linguagem própria que apenas eles entendiam, tamanha

era a cumplicidade. Foi em uma tarde de domingo ensolarado, no bosque

da pacata Vale da Luz, que a garota encarou os olhos do velho amigo de

uma maneira diferente, eram verdes como esmeralda e brilhantes como

metal; seu sorriso dado tantos vezes parecia ainda mais encantador, algo

nunca notado antes; seus cabelos desgrenhados e loiros lhe davam um

aspecto maroto, o que fez seu peito acelerar.

O mesmo aconteceu com Arthur, naquela tarde o adolescente

descobriu na amiga de infância olhos castanhos que lembravam o mel

puro das colmeias; os cabelos pretos que contrastavam com a pele branca

o remetiam de volta ao passado, quando na escola ouvia os contos da

Branca de Neve e sua beleza; os lábios formavam um sorriso acanhado,

porém convidativo a um beijo. Viu que era significativamente maior que

a garota e isso lhe dava o desejo em ser seu protetor, encarar a moça

daquela forma provocava um borbulhar em seu estômago, um frio na

barriga.

— Você está linda hoje — elogiou exibindo os claros e alinhados

dentes, a voz ainda um tanto desafinada pelas recentes transformações,

mas que mesmo assim soaram como sendo o melhor som que a menina

já ouvira.

— Obrigada... — agradeceu envergonhada, abaixando a face corada,

querendo esconder o acanhamento.

— Não precisa agradecer — em um gesto tranquilo Arthur colocou

seu indicador no queixo de Ana e ergueu o rosto ruborizado —, é apenas

a verdade.

Os olhares se fixaram.

— Também te acho lindo — o que apenas era dito ao secreto diário

agora já não era um segredo, fora revelado com a timidez exposta.

T

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11 Observando o sol que tocava a delicada pele da garota, o rapaz se

encheu de coragem para declarar um segredo que nunca descobriu, o

único que jamais compartilhou:

— Eu, inegavelmente, já não consigo esconder que gosto de você,

tem se tornado especial...

Ana sorriu. É claro que gostava dela, eram amigos há tanto tempo!

Embora no fundo ela almejasse ser gostada de outra forma por aquele

que tirava de seus pensamentos frases dóceis e cenas românticas, ela

preferia não se arriscar ao criar expectativas sem razão e acabar com uma

amizade que acalentava sua alma.

— Eu também gosto de você... — deu um soquinho no ombro do

maior, marca registrada daquela amizade duradoura.

— Você não entendeu — segurou as mãos da menor e as levou ao

peito, bem onde bate o coração —. Eu amo você.

A adolescente ficou sem palavras diante ao que sempre desejou

ouvir, sentiu uma descarga percorrer o seu corpo e atingir sua garganta

formando um nó, que na verdade era um emaranhado de sentimentos

provocados pela paixão.

— Você aceita ser a minha namorada?

Diante daquilo as lágrimas se acumularam nos olhos radiantes e o

rosto ficou ainda mais iluminado com o sorriso exuberante que

conquistara seu admirador, encarando os olhos verdes e se deixando

encantar pelos mesmos deu a sua resposta por meio da união dos lábios,

uma união há tanto sonhada, há tanto projetada, que agora era real.

~

“Os opostos se atraem”. Para o amor nem sempre isso é regra, por

vezes os iguais se completam. Ana e Arthur tinham desejos semelhantes,

pensamentos que caminhavam juntos ao ponto de escolherem a mesma

faculdade. Um pouco a escolha se deveu ao fato de se amarem, mas o

outro pouco também se deveu ao fato de se amarem...

Alguns dias após a formatura em Engenharia Química o casal

marcou uma viagem para a formosa Paris, precisava descansar um pouco

e aproveitar um tempo junto. Do alto da Torre Eiffel, observando a

cidade iluminada tendo ao seu lado a mulher que amava, Arthur, agora

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12 um verdadeiro homem, com a voz mais firme e um tanto mais alto,

declarou o que aquele momento o fazia pensar:

— Nunca poderia imaginar que um dia estaria nesse lugar ao lado

da pessoa que mais amo nesse mundo.

Tendo os cabelos agitados pelo vento frio que soprava no inverno

da cidade da luz, Ana, agora ainda mais elegante, capaz de conquistar a

quem quisesse, também revelou os seus sentimentos:

— Quando é que poderíamos imaginar que fôssemos viver uma

história de amor? Sempre tão amigos, tão cúmplices, mas nunca

amantes... Abençoado seja o bosque da pacata Vale da Luz — sorriu

nostálgica.

— Algumas coisas não têm explicação — abraçou a namorada se

aconchegando no calor que dela emanava —, mas fazem todo sentido...

— São as ironias da vida — afirmou pensativa — e o trabalho do

tempo.

— Escritos de Deus — completou com ternura.

Ficaram ali por mais alguns minutos, abraçados, protegidos do

mundo e de sua brutalidade, envolvidos pelo amor e por sua suavidade.

Perto de irem embora Arthur pediu que a mulher fechasse os olhos,

tinha uma surpresa a fazer, algo especial.

— Já pode abrir.

Ana viu o homem que amava ajoelhado sobre os seus pés, tendo em

mãos uma caixinha preta por fora e vermelha por dentro, com uma

almofadinha em seu centro que sustentava o brilhante anel dourado. As

mãos foram à boca, o semblante era de espanto e as lágrimas de

contentamento; já sabia qual o porvir pedido.

— Aceita ser a minha esposa?

— Sim! Sim! Sim! — não tardou em sua resposta e nem hesitou no

entusiasmo, era tudo o que mais queria, mas nunca revelou, deixou o

amor agir no seu tempo.

Anéis trocados.

O maior uniu as mãos e encarando ternamente os olhos cor-de-mel

proferiu as palavras que brotavam de uma fonte especial: do seu coração:

— Eu prometo que a amarei incondicionalmente, que serei além de

um esposo um amigo sincero, um companheiro de toda a vida, o seu

querido diário, aquele que a acolherá nos dias frios e a consolará nos dias

sombrios... Eu prometo que te amarei.

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13 As pequeninas mãos envolveram a nuca do maior, os pés ficaram na

pontinha enquanto um beijo cheio de ternura sob o luar de Paris marcava

mais aquele capítulo na história de amor do apaixonado casal.

~

Mas todo romance tem a sua má fase, nem sempre as coisas são

troca de palavras melosas, as divergências acontecem, cabe ao casal usar

a espada do amor e cortar os laços do ódio.

Arthur era um homem atraente, sedutor e, embora apenas tivesse

olhos para a esposa que antes de qualquer coisa sempre foi sua amiga,

causava a cobiça de outras mulheres dentre elas Débora, sua colega de

trabalho.

— O que significa essa mancha de batom? — Ana não pôde deixar

de notar o colorido no paletó do marido, sempre foi ciumenta e criativa

em muitas de suas paranóias, aquilo fora a gota.

— Eu não sei! — a resposta era sincera. Ele não vira que sua colega,

a invejosa Débora, aproveitou um momento de distração para manchá-lo

na intenção de destruir o seu romance, e assim, quem sabe, abrir

caminho na conquista de Arthur, um plano clichê, no entanto fatal.

— Mas eu sei! — ela não poupou forças ao agredir o rosto daquele

que tanto amava e por isso tanto se enciumava —. Traição! — as

lágrimas eram intensas.

Ser acusado de traição era demais para um homem que prezava,

sobretudo, pela honestidade. Perdeu a cabeça, disse o que não deveria:

— Pense o que quiser, estou farto de tantas insinuações! Só não

reclame quando eu sair da sua vida! — bufando deu as costas, precisava

de um tempo sozinho, refugiou-se no próprio quarto.

