Pânico de Palco - Modernismo, Antiteatralidade e Drama - Martin Puchner
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vol. 13, n. 1, jun 2013, p. 13-46Em pauta
Pnico de Palco: Modernismo, Antiteatralidade e Drama
Martin Puchner1
A Inveno da Teatralidade
Stage Fright2 (1950) de Alfred Hitchcock o mistrio de um assassinato ambien-
tado no submundo3 do teatro. Marlene Dietrich interpreta uma diva cujo luto pelo marido
assassinado to obviamente teatral que ela se torna imediatamente a suspeita
nmero um do filme. Ela seguida por uma jovem estudante de artes dramticas, que
prepara uma armadilha para revelar sua culpa. Esperando avidamente pela exposio
da diva, a audincia caminha em direo a outro tipo de armadilha, atrados pelo inte-
ligente contraste entre a atriz imoral, em quem no podemos confiar, pois a atuao
se tornou sua segunda natureza, e a novata, em quem podemos confiar por sua inex-
perincia de palco. O assassino, porm, no a diva, mas um psicopata que j havia
matado antes. Observa-se que o pnico de palco4 a que o filme de Hitchcock se refere
no o medo do ator diante da plateia, mas o medo do ator por parte da plateia.5
Tal medo ou suspeita, que evocado por Hitchcock a fim de apresent-lo
nossa apreciao crtica, parte de um aparentemente inerradicvel e moralizante
antiteatralismo, o qual Jonas Barish chamou de preconceito antiteatral. Tal precon-
ceito diverso em seus fundamentos filosficos, religiosos e morais, se no em suas
concluses, pois permanece retomando um nmero limitado de obsesses: a imorali-
1 Puchner crtico literrio e filsofo. Atualmente professor na Harvard University.
2 Lanado no Brasil como Pavor nos Bastidores.
3 Nota do Tradutor: o termo original demimonde refere-se a um submundo especfico, precisamente a determinado grupo de mulheres marginalizadas pela sociedade por conta de comportamento promscuo e muitas vezes envolvendo homens ricos. Uma posio intermediria entre a indiscrio e a prostituio. Tambm pode-se consider-lo como sendo um grupo de pessoas cuja respeitabilidade seja dbia.
4 Pnico de palco seria a traduo ao p da letra do ttulo do filme.
5 Uma mdia mais nova, o filme, reflete aqui uma ansiedade que prpria de uma mdia mais antiga, o teatro.
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dade da exposio pblica, de excitar a plateia, e, de modo mais importante, daqueles
que praticam profissionalmente a arte da dissimulao. E assim, ns, amantes do
teatro, podemos ficar tentados a considerar todas as formas de antiteatralismo como
sintomas de um preconceito do qual a cultura precisa ser curada para que o teatro
possa progredir. O impulso para proteger o teatro de todos os inimigos antiteatrais tem
seus polmicos mritos, e a eficcia da isca de Hitchcock demonstra a necessidade
contnua de tal proteo. Mas ao mesmo tempo, a postura defensiva que resultado
de tal protecionismo tambm tem seu preo: a tentativa de desfazer ou exorcizar o
antiteatralismo obscurece o fato de que a suspeita pelo teatro desempenha um papel
constitutivo no perodo do modernismo, especialmente no teatro e no drama moder-
nistas. Ao contrrio de simplesmente desconsiderar a crtica modernista ao teatro
como sendo preconceito infundado, cegueira ou ideologia, devemos, porm, perguntar
o porqu de ser uma tradio substancial dentro do modernismo achar-se necessrio
definir a si mesmo em contrariedade com o teatro.
A melhor maneira de caracterizar esta dinmica constitutiva antiteatral dentro
do modernismo como sendo uma forma de resistncia. No necessrio recorrer a
Freud para compreender o quanto o ato de resistncia acaba determinado por aquilo
contra o que se resiste. A negao e a rejeio inerentes ao termo antiteatralismo no
so, portanto, para serem compreendidos como a destruio do teatro, mas como
sendo um processo que dependente daquilo que nega e em relao ao qual, portanto,
permanece calibrado. Mesmo as formas mais duras de antiteatralismo modernista se
alimentam do teatro e o mantm ao alcance da mo. A resistncia registrada no prefixo
anti, por conseguinte, no descreve um local fora do horizonte do teatro, mas uma
variedade de posturas atravs das quais o teatro mantido ao alcance da mo e, no
processo de resistncia, absolutamente transformado.
Ao analisar um impulso antiteatral dentro do perodo do modernismo, no desejo
aparecer com mais uma teoria monoltica do modernismo. Conforme Richard Sche-
ppard argumentou recentemente, tentativas como esta falharam desde que o termo
modernismo foi utilizado pela primeira vez. Ao mesmo tempo, no me contento em
anunciar uma pluralidade indiferenciada de modernismos, um posicionamento que
no trata de discutir sobre o que seja o modernismo, mas apenas uma recusa a tal
discusso. Navegando entre uma teoria monoltica do modernismo e uma feliz plura-
lidade de modernismos, defendo que existe uma tradio dentro do modernismo que
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pode ser descrita em termos de suas vrias formas de resistncia ao teatro, mas
prontamente reconheci que h modernismos que no caem na categoria de antitea-
tralismo. Na verdade, defendo que o antiteatralismo modernista encontra sua contra-
parte em uma segunda tradio, que eu chamo de (pro)teatralismo. A diferena entre
antiteatralismo e (pro)teatralismo no tanto uma dicotomia estvel, mas sim uma
ferramenta para se analisar uma variedade de posies e fenmenos que viro a ser
variadamente entrelaadas e interligadas.
A fim de compreender as caractersticas da resistncia ao teatro dentro do perodo
do modernismo, pode-se recorrer queles tericos que explicitamente definem os valores
do modernismo atravs de um ataque ao teatro: Friedrich Nietzsche, Walter Benjamin e
Michael Fried. Em 1888, Nietzsche afirmou que o teatro era incapaz de alcanar coerncia
orgnica e deveria, portanto, ser impedido de exercer sua deplorvel influncia sobre as
outras artes: Teatrocracia [Theatokratie] -, a loucura de acreditar na primazia do teatro,
no direito do teatro comandar as artes, de se comandar a arte. (NIETZSCHE 1991) Niet-
zsche, aqui, toma o teatro como uma fora que impe seu comando sobre as outras
artes, levando a uma teatrocracia, uma forma de governo teatral. Segundo Nietzsche,
esta teatrocracia particularmente evidente em Wagner que sujeita qualquer arte, at
mesmo a msica, primazia da representao teatral e, em particular, dos atores; o
resultado uma msica que adquiriu atributos do teatro e da interpretao, o que Niet-
zsche chamou de maneira polmica de msica cnica ou gestual. Se for surpreendente
encontrar o autor de The Birth of Tragedy (1871) condenando abertamente o teatro com
tanta veemncia, pode ser bom lembrarmos que a anlise de Nietzsche da tragdia
grega continha a impossvel projeo de um teatro sem script, sem uma plateia, e, de
modo mais importante, sem atores individuais ou individualizados. Podemos comear
a reconhecer aqui que o uso derrogatrio de Nietzsche do termo teatro uma objeo
especfica de Nietzsche contra atores e seus gestos.
A posio antiteatral de Nietzsche ecoada, algumas vezes ipsis litteris, por
Michael Fried, que igualmente considera que o teatro, ou a teatralidade, seja simples-
mente o inimigo da arte. (FRIED, 1998) O entendimento repulsivo do teatro de Fried,
assim como o de Nietzsche, se preocupa primariamente com a influncia do teatro
sobre outras artes, em seu caso no sobre a msica, mas sobre pintura e escultura.
E novamente encontramos uma crtica particular ao ator motivando essa postura anti-
teatral. Nas formulaes frequentemente metafricas de Fried, pinturas ou esculturas
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teatrais so descritas como se fossem atores; tais esculturas esto cientes da audi-
ncia e dessa forma perdem sua unidade e integridade autossuficientes, no processo
em que comeam a lembrar fteis atores humanos se insinuando para a plateia. De
fato, Fried atribui a tais obras teatrais uma qualidade antropomrfica que conduz a
uma espcie de naturalismo personificado. (FRIED, 1998, p.19) A suspeita do ator
vivo que fala atravs da linguagem figurada de Fried se torna aparente quando ele diz
que a nica forma de arte segura de tais efeitos antropomrficos deplorveis o filme.
Em contraste com o teatro infinitamente personalizante, o filme no apenas retira os
atores da presena da plateia, como tambm os corta em pedaos atravs de close-
-ups e montagem. (FRIED, 1998, p.171)
Foi Walter Benjamin quem transformou esta diferena de postura entre o teatro
e o cinema em relao aos atores em uma teoria geral de arte modernista. Para ele,
o teatro, mais do que qualquer outra forma de arte, retira do ritual seu investimento
na intensa presena viva que conecta o ator ao pblico. Esta presena vivencial, e
por isso nica, significa que o teatro est empossado de maneira singular do que
Benjamin chama de aura, que transforma esta personagem viva em um valor abso-
luto. Para Benjamin, este uso do termo aura ele mesmo uma retroprojeo, pois seu
ensaio est mais preocupado com a maneira pela qual o filme foge desta qualidade
aurtica por transformar o ator humano intrprete em nada mais do que um material
dentre outros, um material que infinitamente manipulado, fragmentado, e desper-
sonificado por um aparato que agora media a relao entre o ator e o pblico. Posto
que A Obra de Arte na poca de sua Reprodutibilidade Tcnica deriva todos os seus
termos negativos do teatro, ele deve ser compreendido menos como um tratado pr-
-filme e mais como um tratado antiteatral em que o ator vivo se torna um obstculo a
uma arte verdadeiramente modernista.
A natureza extrema e polmica dessas declaraes podem ser explicadas em
parte por seus respectivos contextos: a ruptura de Nietzsche com Wagner (aproxima-
damente entre 1876 e 1878); os ataques de Fried ao minimalismo de 1967; e a tentativa
de Benjamin de entrar em termos com as implicaes do filme em 1934. Considerar
esses contextos tambm significa reconhecer que os ataques desses tericos ao teatro
no indicam uma simples rejeio a ele. Nietzsche, por exemplo, procurou introduzir
uma forma de teatralidade em sua filosofia; Benjamin foi atrado pelo drama alegrico
do alemo Trauerspiel; e a polmica de Fried no se dirige contra o teatro per se, mas
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contra certos tipos de pintura e escultura; ele at mesmo admira Brecht por voltar o teatro
contra si mesmo. Mesmo assim, as articulaes antiteatrais desses diferentes tericos
apontam para alm dos contextos polmicos e em direo a uma maior, e tambm mais
difusa, tendncia operativa antiteatral dentro do perodo do modernismo.
