Para Gostar de Direito (1)

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E ta p gu na obra contém matéria para alimentar a r fi do primeiro semestre letivo, em disciplinas m "Intr dução ao Direito" ou "Instituições de Direito P rbl! Privado" ou "Instituições de Direito". -gundo minha experiência de professor, o tempo d um semestre letivo possibilita a discussão cuidadosa d 8 unidades didáticas. Com uma carga de 60 horas, será possível debater os 8 capítulos deste livro, reservar aulas para revisões e provas e promover um pequeno seminário sobre algum tema considerado digno de um aprofundamento especial, tenha sido, ou não, menciona- do neste livro. Suponho também que este texto possa ser indicado como leitura acessória, nas hipóteses em que outro livro seja adotado. O título escolhido indica o propósito desta pequena obrá. Ela reúne temas de iniciação, que eu pretendo que ajudem a gostar do Direito. 1'- Este livro busca atender a algumas linhas que fixei para o meu trabalho científico e pedagógico. Terei alcan- çado meus objetivos se este texto: a) ajudar os estudan- tes, nas primeiras trilhas do curso universitário; b) contribuir para pensar um Direito inspirado em valores humanistas, informado por um projeto de transforma- ção social; c) despertar para o desafio de refletir sobre o Direito dentro de uma ótica libertadora. Espero receber de estudantes, professores e demais leitores críticas e sugestões. Capítulo I ,\ Por que uma iniciação para gostar do Direito? r O móvel da aprendizagem é a motivação. Ninguém aprende bem alguma coisa se não estiver motivado para aprender. Segundo os psicólogos, a motivação mais eficaz não é a motivação negativa - aprender por medo de ficar reprovado, aprender por medo de ser malsucedido etc. A motivação de maior eficiência é a motivação positi- va - aprender por gosto, aprender prazerosamente etc. Por esse motivo, uma cadeira introdutória ao estu-._ do do Direito deve ser. segundo penso, uma iniciação para gostar do Direito. É assim que vejo a "Introdução ao Direito", matéria que abre para os alunos as portas do Curso de Direito. Seu objetivo principal deve ser o de despertar nos principiantes o gosto e o entusiasmo pelo Direito. .; Nos cursos jurídicos, a "Introdução ao Direito", como disciplina do currículo, tem duas características fundamentais: - a) é introdutória, ou seja, é disciplina de iniciação aos estudos de Direito; b) tem finalidade exclusivamente didática. Todas as cadeiras de um curso têm função didática, isto é, todas as cadeiras estão endereçadas à formação dos alunos. Assim acontece, por exemplo, com as diver- sas matérias do currículo jurídico. João Baptista Herkenhojj Av. Antônio Gil Veloso, 2232 - ap. 1601 Edif. Murano - Praia da Costa Vila Velha, ES - CEP: 29.101-735. Fone: (27) 3389-5661 e-rnail: [email protected] Homepage: www.joaobaptista.com 8 João Btipiista Herkenhcff Para gostar do Direito 9

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E ta p gu na obra contém matéria para alimentara r fi xõ do primeiro semestre letivo, em disciplinas

m "Intr dução ao Direito" ou "Instituições de DireitoP rbl! Privado" ou "Instituições de Direito".

-gundo minha experiência de professor, o tempod um semestre letivo possibilita a discussão cuidadosad 8 unidades didáticas. Com uma carga de 60 horas,será possível debater os 8 capítulos deste livro, reservaraulas para revisões e provas e promover um pequenoseminário sobre algum tema considerado digno de umaprofundamento especial, tenha sido, ou não, menciona-do neste livro.

Suponho também que este texto possa ser indicadocomo leitura acessória, nas hipóteses em que outro livroseja adotado.

O título escolhido indica o propósito desta pequenaobrá. Ela reúne temas de iniciação, que eu pretendo queajudem a gostar do Direito.

1'- Este livro busca atender a algumas linhas que fixeipara o meu trabalho científico e pedagógico. Terei alcan-çado meus objetivos se este texto: a) ajudar os estudan-tes, nas primeiras trilhas do curso universitário; b)contribuir para pensar um Direito inspirado em valoreshumanistas, informado por um projeto de transforma-ção social; c) despertar para o desafio de refletir sobre oDireito dentro de uma ótica libertadora.

Espero receber de estudantes, professores e demaisleitores críticas e sugestões.

Capítulo I,\

Por que uma iniciação para gostardo Direito?

r

O móvel da aprendizagem é a motivação. Ninguémaprende bem alguma coisa se não estiver motivado paraaprender.

Segundo os psicólogos, a motivação mais eficaz nãoé a motivação negativa - aprender por medo de ficarreprovado, aprender por medo de ser malsucedido etc.

A motivação de maior eficiência é a motivação positi-va - aprender por gosto, aprender prazerosamente etc.

Por esse motivo, uma cadeira introdutória ao estu-._do do Direito deve ser. segundo penso, uma iniciaçãopara gostar do Direito.

É assim que vejo a "Introdução ao Direito", matériaque abre para os alunos as portas do Curso de Direito.Seu objetivo principal deve ser o de despertar nosprincipiantes o gosto e o entusiasmo pelo Direito. .;

Nos cursos jurídicos, a "Introdução ao Direito",como disciplina do currículo, tem duas característicasfundamentais: -

a) é introdutória, ou seja, é disciplina de iniciaçãoaos estudos de Direito;

b) tem finalidade exclusivamente didática.Todas as cadeiras de um curso têm função didática,

isto é, todas as cadeiras estão endereçadas à formaçãodos alunos. Assim acontece, por exemplo, com as diver-sas matérias do currículo jurídico.

João Baptista HerkenhojjAv. Antônio Gil Veloso, 2232 - ap. 1601

Edif. Murano - Praia da CostaVila Velha, ES - CEP: 29.101-735.

Fone: (27) 3389-5661e-rnail: [email protected]

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8 João Btipiista Herkenhcff Para gostar do Direito 9

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Quando dizemos que a "Introdução ao Direito" tempapel exclusivamente didático, queremos significar algomais.

As outras cadeiras têm função didática, ao lado dafunção de ministrar os conhecimentos correspondentesa uma disciplina jurídica determinada, a uma disciplinajurídica autônoma. Assim acontece com o Direito Civil, ,/o Direito Constitucional, o Direito.jf'revidenciário, oDireito Penal, o Direito Processual Penal etc. São disci-plinas jurídicas que têm autonomia científica.

Já no caso da "Introdução ao Direito", a disciplinatem apenasfunção didática, ou seja, função formativa. A"Introdução ao Direito" não é uma disciplina jurídica,não balisa um setor da Ciência do Direito. Enfim, a"Introdução ao Direito" não tem' autonomia científica.Teria essa autonomia científica se fosse uma campoespecífico do saber jurídico. .

A disciplina "Introdução ao Direito" tem dois obje-tivos gerais que me parecem básicos:

Primeiro - ministrar noções, provenientes de diver-sos campos do conhecimento, para a compreensão dofenômeno jurídico;

Segundo - fornecer instrumentos e informações paraa apreensão dos conceitos fundamentais da Ciência doDireito. \

Penso que Antônio Luís Machado Neto foi bastantepreciso quando se referiu aos temas fundamentais quedevem ser tratados pela "Introdução ao Direito".' Enten-de o saudoso mestre que a disciplina cuidará:

a) de meditar sobre o que seja o Direito;

1 A condensação a que nos propusemos, nesta obra, aconselhou que omitís-semos o registro das fontes bibliográficas, em notas de rodapé, ao citarautores e livros. Também em decorrência da pretendida condensação, nãoincluímos as referências bibliográficas, no final do volume. Na maioria doscasos, as informações sobre autores e livros referidos no texto podem serencontradas na lista de "Leituras complementares indicadas''. que figura nasúltimas páginas.

b) de estabelecer os conceitos essenciais de que sevale o jurista.

A meditação sobre o que seja o Direito envolve umconjunto de reflexões para definir o Direito, discutirsuas diversas concepções, questionar sua natureza, suaorigem, seu papel.

Os conceitos essenciais de que se serve o jurista sãoaqueles conceitos básicos, comuns às diversas áreas doDireito. Esses conceitos não pertencem a nenhum ramoparticular da árvore jurídica. São conceitos utilizadosem todos os ramos do Direito, como um dado prévio,conforme observou o já citado mestre A. L. MachadoNeto.

Paulo Nader distingue conceitos gerais e conceitosespecíficos.

Os conceitos gerais são aqueles que se referem aoconjunto da Ciência do Direito.

São exemplos de conceitos gerais: fato jurídico,relação jurídica, Direito, lei, justiça, segurança jurídica.

Os conceitos específicos são aqueles relacionadoscom ramos específicos do Direito. Podemos relacionarvários exemplos de conceitos específicos: crime doloso(Direito Penal ou Criminal), ato de comércio (DireitoComercial), aviso prévio (Direito do Trabalho), cidada-nia (Direito Constitucional), herança jacente (DireitoCivil), auxílio-reclusão (Direito Previdenciário), fato ge-rador (Direito Tributário), licitação (Direito Administra-tivo), absolvição sumária (Direito Processual Penal),julgamento antecipado da lide (Direito Processual Ci-vil).

Os conceitos gerais devem ser cuidados pela "Intro-dução ao Direito". Os conceitos específicos fogem doâmbito desta disciplina.

Embora os conceitos específicos estejam metodolo-gicamente fora da seara da "Introdução ao Direito",ocorre um fato curioso. Aqueles que começam a estudaro Direito costumam ter uma grande curiosidade por

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tudo aquilo que se refere ao assunto. Desvendar ovocabulário jurídico é um desafio que aguça o espíritodos estudantes. O professor de "Introdução" é freqüente-mente o destinatário das dúvidas. Nada impede, mas

. tudo aconselha, segundo minha opinião, que as aulas de"Introdução" proporcionem oportunidade aos jovens dedescobrir o significado dos termos jurídicos usuais,mesmo daqueles que não constituem conceitos gerais.

São temas complementares, presentes com fre-qüência nos cursos de "Introdução ao Direito", os se-guintes:

a) ,os da Teoria da Técnica Jurídica (fontes do Direito;hermenêutica jurídica, isto é, interpretação das leis;aplicação da lei no tempo e no espaço);

b) os da Enciclopédia Jurídica ou seja, os temasdestinados ao estudo da árvore do Direito e ao examepreliminar e panorâmico do conjunto do universo jurídico;

c) DS da Filosofia do Direito ou, pelo menos, de umaIntrodução à Filosofia do Direito;

d) os da Sociologia do Direito e os da História doDireito.

O conteúdo da disciplina "Introdução ao Direito"não é rigoroso. Isto é uma decorrência de seu caráterestritamente didático, do papel que a matéria desempe-nha no currículo. A escolha dos temas, a abrangênciacom que são tratados deriva da percepção de autores eprofessores.

É também fator determinante, na organização dosprogramas, a presença autônoma de determinadas ca-deiras nos currículos. Se, por exemplo, disciplinas comoSociologia do Direito (ou Sociologia Jurídica) e Históriado Direito integram o curso, como é de todo convenien-te, deixa de haver razão para que a "Introdução aoDireito" preencha as lacunas que decorreriam da omis-são desses estudos.

A diversidade no dimensionamento do conteúdoda disciplina não representa inconveniente para a apren-

dizagem. Mais importante - como observa Benjamin deOliveira Filho - é o espírito com que sejam versados oselementos integradores do curso.

Os ~mas fundamentais da "Introdução ao Direito"estão na.grea da "Teoria Geral do Direito".

A missão da "Teoria Geral do Direito" é estudar ofenômeno jurídico, "na simplicidade da sua evidência eda sua atualidade", como bem colocou Roberto Piragibeda Fonseca.

A "Teoria Geral do Direito" é, segundo pensoj uma-parte da Filosofia do Direito. Assim sendo, se restringi-mos a temática aos assuntos primordiais, a "Introduçãoao Direito" será, na perspectiva em que nos colocamos,uma disciplina filosófica.

Nas frases anteriores, utilizamos cláusulas condi-cionais nas afirmações feitas: "segundo penso", "na pers-pectiva em que nos colocamos". Isto porque, a pertençada Teoria Geral do Direito ao saber filosófico não équestão pacífica. Veremos isto melhor adiante.

O alargamento do campo temático caracterizará a"Introdução ao Direito" como disciplina enciclopédica.Ocorrerá esse alargamento temático sempre que se trou-xer para o ensino da "Introdução ao Direito" temasfilosóficos (Filosofia do Direito), sociológicos (Sociolo-gia do Direito), históricos (História do Direito) ou abran-gentes de variadas disciplinas do Direito (EnciclopédiaJurídica).

Não vi sempre da mesma maneira os objetivos da"Introdução ao Direito". Foi o próprio exercício do ma-gistério. que foi clareando, no meu espírito, aquelesobjetivos que vieram a. me parecer adequado perseguirna cadeira de "Introdução". Para a fixação desses objeti-vos contei com as próprias percepções e opiniões demeus alunos. As expectativas manifestadas por estes, noinício dos cursos, muito contribuíram para a formulaçãodos objetivos. Afinal ninguém melhor do que o alunopode dizer o que espera de uma cadeira introdutória.

,I

12 João Baptista HerkenhoJj Para gostar do Direito 13

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Estabeleci os objetivos a partir das demandas que osalu.nos. me colocaram como aquelas que deviam sersatisfeitas por um curso de "Introdução ao Direito".

S~ponho,. p~es~nt~mente, que os objetivos da "In-troduçao ao. Direito sejam os seguintes:

a) servir de ponte, junto com outras cadeiras entreo curso médio e o curso superior; r ;

b) permitir que o estudante situe o Direito dentrodo quadro universal do conhecimento'

c) l~vara perceber a inter-relaçã~ entre o Direito eos demais conhecimentos, entre o Direito as CiênciasHumanas,

. d) estimular a reflexão sobre as relaçõ es entre osdIVer_sos fenômenos e realidades sociais, vale dizer, arelaçao entre o econômico, o político, o social, o jurídico'

e) levar o iniciante a compreender o qu é o Direito;f) despertar o gosto pelo estudo do Dir ito mostrar

sua importância e sua beleza; ,g) ministrar a noção dos conceitos e ca tegorias

fundamentais da Ciência do Direito;. h)yroporcionar ao estudante uma visão orgânica e

srstcmãtíca do Direito'. i) cor:struir uma. 'base teórica para o estudo poste-

nor I:'r?veitoso .das diversas disciplinas jurídicas;J) introduzir o estudante no conhecimento da termi-

nologia jurídica: especialmente da terminologia básica;, .k) proporcionar a visão dos lineamentos gerais da

técnica jurfd ica:. .1)dar uma visão, pelo menos geral, da evolução do

Direito e d~s causas que determinam as mudanças;m) a~n~ perspectiva~ par~ ~ma visão multidiscipli-

nar do Direito e para a identificação de seus diversosaspectos, enfoques e inter-relações; ..

n) _incentivar a visão crítica do Direito e ajudar naformaçao de um espírito analítico que deveria nos acom-panhar sempre;

14 João Baptista Herkenhof!

o) estimular a reflexão sobre 6 papel que o Direitodesempenha ou pode desempenhar dentro da estruturasocial; desencadear a discussão sobre a missão do juris-ta.

Este último objetivo conduz a questionamentos damaior gravidade:

Seria.c.jurista um simples servo da lei, um agenteconservador? Teria o Direito um papel meramente ins-trumental, a serviço de uma estratégia de manutençãodas estruturas sociais? Seria o Direito mera tecnologiade controle, organização e direção da vida social, comodenunciou José Eduardo Faria?

Ou será o Direito um poderoso instrumento' detransformação social, que pode ser colocado a serviço deopções políticas endereçadas à construção de um outrotipo de sociedade?

Os objetivos retroindicados não são nada modestos.Pelo contrário, são extremamente ambiciosos. Será tal-vez impossível atingir plenamente esses objetivos atravésde um simples curso de "Introdução". Contudo, se hou-ver empenho de professor e alunos, as reflexões nacadeira de "Introdução" podem remeter a reflexões pos-teriores. Seria mesmo desejável que uma vez instaladauma saudável dúvida, na mente dos alunos, a curiosida-de em torno de todos esses temas viesse a ser desafiopermanente, uma busca que não se esgota.

A cadeira de "Introdução" tem, sobretudo, comodissemos, objetivos didáticos. É dirigida, primordial-mente, ao principiante dos estudos jurídicos. Tem afinalidade essencial de abrir para os estudantes as portasda Ciência do Direito. Mas a disciplina não termina aíseu papel. Um bom-curso d~ "Introdução" repercutirápermanen em ente no arcabouço mental do estudante edo futuro profissional.

A base teórica, obtida através desses estudos, enri-quecerá a compreensão do fenômeno jurídico, em suas.diversas f~l .

Para gostar do Direito 15

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A visão orgânica, que a disciplina tem o deve~ deproporcionar, permitirá uma formação coerente e SIste-mática .

./0 espírito crítico, despertado pela disciplina, per-/passará o estudo de todas as áreas do Qir,:ito. , .

~ O próprio gosto ulterior pelas reflexoes teonc~s,.oupelas pugnas práticas, err: qual9-uer campo do Direito,estará, em grande parte, ligado as marcas que um cursode "Introdução" tiver deixado no iniciante.

A ambição globalizante da "Introdução ao ?~reit.?"é tão grande que, a meu ver, o int.eresse pela ma~er~a n~~se restringe aos estudantes. Creio que para o JU~lsta Jaformado - seja o advogado militante, seja o magIst.ra~oem ação, seja o profissional de qualquer outra profissãojurídica - será útil voltar às repe.xões que ~limentaram.oprimeiro encontro com o Direito. Recebi com alegnacartas de advogados e juízes testemunhando o gostocom que esses profissionais lera~ este r:osso ."paragostar do Direito". No mesmo se~tldo, OUVIdepo.lmen-tos pessoais. Em alguns casos, cunosament:, ~,paI com-prou o livro para o filho mas" antes qms dar ,~maolhada" no texto. E nisto que deu uma olhada notexto, gostou e chegou à delicadeza de escrever para oautor.

Cabe discutir se a "Introdução ao Direito" é umadisciplina científica. Para ingressar nessa discussão, épreciso faze~ u~a dist~~çãO prel~minar:. . "

a) restnngImos a Introduçao ao Direito aos temasessenciais?

b) ou: alargamos o campo temático e conferimos àdisciplina um caráter enciclopédico? .'

Se alargamos o campo ter;:'~tiço e. c:mfen:,n~s adisciplina um caráter enciclopédico (hipótese b), a"Introdução ao Direito" não será, de fo:n:a ..al~t.u~a,ciência. Alargado o campo temático, faltara a ~JscIplmaunidade de objeto, ou seja, um campo autonomo epróprio de pesquisa.

16 João r!o/Jlis/n Herkenhof

Se restringimos a "Introdução ao Direito" aos temasessenciais (hipótese "a"), a disciplina será de naturezafilosófica.

~Como disciplina filosófica, a "Introdução ao Direi-to" será ciência se ampliamos o conceito de "ciência"para incluir nele a Filosofia, como ciência geral.

Entendendo que o conhecimento filosófico é distin-to do conhecimento científico, a "Introdução ao Direito",como Filosofia, não será Ciência.

Partilho a opinião dos que distinguem o conheci-mento filosófico e o conhecimento científico. É da essên-cia do conhecimento científico a particularização, aespecialização, a restrição do labor intelectual a umcampo específico e preciso de estudo. O conhecimentofilosófico caminha em sentido inverso. É da sua essênciaa busca do todo, o sentido de globalidade, a tentativa decompreender as estruturas gerais, o esforço de transporo fenômeno e de descobrir as relações entre as realida-des parciais reveladas pela pesquisa científica.

gent-t:o-destª--visão, a-Filosofia-não integra o.qu-ad-rodas ciências. Conseqüentemente, mesmo reduzindo a"Introdução ao Direito" aos temas essenciais, a disciplinaserá filosófica, não será científica.

A "Introdução ao Direito" não se confunde nemcom a Teoria Geral do Direito, nem com a Filosofia do.Direito.

A essência da "Introdução ao Direito" apóia-se emtemas da Teoria Geral do Direito: a meditação a respeitodo que o Direito é; o estudo dos conceitos essenciais deque o jurista se utiliza.

A Teoria da Técnica Jurídica, presente na maioriados cursos dê "Introdução", é também tema da TeoriaGeral do Direito.

Entretanto, para atender sua finalidade didática, a"Introdução" deve transpor os temas da Teoria Geral doDireito. Deve abarcar a Enciclopédia Jurídica. Podeespraiar-se pela Filosofia do Direito, para além da Teoria

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Geral do Direito. Pode, eventualmente, incursionar pelaSociologia do Direito e pela História do Direito.

Sem prejuízo da procedência de todas essas obser-vações, a distinção principal, a meu ver, não se situa natemática.

A distinção principal está na orientação que deveter um curso de "Introdução". Creio que um curso de"Introdução" deve ser aberto, sem travas metodológicasque restrinjam o exame de matérias. Deve ser endereça-do à aprendizagem servindo como ferramenta para oingresso do espírito no mundo do Direito. Não são essasas características da Teoria Geral do Direito, uma vezque seus objetivos têm maior precisão. •

A Introdução ao Direito tambémnão s€ confundecom a Filosofia do Direito.

