Paper de rogério proena leite

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Lugares e sociabilidades juvenis em Ouro Preto Eder Malta (UFS) Rogerio Proença Leite (UFS) Os estudos sobre a cultura juvenil contemporânea têm inserido novas perspectivas e interpelações sociológicas para a compreensão das sociabilidades cotidianas nas cidades. Desde os anos 80 é notável a crescente publicação de novos temas e pesquisas no Brasil sobre os estilos de vida, consumo, identidades urbanas e práticas juvenis, devido, principalmente, à inserção das cidades no fluxo global de capital, signos e consumo que ressiginificou o modo de vida, o cotidiano e a cultura urbana das novas gerações. Deste modo, não somente os problemas sociais enfrentados pelos jovens incrementam as pesquisas urbanas atuais. Mesmo com a importância destas pesquisas sociológicas, devemos observar como se condensam as múltiplas práticas espaciais e culturais juvenis, que inscrevem um fragmentado mapa de sociabilidades nos espaços urbanos. Nosso objeto de pesquisa, Ouro Preto, insere-se no fluxo global de bens, pessoas e capital ao entrar no fluxo turístico e nos processos de “concorrência inter-cidades” (FORTUNA, 1997) através da consolidação de seu patrimônio histórico como “Patrimônio Cultural da Humanidade”, conferido pela Unesco, em 1980 e das intervenções urbanísticas que resultaram no enobrecimento de seu centro histórico. A pesquisa teve como metodologia o levantamento da arte e iconográfico, buscando as fontes primárias e secundárias sobre Ouro Preto e as repúblicas e, principalmente, adotamos a Observação Direta como método de observação, realizando entrevistas e visitas recorrentes às diversas repúblicas e outros espaços que concentram a sociabilidade juvenil na cidade. A escolha de Ouro Preto justifica-se não meramente por ser uma cidade que se inscreve no fluxo global, mas por verificarmos a pouca exploração de estudos que tenham por determinação argumentativa outros fatores além da identidade histórica, arquitetônica e turística. Notamos, então, a necessidade de uma abordagem na esfera cultural e socioespacial, ao compreendermos a espacialidade das relações sociais que demarcam a identidade cultural de uma cidade.

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Lugares e sociabilidades juvenis em Ouro Preto

Eder Malta (UFS)

Rogerio Proença Leite (UFS)

Os estudos sobre a cultura juvenil contemporânea têm inserido novas

perspectivas e interpelações sociológicas para a compreensão das sociabilidades

cotidianas nas cidades. Desde os anos 80 é notável a crescente publicação de novos

temas e pesquisas no Brasil sobre os estilos de vida, consumo, identidades urbanas e

práticas juvenis, devido, principalmente, à inserção das cidades no fluxo global de

capital, signos e consumo que ressiginificou o modo de vida, o cotidiano e a cultura

urbana das novas gerações. Deste modo, não somente os problemas sociais enfrentados

pelos jovens incrementam as pesquisas urbanas atuais. Mesmo com a importância

destas pesquisas sociológicas, devemos observar como se condensam as múltiplas

práticas espaciais e culturais juvenis, que inscrevem um fragmentado mapa de

sociabilidades nos espaços urbanos.

Nosso objeto de pesquisa, Ouro Preto, insere-se no fluxo global de bens, pessoas

e capital ao entrar no fluxo turístico e nos processos de “concorrência inter-cidades”

(FORTUNA, 1997) através da consolidação de seu patrimônio histórico como

“Patrimônio Cultural da Humanidade”, conferido pela Unesco, em 1980 e das

intervenções urbanísticas que resultaram no enobrecimento de seu centro histórico. A

pesquisa teve como metodologia o levantamento da arte e iconográfico, buscando as

fontes primárias e secundárias sobre Ouro Preto e as repúblicas e, principalmente,

adotamos a Observação Direta como método de observação, realizando entrevistas e

visitas recorrentes às diversas repúblicas e outros espaços que concentram a

sociabilidade juvenil na cidade.

A escolha de Ouro Preto justifica-se não meramente por ser uma cidade que se

inscreve no fluxo global, mas por verificarmos a pouca exploração de estudos que

tenham por determinação argumentativa outros fatores além da identidade histórica,

arquitetônica e turística. Notamos, então, a necessidade de uma abordagem na esfera

cultural e socioespacial, ao compreendermos a espacialidade das relações sociais que

demarcam a identidade cultural de uma cidade.