“... só não reclame quando eu sair da sua vida!”. Embora ditas sem

sentimento as palavras foram escutadas com sentimento, Ana imaginou

que suas suspeitas fossem verdade, caso contrário o marido insistiria em

provar sua inocência, talvez não a amasse mais. Entrou no carro e saiu

em disparada, sem rumo nem direção.

A velocidade estava acima do limite permitido, as lágrimas

dificultavam a visão. Um estrondo. Uma trombada em um caminhão.

Três capotamentos seguidos. A mulher grávida sangrava pelo corpo,

desacordada.

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Logo que recebeu a notícia Arthur correu ao hospital, aflito,

angustiado, com as esperanças abaladas e o medo o sufocando. Precisava

falar com o médico, mas temia as notícias que poderiam ser dadas.

— Seu Arthur, acompanhe-me — a enfermeira pediu.

O homem chorava feito um menino desesperado, não podia

acreditar naquela situação, uma história tão bem escrita até aquele ponto

não poderia terminar daquele jeito.

— Conseguimos salvar o bebê — o médico apareceu com um

menino que dormia tranquilo em seus braços, a pele lembrava a mãe

enquanto os cabelos, ainda que poucos, remetiam ao pai; uma perfeita

mistura.

O engenheiro pegou em seu colo cheio de ternura a indefesa criatura

pronta para ser amada. Abraçando aquele que era sangue do seu sangue

sentiu o doce perfume, o qual trouxe à sua memória o que Ana sempre

usava.

— E a minha mulher? Como ela está? — perguntou emotivo,

apreensivo.

O médico abaixou a cabeça, não disse palavra alguma, nem

precisava, apenas sugeriu que Arthur o seguisse.

Aquele homem que um dia foi criança e desde aquele tempo amava

uma garota especial que hoje era mulher, mas sem vida, chorava pelos

corredores do hospital amargamente, seu coração despedaçado não sabia

o que fazer. Entrou na UTI e encontrou o corpo que aguardava os

agentes da funerária.

A bela Ana não tinha cor, os machucados eram visíveis, a pele já

não estava tão quente como de praxe. Encarar aquele rosto inanimado,

fechado para a vida, quebrantou todo o ser do homem que a amava e

caindo de joelhos sobre o chão segurava as mãos pequeninas daquele que

adorava, enquanto fazia súplicas e lamentações.

Ele passou a imaginar como seria dali por diante, como seria deitar

para dormir sem receber o beijo de boa noite, levantar ao amanhecer e

não encontrar sua amável companhia para o café da manhã; como seria

encarar os tantos retratos espalhados pela casa que exibiam o tal rosto

angelical sem poder tocá-lo, senti-lo; como seria andar pelo bosque da

pacata Vale da Luz sem a menor provocando os seus muitos risos; como

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15 seria descrever a linda mãe que o filho tinha sem poder abraçá-la

mostrando todo o seu amor.

— Eu não posso viver sem você — levou as imóveis mãos ao peito,

bem onde bate o coração e deu o seu último beijo naquela que um dia

tanto amou.

Olhos cor-de-mel se abriram, um sorriso discreto foi desenhado, a

fraca voz soou com ternura:

— Eu sabia que você viria.

O beijo antes dado como despedia agora tinha como razão boas

vindas.

Aquele fora o poder do amor, aquele que dá vida mesmo onde

impera a morte.

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16 Eu Sempre Te Amarei

ogo após um momento de amor com sua mulher Rodolfo

se colocou em pé perante a janela de seu quarto e, com um

copo de vinho em mãos e o roupão cobrindo seu corpo, ele

observava as gotas da chuva que desenhavam na vidraça enquanto sua

mente viajava.

- O que houve, meu amor, parece-me tão pensativo - a mulher se

colocou ao seu lado.

- Sabe que a amo, não sabe? - ele perguntou sem tirar os olhos da

janela, que dava vista para o jardim.

- Mas é claro que sei. Por que a pergunta?

- Sabe que amo nossa família, não sabe?

- Rodolfo, o que está acontecendo?

- Nada. Apenas quero que saiba o quanto a amo e o quanto amo

nossa família.

- Eu o amo mais que tudo - a mulher abraçou o marido por trás e lhe

deu um beijo tranquilo, um beijo acolhedor -, sabe que pode confiar em

mim para tudo, estou aqui para ajudar-lhe.

- Lembra-se do nosso primeiro encontro? Éramos dois adolescentes

tímidos, que mal conversavam entre si.

- E como não me lembraria? - riu divertida -. Foi quando com o

rosto queimando me pediste em namoro, nunca me esquecerei daquele

sorriso envergonhado e daquele olhar profundo.

- Também nunca me esqueço do nosso primeiro beijo, foi um acaso

da vida - seus lábios desenharam um discreto sorriso -. Andávamos de

bicicleta quando de repente pensei que a veria caída no chão.

- Seguraste-me em seus braços...

- Nos olhamos intensamente...

- E nos beijamos - a mulher concluiu com um brilho no olhar.

- Não consigo imaginar como seria a minha vida sem essa mulher

maravilhosa que está sempre ao meu lado - Rodolfo segurou firme a mão

de sua esposa -. Obrigado por tudo que me tem feito.

- Por que está me dizendo estas coisas? Parece até uma despedida.

- Nunca sabemos quando daremos nosso último suspiro - seu olhar

tornou a se perder no vazio da janela -, nunca sabemos quando teremos a

L

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17 última oportunidade de dizer "eu te amo". Durante esses anos todos me

sinto tão ligado a você, mas me culpo por não ter sido o que merecia.

- Foi suficientemente bom para mim - a mulher fez com que

Rodolfo retornasse os olhos aos seus -. Nossos filhos orgulham-se do pai

que têm, nossa família é bem estruturada, fizeste e fazes um bom

trabalho.

- Ainda assim não acho que foi suficiente - Rodolfo repousou a mão

sobre o rosto de sua mulher -. Poderia ter feito mais, mas não fiz.

- Mas pode fazer... Temos uma vida pela frente.

- Talvez não dê tempo.

- Talvez tempo não seja a questão.

Por um instante Rodolfo fez silêncio, analisou a resposta de sua

mulher. Abriu um sorriso tímido, o mesmo de quando adolescente,

colocou o copo de vinho sobre o criado mudo e disse:

- Eu sempre te amarei.

- Como sempre me amou.

Ambos deitaram-se, aquela noite fria convidava para um sono

perfeito.

*

Logo cedo Ana acordou, viu o marido ainda deitado ao seu lado e

pensou que ele não fosse trabalhar aquele dia. Resolveu, então, preparar

um café especial, mas ao adentrar a cozinha avistou um papel sobre o

fogão, dobrado ao meio, que tinha seu nome. Abriu-o e começou sua

leitura:

"Ana, meu tesouro.

Por você aprendi a viver, aprendi a amar, aprendi a lutar. Cresci.

Tornei-me forte. Venci.

Juntos chegamos até aqui, conseguimos sustentar o nosso amor em

meio a tantos obstáculos, os quais serviram para fortalecer nossa união.

Deste-me os melhores presentes dessa vida: seu amor e nossos

filhos. Sinto-me realizado por saber que fizemos um bom trabalho.

Penso que poderia ter feito mais, mas não consegui, não deu tempo.

Como disseste ontem, talvez tempo não seja a questão, até porque

ele já não existe para mim, a questão é meu sentimento por vocês, o qual

atitude nenhuma conseguiria demonstrar. Juro que aonde quer que eu vá

estarei olhando pela nossa família, protegendo-os.

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18 Deve estar achando tudo isso estranho, mas a verdade é que eu não

tinha muito tempo de vida, fui acometido por uma doença a qual foi

descoberta em sua fase terminal, segundo o cálculo dos médicos essa

noite eu partiria. Não te disse nada para evitar preocupações

desnecessárias, não haveria nada que poderíamos ter feito. Quero que

tenha em sua mente os bons momentos que passamos juntos, guarde em

sua memória o quanto te amei... O quanto ainda a amo."

