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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis Boaventura de Sousa Santos (director científico) Conceição Gomes (coord.) Paula Fernando Catarina Trincão Élida Santos Carla Soares Diana Fernandes OBSERVATÓRIO PERMANENTE DA JUSTIÇA PORTUGUESA CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS FACULDADE DE ECONOMIA UNIVERSIDADE DE COIMBRA Observatório Permanente da Justiça Portuguesa Abril de 2008

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Para um Novo Judiciário:

qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

Boaventura de Sousa Santos (director científico)

Conceição Gomes (coord.) Paula Fernando Catarina Trincão Élida Santos Carla Soares Diana Fernandes

OBSERVATÓRIO PERMANENTE DA JUSTIÇA PORTUGUESA

CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS

FACULDADE DE ECONOMIA

UNIVERSIDADE DE COIMBRA Observatório Permanente da Justiça Portuguesa

Abril de 2008

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Índice

Índice.................................................................................................................. 1

Agradecimentos ................................................................................................. 5

1. Introdução e Notas Metodológicas ................................................................. 9

2. Qualidade, eficiência e transparência: novos rumos da administração e

gestão da justiça .............................................................................................. 17

2.1 Modelos de gestão da Administração Pública ........................................ 17

2.2 Modelos de gestão e administração dos tribunais .................................. 25

3. Como gerir a procura judicial? Temas do debate em torno das questões da

administração e gestão dos tribunais ............................................................... 33

3.1 Qualidade, eficiência e transparência..................................................... 33

3.2 Prestação de contas ............................................................................... 36

3.3 O funcionamento interno e a divisão do trabalho no tribunal .................. 40

3.3.1 O novo modelo de oficina judicial em Espanha................................ 41

3.4 A distribuição dos processos .................................................................. 47

3.5 A gestão do caso concreto ..................................................................... 52

3.6 A introdução de novas tecnologias ......................................................... 53

3.7 A importância da cultura judiciária .......................................................... 55

4. Algumas orientações das instituições comunitárias quanto à gestão

processual e à informatização da justiça.......................................................... 57

4.1 As recomendações do Conselho da Europa........................................... 57

4.2 Os estudos da CEPEJ ............................................................................ 60

5. A distribuição da procura no sistema judiciário português: algumas regras e

princípios em debate ........................................................................................ 65

5.1 A distribuição da procura entre tribunais................................................. 65

5.2 A distribuição dos processos dentro do tribunal ..................................... 69

6. A prática dos actos: factores e caminhos para uma tramitação processual

mais eficaz e com melhor qualidade ................................................................ 87

6.1 A estrutura e os recursos dos tribunais como factores de eficácia da

gestão processual......................................................................................... 87

6.1.1 Os espaços físicos ........................................................................... 87

6.1.2 Os recursos materiais ...................................................................... 89

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6.1.3 Os recursos humanos: liderança, motivação, formação e organização

funcional.................................................................................................... 92

6.2 O funcionamento e os actos das secções: regras e práticas................ 105

6.2.1. O funcionamento das secções ...................................................... 105

6.2.2 Actos das secções e fluxos processuais ........................................ 113

6.2.3 Os actos das secções e o impacto da Portaria n.º 114/2008 ......... 122

6.2.4 A necessária adequação das regras processuais.......................... 130

7. A gestão efectiva do caso concreto............................................................ 133

7.1 O papel do juiz no confronto entre duas visões na tramitação do caso

concreto: a técnico-burocrática vs a gestionária......................................... 134

7.2 Os indicadores de avaliação do volume e da complexidade dos

processos como instrumentos de gestão processual ................................. 143

7.3 O papel do juiz na promoção da conciliação como solução para o conflito

.................................................................................................................... 146

7.4 Pode no actual sistema o juiz gerir o caso concreto? A tensão funcional

com as competências do escrivão de direito .............................................. 148

7.5 O cumprimento e o controlo dos prazos ............................................... 156

7.6 Os despachos de mero expediente ...................................................... 160

7.7 Os actos (que podem ser instrumentais) das partes ............................ 165

7.8 A criação de uma cultura judiciária orientada para a gestão processual

.................................................................................................................... 168

