Para a Crítica Da Economia Política

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Implicações da divisão do lucro médio em lucro do empresário e juro Claus Germer * Introdução A concepção da divisão qualitativa do lucro médio em lucro do empresário e juro foi um importante feito teórico de Marx (exposta em OC, III/1, cap. 21-24; Marx, 1979: 1469-1534) 1 , pois permitiu fundamentar de modo coerente a conceituação do juro como parte da mais-valia convertida em lucro médio (OC, III/1: 277). O objetivo deste artigo é desenvolver algumas implicações desta conceituação, à primeira vista desconcertantes. Este tema praticamente não foi abordado por autores marxistas após a obra de Hilferding, de modo que não se dispõe de explorações anteriores que pudessem dar suporte a um avanço maior. 1. Juro e lucro do empresário Segundo Marx, a divisão qualitativa do lucro médio em lucro do empresário 2 e juro implica que se concebe ambos como produtos de duas diferentes funções do mesmo capital: o juro emanaria da função propriedade do capital, enquanto o lucro do empresário emanaria da sua função produtiva (OC, III/1: 280). Perde-se assim a concepção baseada na teoria do valor-trabalho, do juro e do lucro como partes da mais-valia (OC, III/1: 281). Esta é a razão pela qual, uma vez consolidada a divisão qualitativa do lucro médio, a contabilidade das empresas registra separadamente os dois rendimentos do seu capital, o lucro do empresário e o juro (Ibidem: 278, 282; Marx, 1979: 1471-2), independentemente das proporções do capital total pertencentes ao próprio empresário ou obtidas por empréstimo. Assim, quando todo o capital é próprio o capitalista aufere tanto o lucro do empresário quanto o juro sobre o capital 3 . A divisão do lucro médio pode ser representada do seguinte modo (OC, III/1: 290): j l l e + = _ (1) O autor agradece as valiosas críticas e sugestões do Prof. Francisco Paulo Cipolla. * Professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico da UFPR, Curitiba, PR. 1 Para maior simplicidade da exposição, utiliza-se, para as referências ao O Capital, de Marx, por serem numerosas, a abreviação OC seguido do volume em romanos e do tomo em arábicos. 2 O lucro do empresário corresponde ao que Marx denominou ‘ganho empresarial’ (OC, III/1: 279), adotada em outra acepção neste artigo. 3 “O capitalista que trabalha com capital próprio, assim como o que trabalha com emprestado, reparte seu lucro bruto em juro, que lhe cabe como proprietário, como prestamista de capital a si mesmo, e em ganho empresarial, ambas determinadas por leis específicas” (OC, III/1: 280).

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  • Implicaes da diviso do lucro mdio em lucro do empresrio e juro

    Claus Germer

    Introduo A concepo da diviso qualitativa do lucro mdio em lucro do empresrio e juro foi um importante feito terico de Marx (exposta em OC, III/1, cap. 21-24; Marx, 1979: 1469-1534)1, pois permitiu fundamentar de modo coerente a conceituao do juro como parte da mais-valia convertida em lucro mdio (OC, III/1: 277). O objetivo deste artigo desenvolver algumas implicaes desta conceituao, primeira vista desconcertantes. Este tema praticamente no foi abordado por autores marxistas aps a obra de Hilferding, de modo que no se dispe de exploraes anteriores que

    pudessem dar suporte a um avano maior.

    1. Juro e lucro do empresrio Segundo Marx, a diviso qualitativa do lucro mdio em lucro do empresrio2 e juro implica que se concebe ambos como produtos de duas diferentes funes do mesmo capital: o juro emanaria da funo propriedade do capital, enquanto o lucro do empresrio emanaria da sua funo produtiva (OC, III/1: 280). Perde-se assim a concepo baseada na teoria do valor-trabalho, do juro e do lucro como partes da mais-valia (OC, III/1: 281). Esta a razo pela qual, uma vez consolidada a diviso qualitativa do lucro mdio, a contabilidade das empresas registra separadamente os dois rendimentos do seu capital, o lucro do empresrio e o juro (Ibidem: 278, 282; Marx, 1979: 1471-2), independentemente das propores do capital total pertencentes ao prprio empresrio ou obtidas por emprstimo. Assim, quando todo o capital prprio o capitalista aufere tanto o lucro do empresrio quanto o juro sobre o capital3. A diviso do lucro mdio pode ser representada do seguinte modo (OC, III/1: 290):

    jll e +=_

    (1)

    O autor agradece as valiosas crticas e sugestes do Prof. Francisco Paulo Cipolla. Professor do Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Econmico da UFPR, Curitiba, PR.