Com os olhos cheios d'água, Ana correu ao quarto, descobriu

Rodolfo e o encontrou de barriga para cima, com as mãos sobre o peito e

entre elas uma rosa com um cartão, onde estava escrito: "Eu sempre te

amarei".

A mulher segurou a rosa, ergueu a cabeça de seu marido e a

repousou em seu colo. Abriu um sorriso enquanto as lágrimas caíam...

triste pela perda, feliz por saber que amou a pessoa certa.

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19 Eternizados Pelo Amor

pós anos de companheirismo, de compreensão, de

parceria e de amor agora se preparavam para o final de

todas as coisas. Estavam satisfeitos, amaram a quem

puderam amar, viveram o que e com quem puderam viver, sentiram o

mundo e toda sua beleza da melhor forma possível. Não se intimidavam

perante o inevitável.

Estavam um do lado do outro na mesma cama do hospital,

alimentados por soro, cuidados por medicamentos. Estavam um do lado

outro como sempre estiveram desde que se conheceram; não importaram

as brigas, os pensamentos divergentes, um sempre compreendia o outro,

cedia um para o outro, nunca foram dormir sem um sincero, romântico e

amável beijo de boa noite. Aquela foi a fórmula para tantos anos de um

casamento que nunca se desgastou, que jamais ficou insípido; de um

casamento regado a veracidade, lealdade e, por que não, amizade.

As mãos enrrugadas ainda se tocavam como se fossem a primeira

vez. O frio que percorrera suas espinhas na primeira troca de olhar

nunca deixou de acontecer. A ansiedade pela presença tão importante

sempre fora notável. Aquele casal era um exemplo vivo do que é amar.

— Feliz? — a fraca voz do frágil senhor soou serena, tranquila,

como sempre soara aos ouvidos da amada.

— Mais impossível — a senhora mal conseguia abrir os olhos, o

peso da idade era massacrante, o tempo fora capaz de levar sua vigorosa

juventude, contudo incapaz de alterar os seus sentimentos pelo homem

da sua vida.

— Eu queria mais ao seu lado... Sinto que ainda não foi suficiente.

A mão trêmula da sábia mulher tocou o rosto envelhecido do seu

esposo, passeou por ali, um sorriso brotou em seus lábios e com ele a

declaração:

— Você foi a melhor coisa que me aconteceu, satisfez-me com o seu

amor até bem mais do que imaginei — precisou pausar para retomar o

fôlego que a cada minuto se distanciava de seus pulmões —. Você me

completou e fez de mim a mais feliz desse mundo.

O velho homem sorriu agradecido; sentindo um peso descomunal

sobre a mão levou-a ao suave rosto da senhora que o encarava, ao tocá-lo

A

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Palavras & Sentimentos Primeira Edição

por Amilton Júnior

20 foi levado de volta ao passado, sentiu aquele mesmo sentimento

adolescente, o sentimento que nunca murchou.

— Se ainda tivesse tempo faria melhor do que fui capaz, porque a

única coisa que me importou nessa vida foi ver o seu sorriso — desde um

simples sorvete até o planejamento de inesquecíveis viagens, todas as

atitudes dele por ela eram cercadas por desejo, paixão... romance —.

Você é a mulher mais bonita desse mundo e sem você ele não teria

sentido algum.

Enfraquecidos pelos anos aproximaram os rostos, uniram os lábios e

sentiram a mesma ardência que sentiram no primeiro beijo, a constante

ardência que nunca os deixou.

As luzes se apagaram.

Juntos e ritmados os corações pulsaram pela última vez.

Foram eternizados pelo amor.

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21 Família do Coração

diferença de idade entre eles era mínima. Cresceram juntos

ao ponto de se considerarem membros de uma mesma

família, para falar a verdade tinham razão, formavam a

família do coração. Passaram todos os anos escolares juntos, desde as

aventuras infantis do primário até as descobertas adolescentes do

colegial. Não estudaram a mesma faculdade quando adultos, mas ainda

assim manteram aquela amizade tão consistente.

Conheceram aquelas que chamariam de “amor”, chegaram a se

ajudar na arte da conquista e se casaram quase ao mesmo tempo. A

família do coração aumentou.

Viagens, passeios, idas ao cinema, diversão em restaurantes e união

nos momentos de dificuldade. Os bons amigos sempre se fizeram

presente em todas as horas, não importavam as circunstâncias. E a

família do coração aumentou mais um pouquinho, vieram os filhos que

cresceram pensando que eram primos, cresceram seguindo os passos dos

pais, cresceram unidos.

A vida continuou o seu fluxo e a amizade permaneceu como sempre

fora. Com o passar dos tempos vieram as perdas, uma hora o pai de um,

outrora a mãe do outro, envelheciam juntos, viviam as experiências

juntos.

Na velhice perderam as esposas, quase na mesma época, a família

do coração começou a diminuir, mas além dos filhos já crescidos tinham

um ao outro, ajudaram na separação a qual foram obrigados a viver de

seus entes tão queridos e amados. As rugas na pele já eram notórias, o

tom branco cobria toda a cabeça, os movimentos já não eram tão ágeis

quanto no passado e a voz já não soava tão firme como antigamente. A

idade pesava, mas a amizade continuava.

Quando nos tornamos tão amigos de alguém ao ponto se considerá-

lo um membro da nossa família conquistamos valores preciosos como

companheirismo, sinceridade, lealdade e amor. Não importa o que

aconteça, em qual situação estejamos, sabemos que podemos depositar a

nossa confiança naquele com o qual muito nos importamos. A família do

coração é como a família sanguínea, um se preocupando com o outro, a

A

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22 única diferença é que enquanto uma nos une pelo sangue, a outra nos une

pelo coração; enquanto uma representa dádiva da vida a outra é presente

divino. Uma amizade verdadeira vale mais do que infinitos amigos que

cultivam algum interesse além do amar e ser amado, cuidar e ser

cuidado.

Mas agora o fim parecia chegar. Depois de tantos anos, uma vida

inteira compartilhando lágrimas e sorrisos, segredos e desejos, vencidos

pelo tempo que se passou, encontravam-se num quarto de hospital,

convencidos de que logo se despediriam, convictos de que a separação,

por mais dolorosa que fosse, logo acabaria e logo estariam juntos outra

vez. Enquanto um ainda possuía energia vital o outro já estava rendido

ao cansaço da vida, deitado em uma maca, monitorado por tantos

equipamentos, aguardando as luzes se apagarem. Ainda assim os velhos

amigos, ambos de cabeça branca, marcados pelo tempo, estavam juntos,

unidos, cumprindo com a fidelidade que existia.

— Parece que é isso — a voz do mais fraco soou debilitada; seu

coração vagaroso sentia grande afeto por aquele que o acompanhava, que

o ouvia, que o apoiava —. Acho que chegamos ao fim.

Já se completavam semanas daquela internação, não existiam

chances de melhora, já tentavam se conformar com o inevitável embora

não fosse o seu desejo.

— Foram bons anos — o mais forte sorriu abatido, perder o melhor

amigo representaria perder o único irmão que teve —. Isso não podemos

negar.

— Tocamos o terror — fez menção às travessuras de criança

soltando uma gargalhada misturada a tosse que parecia sufocá-lo —. Dê-

me sua mão — sentiu algo estranho, sentiu que o impossível de vencer se

aproximava, sentiu que precisava declarar o que sempre mostrou com as

atitudes, mas que nunca teve coragem de provar com as palavras.