Traos de tais formas tericas de antiteatralismo podem ser encontradas, por
exemplo, no trabalho de Theodor W. Adorno. Adorno herda de Nietzsche uma crtica
msica teatral e gestual, que dirige, ento, no apenas contra Wagner, mas tambm
contra Stravinsky, a quem acusa de deixar o bal influenciar sua msica, fazendo com
que regrida para o nvel de brincadeiras gestuais de crianas. (ADORNO, 1978, p.150)
Para toda a distinta teoria de Adorno sobre a mimese e sua defesa da mimese contra
seus detratores formalistas o que existe por trs de sua crtica a Wagner e Stravinsky
a crtica a uma forma primitiva de mimese que lembra Adorno das performances
do tipo macacos que parecem humanos se apresentam nos zoolgicos. (ADORNO,
1970, p.181) Essa mimese primata ou picaresca no deve ser simplesmente reprimida;
ela precisa ser internalizada e lembrada alegremente [trstlich] para o propsito
expresso de evitar o tipo de regresso de que Stravinsky culpado. Somente quando
houver negado com sucesso tal mimese primata, a arte poder integrar a mimese de
uma forma propriamente modernista.
Contemplando essas formulaes esparsas, comea-se a suspeitar que os
macacos e palhaos que simbolizam uma forma atvica de mimese so figuras para o
ator de baixa qualidade. Quando lemos os ensaios de Adorno sobre Brecht e Beckett
sob esta luz, fica claro que para ele o sucesso do modernismo no teatro depende da
habilidade do teatro para resistir ao pessoal, o individual, o humano, e o mimtico os
quais esto todos amarrados ao atores que encenam. Na verdade, Adorno defende
que a dependncia do teatro na individuao um fardo insustentvel do qual mesmo
Brecht sofreu, mas contra o qual ele se rebelou com sucesso. Beckett, entretanto,
o dramaturgo que lidou com este fardo mais convincentemente, ao atacar impla-
cavelmente a presena de realidade e pessoas no teatro e por transformar essas
pessoas em mscaras vazias. (ADORNO, 1974) Atores humanos vivos so permi-
tidos apenas quando esto absolutamente despersonificados. O que impressionante
sobre Adorno, Fried e Benjamin que seus vrios antiteatralismos so baseados no
em ataques externos ao teatro, mas ao prprio teatro modernista. O fato de Brecht e
Beckett permanecerem entrando nessas polmicas no como exemplo do que h de
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errado com o teatro, mas como solues para essas objees dos tericos ao teatro
pode servir como uma primeira indicao do papel formador e produtivo desempe-
nhado pelo antiteatralismo para o drama e o teatro modernos.
O que est por trs dos ataques antiteatralistas contra os atores no a suspeita
mais tradicional, moralizante, de que atrizes so prostitutas (ou, no caso de Marlene
Dietrich, inclinadas a assassinarem seus maridos), nem os outros aparentemente iner-
radicveis topoi do tradicional preconceito antiteatral (que eles subvertem a ordem
social; que eles ensinam trapaas e mentiras), mas um conjunto de valores especifi-
camente modernistas que um dos propsitos do meu estudo detalhar. No que as
formas modernistas de antiteatralismo no bebam do preconceito mais antigo, mora-
lizante. Mas no importa a que ponto os crticos modernistas do teatro ainda estejam
imbudos deste preconceito, eles o integram em um novo e especificamente moderno
conjunto de questes. O que eles tendem a objetar uma forma particular de mimese
atuante no teatro, uma mimese causada pela posio desconfortvel do teatro entre
as artes performticas e mimticas. Enquanto uma arte performtica como msica ou
bal, o teatro depende da habilidade artstica de intrpretes humanos vivos no palco.
Enquanto uma arte mimtica como pintura ou cinema, porm, ele precisa usar esses
intrpretes humanos como material significante a servio do projeto mimtico. Uma
vez que a natureza da mimese esteja submetida ao escrutnio e a ataques, como
est no modernismo, essa dupla filiao do teatro se torna um problema porque, dife-
rente da pintura ou do cinema, o teatro permanece ligado aos intrpretes humanos
no importa o quo alienada possa ser sua atuao. O teatro acaba ficando, assim,
fundamentalmente em conflito com uma crtica, ou complicao, mais amplamente
divulgada da mimese porque essa crtica requer que o material usado no trabalho
artstico seja capaz de abstrao e distanciamento. Diretores podem tentar distan-
ciar ou despersonificar esses humanos intrpretes, treinando e controlando seus
movimentos e gestuais, e a anlise de Joseph Roach da cincia da atuao traa a
histria dessas tentativas. (ROACH, 1993) Mas a personificao do ator permanece
mesmo assim travada fundamentalmente em um tipo de mimese no mediado que
impede a obra de arte de atingir estruturas internas complexas, reflexividade distan-
ciada e constituio formal.
A problemtica presena do ator humano no palco tem sido obscurecida por
muitos ramos da semitica do teatro, que tende a assumir que assim que um corpo
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humano enquadrado pelo palco, ele automaticamente se torna um signo, como se
por definio. Entretanto, declarar simplesmente que os atores sejam signos homo-
materiais os humanos (ao contrrio da tinta) significando outro humano tende a
apagar as tenses e problemas particulares causado pela presena continuada de
atores humanos na produo desses signos. Um problema premente que nenhum
controle total sobre a emisso desses signos jamais ser possvel. Do ponto de vista
da recepo, esse fato gera uma crise dos signos teatrais: nunca saberemos exata-
mente quais gestuais e movimentos so parte do trabalho artstico e quais deles so
resultados de acidentes no palco. Enquanto esta incerteza pode no ser um problema
para o aparato semitico formal, ele um problema para a plateia, que continua
a estar diante daquilo que no pode deixar de ver como contingncias, acidentes,
maneirismos individuais e idiossincrasias. O mesmo problema aparece do lado da
produo. Reformadores do teatro tais como Edward Gordon Craig insistem em reter
total controle sobre seu material e por conta disso, tentam substituir atores vivos por
marionetes, enquanto outros tais como Oskar Schlemmer, Nicolai Foregger e Vsevolod
Emilievich Meyerhold tentam transformar o ator humano em uma mquina. Mesmo
D. H. Lawrence escreveu que drama encenado por criaturas simblicas formadas
a partir da conscincia humana: tteres, se preferir: mas no indivduos humanos.
Nosso palco est todo errado, to aptico em sua personalidade. (LAWRENCE, 1989,
p.201-2) Esses diversos escritores parecem concordar em uma coisa; a dependncia
do teatro em seus atores humanos sua maior desvantagem, e um teatro modernista
apenas pode surgir do ataque contra eles. Esta agresso contra o ator, pode-se dizer
tambm que causou o que Elianor Fuchs chama de morte da personagem: uma vez
que a figura do ator esteja sob ataque ele no pode mais prometer personificar o que
era anteriormente conhecido como uma personagem. (FUCHS, 1996)
Para se compreender a emergncia de uma resistncia modernista contra o teatro,
necessrio examinar a tradio contra a qual este antiteatralismo reage e, assim sendo,
pela qual moldada: a ascenso, no final do sculo XIX, de uma celebrao sem prece-
dentes do teatro e da teatralidade que se poderia chamar de teatralismo. difcil no ser
afetado pela energia nervosa daqueles reformistas e revolucionrios do teatro da virada
do sculo que tomaram para si o trabalho de resgatar o teatro daquilo que eles pensavam
como sendo seu acelerado declnio. Se os sintomas desse declnio a ganncia dos
gerentes do teatro, a vaidade dos atores que eram estrelas, o trabalho convencional,
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comercial dos dramaturgos, e os gostos vulgares das plateias podem nos impres-
sionar enquanto topoi familiares na histria do teatro, as concluses que esses utpicos
do teatro tiraram delas, no. Sua crtica ao teatro contemporneo no se encarregava
tanto de melhorar o gerenciamento, atores, dramaturgos e plateias quanto de resgatar e
promover o teatro, ou a teatralidade, como tal. A retrica tautolgica desses reformistas
foi capturada em uma frase cunhada por George Fuchs em 1904: a re-teatralizao do
teatro. (FUCHS, 1905) Esse slogan foi ecoado pela nova classe de estrelas da direo e
por tericos, que tentavam arrancar o teatro das mos dos atores e produtores; isso pode
ser encontrado, por exemplo, em On the Art of the Theatre (1911) de Edward Gordon
Craig, La mis-en-scne du drame Wagnrien (1895), Rejuvenation of the Theatre (1913),
e The Theater as Such (1913) de Nicolai Evrainov. (FISCHER-LICHTE, 1997) Tais posi-
es foram subsequentemente tomadas por extremas pela emergente vanguarda: F.T.
Marinetti declarou em 1915 que tudo de qualquer valor teatral (MARINETTI, 1968,
p.117); os dadastas fizeram de tudo para arrastar todas as artes para o Cabaret Voltaire;
e Antonin Artaud clamou por uma fuso entre a vida e o teatro. O que comeamos a
verificar aqui que a polarizao entre antiteatralismo e teatralismo corresponde at
certo ponto distino feita por um certo nmero de tericos entre alto modernismo e
vanguarda. Podemos, assim, falar de um antiteatralismo modernista e um teatralismo
de vanguarda.
Porm, estou menos interessado em manter a velha distino entre alto moder-
nismo e vanguarda do que em reformul-la em termos de antiteatralismo e teatra-
lismo. Na verdade, antiteatralismo modernista e teatralismo de vanguarda s vezes
chegam a concluses similares, por exemplo, uma crtica do teatro atual. O desejo
de ir alm dos espaos circunscritos do teatro deixou alguns dos teatralistas insatis-
feitos no apenas com o palco e seus atores mimticos, mas com quase todas as
formas existentes de teatro, um atributo visvel, por exemplo, na exigncia de Mari-
netti de uma teatralit senza teatro (teatralidade sem teatro) (1968). As formas mais
radicais de teatralismo, assim, chegam a algumas das mesmas concluses quelas
alcanadas pelo antiteatralismo, e s vezes uma crtica particular ao teatro parece
pertencer a ambos os campos (um exemplo Craig, outro, talvez, Nietzsche). Isso
no significa, no entanto, que uma diviso no possa ser traada entre os ataques ao
teatro motivados por uma celebrao do valor da teatralidade e aqueles motivados por
uma resistncia a ela. O que a concordncia parcial entre proteatralistas e antiteatra-
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listas demonstra uma irreversvel dissociao do valor da teatralidade a partir das
realidades do teatro real. Essa dissociao tem implicaes de longo alcance, com a
mais importante sendo no que o pr-teatralismo possa se voltar contra o teatro real,
mas, inversamente, que o antiteatralismo possa retornar ao teatro. Se existe, conforme
Marinetti sugere, uma teatralidade sem teatro, ento tambm existe um teatro sem
teatralidade. O drama e o teatro modernistas podem ser considerados exatamente
isso, um teatro em conflito com o valor da teatralidade. Uma anlise do teatro antitea-
tral demanda no uma histria descritiva do teatro, mas uma histria do valor do teatro
ou da teatralidade, o que poderia ser chamado, emprestando o termo de Nietzsche,
uma genealogia do teatro.