    1 Para maior simplicidade da exposio, utiliza-se, para as referncias ao O Capital, de Marx, por serem numerosas, a

    abreviao OC seguido do volume em romanos e do tomo em arbicos. 2 O lucro do empresrio corresponde ao que Marx denominou ganho empresarial (OC, III/1: 279), adotada em outra

    acepo neste artigo. 3 O capitalista que trabalha com capital prprio, assim como o que trabalha com emprestado, reparte seu lucro bruto

    em juro, que lhe cabe como proprietrio, como prestamista de capital a si mesmo, e em ganho empresarial, ambas determinadas por leis especficas (OC, III/1: 280).

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    em que _

    l o lucro mdio, el o lucro do empresrio e j o juro, que resultam da incidncia das

    respectivas taxas, a taxa mdia de lucro (_

    l ), a taxa de lucro do empresrio ( el ) e a taxa mdia de juros (j), sobre o mesmo valor-capital total (C):

    Cll = , Cll ee = , e Cjj = (2) o que implica que jll e += . (2a) A taxa mdia de lucro resulta da concorrncia e expressa a relao entre as massas totais da mais-valia e do capital que a gera (OC, III/1: cap. 9 e 10). A taxa de juros determinada no mercado monetrio4 e constitui uma parte da taxa mdia de lucro, como mostrado em (2a). A taxa de lucro do empresrio resulta, como resduo, da taxa mdia de lucro aps a deduo da taxa de juros:

    jlle = (2b) Das definies anteriores resulta que, substituindo (2) em (1) obtm-se

    CjCll e += (3) A frmula (3) coloca em evidncia o fato de que as taxas de lucro do empresrio e de juros incidem sobre o capital total, seja uma parte emprestada ou no, e sejam quais forem as propores dos capitais prprio e emprestado.

    Disto resulta que o objetivo do capitalista industrial deixa de ser a obteno do lucro mdio e passa a ser a obteno do lucro do empresrio. evidente que, a fim de obter o lucro do empresrio, o capitalista deve obter o lucro mdio, pois este, uma vez deduzido o juro, lhe proporciona o lucro do empresrio. A diviso do capital total em parte prpria e parte emprestada confere uma relevncia prtica especial taxa de lucro do empresrio, analisada a seguir.

    2. A taxa de lucro do empresrio sobre o capital prprio - epl

    Hilferding retirou da diviso do lucro mdio uma importante implicao: o capitalista que trabalha com parte de capital emprestado obtm uma taxa de lucro do empresrio superior obtida pelos que trabalham apenas com capital prprio, uma vez que obtm o lucro do empresrio tanto sobre o capital prprio quanto sobre o emprestado, embora invista apenas uma parte do total. Hilferding

    ilustrou a sua concluso com um exemplo simples, supondo uma taxa mdia de lucro de 30%, que se decompe em uma taxa de juros de 5% e uma taxa de lucro do empresrio de 25%. Neste caso um capital prprio de 1 milho obtm um lucro mdio de 300 mil, decomposto na contabilidade da empresa em 250 mil como lucro do empresrio e 50 mil como juros. Como todo o capital prprio,

    4 OC, III/1, cap. 22; Panico: 61-81; Itoh e Lapavitsas: 72.

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    ambos os rendimentos vo para o prprio capitalista. Em seguida, se o mesmo capitalista obtiver um capital emprestado adicional de 1 milho, o seu lucro mdio sobre o total de 2 milhes ser de

    600 mil, dos quais 100 mil sero contabilizados como juros sobre o capital de 2 milhes, e 500 mil como lucro do empresrio. O crdito de 1 milho ser devolvido acrescido de 50 mil de juros. O lucro do empresrio ser portanto de 500 mil sobre o capital prprio de 1 milho, o que representa uma taxa de lucro do empresrio de 50%, em comparao com a taxa simples de lucro do empresrio de 25%, obtida anteriormente, e superior prpria taxa mdia de lucro (Hilferding: 116).