A Introdução ao Direito inclui, no seu âmbito,temas de Filosofia do Direito:

a) os da Teoria Geral do Direito, como já foi explica-

é possível como coroamento dos estudos jurídicos. A"Introdução" não pode buscar essa síntese superior.Diferentemente, seu propósito é alcançar uma sínteseelementar do Direito.

É ponto polêmico incluir, ou não, a Teoria Geral doDireito no âmbito da Filosofia do Direito.

Luís Recaséns Siches, Miguel Reale e A. L. MachadoNeto pensam que a Teoria Geral do Direito integra aFilosofia do Direito.

Luis Recaséns Siches coloca que incumbe à TeoriaGeral do Direito tratar do que está aquém do Direito.

Miguel Reale percebe a Teoria Geral do Direitocomo a projeção imediata da Epistemologia Jurídica(uma parte da Filosofia do Direito) no plano empírico-positivo.

Observa A. L. Machado Neto que a Teoria Geral doDireito trata de pressupostos da Ciência do Direito, nãose confundindo com esta. O campo da Teoria Geral doDireito é mais genérico que o da Ciência do Direito. ATeoria Geral do Direito objetiva precisar conceitos ge-rais, sem os quais os juristas não podem lograr a realiza-ção do seu mister.

Por ver na Teoria Geral do Direito uma teoria daciência (epistemologia), A. L. Machado Neto situa a TeoriaGeral do Direito no campo da Filosofia do Direito.

Em posição oposta coloca-se Hans Kelsen. Paraeste, a Teoria Geral do Direito é a "Ciência do Direito".Também na linha de uma Teoria Geral do Direito, denatureza científica, militante mente não-filosófica, colo-caram-se A. Merkel (na Alemanha), Filomusi Guelfi (naItália), Edmond-Picard, Paul Roubier, [ean Dabin (naFrança).

Ainda na França, Jean Louis Bergel distingue aTeoria Geral do Direito e a Filosofia do Direito comoconhecimentos absolutamente independentes.

Bergel pensa que a Teoria Geral do Direito parte daobservação dos sistemas jurídicos, da pesquisa de seus

do;b) outros temas de Filosofia do Direito, que trans-

põem os da Teoria Geral do Direito.Temas de índole filosófica, que transpoem os da

Teoria Geral do Direito, são aqueles relacionados com osfundamentos e valores gerais do Direito~

As disciplinas, entretanto, não se confundem, porduas razões:

primeira razão - a "Introdução" abarca temas alheiosà Filosofia do Direito, como já dissemos;

segunda razão - os temas da Filosofia do Direito sãotratados, na "Introdução", de maneira elementar, ematenção ao objetivo didático, de iniciação, que caracteri-za esta matéria.

O ponto em comum entre as duas disciplinas é quetanto a Filosofia do Direito, quanto a Introdução aoDireito buscam uma síntese do Direito. .

Entretanto, como observa A. Machado Paupério, aFilosofia do Direito busca uma síntese superior. Esta só

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elementos permanentes, de sua articulação. De tudo issoprocura extrair os conceitos, as técnicas, as principaisconstruções intelectuais.

Já a Filosofia do Direito tende a despir o Direito desua aparelhagem técnica com o propósito de melhorcompreender sua essência e descobrir sua significaçãomelajurídica.

Observa Bergel que tanto a Teoria Geral do Direitoquanto a Filosofia do Direito tentam compreender o queé o Direito, a que se dirige, quàis são seus objetivos efundamentosl A Teoria Geral do Direito faz ess~s inda-gações a partir do Direito com o objetivo de domma:- suaaplicação. Já a Filosofia do pireito faz a~ mes~as inda-gações a partir da Filosofia. E mais uma Filosofia sobre oDireito.

Paulo Dourado de Gusmão vê a Teoria Geral doDireito como a síntese que coroa a Ciência do Direito.

Alessandro Groppali também encontra uma dife-rença radical entre a Teoria Geral do Direito e a Filosofiado Direito. Não obstante, para Groppali a Teoria Geraldo Direito é o traço de união entre as ciências jurídicasparticulares e a Filosofia do Direito. . . .

Daniel Coelho de Souza e Mana Helena DmIZentendem que a Teoria Geral do Direi~o .ocupa ,::naposição fronteiriça entre a Fil.o~o.fia do I?lf~IAtO~ a Ciên-cia do Direito. Pela sua positividade, e Ciência. Pelostemas que considera e pela generalidade com que o faz,é Filosofia.

Para Benjamin de Oliveira Filho, a Teoria Geral doDireito é uma Filosofia do Direito sem Filosofia. Istoporque buscaria a Teoria Gera~ do ?ireito .a :nesmageneralidade e globalidade da Filosofia do Direito, po-rém a partir de dados empíricos. .

Acompanho os autores que en~ende~ ser a· ~e~riaGeral do Direito uma parte da Filosofia do Direito.Apóio sobretudo as razões apresentadas por A. L. Ma-

chado Neto para situar a Teoria Geral do Direito noâmbito da Filosofia do Direito.

A "Introdução ao Direito" ou uma disciplina intro-dutória de objetivos parecidos sempre fez parte docurrículo dos cursos de Direito.

No Brasil, quando os Cursos Jurídicos foram funda-,dos (11 de agosto de 1827), a cadeira colocada noc~rículo, com função iniciatória, foi denominada "Di-reito Natural".

O "Direito Natural" figurou nos currículos até 1891.Nesse ano, a Reforma-Benjamin Constant substituiu o"Direito Natural" por uma outra cadeira: "Filosofia eHistória do Direito". \

O "Direito Natural" foi retirado do currículo, emrazão das idéias positivistas adotadas pela República.

A disciplina "Filosofia e História do Direito" deve-ria ser estudada no 10 ano do curso.

Em 1895, a cadeira "Filosofia e História do Direito"foi desdobrada: a Filosofia do Direito passou a serestudada no 10 ano, enquanto a História do Direito foiretirada do currículo.

A "Enciclopédia Jurídica" foi instituída em 1912,como cadeira introdutória (Reforma Rivadávia Correia).Foi suprimida em 1915 pela Reforma Maximiliano.

A "Filosofia do Direito" continuou a integrar ocurrículo, ora no 50; ora no 10 ano.

Em 1931 foi instituída a cadeira de "Introdução àCiência do Direito". Veio com a organização da Univer-

.sidade do Rio de Janeiro. A matéria devia ser estudada11010 ano. O advento da disciplina "Introdução à Ciênciado Direito" deslocou a "Filosofia do Direito" para oCurso de Doutorado.

"Introdução ao Direito" é o nome que a antiga"Introdução à Ciência do Direito" passou a ter, a partirde 1972. Constitui disciplina do currículo mínimo docurso de graduação em Direito.

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A "Introdução ao Direito" abre o Curso Jurídicopara os estudantes e desencadeia a reflexão teórica sobreos grandes temas do Direito. Mas se destina a jovens queapenas principiam seus estudos.

A meu ver, a Filosofia do Direito deveria ser, nofinal do curso, o eixo catalisador, o fechamento de umaformação verdadeiramente "universitária". Universida-de, na sua etimologia, traz a idéia de "universalidade,totalidade". O saber universitário é o saber não compar-timentado, não fragmentado, mas íntegro, universal.

A Filosofia do Direito, não apenas presente nocurrículo, mas estudada com interesse e paixão, podecontribuir para essa abertura universal do saber jurídi-co.

De longa data, vínhamos defendendo, na cátedra,em artigos, nas edições anteriores deste livro, o restabe-lecimento da Filosofia do Direito no currículo, mais de60 anos depois que foi dele retirado.

No início de nossa pregação, o momento históricoera totalmente adverso a esse tipo de proposta. Nãoagrada às ditaduras qualquer espécie de questionarnen-to sobre a essência das coisas. Aos regimes totalitáriosmelhor se adequa o "amém, amém", o simples estudo daTécnica Jurídica e das leis vigentes, sem qualquer pre-tensão crítica.

Junto com a Filosofia do Direito parece-me bempróprio o estudo da Ética Jurídica, ou seja, a Éticaaplicada às profissões de advogado, juiz, membro doMinistério Publico e outras que decorrem dos estudos deDireito.

Capitulo 11

Definições e concepções do Direito.Disciplinas que estudam ofenômeno jurídico

A palavra "direito" provém do baixo latim. Origina-se do adjetivo dírectus (qualidade do que está conformeà reta; o que não tem inclinação, desvio ou curvatura). Oadjetivo dírectus é proveniente do particípio passado doverbo dírígere, equivalente a "guiar, conduzir, traçar,alinhar, endireitar, ordenar".

O vocábulo "direito" surgiu aproximadamente no-Século IV. Os romanos usavam a palavra jus, parasignificar o que era lícito. Injuría designava o que erailícito.

. Desde sua formação até hoje, o vocábulo "direito"passou por diversos significados. Primeiro quis dizer "a·qualidade do que está conforme à reta". Depois "aquiloque está conforme à lei". E daí, seguidamente, veio asignificar "a própria lei"; "o conjunto das leis"; "a ciênciaque estuda as leis".

Em diversas línguas ocidentais, o vocábulo "direi-.to" encontra similar: derecho (espanhol), droít (francês),dírítto (italiano), dreptu (romeno), recht (alemão), ret(dinamarquês) .

Não é possível estabelecer uma única definiçãológica de "direito". Isto porque a palavra "direito" éempregada em mais de um sentido.

/'I Para gostar do Direito 2322 João Baptista Herkennof]

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Noprimeiro sentido que vamos examinar, direito é oconjunto de normas ou regras jurídicas.

Esta acepção nos dá a idéia de "direito como norma"ou "direito em sentido objetivo". Direito, na acepção delei ou norma, foi definido por Clóvis Bevilacqua como"regra social obrigatória".

O direito, como norma, pode ser empregado parasignificar:

- a norma jurídica reguladora da conduta social dohomem, considerada genericamente (quando sediz, por exemplo, que "as regras de direito sãoobrigatórias");- o conjunto de normas relacionadas a um ramodeterminado do Direito (Direito Penal, Direito Ci-vil);- o sistema de normas jurídicas vigentes num deter-minado país (direito brasileiro, direito francês).

O direito como norma é também chamado direitopositivo. A designação "Direito Positivo" é usada princi-palmente para contrastar com a expressão "Direito Na-tural".

Direito Positivo é "o Direito institucionalizado peloEstado" (Paulo Nader); é "o sistema normativo-jurídicovigente em determinada época e lugar" (Luiz FernandoCoelho).

O direito positivo é o direito escrito, elaborado pelopoder competente, ou a norma consuetudinária, não-es-crita, resultante dos usos e costumes de cada povo.

Também o direito histórico, não mais vigente, édireito positivo. O direito histórico tem o caráter de.direito positivo porque, a seu tempo, foi vigente.

Num segundo sentido, o direito é a autorização queum sujeito tem para exigir a prestação de um dever por partede outro sujeito.

Nesta acepção, o direito é entendido como faculda-de. O direito como faculdade é o direito subjetivo.

André Franco Montoro definiu o direito subjetivocomo o poder de uma pessoa individual ou coletiva, emrelação a' determinado objeto.

O direito como faculdade apresenta-se de duasformas diferentes: /

- como "interesse", ou seja, quando é instituído embenefício do próprio titular (exemplo: o direito, que todapessoa tem, ao sossego noturno);

- como "função", isto é, quando sua instituição sefaz em benefício de terceiros, não em benefício do titular(exemplo: o direito ao exercício livre do mandato parlamen-tar, instituído, não em favor do próprio parlamentar,mas em favor do povo, da democracia, da expressão dasdiversas correntes de opinião).

Num terceiro sentido, o Direito é a idéia ou o ideal deJustiça, ou o bem devido por justiça, ou a conformidade com asexigências de Justiça.

A essa acepção refere-se Santo Tomás de Aquinoquando diz que "o direito é o que é devido a outrem,segundo uma igualdade".

Quem fixa essa idéia ou ideal de Justiça?Este é um ponto polêmico.Durante muito tempo a tese da existência de uma

idéia ou ideal de Justiça, com força dé gerar direitos eobrigações na ordem jurídica positiva, foi sustentadaexclusivamente pelos partidários do Direito Natural.

C~ll!a-se [usnaturalismo a corrente de pensamen-to qve reúne todas as teorias, surgidas através do tempo,defensoras, sob diversos matizes, do Direito Natural.

O ponto em comum das diversas correntes do[usnaturalismo é a afirmação de que, além do DireitoPositivo, há uma outra ordem, superior àquela, que é aexpressão do direito justo.

A principal divergência na conceituação do DireitoNatural encontra-se no problema da origem e funda-mentação desse Direito.

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24 João Baptista Herkenhof[ Para gostar do Direito

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25

Page 10: Para Gostar de Direito (1)

Hermes Lima tentou definir o Direito Naturalabrangendo as diversas orientações teóricas que dispu-tam a explicação desta matéria. Viu o Direito Naturalcomo o conjunto de princípios que atribuídos a Deus, àrazão, ou havidos como decorrentes da natureza dascoisas, independem de convenção ou legislação. Esteconjunto de princípios seriam determinantes, informati-vos ou condicionantes das leis positivas.

A idéia de Direito Natural está morta, na atualida-

mente ao positivismo. E a idéia de direito justo nãovoará em direção de nuvens metafísicas. O direito justointegra a dialética jurídica. Não se desliga das lutassociais, no seu desenvolvimento histórico, entre espolia-dos e espoliadores, oprimidos e opressores.

Roberto A. R. de Aguiar defende a busca do que elechama de "direito comprometido". Esse "direito compro-metido" será fruto de um conflito entre o direito posto(vigente e eficaz) e o direito em potencial, que emergedas lutas dos dominados, dos destinatários esmagadosna ordem jurídica posta .

Em nossa opinião, no mundo moderno, é viável eindispensável defender uma concepção ética do Direito.Será preciso compreender, de início, que vivemos umtempo de pluralismo cultural. Esse pluralismo culturalexige respeito recíproco entre as diversas culturas hu-manas. Pede a busca de diálogo e enriquecimento mútuona troca de experiências e perspectivas. A concepçãoética do Direito deve provir do próprio pluralismo, sem_dogmatismo, antropologicamente.--- Assiste razão a Carl J. Friedrich, quando defende anecessidade de um padrão válido, fora e além do Direi-to, para proteger o Direito.

A nosso ver, esse padrão é essencial, qualquer queseja a forma que assuma. Seja o direito supralegal, a quese refere Radbruch; seja a referência crítica para a legis-lação vigente, propugnada por Hermes Lima; seja atentativa de humanização da Justiça, a que se refereFlóscolo da Nóbrega; sejam os Direitos Humanos procla-mados em foros internacionais, ou trazidos à práticaefetiva, através de convenções e tribunais internacio-nais.

/"Quando falamos em Direitos Humanos proclama-dos, como padrão ético para julgar a legitimidade dodireito positivo, não nos referimos apenas à concepçãoocidental de Direitos Humanos. Veremos que, por trásda aparência de divergências vocabulares, há muito em

de?Carlos Henrique Porto Carreiro pensa que sim. Esse

.autor acha que a ressurreição do Direito Natural sóinteressa àqueles que pretendem manter o homem sub-metido ao poder de grupos e classes que o exploramideologicamente.

Emsentido oposto, Artur Machado Paupério achaque o Direito Natural está vivo, pois que volta a polari-zar as inteligências, num movimento de autêntica flora-ção renascentista.

Recaséns Siches põe um dilema. Ou aceitamos oDireito Natural como portador da idéia de Justiça, ouoptamos pela ruína dos fundamentos do Direito, que setransforma em mero fenômeno de força.

Paulo Nader entende que o jusfilósofo será partidá-rio do Direito Natural, ou defensor de um monismojurídico que reduz o Direito à ordem jurídica positivaapenas.

No fogo cruzado do debate, Roberto Lyra Filhopropõe que se recuse a escolha entre a visão positivista ea visão jusnaturalista do Direito. Para ele, somente umanova teoria realmente dialética do Direito evita a quedanuma das pontas dessa antítese.

Como em toda superação dialética, - explica Rober-to Lyra Filho, - importa conservar os aspectos válidos deambas as posições e rejeitar os demais. Os aspectospositivos serão reenquadrados numa visão superior.Nessa linha, a positividade do Direito não conduz fatal-

26 João Baptistn Herkenhoff Para gostar do Direito 27

Page 11: Para Gostar de Direito (1)

comum, no nível da identidade espiritual, entre a Decla-ração Universal dos Direitos Humanos, estabelecidapela ONU, e outras Declarações de Direitos Humanos,como a Declaração Islâmica Universal dos Direitos doHomem, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dosPovos, a Carta Universal dos Direitos dos Povos (Cartade Argel), a Carta Americana de Direitos e Deveres doHomem e a Declaração Solene dos Povos Indígenas doMundo.

A única coisa, a nosso ver, intolerável é que, em facedo esmagamento do ser humano, pela força de sistemaslegais opressivos, não possa o jurista dizer, como oprofeta, ante o opressor:

"mesmo com a lei e a força nas mãos, não te é lícitofazer isto."

Num quarto sentido, o Direito é o setor do conheci-me?J;toque investiga o fenômeno jurídico./> A palavra "direito" serve tanto para designar o

/ ramo do conhecimento (Ciência do Direito), quanto o/ objeto desse ramo do conhecimento. O Direito como

ramo do conhecimento ou ciência é o estudo metódicodo fenômeno jurídico e a sistematização que decorredesse estudo.

Num quinto e último sentido, o Direito é um fatosocial. O Direito, independente de ser um conjunto designificações normativas, é também um conjunto defenômenos que se dão na vida social. Visto dessa forma,o Direito é objeto da Sociologia do Direito (ou SociologiaJurídica). Kôhler adotou essa perspectiva quando con-ceituou o Direito como um fenômeno da cultura.

Além desses cinco sentidos e seus desdobramentos,que acabamos de examinar e discutir, ainda podemospesquisar outro tema:

Qual é a origem do Direito? Seria uma idéia inatano ser humano? Seria um produto cultural, histórico?

Ou seria expressão jurídica dos interesses da classedominante?

A perspectiva de ver o direito como idéia inata é a deconsiderar o -sentimento de Direito e de Justiça comoparte integrante da natureza humana. Nessa visão, oDireito transcenderia a experiência.

Típica dessa orientação teórica é a colocação deGiorgio DeI Vecchio. Para DeI Vecchio, o Direito expri-me sempre uma verdade não-física, porém metafísica.Tradt;-z uma verdade superior à realidade dos fenôme-nos. E um modelo ideal que tende a impor-se à realida-de. O Direito carrega um princípio de valoração.

Outra perspectiva entende o Direito como noçãohistórica. Rudolf Von Ihering adota essa orientação. Napercepção de Ihering, os direitos transformam-se, àmedida que se alteram os interesses da vida. Interesses edireitos são historicamente paralelos.

No Brasil, Sílvio Romero e Tobias Barreto, dentreoutros, aderiram à corrente histórica, na explicação dofenômeno jurídico.

'> Sílvio Romero definiu o Direito como complexo decondições, criadas pelo espírito das várias épocas. ODireito serve para -limitar o conflito das liberdades etornar possível a coexistência social.

Tobias Barreto viu o Direito como sendo a discipli-na das. forças sociais, ou o princípio da seleção legal naluta pela existência.

Os seguidores da corrente histórica tentaram bus-car um substrato histórico para o Direito. Deram muitorealce ao estudo do fenômeno jurídico à luz da História.

A terceira orientação, que estamos a examinar, vê oDireito como expressão histórica de uma classe economica-mente dominante. Nessa linha, o Direito deriva das rela-ções materiais de produção. As relações de produçãoprecisam ser regulamentadas, à medida que surgem.Devem ser regulamentadas de acordo com o interesse daclasse economicamente dominante."'"

I".2928 Para gostar do DireitoJoão Baptista Herkenhoff

Page 12: Para Gostar de Direito (1)

r'

/Karl Marx disse que as relações jurídicas, bem como

as formas de Estado, não podem ser explicadas por simesmas. A chamada evolução geral do espírito humanotambém não deslinda a questão. As relações jurídicastêm suas raízes nas condições materiais da existênciaj-

Krylenko e Strogovic, na doutrina estrangeira, C. H.Porto Carreiro, no Brasil, foram alguns dos escritoresque adotaram a explicação marxista do fenômenojurídico.

Segundo N. V. Krylenko, o Direito é a expressãodas relações sociais dos homens, que ocorrem sobre abase das relações de produção de uma determinadasociedade. Isto acontece tanto na forma escrita da leivigente, quanto na forma não-escrita do direito consue-tudinário. O conteúdo do Direito é a disciplina dasrelações sociais, no interesse da classe dominante dasociedade. Em outras palavras: as relações sociais sãotuteladas pela classe dominante, mediante força coerciti-va, com a mediação do direito.

M. I. Strogovic vê o Direito como um conjunto deregras de conduta que exprimem a vontade da classedominante. Essas regras são estabelecidas ou sanciona-das pelo Estadol A execução e a observância do Direitosão asseguradas pela força coativa do Estado. O objetivodo Direito é tutelar, consolidar e desenvolver as relaçõese o ordenamento sociais, de maneira favorável e vantajo-sa para a classe dominante.

C. H. Porto Carreiro diz que o Direito fixa, acima detudo, as relações econômicas que predominam em dadasociedade, em certo momento histórico. O Direito temuma natureza histórica e um caráter de classe. Exprime ointeresse da classe dominante, cristalizado na lei. Poresta razão, o Direito pressupõe o Estado, que é o orga-nismo capaz de impor o cumprimento da vontade declasse.

