Palimpsesto02_a10
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7/23/2019 Palimpsesto02_a10
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o HOMEM QUE AMAVA RAPAZ E S E OU T ROS ENSA I OS:
UMA VIS' AO DE MUNDO AFETIVA
LOPES, DeniIson. 0homem que amava rapazes e outros ensaios. Rio
de Janeiro: Aeroplano, 2002. 264p.
Segundo Iivro de Denilson Lopes, professor da Faculdad e de Co-
munica<;:aoda UnB, Doutor em Sociologia e Mestre em Literatura Br a-
sileira pela UnB. Atualmente e coordenador do Progr ama de
Pos-Grad ua<;:aoem Comunica<;:aod a mesma universid ade. Seu primeiro
livro e Nos os mortos: melancolia e Neo- Barroco (RJ, Sette Letr as,
1999), versao revisada e reduzid a de sua tese de doutor ado, defendida
em 1997. Como disse Silviano Santiago, na orelha deste primeiro livro,
o pronome nos, do titulo ja desmascara a inten<;:aodo narr ador d e se
a proximar do objeto de estudo, ao inves de tomar 0
distanciamento usualem ensaios. Este pronome servir a tambem como urn convite a nos leito-
res, par a que nos aproximemos e sejamos coniventes com 0narr ador na
ref lexao sugerida, ou antes, provocad a pelo texto, onde podemos ler : "E
a arte que me conduz para d entr o d e mim e para 0mundo, para a ciencia
e para a religiao, para 0 pensar e para 0 sentir, minha teoria e minha
pratica, possi bilidade fr agil, d esesper ada de alguma beleza. E por esse
pouco d e beleza que vivo. E na e pela arte que aparece 0 melhor deste
texto." (p.19)
Anunciava-se ja 0estilo pioneiro e corajoso da escrita ensafstica
d e Denilson, onde ha urn hibridismo, tao comum no pos-moder nismo,
em r ela<;:aoa fic<;:ao,constantemente penetrada pelo ensaio. Nem sempre
tal hibridismo e uma via de mao dupla, pois raramente se d a nos textos
teoricos, geralmente neutros, d escritivos, impessoais. Como disse Italo
Moriconi, no prefacio deste segundo livro, Denilson " puxa fios ate tr ans-
gredir os limites de generos (nos dois sentidos da palavr a) e chegar ao
auto biografico, ao puro liter ario. 0 puro Iiterario, que e uma f orma
despudorada de escrita."(p.14)
o tftulo 0 homem que amava r a pazes e ousado pelo que explicita
e sof isticado ao nos remeter a Ifr ica greco-latina, lembr ando-nos que a
"atra<;:ao por r apazes conf orma talvez a mais antiga forma de
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homotextualidade no Ocidente."(p.51). Ele nos deixa claro, em seu tem-
po verbal, no melhor estilo "Era uma vez ...", que 0que veremos e, como
afirma Denilson, "uma historia em primeira pessoa no dese jo d e encon-
tr ar outras." (p.20) 0f ato, contudo, de chegar esta escr ita ao autobio-
grafico, nao faz com que ela fuja de uma consistencia teorica. Ainda
segundo !talo Moriconi, 0livro e "urn ensaio estetico, fortemente a poia-
do na cr ftica liteniria e voltado para mapear sensibilidades de e poca."
(p.13)
Dez ensaios comp6em 0livro. No primeiro deles, "Escritor, gay",
Denilson contextuali za a i nstitucionaliza~ao e estabiliza~ao dos movi-mentos homossexuais, mapeia a entrada eo desenvolvimento dos estu-
dos gays nas universidades norte-americanas e brasileiras, declat'a que
prefere 0 tenno "homoafetividade" aos usuais "homossexualidade" ou
"homoerotismo", deixando claro que 0interesse, a discussao do seu tex-
to, vai muito alem do sexo-rei, levando a reflexao sobre a questao de
genero. Tratando dos diversos tipos de rela~6es afetivas entre homens
( pai e f ilho, irmaos, amigos, amantes), 0texto questiona 0fato de q ue 0
homem e, ou deve ser, diferente da mulher , urn ser nao-afetivo. Este
ensaio esta todo entremeado pelas experiencias pessoais do autor . Ou
se ja, fica clar o que ele esta vendo as quest6es "de dentro".
o segundo ensaio chama-se "Caderno T". Puramente confessional,
possui ur n tom de anota~6es fntimas em ur n diar io, levando-nos a lem-
brar de Ana Cristina Cesar. 0afloramento, d esnudamento do mais fnti-
mo, particular . Teve uma versao anterior publicad a na coletanea de contos
organizada pOI'Jose Carlos Honorio, 0amor com olhos de adeus. (Sao
Paulo, Transviatta, 1995).