8. Conclusões e Recomendações.................................................................. 173

8.1 Conclusões ........................................................................................... 173

8.2 Algumas recomendações ..................................................................... 201

Bibliografia...................................................................................................... 207

Índice de Figuras Tabela 1 ……………………………………………………………………………... 96

Tabela 2 ……………………………………………………………………………. 109

Tabela 3 ……………………………………………………………………………. 128

Tabela 4 ……………………………………………………………………………. 160

Tabela 5 ……………………………………………………………………………. 161

Tabela 6 ……………………………………………………………………………. 163

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Organograma 1 …………………………………………………………………… 101

Diagrama 1 ………………………………………………………………………… 106

Diagrama 2 ………………………………………………………………………… 108

Fluxograma 1 ……………………………………………………………………… 114

Fluxograma 2 ……………………………………………………………………… 117

Fluxograma 3 ……………………………………………………………………… 121

Fluxograma 4 ……………………………………………………………………… 123

Fluxograma 5 ……………………………………………………………………… 124

Fluxograma 6 ……………………………………………………………………… 129

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Agradecimentos

O presente estudo foi desenvolvido, por solicitação da Direcção-Geral da

Administração da Justiça, pelo Centro de Estudos Sociais da Faculdade de

Economia da Universidade de Coimbra, no âmbito do Observatório

Permanente da Justiça Portuguesa (OPJ). A reflexão sobre a gestão dos

processos nos tribunais judiciais cíveis de primeira instância (Medidas e

mecanismos de gestão processual nos tribunais: como garantir mais eficiência

no sistema?) constituiu o seu objecto central.

As transformações gestionárias no sistema de administração da justiça

são hoje, entre nós, à semelhança do que está a acontecer um pouco por todo

o lado, questões centrais da agenda de reforma do sistema de justiça. Nos

estudos que temos vindo a desenvolver no âmbito do Observatório Permanente

da Justiça, é consensual que um dos principais problemas dos tribunais

portugueses decorre de deficiências de organização e gestão do sistema de

justiça, globalmente considerado. Neste estudo, centramos a nossa análise na

gestão processual. Contudo, para uma resposta eficaz a esta questão exige-se

uma agenda de reforma mais alargada, que deve passar por alterações várias,

designadamente na organização e funcionamento interno dos tribunais, nos

métodos de trabalho e na cultura judiciária.

Como em muitos outros trabalhos de investigação que temos vindo a

desenvolver no OPJ, a realização deste estudo só foi possível com a

prestimosa colaboração, que sempre temos tido, dos senhores magistrados,

advogados e funcionários. A todos eles, sempre, o nosso reconhecido

agradecimento.

Um agradecimento especial é devido a todos aqueles que connosco

colaboraram neste projecto de investigação, nos painéis de discussão, nas

entrevistas ou na observação que levámos a cabo nas secções de processos.

Sem a sua generosa disponibilidade e competente colaboração não teria sido

possível realizar este estudo.

Assim, queremos deixar aqui o nosso reconhecido agradecimento aos

Senhores Magistrados Alexandra Ferraz Lage, Alfredo Madureira, Ana Isabel

Silva, António Beça Pereira, Fernando André Alves, Fernando Vilares Ferreira,

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Francisca Micaela Vieira, Helena Ribeiro, Isabel Vieira, José Eusébio Almeida,

José Mouraz Lopes, Luís Azevedo Mendes, Maria da Purificação Carvalho,

Maria de Fátima Calvo, Maria de Fátima Silva, Nuno Coelho, Paulo Anunciação

Reis, Pedro Marques Ribeiro, Pedro Neves, Rosa Vasconcelos, Rui Lince de

Faria, Sara Pina Cabral, Sónia Vale e Silva e Susana Achemann.