    Para formalizar isto, denominemos C o capital total investido, Cp o capital prprio e Ce o capital

    emprestado5, de modo que:

    ep CCC +=

    Como resultado, as expresses do lucro do empresrio e do juro, em (2), adquirem a seguinte forma:

    )( epee CCll +=

    )( ep CCjj +=

    Substituindo el e j em (1) obtm-se:

    )()( epeepe CjCjClCll +++= Esta frmula permite explicitar a distribuio dos rendimentos das duas partes do capital:

    - eepe ClCl + cabe inteiramente ao capitalista industrial pela funo produtiva do capital;

    - pCj cabe ao mesmo capitalista pela propriedade da parte Cp do capital;

    - eCj cabe ao capitalista monetrio pela propriedade da parte Ce do capital. Esta frmula, em notao simplificada, teria a seguinte forma:

    epe jjll ++= )( , (3a) em que (le+ jp) so os rendimentos que cabem ao capitalista industrial, sendo jp )( pCj= o juro sobre o capital prprio, e je (= eCj ), o juro sobre o capital emprestado, que cabe ao capitalista monetrio.

    Com a incluso do crdito, a natureza do lucro do empresrio, obtido pelo capitalista produtivo,

    altera-se, uma vez que ele obtm o lucro do empresrio integralmente le , embora possua apenas uma parte deste, a parte Cp. Para o capitalista produtivo o lucro do empresrio, embora derivado do

    5 O subscrito e utilizado, neste artigo, em dois sentidos: no sentido de empresrio, como em le, e no sentido de

    emprstimo, como em Ce. Embora inconveniente, esta duplicidade de sentido inevitvel no presente caso.

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    capital total C, constitui objetivamente resultado do investimento do seu capital prprio Cp, ao qual Ce se agrega temporariamente. Assim sendo, o exemplo de Hilferding justifica que se crie um novo conceito de rentabilidade que reflita este importante fenmeno. Este novo conceito o da taxa de

    lucro do empresrio sobre o capital prprio6, que ser representado por epl , com a seguinte frmula:

    p

    eep C

    ll = (4)

    substituindo el pela sua expresso em (2) obtm-se:

    p

    eep C

    Cll = (4a)

    expresso na qual o valor total do lucro do empresrio (le), embora gerado pelo capital total, e no apenas por Cp, relacionado apenas a este.

    Na frmula (4a) surge um importante fator de explicao dos efeitos do crdito sobre a concorrncia, que a proporo do capital prprio no capital total, representada por p:

    CC

    p p=

    Como em (4a) esta proporo est invertida C/Cp a frmula pode ser reescrita como:

    pll eep

    = (5)

    o que significa que a taxa de lucro do empresrio sobre o capital prprio depende diretamente da taxa de lucro do empresrio e inversamente da proporo do capital prprio sobre o capital total.

    No exemplo de Hilferding, no qual 25,0' =el , C=2milhes, e Cp=1 milho, sendo portanto p=0,5, o

    clculo seria o seguinte, com base em (5): epl =0,25/0,5= 0,5 ou 50%.

    Desta elaborao de Hilferding retira-se uma concluso desconcertante, mas teoricamente consistente: diante de um aumento da taxa de juros, no vantajoso que o capitalista industrial reduza o crdito. Isto parece colidir frontalmente com o senso comum econmico, segundo o qual o

    aumento da taxa de juros resulta em reduo da demanda de crdito, mas a sua consistncia terica pode ser demonstrada facilmente. Vejamos o que ocorre, no exemplo de Hilferding, caso a taxa de juros se eleve de 5% para 15%, mantida a taxa mdia de lucro de 30%. A elevao da taxa de juros

    6 Hilferding (p. 117) fala em lucro sobre seu prprio capital, mas no sugere algo como a taxa de lucro do empresrio

    sobre o capital prprio.

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    teria como contrapartida a reduo da taxa de lucro do empresrio ( el ) de 25% para 15%. Vimos que, ao tomar 1 milho em complemento ao seu capital prprio de 1 milho, com j=5%, o capitalista obteve epl =50%. Com o aumento de j para 15%, aplicando a frmula (5):

    epl =0,15/0,5=0,3 ou 30%. Portanto, a taxa de lucro do empresrio sobre o capital prprio caiu de

    50% para 30%.

