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o  HOMEM QUE AMAVA RAPAZ  E S E OU  T  ROS ENSA I OS:

UMA   VIS' AO   DE   MUNDO   AFETIVA

LOPES,   DeniIson.   0homem que amava rapazes e outros ensaios. Rio

de Janeiro: Aeroplano,   2002. 264p.

Segundo Iivro de Denilson Lopes, professor da Faculdad e   de Co-

munica<;:aoda UnB,   Doutor   em Sociologia e Mestre em Literatura Br a-

sileira   pela   UnB. Atualmente e   coordenador do Progr ama de

Pos-Grad ua<;:aoem Comunica<;:aod a mesma universid ade.   Seu primeiro

livro e   Nos os mortos: melancolia   e   Neo- Barroco   (RJ, Sette Letr as,

1999), versao revisada e reduzid a   de sua tese de doutor ado,   defendida

em 1997.   Como disse Silviano Santiago, na orelha deste primeiro livro,

o pronome   nos,   do titulo ja desmascara a inten<;:aodo narr ador d e se

a proximar do objeto de estudo,   ao inves de tomar   0

distanciamento usualem ensaios.   Este pronome servir a   tambem como urn convite a nos  leito-

res, par a   que nos aproximemos   e sejamos coniventes com   0narr ador na

ref lexao   sugerida, ou antes, provocad a   pelo texto, onde podemos   ler :  "E

a arte que  me conduz para   d entr o d e mim e para   0mundo,   para a ciencia

e   para a religiao, para   0 pensar e para   0 sentir, minha   teoria   e   minha

 pratica,   possi bilidade fr agil, d esesper ada de alguma   beleza.   E   por esse

 pouco d e   beleza que vivo.  E  na e pela arte que aparece   0 melhor deste

texto."   (p.19)

Anunciava-se ja   0estilo pioneiro e corajoso da escrita   ensafstica

d e Denilson,   onde ha urn hibridismo, tao comum no pos-moder nismo,

em r ela<;:aoa   fic<;:ao,constantemente   penetrada pelo ensaio. Nem   sempre

tal hibridismo e uma via de mao dupla,   pois raramente se d a   nos  textos

teoricos, geralmente neutros,   d escritivos, impessoais.   Como disse Italo

Moriconi,   no prefacio deste segundo livro, Denilson   " puxa   fios ate tr ans-

gredir os   limites de generos   (nos   dois   sentidos da palavr a)   e chegar ao

auto biografico,   ao puro liter ario. 0 puro Iiterario,   que   e   uma f orma

despudorada de escrita."(p.14)

o tftulo 0   homem que amava r a pazes   e ousado pelo que explicita

e sof isticado   ao nos remeter    a   Ifr ica  greco-latina,   lembr ando-nos que   a

"atra<;:ao por   r apazes conf orma   talvez a mais antiga   forma de

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homotextualidade no Ocidente."(p.51).   Ele nos deixa claro, em seu tem-

 po verbal, no melhor estilo "Era uma vez ...", que   0que veremos e, como

afirma Denilson,   "uma historia em primeira pessoa no dese jo d e encon-

tr ar outras." (p.20)   0f ato, contudo, de chegar esta escr ita   ao autobio-

grafico, nao faz com que ela fuja de uma consistencia teorica. Ainda

segundo !talo Moriconi,   0livro e "urn ensaio estetico, fortemente   a poia-

do na cr ftica   liteniria e voltado para mapear sensibilidades de  e poca."

(p.13)

Dez ensaios comp6em   0livro.  No primeiro deles, "Escritor, gay",

Denilson contextuali za a i nstitucionaliza~ao e estabiliza~ao dos movi-mentos homossexuais, mapeia a entrada eo desenvolvimento dos estu-

dos gays nas universidades norte-americanas e brasileiras, declat'a que

 prefere   0 tenno "homoafetividade"   aos usuais "homossexualidade" ou

"homoerotismo", deixando claro que   0interesse, a discussao do seu tex-

to, vai muito alem do sexo-rei, levando   a   reflexao   sobre a questao de

genero.   Tratando dos diversos tipos de rela~6es afetivas entre homens

( pai e f ilho,   irmaos,   amigos, amantes),   0texto questiona   0fato de q ue   0

homem e, ou deve ser, diferente da mulher ,   urn ser nao-afetivo. Este

ensaio   esta todo entremeado pelas experiencias pessoais do autor .   Ou

se ja,   fica clar o que ele esta vendo as quest6es "de dentro".

o segundo ensaio chama-se "Caderno T". Puramente confessional,

 possui ur n tom de anota~6es fntimas em  ur n diar io,   levando-nos a  lem-

 brar   de Ana Cristina Cesar.  0afloramento, d esnudamento do mais  fnti-

mo, particular .   Teve uma versao anterior publicad a na coletanea de contos

organizada pOI'Jose Carlos Honorio,   0amor   com   olhos de adeus.   (Sao

Paulo, Transviatta, 1995).