No nada surpreendente que os discursos contemporneos sobre o teatro no
sejam simpticos resistncia modernista contra o teatro. Inmeros artigos na rea do
teatro e estudos performticos comeam com um ataque aos supostos inimigos do
teatro, tais como Michael Fried. Esses ataques tm valor limitado, nem tanto por no
fazerem justia teoria de Fried, mas porque eles perpetuam a relutncia ou incapa-
cidade por parte dos estudos do teatro de tomar o antiteatralismo por qualquer coisa
que no seja uma fora do mal. Ao mesmo tempo, a maioria das prticas tericas que
ajudaram a institucionalizar o modernismo literrio Nova Crtica, formalismo, estru-
turalismo e desconstrucionismo tenderam a negligenciar a categoria do teatro. Yvor
Winters e Helen Vendler, por exemplo, reduziram abertamente as peas de Yeats a lite-
ratura potica que nada tem a ver com o teatro. (VENDLER, 1963; WINTERS, 1960)
Jacques Derrida est empenhado demais em incluir o teatro sob uma criture geral para
reconhecer no teatro textual de Mallarm uma resistncia ao teatro. (DERRIDA, 1972)
Mesmo semioticistas explicitamente devotados a analisar a pluralidade de sistemas
de signos no teatro, tais como Patrice Pavis, rotineiramente se apoiam na noo de
texto performtico, enquanto outros, tais como Anne Ubersfeld, usam o ato de ler para
descrever a atividade de se assistir uma pea, como se eles simplesmente no fossem
capazes de surgir com uma teoria de emisso e recepo de signos que no fosse no
mnimo modeladas metaforicamente na escrita. O problema com tais leituras no ,
como acadmicos da rea de estudos do teatro certas vezes argumentam, que eles
falhem em celebrar escritores tais como Yeats ou Mallarm como gnios negligenciados
do teatro. Pelo contrrio, o completo apagamento da categoria do teatro os torna inca-
pazes de analisar a resistncia desses escritores ao teatro, que , por sua vez, a carac-
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terstica central de sua obra. Poderia-se dizer, ento, que justamente como o estudo
contemporneo do teatro tende a continuar o teatralismo de vanguarda em virtude de
sua dedicao amplamente acrtica ao valor do teatro, o estudo do modernismo literrio
tende a perpetuar o antiteatralismo modernista atravs de um apagamento acrtico da
categoria do teatro. Neste livro, tento relacionar criticamente estas duas tradies entre
si, no com a pretenso de me colocar inteiramente de fora dessa histria do valor, mas
com a esperana de que uma reflexo sobre essa histria possa conduzir genealogia
do valor de teatralidade que o teatro modernista demanda.
A fim de se compreender o teatralismo triunfante da vanguarda e, portanto, a
resistncia modernista a ela, necessrio no apenas olhar adiante, em direo aos
estudos contemporneos de teatro, mas tambm olhar para trs, para a figura qual
os partidrios do teatro continuam a se referir de uma forma ou de outra, e de quem
derivam seus principais slogans, que Richard Wagner. por esta razo que meu
estudo comea atribuindo a Wagner, que tambm foi a primeira estrela moderna da
direo, a inveno do que subsequentemente se tornou o teatralismo de vanguarda.
Neste sentido, foi graas a Wagner que a teatralidade foi acusada por todo o fervor refor-
mista, revolucionrio e utpico que caracterizam seus prprios manifestos ou escritos
do tipo manifesto e aqueles da vanguarda histrica. Porm, ao invs de imaginar
alguma forma de teatralidade abstrata, terica, Wagner insistiu que essa noo de
teatralidade deve ser realizada sobre um palco real na forma do Gesamtkunstwerk. A
importncia de Wagner para o modernismo reside, ento, no fato dele haver tomado o
teatro como valor absoluto, e ao mesmo tempo, aspirou realizar seu valor no teatro.
precisamente porque Wagner transformou o teatro em um valor que ele foi celebrado
pela vanguarda, e pela mesma razo, ele se tornou o objeto dos ataques modernistas
antiteatrais mais polmicos. (HUYSSEN, 1986, p.42) Isso pode ser chamado de efeito
Wagner: forar as artes a tomar uma postura definida em direo ao teatro teatrali-
zado. Destaca-se aqui pois a emergncia de uma ambivalncia modernista sobre o
teatro nos escritos dos crticos de Wagner, para quem ele, quase como uma diva do
palco, continua a simbolizar tudo o que pode ser grandioso e fascinante, mas tambm
perigoso e objetvel, sobre o teatro e a teatralidade.
Uma vez que reconheamos que os valores estticos centrais dominantes no
perodo do modernismo brotam de uma resistncia ao teatro, podemos questionar por
que esses valores surgiram, antes de tudo. Quais eram as condies sob as quais uma
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tradio interna ao modernismo comeou para adotar precisamente aqueles valores
que a colocam em conflito com o teatro? Para responder esta pergunta, necessrio
nos voltarmos para as condies histricas e sociais que deram impulso ao alto moder-
nismo. Tornou-se uma crtica clich observar que muito da arte modernista descolou-
-se de qualquer engajamento direto com a esfera pblica e os modos de representao
exigidos para isso, em particular a ideia de que a esfera pblica inevitavelmente levaria
a uma arte popular, uma arte para as massas. O antiteatralismo modernista pode ser
visto como uma reao a esse medo das massas e da esfera pblica. Por isso mesmo,
o abrao da vanguarda ao teatro e ao teatralismo pode ser tomado como um sinal da
maior afinidade da vanguarda com o populismo e as massas, o que Andreas Huyssen
chama de dialtica oculta de vanguarda e cultura de massa.
O teatro sempre foi a forma de arte mais pblica, e continuou a depender da colabo-
rao da coletividade mesmo em um tempo em que o modernismo celebrou a figura do
artista individual, que se subtrai esfera pblica e s supostas massas indiferenciadas.
Interseccionando-se mais diretamente com as duras restries dos negcios, o teatro
depende de um processo de produo colaborativo que inclui gerentes voltados a neg-
cios, atores sonhando com o estrelato, e dramaturgos prontos a agradarem uma audi-
ncia em busca de prazer. Esse processo colaborativo era uma maldio pra os moder-
nistas antiteatrais, mas tambm incomodou os reformadores do palco de maneira geral.
A ascenso do chamado teatro de diretor no final do sculo XIX pode ser vista como uma
tentativa de reduzir a colaborao no teatro e concentrar os atos de criao nas mos de
um superdiretor. Esta motivao particularmente evidente no caso de Craig, cujos pol-
micos ataques ao teatro foram feitos a servio de obter total controle sobre o processo de
produo e assim sendo, de eliminar todas as contingncias associadas colaborao.
O processo de produo colaborativa , porm, apenas um lado do problema; o
outro lado a recepo coletiva de performances teatrais. Para muitos modernistas, a
recepo coletiva provou ser ainda mais perturbadora do que produo coletiva e foi
por esta razo que comearam a celebrar agressivamente as virtudes da leitura soli-
tria como modelo para se assistir uma pea. Fried deu um nome a essa preferncia,
compartilhada por muitos modernistas, de ler a assistir e de texto a teatro, chamado
absoro. (FRIED, 1980) Fried se incomoda com os atores vivos no palco, mas ele est
no mnimo to perturbado quanto pelas pessoas na plateia, cuja presena rompe com
o que havia se tornado condio sine qua non do modernismo: uma intensa concen-
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trao sobre trabalhos que se encaixam no ideal modernista da dificuldade. Tal ideal
requer um controle sobre as circunstncias externas de recepo que impossvel
de se implementar no teatro. Um certo nmero de escritores modernistas desejavam
extrair uma concluso radical da natureza colaborativa e coletiva inerente ao teatro:
liderados por Mallarm, eles se retiraram para seus estdios e gabinetes particulares,
que assim se tornaram os beros do drama modernista.
Tanto os amigos quanto os detratores do teatro sempre suspeitaram que junto com
sua produo colaborativa e sua recepo coletiva, vinha uma relao mais direta com as
esferas social e pblica. Anedotas e histrias sobre insurreies e revolues causadas
por performances teatrais ocupam um lugar de destaque na imaginao dos entusiastas
do teatro. E, deveras, a reunio comunitria de um pblico no teatro tem sido usada como
modelo recorrente para o pblico em geral. Esta afinidade ajuda a explicar por que estudos
sociolgicos tais como Strukturwandel der ffentlichkeit (1962) de Habermas conside-
rariam as pessoas reunidas no teatro como sendo uma base de treinamento para a
formao de uma poltica pblica apropriada. (HABERMAS, 1990, p.88) E o que para
Habermas apenas uma prefigurao torna-se um modelo de organizao no Fall of the
Public Man (1977) de Richard Sennett, que usa a histria do teatro e seu pblico como,
alternativamente, uma instncia e uma causa locais, e um correlativo objetivo natureza
mutante da esfera pblica nos sculos XVIII, XIX e XX. (SENNET, 1977) O prprio estudo
de Sennett continua uma longa tradio de pensamento poltico que considera que a
esfera pblica talvez seja uma forma de theatrum mundi. A fora dessa tradio fica regis-
trada mais claramente, talvez, por seu maior crtico, Jean-Jacques Rousseau, cujo medo
de que o teatro possa corromper a esfera pblica presume que os dois sejam homlogos
o suficiente para o primeiro ter tal efeito prejudicial sobre o ltimo. (ROUSSEAU, 1967)
A afinidade vista entre o teatro e a esfera pblica um fator chave na formao
de um antiteatralismo especificamente modernista. Graas a esta afinidade, o teatro,
ou o ato de teatralizar outras formas de arte como pintura ou escultura, ameaa
devolver a arte esfera pblica. O investimento em proteger os receptores do pblico
no significa apenas permitir a eles que apreendam, com a mxima concentrao, a
complexidade da obra de arte. Tanto a insistncia com a complexidade quanto os tipos
de receptores demandados por ela so respostas ao medo de que o teatro possa real-
mente prover um frum em que a construo de opinio pblica possa tomar lugar. A
crtica modernista do realismo, da mimese e do literalismo, e sua fixao na absoro
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silente e solitria no so, portanto, valores independentes que por acaso esto em
conflito com o que o teatro representa; eles so barreiras erigidas contra a possibili-
dade do papel pblico da arte sugerido pelo teatro.
