Pandemonium Em Veneza

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Pandemonium em Veneza! No 900º aniversário da dedicação da Basílica de São Marcos, durante um simpósio acadêmico sobre o Evangelho de Marcos, exegetas, papirologistas, estudiosos do Novo Testamento e católicos interessados quase chegaram às vias de fato por causa "historicidade" dos Evangelhos, acusando-se mutuamente de 'fundamentalismo bíblico' e 'atitudes anti-conciliares' (de um lado) e de 'interpretes ultraliberais' e 'atos de Nova Era (de outro). Por que tudo isso? A história começa com um fragmento de papiro (espécie de papel do mundo antigo feito da cana) com o tamanho de um selo postal. No mundo dos estudos bíblicos, este fragmento tornou-se o centro de uma intensa controvérsia porque ameaça desfazer décadas de pesquisa bíblica erudita. A Conferência de S. Mark, convocada em Veneza em 30 de maio, reuniu os principais biblistas de todo o mundo. No centro das atenções estava o jesuíta espanhol Padre Jose O 'Callaghan, que afirma ter identificado o fragmento controverso como um pedaço do Evangelho de Marcos, e o papirologista alemão Carsten Peter Thiede, que concorda com O'Callaghan. O que se segue é uma reconstrução da descoberta e do debate gerado em torno dela. A Descoberta Em 1972, o Padre O'Callaghan, então um jovem professor respeitado no Pontifício Instituto Bíblico - o Reitor na época era o atual cardeal arcebispo de Milão, Carlo Maria Martini - fez uma afirmação surpreendente. Ele argumentou em um artigo no Instituto de pesquisa da revista ‘Bíblica’ que um fragmento minúsculo de texto encontrado em 1947 em um dos Cavernas de Qumran, perto do Mar Morto, na Terra Santa - o quinto fragmento retirado de Caverna 7 (assim a sua identificação abreviada como "Fragmento 7Q5") - continha um texto do Evangelho de São Marcos, e que a caligrafia datava entre 50 aC e 50 dC. A identificação não foi um muito fácil já que o fragmento contém apenas 11 letras do alfabeto grego não sendo se quer uma palavra completa. Mas O'Callaghan, que é famoso por ter feito uma série de identificações inteligentes de fragmentos gregos minúsculos durante sua carreira (ele contou <Inside the Vatican> que acredita ter "um dom" para a identificação desses fragmentos), estava convencido de que as letras eram do capítulo 6 do Evangelho de Marcos, a partir do final do versículo 52: ‘pois não tinham entendido nada a respeito dos pães, mas seu coração estava endurecido’ e o início da versículo 53 ("E terminada a travessia alcançaram terra em Genesaré, e atracaram. "). Um grupo de letras chamou a atenção de O'Callaghan: as quatro letras no centro do fragmento "<NNES.>" As letras o intrigavam. De repente, atentou para qual palavra lembravam: as quatro letras do meio da palavra "Genessaré." Quando verificou as diversas passagens em que a palavra "Genesaré" aparece no Bíblia, apenas um tinha palavras em torno dela que se encaixavam nas outras letras que ele podia ler no pergaminho: Marcos 6: 52-53. Completamente atônito (pois sabia que, se a identificação fosse correta, teria descoberto o texto mais antigo do Evangelho que possuímos), O'Callaghan consultou o seu Reitor, Martini, em seguida, publicou sua descoberta. Isso