    Se o capitalista reagir elevao da taxa de juros reduzindo o emprstimo bancrio de 1 milho para 500 mil, e elevando o capital prprio para 1,5 milhes, p eleva-se a 0,75 e C se mantm

    inalterado em 2 milhes. O resultado seria epl =0,15/0,75=0,2. Portanto, com a reduo do capital

    emprestado, a taxa de lucro do empresrio sobre o capital prprio cai de 30% para 20%. Isto significa, como afirmado, que a tentativa de fugir do custo financeiro mais elevado reduzindo o capital emprestado, deteriora ainda mais a taxa de lucro. Este surpreendente resultado sugere a

    relevncia de se examinar de modo mais sistemtico a relao entre epl e el e os determinantes das

    flutuaes de ambos.

    3. Relao entre epl e el

    A simulao acima mostrou que epl , embora reduzida de 50% para 30%, devido ao aumento de j,

    permanece acima da taxa simples de lucro do empresrio ( 'el =15%). A frmula (4a) mostra que este resultado no casual, podendo-se deduzir dela uma importante regra sobre a relao entre epl e el :

    quando uma parte do capital emprestada, a taxa de lucro do empresrio sobre o capital prprio ser sempre superior taxa simples de lucro do empresrio, obtida pelo capitalista industrial que

    no recorre a crdito algum. Isto , epl > el sempre. Isto decorre do fato de que epl resulta da

    multiplicao de el por C/Cp, que ser sempre superior a 1, uma vez que sempre C>Cp. Quando

    Cp=C (isto , quando todo o capital prprio), epl = 'el , o que significa que el o valor mnimo de

    epl .

    Isto significa que, com a generalizao do crdito, a taxa simples de lucro do empresrio torna-se irrelevante como medida da rentabilidade dos capitais. Este resultado significativo porque indica

    que, com crdito bancrio generalizado, a eventual igualao da taxa de lucro do empresrio ( el ) taxa de juros no implica que os capitalistas ficaro indiferentes entre o investimento industrial e a aplicao financeira, uma vez que, com a utilizao de crdito, sempre epl > 'el . Tambm no

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    implica, pelo mesmo motivo, que o investimento produtivo ser interrompido assim que 'el

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    vez que obtm uma taxa de lucro do empresrio sobre o capital prprio superior taxa simples de lucro do empresrio, obtida pelos capitalistas que no recorrem ao crdito, os que a ele recorrem

    podem reduzir seus preos de venda abaixo do preo de produo, a fim de capturar fatias de mercado dos concorrentes (Hilferding: 117).

    Mas a possibilidade de reduzir preos apresenta aspectos contraditrios, pois constitui ou uma

    reao defensiva diante da concorrncia ou o aproveitamento da margem de manobra proporcionada pela reduo da taxa de juros, possveis somente aos capitalistas que trabalham com crdito. Mas ambas as situaes pressupem que a composio orgnica do capital e a produtividade do trabalho permanecem inalteradas, ou seja, no h avano qualitativo do capital. Alm disso, a reduo de preos tambm reduz a rentabilidade do capital, mesmo preservando no mnimo o lucro do empresrio, no podendo portanto ser considerada o efeito mais dinmico proporcionado pelo crdito aos capitalistas que o utilizam.

    O efeito mais dinmico consiste na possibilidade, que a rentabilidade mais elevada proporciona, de mais rpida elevao das escalas de produo, de acelerao do progresso tcnico e de aumento da produtividade do trabalho, resultando em novos aumentos de rentabilidade devidos reduo de custos unitrios, que permitem redues competitivas de preos e captura de fatias de mercado

    adicionais (Hilferding: 116-7). Neste caso as redues de preos no so meramente reativas e no reduzem a rentabilidade, mas a aumentam (OC, I/1, cap. 10).

    O desenvolvimento de Hilferding abre um novo ngulo no que diz respeito ao papel do crdito no

    processo de acumulao. Da perspectiva aberta por Hilferding, o crdito deixa de apresentar-se como simples meio de cobrir insuficincias momentneas de capital prprio, para ser encarado como elemento essencial potencializao da fora expansiva dos capitais individuais: a elevao do lucro do empresrio dos capitalistas individuais os incentiva ao uso cada vez mais intensivo do

    crdito (Hilferding: 117). A extenso da elaborao de Hilferding, neste artigo, confere uma dimenso nova e mais contundente caracterizao do papel do sistema de crdito, por Marx, como ...uma nova e temvel arma na luta da concorrncia e ... enorme mecanismo social para a centralizao dos capitais (OC, I/2: 197).