Podemos ver aqui tambm at que ponto a polarizao entre antiteatralismo e
pr-teatralismo corresponde quela entre modernismo e a vanguarda. Enquanto o
antiteatralismo modernista atacava o teatro para impedir o engajamento poltico direto,
a vanguarda reconhecia que o teatro era o ponto arquimediano a partir do qual se
podia atacar os valores mais centrais do modernismo. A vanguarda no celebrou a
teatralidade simplesmente partindo de um amor inocente pelo teatro; ela escolheu a
teatralidade to bem como tudo relacionado a ela, tal como produo colaborativa,
recepo coletiva, distrao, e plateias turbulentas como seu slogan precisamente
porque a teatralidade prometia conduzir a arte de volta esfera pblica da qual o
modernismo havia se distanciado to avidamente. Este compromisso do teatro com a
esfera pblica j visvel na obra de Richard Wagner. Para ele, o teatro de Bayreuth
se torna uma arena poltica ideal epitomando a Alemanha e o Volk alemo. Entretanto,
o olhar para o teatro como um lugar poltico privilegiado no se origina com Wagner.
O teatro tem sido a forma de arte escolhida por projetos que procuram fundir esttica
e poltica, como visvel, por exemplo, dos argumentos colocados atravs da Europa
em favor do estabelecimento de teatros nacionais. A instrumentalizao do teatro para
a poltica tambm est por trs da diagnose antiteatral de Walter Benjamin de uma
estetizao da poltica fascista, pois esta estetizao mais drasticamente alcan-
ada nos rituais teatrais fabricados pelo fascismo, dos espetculos e paradas para
massas aos cuidadosamente orquestrados Ralis de Nuremberg. (BENJAMIN, 1977)
A crtica antiteatral de Benjamin de arte aurtica , portanto, motivada por sua experi-
ncia com os rituais poltico-teatrais do fascismo.
A tese de Benjamin sobre o fascismo, porm, deve ser ampliada para incluir uma
gama maior de fenmenos, pois a conjuno entre esttica e poltica teatral pode ser
encontrada tambm em projetos revolucionrios como o dad de Berlin, assim como
o espetculo de agitprop6 de Meyerhold The Storming of the Winter Palace (1920).
Ambas so formas extremas do que Raymond Williams chamou de teatro enquanto
frum poltico. (WILLIAMS, 1989) Sem criar um falso paralelismo entre a poltica
teatral do fascismo e aquelas da jovem Unio Sovitica, que poderia, por exemplo,
6 Nota do Tradutor: Agitao e Propaganda
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apagar a diferena entra uma plateia silenciosa massiva oprimida por um espetculo
e uma massa politizada que participa da recriao de uma ao coletiva revolucio-
nria, ainda assim central reconhecer que ambos basearam suas esperanas na
criao de um pblico poltico no teatro. De fato, a ascenso no incio do sculo XX
do que hoje conhecido como poltica de massa, que foi acolhida por alguns teatra-
listas, como Marinetti, enquanto realizao de uma nova teatralidade, deu uma nova
e notria dimenso poltica desconfiana das massas do final do sculo XIX. Ainda
que esta associao entre o pblico em massa e o teatro possa parecer basear-se em
um entendimento limitado tanto do teatro quanto da esfera pblica e indicarei alguns
caminhos alternativos para se pensar sobre esta relao importante reconhecer
que essa associao uma das foras motrizes por trs do teatralismo (de vanguarda)
e do antiteatralismo (modernista), de modo semelhante.
Mas onde que esta considerao deixa o teatro modernista? Pegos, digamos
assim, entre a cruz da crtica modernista do teatro e a espada do teatralismo de
vanguarda, como um drama e um teatro modernistas poderiam emergir ao invs de
espetculos de vanguarda dessa batalha pela teatralidade? O prprio termo teatro
modernista no nos deveria impressionar como um oximoro? Defendo que o drama e
o teatro modernos, talvez surpreendentemente, no sofreram tanto de seus inimigos
modernistas e entusiastas de vanguarda; pelo contrrio, eles internalizaram tanto a
crtica quanto o entusiasmo pelo propsito de uma reforma de profundo alcance da
forma dramtica e da representao teatral. O drama, como o filme de Hitchcock, tem
sempre registrado e respondido aos argumentos de seus detratores. As Bacantes de
Eurpedes, por exemplo, personifica o perigoso ator no Dioniso Asitico e o medo de
palco antiteatral no moralista Penteu. O drama moderno continua a registrar o anti-
teatralismo em nenhum lugar mais obsessivamente do que na obra de Luigi Piran-
dello mas se permite tambm ser moldado pelo antiteatralismo. A desconfiana de
Brecht com o teatro, a invectiva de Yeats contra os atores, o nervosismo de Stein na
presena de atores reais, e a rejeio de Mallarm pelo teatro so variedades de uma
resistncia ao teatro que so estruturais e fundamentalmente formativas, moldando o
uso do texto dramtico, dos dramatis personae, e de atores por esses escritores. No
mais interessados em banir atores ou fechar teatros, o antiteatralismo modernista no
permanece externo ao teatro, mas pelo contrrio, se torna uma fora produtiva respon-
svel pelas realizaes mais gloriosas do teatro.
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O Drama Modernista de Gabinete
A parte II constri e analisa um grupo de textos marcados pela resistncia
modernista ao teatro, que chamo de drama modernista de gabinete. Previsivelmente,
o drama de gabinete foi desdenhado pelos promotores do teatralismo como Wagner,
que o chamaram de aberrao ultrajante (WAGNER, 1971-73, Vol.3, p.132), por sua
recusa teimosa a reconhecer o valor da teatralidade total. Mas Wagner estava longe
de ser o nico a sentir desprezo pelo gnero. O drama de gabinete nem interessa a
estudos do teatro (e performance) hostis aos textos literrios, nem aos estudos lite-
rrios sem interesse no teatral (mesmo quando o valor do teatro est sendo questio-
nado). O resultado dessa dupla negao que o drama de gabinete um dos gneros
menos analisados e menos compreendidos. E ainda, conforme minha argumentao,
apenas atravs do drama de gabinete que podemos comear a entender como o
drama moderno se relaciona com o teatro.
O nico terico a reconhecer o valor do drama de gabinete foi Georg Lukcs,
que o viu como sintoma de um dilema central no drama moderno em geral. Hoje visto
primariamente como crtico da novela, Lukcs na verdade comeou como estudioso
do drama, e seu primeiro estudo crtico descreve o teatro do sculo XIX como pade-
cente de uma crescente evaso de pblico, processo que no final levou a uma ciso
entre drama e teatro Lukcs v esta evaso de pblico como resultado da falha do
teatro em expressar a condio moderna. A vida no mais dramtica. (LUKCS,
1981), ele exclama, concluindo que o drama no mais capaz de falar a um pblico
de massa. O sintoma deste dilema, se no sua soluo, a emergncia do drama de
gabinete, ou Buchdrama, que por sua vez desistiu completamente do pblico. Sem
assinar embaixo do diagnstico pessimista de Lukcs, e suas suposies subjacentes
sobre a relao entre a vida e a forma dramtica, atenho-me observao de que o
drama de gabinete expressa algo crtico sobre a condio do drama moderno. Mas
onde Lukcs toma o drama de gabinete para marcar o fracasso do drama moderno,
vejo isso como a mais clara expresso de uma resistncia modernista ao teatro.
Uma razo para a relativa rejeio ao drama de gabinete a natureza particu-
larmente instvel dessa categoria. O drama de gabinete parece depender dos capri-
chos dos gerentes do teatro e do orgulho ferido dos dramaturgos, desde Sneca at
Milton e Byron, que oficialmente se recusaram a escrever para o palco to logo se
sentiram rejeitados por ele. Mas o que acontece quando a moda (e a censura) teatral
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muda e esses dramas de gabinete acabam sendo encenados depois de tudo, contra
a vontade declarada dos desapontados dramaturgos? Hoje, nosso entendimento da
relao entre texto e teatro mudou tanto que quase todo tipo de texto pode ser e tem
sido trazido para o teatro. Alm disso, enquanto muitos pretendem que os dramas de
gabinete sejam colocados no palco retroativamente, a tragdia grega, no mnimo a
partir de Aristteles, tem sido considerada h muito tempo como um ramo da litera-
tura e consequentemente integrado ao cnone pedaggico. Isso significa que ela
lida, estudada, circulada, copiada, transcrita, traduzida e finalmente impressa como
literatura ao invs de scripts feitos para serem interpretados. Uma histria similar de
recepo tem ocorrido com Shakespeare. (SCOLNICOV & HOLLAND, 1991) A obser-
vao de Coleridge de que Shakespeare tinha seu prprio lugar no corao e no
gabinete pode ser tomado como um sentimento representativo de toda uma tradio
de admiradores antiteatrais de Shakespeare. (RICHARDSON, 1988; HELLER, 1990;
SIMPSON, 1998) A consequncia desta convico foi que qualquer drama pronto para
competir com Shakespeare teria que aspirar condio do closet de Coleridge.
A intencionalidade e a histria da recepo so, porm, apenas os marcos
externos do que eu tomo por ser intrnseco ao drama de gabinete enquanto gnero:
sua resistncia ao teatro. Esta resistncia se manifesta ao longo da histria do drama
de gabinete, especialmente em sua origem na tradio greco-latina, nomeadamente,
nos dilogos de Plato. (Pode-se considerar o amplamente dialgico livro de J como
o primeiro drama de gabinete na tradio judaico-crist; ele tambm serviu de modelo
estrutural para o Fausto de Goethe, que foi o drama de gabinete mais influente do
sculo XIX). Chamar os dilogos de Plato de drama de gabinete em si uma atri-
buio retroativa, pois no so nem tragdias e nem comdias, e por conta disso no
teriam sido reconhecidos pelos gregos como drama, absolutamente, a despeito de sua
mimese do movimento, da interao e do gesto. Aristteles, porm, tinha apreo pelo
que certas vezes, e desajeitadamente, chamou de forma literria dos dilogos socr-
ticos, e ele sagazmente os relacionou s comdias em prosa de Xenarco e Sfron.