Aos Senhores Funcionários Judiciais, Abel Silva, Afonso Pimentel,

Agostinha Nunes, Aldina Lemos, Álvaro Fidalgo, Ana Cairão, Ana Lima dos

Santos, Ana Maria Teixeira, Anabela Rodrigues, Anabela Silva, António

Ferreira, Arminda Duarte, Augusta Barreira, Avelino Duarte, Bento de Almeida,

Carla Fialho, Carla Fontes, Carlos Carrolo, Carlos Samorinha, Celeste Nunes,

Cesarina Figueiredo, Cristina Costa, Daniel Costa, Elisabete Oliveira, Emília

Ramalheira, Ernesto Tátá, Eva Jorge, Fernanda Margarida Soutinho, Fernando

da Silva Franco, Florbela Soeima, Isabel Ginja, Guerreiro da Silva, Helena

Campos, Isabel Carvalho, Isabel Teixeira, João Campos, João Lima, João

Pedrosa Pinto, Joaquim Parente, Jorge Constantino, Jorge Pires, Jorge Santos,

José Abelha, José Eduardo Santos, José Lapa, Júlio de Almeida, Junia

Bauhofer, Leonor Soares, Lúcia Santos, Lucília Matos, Luís Seco, Luísa

Coelho, Luísa Luz, Lurdes Pinheiro dos Santos, Lurdes Ramalho, Margarida

Mourão, Maria Adélia Macela, Maria Amália Rebelo, Maria Arminda Ferreira,

Maria da Graça Araújo, Maria do Carmo Ramos, Maria Esperança Chiquelho,

Maria José Barradas, Miguel Candeias, Natércia Lopes, Odete Sequeira, Olívia

Costa, Paulo Jorge Duarte, Rui Pitrez e Teresa Vale.

Agradecemos, igualmente, ao Senhor Presidente da Delegação de Sintra

da Ordem dos Advogados Dr. Rui Tavares.

Três agradecimentos especiais são devidos. À senhora Dra. Helena

Ribeiro, pelo inexcedível apoio no trabalho de campo, ao senhor Daniel Costa,

pela fundamental ajuda na interpretação de alguns dados empíricos e ao

senhor Dr. José Mouraz Lopes, pela discussão que connosco foi fazendo ao

longo do trabalho e pelo apoio com materiais vários.

Além da equipa de investigação, este trabalho contou, em vários

momentos, com o apoio dos Drs. Fátima Antunes, Lara Dias, Marta Fachada e

Ricardo Cabrita, e dos nossos colegas do OPJ, Drs. José Manuel Reis e Tiago

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Ribeiro. A este último, queremos agradecer, de forma especial, a ajuda, que,

em acumulação com outras tarefas, nos prestou na produção do relatório final.

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Introdução e Notas Metodológicas

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1. Introdução e Notas Metodológicas

As transformações ocorridas no Estado, na sociedade e na economia, a

consciência social da importância do papel do poder judicial na construção do

Estado de Direito, a crescente visibilidade social e política dos tribunais, são

factores que, nas últimas décadas, provocaram profundas alterações, quer no

contexto social da justiça, quer no desempenho funcional dos tribunais

judiciais, obrigando os poderes político e judicial a desenvolverem extensos

programas de reforma.

Os movimentos de reforma do sistema de justiça sucedem-se à escala

global, inicialmente centrados em soluções que procuravam introduzir factores

de celeridade e de simplificação nas leis processuais, no apetrechamento dos

tribunais com mais recursos humanos e mais infra-estruturas e, mais

recentemente, apostando na desjudicialização e nos meios alternativos de

resolução de litígios.

Contudo, o aumento exponencial da procura judiciária, a complexidade

da litigação e a escassez de recursos vieram confrontar o judiciário com a

ineficiência e insuficiência daquelas soluções. Assume-se que é necessário ir

mais além das medidas de “mais do mesmo” (mais tribunais, mais recursos) e

olhar para o sistema judicial numa outra perspectiva. Como nota Lindblom e

Watson (1995)1, a complexidade da litigação emergente, num contexto de

evolução dinâmica, apela a uma maior flexibilidade e criatividade do legislador,

magistrados, advogados e académicos.

O programa de reformas da justiça passou, assim, a incluir uma outra

vertente, mais focada nos problemas relacionados com a qualidade, a

eficiência e a eficácia do sistema de justiça e, em especial, dos tribunais

judiciais. As reformas que visam o reforço da capacidade de organização e

gestão da justiça tornaram-se apostas centrais das agendas de reforma em

muitos países e integram as recomendações do Conselho da Europa, em

especial, da CEPEJ. No lastro desta tendência está um amplo movimento de

1 “Changes challenge established forms of procedure. While a static situation gives the courts a chance to catch up and anticipate complex litigation problems, a dynamic evolution demands much more productive flexibility and creative inventiveness from legislators, judges, lawyers and scholars.” (1995: 469-470)

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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transformação da administração pública em geral em direcção a um Estado

managerial.