Parece-me que a escola histórica deu certa luz aoproblema, quando percebeu o caráter mutável do Direi-

f

to. Porém não desvendou a raiz da questão, o que só oMarxismo fez, quando identificou o móvel da criação eda evolução históricas do Direito.

_ A visão de Direito como idéia inata é, a nosso ver,equivocada, quando pretende dar ao Direito um sentidoestáticocanterior e superior à História e aos conflitos declasse. Entretanto, parece-me haver um substrato deverdade no pensamento que inspirou essa corrente. Semprejuízo de considerar as transformações e vicissitudesdo tempo histórico, sem prejuízo de constatar que deter-minadas relações de produção plasmam a maioria dosinstitutos jurídicos (sobretudo aqueles que modelam onúcleo central dos sistemas legislativos), parece quealguns princípios de Direito integram o mais profundoda condição humana. A observação comparada da cultu-ra jurídica de povos distantes no tempo e no espaçoparece conduzir a uma tal conclusão.

Acreditamos que a mais correta perspectiva é a queprocura explicar o Direito como expressão histórica dadisse economicamente dominante. As transformaçõeshistóricas que fizeram ruir o bloco socialista não alte-ram, em nada, essa concepção. O mundo está hoje sob o

~império de uma única nação, que tenta impor o figurinoneoliberal a todos os povos. Mas seria ilusório imaginarque esse domínio militar e econômico tenha a força deesmagar a Utopia que alimenta a alma humana.

Vejamos, finalmente, as diversas disciplinas queestudam o Direito.

O fenômeno jurídico pode ser estudado por mais deum ângulo. Daniel Coelho de Souza exemplifica muitobem. Da mesma forma que o homem, indivisível, podese~examinado quanto a sua anatomia, morfologia, fisio-logia, psicologia etc., também o conhecimento jurídicoresolve-se em vários saberes especializados. Ou seja, ofenômeno jurídico pode ser analisado por diversos ân-gulos, correspondentes a disciplinas específicas.

30 31João Baptista Herkenhojj Para gostar do Direito

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Page 13: Para Gostar de Direito (1)

r

As principais disciplinas que estudam o fenômenojurídico são a Dogmática Jurídica, a Filosofia do Direito,a Sociologia do Direito, a História do Direito, a Antropo-logia do Direito e o Direito Comparado.

Também deve ser mencionada a Teoria Geral doDireito quando não se considera essa disciplina comoparte da Filosofia do Direito, posição, entretanto, quenão é a nossa, conforme expusemos no início deste livro.

A Dogmática Jurídica estuda o Direito como umconjunto sistemático de normas de conduta que guar-

-dam uma lógica interna.A Filosofia do Direito procura captar a realidade

jurídica por meio de sua relação com as causas primeirase os princípios fundamentais. Debruça-se sobre o estudoda natureza do Direito e de sua significação essencial.

A Sociologia do Direito (ou Sociologia Jurídica) vê ofenômeno jurídico como fato social.

A circunstância de ser o fenômeno jurídico um fatosocial é que justifica a própria existência da Sociologiado Direito.

Encarando o Direito como fato social, a Sociologiado Direito concentra seu interesse naquilo que o Direitoé, não naquilo que, hipoteticamente, devia ser.

Nessa perspectiva, o Direito é visto como causa econseqüência de outros fatos sociais. .

A Sociologia do Direito procura captar a realidadejurídica e projetá-Ia em relação a causas e princípiosverificáveis.

A História do Direito procura inserir o fenômenojurídico no seu contexto de espaço e tempoq Pesq~i~a eanalisa os institutos jurídicos deipassado, ou nos limitesde uma ordem jurídica nacional, ou num conjunto desistemas jurídicos semelhantes, ou mesmo numa visãouniversal.

A História do Direito, dentro de uma perspectivamoderna, não se limita à mera descrição dos fatos, numa

32 João Bapiisia l-!erkenhoff/

croruca do passado. Deve explicar os acontecimentos,interpretá-Ios e relacioná-los de forma causal.

A Antropologia do Direito (ou Etnologia [urídica, ouAntropologia Jurídico-Cultural) estuda o Direito comouma dimensão da vida humana. Em face de seu propósi-to de desvendar o homem, na sua vida material eespiritual, interessa-se o antropólogo por essa facetapresente nas mais diversas culturas - o homem jurídico.Há estudos de Antropologia do Direito que versam quersobre o homem das sociedades primitivas, quer sobre ohomem das sociedades modernas.

O Direito Comparado estuda as-i±1.stitB.içôese siste-mas jurídicos positivos, pertencentes a épocas e paísesdistintos. Fixa as diferenças e semelhanças para, desseestudo, tirar conclusões sobre a evolução dos sistemas einstituições, como observou Rubem Rodrigues No-gueira.

É também propósito do Direito Comparado buscarcritérios para o aperfeiçoamento das instituições jurídi-cas e para a uniformização legislativa, quando cabível econveniente ..'

O Direito Comparado deve ultrapassar o meroestudo comparativo das legislações. Cabe-lhe mergulharnos fatos culturais, políticos e econômicos para beminterpretar divergências e convergências, influências eempréstimos, investigando também as possibilidades detransposição de institutos jurídicos, tendo em vista oprogresso do Direito.

É extremamente importante o conhecimento dasdiversas disciplinas que estudam o fenômeno jurídico. A

, incursão do espírito nos diversos saberes jurídicos alar-ga a compreensão do Direito.

Alguns juristas entendem que cada departamentocientífico estuda o fenômeno jurídico dentro da respecti-va metodologia, mas não deve haver comunicação entreas respectivas visões. Essa postura reivindica para aDogmática Jurídica a condição de ser a "Ciência" do

Para gostar do Direito 33

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Direito. A reflexão dos outros saberes jurídicos sobre oDireito não seria científica ou, pelo menos, o tratamentomúltiplo do fato jurídico seria estranho à tarefa dojurista.

Discordamos dessa posição. Não nos pa~ece que?Direito, realidade complexa, possa ser enten~ldo e,aph-cado corretamente, se adotada uma concepçao umvocado fenômeno jurídico.

Cremos que no estudo, na pesquisa. e ~a. práticadiuturna do Direito, cada um dos saberes [urídicos temsua contribuição a dar. Isto se queremos apreender. c~msabedoria a realidade e se tencionamos fazer do Direitoum instrumento de Justiça e progresso social.

34 João Baptista Herkel1hoff••

Capitulo 111

o Direi to é ciência?

A aceita ão do Direito como conhecimento científi-co divide os doutrinadores. E matéria extremamente

- --controvertida, como veremos neste capítulo.

O tema gerou acirradas disputas no passado. Aindahoje está longe de ser pacífico, embora a maioria dosautores modernos incline-se pela admissão da cientifici-dade do Direito.

As razões da controvérsia são de forma e de fundo,como teremos oportunidade de observar adiante.

A reflexão sobre a cientificidade do Direito não éuma questão soment~todoló ica. Atinge também, naessência, o entendimento do que seja o Direito e do queseja a substância do trabalho dos operadores do conheci-mento jurídico.

O debate deste tema ajuda a aclarar a compreensãodo que é o próprio fenômeno jurídico. Em outras pala-vras: este debate tem um fruto reflexo; joga luz sobre ofenômeno jurídico, contribui para identificá-lo e com-preendê-lo.

Este fruto reflexo torna ainda mais relevante o estudodeste assunto pelos iniciantes dos estudos do Direito.

Aurélio Wander Bastos afirma que a questão dacientificidade do Direito é o problema centraldosestu-dos jurídicoa.Conseqüenternente, segundo esse autor, étambém a questão central do ensino, da pesquisa, daaplicação e da interpretação jurídica.

Para gostar do Direito 35

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Dentre algumas vozes que se levantaram contra acientificidade do Direito podem ser arroladas as deJulius Hermann von Kirchmann, Max Salomon, FélixDahn, André Wilhelm Lundstedt, Paul Roubier, Theo-dor Jaehner, Paul Korschaker, Max Rumpf, Franz W.Jerusalem, Theodor Viehweg, Ottmar Ballweg, Charn-berlain, Nussbaum (fora do Brasil); Pedro Lessa, Quei-rós Lima, Paulino Jacques (no Brasil).

Os autores que se filiam ao Positivismo, em geral,subscrevem a opinião dessa escola. Negam a cientifici-dade do Direito.

Não examinaremos a opinião de todos os autoresacima citados. O estudo de alguns pensamentos serábastante para compreender as razões que militam contraa cientificidade do conhecimento jurídico.

Kirchmann afirmou que o Direito, tendo por objetoo contingente, é também contingente.

Esse jurista alemão pretendeu retratar a instabilida-de do Direito através de uma frase fulminante: trêspalavras retificadoras do legislador tornam inútil todauma biblioteca jurídica.

A instabilidade do Direito representava, paraKirchmann, a mais flagrante impossibilidade de suaaceitação como ciência.

Fenômeno histórico, mutável, o Direito não admitegeneralização. E a formulação de generalizações é im-prescindível ao saber científico.

Kirchmann observou também que o jurista semprese mostrava incapaz de apreender a realidade jurídica.Quando se habilitava para conceituar essa realidade, amesma já estava desfigurada pelas modificações históri-cas.

Kirchmann via o Direito como incapaz de acompa-nhar o progresso. Apontava um atraso considerável dosaber jurídico, em comparação ao desenvolvimento das'demais ciências.

36 João Baptista Herkenhof!

Kirchmann expôs sua doutrina num pequeno livroque ~ t~rnou célebre: Da falta de valor científico da Ciênciado Direito, Esse livro foi publicado em 1848, quando seuautor tinha 46 anos.

A instabilidade da norma jurídica é também a razãoadotada por Max Salomon para negar a cientificidade doDireito: Esse a,:to~ v.ê a norma jurídica como o objeto doconhecimento jurídico. Seu pensamento foi defendidonum livro publicado em 1925.

André Wilhelm Lundstedt afirmou que o Direitonão é ciência, em face da relatividade de suas leis e dasingularidade de-seus princípios gerais. A obra, na qualLundstedt negou o caráter científico do Direito, foipublicada na década de 1930.

Segundo Paul Koschaker, o Direito não é ciênciaporque não se propõe a descobrir verdades.

, .Nussbaum entendi~ que o Direito seria apenas umatecmc~ porque estudana normas sob o ponto de vistaexclusivamente formal. O Direito não estudaria normascomo fatos determinados pela vida espiritual da socie-dade.

_~ Tar:nbém .se nega cientificidade ao Direito porque~ao tena vahdade universal. E um dos argumentosInvocados, dentre outros, por Paulino Jacques, paranegar caráter científico ao conhecimento jurfdico.e-

Três seriam os requisitos fundamentais do sabercientífico:

a) conhecimentos adquiridos metodicamente;b) conhecimentos que tenham sido objeto de obser-

vação sistemática;. c) conhecimentos que contenham validez universal,

pela certeza de seus dados e resultados.O Direito jnão atenderia ao zerceiro requisito. O

Direito, ~omo disse Atistóteles, não é como o fogo~ quearde do mesmo modo na Pérsià e ria Grécia.

Os princípios do Direito variam -de país para país,de sist~m~ jurídico para sistema jurídico. Nem mesmo

Para gostar do Direito 37

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os chamados princípios gerais do Direito teriam validadeuniversal.

/ O Positivismo encarou a Ciência do Direito comoum aspecto da Física Social. Aquilo quer no Direito, nãopudesse ser reduzido à ciência natural seria me,ra "arte,simples aplicação dos princípios óentíficos,l

Nessa linha do Positivismo colocou-se Pedro Lessa.Para este, as regras do Direito são preceitos artísticos,normas para fins práticos. São determinações que seimpõem à vontade. As regras do Direito não se confun-dem com as afirmações científicas. Estas são dirigidas àinteligência.

Franz W. Jerusalem nega a cientificidade do Direitoporque carece da liberdade de pensamento inerente atoda ciência autêntica. O trabalho do jurista não é livre,segundo Jerusalem, porque está subordinado à autori-dade da teoria predominante.

Theodor Viehweg diz que a cientificidade devefundar-se na possibilidade de objetivação e deve pressu-por uma referência à atividade intencional da subjetivi-dade. A cientificidade do Direito exigiria umaneutralidade quanto aos valores (neutralidade axiológi-ca). O método axiológico requer uma relação dialógicareferida a um sujeito. A cientificidade exigiria a elimina-ção dessa situação dialógica inerente ao Direito. A cien-tificidade do Direito pressuporia que fosse expurgadode toda ideologia. .

Em conseqüência dessas limitações, Viehweg negao caráter científico do Direito.

Paulinº--J..acq.UJ pensa q.w o Dir~ito_ é mais queCiência. Estaria mesmo acima da Arte, da Filosofia e daReligião. Istoporqiie o Direito é Política. a mais alta ecomplexa forma do conhecimento. A política mobilizatodas as outras formas de conhecimento, para servir oconvívio humano.

Alguns dos defensores do Direito como ciência,dentre muitos outros, foram: Capograssi, Jacques Novi-

38 João Baptista Herkenhojj

c?w, ~ans Kelsen, Carlos Cossio, Angel Latorre, Hein-nch Rickert, Recaséns Siches, Karl Larenz, AbelardoTorré (autores estrangeiros); A. L. Machado Neto, PauloDour~do de. Gusmão, Naylor Salles Gontijo, C. H. PortoCarreiro, Miguel Reale, Daniel Coelho de Souza, Wilsonde Souza Campos Batalha, Luiz Fernando Coelho An-d.ré Franco ~o~toro, Tércio Sampaio Ferraz Júnior: Ma-na Helena Diniz (autores brasileiros).

Da mesma maneira como fizemos com relação aosautores da opinião adversa, não examinaremos aqui opensamento .d: todos estes autores. Veremos apenasal~uma~ posiçoes que resumem o conjunto das visõesafirmativas da cientificidade do Direito.

A E~cola dos Pandectistas foi uma escola jurídicaque surgru n~ Alemanha 'durante o século XIX. Repelia

_qualquer noçao absoluta ou abstrata da idéia de Direito.Considerava o Direito como um corpo de normas posíti-vaso Esse corpo de normas deveria ser estabelecido combase no sistema do Direito Romano. A escola deve suadenominação ao fato de que seu fundamento eram as~a~dectas, uma compilação das decisões de antigosJunsc?nsultos. Tais decisões, agrupadas nas Pandectas,ou Digesto, foram convertidas em lei pelo ImperadorJustiniano.

. ~. ~scola dos Pandectistas pretendeu afirmar acientificidade do Direito através do esforço de dar valor

.ge~al a certos concei~os, independente da consagração~eles em qualquer SIstema jurídico. Tais conceitos se-nam, dentre outros. o de herança, propriedade, contrato.

<?s pandectistas procuraram investigar e descobrirum ~Istema de conceitos jurídicos gerais, que seriamgeraIs não obstante derivados do direito positivo.

Capograssi defendeu a cientificidade do Direitoafirmando que 'o objeto da Ciência do Direito não é anorma jurídica, mas a experiência jurídica.

A n?r,ma)urídica é mutável. A experiência jurídica,ao contra no, e portadora de certa estabilidade.

Para gostar do Direito 39

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-:v A expenencia jurídica tem a mesma estabilidadedos demais fatos históricos.

A experiência jurídica conserva, como tradição, aexperiência passada. Essa experiência jurídica mantém-se viva, não obstante a mutabilidade das normas.

Angel Latorre refutou o argumento de Kirchmannquanto à instabilidade das normas jurídicas. Notou queas normas concretas e as leis particulares mudam, semdúvida, com freqüência. Um sistema jurídico, no seu .conjunto, entretanto, não costuma transformar-se demaneira brusca. . )

IHans Kelsen viu o Direito como uma ciência norma-tiva. Segundo seu pensamento, o objeto da Ciência doDireito é o ordenamento jurídico. Esse ordenamento estáescalonado sob a forma de pirâmide, em cujo topo seencontra a norma fundamental hipotética/

Carlos Cossio também vê o Direito como ciêncianormativa. Contudo, seu ângulo de percepção opõe-seao de Kelsen. Para Carlos Cossio a Ciência do Direito éciência normativa porque conhece seu objeto mediantenormas. O Direito não é ciência normativa porque minis-tre normas ou conheça normas.

Cossio explicou, nos seus livros, a teoria que desen-volveu - a Teoria Egológica do Direito. A Teoria Egológi-ca do Direito contrapõe-se ao racionalismo jurídico. EssaTeoria afirma que o objeto a ser conhecido pelo jurista éa conduta humana considerada sob certo ângulo parti-cular. O objeto a ser conhecido pelo jurista não são asnormas.

Cossio deu um exemplo esclarecedor de seu lumi-noso pensamento. Disse ele que acontece com o jurista omesmo que acontece com o astrônomo. O objeto doconhecimento do astrônomo são os astros, não são as leisde Kepler e de Newton. Estas leis (diga-se, entre parên-teses, hoje ultrapassadas) são apenas conceitos com osquais os astros seriam conhecidos. Assim também, naCiência do Direito o objeto do conhecimento do jurista

r;ão são as normas. O objeto do conhecimento do juristae a cor:du,ta. em sua interferência intersubjetiva. Asnormas jurídicas são apenas conceitos através dos quaisa conduta é conhecida como conduta.

Foi esta visão da Ciência do Direito que fundamen-tou uma sentença que lavramos como juiz, absolvendouma estudante universitária. Ela chamou de "guardi-nha" um. g:-l~rda d~ trânsito famoso em Vitória por suaextraor~mana delicadeza. Esse exemplar funcionárioe.ra apelidado de Guar?a-Sorriso. A moça não conseguiahr~r seu carro do meio de uma via pública porque ov:lcu.lo afog~ra. Em face disso, seu carro engarrafava otrânsito. Entao o guarda lhe impôs sucessivas multa .Por causa da situação embaraçosa e em razão das mui-tas, a moça ficou nervosa e ofendeu o Guarda-Sorri ochamando-o, pejorativamente, de "guardinha''.

Adotamos nessa sentença a tese de CarlosCo j .

Afirmamos que o Direito é conduta, e não norma. ':;111

conseqüência, não se pode conceber uma hermenêuti II

jurídica (ou seja, uma teoria da interpretação das leis),senão do objeto jurídico - a conduta. Dentro d ,post~ra, o indiví~u~ julgado é substituído por surfatalidade ou contingênoia.?

O Direito também se enquadra como Ciência à I li';

d~s re~uisitos do saber científico propostos por Carl J.Fnednch. O Direito seria ciência porque:

a) está relacionado a um corpo determinad I.conhecimentos, tem um objeto preciso de estudo;

b) seu propósito de investigação fixa-se num 1'10corpo de experiências;

c) possui métodos específicos.Naylor Salles Gontijo defende o caráter cientffi O

do Direito. Segundo esse autor, quatro pontos identifi-cam a essência científica do Direito:2 A íntegra desta sentença ~.od~ ser lida no nosso livro "Uma Porta paro Ohomem no Direito Criminal . RlO de Janeiro, Editora Forense, 1999, 3" • 1.,pp. 9 e segs.

João Bnptistn Herkenhof] Para gostar do Direito 41

Page 18: Para Gostar de Direito (1)

a) o Direito está sujeito à observação e descriçãodentro dos diferentes grupos sociais, mesmo que nãoassuma a forma de "direito escrito";

b) o Direito oferece campo para a investigação dasexperiências jurídicas, resultantes dos diferentes siste-mas jurídicos (o que se faz através do Direito Comparado);

c) o Direito é um corpo de conhecimentos suscetí-veis de estar contido dentro de um determinismo; essedeterminismo sempre dirige o Direito a um ideal de

. Justiça; essa direção é ,assegurada pelo caráter norrnati-vo do Direito;

d) o Direito não se preocupa exclusivamente com oconceito de objetividade; nisto pode fazer-se substituirpela Técnica Jurídica.

A negação da cientificidade do Direito, a partir daconsideração de ser o objeto desse conhecimento impró-prio para observação e experimentação, advém da es-treiteza de reduzir todo o conhecimento ao ponto devista das ciências naturais e físicas.

O argumento que se contrapõe a esse posiciona-mento é o de que outros métodos e outros critérios, nãomenos 'valiosos que a observação e a experiência, tam-bém permitem conhecer a realidade.

O equívoco do Positivismo caminha na linha aquirefutada. O Positivismo ignora que o conhecimentotípico das ciências da natureza não é a única fqgnapqssível-do_conhecimentocien tífico." ...._ ..- ----

. .:' O Direito é pacificamente ciência, quando-se concei-tua cornociência qualquer tipo de conhecimento racional e'sistemático da realidade natural, social ou cultural.

O Direito é conhecimento racional e sistemático deuma parcelÇlda realidade cultural. ../

/~demos- o caráter científico do conhecimento, jfuídico.

O argumento que pretende negar a cientificidadedo Direito em virtude de uma pretensa instabilidadeparece-nos equivocado.

No Direito, há' sempre uma tradição doutrinal queengloba métodos, sistemas e conceitos.

Além disso, a tradição jurídica não tem caráterexclusivamente nacional.

Observamos também que, mesmo nos países ondehouve, no curso da História, grandes transformaçõespolíticas e sociais, nem todos os institutos jurídicos davelha ordem desapareceram. Só foram desprezados pelanova ordem aqueles institutos jurídicos de todo incom-patíveis com a ordem que se instaurava.