(ARISTOTLE, 1995, 1447b) A conexo que ele desenha dessa forma uma crtica
subliminar a seu professor, que no queria ser lembrado como autor de esquetes
cmicos, quanto mais ser categorizado como criador de peas de mimese em prosa.
O fato de Plato, o fundador do antiteatralismo, ter se convertido forma dramtica
certamente complica sua posio antiteatral, mas isso sinaliza uma tenso que marca
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o drama de gabinete ao longo de sua histria, por ele permanecer vinculado ao teatro
ao qual ele luta para combater.
A resistncia ao teatro nos dilogos de Plato se manifesta em duas tradies do
drama de gabinete, das quais uma podemos chamar de drama de gabinete comedido,
e a outra de drama de gabinete exuberante. O drama de gabinete comedido, indo de
Plato a Hofmannsthal, passando por Milton e Swiburne, consiste de falas e mon-
logos filosficos ou poticos, um teatro caracterizado pela retirada da ao cnica e
pela resistncia a ela. Na verdade, Hofmannsthal traou uma conexo explcita entre
seu drama de gabinete lrico Der Tod des Tizian e Plato, observando que talvez no
se deveria cham-la de pea para o teatro [Theaterstck], mas um dilogo maneira
de Plato de Atenas. (HOFMMANSTHAL, 1982, p.377) O drama de gabinete exube-
rante tambm resiste ao palco, mas o faz atravs de um excesso de ao teatral. O
Fausto II de Goethe, La Tentation de Saint-Antoine de Flaubert, e The Enemy of the
Stars de Pound so exemplos de tal teatralidade flutuante e frequentemente alegrica,
cujas constantes mudanas de cenas, enormes elencos de personagens, aparies e
desaparecimentos repentinos, e estratgica mistura de alucinao e realidade propo-
sitalmente excedem os imites da representao teatral.
Enfatizo a resistncia ao teatro do drama de gabinete porque o drama de gabi-
nete modernista a leva ao extremo. E como qualquer forma de resistncia, o drama
de gabinete se refere quilo que resiste e constantemente se mantm em contato
com ele. Quer tenda para a tradio comedida, quer para a exuberante, o drama de
gabinete modernista nunca abandona o teatro e transforma sistematicamente seus
espaos, atores e objetos. Por essa razo, seria errado considerar o drama de gabi-
nete uma negao ao teatro. Pelo contrrio, devemos perguntar o que o drama de
gabinete quer do teatro, como se nutre de sua crtica ao teatro, e como esta necessria
relao conduz o drama de gabinete, no a acabar com o teatro, mas a transform-lo.
Tais transformaes assumem formas particularmente convincentes e de grande
alcance nos dramas de gabinete de Mallarm, Joyce e Stein, os quais, portanto, esto
no centro de minha anlise. Nas mos desses escritores, as dramatis personae proje-
tadas so transformadas em montagens isoladas de gestos e poses que so infun-
didas com significao simbolista (Mallarm), ou usados para a construo de uma
montagem teatral (Stein), ou feita para oscilar entre alucinao e a realidade do palco
(Joyce). Tornou-se comum atribuir cultura teatral da virada do sculo um retorno do
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corpo, que Harold Segel chamou de o corpo ascendente, e a ascenso desse corpo
frequentemente tomada como uma reao contra no apenas o texto dramtico, mas
tambm uma crise de linguagem mais amplamente distribuda, como Erika Fischer-
-Lichte argumentou. (SEGEL, 1998; FISCHER-LICHTE, 1997, p. 63) O drama de gabi-
nete pode ser visto como a parte inferior desta polarizao: aqui est a linguagem,
na forma de um drama de gabinete, que corresponde e at mesmo soluciona o que
ento poderia ser visto como a crise do ator. O que mais notvel, talvez, do que esta
reverso o fato de que teatralismo e antiteatralismo se encontram aqui uma vez mais
em seu ataque compartilhado sobre a natureza individual e humana do ator. Enquanto
Craig demanda que o ator seja substitudo por um marionete, muitos escritores de
dramas lricos ou escreveram peas para marionetes, como fez Maeterlinck, ou imagi-
naram ter suas peas encenadas por marionetes, como fez Hofmannsthal. No caso
de Mallarm, Joyce e Stein, porm, nenhuma referncia a uma real substituio do
ator humano necessria ser trazida para uma completa despersonificao da figura
humana, por eles empregarem modos de representao textual que explicitamente
impedem qualquer ato de personificao.
Dado que a resistncia ao teatro do drama de gabinete uma instncia particular
da resistncia modernista esfera pblica, tentador dirigir contra ele o tipo de crtica
que Lukcs e Brger colocaram contra o alto modernismo mais geralmente. A partir
de tal perspectiva, o gnero do drama de gabinete pareceria ser indicativo de um afas-
tamento deplorvel da responsabilidade artstica e uma adeso narcisista a um tipo
de variante de lart pour lart; de fato, os primeiros dramas de gabinete modernistas,
de Mallarm a Hofmannsthal, so inegavelmente parte do esteticismo. E desde que o
gabinete o que se define por sua separao da esfera pblica da plateia, tentador
considerar isso como a prpria imagem da retirada para o espao privado. Entretanto,
esta viso pega na equalizao indiferenciada do teatro, da esfera pblica, e da pol-
tica sobre a qual o teatralismo poltico de Wagner, Marinetti e Meyerhold baseada.
To logo suspendamos este pressuposto, podemos ver que os dramas de gabinete
de Mallarm, Stein e Joyce se retiram do pblico no tanto para celebrar narcisistica-
mente sua prpria autonomia, mas sim para resistir a formas particulares de normati-
vidade que eles associam com a representao teatral.
O aspectos mais visveis da normatividade do teatro so a maior vigilncia do
censor, o (percebido) conservacionismo dos gerentes de teatro e do gosto do pblico,
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e formas de censura internalizadas. O drama tem se inclinado a funcionar como um
gnero privilegiado para reflexo moral e instruo em virtude de representar as aes
dos participantes de um mundo socializado. Apesar deste papel moral ter levado a
formas de oposio tericas ao status quo, mais fundamentalmente, ele tem levado
a um maior policiamento da representao teatral. O fato de que o teatro est preso
normatividade tende a vir como surpresa para aqueles estudiosos do teatro e da
performance e para os praticantes que pensam o teatro como um lugar onde sistemas
de valor e normas sociais esto invariavelmente em solo movedio, sujeitos a deslo-
camento e crtica devido primazia do teatro sobre a ontologia e da mscara sobre a
essncia. Se estamos encenando aes socializadas no teatro, isso no significa que
estamos declarando implicitamente que essas aes sejam meras performances e,
portanto, modelos sociais que podem ser mudados? A teoria do teatro no cheia de
tentativas de desestabilizar o status quo?
As questes sobre a natureza subversiva do teatro e da performance recentemente
culminaram em um debate entre tericos da performance e tericos da performativi-
dade. Enquanto estudos da performance tendem a considerar a arte performtica como
subversiva, crticos como Judith Butler tm enfatizado que teatro e performance tambm
produzem a normatividade social que eles podem pretender subverter em performances
particulares. (BUTLER, 1993; BUTLER, 1990; MCKENZIE, 2001) Podemos, assim, nos
voltar para a teoria da performatividade de Butler para explicar a normatividade inerente
ao teatro. Todo ato de parodiar um ato roteirizado, normativo, tambm uma repetio
daquele ato normativo e portanto participa em formar, ao invs de abolir ou sobrepujar,
a norma que o governa. Alienaes teatrais de normas so dependentes e portanto
envolvidas na produo de normas que podem procurar subverter. Em sua introduo a
Bodies That Matter (1993), Butler deixa esta consequncia de sua teoria explcita, insis-
tindo que as performances teatrais so roteirizadas pelo comportamento normativo e
por rituais pblicos externos ao teatro. At o ponto em que o teatro, mais do que qualquer
outra forma de arte, replica o mundo social e em particular a interao humana atravs
de humanos reais no palco, ele pode, portanto, ser considerado a forma de arte que est
mais diretamente amarrado normatividade social.
Outro modo de abordar a normatividade do teatro analisar a maneira com que
o drama de gabinete procura evitar representao teatral. O drama de gabinete cria um
espao que permite a Mallarm defender que uma danarina no mais uma dana-
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rina, um espao em que ele, o poeta masculino, pode assumir vrios pseudnimos;
essa a condio que permite que Leopold Bloom se torne uma mulher (e isso signi-
fica se transformar real e verdadeiramente em uma mulher, ao invs de fazer apenas
cross-dressing); e essa a condio sob a qual nunca ser possvel reduzir Santa
Teresa de Stein a qualquer forma, corpo ou personagem em particular. Neste ponto,
podemos lembrar tambm que a histria do drama de gabinete est, na verdade, cheia
de vrias formas de desvios, do Simpsio de Plato e da Medeia de Sneca at a Tenta-
tion of Saint Anthony, passando por Cenci de Shelley, sem mencionar o texto que tem
mostrado de uma vez por todas, e com todas as implicaes possveis e impossveis,
que o gabinete do drama de gabinete tambm um boudoir: o drama de gabinete de
Marqus de Sade, Philosophy in the Bedroom. Porque os dramas de gabinete usam
sua liberdade da normatividade do teatro para criar mundos caracterizados por vrias
formas de ambiguidade e desvio, possvel adotar o projeto de Eve Kosofsky Sedgwick
de uma epistemologia do gabinete para o drama de gabinete. (SEDGWICK, 1990)
A resistncia normatividade do teatro em ao nos dramas de gabinete fora
dos padres se torna claramente visvel quando esse dramas de gabinete so trazidos
de volta ao palco. Nas verses de palco de Livre, Circe e Four Saints in Three Acts,
a danarina de Mallarm se torna feminina mais uma vez; Leopold Bloom nunca se
torna uma mulher; e Santa Teresa talvez nem mesmo flerte com Santo Incio. Quando
se contemplam estas mudanas, fica claro que o que preocupa Mallarm, Stein e
Joyce no tanto uma simples retirada da esfera pblica enquanto separao ou alie-
nao da representao teatral plena, em particular do ator humano. A estrutura da
resistncia sugere que o drama de gabinete no consegue escapar inteiramente da
normatividade teatral; que aquilo que se parece com liberdade do teatro nada mais
do que um efeito da resistncia a ele. Isso verdade, mas isso no significa que esses
efeitos no sejam significativos. Isso significa que a resistncia do drama de gabinete
ao teatro tambm produz um teatro, um que rompe com a figura humana e se rebela
contra os confinamentos mimticos de uma ao de palco e teatral. no gesto da
rebelio que o drama de gabinete ainda est calibrado com o teatro e deriva disso o
material cuja decomposio o processo atravs do qual constitui a si mesmo.