Também entre nós há um relativo consenso quanto ao facto de o deficit

de organização, gestão e planeamento do sistema de justiça ser responsável

por grande parte da ineficácia e ineficiência do seu desempenho funcional.

Defende-se, por isso, a introdução de medidas que visem a alteração de

métodos de trabalho, uma melhor e mais eficaz gestão de recursos – humanos,

materiais e dos processos –, e uma melhor articulação dos tribunais com os

serviços complementares da justiça.

Esta é, contudo, uma via do processo de reforma da justiça muito

complexa. No seu lastro estão diferentes perspectivas da configuração do

poder judicial e dos princípios que o sustentam e, sobretudo, da sua relação

com os outros poderes, em especial, com o poder executivo. Os modelos de

administração e gestão dos tribunais em sentido lato têm na sua génese uma

discussão fundamental sobre o grau de participação/autonomia dos poderes

executivo e judicial. Este espaço de reforma é, portanto, um espaço onde se

medem as tensões entre os vários poderes do Estado. Daí que a legitimação

do processo de reforma e a defesa de valores constitucionais importantes da

cidadania, como a independência dos tribunais, requeiram uma ampla e

participada discussão das agendas de reforma.

No quadro das reformas que visam uma melhor qualidade e eficiência do

judiciário, insere-se a discussão sobre medidas e mecanismos de gestão e

distribuição processual (case management / case assigment) – duas faces da

mesma moeda. As teorias sobre o case management surgiram mais

associadas aos países de tradição da common law, caracterizada por um

processo de tipo adversarial, embora com um poder de conformação do juiz

forte, e em que este é assessorado por um conjunto de funcionários com

competências específicas. No sistema continental de raiz burocrática, a

introdução de métodos de gestão processual só muito recentemente entrou no

centro do debate, mas com mais resistência.

A reflexão e discussão sobre os modelos de distribuição da procura

judiciária, quer entre os diferentes tribunais, quer dentro da unidade orgânica

entre os juízes, confronta-se com questões como o acesso ao direito e à

justiça, eficácia, eficiência e qualidade processual, distribuição igualitária de

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Introdução e Notas Metodológicas

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cargas de trabalho e garantias de independência e de imparcialidade do

sistema judicial. Todos esses objectivos só serão, pelo menos em parte,

conseguidos num sistema judiciário que tenha uma perspectiva gestionária

sobre os casos concretos que constituem a procura que lhe é dirigida, isto é,

que veja para lá da sucessão de actos. Os mecanismos de gestão processual

permitem alcançar uma solução justa, rápida e com qualidade para o litígio.

O estudo que agora se apresenta faz, do nosso conhecimento, uma

primeira reflexão mais abrangente sobre esta temática, procurando incorporar a

visão dos operadores judiciários. Sabemos que há um longo caminho a

percorrer e, por certo, o aumento da eficácia, eficiência e da qualidade da

resposta à procura judicial passa por mudanças na lei, designadamente nas

leis do processo, mas passa também por mudanças culturais, quer da

advocacia, quer das magistraturas. Para esse processo de mudança é crucial a

contribuição dos estudos e da reflexão produzida, a dinamização de espaços

de debate e a criação e desenvolvimento de programas estratégicos de

formação.

Este relatório está dividido em oito pontos principais. Depois da

introdução e das notas metodológicas, no Ponto 2 traçamos alguns dos

rumos da qualidade, eficiência e transparência da justiça. Começamos por

dar conta da evolução dos modelos de administração e gestão das

organizações da Administração Pública, a saber: os modelos burocrático,

gestionário, e o modelo da Qualidade Total, salientando, no que se refere a

este último, os seus princípios e vectores organizacionais fundamentais:

liderança, motivação, cultura organizacional, comunicação e novas tecnologias.