o terceiro ensaio e  0que da  nome ao livr o,  "0homem que amava

rapazes", pOl'em, aqui vemos   um su btftulo: "ur n   ensaio B", lembrando-

nos   Onde andar a Dulce Veiga?: um romance B ,   de Caio Fer nando

Abreu. Atraves da leitura do filme de Luchino Visconti,   Morte em Veneza,

Denilson nos fala mais do olhar do q ue da imagem.   0voyeur ism o como

"ato pedagogico, de r eed uca~ao dos sentidos, r umo a uma visao de mun-

do afetiva." (p.54). Visao essa que   0narrador, tambem voyeur, explicita

no fragmento que encerr a   0ensaio:   "Volto   0filme.   Olho mais   uma vez  0

rosto   d e Tadzio   imobilizado   no vfdeo. Levanto   da poltrona.   Desejo toca-

10.   Nao consigo evitar as   lagrimas.(   ...) Nao ha rufdos na casa.   Nao   ha

ninguem. Apenas   0dia querendo nascer ."   (p.64)

o homem que   amava   rapazes e oulros ensaios   1 1 4 -1

"E eu nao sou um  t ravesti tambem?", quarto ensaio d o livr o  ret ira

do ambito   gay a figura do travesti, chegando ate a q uestao   univer sal e

contemporanea da aparencia, a forma~ao das  nossas su b jetivid ades,   pelo

uso de mascaras, pelo  n osso   travestimento, pelo simulacro, em urn mun-

do onde a apar encia   se toma cada vez mais importante que a id entid ade,

a  ponto de confund ir a nos mesmos, como vemos no tr echo   que e ncerra   0

ensaio: "Agora eu   sou uma estrela.   A ela todos notam. Eu   sempr e f ico

quieto no meu canto.( ...) Ela busca a alegr ia, desesper adamente.   Eu vivo

com uma dol',  constantemente.(   ...) Quando escrevo estas f r ases, cada

vez tenho mais d uvidas so bre quem estou falando   q uando d igo ela e eu."(p.  84-85)

"Terceiro manifesto camp",   trata da constr u~ao d o ind ivfduo como

ideologia da civiliza~ao modema.   Ha a defini~ao do  termo "cam p" em

d uas esferas: como comportamento, pode ser comparado   a   afeta~ao de

certos homossexuais; como questao estetica, seria  0 brega   assumido. De

qualquer maneira,   e a preferencia pelo exagero.   Denilson   d iz:  "0que me

interessa e perceber    0travestimento como valor iza~ao do artif f cio como

categoria central, em estetica e   na composi~ao de uma   identid ade

 performativa d o sujeito contem poraneo." (p.I03) As categorias saDdilu-

f das.   Camp somos todos nos.

Em "Uma historia brasileira",   Denilson tra~a ur n   panorama da

homotextualidad e   na literatura brasileira,   nao sem antes pr opor como

q uestao inicial,   "0que urn olhar crftico homoerotico acrescenta   a  cultur a

 brasileira e como a re presenta<;ao da homossexualidade se tor na   ou nao

estrutural   a   sua  l iteratur a?"   ( p.121)   e chamar   a aten<;aopar a a importan-

cia da constru<;ao de memor ias altemativas   na for ma<;ao d e uma   socie-d ade multicultural.

"A viagem   e uma viagem",   trata da melancolia, como   sensi bilid a-

d e construfda pel a ex periencia da  viagem pela  vid a, pela   passagem do

tempo. Fala da   sensa<;aode se s entir estranho,   isolado, estrangeir o, tao

comum no homem contem poraneo.

 No   ensaio "Entre homens, entre lugares", a f igura   do e strangeir o

em busca d e   seu lugar   r etoma, na leitura de t extos   de Caio   Fernando

A breu,   Silviano   Santiago e Alexandre Ri bondi.

"Ond e andar a   0meu   amor?",   e uma   leitura do romance de Caio

Fernando Abr eu,   Onde  andar a Dulce Veiga?:  r omance B,  o nde, seguin-

d o a sugestao d  o subtftulo, que nos remete ao "cinema B",   Denilson

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abor d a a importiincia e a for<;adas imagens no texto.   0 ensaio   e rechea-do de referencias do cinema, musica e das   Divas do passado.

Fechando   0livro,   ha  0ensaio intitulad o   "Experiencia e esc~-itura".

Metatexto que fala sobre   0tom   a ser ad otado em urn livro d e ~nsalOse.da

experiencia pessoal do   autor .   "Tencionar    os \imites d a escnta t~l~ sldo

uma experiencia   fundamental para mim. Mas ao  ter mllla~ ~m IIvlo em

que r adicalizei   0uso da primeir a pessoa,. a expr es~ao do cntl~o no ato da

leitura,   sem temer a exposi<;ao, a auto blOgraf la, e como   se tlvesse   che-gando num limite,   meu limite.( ...) E   tempo de mudar e procur ar outr as

alternativas intelectuais,   textuais."(p.257)

o  homem que amava rapa zes e mtt r os   en.saios  e urn livro impor -

tante nao   a penas para os interessados nos   estudos gay~, mas .par a todos

aq ueles   interessados em estudos cultur ais em ger <~l,pOlSDeOllson val: _ a

cada ensaio universalizando questoes contempor aneas, de  uma manella

nova e env~lvente, que nos induz   a partilhar    de sua   visao d e   mundoafetiva.