O fato que estamos assinalando ocorreu em paísesnos quais aconteceram revoluções socialistas, revoluçõesrepublicanas e outras transformações profundas.

Supomos também enganosa a afirmação de que oDireito é um conhecimento que não progride.

Creio que o Direito só é um conhecimento que nãoprogride se considerado dentro de uma específica visãoteórica e de um específico tratamento do fenômenojurídico.

Dentro do raciocínio que estamos aqui desenvol-vendo, o Direito só será estático:

a) quando consideramos como objeto do conheci-mento jurídico apenas o direito vigente numa época;

b) e, além disso, quando esse conhecimento é limi-tado por uma percepção acrítica da realidade jurídica.

Se entretanto alargamos a vista, é possível compro-var o progresso do Direito, quer sob o aspecto formal,quer sob o aspecto substancial.

Sob o aspecto formal, constata-se o progresso doDireito:

- na crescente precisão de conceitos antigos;- na elaboração de conceitos novos;- no apefeiçoamento do instrumental formal de quese vale o jurista; .- no maior rigor técnico da linguagem do Direito.Sob o aspecto substancial parece-me ainda mais

importante o progresso que o Direito pode fazer. Sem

42 João Baptísta Herkenhojj Para gostar do Direito 43

Page 19: Para Gostar de Direito (1)

dúvida, a possibilidade desse progresso não é reconheci-da por todas as correntes de pensamento. Muitos juristasnão aceitarão que o Direito progrida da forma quevamos assinalar a seguir. A alguns parecerá afoito que oDireito progrida, rompendo balisas que tradicionalmen-te limitam o campo de ação do jurista.

Entretanto, a nosso ver, o Direito efetivamenteprogride:

a) quando o jurista, sob a inspiração de um espíritocrítico e construtivo, abandona a postura de servo dodireito vigente;

b) quando o jurista recusa ao Direito o papel deforça conservadora e aceita o desafio de ajudar a colocá-10 a serviço das forças progressistas;

c) quando o jurista abandona a cômoda posição deencastelar-se nos gabinetes para descer ao povo. Quan-do o jurista se integra ao povo, e participa da prática dopovo, e repensa o Direito com o povo, e recria o Direitocom o povo, a partir das experiências do povo.

Embora tenhamos nossa opinião nesta matéria,como acabamos de expressar, reconhecemos que o temacontinua polêmico.

Se fizermos uma leitura refletida e crítica do que foidito antes, podemos identificar as razões profundas dapolêmica. A questão é polêmica em razão:

a) do que se entenda como sendo o domínio daciência;

b) do que se entenda como sendo o limite doDireito.

Uma visão restrita do que seja o domínio científicoexpulsará o Direito para fora dos muros da ciência.

Da mesma forma, uma visão estreita do que seja olabor do jurista esvaziará o conteúdo da pesquisa e dasbuscas que o jurista faz ou pode fazer. Em decorrênciadesse' esvaziamento, o conhecimento jurídico não aten-derá os requisitos do saber científico.

Nã~ o?stante a relevância da discussão, a dignida-de do Direito e sua importância indep;>endemde ser esseconhecimento considerado, ou não, científico. Não é o

-eéH'~ - 'científico" aposto ao saber jurídico que vaidefinir o papel do Direito na sociedade.

O Direito tem uma função capital, na vida de umpovo, como decorrência do peso de sua influência den-tro da organização social. E mesmo no plano internacio-nal cresce continuamente o poder do Direito, comoconseqüência da necessidade do estabelecimento de re-

. laç~es .civiliza~as. em nível mundial. Certamente, a pre-valência do Direito sobre a força ainda é apenas umideal, quase um simples sonho, no campo das relaçõesentre os povos. Mas o futuro parece caminhar na direçãode uma vida internacional sob a égide do Direito.

. .Nesse quadro em que se desenha a magnitude doDireito, avulta o papel do jurista, cientista e artista,servidor e arquiteto desse saber.

44 João Baptisia Herkenhojj Para gostar do Direito

l

45

Page 20: Para Gostar de Direito (1)

Para gostar do Direito 47

Capitulo IV

Os fatores do Direito'- I / !

Os fatores que influem no Direito são de duasordens:

a) fatores naturais;b) fatores sociais, culturais ou históricos.Fatores naturais são os decorrentes do reino da

natureza, os quais exercem um amplo condicionamentosobre a vida humana. .

-- Fatores sociais, culturais ou históricos \são aquelesproduzidos pelo ser humano, inclusive pela ação dehomens e mulheres sobre a natureza. \

Os principais fatores sociais que influem no Direitosão: o fator econômico, o político e o religioso.

Karl Marx explicou num breve e conciso texto arelação entre a estrutura econômica e a superestruturajurídica. Essa relação "estrutura econômica - superestru-tura jurídica" localiza-se dentro de um quadro maior dopensamento marxista, ou seja, dentro da interpretaçãomaterialista da História.

Marx começa por dizer que, na produção social desua existência, os homens contraem entre si relaçõesdeterminadas, necessárias, independentes de sua vonta-de. Essas relações de produção correspondem a certograu de desenvolvimento das forças produtivas mate-riais.

O conjunto das relações de produção constitui aestrutura econômica da sociedade. Essa estrutura econô-

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1

II

\

mica é a base real sobre a qual se eleva uma superestru-tura jurídica e política.

O modo de produção da vida material condiciona oprocesso da vida social, política e intelectual. A estrutu-ra econômica" correspondem determinadas formas deconsciência social.

Não é a consciência dos homens que lhes determinao ser. Inversamente, o ser social é que lhes determina aconsciência.

A ideologia e a organização social formam a .su:pe-restrutura social. A técnica de produção constItUl ainfra-estrutura econômica.

Bireite in4egfa-a-sttper' ura SOCla, em pri-.,meÍX-G-1.ug.ar.,-eemo ide&lDgi-a. e t ei e .essãoideológica de um momento so ~~l're&FH~H't~OSinteresses da classe dominante.

Em segundo lugar, o Direito integra a superestrutu-ra, como elemento integrante da organização social.

~Marx e Engels entendem que o Direito não 'p0~epreceder a ordem econômica e a civilização. O DlJ~elt?não pode nunca ser mais elevado que a ordem economl~ca e o grau de civilização que lhe correspondem. ti... _ ,

Ligar o Direito, na sua formação e evoluçao, .aEconomia não implica negar ao sistema jurídico capaCl-dade própria de desenvolvimento, uma vez constituíd_o.

.Hermes Lima salienta com_pr,eGisão que a relação.entre.-E~on~€':'.Di];,Eiit.Q ~ãJ .e n~€l1;lz; B: causa!i€l.-adesimples, mecânica. Manifesta-se de m.an~i::a àia.lé:rca: ODireito não é apeflas refle~9 da cORs.tltuLçao @GG-n0ml~a.Entretanto, as JQ!ç<i§ _econômicas influem. de maneiradecisiva, na modelação do núcleo mais importante ~equalquer sistema de direito positivo. As relações ~cono-mico-sociais estão, a cada passo, criando o seu direito. Seexcluímos do estudo dos sistemas jurídicos os fatoseconômicos - arremata Hermes Lima, - não chegamos aresultado satisfatório algum.

Diversa é a posição de Seligman, que vê uma. relação de causalidade absoluta entre Economia e Direi-to. Para Edwin R. A. Seligman, a história do Direito éuma serva da história econômica. O fato econômico é acausa; a situação legal é o resultado.

/' Segundo Achille Loria, as mais diversas raças enações têm de sujeitar-se ao mesmo direito, quando asrelações econômicas nelas imperantes são iguais. Entre-tanto, as nações sofrem mudança radical no seu direitoquando essas relações econômicas se transforma

<, E..ara.--P-r-i-t.z-lJe-F01.zhe-i.mer,a Economia-.e o. Direi to~entre .si-como-conteúdo e forma; grão e casca. ODireito sem a Economia é vazio. A Economia sem oDireito é sem forma .

Harold J. Laski vê a ordem legal subordinada aosinteresses econômicos. A ordem legal é a máscara portrás da qual um interesse econômico dominante garanteos benefícios da autoridade política. O Estado, da formacomo funciona, não procura deliberadamente justiça ouutilidade geral. O Estado apenas assegura o interesse, nosentido amplo, da classe dominante da sociedade.

Para Rudolf Stammler, as relações entre o econômi-co e o jurídico não podem ser concebidas à maneira deinfluência causal. Para que se pudesse descobrir umarelação de causa e efeito, entre o econômico e o jurídico,seria necessário que ambos os fatores desfrutassem deexistência independente, como dois objetos distintos .Isto não ocorre. Pelo contrário, o que o investigadorsocial observa são dois elementos, necessariamente vin-culados, de um mesmo e só objeto.

C. H. Porto Carreiro vê a ordem jurídica integrandoa organização social. A organização social regulamentaa sociedade, no sentido de garantir as relações de produ-ção existentes em dado momento histórico.

Pontes de Miranda coloca que o fato econômico nãoé o único fato social. Se o Direito é forma, não é formaapenas do fato econômico. Primeiramente, há uma certa

Para gostar do Direito 4948 João Baptista Herkenhoff

Page 22: Para Gostar de Direito (1)

reciprocidade entre os fatos religioso, moral, econô~ico,olítico etc. Depois, há a possibilidade de prepon erar

~m em vez dos outros, e, não raro, em vez .do, f.atoeco~ômico. Outros conteúdos pod~ te! a .forma Jund~a,

e,forma de condições da existência- E nem to asporque ~ . _ ~.as condições de existência sao economlcas. T'

Luiz ernan.clo~~lbu,_ defe a d~uma / e.oHa--'Crftlca D·reito,'y-ê._o..jUiI~@t!:.~sfor!!!..a!.1:d.o~_DI~eltO-e--ransform-;;do a ~ociedade, por meio do DIrelto. Nessa -'-

perspecfiva, o Direito deixa de ser o lugar da manute~-ção dôs privilégios de uma classe ou. estamento, ou eoutros grupos microssociais. Tran.sf~rma-se e~ e~paçode luta, o lugar da conquista dos direitos e da dIgmdade

hum~~a~os debruçarmos diante da realidade atual doBrasil, veremos certamente o Direito transformando ~realidade. inclusive econômica, e sendo transformadopela realidade. .

~ A luta jurídica travada pelos movímentoe SOClalSmostra que o Direito, pelo devotam~nto de seus opera-dores, pode influir no avanço da socIeda~e ..t.. ., d

Inúmeras organizações populares tem uhliz~ ~ astrincheiras do combate jurídico para ala:~ar. oSddl~~ltO.Sdos empobrecidos e fazer crescer a oonsciencta e Igm-dade das classes oprimidas. . a

Advogados têm sido assassinados. ou de algumforma perseguidos, por todo este Brasdll,como cOtS;~

üência da decisão de terem coloca o se~ a~e~acharel a serviço das grandes maiorias margmalizadas.

[uízes são, às vezes, marginalizados, ~u mesmocensurados, mas ainda assim insistem em OUVlfo clamorde Justiça dos que sofrem.. . o

Num livro escrito pnncI]3almente para joven~,.testemunho é obrigatório. A omissã?, ne~ta. matena,constituiria uma modéstia ou pudor Impropno. Como. .' m re rocuramos servir aos valores em queJ:C~~d~t~vfmos~mesmo sabedores de que estávamos na

João Baptista Herkenhoff50

contramão e que a conduta assumida nos obrigaria a. terminar a carreira da magistratura como soldado raso,ou seja, como Juiz de Direito. Advertências recebidas(escritas ou verbais) e processos disciplinares instaura-dos, em decorrência de posições ideológicas e de cons-ciência que assumimos, nunca nos fizeram recuar. Nanota de roda pé, citamos alguns exemplos de atitudesassumidas.ê

3 A) Já no início da carreira de juiz, rebelamo-nos contra determinação legalque estabelecia fossem os presos mandados para o Instituto de ReadaptaçãoSocial em Vitória. Sempre nos pareceu que este procedimento constituía umaviolência porque estabelecia o rompimento dos laços familiares do preso. NaComarca do interior, o preso podia ter contacto com sua família. Na mesmalinha, concedemos direito de trabalho externo ao preso. A experiência demaior eficácia ocorreu em São José do Calçado, no sul do Espírito Santo,onde a orientação preconizada obteve amplo apoio da comunidade. Emquatro anos e meio de judicatura na comarca, a reincidência criminal foi dezero por cento. Estribamos nossa conduta na Declaração Universal dosDireitos Humanos que manda preservar, como bem jurídico primário, adignidade da pessoa humana. A reverência à dignidade da pessoa humanaimpedia tratar o preso como se fosse fera. B) Integramos a Comissão deJustiça e Paz, da Arquidiocese de Vitória, durante o período da ditaduramilitar, e exercemos sua presidência, contra determinação legal expressa. Alei, em que pretendiam nos enquadrar, nos pareceu inconstitucional e con-trária à Declaração Universal dos Direitos Humanos. Eu integrava essaComissão, po.[ um imperativo de consciência ética, e aleguei perante oTribunal que a consciência é inviolável. Acima de ser um juiz, eu era umcidadão e uma pessoa humana. Minha defesa foi acolhida e fiquei livre depunição graças à posição assumida pelo Desembargador Homero Mafra,hoje falecido, mas nunca esquecido. C) Lutei, irmanado a inúmeros concida-dãos, pela "anistia ampla, geral e irrestrita" em favor dos brasileiros queforam proscritos pelo golpe de 1°de abril de 1964. Integramos oficialmente oComitê Brasileiro pela Anistia e discursamos em praça pública e em recintosfechados, em favor da anistia. Entenderam os superiores hierárquicos queesse posicionamento era "político", defesa ao magistrado. Respondi que a"anistia" não era um tema político-partidário. Se assim fosse, estaria proibi-do ao juiz imiscuir-se nesse assunto. A,"anistia" era uma questão de justiça,era a ponte de reencontro dos brasileiros, era o caminho para a redemocrati-zação do Brasil. Do magistrado não se cassara a cidadania e, em nome dacidadania, eu invocava o direito de lutar pela anistia. D) Através de umdespacho, suspendi a execução de todos os mandados possessórios queimplicassem o despejo coletivo de famílias, em Vila Velha, onde judiquei naVara Cível. Fundamentei o provimento judicial no argumento de que o"direito de morar", previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos,precedia outros eventuais direitos abrigados pelo sistexra legal. A repetidainvocação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. num momento

Para gostar do Direito 51

Page 23: Para Gostar de Direito (1)

Pensadores do Direito têm procurado int.erpretar adramaticidade da miséria do povo, em cotejo com ascategorias científicas do saber jurídico. . "

O "Movimento do Direito Alternahvo , por exern-pl~ aglutina um conjunto de fo~ça~~ pensamentos quelutam por uma nova visão do Jun~lco: P?r. uma novaprática do Direito, por um n~v? e:,sIno Jundl.co~. ._

O que se batizou como DueIto. Alternativo constítui uma soma e uma síntese de dIv~rs~s ~ertentes depensamento, diversas práticas de resIstenc~a n~ campodo Direito, diversas tentativas de orgamzaçao e demilitância.

Militam nesta seara de empenho transformador .ede utopia construtora, não apenas ~queles que se consi-deram" alternativistas", como muitos outros que, semadotar essa adjetivação, buscarr: edi~icar um pensamen-to e uma prática jurídica que sejam Instrumentos de u~"mundo novo", aquele mundo sonhado pelo poeta CeirCampos:

"Morder o fruto amargo e não cuspirmas avisar aos outros quanto é amargo,cumprir o trato injusto e não f~l~~rmas avisar aos outros quanto e Injusto,sofrer o esquema falso e não ceder

.' ato dem ue o aís estava sob a égide do AI-S, era por SI so um . _~nsu~missã!ao arbítrio reinante, insubmissãofque ma~)fe~t~:~sia::s~~s~~~l;~ação e em muitas outras, sem alarde mas com irmeza. d d

I va o Brasil Gigante, sem problemas, pus o e o naem que se ~~~~:d:anuma ortaria a dramaticidade de milhan;s de crianças~~:~dad::::~la. (São José d! Calçado, 1969). Det~rminel a matncula compul-sória das crianças. Pretendi exercer pressão nao tanto sobre os paIs, ncassobre o Poder Público que deveria provIdenCIar as vagas para as cnan~aque estavam sendo matriculadas por ordem do juiz. A pO,rtana aumen ouem 3S% a matrícula escolar, na comarca, segundo dados da ep~ca. ,Não uardo ual uer mágoa desses episódios. Foram frutos e uma epoca,feliz~ente ul~rap;ssada. O que pretendo dizer aos Jovens é ~ue ~mpre v~~~

se uir a ró ria consciência, ser fiel aos nossos cre os. rros poa pena .g P P diz a sabedoria popular errar é humano. Mas semos praticar porque, como 'f dridão de propósito o erro será apenas ruto e nossaerramos, com re I ' .falibilidade e das contingências que marcam nosso destmo.

52 João Baptista Herkenhojj

mas avisar aos outros quanto é falso;dizer também que são coisas mutáveis ..,E quando em muitos a noção pulsar- do amargo e injusto e falso por mudar -então confiar à gente exausta o planode um mundo novo e muito mais humano."!Parece-me que três traços unem todas essas corren-

tes e todos esses pensamentos:Primeiro - a inconformidade com o atual estado do

ensino jurídico, predominantemente reprodutor de mo-delos metodológicos e de matrizes filosóficas de extra-ção positivista;

Segundo - a resistência à impermeabilidade de umacerta Ciência do Direito às demandas sociais e à imersãoda reflexão jurídica na realidade concreta de uma socie-dade dividida, com claros antagonismos de interesses;

Terceiro - a tentativa de transformar a prática jurídi-ca e judiciária conservadora, que se exercita entre nós.Essa prática pretende ser politicamente neutra mas, naverdade, está a reboque de forças sociais e econômicasinsensíveis ao apelo de transformação profunda exigidapela injusta estrutura social brasileira.

Uma reavaliação crítica na Ciência do Direito não serestringe, contemporaneamente, ao Brasil.

Mas o que acontece no Terceiro Mundo (ou mundodos pobres) e, com muita expressividade, no Brasil dehoje, supera tudo que se possa imaginar no PrimeiroMundo.

É dentro de nossa realidade concreta de país deTerceiro Mundo que se coloca a proposta do Movimentodo Direito Alternativo.

Não podemos ter, no Terceiro Mundo (ou mundodos países do Hemisfério Sul), uma concepção de Direi-to caudatária de concepções dogmáticas ultrapassadas.Não se pode admitir um Direito legitimador de exclusões,4 CAMPOS, Geir. Tarefa. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1981, p. 10.

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Para gostar do Direito 53

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quando a realidade reclama uma nova visão do jurídico,uma nova visão de jurista.

A Ciência do Direito coloca-se dentro de um impe-rativo ético. Não pode ser uma Ciência do formal,subordinada ao tecnicismo. A técnica é meio para atingirum fim, é altamente apreciável como salvaguarda devalores jurídicos. Mas a técnica não é um fim, é apenascaminho para alcançar a substância do Direito.

O Direito deve ser instrumento de convivência e deJustiça, não aparelho legitimador de um mundo ondepoucos têm carta de alforria para usufruir de todos osprivilégios, e a maioria não tem nem mesmo o quecomer.

Qual o papel do Direito num país do TerceiroMundo?

Qual o papel do Direito em face da própria voz doTerceiro Mundo, em matéria de Justiça nas relaçõesinternacionais?

São questões inquietantes.Finalmente a última e talvez a mais complexa ques-

tão:Pode o Direito desempenhar um papel revolucioná-

rio?Na abordagem tradicional, na abordagem européia

a resposta seria negativa.Mas com os pés no chão brasileiro e nas suas

circunstâncias, prefiro dizer que não sei. Não sei nemmesmo se a elocubração meramente teórica pode res-ponder a esta pergunta.

Sei é aquilo que os dados da realidade revelam.Sei - porque fui testemunha e companheiro - que

advogados podem comprometer-se com as causas popu-lares e que, em razão desse compromisso, podem sofrerviolências.

. Sei - porque fui testemunha e companheiro - que àluz desse compromisso advogados fazem uma nova

54 João Baptista Herkenhof]

leitura da lei, a partir do clamor de Justiça dos despos-suídos.

. Sei - como operário dessa labuta - que, a partir dospleitos dos advogados, os juízes podem construir prece-dentes que acodem o grito de Direito dos empobrecidos.

Sei - porque vivi - que nem sempre se compreendea opção da toga, quando esta opção rasga a mentira daneutralidade ideológica e coloca-se a serviço de umprojeto" social que pretende suprimir as desigualdades.

. Todo o Direito positivo brasileiro está perpassadoda Ideologia capitalista.

Exemplos frisantes dessa presença podem ser en-contrados, por exemplo, no Código Penal, onde a defesada propriedade privada suplanta a defesa da incolumi-dade (sacralidade) da pessoa humana. O latrocínio épunido com mais severidade do que o estupro seguidode morte. Constranger alguém para obter vantagemeconômica é crime gravíssimo (extorsão), mas se a pre-tensão é legítima o crime é leve (exercício arbitrário daspróprias razões).

Não obstante tudo isso, a lei tem contradições. Ojurista que se coloca na luta pelo avanço social exploraráas contradições do ordenamento jurídico.

Nesta linha de reflexão, não me parecem vazios ouretóricos certos preceitos constitucionais, como se diz àsvezes que são, por falta de determinações concretas,objetivas, palpáveis.