Ainda neste ponto, centramos a nossa atenção nos modelos de gestão e

administração dos tribunais. Apresentamos as principais especificidades de

sete modelos (modelo executivo, modelo de comissão independente, modelo

de parceria, modelo executivo mitigado, modelo de autonomia limitada, modelo

de autonomia limitada e de comissão e modelo judicial), que têm como

principal característica diferenciadora a configuração das relações dos poderes

do Estado relativamente à administração da justiça e, em especial, à

administração e gestão dos tribunais.

O Ponto 3 pretende dar conta de algumas das principais questões

em debate quando o tema é administração e gestão dos tribunais. São

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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elas: a) qualidade, eficiência e transparência; b) prestação de contas; c)

organização interna; d) introdução de novas tecnologias; e) princípios e

critérios que presidem às regras de distribuição dos processos; f) discussão à

cerca do conceito de “gestão do caso concreto (“case management”); e g) a

importância da cultura judiciária.

A atenção das instituições europeias ao funcionamento da justiça e ao

desempenho dos sistemas judiciais nos Estados-membros tem sido

crescentemente reflectida nas respectivas agendas de reforma, o que se traduz

na emissão de diferentes recomendações e na elaboração de resenhas de

boas práticas. No Ponto 4 damos conta de algumas dessas recomendações e

das principais linha dos estudos da CEPEJ sobre esta matéria.

Os Pontos 5, 6 e 7 centram-se no sistema judicial português e

reflectem os dados empíricos recolhidos no trabalho de campo. No Ponto

5 salientamos as principais questões que emergiram no que respeita à

distribuição de processos, quer entre os diferentes tribunais, quer internamente

pelas diferentes unidades orgânicas e pelos juízes. São questões que

consideramos deverem ser tidas em conta no desenvolvimento de políticas

sistémicas e íntegras de gestão processual.

São múltiplos os factores que condicionam a melhoria da qualidade e

eficiência do sistema judicial e, em último grau, da administração da justiça.

Regras processuais, normas de organização judiciária, formação, colocação e

progressão na carreira dos agentes judiciais e cultura judiciária são factores a

ter em conta quando o objectivo é elevar a qualidade, a eficiência e a cidadania

da justiça. Mas, a organização interna das estruturas judiciais, designadamente

das secções de processos, os métodos de trabalho, a modernização

tecnológica e a adequação das infra-estruturas são factores igualmente

cruciais, condicionantes daqueles objectivos. No Ponto 6 focamos a nossa

análise na dimensão material e humana dos tribunais, com ênfase

especial nas secções de processos. Esses dois eixos de análise são

apresentados no contexto do funcionamento dos tribunais observados e das

relações dinâmicas estabelecidas internamente na secção e entre esta e outras

unidades funcionais e o gabinete do juiz.

O Ponto 7 centra-se na discussão à volta do conceito de “gestão do

caso concreto” (“case management”) e nas questões que se levantam sobre

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Introdução e Notas Metodológicas

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a participação e interacção dos diferentes intervenientes processuais. Porque é

ao juiz a quem os sistemas judicias, em geral, atribuem um papel mais activo

na gestão do caso concreto, damos especial atenção à discussão sobre esse

papel do juiz, considerando, designadamente, a necessária diferenciação

gestionária, o planeamento e agendamento dos principais actos, a promoção

da conciliação, a tensão funcional com as competências do escrivão e a

criação de uma cultura judicial orientada para a gestão processual.

No Ponto 8 incluímos as principais conclusões e recomendações.

Notas Metodológicas

A análise de estudos e artigos publicados foi fundamental, não só para

traçar o quadro teórico de referência, mas, ainda, para ajudar à definição do

objecto de estudo e das linhas metodológicas a prosseguir no contexto da

investigação. Como acima já referimos, são múltiplos os factores que

condicionam a melhoria da qualidade e eficiência do sistema judicial e, em

último grau, da administração e gestão da justiça, onde se inclui a gestão

processual. Havia, pois, que definir aqueles que, neste estudo, deveriam

assumir centralidade.

Ainda no âmbito documental, a análise das recomendações do Conselho

da Europa e da legislação nacional foi importante para o conhecimento das

tendências das políticas nesta matéria.