    O capital de emprstimo converte-se em pilar essencial das estratgias de acumulao dos capitalistas. Nas palavras de Hilferding, o capital prprio, utilizado pelos capitalistas produtivos, torna-se para eles apenas a base de um investimento que, com a ajuda de capital alheio, estendido muito alm do capital prprio (Hilferding: 117). Atravs do crdito, os capitalistas individuais

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    escapam da limitao da taxa mdia de lucro, pois podem elevar as suas taxas de lucro individuais

    ( epl ) sem que a taxa mdia de lucro se altere.

    5. Determinantes das flutuaes de 'epl

    Segundo a frmula (5), epl depende da taxa de lucro do empresrio ( el ) e do grau de endividamento

    (p). No entanto, el no determinado independentemente, sendo apenas um resduo, segundo (2b), de modo que a variao de el , dada a taxa mdia de lucro, apenas reflete a variao de j em sentido contrrio (OC, III/1: 279). Sendo assim, mais correto dizer que epl depende da taxa de

    juros e do grau de endividamento. Portanto, ao dizer que epl depende diretamente de el , entende-se que depende inversamente de j . O grau de endividamento, por outro lado, medido pelo seu inverso, a proporo de capital prprio, que p. Como p est no denominador, segue-se que

    epl depende inversamente de p, o que significa que depende diretamente do grau de endividamento.

    Portanto, epl depende inversamente da taxa de juros e diretamente do grau de endividamento, ou seja, quando a taxa de juros aumenta ou diminui, com p inalterado, epl diminui ou aumenta, respectivamente, e quando p aumenta ou diminui, com j inalterado, epl diminui ou aumenta, respectivamente.

    Disto parece poder deduzir-se que a existncia de uma tendncia crescente da taxa de juros no deveria ser seguida pela reduo da demanda de Ce, mas pelo seu aumento, portanto por uma reduo de p.

    No entanto, h limites tanto para a reduo de p, ou seja, para o aumento da taxa de endividamente, como para a elevao da taxa de juros. O limite mximo da taxa de juros a taxa mdia de lucro. Atingido este limite, el e epl seriam nulos. O limite ao aumento da taxa de endividamento

    determinado pelos critrios de segurana do sistema de crdito. A posse de um mnimo de capital prprio uma condio essencial da garantia dos emprstimos (Kalecki: 133). A partir deste ponto, novas elevaes de j no poderiam ser compensadas por redues de p, portanto causariam queda tanto de el como de epl . Considerando (5), o limite mnimo de p constitui o limite s possibilidades de reao do capital industrial s elevaes de j via aumento do grau de endividamento. Mas j

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    pode elevar-se acima de epl antes que o limite mnimo de p seja atingido. Neste caso poder haver converso de capital industrial em capital de emprstimo.

    Como j se indicou, el torna-se irrelevante para, em confronto com a taxa de juros, determinar o ponto a partir do qual os investimentos produtivos desviam-se para o setor financeiro. Em seu lugar

    comparece epl .

    8. A taxa de ganho do empresrio sobre o capital prprio

    Uma extenso desta anlise conduz a uma concluso ainda mais desconcertante em relao ao senso

    comum econmico. A extenso sugerida consiste em examinar melhor o efeito, sobre o rendimento obtido pelo capitalista industrial, do juro sobre o capital prprio. Segundo a proposio de Marx, a contabilidade empresarial registra separadamente os dois rendimentos sobre o capital total: o juro e o lucro do empresrio. Mas ambos so rendimentos auferidos pelo capitalista industrial, pois o registro contbil em separado no altera o fato de que o capitalista industrial obtm, do lucro mdio

    que produz, toda a diferena entre o total deste e o que paga conta de juros sobre emprstimos, isto , eCjl , que pode ser escrita do seguinte modo, com base em (3a):

    pee jljl += . Pode-se portanto somar as duas partes do lucro mdio que cabem ao capitalista industrial sob o nome de ganho do empresrio, simbolizado por ge, expressando-o da seguinte maneira:

    pee jlg += , ou

    pee CjClg += (8)

    O valor do ganho do empresrio um rendimento resultante do investimento do seu capital prprio, mesmo que auxiliado por emprstimos (OC, III/1: 279). Pode-se, portanto, sugerir o clculo de uma taxa de ganho do empresrio sobre o capital prprio, representada por eg :

    p

    ee C

    gg =

    substituindo ge por (8):

    p

    pee C

    CjClg

    )( += , ou

    jC

    Clgp

    ee

    +

    = (9)