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Pandemonium em Veneza! No 900 aniversrio da dedicao da Baslica de So Marcos, durante um simpsio acadmico sobre o Evangelho de Marcos, exegetas, papirologistas, estudiosos do Novo Testamento e catlicos interessados quase chegaram s vias de fato por causa "historicidade" dos Evangelhos, acusando-se mutuamente de 'fundamentalismo bblico' e 'atitudes anti-conciliares' (de um lado) e de 'interpretes ultraliberais' e 'atos de Nova Era (de outro).Por que tudo isso? A histria comea com um fragmento de papiro (espcie de papel do mundo antigo feito da cana) com o tamanho de um selo postal. No mundo dos estudos bblicos, este fragmento tornou-se o centro de uma intensa controvrsia porque ameaa desfazer dcadas de pesquisa bblica erudita. A Conferncia de S. Mark, convocada em Veneza em 30 de maio, reuniu os principais biblistas de todo o mundo. No centro das atenes estava o jesuta espanhol Padre Jose O 'Callaghan, que afirma ter identificado o fragmento controverso como um pedao do Evangelho de Marcos, e o papirologista alemo Carsten Peter Thiede, que concorda com O'Callaghan.O que se segue uma reconstruo da descoberta e do debate gerado em torno dela. A Descoberta Em 1972, o Padre O'Callaghan, ento um jovem professor respeitado no Pontifcio Instituto Bblico - o Reitor na poca era o atual cardeal arcebispo de Milo, Carlo Maria Martini - fez uma afirmao surpreendente. Ele argumentou em um artigo no Instituto de pesquisa da revista Bblica que um fragmento minsculo de texto encontrado em 1947 em um dos Cavernas de Qumran, perto do Mar Morto, na Terra Santa - o quinto fragmento retirado de Caverna 7 (assim a sua identificao abreviada como "Fragmento 7Q5") - continha um texto do Evangelho de So Marcos, e que a caligrafia datava entre 50 aC e 50 dC.A identificao no foi um muito fcil j que o fragmento contm apenas 11 letras do alfabeto grego no sendo se quer uma palavra completa. Mas O'Callaghan, que famoso por ter feito uma srie de identificaes inteligentes de fragmentos gregos minsculos durante sua carreira (ele contou que acredita ter "um dom" para a identificao desses fragmentos), estava convencido de que as letras eram do captulo 6 do Evangelho de Marcos, a partir do final do versculo 52: pois no tinham entendido nada a respeito dos pes, mas seu corao estava endurecido e o incio da versculo 53 ("E terminada a travessia alcanaram terra em Genesar, e atracaram. ").Um grupo de letras chamou a ateno de O'Callaghan: as quatro letras no centro do fragmento "" As letras o intrigavam. De repente, atentou para qual palavra lembravam: as quatro letras do meio da palavra "Genessar." Quando verificou as diversas passagens em que a palavra "Genesar" aparece no Bblia, apenas um tinha palavras em torno dela que se encaixavam nas outras letras que ele podia ler no pergaminho: Marcos 6: 52-53.Completamente atnito (pois sabia que, se a identificao fosse correta, teria descoberto o texto mais antigo do Evangelho que possumos), O'Callaghan consultou o seu Reitor, Martini, em seguida, publicou sua descoberta. Isso gerou uma tempestade de controvrsia, primeiro entre um limitado grupo de especialistas, e depois em toda a mdia de massa. Cada aspecto do fenmeno foi analisado: a leitura das diversas letras de O'Callaghan (ser que identificou cada letra de forma correta?); a correspondncia entre 7Q5 e do Evangelho de Marcos (ser que a passagem no poder vir de outro lugar?); e, acima de tudo, a datao o fragmento (poderia realmente do perodo entre 50 aC e 50 dC?).

Numerosas DificuldadesEm seu primeiro artigo (h vrios na medida em que a controvrsia vai se desenvolvendo), O'Callaghan afirmou que utilizou o mtodo do estilo da escrita do fragmento como padro de datao. Visto que 7Q5 foi escrita em Zitierstil (estilo ornamental), usado a partir de 50 aC at 50 AD (essa foi a data observada pelo palegrafo da Universidade de Oxford, Colin H. Roberts), o fragmento era necessariamente datado entre 40-50 AD (Tinha que ser pouco anos aps a morte de Jesus, mas antes de 50 AD). Alm disso, estava claro para O'Callaghan que o fragmento 7Q5 no poderia ser datado aps 68 dC, ano em que as cavernas de Qumran foram seladas pela Decima Legio Fretensis (A Legio romana de Vespasiano). Naquele ano, Vespasiano, marchando em direo a Jerusalm, havia chegado ao Mar Morto e ordenado que suas tropas se espalhassem e massacrassem a pequena comunidade monstica de judeus da regio.Pergaminhos e cdices dos monges foram escondidos em cavernas naturais (as cavernas de Qumran), e permaneceram desconhecidos at que foram descobertos por acidente por bedunos em 1947.

Implicaes Teolgicas Para entender a consternao causada pela descoberta de O'Callaghan, devemos considerar o contexto histrico. De acordo com os tradicionais (representados na Conferncia de Veneza por membros do Movimento Italiano 'Comunho e Libertao'), as descobertas de O'Callaghan "revoluciona" a datao dos evangelhos que, at bem pouco tempo, quase todos os estudiosos atribuiam a data entre 70 e 120 dC. O mais importante, entretanto, no a data em si, mas 'o uso que uma data to recente pode causar' na guerra ideolgica que agora assola a Igreja sobre o legado de Vaticano II e, mais geralmente, a relao do catolicismo com a modernidade.