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| 38 GVEXECUTIVO • V 18 • N 5 • SET/OUT 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS A | SOCIEDADE E GESTÃO • PARA REDUZIR O LIXO NO BRASIL H á uma crescente preocupação global com a geração de resíduos sólidos. Com o aumento populacional e a expansão da produção in- dustrial, a projeção é que a quantidade de lixo despejada no mundo cresça 70% até 2050 caso não ocorra uma mudança nos atu- ais padrões, de acordo com pesquisa do Banco Mundial. PARA REDUZIR O LIXO NO BRASIL UMA TAXA QUE VARIASSE DE ACORDO COM O QUE CADA CIDADÃO GERA DE RESÍDUOS SÓLIDOS SERIA MAIS JUSTA, EFICIENTE E BENÉFICA AO MEIO AMBIENTE. | POR RODRIGO OLIVEIRA E ANNELISE VENDRAMINI No Brasil, a situação é agravada pela custosa e ineficiente operação do sistema de limpeza urbana, o que tem contri- buído historicamente para o aumento da produção de lixo (ver gráfico) e para a baixa taxa de reciclagem. Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), 40,9% do que é descar- tado anualmente vai para lixões ou aterros que não têm

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A | SOCIEDADE E GESTÃO • PARA REDUZIR O LIXO NO BRASIL

Há uma crescente preocupação global com a geração de resíduos sólidos. Com o aumento populacional e a expansão da produção in-dustrial, a projeção é que a quantidade de lixo despejada no mundo cresça 70% até 2050 caso não ocorra uma mudança nos atu-

ais padrões, de acordo com pesquisa do Banco Mundial.

PARA REDUZIR O LIXO NO BRASIL

UMA TAXA QUE VARIASSE DE ACORDO COM O QUE CADA CIDADÃO GERA DE RESÍDUOS SÓLIDOS

SERIA MAIS JUSTA, EFICIENTE E BENÉFICA AO MEIO AMBIENTE.

| POR RODRIGO OLIVEIRA E ANNELISE VENDRAMINI

No Brasil, a situação é agravada pela custosa e ineficiente operação do sistema de limpeza urbana, o que tem contri-buído historicamente para o aumento da produção de lixo (ver gráfico) e para a baixa taxa de reciclagem. Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), 40,9% do que é descar-tado anualmente vai para lixões ou aterros que não têm

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o conjunto de proteção ambiental necessário para evitar contaminação.

O sistema de financiamento da limpeza urbana é parcial-mente responsável por esses maus resultados. Dos 3.556 mu-nicípios que participam do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), 1.646 afirmam possuir algum tipo de arrecadação específica para essa finalidade. No entanto, 97,9% deles têm déficit de arrecadação na cobrança pelos serviços de coleta e destinação final dos resíduos sólidos urbanos. Segundo levantamento do Sindicato das Empresas de Limpeza Urbana no Estado de São Paulo (Selur), a dívida pública no setor de limpeza urbana chega a R$ 10 bilhões.

Com taxas fixas ou valores embutidos no Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), o sistema de coleta de lixo domiciliar fica financeiramente deficitário e não conta com os incentivos necessários para a população se engajar na redução de geração e no descarte adequado do lixo.

UMA PROPOSTA DE MUDANÇA DE SISTEMAAlternativamente, um sistema com uma taxa que varias-

se de acordo com a geração de lixo estimularia a redução do total de resíduos e faria com que aqueles que mais deman-dam do sistema de limpeza pública – seja por peso, seja por volume – pagassem mais. Chamado de Pay-as-You-Throw (PAYT), – traduzido por Responsabilidade Proporcional ao Descarte (RPD) – esse sistema já é uma realidade há qua-se três décadas em mais de dez países das Américas, Ásia e Europa e começa a ser discutido no Brasil.

O RPD é um instrumento econômico que aplica o con-ceito do poluidor-pagador ao cobrar o cidadão de acor-do com a quantidade de resíduo descartada. Quando se cria um incentivo econômico, as pessoas fazem esforços para economizar – como acontece com a água e com a eletricidade.