De pronto o segundo obedeceu. Sentiu o toque frio da mão pálida,

um frio descomunal se contrapondo a todos os apertos de mão e os

abraços de felicidade que emanaram calor. Sentiu que a hora da

despedida se aproximava, seria somente um “até logo” e não um “adeus”.

Acreditava nisso.

— Acho que fui capaz de mostrar, mas não fui de falar — encarava

os olhos que o fitavam como se fosse a última vez que os contemplava —

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23 . Preciso agradecê-lo por ter sido tão sincero, leal e especial. Foi um

grande irmão, mesmo que não de sangue, mas sei que seu coração sente o

mesmo — precisou interromper a fala e recuperar o fôlego para

prosseguir em sua declaração —. Foram tantos os momentos e,

principalmente nos maus, pude sentir o seu alento então quero que saiba,

meu irmão, eu te amo.

O mais forte não conteve as lágrimas emotivas, se até aquele

momento não pensara em sofrer agora já não suportava a dor da saudade,

uma saudade que ainda não precisava existir, mas que já se manifestava.

— Quem mais me aceitaria do meu jeito acanhado de ser? —

começou a por para fora os seus mais verazes sentimentos —. Quem

mais me ajudaria com tanto carinho? Quem mais seria tão leal até esse

ponto? Apenas você, meu irmão — beijou a mão daquele que era mais

velho por questão de dias —, meu grande irmão, alguém que tanto amo.

Enxergaram-se quando crianças, sentados na beira de um comprido

e cristalino rio, envoltos por um abraço, cansados por tanto brincarem,

esperando os pais arrumarem as coisas para voltaram para casa,

construindo planos sobre o futuro, prometendo que sempre seriam

amigos, que não deixariam o tempo e nem uma possível distância

mudarem as coisas.

Ao se abraçarem sentiram que a promessa fora cumprida, que

venceram as adversidades da vida e não deixaram os longos dias

corromperem algo tão puro e verdadeiro que existia.

O mais fraco não saiu mais daquele abraço e nem da memória do

mais forte.

Era um “até logo”.

O reencontro da família do coração já estava marcado por Deus.

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24 O Caçador de Constelações

aquelas são as Três Marias! — o formoso

Miguel, oferecendo seu peito para que a

namorada ali repousasse, dava uma aula sobre

o céu, mostrava que era fascinado pelas estrelas, o quanto elas o

motivavam —. Está vendo quantas riquezas podemos descobrir em uma

noite como essa? — estavam deitados sobre a relva do jardim,

aproveitando o momento no qual se esqueciam dos problemas do dia a

dia e se entregavam ao amor que os unia —. Quisera eu caçar todas essas

constelações e entregá-las a você, seriam o presente que merece!

— Já eu desejaria viajar pelo céu a fim de passar mais tempo com

alguém que me encanta por saber tanto, alguém que faz o simples, o

natural, ser mais do que especial, ímpar! — a elegante Ana, refugiada dos

problemas que enfrentava na família, sentia-se bem ao lado do

namorado, queria mais, queria viver em um lugar no qual ambos

pudessem estar em paz.

— Venha! — levantou-se estendendo a mão —. Sinto sua tristeza,

não quero que permaneça assim, quero oferecer um pouco de alegria! —

guiou a garota pelo jardim, levou-a para a floresta, onde uma carruagem

bem enfeitada a aguardava.

O veículo era diferente de tudo o que seus olhos contemplaram.

Uma verdade embriagante e extasiante se revelava aos seus olhos.

Seu namorado era um artista apaixonado.

— Algumas pessoas não acreditam que eu possa amá-la pelas nossas

diferenças, mas eu posso e eu quero. Pensei que pudesse me ter por louco

se insistisse em nosso envolvimento, mas confio em seus sentimentos,

confio que acredita em mim, merece conhecer as estrelas como eu as

conheço!

— Julgá-lo como louco? Jamais faria isso! — ergueu a barra do

vestido, subiu à carruagem movida não por cavalos, mas por feixes de

luz —. Mas também nunca me enganou, sempre soube que é sincero, sua

simples presença me conforta dos tantos males, o que mais poderia ser se

não paixão?

— E

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25 — Isso não é paixão, que com o tempo se apaga, é o meu mais puro e

nobre amor! — beijou a donzela com sutileza, garantindo paz ao agitado

peito. — Vamos? Garanto que não irá se arrepender?

— Confio em você!

E lá se foram.

Desbravaram a floresta deixando rastros sobre a terra.

A Lua brilhava incansavelmente com a ajuda do Sol, exibia sua

beleza estonteante, aquela que inspira poetas, romances, que une casais.

— É tão diferente...

— Se as pessoas fossem mais sensíveis, mais cercadas de amor, não

precisariam sair das cidades para conhecerem a verdade dos fatos, se

observassem com cuidado e atenção enxergariam a beleza oculta de uma

Lua que nunca se cansa de iluminar nossas noites!

A carruagem desbravou o imenso caminho, os olhos contemplavam

o Universo, a cada movimento uma constelação era descoberta e Miguel

não deixava de ensinar sobre cada uma, contava as histórias mitológicas

que influenciaram em sua existência, contava também o significado que

possuíam para os agricultores, aqueles que trabalhavam tendo o céu

como relógio.

Ali, longe de todos, envoltos por estrelas, estavam protegidos da

crueldade humana.

— Como faremos para que não nos separem? — Ana, exibindo seus

olhos que remetiam ao doce mel, questionou aquilo que mais precisava

saber, aquilo que afligia seu coração em todas as noites, aquilo que lhe

tirava o sono —. Sabe que o amo, sabe que o tenho por meu grande amor,

insubstituível amante, mas meu pai não aprova que vivamos juntos, quer

me forçar a um casamento indesejado, tudo por títulos de nobreza, os

quais desprezo!

— Se estiver disposta a enfrentar todos os males, se estiver afim de

combater cada julgamento, cada mentira que poderão contar, eu também

estarei, eu também lutarei, eu também me esforçarei por não ceder ao

preconceito, à ignorância, ao desprezo... — encarou o semblante

preocupado, acariciou a pele suave —. Por você vou até onde precisar!

Como o amava.

Como o admirava.

Como o desejava.

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26 Ana se aproximou de seu admirador eterno, acariciou-lhe os cabelos

que caíam sobre a testa, passeou os dedos trêmulos pela face que nunca

saía de seus pensamentos, beijou os lábios cujo sabor nunca se cansava de

provar, escondeu-se na curva do pescoço que sempre lhe seria por abrigo.

Deixou a lágrima emotiva correr.

— Não é o que merece, não é digno de um amor sofredor. Existem

tantas capazes de amá-lo, capazes de fazê-lo feliz sem preocupações, sem

medos, sem receios ou ansiedades, existem tantas que não colocariam

sua vida em risco... — desceu da carruagem preparada com tanto carinho

—. Eu agradeço pela surpresa, agradeço por existir, mas não posso

continuar, não posso arriscar quem amo, não posso...

— Não pode ou não quer? — o valente Miguel rapidamente se

colocou perante a amada, acolheu as mãos aflitas, encarou os olhos

marejados com severidade, queria descobrir a verdade, queria ouvir as

palavras de que precisava —. Não posso acreditar que não me ame!

— Você me ama?

— Já provei de tantas formas...

— Então me deixe partir...

Os dedos se descruzaram e os olhares foram desfeitos.

A donzela deu às costas ao caçador de constelações, aquele que

procurava pelas melhores, pelas mais belas, para ensinar sua querida

namorada, correu, escondeu o amargo choro que a dominava.

Miguel ficou estático, encostou sobre a carruagem e mirou as

estrelas, as constelações que queria possuir a fim de presentear a única

que amaria, pelo seu rosto uma lágrima intensa rolou, caiu sobre o chão,

marcava o fim doloroso de um romance querido...

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27 Amigos Irmãos

ram melhores amigos.