Os dramas de gabinete modernistas procuram desfazer o teatro e seus atores
humanos atravs de programas que so mais bem descritos por termos como literari-
ness, criture ou writerliness. importante reconhecer que, no contexto do drama de
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gabinete, estes termos no descrevem simplesmente a condio da literatura, mas,
sim, representam uma escolha da literatura sobre o teatro. Da perspectiva do drama de
gabinete, a valorizao da literariedade pode ser entendida como uma reao contra
a representao teatral. E exatamente como literaturnost e criture so termos direcio-
nados contra o teatro, da mesma forma a teatralidade frequentemente direcionada
contra o texto dramtico, e assim sendo, literatura em geral. (Evreinov, por exemplo,
cunhou o termo teatralnost aproximadamente ao mesmo tempo em que Roman Jako-
bson cunhou o termo literaturnost.). Talvez o estudo do drama de gabinete seja um
lugar privilegiado para se refletir sobre a relao conflituosa entre a cultura literria e
o teatro. Reconhecer a relao essencial entre o teatro em ao nos dramas de gabi-
nete de Mallarm, Joyce e Stein, que alcanaram proeminncia em outros gneros
literrios, pode ser um bom caminho para introduzir a categoria do teatro, inclusive a
resistncia a ele, no estudo do modernismo literrio em geral.
Drama e Teatro Modernistas
apenas por meio do drama de gabinete e sua construo da plateia como
leitor que podemos comear a compreender por que Beckett considera as indicaes
cnicas do teatro to importantes quanto o dilogo, ou por que Brecht quer ensinar a
plateia a adotar a postura de um leitor. Defendo que Yeats, Brecht, Beckett e de forma
menos desenvolvida, o cnone todo do drama moderno adotam, do drama de gabi-
nete, estratgias para incorporar o antiteatralismo no apenas na forma dramtica,
mas tambm na representao teatral.
Esta afirmao parece ser anti-intuitiva dado que estes trs dramaturgos eram
ativos no teatro. O uso da dana por Yeats, o teatro pico de Brecht, e as encenaes
meticulosas de Beckett indicam o fato de que ao invs de rejeitar o teatro como um
todo, esses escritores tiveram um interesse agudo em assuntos teatrais. Embora isso
seja certamente verdadeiro, eu mostro que Yeats, Brecht e Beckett esto engajados
mesmo assim em um discurso explicitamente antiteatral em vrios momentos de suas
vidas: Yeats em sua fase mais tenra de escritor de peas simbolistas, Brecht em suas
polmicas contra Wagner, e Beckett em sua cruzada contra os atores. Mais importante,
porm, do que suas denncias por vezes categricas ao teatro e teatralidade (denn-
cias que ecoam ipsis litteris o antiteatralismo dos dramas de gabinete e dos tericos
modernistas antiteatrais) o fato de que estas pessoas canalizaram sua resistncia ao
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teatro de volta para dentro do prprio teatro. A explcita desconfiana do teatro de Brecht
o leva a transformar atores em testemunhas, e a fantasia de controle inicial de Yeats de
confinar atores em barris foi sagazmente posta em prtica nos planos de Beckett de apri-
sionar atores em urnas, latas de lixo e montes de terra. O teatro de Yeats tradicional-
mente rotulado como simbolismo, assim como o drama poltico de Brecht e o teatro do
absurdo de Beckett. A despeito destas diferenas, eles constituem trs manifestaes de
uma compartilhada resistncia modernista ao teatro. Na realidade, defendo que foi sua
resistncia ao teatro que provou ser a fora motriz por trs das reformas e revolues no
teatro pelo qual eles so agora muito bem recohecidos.
Uma forma pela qual o antiteatralismo latente destes escritores e diretores est
registrado na objeo deles poltica teatral propagada por Wagner e pelo teatra-
lismo de vanguarda. Como Mallarm e Joyce, Yeats e Brecht veem a afinidade entre
a plateia e a esfera pblica com a maior das suspeitas e procuram embutir em seus
teatros polticos o maior nmero de elementos antiteatrais possvel, com o mais impor-
tante sendo a limitao obsessiva da plateia. por esta razo que a maioria das peas
programticas destes autores so peas de cmara, peas com uma profunda descon-
fiana quanto plateia e uma poltica teatral. Os pequenos pblicos vislumbrados por
estes escritores so explicitamente no pblicos, sua seleo sempre questo de
exclusividade, e mesmo seu comportamento meticulosamente prescrito a fim de
evitar que a coletividade desenvolva qualquer dinmica prpria, particularmente, qual-
quer coisa que lembre as revoltas to intencional e estrategicamente provocadas pelos
teatralistas de vanguarda.
A limitao e o controle da plateia so algo que o drama moderno aprendeu do
drama de gabinete, que por sua vez sempre aceitou, como uma espcie de compro-
misso, uma pequena confraria assistindo uma leitura dramtica ou mesmo uma ence-
nao de cmara: o gabinete do drama de gabinete, em outras palavras, tanto pode
ser um lugar para um pblico ntimo quanto para uma leitura solitria. O fato dos teatros
pequenos serem a fora motriz por trs da maioria das reformas da virada do sculo,
assim sendo, no apenas reflete as presses econmicas, mas tambm registra uma
retirada deliberada de um pblico de massa para um espao ntimo e privado. A tenta-
tiva de criar um antipblico privado expurgado de tudo associado teatralidade pol-
tica visvel mesmo em Mallarm, o mais radical dos dramaturgos de gabinete, que
vislumbrou leituras perfeitamente programadas de suas peas por um grupo seleto de
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amigos, uma plateia ntima que lembra talvez aquela de um salo. Da mesma forma,
alguns dramas de gabinete no rejeitam completamente, mas qualificam, a ideia do
theatrum mundi, como fez Hofmannsthal, que reduziu o Great World Theater (1641) de
Caldern a Das kleine Welttheater (O pequeno teatro mundo) (1897). esta tentativa
de criar um pequeno pblico, e portanto, ideal, que podemos ver funcionar em tais
pea de cmara como Peas para Danarinos de Yeats e Lerstcke de Brecht.
A persistncia do antiteatralismo no drama modernista significa que, assim como
o drama de gabinete, ele joga sua prpria literariedade contra a teatralidade. Na reali-
dade, esta confiana no texto dramtico como uma estratgia contra o teatro que
registra mais claramente a afinidade entre o drama moderno e o drama de gabinete.
Mais importante, entretanto, o drama moderno, mais do que qualquer drama ante-
rior, se torna um gnero literrio dirigido tanto para um leitor quanto para uma plateia.
Neste ponto, meu projeto se intersecciona com a histria do livro. Atravs de um longo
processo, o qual Julie Stone Peters reconstruiu em The Theater of the Book, a cultura
impressa e a performance tiveram uma histria conflituosa e entrelaada. O drama tem
sido impresso desde antes do perodo elisabetano, e dramaturgos individuais tais como
Ben Jonson devotaram considervel energia e notas explicativas s verses impressas
de suas peas, que certas vezes eles preferiram no lugar de performances teatrais. No
curso dos sculos XVIII e XIX, o drama contemporneo (ao contrrio da tragdia grega,
de Shakespeare ou dos clssicos) construiu gradualmente seu leitor implcito, para
usar o termo emprestado de Wolfgang Iser, no apenas como um profissional do teatro
responsvel por realiz-lo no palco, mas como um leitor genrico: todo texto dramtico,
portanto, tambm, se no exclusivamente, uma leitura ou um drama de gabinete.
Um dos poucos observadores contemporneos que reconhecem a importncia da
impresso para o drama moderno foi o crtico norte-americano Archibald Henderson,
que atribuiu a crescente importncia das edies impressas ao carter internacional
do drama moderno, que tem circulado na forma de tradues e antologias traduzidas,
uma tendncia ilustrada na singular influncia das peas de Ibsen atravs da Europa.
Este modo de publicao encorajou a prtica da leitura do drama contemporneo, uma
prtica fortalecida, anotou Henderson em 1914, pelo crescente estudo de literatura
dramtica em Harvard, Yale e Columbia. Causas adicionais que Henderson poderia ter
somado lista eram de natureza legal. A censura sempre foi mais restritiva em relao
s performances teatrais do que com respeito a peas impressas, um desequilbrio que
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j ele mesmo o produto de um antiteatralismo enraizado e moralizante. E alteraes
nas leis de royalties nacionais e internacionais s vsperas do sculo XIX aboliram
alguns dos desestmulos aos dramaturgos quanto a publicarem seus trabalhos antes
de sua encenao. A integrao do drama aos mercados de publicaes genricas,
portanto, envolve um certo nmero de fatores prticos, legais e econmicos, atravs
dos quais o drama fica aparentado, quando no co-extensivo, ao drama de gabinete.
Os dados quantitativos disponveis sobre a publicao de peas so frequente-
mente insuficientes. O que deixa a pesquisa quantitativa de impresso e publicao
especialmente precria no caso do drama o fato das peas serem frequentemente
pirateadas por gerentes de teatro tentando evitar o pagamento de royalties ou impressas
em edies baratas destinadas a atores e produtores. (STEPHENS, 1992) A falta de
dados precisos marcando a evoluo da prtica da publicao de drama, porm, no
tem tanta importncia para o meu argumento, que est menos preocupado com as
causas quantitativas do que com seus efeitos qualitativos sobre a forma genrica
do cnone to pequeno do drama moderno. Novamente, foi Henderson quem notou
um particular efeito, nomeadamente, que no apenas fez Shaw gastar uma quantia
extraordinria de tempo selecionando impresso, tipo e formato para a publicao
de Plays Pleasant and Unpleasant, como o modo de publicao na verdade alterou
a forma dramtica: Shaw adicionou longos prefcios e passagens narrativas e assim
mudou a forma e a funo de suas direes de palco.O que Henderson observou em
Shaw pode ser tomado como indicativo de que o drama moderno se realizou de modo
mais geral como drama de leitura, primeiramente atravs da integrao das rubricas
no texto dramtico primrio. Esta mudana na funo das indicaes cnicas uma
consequncia da histria do drama impresso, e uma que s se manifestou plena-
mente no final do sculo XIX. As rubricas tcnicas como a indicao de entradas e
sadas, ou aquelas voltadas s descries de personagens, seus posicionamentos e
movimentos, no mais foram descries direcionadas ao pblico genrico. As rubricas
tornaram-se, portanto, um lugar privilegiado para a inovao formal. A emergncia
dentro do drama moderno de elaboradas indicaes cnicas, descritivas e narrativas,
revela uma postura mais geral de confiana por parte do drama moderno na linguagem
que media, descreve, prescreve e interrompe o espao mimtico do teatro. Apontar
para estas estratgias no significa tomar partido em uma luta sem fim entre texto
e performance. Contudo, isso significa reconhecer, por um lado, que a performance
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teatral parte do horizonte de qualquer texto dramtico mesmo o drama de gabinete
se preocupa com a mimese do palco, na maioria das vezes de maneira negativa e,
por outro lado, que uma performance teatral muitas vezes insere mediaes textuais
entre o espectador e a mimese teatral. Proponho um termo para designar as estrat-
gias descritivas e narrativas pelas quais o drama moderno procura canalizar, enqua-
drar, controlar e at mesmo interromper o que percebe como sendo uma teatralidade
no mediada do palco e seus atores. Este termo diegese.