o terceiro ensaio e 0que da nome ao livr o, "0homem que amava
rapazes", pOl'em, aqui vemos um su btftulo: "ur n ensaio B", lembrando-
nos Onde andar a Dulce Veiga?: um romance B , de Caio Fer nando
Abreu. Atraves da leitura do filme de Luchino Visconti, Morte em Veneza,
Denilson nos fala mais do olhar do q ue da imagem. 0voyeur ism o como
"ato pedagogico, de r eed uca~ao dos sentidos, r umo a uma visao de mun-
do afetiva." (p.54). Visao essa que 0narrador, tambem voyeur, explicita
no fragmento que encerr a 0ensaio: "Volto 0filme. Olho mais uma vez 0
rosto d e Tadzio imobilizado no vfdeo. Levanto da poltrona. Desejo toca-
10. Nao consigo evitar as lagrimas.( ...) Nao ha rufdos na casa. Nao ha
ninguem. Apenas 0dia querendo nascer ." (p.64)
o homem que amava rapazes e oulros ensaios 1 1 4 -1
"E eu nao sou um t ravesti tambem?", quarto ensaio d o livr o ret ira
do ambito gay a figura do travesti, chegando ate a q uestao univer sal e
contemporanea da aparencia, a forma~ao das nossas su b jetivid ades, pelo
uso de mascaras, pelo n osso travestimento, pelo simulacro, em urn mun-
do onde a apar encia se toma cada vez mais importante que a id entid ade,
a ponto de confund ir a nos mesmos, como vemos no tr echo que e ncerra 0
ensaio: "Agora eu sou uma estrela. A ela todos notam. Eu sempr e f ico
quieto no meu canto.( ...) Ela busca a alegr ia, desesper adamente. Eu vivo
com uma dol', constantemente.( ...) Quando escrevo estas f r ases, cada
vez tenho mais d uvidas so bre quem estou falando q uando d igo ela e eu."(p. 84-85)
"Terceiro manifesto camp", trata da constr u~ao d o ind ivfduo como
ideologia da civiliza~ao modema. Ha a defini~ao do termo "cam p" em
d uas esferas: como comportamento, pode ser comparado a afeta~ao de
certos homossexuais; como questao estetica, seria 0 brega assumido. De
qualquer maneira, e a preferencia pelo exagero. Denilson d iz: "0que me
interessa e perceber 0travestimento como valor iza~ao do artif f cio como
categoria central, em estetica e na composi~ao de uma identid ade
performativa d o sujeito contem poraneo." (p.I03) As categorias saDdilu-
f das. Camp somos todos nos.
Em "Uma historia brasileira", Denilson tra~a ur n panorama da
homotextualidad e na literatura brasileira, nao sem antes pr opor como
q uestao inicial, "0que urn olhar crftico homoerotico acrescenta a cultur a
brasileira e como a re presenta<;ao da homossexualidade se tor na ou nao
estrutural a sua l iteratur a?" ( p.121) e chamar a aten<;aopar a a importan-
cia da constru<;ao de memor ias altemativas na for ma<;ao d e uma socie-d ade multicultural.
"A viagem e uma viagem", trata da melancolia, como sensi bilid a-
d e construfda pel a ex periencia da viagem pela vid a, pela passagem do
tempo. Fala da sensa<;aode se s entir estranho, isolado, estrangeir o, tao
comum no homem contem poraneo.
No ensaio "Entre homens, entre lugares", a f igura do e strangeir o
em busca d e seu lugar r etoma, na leitura de t extos de Caio Fernando
A breu, Silviano Santiago e Alexandre Ri bondi.
"Ond e andar a 0meu amor?", e uma leitura do romance de Caio
Fernando Abr eu, Onde andar a Dulce Veiga?: r omance B, o nde, seguin-
d o a sugestao d o subtftulo, que nos remete ao "cinema B", Denilson
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abor d a a importiincia e a for<;adas imagens no texto. 0 ensaio e rechea-do de referencias do cinema, musica e das Divas do passado.
Fechando 0livro, ha 0ensaio intitulad o "Experiencia e esc~-itura".
Metatexto que fala sobre 0tom a ser ad otado em urn livro d e ~nsalOse.da
experiencia pessoal do autor . "Tencionar os \imites d a escnta t~l~ sldo
uma experiencia fundamental para mim. Mas ao ter mllla~ ~m IIvlo em
que r adicalizei 0uso da primeir a pessoa,. a expr es~ao do cntl~o no ato da
leitura, sem temer a exposi<;ao, a auto blOgraf la, e como se tlvesse che-gando num limite, meu limite.( ...) E tempo de mudar e procur ar outr as
alternativas intelectuais, textuais."(p.257)
o homem que amava rapa zes e mtt r os en.saios e urn livro impor -
tante nao a penas para os interessados nos estudos gay~, mas .par a todos
aq ueles interessados em estudos cultur ais em ger <~l,pOlSDeOllson val: _ a
cada ensaio universalizando questoes contempor aneas, de uma manella
nova e env~lvente, que nos induz a partilhar de sua visao d e mundoafetiva.