Viveram as aventuras da infância juntos e juntos

passaram pelas turbulências da adolescência. Dividiram

segredos, compartilharam anseios, confiavam um no outro como se

fossem irmãos, enxergaram-se assim e assim permaneceriam para

sempre.

Contudo, a vida nunca foi um perfeito jardim florido onde as

pessoas apenas desfrutam de uma plena felicidade, na vida existem

momentos diferentes: o de sorrir e o de chorar. Aquela amizade tão linda

parecia ter chegado ao fim, um já não falava com o outro, não se

lembravam dos motivos que levaram àquela situação, apenas sabiam que

entre eles existia um enorme abismo.

Sentiam saudade das horas que passavam trocando mensagens,

sentiam saudade das tardes que passavam caminhando pelo bairro,

sentiam saudade da companhia agradável. Embora já se preparassem

para o dia em que cada um seguiria sua vida e fosse viver uma história de

amor e, então, precisassem se afastar um pouco, não queriam que

acontecesse daquele jeito, não queriam que a distância fosse tão dolorosa,

também sabiam que mesmo compromissados a amizade poderia

continuar, eram como irmãos e assim estariam ligados para todo o

sempre.

Mesmo que doesse Iago não voltaria atrás em sua decisão, era

orgulhoso e pedir desculpas afligiria o seu ego, preferia passar por aquela

angustiante saudade do que confessar ser o errado. Tentava, mas não

conseguia parar de pensar naquela pessoa especial, que o conhecia muito

bem, que foi criada praticamente na mesma casa. Tentava, mas não

conseguia se esquecer do dia no qual perdera mãe e quem foi a primeira

pessoa que o acolheu em um abraço protetor. Tentava, mas não

conseguia acreditar que não amava tal amizade.

Larissa era a que mais sofria. Sempre fora apegada aquele que via

como um grande irmão, afinal, sempre por ele fora protegida de

comentários maldosos por conta da sua deficiência: vítima de um

acidente perdera o pai além de perder os movimentos da perna.

Lembrava-se como se tudo tivesse acontecido há tão pouco tempo, das

E

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28 palavras de motivação, dos carinhos de cuidado e do ombro que acolheu

suas lágrimas. Tentava compreender como as coisas chegaram naquele

ponto, mas não via explicação. Tentava encontrar coragem para se

redimir com aquele que amava como se fosse da família, mas sentia seu

coração ser esmagado apenas pela ideia de receber desprezo. Restava-lhe

apenas acreditar que algum dia voltaria a abraçar seu melhor amigo.

Os dias se passavam e a distância crescia.

Na escola evitavam se encontrar, na sala de aula evitavam se olhar,

mas sempre, em algum momento, os olhares que pediam pela

reconciliação se cruzavam, fixavam-se por alguns segundos, mas logo se

desviavam como se nada tivesse acontecido, como se entre eles nunca

houvesse coisa alguma, como se nem ao menos conhecidos fossem.

Era incompreensível tal condição. Como duas pessoas tão próximas,

tão íntimas, poderiam agora ser tão estranhas uma à outra?

Os dias se passavam e a distância crescia.

A mãe de Larissa adoeceu gravemente. Na verdade a doença

silenciosa já a consumia por dias, mas sem suspeitar de nada a mulher

continuou o seu dia a dia normalmente até que em um momento

inoportuno sentiu as narinas se fecharem e a garganta sufocar. Agora já

era tarde, os médicos acreditavam que o fim estava mais que certo, era só

uma questão de tempo.

E a previsão se confirmou.

De uma forma trágica e dramática o pior aconteceu. Larissa assistiu

sua mãe respirar as últimas vezes, pôde ouvir suas últimas declarações de

amor e um desejo de boa sorte na caminhada que continuava. Mãe e filha

passaram pelos piores minutos de suas vidas e se despediram de uma

maneira que jamais ansiariam.

Agora a garota sentia-se sozinha no mundo, abandonada à própria

sorte.

Nunca confiou nas pessoas, em toda sua vida manteve uma amizade

com apenas uma garota, agora que já não tinha com quem se distrair

afundava-se nos tantos livros de fantasia, mergulhava naqueles mundos

inexistentes, sentia-se protegido do mundo real.

A notícia bateu à porta.

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29 Iago no mesmo instante se condoeu por Larissa. Conhecia a dor de

perder uma mãe e imaginava que para a jovem adolescente fosse ainda

pior já que seu pai também se fora. Conhecia a mulher desde que

nascera, chamava-a de tia e como um sobrinho fora tratado. Precisava ser

um pouco mais piedoso, um pouco mais sincero em seus sentimentos:

precisava passar por cima do ego que o inflava e cumprir com a sua

obrigação.

Mas não o fez.

Sentia-se envergonhado. Sabia que se ganhasse desprezo era o que

merecia, se ganhasse palavras de ódio era o que merecia, mas não estava

preparado para tal. Preferiu ficar em casa, mesmo que sua mente

estivesse ao lado daquela que muito amava.

Passou a noite em claro e, antes que o sol raiasse, tratou de se

aprumar. Não esperou nem mais um segundo para se dirigir ao velório.

Não se importava com o que aconteceria, se importava em cumprir com

o seu papel de amigo.

Ao lado da urna, encarando a mulher que parecia descansar, Larissa

desejava apenas uma coisa: ter o seu irmão contigo. Mas se conformava

com a solidão, aceitava que a partir de agora caminharia sem o apoio de

mais ninguém até que enxergou o garoto alto, corpo magro por conta da

natação, olhos azuis como o mar e cabelos castanhos, desgrenhados ao

vento, entrando no triste lugar.

O rapaz logo encontrou a garota que possuía os olhos mais

brilhantes que já vira, mas que agora estavam ofuscados, acariciando o

rosto da mãe, sentiu o peito acelerar quando seus olhares se encontraram,

era como se voltasse ao passado e recordasse a promessa de infância:

“amigos para sempre”. Correu ao seu encontro.

Olhos encharcados.

Corações entristecidos.

— Você me perdoa? — perguntaram em uníssono.

A resposta não veio em palavras, foi dada pelo forte abraço que os

uniu e que confirmava a quanto se gostavam, se amavam e o quão

verdadeira era tamanha amizade.

Tiveram a sorte de passar por cima do orgulho, encurtar a distância

e voltar ao coração um do outro, na verdade, nunca haviam saído de lá.

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30 Amor Incondicional

arcelo tinha os seus vinte e cinco anos e, embora atraente,

ainda vivia uma vida de solteiro. Moreno, passou por

cima das próprias limitações e se tornou um dos grandes

nomes do time de natação da cidade. Dono um de um sorriso sedutor e

envolvente e de olhos enegrecidos balançava o coração de muitas moças,

mas existia um problema que parecia ser decisivo para que a liberdade

em viver um grande amor o surpreendesse.

Ainda criança, por volta dos dez anos de idade, no auge da coragem

infantil, o pequeno Marcelo se jogou de um trampolim, sua vocação para

nadar parecia ter nascido consigo. Despreparado para tamanho equívoco

terminou machucado, nocauteado. A aventura infantil lhe custou os

movimentos das pernas.

Persistência era o segundo nome do querido garoto que se viu

encorajado pelos familiares próximos e amigos mais íntimos a acreditar

nos seus sonhos e não ceder para o destino. A paralisia seria eterna,

aquele foi o veredicto, mas não queria dizer que a vida terminava ali.

No começo sofreu. A agitada criança se via presa em uma

entediante cadeira de rodas, nada que sair em alta velocidade não

resolvesse. Pois é, mesmo tendo a triste experiência Marcelo não perdeu

a coragem e se manteve na posição de aventureiro destemido.