Mimese, Diegese e Gestos
Diegese no um termo neutro no debate entre texto e teatro, pois ele brota
dos escritos antiteatrais de Plato, onde usado em meio ao que pode ser enca-
rado como a querela original entre a diegese verbal e a mimese teatral. No centro
desta querela permanece a figura do ator. Plato chega sua crtica do ator somente
por um caminho indireto, atravs da rapsdia homrica, que narra a ao ocorrida
no passado, no presente e no futuro, em um modo que Plato chama de digsis
(). Porm, uma vez que o poeta, ou o rapsodo, mude da terceira pessoa para
a primeira, ele no mais relata a fala de um personagem, mas assemelha ()
sua voz e seu gesto queles do personagem; o rapsodo no mais um narrador, mas
est a caminho de se tornar um ator. Neste momento, a diegese rapsdica d lugar
mimese desempenhada por um ator. Para Plato, esta performance se tornaria,
portanto, diegese pela mimese ( ) (393c), em oposio
diegese pura ou simples, que seria definida por sua diferena em relao mimese
como uma diegese sem mimese ( ... ) (393c-d). Na viso de
Plato, esta troca de rapsodo para ator crucial porque significa que o poeta esconde
() (393c) a si mesmo sob a mscara do personagem, uma mscara cons-
tituda de voz falsa e gestos falsos.
O diligente interlocutor deste dilogo ou drama de gabinete imediatamente
reconhece que Scrates no est realmente falando aqui sobre o rapsodo atuante, mas
do ator dramtico. possvel, em princpio, imaginar um poema pico sem nenhum
discurso direto, e desta forma, um rapsodo que nunca tenta imitar a voz e os gestos
de personagens, embora tal abstinente recitao nunca tenha ocorrido realmente, pois
a recitao de poesia pica era um evento de palco que atraa grandes multides. A
fim de demonstrar esta possibilidade, Plato oferece uma traduo para a terceira
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pessoa, e, portanto, para a diegese da fala de Crises no primeiro livro da Ilada. Este
tipo de traduo a princpio possvel para a poesia pica, mas poderia alterar tudo
se fosse aplicada ao drama, pois o drama geralmente depende de atores falando com
suas prprias vozes como meio de imitar as vozes dos personagens que esto perso-
nificando. Enquanto em teoria o rapsodo e a poesia pica poderiam ser salvos (se
fossem apropriadamente transformados em narrativa pura sem dilogo), os atores e a
forma dramtica esto desesperadamente perdidos porque precisam imitar as vozes
e os gestos de outras pessoas, especialmente, Plato declara, as vozes e gestos de
mulheres e covardes (395a). No surpreende, portanto, que quando fala sobre atores,
Plato usa o termo grego padro, nomeadamente, , ou hypokrites, uma
palavra cujo prprio significado foi reiteradamente imbudo pelo prprio antiteatralismo
de Plato, at que tomou o sentido derrogatrio que possui hoje.
A Potica de Aristteles se apresenta como uma defesa da mimese contra
Plato, usando conceitos tais como a catarse e o impulso humano em imitar. O que
passa frequentemente despercebido, no entanto, que Aristteles tambm possui um
sentimento ambivalente quanto figura do ator. A maior concesso de Aristteles a
Plato a afirmao de que o drama deveria ser capaz de ser feito inteiramente sem
atuao e se contentar em ser lido () (1462a), e Aristteles provavelmente
vislumbra aqui uma leitura silenciosa. Mas Aristteles, como sempre, tenta alcanar
uma posio de compromisso, o que significa que ele tambm quer defender, pelo
menos at certo ponto, os aspectos espetaculares e visuais do teatro (). Para este
propsito, ele destaca que todas as artes performticas, incluindo rapsdia e msica,
para o bem ou para o mal, participam em algum modo de visualidade. Esta visualidade,
como o autor, bno e maldio, e Aristteles torna a narrar um exemplo negativo,
nomeadamente, os gestos ridculos () de flautistas que tentam imitar Cila ao
invs de suprimir essas influncias externas em sua msica (1461b) Aristteles soa
aqui quase como Adorno. Este desejo por um compromisso se torna particularmente
agudo quando se trata de atores, pois o desejo de Aristteles de salvar os bons atores
da crtica de Plato o leva a sintomticas mudanas em sua terminologia. Frequen-
temente, ele foge do termo padro de Plato para ator, nomeadamente hypocrites,
usando em seu lugar a palavra , ou prattontes, que derivada da palavra
praxis e, portanto, sugere a execuo de uma ao real, em contraste ao enganador
fingimento. A deciso de Aristteles de usar praxis e prattontes para denotar uma ao
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apresentada por um texto dramtico no palco pretende defender o teatro da acusao
de que ele apresenta hipcritas que fingem emoes. E uma vez que Aristteles tenha
construdo um agente-ator no hipcrita, ele pode prosseguir com a salvao da visu-
alidade do teatro, que ele chama de opsis: ,
(desde que os
personagens/atores produzem mimese, segue-se que em primeiro lugar, a tragdia
consistir em espetculo visual) (1449b30-32). A distino entre hypocrites e prat-
tontes espelha a diferena entre teatral e no teatral. Por um lado, palavras como
atos, agentes, aes e atores denotam aes e suas consequncias no mundo. Ao
mesmo tempo, porm, esses conceitos tambm significam a representao de ao
em um palco. Aristteles reconhece ambos os sentidos e estrategicamente os funde
usando a palavra praxis para denotar o ator teatral: agora o teatro deixa de fingir e,
pelo contrrio, se engaja em aes reais. Aristteles d ainda um passo adiante, trans-
ferindo a nfase de atores para aes. Podemos imaginar tragdias sem personagens,
diz Aristteles, portanto, conclui-se, sem atores personificando-os (1450a24). Mas no
seria possvel existir tragdia sem ao ou prxis. Em ltima anlise, ento, Aristteles
pode salvar atores associando-os com a ao no enganosa, mas no final a ao e
no os atores, que ficam no centro da tragdia.
Por Aristteles querer salvaguardar o bom ator, ele toma o cuidado de evitar o
termo com o qual Plato conduziu seu ataque ao teatro: diegese. Esta evaso passa
despercebida at mesmo por um narratologista to rigoroso quanto Grard Genette,
que equivocadamente afirma que Aristteles aceita a noo de diegese de Plato
quando na verdade ele obviamente a evita. (GENETTE, 1994, p.128) Em vez disso,
quando Aristteles fala sobre narrativa, ele usa frequentemente termos alternativos,
como , ou apaggelia, que significa relato ou histria. Esta mudana de
terminologia estratgica porque est voltada para cercear a categrica oposio de
Plato entre diegese e mimese, da mesma forma como o termo prattontes foi voltado
para cercear o enganoso fingimento dos hypocrites. Em vez disso, Aristteles espera
categorizar a poesia pica, a poesia lrica coral e o drama como diferentes formas de
mimese de tal forma que aquilo a que Plato se referiu como diegese sem mimese
agora uma sub-forma de mimese. O termo diegese, a arma antiteatral de Plato, foi
assim efetivamente descarregada.
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A estratgia de Aristteles para salvar e expandir a ideia de mimese e para
suprimir o termo diegese de Plato tem sido to bem sucedida que o termo diegese,
com sua investida antiteatral implicada, foi completamente colocada de fora da anlise
do drama e do teatro e usada apenas no estudo da narrativa. Deve-se certamente
aplaudir a tentativa de Aristteles de debelar a crtica de Plato aos atores e sua hipo-
ttica consequncia: o fechamento dos teatros e o banimento dos atores. Mas esta
simpatia pela causa de Aristteles no deve nos impedir de usar o termo diegese,
porque ele registra precisamente as foras antiteatrais em ao no drama e no teatro
modernos. A fim de examinar estas foras, necessrio insistir com Plato e contra
Aristteles na distino, e assim sendo, na luta entre diegese e mimese teatrais. Isso
significa que devemos distinguir entre a representao indireta, descritiva e narrativa,
de objetos, pessoas, espaos e eventos atravs da linguagem (falada por um rapsodo,
narrador, coro, ou autor, ou representada no texto dramtico pelo leitor) e a apresen-
tao direta de tais objetos, pessoas, falas, espaos e eventos no palco. Apenas uma
terminologia que reconhea essa distino pode capturar as estratgias atravs das
quais o drama e o teatro modernos tentam resistir mimese teatral.
A tragdia e a comdia gregas, e na realidade o drama ocidental e no ocidental,
sempre incluram vrias formas de diegese. Passagens narrativas sobre o passado
podem ser contadas por atores, e comentrios no tempo presente pelo coro. Aes
ocorrendo fora do palco, por exemplo, so frequentemente relatadas por mensageiros
ou por atores fingindo v-los do outro lado da parede (teichoscopia). A funo normal
de tais formas de diegese no drama grego e no drama ocidental de maneira geral,
expandir o universo de representao para alm do palco. Quando mensageiros
relatam o que se passou em algum outro lugar, fora do palco ou por trs de uma
parede, eles somam ao espao mimtico do palco o que Michael Issacharoff chama
de espao diegtico de fora do palco. (ISSACHAROFF, 1989) Isso no , porm,
o sentido de diegese que est especificamente conectado com o drama moderno,
embora seja a base para ele. Porque o drama moderno introduz uma mudana impor-
tante na funo dessas estratgias diegticas. Em vez de importar para o espao
mimtico do palco algo que acontece fora dele, a diegese modernista se refere ao
espao mimtico do prprio palco. (WORTHEN, 1992) Personagens, objetos e eventos
que j esto presentes mimeticamente so subitamente confrontados com modos de
diegese que projetam para o espao mimtico sua prpria verso dele.