Cada cidadão pagaria os serviços de lixo por unidade consumida, e a taxa fixa, quando existente, seria eliminada ou haveria diminuição no valor do IPTU. Além da redução na geração de resíduos, o sistema estimularia as pessoas a adotar hábitos sustentáveis, como a separação de material reciclável ou a realização da compostagem caseira, formas de tratamento de lixo que não seriam tributadas.

O formato mais adequado para implantação do sistema RPD no Brasil é o de sacos oficiais de lixo, com logoti-po da prefeitura, que seriam vendidos nas lojas do varejo. O valor dos serviços de coleta, tratamento e destinação dos resíduos estaria embutido no preço de venda do saco. Esse formato já é conhecido pelo brasileiro ao comprar um selo para enviar uma carta ou um bilhete para usar o serviço pú-blico de transporte.

Como o sistema RPD tende a reduzir o volume de resí-duos gerados, haveria diminuição dos gastos para coleta e destinação, e as prefeituras poderiam direcionar recursos a outras áreas, como saúde e educação. O sistema também poderia trazer impactos sociais positivos. O incremento na separação de material reciclado contribuiria para que as co-operativas de catadores melhorassem sua geração de renda.

FONTE: PANORAMA DOS RESÍDUOS SÓLIDOS NO BRASIL DE 2010 A 2016 (ABRELPE, 2016) E INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE).

AUMENTO DA GERAÇÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS NO BRASIL

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População (milhões) Geração de resíduos (milhões de toneladas)

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FATORES CRÍTICOS DE SUCESSO Para a América Latina, a solução pode ser inovadora, mas

o RPD não é completamente novo. Em 1916, a cidade de Richmond, na Califórnia, foi pioneira no lançamento do pro-grama. Depois, outras cidades dos Estados Unidos passaram a adotar o sistema como saída para enfrentar o aumento da demanda dos serviços de coleta e descarte de lixo. De acor-do com a Agência de Proteção Ambiental norte-americana (EPA, na sigla em inglês), o volume per capita de resíduos gerados pela população americana cresceu de 1,18 kg por dia no fim dos anos 1970 para 1,99 kg por dia no fim da década de 1990. Em 2011, segundo a EPA, nove mil mu-nicípios norte-americanos já adotavam o RPD e, com isso, conseguiam anualmente a redução conjunta de 6,5 milhões de toneladas de resíduos.

Como parte do processo do Mestrado Profissional em Gestão para Competitividade da Escola de Administração de

Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP), os autores (aluno e sua orientadora) realizaram no ano passado uma pesquisa em três municípios norte-ameri-canos que implantaram o sistema RPD: Worcester, Brockton e Malden. Desde então (respectivamente em 1993, 2001 e 2008) até 2017, essas cidades conseguiram diminuição na geração per capita de resíduos de 55, 33 e 61%. Com o sis-tema de taxa variável, Brockton passou a cobrir 100% dos custos com coleta e destinação do lixo, enquanto Worcester e Malden reduziram a dependência do fundo municipal para custear esse serviço em 74 e 67%, respectivamente.

A pesquisa levantou os fatores críticos para o sucesso das iniciativas (ver quadro). Nos três primeiros meses de im-plantação do sistema, os municípios perceberam aumento sutil no descarte ilegal, ou seja, as pessoas tentaram burlar a nova taxação despejando os resíduos em lixeiras de par-ques públicos ou em sacos não oficiais. No entanto, com

BENEFÍCIOS DA PRECIFICAÇÃO UNITÁRIA E PROPORCIONAL

FINANCEIROPara pagar menos pelo serviço, o cidadão começa a reduzir a geração de resíduos. Consequentemente, os custos de coleta, tratamento e destinação de resíduos sólidos di-minuem. Nas cidades dos Estados Unidos, a redução média na gera-ção de resíduos foi de 44% logo no primeiro ano de implantação.

SOCIALHoje, a maior parte do gasto com limpeza urbana sai do fundo municipal, ou seja, quem gera menos paga a conta de quem gera mais. A precificação proporcional elimina essa distorção. Além disso, o sistema desperta o cidadão para as oportunidades de reduzir sua geração de diver-sas formas, via, por exemplo, conscientização do consu-mo, separação correta dos materiais recicláveis e trans-formação do resíduo orgânico em composto. Por fim, as cooperativas de reciclagem podem aumentar sua renda.