  • 10

    jlg epe += (10) Duas desconcertante concluses retiram-se da frmula (10). A primeira, que a taxa de ganho do empresrio que recorre ao crdito jamais cair abaixo da taxa mdia de lucro. Isto decorre imediatamente do j exposto: como 'epl > 'el sempre, segue-se que tambm )()'( jljl eep +>+ sempre, lembrando que ljle =+ . Portanto, sempre se verificar que lge > , para todos os capitalistas que recorram ao crdito. Tambm neste caso eg se reduzir caso o capitalista reduza o

    seu apelo ao crdito. Este resultado intuitivo: aps o aumento da taxa de juros, no clculo de eg ,

    segundo a frmula (9), a reduo do capital emprestado causaria a reduo de 'epl

    =

    p

    e

    CCl

    , devido

    ao aumento do capital prprio, no denominador, enquanto Cle permaneceria inalterado. A segunda

    concluso que eg ser sempre maior que j, uma vez que eg a soma de j mais epl .

    Este resultado implica que, com crdito generalizado na economia, seria nula a possibilidade de que

    a taxa de juros concorresse com o capital industrial, uma vez que eg sempre superior a j por uma margem igual a epl . Resulta tambm desta anlise que os capitalistas industriais e comerciais que

    no recorrem ao crdito encontram-se em situao pior, na concorrncia, que os que recorrem a ele, pois as taxas de ganho destes excedero sempre as dos primeiros.

    Concluses As principais concluses podem ser assim sintetizadas: 1) com a difuso do crdito e a consequente diviso do lucro mdio em lucro do empresrio e juros, deve-se distinguir a rentabilidade do capital industrial, que a taxa mdia de lucro, da rentabilidade do capitalista industrial;

    2) embora o lucro mdio se divida em lucro do empresrio e juros, a taxa de lucro do empresrio no constitui medida da rentabilidade do capitalista industrial, mas apenas do rendimento da funo produtiva do capital industrial. No artigo prope-se uma medida adequada da rentabilidade do

    capitalista industrial, que a taxa de lucro do empresrio sobre o capital prprio;

    3) a taxa de lucro do empresrio sobre o capital prprio depende da taxa de juros e de um novo fator decorrente da difuso do crdito, que o grau de endividamento do capitalista industrial;

  • 11

    4) graas ao crdito o capitalista industrial liberta-se da limitao da sua rentabilidade pela taxa mdia de lucro, convertendo-se o crdito em verdadeira alavanca da acumulao;

    5) prope-se uma medida do rendimento global obtido pelo capitalista industrial: a taxa de ganho do empresrio sobre o capital prprio. Medido por esta taxa, o rendimento do capitalista industrial sempre superior prpria taxa mdia de lucro;

    6) revela-se novos ngulos do papel do sistema de crdito como potencializador do processo de acumulao. A utilizao do crdito, por capitalistas industriais e comerciais, constitui uma vantagem, no uma desvantagem ou um compromentimento temporrio indesejvel, para os que o utilizam, em relao aos que trabalham apenas com capital prprio ou que apresentam menores graus de endividamento.

    Bibliografia GERMER, Claus Magno. Dinheiro, capital e dinheiro de crdito - o dinheiro segundo Marx.

    Campinas, 1995. Tese (Doutorado em Economia). Insituto de Economia. Universidade Estadual de Campinas.

    HILFERDING, Rudolf.. Das Finanzkapital. Band 1. Frankfurt am Main : Europische

    Verlagsanstalt, 1973. ITOH, Makoto & LAPAVITSAS, Costas. Political economy of money and finance. London :

    Macmillan, 1999. KALECKI, Michal. Teoria da Dinmica Econmica. In: KEYNES, J.M. et al. Ensaios Econmicos.

    So Paulo : Abril Cultural, 1976. MARX, Karl. Zur Kritik der Politischen konomie (Manuskript 1861/63). Text - Teil 4. Berlin :

    Dietz Verlag, 1979. _____ . O Capital. vol. I/1. So Paulo : Abril Cultural, 1983 _____ . O Capital. vol. I/2. So Paulo : Abril Cultural, 1984 _____ . O Capital. vol. III/1. So Paulo : Abril Cultural, 1984. PANICO, Carlo. Interest and profit in the theories of value and distribution. New York : St.

    Martins Press, 1988.