Um belo dia, felizmente, já na adolescência, o jovem foi chamado

para fazer parte do time de natação reservado aos deficientes como ele,

seria apenas um teste de um ano, caso o time se superasse e atraísse

patrocinadores a promessa era de que ele se oficializaria. Pois bem,

Marcelo aceitou e se deparou com pessoas nas mesmas condições, todas

confiantes, todas com vontade de mostrar ao mundo que eram capazes

de vencer.

Como em todo começo o adolescente passou por dificuldades, desde

que entrara na nova vida não se aventurava em piscinas como

antigamente, apenas se refrescava, embora seu corpo pedisse por mais.

Mas era persistente. Entregou-se à possibilidade de realizar os próprios

sonhos e conseguiu, com os meses foi se destacando, viam-no como

favorito para as competições.

M

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31 Auxiliado pelo empenho dos demais da equipe, Marcelo ascendeu o

time de natação, os olhos dos patrocinadores brilhavam a cada

competição, mas, mais do que isso, aquelas pessoas desafiadas pela vida,

escolhidas para aplicar lições naquelas que possuíam enormes facilidades,

cumpriam com a missão de ensinar e semear esperança. Todos podem,

basta querer. E querer não é desejar, é lutar para conquistar.

Mesmo com tantas conquistas, mesmo provando o quanto era

capaz, o nadador nunca namorou. Vontade teve, apaixonou-se, mas

parecia que os preconceitos que moram nas pessoas falavam mais alto. E

daí que ele tinha limitações? O mais importante ele possuía: amor para

dar.

Passou a se contentar com a realidade até o dia em que conheceu

Beatriz e seu coração pulsou de uma forma diferente. Primeiro

apaixonou-se em segredo, com o tempo passou a amá-la secretamente.

Beatriz com os seus vinte e três anos cursava o segundo ano de

fisioterapia, mas com as excelentes notas conquistou uma vaga de

estágio como fisioterapeuta no time de natação, o mesmo onde

conheceria seu grande amor. Era uma garota sonhadora, romântica, que

imaginava construir uma família ao lado do homem que amasse, mas

provou da ignorância e da intolerância, já não acreditava naquilo que

desejava, talvez não passasse de um conto de fadas.

Ela era negra.

Aquilo não significava problema algum e nem empecilho para que

vivesse um romance, aliás chegara a namorar uma vez, mas a crueldade

que existe nas pessoas a fez se distanciar de alguém que gostava.

Julgaram-na. Disseram que ela não merecia um partido como aquele.

Disseram e fizeram comparações horríveis.

Mas ela era linda, dona de uma beleza rara. Seus cachos dançavam

sobre sua cabeça, seus lábios desenhavam um doce sorriso e seus olhos,

verdes como a esmeralda, conquistavam a qualquer um. Porém, com

tantas humilhações, a jovem não acreditava em sua beleza, ao invés disso

acatava os pensamentos maldosos e decidia que seu destino era viver

solitária... Até conhecer um rapaz em especial que estremecia seu coração

ao soar da voz, causava arrepios em sua em sua pele ao tocá-la

gentilmente.

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32 Apaixonara-se pelo nadador. O talentoso nadador.

Entretanto preferiu esconder seus sentimentos, a chamariam de

interesseira, voltariam a declarar os tantos insultos e o que ela poderia

fazer além de escutar? Sua autoestima estava fraca, por tanto sofrer

ataques acreditava no quanto era insignificante.

Com o tempo ganhou um amigo e tanto. Os encontros que

aconteciam apenas no time se expandiam para encontros casuais. Iam ao

cinema, freqüentavam restaurantes, caminhavam pelo parque e

compartilhavam segredos. A amizade que entre eles existia era um

embrião do que realmente viria a ser.

Mas naquela tarde de sábado algo estava diferente.

No dia anterior Beatriz fora vítima do racismo, algo que, até então,

Marcelo não presenciara e, logicamente, defendeu a amiga que amava.

Sobrou para ele. Foi chamado de aleijado desprezível. pura ignorância de

um alguém frustrado sobre a própria existência.

Beatriz se culpou: se não estivesse com o nadador ele não teria

ouvido aquilo, deveria se colocar no devido lugar – como falavam por aí

– e evitaria muitos problemas. Estava decidida. Afastar-se-ia.

Ao receber a ligação da fisioterapeuta o moreno percebeu que o

encontro se daria a um assunto sério, aprendera a conhecê-la aprendera a

ouvir sua voz e a decifrá-la. Sentia medo. Medo por perder alguém que

amava.

— Oi — recebeu-a com um sorriso encantador que se misturava à

beleza do parque, mas não fora capaz de transformar o semblante

endurecido.

— Não podemos mais continuar — foi direto ao assunto, mesmo

que as palavras rasgassem sua garganta e esmagassem seu coração.

— Continuar? — fingiu não ter entendido, não queria entender.

— Não podemos continuar mais como amigos — contra sua vontade

os olhos se encharcaram.

— Concordo — foi sério ao responder, foi rígido ao soar da resposta

—. Porque somos amantes — beijou-a com paixão, com o desejo

reprimido há tanto tempo, com o amor que há muito escondera.

Beatriz sorriu apaixonada, sentir o calor daquele beijo aqueceu alma

fria pela ignorância e acendeu uma chama em seu coração, a chama do

amor.

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33 — Não importa o que aconteça ou façam — com as testas

encostadas e os rostos aproximados Marcelo declarou sua coragem —. O

que importa é que nos amamos... incondicionalmente!

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por Amilton Júnior

34 Felizes Para Sempre

por algum momento acreditaram em felizes para

sempre terminaram enganados porque não, o felizes

para sempre não existe e eu não vou cair na mesmice das

falácias para prendê-lo até o final dessa história, já adianto que o amor

não é feito apenas de momentos românticos e fofos, surgem brigas e

discussões, algumas até calorosas, mas nada que a íntegra verdade de um

sentimento tão nobre não seja capaz de vencer.

Brigaram. Sim, aquele casal tão jovem que fazia emocionantes

declarações por onde passavam acabaram discutindo, mas não foi por

coisa boba como “quem comeu o último chocolate” ou porque passaram a

noite se chutando. Isso era normal entre eles, tinha o poder de fortalecer

a união. A briga aconteceu por algo um pouco mais sério, mas antes

preciso contar com chegamos a esse ponto; calma, já vai acabar.

Passaram o sábado de verão no aras dos pais de Eduarda. Andaram

a cavalo, correram pelas trilhas e deram uns amassos na cachoeira – nada

além de beijos e trocas de amáveis palavras. Foi um dia maravilhoso em

família, um dia que, como qualquer outro, também chegou ao fim.

Mas não terminou tão lindo como começara.

Você sabe, um dia quente com alta umidade só pode resultar em

tempestade no final da tarde, mas até aí tudo bem, entraram no casarão e

dentre sustos e gargalhadas por conta das trovoadas se protegeram da

forte chuva. Deinon chegou a lembrar de quando era criança e os pais

contavam histórias medonhas enquanto o céu caía sobre a terra,

momento revivido naquela tarde.

Mas, você também sabe, toda tempestade chega ao fim e aposto que

fica na torcida para que a energia não vá embora... Deus o livre de ficar

sem wi-fi, acertei?

Naquele clima agradável convidaram Eduarda para passar a noite

ali, no dia seguinte ela poderia ir embora com mais segurança – a estrada

estaca molhada. Mas seu marido não quis. Talvez você se indigne, “como

assim o marido não quis?”. É, meu amigo, eu também não acreditei, mas é

Se

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35 de se compreender, eles procuravam viver em harmonia, quando um

cedia era a vez do outro e assim viviam.

Mas a morena queria ter ficado. Ser contrariada foi o primeiro

pingo para a briga que viria estourar em poucos instantes.

