_Para Ler o Pato Donald_ (Imprimir) - 2-1-2002 - Digestivo Cultural - Gian Danton - Colunas

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    Quarta-feira, 2/1/2002

    Para ler o Pato DonaldGian Danton

    Agora que o mundo todo comemora o centenrio de Disney, vale lembrar que o autor de Mickey e Pluto no unanimidade. Enenhuma crtica foi to feroz e teve tanta repercurso quanto um livrinho divertido publicado no Chile no incio dos anos 70.

    Para Ler o Pato Donald, de Ariel Dorfman e Armand Mattelart, foi escrito num perodo em que o governo de Salvador Allende sedebatia para sobreviver s presses do imperialismo norte-americano.

    A idia de Dorfman e Mattelart era justamente denunciar a ideologia imperialista que dominava as aparentemente inocenteshistrias infantis de Disney.

    A primeira descoberta dos autores foi com relao vida familiar. No h nenhum vnculo familiar direto nas histrias de PatoDonald e Companhia. Todos so tios ou sobrinhos de algum.

    Recentemente um desenhista espanhol descobriu uma HQ, escrita e desenhada por Carl Barks (o criador do Tio Patinhas e deboa parte dos personagens de quadrinhos da Disney), em que aparecem os pais de Donald. Tudo indica que essa histria foiescondida por Disney, que queria que os personagens se indentificassem com ele (Disney tinha dvidas se era um filho legtimoe se considerava rfo).

    Alm de no ter laos familiares diretos, os personagens so movidos apenas pela ambio do dinheiro.

    No h relaes de amizade desinteressada, apenas relaes comerciais.

    O amor de Margarida, por exemplo, exemplificado na conversao abaixo, reproduzida no livro:

    Margarida: Se voc me ensina a patinar esta tarde, darei uma coisa que voc sempre desejou.

    Donald: Quer dizer...?

    Margarida: Sim... A minha moeda de 1872.

    Sobrinho: Uau! Completaria nossa coleo de moedas, Tio Donald.

    O exemplo demonstra que nas histrias da Disney as relaes so sempre de interesse e quase sempre interesse financeiro.

    No mundo de Disney, Patolndia representa os EUA e todos os povos no americanos so mostrados de forma depreciativa.

    H dois tipos de povos no Patolndios: um puramente brbaro, morador de regies como o Brasil, Polinsia e frica; o outroevoludo, mas decandente.

    Os povos no civilizados, metfora do Terceiro Mundo, so como crianas. Afveis, despreocupados, ingnuos, felizes, tmataques de raiva quando so contrariados, mas muito fcil aplaca-los com quinquilharias. Aceitam qualquer presente, atmesmo os seus prprios tesouros. Alguns fazem artesanato. No os compre, aconselham Dorfman e Mattelart, poderconsegui-los gratuitamente mediante algum truque.

    Desinteressados, esses povos brbaros entregam todas as suas riquezas em troca de qualquer bugiganga, seja um relgio deum dlar ou bolhas de sabo.

    Em uma das histrias, Donald viaja para a longncua Conglia. Os negcios do Tio Patinhas no esto dando lucro porque o reilocal proibiu seus sditos de comprarem presentes de natal e os obriga a dar-lhe todo o dinheiro.

    Ao chegar de avio, Donaldo tido como um poderoso mago e convertido em rei (como so supersticiosos esses

    subdesenvolvidos, pensa o leitor).

    O antigo rei no era homem sbio como voc, diz um congoliano. No nos permitia comprar presentes.

    Efetuadas as vendas de natal, Donald devolve a coroa ao rei com a condio de que ele sempre permita que seus sditoscomprem presentes nas lojas do Tio Patinhas.

    Moral da histria: o rei a rende ue ara overnar deve se aliar aos estran eiros e ue amais deve intervir no lucro destes.

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    O livro de Dorfman a Mattelart desmascarou a propaganda imperialista presente em histrias como essa.