Estando em parte o nosso objecto de análise desde logo definido – os

processos cíveis – na obtenção de informações empíricas relativas às práticas

procedimentais, o processo de reforma em curso da acção executiva levou-nos

a centrar a análise empírica no âmbito das acções declarativas2.

As dinâmicas de concentração territorial da população e dos sectores

económicos impuseram, como se sabe, uma grande diferenciação na

distribuição territorial do volume da procura judiciária. Foi, por isso, necessário,

para efeitos de selecção dos tribunais para estudo de caso, ponderar a

distribuição desigual do volume da litigação pelos tribunais. Foram também

factores relevantes a ter em conta a necessidade de lidar com um volume

2 O OPJ produziu um estudo e apresentou propostas de reforma sobre a acção executiva que poderão ser consultados em Observatório Permanente da Justiça Portuguesa (2007) A Acção Executiva em Avaliação. Uma Proposta de Reforma.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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processual de média dimensão e com padrões de litigação diferenciados, mas

sem o serem em demasia. Para além disso, a especialização de competências

constituiu um critério importante face ao objecto de trabalho delimitado, sendo,

por isso, tomado em conta na selecção dos estudos de caso efectuados. Os

desvios à tramitação comum foram igualmente atendidos na selecção dos

tribunais, na medida em que testam regimes processuais alternativos (Regime

Processual Civil Experimental).

Em função desse quadro de critérios e das devidas salvaguardas

analíticas foram seleccionadas quatro comarcas e os seguintes tribunais: Sintra

(a vara mista e os juízos cíveis), Aveiro e Viseu (os juízos cíveis), e Porto (as

varas cíveis e os juízos cíveis). Nestes tribunais procurou aplicar-se um plano

de pesquisa que integrou duas técnicas metodológicas complementares, a fim

de analisar o curso do processo, os actos e as dinâmicas funcionais intra e

inter-secções, bem como entre estas e o gabinete do juiz. Essas técnicas

consistiram na observação sistemática e na realização de entrevistas semi-

estruturadas aos profissionais de justiça envolvidos.

Para levar a cabo a observação sistemática, ao longo de cerca de um

mês de trabalho empírico, foi necessário compreender o funcionamento interno

e quotidiano das diferentes secções de processos e, a partir daí, proceder à

reconstituição do percurso dos processos dentro do tribunal. Para além disso,

uma concepção de gestão processual ampla requer a adopção de um modelo

de observação multifocada, que abranja os diferentes factores que concorrem

para uma gestão dos processos eficaz, eficiente e promotora da qualidade da

justiça. Nesse sentido, a observação realizada procurou incorporar, para além

da tramitação processual em si, também as condições físicas e materiais das

unidades orgânicas, bem como outros elementos integrantes da gestão de

recursos humanos. As mudanças proporcionadas pela introdução de novas

tecnologias de informação no quotidiano dos tribunais constituíram igualmente

aspectos merecedores de uma especial atenção no plano da pesquisa

empírica.

Por essa razão, o caso de Sintra foi objecto de maior destaque, uma vez

que foi a comarca experimental do Projecto «Desmaterialização, eliminação e

simplificação de actos e processos na justiça», pelo que exigiu dois momentos

de observação: um anterior e outro posterior à entrada em vigor da Portaria n.º

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Introdução e Notas Metodológicas

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114/2008, de 6 de Fevereiro. Só dessa forma seria possível avaliar algum

impacto desta medida na tramitação processual.

Para todos os tribunais seleccionados, definiu-se um roteiro para a

observação das secções central, de serviço externo e de processos. Em

Aveiro, Viseu e Porto, para os juízos e/ou para as varas, foi seleccionado um

juízo/vara e respectivas secções, através de um método de escolha aleatória.

Em Sintra – comarca modelo –, escolheram-se, também de forma aleatória,

50% dessas unidades orgânicas.

Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, num total de 81, aos

operadores judiciais das unidades orgânicas observadas – juízes, secretários,

escrivães de direito, escrivães adjuntos e escrivães auxiliares. Algumas destas

entrevistas tiveram, inicialmente, um papel exploratório de grande importância,

suscitando questões de difícil acesso por via exclusiva da observação

sistemática ou de outra técnica de recolha de dados. Para além disso, visaram

essencialmente apurar e complementar as informações previamente obtidas,

permitindo uma averiguação sociológica ampla e melhor sustentada. As

entrevistas possibilitaram apurar as percepções e opiniões dos operadores face

às dinâmicas e práticas procedimentais das respectivas unidades orgânicas,

tocando tópicos como divisão de tarefas, actos praticados, dificuldades

enfrentadas ou métodos de trabalho adoptados, bem como o impacto

específico das recentes alterações3 na optimização das suas rotinas de

trabalho. Procuraram igualmente explorar os contornos específicos da gestão

processual no âmbito do case management, o que foi particularmente

aprofundado nas entrevistas junto dos magistrados judiciais. A natureza

complementar face à observação levou a que, todas elas, tivessem lugar no

espaço de trabalho dos operadores entrevistados, e durante o seu horário de

trabalho.

Foram ainda realizados dois painéis de discussão, envolvendo diferentes

operados judiciais, num total de 18, e colocando-os em confronto orientado

face às problemáticas levantadas no âmbito da investigação em curso. A

utilização deste método qualitativo permitiu esboçar uma cartografia dinâmica

3 Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro (Projecto «Desmaterialização, eliminação e simplificação de actos e processos na justiça»), e Decreto-Lei n.º 108/2006, de 8 de Junho (Regime Processual Civil Experimental), nos juízos cíveis do Porto.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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das suas leituras, opiniões e experiências, com incidência concreta no nosso

objecto de estudo. Diante dos aspectos mais controversos ou complexos que, a

este propósito, foram suscitados, foi possível apreender as várias posições e

fundamentações emergentes, quer dentro de um mesmo grupo (entre

magistrados judiciais, como sucedeu no segundo painel), quer entre categorias

profissionais diferenciadas (entre secretários de justiça, escrivães de direito,

formadores e inspectores, como ocorreu no primeiro painel).

O primeiro painel, contou com a participação de secretários de tribunais

cíveis e de tribunais administrativos e fiscais, de escrivães de direito de

tribunais cíveis, e de formadores e inspectores do Conselho dos Oficiais de

Justiça (COJ). O segundo reuniu juízes presidentes de tribunais administrativos

e fiscais, representantes do Conselho Superior da Magistratura (CSM) e do

Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF), bem como

magistrados judiciais, com competências reconhecidas neste específico campo

temático.

Estes painéis decorreram no OPJ/CES, tendo sido integralmente

gravados e transcritos. As transcrições, depois de ligeiramente revistas, foram

enviadas a cada um dos intervenientes para eventuais correcções. Os excertos

que se incorporam no texto, bem como a sua integral publicação em anexo

incluem todas as correcções que os próprios entenderam fazer. Ao longo do

relatório, a identificação dos magistrados e dos funcionários judiciais faz-se

pela letra P e F, respectivamente, seguida de um número atribuído a cada um

dos intervenientes, em função da ordem da sua primeira intervenção no

respectivo painel.

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Qualidade, eficiência e transparência: novos rumos da administração e gestão da justiça

17

2. Qualidade, eficiência e transparência: novos rumos da

administração e gestão da justiça

As transformações gestionárias nos sistemas de administração da

justiça estão intimamente relacionadas com as reformas da mesma natureza

levadas a cabo na administração pública em geral em direcção a um Estado

Managerial. São dois os modelos principais em confronto no que respeita à

gestão das organizações da Administração Púbica: o modelo burocrático e o

modelo gestionário.

2.1 Modelos de gestão da Administração Pública4

O modelo de Administração Burocrática

Segundo este modelo, típico do Estado Liberal, a administração é gerida

“com base num modelo hierárquico de burocracia, composta por funcionários,

admitidos com base em concursos, neutrais nas suas decisões e cujo objectivo

é o interesse geral. A esta administração compete apenas implementar as

políticas, cabendo aos políticos a decisão e formulação dessas mesmas

políticas” (Rocha, 2000:7). São apresentadas como vantagens deste

modelo em relação a outras formas de organização: a precisão, a

velocidade, a unidade, a subordinação estrita e a redução dos custos

materiais e humanos5. À sua aplicação prática são apontados factores

negativos como a despersonalização do relacionamento interpessoal e o uso

excessivo de formalismos, que acabaram por potenciar uma elevada

resistência à mudança.