Depois de um dia cheio de aventuras com certeza tudo o que você

mais quer é a sua cama, o seu cantinho e o seu celular, não é? Porém o

caminho para casa é um tanto longínquo, o que pensaria em fazer?

surpreendi-me com o seu triste raciocínio, mas é o que eu também faria:

apressaria os passos.

Contudo era perigoso chegar aos cento e vinte quilômetros por hora

em uma rodovia com resquícios da chuvarada de tempos antes. Podemos

causar um acidente e foi o que Deinon provocou.

Mas calma, não se desespere e nem me odeie. Não falei que eles

iriam brigar? Pois bem, morto não briga!

O pneu deslizou fazendo o carro girar e parar num barranco. Por

sorte o movimento na rodovia era nulo, mas Eduarda sabia bem qual

poderia ter sido a consequência.

— Não adianta falar, nunca me ouve! — esbravejou, consequência

do medo que sentia —. Vai ficar bancando o moleque até quando?

Um cara sensato, que quer evitar brigas, apenas ouve, dá uma

bufadinha e toca a vida, mas o alemão revidou. Sim, meu caro, ele não é

um príncipe encantando, muito menos a paciência em carne e osso, ele

revidou:

— Deixa de ser dramática, não aconteceu nada!

Concordo, a resposta não foi tão agressiva, mas já viu uma mulher

nervosa? Elas ficam uma gracinha, só que até certo ponto, não pague

para vê-las se transformarem num vulcão.

— Dramática?! Se tivesse aceito ficar talvez não tivéssemos passado

por isso.

— Pare de egoísmo! Sabe que preciso resolver alguns assuntos, não

posso perder tempo — ops, acho que alguém não soube usar as palavras.

— Quer dizer que estar com a minha família é perder tempo? —

abriu a porta.

— Não quis dizer isso — segurou-a pelo punho, como nas clássicas

cenas de um saboroso clichê romântico.

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36 — Mas foi o que disse — soltou-se bruscamente indo para o banco

de trás —. Se eles são perda de tempo eu também sou — bateu a porta —.

Vá logo resolver os seus assuntos.

Sempre digo que devemos tomar cuidado com o que falamos e como

falamos, talvez para nós não seja nada demais, mas para quem ouviu

pode ser a gota d’água para um aborrecimento. É, eu sei, acordei filósofo

hoje.

Chegaram em casa e antes que o rapaz pudesse tentar se desculpar a

garota o deixou comendo poeira.

— Não quero ocupar o seu tempo — quem mandou? Agora aguente!

Bom, como todo bom leitor você gostaria de conhecer as

personagens e também gostaria de acompanhar cenas mais melosas. Não

sei se consigo, sou bem realista, mas posso tentar.

Eram orgulhosos, não dariam o braço a torcer e nem tentariam uma

aproximação, foram dormir sem se falar. Ela no quarto, ele na sala. Posso

dar um conselho? Nunca durma nessas condições, ainda que doe em seu

ego, ainda que arranque uma unha, mas ao menos dê boa noite, não

precisa beijar, mas mostre que apesar da decepção ainda ama aquele com

quem escolheu viver, quando o dia amanhecer já pode ser tarde... Está

bem, pode de chamar de velho...

Mas quem disse que eles pegaram no sono?

Eduarda ficou paralisada de olhos arregalados observando o vazio

naquela enorme cama. Colocou a mão para o lado imaginando que

estivesse apalpando o corpo branquelo que amava sentir, imaginou-se

secando os olhos verdes pelos quais se apaixonara, desejou prender os

dedos nos fios loiros que gostava de sentir o aroma. Abraçou o

travesseiro ansiando por sentir um calor tão aconchegante quanto o do

amado esposo, mas tudo o que recebeu foi uma solidão angustiante.

Tinha noção do quão era fácil terminar com aquilo, bastava chamar o

homem pelo qual era apaixonada que ele surgiria, pronto para acolhê-la

nos braços fortes, pronto para completá-la. Mas não, querido leitor,

acredita que ela preferiu ficar sozinha? O ser humano complica a própria

vida...

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37 E se você está pensando que para Deinon tudo bem, ele não foi o

motivo da tempestade em copo d’água mesmo, lamento em informar que

se enganou. O jovem marido, que ainda se adequava àquela nova vida,

planejava pedir desculpas, reconheceu que errou. Por mais de dez vezes

ensaiou bater na porta do quarto e declarar tudo o que sentia, mas lhe

faltou a coragem em todas elas. Restou-lhe apenas se deitar no sofá, tirar

a camisa para aliviar o calor causado pela falta do ar condicionado

limitado no quarto trancado e fechar os olhos na intenção de dormir, mas

sua mente lhe trouxe a visão de uma morena bronzeada que pela pele

delicada atentava ao toque suave, seus olhos acinzentados provocavam

uma sedução irresistível e seu perfume não permitia que saíssem de

perto dela. Mas, além de todo aquele desejo carnal, Deinon sentiu falta

do seu beijo de boa noite, do seu sorriso exibindo as travessas covinhas e

do seu abraço que o fazia adormecer. Seu peito ardeu de saudade por

alguém que estava tão perto, mas que parecia estar tão longe.

É meu amigo, casais perfeitos não existem e uma história de amor

não se sustenta à base de flores.

Mas o dia amanheceu.

Sem a companhia do esposo, Eduarda acabou recebendo o sol

diretamente nos olhos. Confesso que gargalhei ao ver seu semblante de

insatisfeita, quem mandou não ir atrás daquele que em todas as manhãs

levantava gentilmente e fechava as cortinas? Tomou um banho, escovou

os dentes e se arrumou a caráter. Iria passar o dia fora, Deinon que se

divertisse com os seus assuntos tão importantes.

Ao ver a esposa tão bem arrumada o descamisado sentiu o coração

falhar uma batida. Pensou inúmeras bobagens. Correu ao seu encontro.

— Por favor, preciso mostrar uma coisa.

— Não está sem tempo? — respondeu ressentida, desviando os

olhos do corpo que chamava sua atenção.

— Perdi meu tempo estando longe de quem mais amo — virou o

rosto feminino para si causando o encontro dos olhares, veículos usados

para a comunicação das almas —. Por favor, venha comigo.

— Ande logo — cedeu, ainda se fazendo de difícil —, tenho assuntos

a resolver.

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38 Um farto café da manhã como pedido de desculpas preparado com

muito amor conquistaria o seu coração? Não só o meu, mas também o

meu estômago. Existe coisa melhor do que comer?!

— Nunca estar ao seu lado junto àqueles com os quais se importa

será perda de tempo, muito pelo contrário, não existe algo que se

compare com o privilégio da sua companhia.

Aquela mesa saborosa tinha de tudo, desde frutas para manter o

corpinho fitness, até bolos saborosos escondendo a potencial bomba de

açúcar. Faríamos a festa, não faríamos?

— Se me perdoar prometo que vamos passar o dia juntos, mas não

me deixe, não sei viver sem você.

— Está achando que quero me separar?

Consegue sentir o cheiro das doces guloseimas? Aquela geleia de

morango, aquela vitamina de abacate, aquela torta de limão comprada no

supermercado, mas ainda assim deliciosa. Sentiu fome? Imagine eu

vendo tudo isso sem poder tocar. Acho que a minha barriga roncou.

— E não está? Tem todo o direito de fazer isso, mas...

Para tudo.

Para de me xingar por não contar como eles estão se olhando e o que

estão pensando, eu não queria um final romântico, talvez nem um final

feliz eu quisesse, na verdade queria que aquela mesa fizesse a minha

alegria.

Mas eu conto. Ela o calou com um beijo.

Ela ficou tão extasiada por tudo acabou cedendo um beijo

demorado, que atraiu carícias afobadas, corações acelerados e corpos

ferventes. Passaram a noite separados, não hesitaram em deixar de lado

aquela mesa linda e saborosa para matarem a sede dos corpos que se

desejavam.