AMBIENTALA redução na geração faz com que menos potenciais contaminantes (lixo) sejam depositados no meio am-biente. Outro benefício está no aumento na recuperação de material reciclável, o que significa menor utilização de recursos naturais.

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RODRIGO OLIVEIRA > Presidente da FRAL Consultoria LTDA. e mestre em Sustentabilidade pela FGV > [email protected] ANNELISE VENDRAMINI > Professora do Mestrado Profissional em Gestão para Competitividade, linha Sustentabilidade, da FGV EAESP e coordenadora do programa de finanças sustentáveis do FGVces > [email protected]

PARA SABER MAIS:- Roseane Maria Garcia Lopes de Souza (org.). Saneamento ambiental e saúde do catador

de material reciclável, 2018.- Tammy Kutzmark e Jan Canterbury. Pay as you throw: one step closer to a sustainable

future. Public Management, v.78, n.4, 1996.- Rodrigo M. C. Oliveira. Sustentabilidade econômica na gestão de resíduos sólidos. Fatores

Críticos de Sucesso para replicação no Brasil de incentivo econômico por meio do sistema Pay-As-You-Throw, Trabalho Aplicado, 2018.

- EPA. Pay-as-you-throw. Lessons Learned About Unit Pricing, 1994.

a liberação de recursos do fundo municipal, foi possível uma fiscalização mais efetiva, mitigando em pouco tempo esse problema.

E NO BRASIL?O pagamento unitário no momento da compra do saco

de lixo oficial no Brasil pode causar estranhamento no iní-cio, mas, se a implantação ocorrer ordenadamente, com um plano de aumento no valor do saco de forma paulatina, a mudança de hábito será facilitada.

Os marcos legais definidos pela Lei nº 11.445/2007, que ins-tituiu a Política Nacional de Saneamento Básico, já preveem a cobrança por volume de resíduos gerado. Considerando que o sistema RPD possui respaldo legal, é necessária a criação de legislação municipal que regulamente o saco de lixo oficial como tarifa. Para isso, o gestor precisa vencer o medo do cus-to político e de adotar uma medida que pode ser vista como

FATORES CRÍTICOS AÇÕES NECESSÁRIAS

Compromisso da administração pública

O administrador público precisa ter convicção para tomar a decisão e criar o decreto municipal instituindo a precificação unitária com apoio do poder legislativo.

Comunicação integral Toda mudança gera algum tipo de incômodo. Por isso, é preciso comunicar bem a redução na taxa fixa e a justiça do novo sistema.

Planejamento de implantaçãoAntes de vigorar o decreto, são fundamentais a contratação dos operadores do novo sistema, a compra de equipamentos necessários, a comunicação e a contratação dos fiscais.

Descarte ilegal Com a diminuição nos gastos, em consequência da redução na geração de resíduos, é possível investir em fiscalização para evitar o descarte ilegal – seja remotamente por meio de câmeras, seja com agentes nas ruas para autuar casos flagrantes.

Metodologia de cobrança Iniciar o sistema com valor baixo faz com que o engajamento ocorra mais facilmente. Com o tem-po, a taxa atinge o valor necessário para a sustentabilidade do programa.

Condomínios residenciaisIdealmente, prédios com mais de quatro apartamentos deveriam ser considerados grandes gera-dores, obrigados a contratar coleta, tratamento e destinação particular.

Comunidades carentes A população de baixa renda pode ser incluída no programa com descontos — por exemplo, pa-gando 50% do valor do saco de lixo oficial, ou tendo direito a quatro sacos por mês sem custo.

Empresas de coletaAs novas regras do sistema devem estar claras no edital de contratação da empresa de coleta, para que esta possa ser cobrada pelo gerenciamento do sistema.

impopular mostrando o ganho político de abraçar um sistema mais justo para a população, mais econômico para o muni-cípio e que substitui (e não acrescenta) a tributação anterior.

Soluções criativas, simples e de baixo custo como essa deveriam ser mais discutidas em busca da sustentabilidade econômica na gestão de resíduos sólidos.

FATORES CRÍTICOS DE SUCESSO DO PROGRAMA RESPONSABILIDADE PROPORCIONAL AO DESCARTE (RPD)