Neste case está.,o rtJ.9Jret abre-e---t-ítule'"Da_ordem social", na Constit1:li~ãobrasileira.

Diz o artigo:

"A ordem .social tem como base o primado do,trabalho, e como objetivos o bem-estar e a justiçasociais. "

Este não é um preceito nulo, é um preceito afirmati-vo: o primado do trabalho é a base da ordem social; o

Para gostar do Direito 55

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I./

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bem-estar e a justiça social são o fim dessa mesmaordem.

.Quem constrói- essa ordem são todas as forçasinte~ sociedade, inclusive os juristas - advoga-~, prõ~uEaâoJes, juízes.

Cumpre construir o edifício jurídico à luz de princí-pios como esse que está expresso no artigo 193.

Para as forças interessadas na manutenção de seusprivilégios, é bem cômodo dizer que princípios como odo art. 193. são princípios programáticos. Em outraspalavras: não teriam efeito real.

Ora, nem mesmo à luz de uma simples interpreta- .ção baseada na letra da lei poderíamos chegar a uma talconclusão.

Como pode ser princípio programático um artigoconstitucional que coloca o verbo no presente do indica-tivo e diz que "a ordem social tem como base o primadodo trabalho"?

O que cabe é interpretar e aplicar as leis com ailuminação de princípios como o que estamos examinan-do, rico de conseqüências práticas. Se a ordem social temcomo base o primado do trabalho, e como objetivo obem-estar e a justiça sociais, todas as leis devem serinterpretadas e aplicadas sob essa diretriz.

~As leis constituem instrumento da ordem social. 8i_nstru~~~to..nio - odet;éli- o PI..Clj@to-glohaLSe o projetoé a ordem social fundada no primado do trabalho eorientadã para óbem-estar e a justiça social, qualquer lei"que traia esse objetivo, que fraude esse projeto é incons-titucional. ~ ..-

Arefl~obre as.relações Economia-Direito, quee2tamos a finalizar, c~duz à conclusãO deque o conhe-cimento-dU.co.UGmi é importa e para_Qjllrista.

Uma formação jurídica, que prescinda de conheci-mentos básicos de Economia, ficará profundamentecomprometida nos seus fundamentos. Outrossim, essaformação deve ter uma orientação bastante específica:

habilitar o jurista para uma interpretação econômica doDireito.. Também,o fator.religioso tem uma grande influên-

CIa sobre o Direito,-- Na origem do Direito está a norma indiferenciadade cunho predominantemente mágico-religioso. '

Como nota A. L. Machado Neto, a proximidade doDireito antigo para com suas fontes religiosas é tãogra.nde que se torna difícil ou mesmo impossível separarlegislador e profeta, jurista e sacerdote, código e livrosagrado, crime e pecado, lei e tabu, pena e purgação depecados, processo e ritual, ostracismo e excomunhão,Direito e Religião.

Com o processo de secularização, Religião e Direitoseparam-se gradativamente.

Modernamente, a influência das concepções religio-sas sobre o Direito parece-me obedecer a duas tendên-cias distintas.

De um lado, acentua-se o processo de seculariza-ção. Exclu~-~e cada vez mais do domínio legal o que éapenas religioso. Exemplo dessa tendência é a descrimi-naliz~~ão .dos atos que devem ser policiados apenas pelaconsciencia moral ou religiosa das pessoas, devido a suaneutralidade jurídica. A evolução de idéias caminhatambém para descriminalizar certos atos devido à incon-veniência prática de sua apreciação pela autoridadepública. Nessas hipóteses, conclui-se que o foro moral,individual é mais adequado para guiar a conduta.

De outro lado e em sentido oposto cresce o senti-mento de Religião encamadaj' A crença deve fornecercritérios para julgar toda a realidade, inclusive a realida-de legal. Esse fenômeno tem sido bastante acentuado naAmérica' Latina. Uma pauta de fé submete a exame asestruturas econômicas, sociais e legais vigentes. Procla-ma, então, que a ordem.reiaarrte é" injusta e reclama suaradical ~u.<:lança, c0l!l<.?p~opõe a Teol~a dã..1i5e~t~

56 João Baptista Herkenhofj Para gostar do Direito 57

Page 26: Para Gostar de Direito (1)

Outra relação importante é aquela que se observaentre o fator político e o Direito.

C. H. Porto Carreiro vê a Política, como também oDireito, comportando-se a serviço das classes economi-camente poderosas. O fundamento da Política, diz esseautor, é conter o desenrolar do conflito entre as classes.A Política defende as instituições criadas a favor de umadas classes e por ela mantidas. A Política não deseja umaordem jurídica justa. Quer apenas uma ordem jurídicaque seja capaz de proteger os interesses da classe econo-micamente poderosa.

Roberto A. R. de Aguiar diz que o Direito interme-dia conflitos segundo os valores do grupo social quedetém o poder, por deter o controle da vida econômica.Detendo o controle econômico, esse grupo social controlaa vida política da sociedade. O Direito não é imparci~l.Pelo contrário, traduz a ideologia do poder que faz as leis.

Cid Silveira coloca o medo da insubordinação dosfracos como fator de produção do Direito. O Direitocomeçou a ser instituído justamente pelos que domina-vam. Estes jamais imaginaram que os dominados~ o.sfracos tivessem qualquer direito. Se reconheceram direi-tos beneficiando os fracos, foi certamente ante o medoda insubordinação deles, já que constituíam a maioria.Agiram assim para manter a ordem social que lhesconvinha. Fizeram concessões, e estas, ante os fracos,desprovidos de direito, podiam assumir a aparência demagnanimidade.

Todas estas observações convencem-nos de que oDireito não está ilhado dentro da sociedade. O Direitonão tem também um desenvolvimento autônomo, damesma forma que não tem um desenvolvimento autôno-mo a Economia, a Religião e a Política.

Os fatores econômico, religioso, político e jurídicoexercem influência uns sobre os outros .

. A consciência dessa realidade é indispensável paracompreender o que é o fenômeno jurídico.

Capítulo V

Relações do Direito com outrosramos do conhecimento

-º-ºireit.Qman..t.én:L.lig.açãQ.QLm-ml:ti-tes-r.amoS-.dQ-conhecimento humano, D~t~e a.§_conexões~~p!:'~mas, creio podermos destacar ..aE!e!é!çgesdo Direito com,

..3 Filosofia, a Econcmia.ca, Sociologia, a_História,_a, Antropologia, a Ciênçja Política, a Psicologia, é!. CEmi-~ nologia, a Medicina Legal, a Psiquiatria e a Criminalística.

Comecemos.por examinar as relações entre Direito eFilosofia.

Filosofia~gn_ilica, eti~9..logiÇ9.mente,amor da sabe-doria. Seu objeto, corno pretende Lucien Goldmann, éentender e explícãf'âquelas verdades que se inserem nasrelações de um homem com outro homem e nas relaçõesdos homens com o Universo.

+- A Filosofia busca a essência das coisas. Só podefazê-lo, conforme observa C. H. Porto Carreiro, atravésdo fenômeno. Empenha-se a Filosofia para conhecer,examinar e abstrair o fenômeno, na incessante procurada essência. Nesse esforço, a Filosofia, segundo a expres-são de Porto Carreiro, trata de "desfenomenalizar.,ofenômeno para ess~_~g~aJizar_aessência". o<. ---

r Para conDgçJ!.rvergadeiram.e.n.te_o l)ir~!9/_d~yere-mos dispensar seu .caráter; analógico, para irmos em.direção a suas últimas causas. Esse objetivo só. seráalcançado com o auxílio da Filosofia, como bem ponderaNaylor Salles Gontijo.

Para gostar do Direito 5958 João Baptista Herkenhof!

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Pensar filosoficamente o Direito é o objeto da Filo-sofia do Direito. Esta ocupa-se com a essência do Direi-to. Pretende "reduzir o Direito a seus últimosfundamentos", como quer Oswaldo von Nell-Breuning.

Passemos-a cuidar agora das relações entre Economiae Direito.

A-RCDnQ.mia.,~na-Qe-f-in-ição-.clássicéL de Albert. L.Meuers, é a ciência ..cultuI?-l que _estuda a atividadehlimã"nãrclativa à riqueza, com referência ao "valor deutíriôi1de". Abrange o estudo da produção, da circula-ção, 'da repartição e do consumo da riqueza.

No Capítulo 4 deste livro, que tratou dos "Fatoresdo Direito", tivemos oportunidade de refletir sobre asrelações entre o econômico e o jurídico.

Seja, ou não, adotado o posicionamento de conside-rar o Direito apenas como integrante da superestruturasocial, será sempre evidente a relevância do econômicono Direito. Uma tentativa de compreender o fenômenojurídico, abstraindo as condicionantes econômicas, nãolevaria a qualquer conclusão válida.

Tentemos, em seguimento, refletir sobre as relaçõesentre Sociologia e Direito.

O Direito é um fato .social, resultante de diversosfatores sociais. Como fato social, é objeto da Sociologia.

Importante especialização da Sociologia é a Sociolo-gia do Direito, que versa. sobre uma das facetas dofenômeno jurídico. .

Caberiac.destacar -talvez Feta-atualidade de seupropósito, a Sociologia Criminal> como especializaçãoda Sociologia dirigida à investigação dos fatores arn-bientais e sociais da delinqüência. li Sociologia Criminaldebruça-se sobre a crirninalidade.i-corne fenômeno-se-cial, no seu grau de constância e extensão num gruposocial. A Sociologia Criminal interessa_~se também pelosefeitos sociais do delito.

Outra relação fundamental de que queremos trataré aquela que existe entre a História e o Direito.

Gabriel Monod definiu a História como o conjuntodas manifestações da atividade e do pensamento huma-nos, considerados em sua sucessão, desenvolvimento,relações de conexão ou dependência.

.Importantíssima é a História para o conhecimentodas instituições sociais. Entretanto, como sublinhou C.H. Porto Carreiro, é fundamental dar à História umtratamento dialético. Nessa perspectiva, abandona-se asimples relação cronológica dos fatos. Parte-se, em subs-tituição a essa mera visão de cronologia, para um exameinfra-estrutural. Essa metodologia conduzirá à apreen-são de uma realidade em movimento. \(

Savigny dizia que todo 'urista deveria ser um histo-riàd0r~---·_··--- --

à importância da História, para a compreensão doDíreitó.Tião' se limita ao c'amRo da-História do Direito.Transpõe esse limité:-Só um mergulho integral na Histó-ria, nas suas bases, nos seus conflitos, na realidade dosfatos e não na mistificação das histórias oficiais, podeoferecer luz para a exata compreensão do Direito deontem e do Direito de hoje. Só através da História,dialeticamente considerada, será possível compreendere interpretar o fenômeno jurídico.

Só a iluminada visão histórica pode permitir que osexcluídos de direito se situem, na sua luta, para com-preender e interpretar o fundamento das exclusões.Conscientizados pela percepção da História, estarãoequipados para buscar a afirmação da dignidade, naconstrução de um Direito que não exclua.

_Que dizer da re ação-entre a Antropologia e o Direito?Antropo ogla, etimologicam.ente, deriva do grego e

significa "estudo do homem". E a ciência do homemcomo ser portador de cultura (aspectos socioeconômico eideológico) e do homem como ser físico (aspecto animal).

A Antropologia divide-se em dois grandes ramos:- a Antropologia Física;- a Antropologia Cultural ou Etnologia.

~I

60 João Bnptistn Herkenhof! Pnra gostnr do Direito 61

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.,

A Antropologia Física trata do estudo da espeClehumana, suas origens, evolução e diferenciação em tiposraciais.

A Antropologia Cultural ou Etnologia estuda ascriações do espírito humano, que resultam da interaçãosocial, como notou Emídio Willens. Essas criações des-dobram-se em conhecimentos, idéias, técnicas, habilida-des, normas de comportamento, hábitos adquiridos navida social e por força da vida social. É também objetivoda Etnologia o estudo descritivo, classificatório e com-parativo da cultura material. A cultura material é consti-tuída dos artefatos encontrados nas diversas sociedadeshumanas.

Iluminando o conhecimento do homem, a Antropo-logia, especialmente a Antropologia Cultural, pode serde grande valia para alargar a visão do Direito. ,

Na lúcida colocação de Naylor Salles Gontijo, aAntropologia, por encerrar um sentido de totalidade, écapaz de transmitir à Ciência do Direito informaçõescompletas das características biológicas, culturais e so-ciais do homem, uma vez que focaliza, de um ponto devista comparativo, as semelhanças e diferenças existen-tes entre os próprios homens.

A inter-relação "Antropologia-Direito" vem sendosentida, como necessária, de maneira veemente, dentroda atualidade brasileira, no campo do Direito das Popu-lações Indígenas.

Na primeira reunião de antropólogos e juristas,ocorrida no Brasil, para debater o tema "O índio peranteo Direito", foram aprovadas algumas proposições degrande magnitude. Essa reunião ocorreu em Florianópo-lis, na Universidade Federal de Santa Catarina, em 1980.

Estivemos presentes ao evento e, segundo nossapercepção, merecem destaque especial as seguintes pro-postas acolhidas pelo plenário:

á) sugerindo que se incluam, em nível nacional eregional, comissões de antropólogos e juristas, para

estudo dos problemas relacionados com os povos indí-genas brasileiros;

b) recomendando que, nos cursos jurídicos, sejaestudado, com a relevância que merece, o Direito dasPopulações Indígenas;

c) solicitando que a OAB assuma, pela nomeação deadvogado, a defesa das causas dos povos indígenas. Estaconduta teria como fundamento a dificuldade do patro-cínio de interesses indígenas, especialmente quando sedefrontam com apetites econômicos."

A,compreensão de que o Brasil, efetivamente, incluidiversas nações, caracterizando-se como plurinacional emultiétnico, é aceita ainda de forma restrita pelos seto-res político-jurídicos da sociedade dominante, comonotou Sílvio Coelho dos Santos.

A Constituição de 1988 determina, no seu artigo231, que:

"são reconhecidos aos índios sua organização so-cial, costumes, línguas, crenças e tradições, e osdireitos originários sobre as terras que tradicional-mente ocupam, competindo à União demarcá-Ias,proteger e fazer respeitar todos os seus bens."Esse dispositivo representa um avanço, em relação

ao Direito Constitucional anterior, mas ainda não che-gou a reconhecer O caráter plurinacional e multiétnicoda sociedade brasileira.

Só uma visão antropológica do Direito e uma visãojurídica da Antropologia permitirão que juristas e antro-pólogos desempenhem o papel histórico, de profundosentido humano, que a realidade brasileira contemporâ-nea exige. Esse papel não pode ser outro senão o decolocar-se, com eficiência, do lado das populações indí-

5 Tive a oportunidade de ser o portador dessa proposta, bem como dedefendê-Ia em plenário. Seu autor foi o Dr. Ewerton Montenegro Guimarães,meu companheiro na Comissão "Justiça e Paz", intemerato advogado daspopulações indígenas no Estado do Espírito Santo.

62 63João Baptista Herkenhof] Para gostar do Direito

Page 29: Para Gostar de Direito (1)

genas, na luta que os povos indígenas travam para nãoserem dizimados pela fúria dos interesses econômicos.

Tentemos ver agora que relações há entre o Direito e aCiêncià Política.

~ia--l2etl-t-kéLtem_por-objeto a consideração dofenômeno E9lí~o funcionamento do poder, em sua~rnp1ltlrd-e/se)ãfias..re'gT6eso1icIais ou do direitoleg@ado, seja no âmbito dos grupos de pressãõ.Tideran-ças políticas, organizações partidárias, organizações po-pulares, grupos de ação ostensiva ou grupos de açãoclandestina.

_ A CiênciaEolíji mantém ínS..IDa-relaçã_Q com o.____lIireito.. Isto acontece~ primeiLO_Lugar .., r.s:>rque~,/' Direito est~tal--é~1!~ pred omina ~a _~tualidade. _E_m/' segundo lúgar, por ser o Direito Constitucional acf",:ele~ que dá o contorno das instituições do Estado e as balizas~ do funcionamento do poder, nos países onde o poder»: funcione dentro de quadros constitucionais organiza-./"dos. Finalmente,la relação Ciência Política-Direito de-'" corre da circunstância de que a Ciência Política oferecer perspectivas que alargam em muito a compreensão do~fenômeno juridico.r

No capítulo anterior deste livro, quando cuidamosdos "fatores do Direito", tivemos ocasião de discutir aquestão da relação entre o fator político e o Direit.o ".

Se o fator político é essencial na criação do DIreito ese, reciprocamente, o fator jurídico é também importantenas esferas da conquista, da manutenção e do exercíciodo poder (a tríplice ação da Política), conclui-se daíntima relação que existe entre as Ciências que se debru-çam sobre o fenômeno jurídico (Direito) e sobre o fenô-meno político (Ciência Política).

Busquemos, neste ponto de nossa linha de idéias,pensar sobre a relação entre a Psicologia e o Direito.

A Psicologia é a ciência dos fenômenos psíquicos edo comportamento humano.

\

II

64 João Baptista Herkenhoff

1o Direito pode receber uma grande contribuição da

Psicologia:

- na área do Direito Penal, para uma melhor com-preensão da personalidade do réu, da vítima, dosdemais atores do crime, bem como dos motivos emotores da conduta criminosa;- na área do Direito Processual, quando a contribui-ção da Psicologia é relevante para que se investiguea psicologia do testemunho;- na área do Direito de Família, do Direito daCriança e do Adolescente, do Direito Penitenciário,para uma perfeita apreensão das realidades psico-lógicás que entremeiam as pessoas e circunstânciaspresentes nesses ramos do Direito, tão marcadospelo traço do humano.

Jacob Pinheiro Goldberg reclama uma revisão doentendimento do homem, na área legal. Para essa revi-são, é indispensável a contribuição da Psicologia .

r As especializações da Psicologia, de mais largatradição, endereçadas ao Direito, são a Psicologia Judi-ciária (a ciência psicológica a serviço do processo judi-cial) e à Psicologia Criminal (a ciência psicológicadedica da ao estudo do criminoso e dos motivos que olevaram a delinqüir).»

.9utra im. ortante ciência que mantém grande liga-ção com i' é rfrrrl.:rro1Tl'ia.

A Cri ·.I:lole.giaé a ci~n ia4lle.se-Gç.!lE.~..do fenº-I11~-n~~miElill, sua gê~eseJJJ.as_car.aGterísticas, suas-for:..m s sua- prevenção, seu.Ltratamento. Procuracompreender, interpretar e explicar o fenômeno crimi-noso.

Ivete Senis e Ferreira traça a evolução da Criminolo-gia, desde o antropologismo de Lombroso, passandopela Sociologia Criminal de Ferri, até nossos dias. Ob-serva, então, que a Criminologia alargou seu campo,suscitando novos interesses e respondendo a novas

Para gostar do Direito 65

Page 30: Para Gostar de Direito (1)

indagações. Modernamente, nota essa autora que a Cri-minologia não pode prescindir da Sociologia Crimina~.As pesquisas da Sociologia Criminal procuram determI-nar de que maneira "a sociedade contribui para moldar amentalidade' de um indivíduo que talvez não possuanenhuma disposição pessoal para o crime". .

A Crimjnologia mantém íntima relação com o DI-reito P<eti'ãle com o Dil'êilo"Penitenciário.

- E!lqu~Dt~ .~~ A Q....Çrigl~...§Q~re~udocomo f~tol,:nãIc?, ~.~l~ípa !Iat~-o_como fenome-no humano e social: _

-Qu~nto"'"ao-Direito Penitenciário, que organiza avida das prisões, assegura os direitos dos presos edelimita as restrições que esses direitos podem ter,também se relaciona com a Criminologia, por ser propó-sito desta última ciência a prevenção e o tratamento docrime.

O ângulo de análise da Criminologia muito poderáajudar na compreensão e no dimensionamento de toda aproblemática que envolve o fenômen~ criminal. ..

Também merece exame a relaçao entre a MedlcmaLegal e o Direito. /

A Medicina Legal, segundo Perrando, e a parte daCiência- édica que t ata- BS problemas biológicos e~écfico-cH.úrgicoS/gl~cionados com as ciências jurídi-cas. Além disso, a Medicina Legal fornece, de formasistemática, noções especiais necessárias à solução dasquestões de índole técnica, nos procedimentos judiciá-rios.

,. A Medicina Legal não constitui uma ciência autôno-ma; é o conjunto de conhecimentos da Medicina aplica-dos ao Direito.

A Medicina Legal oferece contribuição valiosa, ~osmais diversos campos do Direito, quer fornecendo dire-trizes para a elaboração de leis, quer através das p~r~ciasmédico-legais, de que se vale o administrador e o JUIZ.

66 João Baptista Herkenhojj

No Direi~9_Ci\lil,_12ore2<emplu,-ª....Medicina Legalestá presente em diversas situações. Segundo a lei brasi-leira, é a perícia médico-legal que vai subsidiar a anula-ção de casamento, por erro essencial sobre a pessoa docônjuge, decorrente de defeito físico irremediável. Étambém a perícia médico-legal que possibilita o reco-nhecimento da paternidade demandada por um filho.

No.Direito, do J)rabalho, determínaj; CLT__que-a-períci.él1DLciico-legalcaracterize e classifique a insal ubri-dade e a periculosidade nas atividades do trabalho.