Lembra que eu falei que o felizes para sempre não existe? De fato,

não existe. Eles voltariam a brigar e tornariam a afastar a briga entre

beijos e afagos, porque entre eles não existia um conto de fadas, existia

um amor de verdade, aquele é alimentado dia após dia e que quanto não é

abastecido trata de resolver as coisas.

E por falar nisso será que podemos aproveitar aquela mesa perfeita?

Acho que não...

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39 Vítimas do Amor

lua alcançava seu ápice naquela noite fria e tenebrosa

quando Helena a filha do barão de Montes Claros,

vagueava pelos corredores da casa grande, atenta a cada

canto, cuidadosa em cada passo; precisava salvar a própria vida, sentia

que sua honra era ameaçada e faria qualquer coisa a fim de defendê-la.

Em pleno século dezoito, a garota de pele macia, cabelos escuros e

olhos enegrecidos ainda vivia o drama do casamento arranjado: seu

matrimônio aconteceria em poucos dias com um rico senhor de terras,

homem durão, de rígido aspecto, que jamais despertaria na sonhadora

garota os sentimentos que ela cultivava por um nobre rapaz.

Seu amor era proibido.

Helena amava Felipe, filho de um humilde comerciante, jovem

esforçado, alto, que pelo trabalho remunerado em engenhos poderosos

adquirira o físico atraente, seu sorriso encantador e seus olhos verdes

como a esmeralda enfeitiçaram a filha do temido barão logo no primeiro

encontro. Entre os jovens revolucionários, que sonhavam mudar uma

sociedade fechada, nascera um amor incontrolável, que quanto mais

sofria com as investidas da proibição, mais se fortalecia e se

intensificava.

Após muito pensar, o casal apaixonado decidiu que a melhor

maneira para viver aquilo que muito era desejado seria fugindo, indo

para bem longe, para um lugar qualquer, onde teriam paz. Era naquela

noite fria e tenebrosa que a fuga deveria acontecer.

Nervosa, Helena voltou para o seu quarto, trancou a porta e se

deitou. Fechou os olhos, suspirou tranquila, esperaria paciente pelo sinal

combinado. Em sua mente, o adorável namorado.

“Era uma tarde quente e ensolarada, no céu azul nem um vestígio de nuvem

anunciava uma possível chuva que refrescasse. Irritada por aquele verão tão

rigoroso, a garota de quase dezoito anos buscou alívio no riacho que atravessava

a mata; destemida, entrou nas águas cristalinas, conforme sentia o frescor do

ouro incolor suspirava agradecida; deixou o corpo se guiar pelo tranquilo rio, não

tinha com o que se preocupar.

A

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40 A serviço nas terras do poderoso barão, Felipe não aguentava mais moer

trigo debaixo do ardente sol, embora tivesse a ajuda dos escravos ainda não era

suficiente para que o calor desse trégua. Aproveitando os instantes de descanso

que teria adentrou a acolhedora mata em busca do refrescante riacho. Ao se

aproximar do destino ficou paralisado como um bobo, encarava a sensual garota

pela qual se apaixonara com desejo, com vontade de tê-la em seus braços, sentir o

toque de suas mãos passear em seu corpo, entregar-se junto a ela àquela paixão

que os unia.

— Felipe?! — Helena se assustou ao descobrir que já não tinha tanta

privacidade; escondendo a nudez por baixo d’água insistiu no diálogo: — Há

quanto tempo estava aí?

— Perdoe-me! — o jovem rapaz virou as costas, sentiu-se desrespeitoso,

envergonhado, não ficaria mais ali —. Perdoe-me, já estou indo!

Mas os seus desejos eram os mesmos que daquela que seus olhos

contemplavam.

— Não vá! — a serena voz interrompeu os passos do filho do humilde

comerciante —. Não precisa ir se não quiser — conforme insistia a filha do

barão sentia o rosto ruborizar, não sabia como declarar aquilo que seu coração

almejava, não aguentava mais aquele cruel distanciamento, queria se entregar de

qualquer jeito ao verdadeiro amor de sua vida —. Preciso de você...

Vagarosamente Felipe voltou sua atenção a que, em suas próprias palavras,

era a mais perfeita das garotas, tentou formular alguma frase, tentou se esvair

de alguma maneira, mas não pôde mais conter tão ardente impulso. Despiu-se.

Caiu nas tranqüilas águas.

Os jovens se encaravam como se quisessem dizer algo, como se desejassem

um ao outro mais que qualquer outra coisa. As palavras não saíram, mas o beijo

acalorado os envolveu, o agradável calor da paixão tomou também seus corpos,

que colados um no outro se consumiam, uniam-se, consumavam aquele amor

impossível de esconder.

Deitada sobre o acolhedor peito do namorado, Helena caminhou com o

dedilhar pelos discretos pelos que ali existiam, encontrava naquele corpo

descoberto o abrigo para a própria alma.

— Não quero viver longe de você — fixou os olhos verdes, encontrava neles

a paz que tanto precisava —, será impossível!

— Nem eu — Felipe a envolveu em seus braços potentes, senti-la tão

intensamente apenas fazia aumentar a vontade por compartilhar uma vida

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41 inteira com aquela que muito amava —. Seu amor é tudo para mim, é o que me

faz viver, o que me motiva a lutar.

— O que faremos? — indagou sem soluções, sem esperanças —. Como

ficaremos unidos pelo resto de nossas vidas?

— Existe somente uma maneira — com aquele pensamento acendeu a

curiosidade da namorada, que apenas queria caminhos para seguir —.

Precisamos sair desse lugar, irmos para bem longe, onde teremos paz — era

arriscado, talvez ela não aceitasse, ele já imaginava, mas era a única forma para

que aquele amor fosse de fato vivido —. Aceita entregar-se a mim sem medo do

mundo?

A proposta tentadora causou um turbilhão na mente de Helena. Cansada

de tantas privações, tantas obrigações, apenas queria paz, ainda que lhe custasse

a perda do conforto e a distância com a mãe, única pessoa que conseguia amar

depois de Felipe.

— Aceito — beijou desejosamente o nobre rapaz —. Tudo o que mais

quero!”

As três pedras jogadas na janela fizeram Helena deixar o seu transe.

Ansiosa, saiu na sacada, sorriu abertamente ao seu deparar com o sorriso

daquele que amava; não temeu em colocar sua vida nas mãos daquele

moço, jogou-se da janela.

Apaixonado, Felipe acolheu seu maior tesouro em seus destros

braços, não conteve o desejo de beijar a mais linda das garotas. Saciado

seu desejo, cobriu a cabeça com o capuz, gesto imitado pela filha do

barão. De mãos dadas o jovem casal dava seus primeiros passos rumo à

felicidade.

Sem sono algum o barão de Montes Claros observava todo o seu

império, orgulhava-se pelo que conseguira construir e não se

envergonhava pela crueldade que usava para com os escravos. Atento,

notou o casal que caminhava pelos arredores, não hesitou em sua

covardia, disparou várias vezes.

— Negrinhos imprestáveis — revoltou-se por achar que eram

escravos que planejavam fugir.

Os leves e contentes passos foram interrompidos aos estridentes

ruídos. Levando a mão ao peito Felipe se assustou com o sangue que

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42 molhara sua camisa. Fazendo o mesmo Helena sentiu as pernas

bambearem, fraca, caiu de joelhos.

Olhavam assustados um para o outro; sentiam a escuridão se

aproximar e a morte os envolver.

Deitaram-se como exaustos.

Uniram as mãos.

Antes que o último suspiro fosse dado uniram os lábios.

A carne morrera, mas as almas viveriam unidas e em paz.

Foram vítimas do amor.

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