    Embora seja muitas vezes agente do imperialismo, Donald tambm vtima desse mesmo imperialismo.

    O Tio faz e desfaz dele e obriga-o a viajar as regies mais longnquas do planeta e jamais o recompensa satisfatoriamente.

    No necessrio voltar dcada de 70 para constatar isso. A histria O Tesouro da Ilha Quac, publicada em Tio Patinhas365, de 1995, demonstra bem essa relao de explorao.

    Donald est andando na rua quando v o tio. Foge dele, pois est com o aluguel atrasado.

    Patinhas, implacvel, alcana-o e anuncia que iro ilha Quac em busca de um tesouro. Quando o sobrinho ameaa no ir, elechantageia: Voc viajar comigo! Ou prefere pagar os meses de aluguel atrasado, hein?.

    Donald exige um pagamento e o sovina oferece um por cento da fortuna. Reao dos sobrinhos: Eba! Viva o Tio Patinhas!.

    No navio, Donald faz todas as tarefas e ainda tem de pescar para alimentar a todos.

    O tesouro guardado por um grande drago, mas o Tio Patinhas tem soluo para tudo: joga no lago uma grande quantidade defrutas com sonfero.

    Misso cumprida, Donald vai cobrar sua parte no tesouro. Recebe apenas um centavo, pois o tio descontou os alugueis

    atrasados.

    Na histria esto presentes alguns aspectos importantes da relao Amrica Latina/Estados Unidos: a subservincia, a dvidaexterna usada como objeto de chantagem e pagamento nfimo para os que trabalham, enquanto que os que apenas exploram afora de trabalho ficam com a verdadeira fortuna.

    Alguns estudiosos posteriores se perguntaram porque Donald no se rebela contra a tirania do Tio. A resposta s imples: eletem esperana de um dia herdar a riqueza de Patinhas.

    Da mesma forma, a Amrica Latina tem a esperana de se tornar um pas desenvolvido. Criou-se at a expresso pases emdesenvolvimento para expressar essa vontade.

    Mas o Tio Patinhas nunca morre. Alis, bastante provvel que ele sobreviva ao tio, pois sempre Donald que se arrisca nas

    misses perigosas.

    Criticado por muitos e elogiado por outros tantos, o trabalho de Dorfman e Mattelart deixou frutos, influenciando toda a pesquisalatino-americana de comunicao.

    Muitos pesquisadores se debruaram sobre os jornais, as revistas, a televiso e c inema e demonstraram o quanto essas mdiasesto impregnadas de ideologia imperialista.

    Esses estudiosos criaram dois conceitos fundamentais para compreender situaes como as expostas no livro Para Ler o PatoDonald: a comunicao vertical e a comunicao horizontal.

    A comunicao vertical aquele que vem de baixo para cima. Os receptores j a recebem pronta. Emissor e receptor no fazemparte da mesma comunidade e no compartilham dos mesmos laos culturais.

    No h espaos para questionamentos ou feedback ativo.

    A comunicao vertical tpica do imperialismo cultural e, portanto, uma comunicao repressora e autoritria.

    Em oposio comunicao vertical, os pesquisadores latino-americanos criaram o termo comunicao horizontal.

    Nesse tipo de comunicao, as funes de receptor e emissor no so fixas, mas fazem parte de um processo em que ambasas partes podem interferir no contedo da mensagem. A comunicao horizontal realizada por pessoas do mesmo gruposocial das que vo receber a mensagem.

    Exemplos de comunicao horizontal so as rdios comunitrias e os jornais de bairro.

    Quanto aos autores, tiveram trajetrias opostas. Mattelart voltou para a Europa, tornou-se um pesquisador srio eaparentemente rejeitou seus primeiros escritos.

    Dorfman exilou-se nos EUA na poca do ditadura Pinochet, tornando-se um autor de teatro, cinema e literatura. Seus escritosso sucesso de pblico e de crtica.

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    Gian Danton

    Macap, 2/1/2002