No _Direito Pen-a-l,as perícias é que vão tipificarcertos "rimes previstos no Código Penal, como homicí-?io, lesões corporais, es u io.! a!~ntado violento ao PU-.1dor etc.- .

- Estas são apenas algumas exemplificações. A inci-dência da Medicina Legal, no cotidiano do Direito, émuito freqüente.

Para finalizar, vejamos mais duas relações do Direi-to com outras ciências: com a Psiquiatria e com a Crimina-lística.

A Psiquiatria é a parte da Medicina que trata doestudo das doenças mentaisj:J Direito encontra-se coma Psiquiatria quando aborda os aspectos psicopatológi-cos da conduta humana, quer no crime (Direito Penal),quer no cível (Direito Civil, Direito Comercial etc.)/

-A Criminalística é a ciência que tem por objetivo aciescoberta dos crimes e a identificação dos respectivosautores. No cumprimento e sua função, a Crirninalísti-ca utiliza provas_F2E~Ijciais(médica, antropométrica, dati-loscópica etc.), exame científico do testemunho e muitasoutras técnicas.

" A Criminalística é uma ciência auxiliar do Direito,de muita' importância no campo da prova.

Um belo livro de Jürgen Phorwald mostra muitobem a importância da Criminalística. Trata-se da obra"As marcas de Cairn", que CQ.Il@ ~Lhist9~iae o significadodas impressões digitais na prova criminal.

Para gostar do Direito 67"

Page 31: Para Gostar de Direito (1)

Capítulo VI

Fatos jurídicos e relações jurídicas

No capítulo com o qual iniciamos este livro, disse-mos que há, no Direito, conceitos gerais, comuns àsdiversas áreas do saber jurídico, e conceitos específicos,relacionados com cada ramo do Direito em particular.

Os conceitos gerais estão na área da "Teoria Geral doDireito" e devem integrar, obrigatoriamente, as preocu-pações que alimentam a "Introdução ao Direito".

Dois conceitos gerais da maior importância, naTeoria Geral do Direito, são os de "fato jurídico" e"relação jurídica".

Vamos nos ocupar de um e de outro, neste capítulo.Fatos jurídicos, em sentido amplo, "são os aconteci-

mentos em virtude dos quais as relações de direitonascem, transformam-se e terminam". (Savigny). São osacontecimentos, naturais ou voluntários, aos quais odireito positivo atribui significação.

Daniel Coelho de Souza observa, com justeza, queum fato só é jurídico se a ordem jurídica lhe dá esseatributo .

Patos jurídicos, em sentido estrito, são aqueles cujaocorrência não depende da vontade humana, ou para o ,qual a vontade só concorre indiretamente. São exemplosde fatos jurídicos em sentido estrito: o nascimento, amorte, a idade da pessoa, o désabamento de um prédio,secas, inundações, geadas etc.

Para gostar do Direito 69

Page 32: Para Gostar de Direito (1)

Os fatos jurídicos em sentido amplo têm caracterís-ticas que os definem:

a) referem-se a acontecimentos relevantes, pela óti-ca do legislador. Muitos acontecimentos do "mundofático" não são' abarcados pelo "mundo do direito";

b) são produzidos por ato de vontade do homem oupor fato da natureza;

c) possuem alteridade, isto é, referem-se a umvínculo entre pessoas;

d) possuem exterioridade, vale dizer, podem serconstatados objetivamente.

Os fatos jurídicos em sentido amplo dividem-se em:- fatos jurídicos em sentido estrito;- fatos jurídicos humanos ou voluntários.

Os fatos jurídicos em sentido estrito classificam-se em:- acontecimentos naturais ordinários;- acontecimentos naturais extraordinários.

Acontecimentos naturais ordinários são os fenôme-nos normais, regulares, previsíveis, como o nascimento,o decurso do tempo etc.

Acontecimentos naturais extraordinários são fatosque não se apresentam com regularidade mas,. pelocontrário, são imprevisíveis, como o caso fortuito, aforça maior e o fato do príncipe.

No Direito brasileiro, o devedor está exonerado deresponder pelos prejuízos resultantes de caso fortuito,ou força maior, se expressamente não se houver por elesresponsabililizado.

Existe diferença entre caso fortuito e força maior.Casofortuito é aquele EIue resulta de um fenômeno

previsível, mas não quanto ao.momento, ao lugar ou aomedo-de-sua verificaeão. Exemplo: .uma.inundação queintercepte as__comunicações -impeça uma empresatransportadora de cumprir -um contrato de transpor~e.

FQI.ÇlLJll.aioré o,..Jlcontecimento absolu~amente inu-sitado, extraordinário e imprevisível. Exemplo: a ocor-.------------. - . -

r

70 João Baptista Herkenhof!

rência de um terremoto, onde esse.Jenômeno_não __sejailbiJual., O fato do príncipe é o impedimento de cumprir as

clausulas de um contrato, em decorrência de normas ouatos emanados do Poder Público.

~ jurídico flUm~no, o~ ~oluntário, é ~~~!~qued$pende a vontade, e....9._a ao. n:~I!:a propriamentedita. ExeI?Plos:. uma doação, uma troca, uma locação,um empreshmo etc... ,? fato jurídico humano, ou voluntário, é o atojurídico em sentido amplo.

.Os fatos humanos ou voluntários (atos jurídicos emsentido amplo) dividem-se em:

- atos lícitos ou atos jurídicos em sentido estrito'- atos ilícitos. '

__ Ato.s lícito.s o.u ato.s juríd~_P-Io1?riamente ditossao to.do.~~~ele_s ~ã~~~dados pelo. Direito., sãõt~aqueles que estão na esfera dQ._ici o. - - --

_<2. campo. do lícito. abrange:- o. que o. Direito permite expressamente;- o.que o. Direito não veda;- 0.. q~e ~ indiferente ao. Direito: o. que o. Direito não.disciplina, nem vedando. nem permitindo..

A Os at.o.s ~ícito.~ (atos jurídicos em sentido. estrito)tem P?r fim imediato adquirir, resguardar, transferir,modífícar ou extinguir direitos.

_~to.s Ilícitos são. to.dQllq1teles proibidos pelo Direi-to. Sao os atos que estão. na esfera do ilícito. Ilícito. é tudo.aquilo juridicamente proibido. .

Os atos ilícitos classificam-se em:- atos ilícitos civis (ilícito. civil);- atos ilícitos penais (ilícito. penal).

O "ilícito civil" é a ação. ou omissão voluntárianegligente ou imprudente que viola direito. de terceirosou a estes causa prejuízo. .

Para gostar do Direito 71

Page 33: Para Gostar de Direito (1)

o ilícito civil traz, como conseqüência, a obrigaçãode reparar o dano.

9 "ilícito penal" é toda ação ou omissão, consumada21,;1 teDt.?da~que a lei defina como crime ou contravenção.

O segundo conceito geral de que nos propusemoscuidar, neste capítulo, é o de "relação jurídica".

Ferrara definiu a relação jurídica como a "relaçãocomplexa total, intercedente entre duas ou mais pessoas,munida de conseqüências jurídicas".

A relaçãQ_juríd-ica-é.-integ.~ada por.dois elementos: osujeito .-ativo e o sujeito pg?sLvo.

. No direito privado, o sujeito ativo da relação jurídi-ca é o titular do direito subjetivo. O sujeito passivo é odevedor, isto é, aquele que está obrigado por lei a umaprestação para com o sujeito ativo. Num contrato deempréstimo de dinheiro, m~te juros, por exemplo, osujeito ativo é o credor. O_sujeito passivo é o devedor,obrigado ao pagamento dos juros e da dívida principal.

Na relação jurídica de direito público, o sujeitoativo é o detentor de imperium, competência, poderes efunções, ou seja, o Estado. O sujeito passivo é todapessoa obrigada a sujeitar-se ao poder do Estado.

O imp-~ri!;u:n_~j~st'!m~nte o 12od~.ê1atal. Ho Estadode Direito, o poder estatal não é absoluto, porém subor-dinado à Constituição e às leis.

Na obrigação tributária, por exemplo, o sujeitoativo é o ente público titular do direito de exigir otributo. O sujeito passivo é a pessoa obrigada a satisfa-zer a prestação tributária, ou seja, o contribuinte.

O sujeito ativo da obrigação tributária é generica-mente donominado Fisco.

Segundo os diversos critérios pelos quais podemser encaradas, as relações jurídicas classificam-se em:

- pessoais e reais;- formais ou solenes e informais;- de coordenação e de subordinação.

Relações jurídicas pessoais são aquelas que se ca-racterizam pela inter-relação de condutas. Na relaçãojurídica pessoal, a conduta de uma parte depende daconduta de outra, ou é meio para atingir o fim desejadopor outrem. São relações jurídicas, tipicamente pessoais,as do direito de família.

Relações jurídicas reais são aquelas nas quais osujeito ativo detém poderes e faculdades, que se exer-cem sobre a coisa, móvel ou imóvel. .

Também nas relações de direito real existe tanto osujeito ativo quanto o sujeito passivo. O sujeito ativo é otitular do direito real. O sujeito passivo são todas asdemais pessoas, obrigadas a respeitar o exercício dodireito real, ou seja, a permitir que o titular do direitouse a coisa ou disponha dela, dentro dos limites legais.

Relações jurídicas formais ou solenes são aquelasque supõem forma especial, prevista em lei.

Relações jurídicas informais são aquelas que decor-rem de ato, fato ou conduta que, por lei, não exigequalquer espécie de formalidade ou solenidade.

Relações jurídicas de subordinação são aquelas emque, de um lado está o Estado, munido de imperium,numa posição de superioridade (nos limites da Consti-tuição e das leis), e de outro estão as pessoas, de ummodo geral.

Relações jurídicas de coordenação são aquelas emque as partes, teoricamente, estão em situação de igual-dade.

São relações jurídicas de coordenação:

- as de direito privado. Nestas, mesmo o Estadoquando delas participa, é despido de imperium; . ,- as de direito público, nas hipóteses em que oEstado comparece como sujeito passivo, com odever de respeitar os direitos e franquias indivi-duais e coletivas, bem como os direitos subjetivospúblicos;

72 João Baptista Herkenhof! Para gostar do Direito 73

Page 34: Para Gostar de Direito (1)

- as de direito público internacional, das quais osEstados participam, como portadores de soberania.As relações jurídicas e os direitos subjetivos são

tutelados pelo Direito.A defesà dos direitos subjetivos, na sociedade pri-

mitiva; era promovida pelo próprio interessado, atravésda autodefesa.

Nas sociedades modernas, a defesa de direitos, nasrelações jurídicas, é feita mediante a intervenção dopoder público, através, normalmente, da ação judicial.

A ação judicial é o meio assegurado pela lei para atutela do direito subjetivo. A todo direito deve corres-ponder uma ação que o assegure; (

Dentre outras hipóteses, admite-se a autotutela noscasos de legítima defesa, estado de necessidade, reten-ção da coisa do devedor enquanto não pago o débito etc.

Diz-se que se entende em legítima defesa quem,usando moderadamente dos meios necessários, repeleinjusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou deoutrem.

A legítima defesa exclui o crime. Exclui também ailicitu.~a ãçãs>,..õu cllJ1Íssãõvoluntá'ri:?-;-neg-hgenéíã:ouimprudência, que viole direito ou cause prejuízo a ou-trem.

Considera-se em estado de necessidade quem prati-ca o fato para salvar de perigo atual, que não provocoupor sua vontade, nem podia de outro modo evitar,direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstân-cias, não era razoável exigir-se.

O estado de necessidade exclui o crime e exclui ailicitude 'do ato- que, em outras circunstâncias, seriailícito.

O princípio da ubiqüidade é o que proíbe excluir daapreciação da Justiça qualquer lesão de direito indivi-duaL. Esse princípio é fundamental dentro do Estado deDireito porque não deixa ao.abandono-do socorro judi-cial nenhuma pessoa e nenhum direito'.

/

74 João Baptisia Herkenhojj

Para que esse princípio seja real será preciso que setenha uma Justiça rápida, independente, merecedora daconfiança do povo, capaz de ouvir o grito de Justiça detodos, mas sobretudo do pobre, cuja voz é sempre fraca.

Também será preciso que cresça a consciência decidadania e da dignidade de que todos os seres humanossão portadores. O caminho para esse avanço é a educa-ção libertadora, na linha preconizada, com pioneirismo,por Paulo Freire.

qua~alguém vai à Justiça pedir proteção de umdireito subjetivo, numa relação jurídTcã,' fo-rma-se umproces?Q. 'O.a tozfinal:'âg'''jl:lIz:;pendo"termo ao 'processo,chama-se sentença._---~Os aut<?~~_<ü):.e..rgem-Flo.estabelecer- quaL se.j,~"a_f1LQçãOâãSent~DçÊ":""12é!.tã_alguns,teria apenas uma fun-ção ~e~~}aratóriado direito preexistente; para outros, asentença tàifibém 'cria.o direito.

Os que négam à sentença função criadora ponde-ram que é sempre dentro do sistema jurídico que oaplicador vai buscar a norma adequada ao caso. Mesmoem situações nas quais existe uma aparência de criaçãode Direito.

Creio que a sentença tem função criadora de direi-to. Isto porque, na generalidade do comando, termina alei sua função. Por mais que pormenorizadamente pre-veja exceções à regra geral, o legislador não esgotará,explicitamente, as exceções que devem ser admitidas.

Caberá ao juiz, como cientista do Direito, comoportador de valores que se pressupõe sejam éticos ehumanistas, fazer a justiça do caso. Aí desempenharáum papel humanizador, político, social, do qual nãopoderá se afastar.

A meu ver, a função criadora de direito apareceránas seguintes hipóteses:

- quando a lei não é clara, ou é imperfeita, ou élacunosa;

Para gostar do Direito 75

Page 35: Para Gostar de Direito (1)

- quando o juiz decide por eqüidade, expressamen-te autorizado pela lei, ou, sem autorização expres-sa, para salvaguardar valores irrecusáveis deJustiça;- quando se busca assegurar a adaptação do Direitoà evolução dos fatos;- quando se impõe a regulamentação das situaçõesde crise;- quando se faz necessário abrigar valores funda-mentais da ordem jurídica, acima da legalidadeestrita.

Capitulo VII/

Técnica jurídica

o Direito é fundamentalmente uma ciência norma-!iva ética, uma vez que sua finalidade essencial é dirigira conduta humana na vida social.

O Direito, numa segunda perspectiva, é uma ciên-cia teórico-cultural. As ciências culturais tratam da natu-reza transformada pelo homem, diversamente dasciências naturais, que cuidam do mundo físico-naturalpropriamente dito. O Direito é uma ciência culturalquando adotamos a perspectiva de estudá-lo como pro-duto da cultura.

Numa terceira perspectiva, o Direito pode ser con-siderado uma ciência normativa técnica.

O Direito é uma ciência normativa técnica enquantotem por objeto o estudo ou o conhecimento das normasdo jazer, na prática legislativa ou forense.

Essa técnica do "fazer" é a técnica jurídica.A Técnica Jurídica é o conjunto dos procedimentos

adequados à explicitação e realização concreta do Direito.A Técnica Jurídica é requerida em diversas manifes-

tações práticas do Direito.Há uma grande divergência entre os autores quan-

do tratam desta matéria.Creio, entretanto, que podemos visualizar três cam-

pos nos quais se efetiva a Técnica Jurídica. De acordocom a proposta que aqui apresentamos, teríamos:

a) a técnica da formulação legislativa;

76 João Baptista Herkenhoff Para gostar do Direito 77

Page 36: Para Gostar de Direito (1)

b) a técnica da sistematização do Direito;c) a técnica da elaboração das sentenças, arrazoa-

dos, petições etc., bem como da interpretação jurídica.J?-arece-me d_e.J2.om.aviso lançar uma adYert.êl)ci~

preliminar. A técnica é útil ou mesmo, in~i~pe~sável aoDireito. Mas o Direito, a meu ver, não e so técnica e nemé sobretudo técnica. A técnica é o instrumento. A realiza-ção efetiva do Direito e dos valores da Justiça é o fimúltimo e supremo. A té~nica, como m.:.io,_~eve estar aserviço 'do fim.----- Este ponto não é pacífico na doutrina, como tam-bém não é pacífico na efetiva vida do Direito.

Autores, nos livros que escrevem, profissionais, nocotidiano do mundo jurídico, colocam às vezes a Técnica(forma) acima do Direito (substância). Argumentam quea Técnica (forma) salvaguarda o Direito (substância), oque me parece verdade em termos. O princípio geral é, ameu ver, acertado. Entretanto, se ressalvas e distinçõesnão forem feitas, a forma pode tragar a substância, atécnica pode anular e inviabilizar o Direito.

Creio que o escritor, magistrado e professor PauloNader aborda a questão no seu justo termo. Diz PauloNader que a Filosofia do Direito ilumina na esc?lha dosvalores essenciais a serem preservados no conjunto doDireito. A Ciência do Direito coloca os princípios estru-turais indispensáveis à organização do sistema jurídi~~.Tudo isso, entretanto, ficará sem qualquer alcance prati-co "se o homo juridicus não for também um homo faber,isto é, se ao conhecimento teórico do Direito não forassociado o prático."

Parece-me que a opinião de Paulo Nader expressa ojusto termo exatamente porque ~ão. dissocia a té_cnica(domínio do homo faber) da substância (preocupaçao dohomo juridicus).

A técnica da formulação legislativa compreende oconjunto de conhecimentos e procedimentos adequados:

a) à elaboração legislativa;

b) ao processo legislativo.~técnica da eLaboraçã _islativa ~ ~_qu~.!:!.~li~a-

da na comeosi ão e--ª-l2LesentLç[o do ato legislativo, em~sentido amplo.

, Dizemos ato.Iegislativo, em sentido amplo, porque.a técnica da elaboração legislativa está presente naelaboração, não.apenas das leis, em sentido próprio, mastambém na elaboração das demais normas jurídicas(desde a Constituição, de hierarquia superior à das leis,áté os decretos.e __n_or~ de hierarquia inferior à daslels)-:-- . - -

A -técnica da elaboração legislativa compreendeaqueles princípios atinentes à formalização materiã1-dasleis. Ou seja: a técnica da elaboração legislativa dizrespeito apenas aos aspectos exteriores e formais de quese devem revestir os textos legais.

O primeiro princípio .de técnica de elaboração legis-lativa está contido na maneira de que se revestem ostextos legais. A Constituição, as leis e os decretos sãosempre vasados em -arfigos. Não só no Brasil comotambém na generalidade dos países. Há apenas peque-nas diferenças, de país para país, na técnica de numeraros dispositivos legais.

Adotam-se, com freqüência, algarismos arábicospara numerar os artigos.

Os primeiros artigos, até 9, recebem numeraçãoordinal: arts. 1° a 9°. Assim, no Brasil por exemplo,~brindo a atual Constituição, veremos:- --

"Art. 2°. São Poderes da União, independentes eharmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e oJudiciário. "

~ partir, do 10,_-º-s artigos recebem a numeração~al: arts. 11, 12, l~l 14 .e.assim por diante.

Nas enumerações que se seguem a um determinadoartigo, utilizam-se incisos, em algarismos romanos, par~'-- -

78 Para gostar do DireitoJoão Baptista Herkenhcf] 79

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explicitar as enumerações. Assim, por exemplo, no art.14 de nossa Constituição:

"Art. 14. A soberania popular será exercida pelosufrágio universal e pelo voto direto e secreto, comvalor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:I - plebiscito;11 - referendo;111 - iniciativa o ular."Os artigos, quando for necessário, devem ser des-

dobrados em parágrafos.Os parágrafos especificam as disposições contidas

na cabeça do artigo. A cabeça do artigo chama-se capui(pronuncia-se com acento na sílaba "ca").

Os parágrafos são numerados ordinalmente até o9°. A partir do 10, a numeração é cardinal. Quandodeterminado artigo tem apenas um parágrafo, este échamado de parágrafo único.

O capui do art. 18 de nossa Constituição fala sobre aorganização político-administrativa da República. Aoa~ seguem-se quatro parágrafos. Vejamos como estáredig-ido o capui do art. 18 e o seu,§ 1°.

"Art. 18. A organização político-administrativa daRepública Federativa do Brasil compreende aUnião, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,todos autônomos, nos termos desta Constituição.§ 1°. Brasília é a Capital Federal."Adotam-se letras para a especificação ainda mais

pormenorizada dos incisos.Assim o inciso LXXVI(76) do art. 5° da Constituição

tem duas letras:r:« 5°<:>4 rt. ....LXXVI - são gratuitos para os reconhecidamentepobres, na forma da lei:

.a) o registro civil de nascimento;b) a certidão de óbito."€;(

80 João Baptista Herkenhoff

__ A técnica do processo legislativo é aquela queministra- -corrhecirrientos e p ocedime-ntoÇ-aâequadospara a proposição e andamento dós projetos de lei, suaaprovação, sanção, promulgação e publicação.-º- rocesso legislativo obedece aos pr~i12-Los_esta-belecid~ ~a Constituição do país-:----~-

Esquematicamente, o processo legislativo compõe-se das seguintes partes:

a) iniciativa da lei;b) exame pelas comissões técnicas da casa legislativa;c) discussão e aprovação pelo plenário;d) revisão pela segunda câmara legislativa, quando

vigora o sistema bicameral;e) sanção;f) promulgação;g) publicação.