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Ouro Preto ganha essa percepção através da enunciação da vida universitária e

das repúblicas estudantis, sutilmente narrada pela literatura sobre o tema. A cidade

recebe anualmente um grande número de jovens que se deslocam de outras regiões para

ingressar na universidade. Desse modo, pretendemos abordar o seu contexto

contemporâneo, não reportando este debate para a identidade designada pela história

política e arquitetura colonial da antiga Vila Rica, mas através da inserção de novas

pessoas que vão se instalar com fins estudantis, intensificando novas experiências

identitárias no cotidiano da cidade.

A grande maioria dos jovens estudantes migra de outros Estados e outras cidades

de Minas Gerais. Por esse motivo, desde o final do século XIX, a partir da fundação da

Escola de Minas, fundada em 12 de outubro de 1876, Ouro Preto passa a ser uma cidade

universitária constituída de repúblicas estudantis que inscreveram um vasto conjunto de

relações sociais e “incidências identitárias significativas” (COSTA, 2002). Deste modo,

decorreram novos usos e apropriações dos espaços urbanos, assim como do patrimônio

edificado, demarcando as expressões das culturas urbanas dos jovens estudantes que

foram ganhando novas significações com o decorrer do tempo.

A apropriação dos espaços pelas diferentes identidades urbanas dá margem à

formação de lugares, constituindo os espaços públicos, onde as ações são orientadas

subjetivamente pelos sujeitos através dos usos e contra-usos da cidade (LEITE, 2007).

As identidades juvenis estão inscritas na esfera do consumo e do lazer, por isso, a

observação destes fatores é importante para a análise e compreensão da inserção dos

jovens nos lugares e da enunciação das identidades culturais urbanas. Estes processos

envolvendo a cultura juvenil ganharam foco com a recuperação dos centros urbanos

antigos e a sobreposição de novas imagens (HOLLANDS, 1997), sendo este o caso de

Ouro Preto.

Observamos então a prática cultural dos jovens tanto nas ruas da cidade, quanto

dos usos que fazem em alguns dos antigos edifícios como local de moradia e habitação,

principalmente no seu centro enobrecido, onde há maior interação com o fluxo de

turistas da cidade, como também a inserção de diversos usos do patrimônio

arquitetônico e histórico através de práticas culturais como o Carnaval de Ouro Preto e a

Festa do 12 da Escola de Minas, que são organizados pelos próprios estudantes, e

práticas espaciais como criar boates nos porões dos antigos sobrados revitalizados e

reapropriar suas salas para fazer festas e socializações.

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Portanto, a descrição da cidade contemporânea, ou histórica preservada, não está

somente no tipo de ambiente edificado, mas na incursão das pessoas nos espaços

urbanos através de suas práticas e modos de vida espacializantes (CERTEAU, 1994).

Conforme Featherstone, as práticas cotidianas dos jovens “sujeitos descentrados”,

quando se articulam com a proliferação de novos signos, com a experimentação e a

estilização da vida, tendem a descontextualizar a tradição dos espaços da cidade

lançando-se em diferentes formas culturais “para extrair citações do lado imaginário da

vida” (1995, p.98).

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Maria Isabel M. Noites Nômades: espaço e subjetividade nas culturas

jovens contemporâneas. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.

CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis, RJ : Vozes,

1994.

COSTA, António F. Identidades culturais urbanas em época de Globalização. Rev.

bras. Ci. Soc., São Paulo, v. 17, n. 48, Feb. 2002.

COSTA, Márcia R. Culturas juvenis, globalização e localidades. In. COSTA, M. R. e

SILVA, E. M. Sociabilidade juvenil e cultura urbana. São Paulo: Educ, 2006.

FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio

Nobel, 1995.

FEIXA, Carles. O quarto dos adolescentes na era digital. In. COSTA, M. R. e SILVA,

E. M. Sociabilidade juvenil e cultura urbana. São Paulo: Educ, 2006.

FORTUNA, Carlos. Destradicionalização e imagem da cidade: o caso de Évora, In.

C.Fortuna. Cidade, cultura e globalização: ensaios de sociologia. Oeiras, Celta

Editora, 1997.

HOLLANDS, Robert G. As identidades juvenis e a cidade. In. C.Fortuna. Cidade,

cultura e globalização: ensaios de sociologia. Oeiras, Celta Editora, 1997.

LEITE, Rogerio Proença. Contra-usos da cidade: Lugares e espaço público na

experiência urbana contemporânea. Campinas, Unicamp; Aracaju, UFS, 2007.

MACHADO, Otávio Luiz. O sistema de repúblicas de Ouro Preto e Mariana. In: Otávio

L. Machado. (Org.). As repúblicas de Ouro Preto e Mariana: trajetórias e

importância. 1a ed. Recife-PE: 2007, p. 160-194.

PAIS, José Machado. Culturas Juvenis. 2ª Ed. Lisboa : INCM, 2003.