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O que est por trs desta ttica de dirigir a diegese a favor e contra a mimese
teatral o desejo por parte do drama moderno de enquadrar, controlar e interromper
o espao teatral do palco. A representao teatral no deixada para os designers,
atores e o diretor, mas sim colocada uma vez mais nas mos do autor dramtico. No
lugar de representao visual, tais como adereos, iluminao e a organizao do
espao do palco, assim como o movimento, a coreografia e a atuao, temos agora
a linguagem descritiva. A maioria das formas de diegese modernista, no entanto, no
so o resultado de batalhas pelo poder entre diretores, atores e autores; como carac-
terstico do debate sobre teatralidade, esta postura antimimtica se transforma em
um ataque contra a teatralidade como tal. A diegese redefine o que vemos, e assim
sendo, condiciona nossa percepo e recepo do teatro. Fazendo isso, ela media
o teatro atravs de uma forma de arte muito mais aceitvel ao modernismo, nome-
adamente, a literatura. A diegese de Plato, sobre a qual toda essa energia antite-
atral foi concentrada, portanto retomada pelo drama moderno para o propsito de
manter sob controle e mediar a mimese teatral de atores e objetos no palco. A estra-
tgia de Aristteles de recategorizar a diegese como uma forma de mimese pode ter
salvo o teatro uma vez, mas no nos ajuda a compreender as relaes sutis entre
modernismo, antiteatralidade e texto dramtico. Meu livro, portanto, examina o drama
moderno pelas lentes do termo diegese de Plato, e nesse sentido, pode ser conside-
rado no tanto um estudo do teatro no aristotlico, como Brecht o chamaria, quanto
um teatro em dbito com Plato. O drama e o teatro modernistas so um teatro plat-
nico, no que seja um teatro de ideias abstratas, mas um teatro infundido com tipos
de antiteatralidade desenvolvidos pela primeira vez nos dramas de gabinete de Plato.
(GOULD, 1989)A fim de mapear todos os mecanismos diegticos em ao no drama e
no teatro modernos, necessrio distinguir entre diegese escrita e impressa (rubricas,
falas descritivas e diegticas no drama de gabinete) e diegese praticada (fala diegtica
falada pelo coro, comentaristas semelhantes ao coro ou personagens narrativos ou
descritivos). Todas as indicaes cnicas so descries ou prescries do espao
mimtico no palco, mas tradicionalmente a duplicao inerente a esta projeo desa-
parece porque as direes de palco so consideradas apndices tcnicos dispensveis
que no aparecem no produto final, a performance. Mas quando o drama se realiza
enquanto drama de leitura, suas direes de palco no mais desaparecem e dessa
forma, repentinamente assumem novo significado; elas constituem uma narrativa ou
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discurso em terceira pessoa que assume o controle, para o leitor, do espao mimtico
do palco. Enquanto alguns comentaristas, mais notavelmente Marvin Carlson, tm
observado a ascenso e a mudana de significado das rubricas, poucos tm reconhe-
cido neste fenmeno a mudana mais central que est ocorrendo no drama moderno.
A crescente importncia das rubricas alcanam um clmax nas indicaes cnicas de
Beckett, no porque sejam particularmente longas, pois a este respeito so superadas
por aquelas de Shaw e ONeill, mas porque elas envolvem um universo paralelo ao
drama falado, e portanto competem com ele a todo momento. Ler as peas de Beckett
requer uma leitura dupla da fala direta e das direes de palco, e dessa forma, suas
peas so divididas entre um teatro de dilogo e um teatro de objetos e gestos, o
ltimo capturado pela diegese descritiva das direes de palco.
A diegese textual do drama moderno aparece de forma destilada no drama de
gabinete moderno, cujas descries de palco implcitas e explcitas conjuram um
espao teatral mimtico apenas para desconstru-lo completamente. Este pode ser
o lugar para destacar que o drama de gabinete modernista no constitui um teatro
imaginrio no sentido em que o leitor deva simplesmente imaginar uma performance
visual enquanto l. Tal palco imaginrio produzido no ato da leitura de qualquer
texto dramtico tradicional; o efeito de uma forma dramtica que est voltada para
o teatro. O drama de gabinete modernista, por contraste, no deixa o teatro intacto,
nem mesmo na forma do teatro imaginrio, mas procura interromper e desmembrar
qualquer possibilidade de um palco real assim como de um palco imaginrio. Neste
sentido, o drama de gabinete moderno uma instncia do que Evlyn Gould chamou
de teatro virtual, mas ele tambm se volta contra esta tradio ao procurar desima-
ginar, desvisualizar, e destetatralizar o ato de leitura do drama.
O desmantelamento diegtico at mesmo de um espao teatral imaginrio a
instncia mais especfica do modo mais geral com o qual o drama de gabinete moderno
resiste ao palco. A funo diegtica das direes de palco e das falas descritivas emerge
mais conspicuamente nas tentativas desajeitadas de se levar os dramas de gabinete
para o palco, contra a fora, por assim dizer, de suas mais antiteatrais estratgias dieg-
ticas. Tais adaptaes do Livre de Mallarm, do captulo Circe de Joyce, da verso
em libreto autorizada de Virgil Thomson para Four Saints in Three Acts de Stein intro-
duzem fora a figura de um narrador ou comentarista para acomodar as direes de
palco diegticas destes textos. Esses desajeitados narradores registram mesmo assim
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o fato de que as rubricas dos dramas de gabinete esto no corao do gnero, e no
podem mais simplesmente desaparecer no processo de encenao.
Os narradores ou comentaristas que apresentam as rubricas diegticas do drama
de gabinete pertencem a uma classe mais ampla de personagens diegticos que
povoam o palco moderno. Derivados do coro grego ou do coro N, figuras diegticas
projetam falas que condicionam o espao mimtico que est simultaneamente presente
aos olhos da plateia. As peas N de Yeats, por exemplo, usam um coro que no parti-
cipa na ao da pea, mas ao invs disso, comenta na pea, mais particularmente,
controla sua recepo atravs de falas descritivas, diegticas. A diegese no , contudo,
sempre reduzida a algo como o coro, situado margem do palco. Toda a reforma da
atuao de Brecht pode ser vista como uma tentativa de transformar os atores em narra-
dores diegticos, falando como se estivessem relatando sua prpria fala e condio. O
confronto aqui entre mimese e diegese acontece com cada um dos atores/personagens.
A funo central de tais fenmenos aparentemente diversos como as indicaes
cnicas cada vez mais longas, o uso de um coro ou de figuras similares ao coro, comen-
taristas e finalmente atores que se tornam observadores de si mesmos, s podem ser
compreendidos se reconhecermos que tm algo em comum: eles sobrepem ao espao
mimtico do palco camadas de descrio cujo propsito no replicar o palco, como
se para preservar sua caracterstica particular teatral e mimtica, mas para adapta-la,
transform-la e interromp-la. neste processo de adaptao ou transformao que
podemos ver a marca de uma resistncia produtiva ao teatro, uma resistncia singular
em sua motivao antiteatral, mas diversa em seus efeitos. O operador de Mallarm,
o narrador dramtico de Joyce, as passagens descritivas e narrativas de Stein, o coro
de Yeats, os atores picos de Brecht e as rubricas de Beckett podem, assim, serem
reunidos sob o termo diegese porque todas so direcionadas, no sentido de Plato,
contra a presena no mediada da mimese teatral.
Mesmo que o termo diegese possa ser usado para descrever a resistncia ao
teatro, ainda assim ele contm aquilo a que resiste; indicaes cnicas e narradores
diegticos no abandonam a mimese teatral, mas a enviam de volta para o literrio,
quer seja no texto ou na fala diegtica. Isso significa que a diegese no apenas produz
a filtragem do teatro pela literatura, como tambm cria, no processo, uma nova forma
de teatro. Esta dinmica se torna particularmente visvel atravs do uso recorrente
do termo gesto. Por diversas vezes, a maneira pela qual os escritores de drama de
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gabinete, assim como os dramaturgos modernos falam sobre seus textos, atravs
do gestual, da noo de Wagner da linguagem gestual e do flerte de Joyce com a
teoria de gestos de Marcel Jousse, at a noo de Bracht de gestus. Baseando-se no
duradouro debate sobre a origem gestual da linguagem e a esperana de que uma
escavao de tal origem possa levar a um rejuvenescimento da linguagem literria, o
particular investimento em escrita gestual indica o desejo da literatura pelo teatro. Essa
tradio vai desde a anlise de poesia em Language as Gesture de Richard Blackmur,
ela mesma em dbito com o chamado dramatismo de Kenneth Burke, at a noo
de Derrida da criture gestuelle de Mallarm, uma tradio investida na teatralidade
daquela literatura. Ao mesmo tempo, existe uma segunda tradio, que vai de Wagner
e Artaud a Pavis, devotada a desenvolver teorias do gesto na esperana de criar espe-
cificamente sinais teatrais que ainda assim funcionassem como escrita. Ambas as
tradies se baseiam em teorias da origem gestual da linguagem para estabilizar o
termo gesto bem na fronteira entre literatura e teatro.
Gestos nunca so apenas texto ou escrita, eles infundem o texto com remanescn-
cias teatrais mesmo enquanto sugerem que uma performance teatral lembra a prtica
da significao no texto. Julia Kristeva chega perto de tal compreenso de gesto em seu
estudo (1969) no qual ela descola o termo gesto de seu papel usual como
origem da linguagem e utiliza-o para uma anlise da produo de signos lingusticos
inspirada no marxismo. (BLACKMUR, 1952) Gesto, aqui, se torna uma palavra para a
prxis e o labor que se passam na produo da linguagem e da comunicao lingustica,
o labor que mais ou menos apagado no produto finalizado lingustico. Uma anlise
do gestual em textos literrios, ento, se torna uma investigao dentro destas prxis
ocultas, um domnio que para Kristeva caracterizada por dois atributos: o impessoal
e o espacial. Poderia-se adicionar um terceiro atributo, que ela no menciona talvez
por causa de sua exclusiva ateno no estudo da novela, que o teatral. Uma anlise
gestual do modernismo conduz diretamente conflituosa relao entre texto e teatro,
ou, para ser mais preciso, os respectivos valores colocados neles.
A anlise do gestual revela, ento, a face inferior da resistncia, o fato de que
o teatro, o drama de gabinete e o teatro antiteatral de maneira mais geral tambm
produzem uma forma de teatro no interior de seu prprio ato de resistncia. esta
cumplicidade entre rejeio e produo que est por trs das vrias formas de drama
moderno. Sua anlise o assu