_Ail1Lciativa das l~is pode.partir do Poder.Executivoou d'~ Poder 1egTS1a!i~0.No caso de iniciativa do PoderLegislativo, esta pode provir de um membro do Poder,'soladamel'üe, ou de uma Comissão. Em matériãs- especí-ficas relacionadas com o Poder Judiciário, a iniciativa da "lei pode caber a esse Poder. As leis também podem serde iniciativa popular. Nesta hipótese, um determinadonúmero de cidadãos propõe o projeto.

O-exa~ elas comissões técnicas é o estudo dosprojetos por comissões especializadas formadas por re-presentantes do Poder Legislativo: Comissão de Justiça,Comissão de Educação, Comissão de Finanças etc.

Qe.p_oisque a~ comissões técnica§~studam, discu-tem e emendam o projeto, o mesmo..é encaminhado parao plenário, ou seja, para o conjunto dos membros doPoder Legislativo.:

Ocorre a revisão pela segunda câmara legislativaquando o país adota o Poder Legislativo bicameral; istoé, formado por duas câmaras.

Para gostar do Direito 81

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No caso do Brasil, o Poder Legislativo, no âmbitofederal, é formado por duas câmaras legislativas: a·Câmara dos Deputados e o Senado Federal. Nos Esta-dos-membros e nos Municípios, tem-se em nosso país osistema unicameral: Assembléia Legislativa (nos Esta...:.dos) e Câmara Municipal (nos Municípios).-- A sanção é o ato através d~gual_o_C1!..~fe_deGoverno ou o Chefe de STaCloãp!ova uma lei, votada_J2eloPoder Legislativo. O oposto..9.€~'sançã?"~ y~to. .

12 promulgação é a c~omunicação'-.daeXIsten~13d~ leiaos seus destinatários, ou seja, ao conjunto dos cidadãos,

À.publicação é a inserção da lei no)ornal o~icial.Modernamente, a promulgação so se efetiva pela

p,.ubiicãção da lei. É justamente a pu~licação .~~e tornade conhecimento público uma determmada lei.

A técnica do processo legislativo não envolve osaspectos substanciais do processo legislativo. A .técnicado processo legislativo cuida dos aspecto~ fo~m~ls ?e.sseprocesso. Como em todo o conjunto.da ~ecmca jurídica.também na técnica do processo legIslatlvo os aspectosformais devem servir aos aspectos substanciais quepresidem à elaboração das leis. ., .

A técnica da sistematização do Direito destina-se aconcentrar. organizar, sistematizar ou unificar a matériajurídj.ca.-- .

\.!....- Devido à extensão e à complexidade das leis, naépoca moderna, é indispensável o trabal~o de sisten:ati-zação delas. Essa sistematização não é feita pelos legisla-~ores, IDaspelos juristas. . _

Também integra a técnica da sisterr:ah~açao Ado

Direito a organização e sistematização da )~.rIspru~en-cia. Este trabalho consiste em reunir, orgamzar e siste-matizar as decisões dos tribunais.

A técnica da sistematização do Direito é extrema~mente útil ao traJ)~lho dõ-jurista, mas ainda aqui épreciso observar que o jurista não fica escr!vizado ~ essasistematização. Mesmo tendo nas suas maos o conJunto

82 João Bapiista Herkenhof]

das leis e decisões dos tribunais devidamente organiza-das, sistematizadas, unificadas, o 'urista de enfrentar

[email protected],Q--4~_cadª-c2&o.Se essa atividade individualiza-~ora não foss~igida do jl;!r_ÜiJfl,adv2gado~; promo,!.o-~e_j-\J.~í.zes-poder.iam.ser s~ubstitllídQs,com vantagem,pel~s..omputadores. .----- A técnica da inter reta ão 'urídica é a ue.permite-tornat: claras as expressões do Direito,/ revelar o sentidoã ropriªdo dessàs express9es do Direito para a vidareal, como notou Carlos Maximiliano.

~Il.ic-a-d aplica.ç.ã<Ld.o-Direitoé que.sucede à~ca da ~nteq2,[~Jação.Alnterpretação conduz a bus-

--car o conteúdo da, lei, sua substância. Revelada a subs-_ancia da lei, pela interpretação, o aplicador ajustaráessa substância ao caso concreto.

'--" -, '\........A-técnica da interpretação e da aplicação do Direi-'fo.;Bcomo toda técnica jurídica, é importante. Mas aqui

~écniGa-de..\l.e.s..llhmeter.-s_e a uma t~9ria científi-ca gue é a Hermenêutica [urídica.,

A Hermenêutica Jurí.s!icaé{.segundo penso, a chave9.~ed~ve abrir as portas do Direito. Ou dizendo de outramaneira: a técnica da interpretação e da aplicação deveser iluminada pela Herrnenêutica-Dentro dessa visão, aHerrnenêutica vai pesquisar as razões finaisda interpre-tação e da aplicação, guiada por uma Filosofia do Qire'-)to e po Ul1Jil. concepção do ser humano e dá sociedade.

Segundo Abelardo Torré, a técnica jurídica lançamão de meios formais e meios substanciais.

_QsJU~iosforrnai utilizados pela técnica jurídica são:- a linguagem;- as formas;

J -o sistema de pnhlicídade.Em todos os campos do conhecimento e da vida,

vem sendo realçada, modernamente, a importância dalinguagem. Compreender o homem é, antes de maisnada, compreender a sua linguagem.

83Para gostar do Direito

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No campo do Direito, ressalta logo que a lei élinguagem. Mas não apenas a lei. ,S~obs~~yarmos bem,ver~Qs~que é mais, amplo o domínio d~ lmguagem, nomundo do Direito. E li.!:guagem o.que dIZ o ac.usado, nointerrogatório; o que declara a vítima de u.m.cnme, o quedepõe a testemunha, a sentença que o JUlZ profere, aexortação verbal que o juizJ,!ça. , ..- - A linguagem é o sangue que perpassa as artenas do -mundo jurídico. . . . .

Paulo Nader disse que o aperfeIçoamento do DIreI-to positivo é também um problema d.e ap,erfeiçoarr;.en~ode sua estrutura lingüística. Isto devido a dependênciaque há entre o Direito e a linguagem. , .

Os elementos que integram a linguagem, na técnicajurídica, são:

- o vocabulário jurídico;- as fórmulas; •- os aforismosr- ó estilo-jttrfdico.O vocabulário jurídico compõe-se de:a) pa avras 'do vocabulário con:;~m, ~sa?a~ no seu

sentido geral (exemplos: solo, supe;fl~le, a~Ja.çencla~ =:rais, árvores, no art. 43, inc. I, do COdIgO ClVIl brasileiro):

b) palavras do vocabulário comum, ~s.adas comsentido jurídico específico (exemplos: ace~sonos do solo,tradição, repetição, que aparecem, respectivamente, nosartigos 61, 520, II e 971, do Código ,C~vil; estado denecessidade, no art. 19, inc. I, do nosso COdIgO Penal);

c) vocábulos provenientes de outras ciências (exem-plos: moléstia transmissível, defloramento ~a l1:ulher, ambosconstantes do Código Civil, art. 219, mClSOS III e IV,respectivamente; entorpecentes ~ gestante, a~bos prese~-tes na Constituição da RepúblIca Federativa do Brasil.art. 5°, inc. XLIII, e art. 7°, inc. XVIII); . ,.

d) vocábulos de sentido ~~trit~m~nte. [ur ídico. (exemplos: debênture, anticrese, c~dlcllo,fldelcomlsso, arras,

comodato, evicção, endonorma, pertnorma, warrant).

84 João Baptistn Herkenhojj

O Direito não deve usar uma linguagem hermética,cifrada, íríêornpreensível. O usô do vocabulário técnico Eia precisão da "linguagem devem ter como objetivo aclareza das leis, das sentenças e dos contratos. Os vocá-bulos técnicos e a linguagem precisa devem contribuirpara a compreensão do Direito e para a segurança dacomunicação.

O tecnicismo desnecessário, a l' ,g.uagem....empola-da, o uso de expressões estrangeiras que têm correspon-dentes em português, tudo isso deve ser evitado. Sãovícios que, a meu ver, aumentam o abismo entre a lei e o .povo, criam uma casta de homens da lei.

N o Brasil, as expressões em língua estrangeira, queestavam presentes em algumas leis, vêm sendo substi-tuídas por expressões vernáculas. Têm sido mantidasapenas' aquelas palavras e expressões absolutamenteconsagradas e que, na verdade, já integram o nossovocabulário.

e eventuall1lente,_um pressão do latim ou deoutra língua é~ota_dª,_ por força de uma tradiçãosecular, num ato deçomunicação jurídica, será indispen-sável que apareça também a tradução ou explicação emportuguês.

~ma sociedade jíemocrática.jo Direito deve bu§-car o máximo de entendimento popular. Deve.vir do

povo e retornar ao povo, através de mediadores que oSíinplifiquem.- O vocabulário jurídico é usado nos três setores emque ~óora a técnica jurídica, ou seja, na técnica da[or!nlj"lação das leis, na técnica de sua sistematização ena técnica de interp_retação e aplicação do Direito.

Dissemos que as fórmulas são um outro elementoque integra a linguagem, na técnica jurídica.

, 'rmulas são atOfkg.esLo ou.palavras, rigidamente~eciclos, para a prática de um determinado ato,·urídico.

Para gostar do Direito 85

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As fórmulas marcam o Direito antigo, preso, comoobserva Fustel de Coulanges, ao aspecto exterior, à letra,à palavra, ao gesto.

A Constituição Imperial do Brasil, por exemplo,adotava fórmulas para a sanção e o veto das leis.

.•A tendência moderna do Direito é a eliminação dasfórmulas, com a prevalência da verdade substancialsobre a verdade formal. •

Entretanto, ainda assim, sobrevivem algumas fór-mulas, no Direito contemporâneo, como reminiscênciade costumes ancestrais.

l:ill-Dire~lo brasileiro existem fórmulas consagradase obrigatórias, na técnica de aplicação do Direito.

~o Tribunal do Júri, por exemplo, o Juiz-PresidentekJJ!!1-ª exortação aos jurados, na abertura das sessõesde, julgamento. As palavras da exortação constam ex-p}5!s~amente do art. 464 do Código de Processo Penal.Todos de pé, diz o juiz aos jurados:

"Em nome da lei, concito-vos a examinar com im-parcialidade esta causa e a proferir a vossa decisão, de.Jl~oom-a-\lo.s$a con.sciência e os ditames da Justiça."

O escrivão pronuncia o nome dos jurados, um porum. Cada jurado, ao ouvir seu nome, estende o braçodireito e responde:

"Assim o prometo."Nosso Código Civil também estabelece uma fórmu-

la para a celebração do casamento. Esta fórmula estáescrita no art. 194. Depois de ouvir dos nubentes aafi mação de que persistem no propósito de casar porlivre e espontânea vontade, deve o presidente do atodizer:

"De acordo com a vontade que ambos acabais deafirmar perante mim, de vos receberdes por marido emulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados."

Outro elemento que integra a linguagem, na técnicajurídica, como dissemos, são os aforismos.

86 João Bnptista Herkenhojj

.~_:~.~?S,' adágios ou brocardos são _I.P_cixim.a§ge-rais e concisas, que resumem-umaJegra de.Direito. Sãoexemplos de aforismos os seguintes: ninguém podetrãnsfer~ mais dir.-eito que põSSUI; nas coisas m6veis,aposse vale título; na dúvida, decida-se em favor do réu;e pei'fuifido o que não for proibido: o excesso de legalis-

mo conduz à injustiça exacerbada; cabe, a quem alega,provar o alegado.

Alguns desses aforismos são muito conhecidos naversão original latina. Devido à concisão do latim, certosaforismos. ficam. muito bem nessa língua. Vejamos, por~xemp'lo: in dubio por reo (na dúvida, decida-se em favord~ ~~u); sum,m.ur:z ju~, summa injuria (o excesso de legalis-m,0 conduz a injustiça exacerbada); onus probandi incum-ba auctori (cabe, a quem alega, provar 0_ alegado).Entretanto, como já dissemos, não se deve abusar doLatim na vida cotidiana do Direito.. O estilo jurídico é o último elemento que integra a

lmguagem, na técnica jurídica, de acordo com a nossaenumeração.. O estilo jurídico é ~. peculiar-idade que ~anha a

lI~guagem verbal, quando colocada a serviço da expres-sao do pensamento, nas diversas atividades humanasligadas ao Direito.' <

O estilo jurídico está presente: na pena do legisla-dor e do doutrinador; nos arrazoados dos advogados emembros do Ministério Público; na oratória forense; naredação dos contratos; nas sentenças e nos acórdãos.

. As notas que distinguem o.estilo do legislador são ac:are~a e a concisão. O estilo do legislador deve serlímpido. transparente. A lei deve fugir da redundância,da .imprecisãO,?a dubiedade. Justamente devido à gene-ralidade da lei, sua redação é direta, econômica naspalavras, precisa no uso dos vocábulos. Quanto maisbem-redigida a lei, mais fácil será seu entendimento.Muitas questões n? Justiça têm COlDOcausa leis malredi-gidas, revefa-me a longa experiência como juiz.

87Para gostar do Direito

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A peculiaridade do estilo do doutrinador é a clare-za da exposição, é a exata citação das fontes, é a apresen-tação honesta das diversas doutrinas e a análiseexaustiva delas. O doutrinador deve distribuir ordena-damente as matérias que apresenta. O uso do rodapépara digressões ou esclarecimentos complementares fa-cilita o entendimento porque permite o seguimento, seminterrupção forçada, das idéias mais importantes.

A peculiaridade do estilo dos arrazoados é o orde-namento lógico da argumentação, a clareza da lingua-gem, a oportuna citação da doutrina e da jurisprudênciapertinentes, a concisão e essa indefinível chama - esseúliliE..,ejode alma - que caracteriza as grandes petições.

Nos 'arrazoados, os argumentos mais relevantesdevem ser destacados. O uso de títulos e subtítulos bemcolocados podem facilitar a compreensão.

A peculiaridade do estilo da oratória forense é alógica, a leveza, a graça, o entusiasmo, a paixão - maislivre no Tribunal do Júri, mais comedida nos tribunaistogados.--Fuja a oratória forense da prolixidade. Depois que oPromotor pediu a absolvição do réu, não se demore oAdvogado em considerações intermináveis, tentando oJuiz a absolver o réu e condenar o advogado, como sediz, a título de troça.

A peculiaridade do estilo dos contratos é a clareza,a concisão, a sinceridade, a honestidade. Tudo prever,nada omitir. Contratos celebrados com a assistência deprofissionais c~pêtentes evitam litígios e dis~abor~s ".

A peculiaridade do estilo das sentenças e a distri-buição ordenada da matéria, a apreciação responsável eexaustiva da prova, a consideração aos argumentos daspartes, a fundamentação ampla, a citação da doutrina eda jurisprudência aplicáveis, a clareza, a honestidademental. Falamos em "citação da doutrina e da jurispru-dência aplicáveis". Isto não significa dizer que o juizesteja sempre subordinado ao entendimento estabeleci-

88 João Baptista Herkenhof!

do pelas instâncias superiores ou pela doutrina domi-nante. Pode o juiz divergir, desde que sua divergênciaseja fundamentada. Não são apenas os tribunais quefazem o Direito avançar através de decisões sábias, quevão formar a jurisprudência. Também os juízes promo-vem o progresso do Direito através de sentenças bem-colocadas. .0 conjunto das decisões dos juízes de

~i!!,eiro grau chama-se "precedentes".~s s~ten as devem obedecer a cert9s ~.9uisit9s

formais ue ei especifica. Devem conter:a) <:. relatório, onde aparece o nome das partes, o

re!~o- de ~y_as alegações, o registro das principaisocoffêfíêíàs havidas no processo;

b) os fundamentos, co~ a análise das questões de_fato e de direito.levantadas;

c) o dispositivo, que é a parte final na qual o juizresolve a questão, decide enfim. -

Na letra "b" nós nos referimos a questões de fato ede direito.

Questões de fato são as questões relacionadas comas ocorrências do processo. Quando se discute se o. réufoi verdadeiramente o autor ae-mn---crime, tem-se umaquestão de fato. A discussão sobre a autoria de um crime, ----~empre uma questão de fato.r - ,

Questões de direito são as questões jurídicas. Equestão de direito, por exemplo, discutir os requisitos eos limites da legítima defesa.

Freqüentemente, há questões de fato e de direitopara serem decididas no processo. Entretanto, às vezes oprocesso gira apenas em torno de urna questão de fatoou eu: torno de uma questão de direito.

E uitD-i.o:t.p..OLI:an.t- qu todacsentençacseja -bemfundamentada, pata que o perdedor seja convencido dasraz.ões pela_~quais perdeu ou, pelo.menos, para que sintaque o juiz apreciou o caso com .responsabilidade eseriedade. E algulll~s hipóteses, a sentença pode serextremamente curta. E quando não estão presentes os

Para gostar do Direito 89

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motivos que determinam a análise exaustiva do proces-so, como, por exemplo, num caso simples em que o __Promot~r de Justiç_é!;_eça que seja declarada extinta a,pUnibilidade do acusado, por via da prescrição.

O esquema legal da sentença não proíbe que elatenha alma, que nela pulse a vida, e valores, e emoção,conforme o caso. O mesmo pode ser dito com relação adespachos proferidos pelo juiz.

Quando eu era juiz em Vila Velha, no EspíritoSanto, certa tarde compareceu em minha Vara umasenhora grávida que estava presa há vários meses por-que fora encontrada com alguns gramas de maconha.Ela estava em adiantado estado de gestação. Vendoaquela mulher pobre, grávida, desamparada, presa porum delito tão pequeno, eu senti uma profunda revolta. Eentão, na presença dela, ditei para a Escrivã o despachoque a libertou.

O despacho a que me refiro foi proferido há algunsanos. Retiro do texto original a referência a um fato dodia em que o despacho foi prolatado: a morte do PapaPaulo VI. Com essa adaptação, quero facilitar a com-preensão hoje. Eis o despacho:

"A acusada é multiplicadamente marginalizada:por ser mulher, numa sociedade machista; por ser pobre,cujo latifúndio são os sete palmos de terra dos versosimortais do poeta; por ser prostituta, desconsideradapelos homens mas amada por um Nazareno que certavez passou por este mundo; por não ter saúde; por estargrávida, santificada pelo feto que tem dentro de si,mulher diante da qual este Juiz deveria se ajoelhar,numa homenagem à maternidade, porém que, na nossaestrutura social, em vez de estar recebendo cuidadospré-natais, espera pelo filho na cadeia.

É uma dupla liberdade a que concedo neste despa-cho: liberdade para Edna e liberdade para o filho deEdna que, se do ventre da mãe puder ouvir o som dapalavra humana, sinta o calor e o amor da palavra que

lhe dirijo, para que venha a este mundo tão injusto comforças para lutar, sofrer e sobreviver.

Quando tanta gente foge da maternidade, quandopílulas anticoncepcionais, pagas por instituições estran-geiras, são distribuídas de graça e sem qualquer critérioao povo brasileiro; quando milhares de brasileiras, mes-mo jovens e sem discernimento, são esterilizadas; quan-do se deve afirmar ao Mundo que os seres têm direito àvida, que é preciso distribuir melhor os bens da Terra enão reduzir os comensais; quando, por motivo de con-forto ou até mesmo por motivos fúteis, mulheres seprivam de gerar, Edna engrandece hoje este Fórum, como feto que traz dentro de si.

Este Juiz renegaria todo o seu credo, rasgaria todosos seus princípios, trairia a memória de sua Mãe, sepermitisse sair Edna deste Fórum sob prisão.

Saia livre, saia abençoada por Deus, saia com seufilho, .traga seu filho à luz, que cada choro de umacriança que nasce é a esperança de um mundo novo,mais fraterno, mais puro, algum dia cristão.

Expeça-se incontinenti o alvará de soltura".Não obstante o choque de correntes que se observa

no campo doutrinário e jurisprudencial, foi a linha darelevância social da norma que inspirou este despacho.Segundo essa doutrina, a norma jurídica só tem sentidoem face de sua relevância social.

Quando uma decisão provém de um tribunal elarecebe a designação de "acórdão". Só a decisão dos juízesé que tem o nome de "sentença".

.b característica do esjílo dos acórdãos é a concisão.A matéria decidida no acórdão é resumida numa peque-na nota, que se chama "ementa". .

O segundo meio formal de que se utiliza a técnicajurícUca, como já dissemos, são às formas ou formalida-des:-- -

Formas ou formalidades são solenidades impostaspela léí,pãra a validade ou a prova do ato jurídico.

90 Para gostar do Direito 91João Baptistn Herkenhof]

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As provas, como disse Paulo Nader, têm comofinalidade proteger os interesses dos que participam narealização dos atos jurídicos. Visam também a manterorganizados os assentamentos públicos, como o registrode pessoas naturais e jurídicas, o registro de imóveis etc.

Há atos que exigem a observância de determinadasformas (atos formais ou solenes). Outros atos podem serpraticados por qualquer forma não proibida por lei (atosnão-formais).

As formas, ou formalidades, estão presentes, sobre-tudo, na técnica da aplicação do Direito, isto é, na vidado foro e dos cartórios: na realização das audiências ejúris, na celebração do casamento, na feitura do testa-mento.

Há uma diferença, segundo Roberto Piragibe daFonseca, entre formalismo vocabular e formalismo espi-ritual. O formalismo vocabular é uma maneira acanhadade conceber a forma no Direito. Já o formalismo espiri-tual, para Roberto Piragibe da Fonseca, dá a chave dasignificação autêntica do Direito.

O terceiro meio formal de que se utiliza a técnicajurídica é o sistema de publicidade.

Sistema de publicidade é o recurso de que se vale atécmca jurídica para que se tornem públicos aqueles atosou fatos da vida jurídica que, direta ou indiretamente,afetem o bem comum, ou o interesse de terceiros, sejamterceiros conhecidos ou não.

O sistema de publicidade é usado:- na técnica de aplicação do Direito, quer em atosjudiciais, quer em atos extrajudiciais. Exemplos:audiências públicas; atos divulgados na imprensaoficial; registro público de fatos e atos jurídicos;franquia da Justiça à imprensa, ao rádio e à televi-são, salvo se o interesse público ou o respeito àpessoa humana exigirem o sigilo;- na técnica de formulação do Direito. Exemplo:

divulgação dos projetos de lei, dos debates parla-mentares e das leis promulgadas, tanto pelos veícu-los oficiais, quanto pela imprensa em geral.Tendo acabado de examinar os meios formais de

que se utiliza a técnica jurídica, vejamos agora os meiossubstanciais.

Os meios substanciais usados pela técnica jurídicasão:

a) as definições;b) os conceitos;c) as categorias;d) as presunções;e) as ficções.

Definição, conforme Paulo Dourado de Gusmão, é aenunciação do gênero próximo e da diferença específicade um dado objeto.

No campo do Direito, a "definição jurídica" temcomo finalidade precisar o sentido de um vocábulojurídico, fornecer a expressão verbal de um elementointegrante do Direito etc.

É exemplo de "definição" a de imprudência: ação nãointencional que, por falta de cautela usual, causa danoou prejuízo a outrem. A i prudênci gera.a.obrigaçãode reparar o dano e tipifica o crime culposo.

Formular definições é atribuição da técnica de siste-matização do Direito. Não compete ao legislador definir,embora o legislador muitas vezes defina.

Conceito, segundo Roberto Piragibe da Fonseca, é aabstração em grau variável, crescente ou decrescente,quanto à generalidade. Uma laranjeira, uma árvore fru-tífera, uma árvore, um vegetal são conceitos progressi-vamente mais genéricos. Dispostos em ordem inversa,esses conceitos apresentariam, progressivamente, grausde menor generalidade. Em Direito, finaliza Piragibe daFonseca, há conceitos simples (animal, floresta) e concei-tos complexos (responsabilidade, contrato, soberania).

92 93João Baptista Herkenhof! Para gostar do Direito

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São conceitos jurídicos: culpa, dolo, justa causa,insolvência, extradição etc.

Rickert distingue definição e conceito dizendo quea definição dá uma idéia analítica do fenômeno - juízoexplícito. Já o conceito dá uma idéia sintética do fenôme-no - juízo implícito.

Os conceitos jurídicos, como observa Paulo Nader,favorecem a simplificação dos textos legislativos, aomesmo tempo que lhes imprimem maior rigor e precisãológica.

Graças aos conceitos, diz Roberto Piragibe da Fon-seca, o Direito "capta e submete a realidade".

Os conceitos devem ser enunciados pela doutrina.Estão no campo da sistematização do Direito.

Paulo Dourado de Gusmão observa que os concei-tos, muitas vezes, tornam difícil ajustar o Direito aoscasos e situações novas. Por este motivo, o legisladornão deve abusar deles. Deve deixar à Ciência do Direitoa tarefa de forrnulá-los.

Categorias jurídicas, na definição de Roberto Pira-gibe da Fonseca, são os quadros fixos fora dos quais osfatos não possuem conseqüência jurídica. Assim, noDireito Penal, fora do quadro fixo reina a impunidade.Isto que dizer: pena alguma pode ser cominada se os .elementos de um delito, definidos em lei, não se apre-sentam realizados. No Direito Civil, são direitos reaisapenas aqueles como tais instituídos.

São exemplos de categorias jurídicas: ato jurídico,direito subjetivo, ilícito etc.

As categorias jurídicas são criações da técnica desistematização do Direito. Uma vez criadas, as catego-rias jurídicas são usadas, quer na técnica de formulaçãodo Direito, quer na técnica de aplicação. .

A presunção, baseada na verossimilhança, generalI-za o que normalmente ocorre em certos casos. ~stende asconseqüências jurídicas de um fato conhecid o a umdesconhecido. (Paulo Dourado de Gusmão). Ou dito de

outra forma: é a ilação que se tira de um fato conhecido,para provar a existência de outro, desconhecido. (ClóvisBeviláqua).

As presunções classificam-se em:- simples ou comuns;- legais.Presunções simples são aquelas que resultam do

senso comum. O juiz vale-se delas em face de matériasde fato. Integram a técnica de aplicação do Direito.

Presunções legais são aquelas estabelecidas por lei.As presunções legais dividem-se em absolutas e

relativas.Presunções absolutas são aquelas que não admitem

prova em contrário. São designadas, segundo uma ex-pressão latina, presunções jurís et de jure.

São casos de presunção absoluta, acolhidos peloDireito brasileiro:

- admitir que a coisa julgada encerra a verdade (resjudícata pro verítate habetur);- presumir que todas as pessoas conhecem a lei, demodo a impedir que alguém se escuse alegandoignorância.

Presunções relativas ou condicionais são aquelasque admitem prova em contrário. Numa expressão lati-na muito conhecida, são designadas como presunçõesjurís tanium.

São exemplos de presunções relativas, acolhidaspelo Código Civil brasileiro:

- o domínio exclusivo e ilimitado, até prova emcontrário;- a paternidade legítima dos filhos concebidos naconstância do casamento;- a morte simultânea de pessoas, que faleçam namesma ocasião, sem que se possa averiguar quemmorreu primeiro.

94 João Baptista Herkenhoff Para gostar do Direito 95

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A ficção jurídica é um instrumento de técnica legis-lativa. Visa a transportar o regulamento jurídico de umfato para fato diverso que se deseja comparar ao primei-ro, seja por analogia de situações, seja por outras razões,conforme notou Ferrara.

São exemplos de ficções jurídicas:_ considerar as Embaixadas como se estivessem noterritório dos respectivos Estados;_ considerar imóveis os bens móveis que o proprie-tário mantiver intencionalmente empregados emsua exploração industrial, aformoseamento, ou co-modidade;_ reputar como realizada a condição quando odevedor de obrigação condicional, impelido pormá-fé, impede o advento da condição.

96 João Baptista Herken'hoff

Capitulo VIII

Lei e Direito, Justiça eSegurança Jurídica

Queremos fechar este livro com uma reflexão sobrequatro outros conceitos gerais da maior relevância naTeoria Geral do Direito: Lei, Direito, Justiça e SegurançaJurídica.

Comecemos por discutir a questão da diferençaentre Lei e Direito e da eventual existência de umahierarquia entre esses dois valores.

uízes, advogados, promº-~or~s de Justiça, assesso-res jurídicos são servos da lei?

Entendemos que não. ~O juiz e os demais profissionais do campo jurídico

são servos do Direito ..A ética do ofício judicial manda que o juiz esteja a

serviço do Direito. Significativamente, na magistraturacomum, o cargo de juiz é denominado "Juiz de Direito".

. O advogado peticiona per direitos, luta por direitosnvados o por direitos.públicos. Em qualquer hipóte-

se, no entanto, contribui para a construção do mundo doDireito.

Penso que o novo Estatuto da Advocacia abordamuito bem a matéria.~ r:ro capítulo que cuidada.ética.da profissão, diz que

o advogado deve considerar-sedefensor da Justiça e doDirei.to. Tem.-se como infração disciplinar advogar con-tra literal disposição da lei, salvo se a conduta tem

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pronunciamento judicial anterior para escusá-Ia, ou se ofundamento da rebeldia é a inconstitucionalidade ou ainjustiça da lei.

A lei deve servir ao Direito. Porém, nem semprecumpre o papel que a justifica e leg.itima. .'

Homero Freire colocou que a lei revela o Direito: masnem sempre o faz bem; padece da imperfeição humana.

Plauto Faraco de Azevedo defende a subordinaçãodo juiz ao Direito, e não à lei.

Permanece válida a esplêndida lição do grandeTristão de Athayde. Quando o juiz deixa de aplicar origor literal da lei, devido às c~rcunstâncias ~o~ fatos:não está ofendendo a lei. MUlto pelo contrano, estacumprindo a lei em seu espírito e em sua eqüidade ...

José Aloysio Ribeiro de Souza defende que o JUlZdeve ter meios de solucionar casos submetidos a julga-mento, sem se aprisionar a dispositivo legal iníqu~. . .

Luiz Fernando Coelho coloca com extrema objetivi-dade que a ordem jurídica não resulta ape~as da pr:se~-vação da hierarquia das normas de direito (coerenClaformal) e da regulação não contraditória dos dados davida social (coerência material). A ordem jurídica impõeainda a coerência axiológica, isto é, a harmonização devalorações independentes que impeçam a prevalênciade valorações normativas contrárias aos princípios g~-rais do Direito. Pontes de Miranda afirma que a subordi-nação do juiz é ao Direito, não à lei, por ser possível a leicontra o Direito.

Helmut Coing pensa que, na ética do ofício judicial,o dever de decidir conforme a Justiça tem precedênciasobre os demais deveres. Assim, deve o juiz decidir comJustiça inclusive contra o direito positivo.

Triepel sentencia que a lei não é sagrada. Sagrado,só o Direi to.

Eduardo Couture leciona que, quando a lei e aJustiça entram em conflito, deve o juiz ficar com aJustiça.

Gaudemet diz que se afere o valor da norma jurídi-ca pela sua aplicação prática, pela possibilidade deresponder às exigências fundamentais de Justiça, auxi-liando a socorrer os fracos e constrangendo os podero-sos à obediência.

Theodor Sternberg disse que, no terreno do Direitocientífico, uma decisão é Direito porque é justa.

. Carnelutti ?bservou que o legislador tem as insíg-mas da soberania, mas quem tem as chaves é o juiz. E sóo juiz.varremata Carnelutti, em contato com o homemvivo - que não é o homem abstrato do legislador - podealcançar a visão suprema que é a intuição da Justiça.

. Finalm~nte, Karl Larenz afirma que se o juristaqUlser ser fiel a sua profissão deve entender o Direitopositivo, no seu conjunto, como uma via, mas não aúnica via, de realizar a maior Justiça possível.

A interpretação e a aplicação do Direito envolvemaspectos éticos e políticos que o saber jurídico sozinhonão é capaz de enfrentar.

Quando há um atrito entre a.Lei e o Direito, tem-seuma questão ética, um choque de valores e não umaquestão meramente jurídica e muito menos uma questãomeramente legal. As decisões valorativas não estão nodomínio da lei, estão no domínio da Ética. Entre doisvalores, - a Ética nos guia, - devemos decidir pelo valorde maior hierarquia. Entre o culto da lei e o culto doDireito, o valor de maior hierarquia é o culto do Direito.

A supremacia do Direito sobre a lei pura e simplesnão dispensa o jurista de ser sábio e prudente. Muitopelo contrário. Essa prudência é imperativa. Busque-se,sem dúvida, primeiramente, examinar o caso a decidirsob a luz de uma visão hermenêutica aberta. Faça-se usodas diversas possibilidades da interpretação - interpre-tação sociológica, histórica, teleológica etc. Na maioriadas hipóteses, verificaremos que a lei, interpretada comsabedoria, pode conduzir à visão suprema da Justiça aque se refere Carnelutti. Sobretudo quando se trata de

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leis discutidas e elaboradas no Estado de Direito, emclima de debate e participação popular. Se se trata deleis elaboradas em períodos pretéritos de arbítrio, apli-cadas agora a um Estado que se torna democrático, serápreciso compreender que é inteiramente imprestável nalei velha todo princípio incompatível com o Estado deDireito.

O bom intérprete busca encontrar caminhos paraharmonizar a roupagem da lei com o bem comum e asexigências de Justiça que devem ser seu escudo. Jamaischegará à conclusão de que a lei o obriga a ser injusto.

A lei estará sempre subordinada ao Direito. Estasubmissão da lei ao Direito deve ser a diretriz queilumina a vida jurídica.

Outros dois conceitos gerais, discutidos pela "TeoriaGeral do Direito", de que queremos tratar, neste capítulofinal, são "Justiça" e "Segurança Jurídica". Refletiremosnão apenas sobre os dois valores em si, mas também darelação que existe entre eles.

A Justiça e a Segurança Jurídica são dois valoresessenciais a ser preservados na ordem jurídica.

O ideal seria que um sistema jurídico proporcionas-se o máximo de Justiça e o máximo de segurança.

A segurança jurídica é um bem devido aos cidadãospor imperativo de Justiça. De outro lado, a plenitude deJustiça exige segurança jurídica.

Na dinâmica da vida jurídica, pode haver e há comfreqüência um choque entre esses dois valores. A Justiçapara o maior número pode comprometer a segurança dealguns.

A Justiça distributiva pode impor a alguns a restri-ção à posse e ao uso de determinados direitos, reduzin-do o grau de segurança jurídica .

.A segurança jurídica é sempre invocada quando sefala em alargar a missão criativa do juiz e do jurista emgeral, ou quando se fala num "uso alternativo do Direi-

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to", para proteger os que sempre foram órfãos da ordemjurídica vigente.

A lei traduziria a segurança. Com tanto mais vigorquanto mais literalmente interpretada.

O afastamento da lei poria em perigo tal valor.Uma das funções do Direito é preservar a seguran-

ça. Contudo, a .meu ver, a Justiça é um valor superior aes~e: Ja~ais se ?ev~~á, em nome da segurança, consagrara injustiça ou justificar decisão administrativa ou judi-ciária contrária ao bem comum.

Não se nega que as relações jurídicas precisamgozar de um teor de segurança. Sobretudo as relaçõescomerciais, nas hipóteses em que os contratantes sãoportadores de igual poder econômico.

Contudo, a segurança não deve ser elevada à cate-goria de valor supremo, em prejuízo da Justiça. Esta é O

valor maior.Com razão, no ensino bíblico, a segurança não é um

v~lor autônomo, mas tem uma base axiológica, ou seja, asegurança é fundamentada num valor que a antecede,qual seja a eqüidade. Encontramos essa lição no capítulo32, versículo 17, do Profeta Isaías:

"O produto da Justiça será a paz; o fruto da eqüida-de, perpétua segurança."

, A segurança que a lei mais freqüentemente assegu-ra e a segurança das classes que fizeram a lei ou tiverampapel preponderante na sua elaboração.

Se, num caso de despejo, o juiz atende, solicitamen-te, o proprietário do imóvel, estará dando segurança aosq~e ,investi~am em imóveis, por causa das leis de prote-çao a propnedade. Mas onde fica a segurança do inquili-no, a segurança da família despejada?

A família e a propriedade gozam de proteção cons-titucional. A propriedade goza de proteção, subordina-da à função social. A família é declarada como sendo abase da sociedade. Entre os dois valores (família epropriedade), a família é, sem dúvida, um valor de

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, )

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maior significação. A propriedade só merece amparo sereferida ao bem comum, ao interesse social. A proprie-dade não é um direito de exclusão (propriedade parapoucos), mas um direito universal (propriedade demo-cratizada daquilo que é essencial à pessoa e à família,como condição para o florescimento da personalidade).Será preciso estar sempre repensando as instituições doDireito Civil à luz da hierarquia constitucional e doquadro de valores que orientam a ordem jurídica.

Segundo Radbruch, o homem de Direito que vive aJustiça, que tem sua visão de mundo fundada na Justiça,é idealista e progressista; o que vive a segurança épositivista e conservador.

Os ideólogos da segurança têm da ordem estabele-cida uma visão simétrica: a lei explici ta valores inques-tionáveis - família, propriedade, herança, contrato,ordem pública, bons costumes. (Família, enquanto sus-tentáculo da propriedade.)

A lei organiza as divergências, cerceia o egoísmo,coíbe as condutas criminosas.

Se a lei é, assim, tão sábia, outro papel não têm asautoridades (os juízes, inclusive) do que fazer prevale-cer a lei. Cumpre repelir os atos injurídicos dos desobe-dientes, dos recalcitrantes.

Nesta visão de mundo, há uma única tensão - aordem e a desordem, a lei e o desrespeito à lei. Prevaleçaa lei e a ordem e o mundo estará salvo.

Quem identifica "Estado-Ordem-Lei-Justiça" nãoaceita o acolhimento de qualquer Direito, que não seja oestatal. Não aceita também a absorção, pelo jurista, doclamor de Justiça do povo, se esse clamor não teve oacolhimento expresso (e sempre retardado) do legisla-dor.

Esta é, a meu ver, uma percepção míope da realida-de social. Desconhece a tensão entre o Direito estatal e oDireito social, entre a ordem imposta e a ordem deseja-da, entre a força imperante dos poderosos e a fraqueza

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, ,\,'

esquecida dos marginalizados. Ignora o conflito entre omundo dos direitos do homem e dos homens sem~ireitos, oprimidos por opressores. Desconhece a plura-hd~de dos ordenamentos jurídicos, as peculiaridadesregionais, a existência de um Direito não-formal, ao ladodo Direito formal, fatos que derrubam o mito da unida-de do Direito.

!'- aplicaçã.o ~ociológico-política do Direito, queconsideramos indispensável, pode estabelecer umaaproximação maior entre o Direito e o fato social. Podediminuir a tensão entre o Direito estatal e o Direitosocial. Pode reduzir o abismo entre os símbolos dolegislador e os do povo. Pode contemplar a multiplicida-de de culturas existentes dentro do Brasil.

Tud21ssº--contribuirá_ para a segurança do Direito,entendida q!Je essa segurança deve ser em favor detodos e não apenas em favor dos que já são privilegia-dos.

Surpreendemos inúmeras contradiçõ S dentro dosistema jurídico. De um lado, a lei legitima a opressão;de outro, proclama a igualdade de todos, os direitoshumanos, a justiça social. O mesmo sistema legal, queproclama valores humanistas, instrumentaliza valoresanti-humanos.

9-pap.eLdQjurist§l{ 99 hermeneuta (intérprete), emface das contradições da lei, implica uma opção políti-ca.

A meu ver, aí está um grande desafio a ser enfrenta-do pelos juristas progressistas. Estes devem explorar ascontradições da lei. Devem selecionar os valores huma-nistas dispersos nas leis e dar força a esses valores.Devem exigir que os valores humanistas, teoricamenteproclamados, sejam efetivados e cumpridos. Devemcolocar-se do lado do povo, das grandes massas, ajudan-do-as no processo de autoconscientização.

.'~sfQrço dos juristas, para o _uso popular doDireito, tem-se chamado "uso alternativo do Direito". E à

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. tentativa de ver o Direito, a partir das classes populares,tem-se chamado Direito ,Alternativo. .

. A expressão "Direito Alternativ~" não é.a única quepode êxpressar essa realidade jurí~hco-socla.l. Eu mes-mo, pessoalmente, preferi, em escntos ante~lOre~, a ex-pressão ."Direito da Libertação" (por aproxlm~çao. c~mTeologia da Libertação). Entretanto, re~d?-~e a ev idêri-cia de que o termo "Direito Altern~tIvo e o qu; t~mganho maior preferência na doutnna e nos propnosmeios de comunicação. . . .

Vejo o chamado "Movimento do Direito Alternati-vo" como um conjunto de correntes de per:s~mentoextremamente sadias e úteis ao progresso da pratica e dosaber jurídicos em nosso país. . ,.

Para as forças conserva10ras, as. novas idéias dereavaliação do Direito colocam em nsco a segurança

jurídica. . ,. , direi. SeJ~tend_emos que a segurança Jundl~a : ,:m irei-

to de -todos e que só existe segurança [urídica ondehouver justiça. não se temerá este debate e suas conse-qüências.

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Leituras complementares indicadas

Para quem deseje, como convém, ampliar informa-ções e reflexões sobre os temas levantado por este livro,há uma bibliografia ampla.

Em matéria de compêndios de "Introdução ao Di-reito" (com variações de título - Introdução à Ciência deDireito, Introdução ao Estudo do Direito tc.), existemmuitos livros. Destaco as obras de: A. L. Machado Neto,Daniel Coelho de Souza, Luiz Fernando Co lho, MariaHelena Diniz e Miguel Reale (publicada p Ia Saraiva);Naylor Salles Gontijo, A. Machado Paup rio, PaulinoJacques, Paulo Dourado de Gusmão, Paulo Nader eWilson de Souza Campos Batalha (editada pela Foren-se); Hermes Lima e Roberto Piragibe da Fonseca (ambascom o selo da Freitas Bastos); André Franco Montoro(Revista dos Tribunais), Tarso Genro (Sergio AntonioFabris Editor), Aurélio Wander Bastos (Liber Juris),Benjamin de Oliveira Filho (José Konfino), C. H. PortoCarreiro (Editora Rio), Edgar de Codoi da Mata-Macha-do (Editora UFMG), J. Flóscolo da Nóbrega (SugestõesLiterárias), Rubem .Rodrigues Nogueira (José Bushats-ky) e Tércio Sampaio Ferraz [únior (Atlas).

Para uma visão crítica ou renovadora do Direito,aconselho alguns autores e livros: todas as obras deRoberto Lyra Filho, especialmente "Para um Direito semDogmas" e "Karl, meu Amigo: Diálogo com Marx sobreo Direito" (edições de Sergio Antonio Fabris); Roberto A.

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