A crise deste modelo surgiu, sobretudo, com o aumento das funções do

Estado resultantes do New Deal, agravando-se com a emergência do Welfare

State e com o consequente aumento das despesas com a saúde, educação,

segurança social e, em geral, com o aumento do número de funcionários

4 Seguimos de perto neste ponto Observatório Permanente da Justiça Portuguesa (2001), A Administração e Gestão da Justiça: Análise comparada das tendências de reforma. 5 Estas vantagens eram conseguidas devido, sobretudo, à hierarquização das relações interpessoais, ao carácter formal das comunicações, à divisão racional do trabalho, à estandardização dos procedimentos e à previsibilidade do comportamento dos funcionários.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

18

públicos. O modelo burocrático deixou de dar resposta às exigências de

celeridade e eficiência nos serviços, levando a que se introduzissem

algumas mudanças na Administração Pública. Criou-se a figura do gestor

público profissional, assumiu-se a percepção de que não há uma separação

entre a administração e a política, entendendo-se que “o sistema administrativo

não está isolado dentro do sistema político, não podendo ser gerido como uma

máquina. A administração participa efectivamente na discussão das políticas

públicas, podendo mesmo ter um papel determinante” (Rocha, 2000: 8-9)6.

O Modelo Gestionário

Nas últimas décadas do século XX começou a desenhar-se um

novo modelo de gestão pública, caracterizado, no essencial, por uma

gestão profissional, pela fragmentação das unidades administrativas, pela

competição, pela adopção de modelos típicos da gestão empresarial, pela

definição de padrões de desempenho, pela focalização nos resultados e

pelo uso dos meios de acordo com objectivos de eficiência7, 8.

A emergência das teorias do New Public Management, no início da

década de 90 do século passado, deu um novo fôlego à evolução deste outro

enquadramento do sistema de administração pública. Perfilhando a concepção

dos utentes da administração pública como consumidores ou clientes, estas

teorias preocuparam-se, essencialmente, com a introdução de mecanismos de

gestão e avaliação de qualidade. Crê-se que a qualidade dos serviços ou

6 Com o pós-guerra surgem novas ideias sobre a Administração Pública, entre as quais se destaca a teoria da escolha pública. Esta teoria defende que o interesse público é melhor servido pelo mercado. Neste contexto, a função mais importante do Governo é a de deixar os mercados funcionar naturalmente para maior ganho do público. Para isso, o Estado tem de ser forte, a Administração Pública minimalista e os burocratas têm de responder não aos cidadãos ou aos clientes, mas ao poder político. A legitimidade da burocracia passou, assim, a assentar na legitimidade política (Rocha, 2000). Este modelo tem dominado a estrutura organizativa pública em muitos países. Tem, contudo, vindo a enfraquecer com a emergência de um novo modelo de administração. 7 Este novo modelo tem como um dos pressupostos a ideia de que o sector público é muito dispendioso e não possui regras que estimulem a eficiência e a eficácia. Consequentemente, qualquer reforma do Estado e da Administração Pública deve passar pela privatização de certos sectores. E nas áreas ou sectores não privatizáveis, os modelos de gestão devem equiparar-se aos das empresas privadas, onde a ideia de concorrência desempenha um papel fundamental no desenvolvimento das instituições. Ganha corpo a ideia de que, à semelhança das organizações privadas que se considera funcionarem de forma mais eficiente por serem orientadas pelo lucro e pela oferta dos seus bens ou serviços estarem ligada à procura dos mesmos, o Estado também deveria organizar-se com base numa filosofia similar (Ng, 2007: 11).

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Qualidade, eficiência e transparência: novos rumos da administração e gestão da justiça

19

produtos, na perspectiva de satisfação dos clientes, consumidores ou

cidadãos, aumenta a confiança do público na organização e, em

consequência, a sua legitimidade (Ng, 2007: 12).

A ausência do mercado como regulador de equilíbrio entre qualidade e

eficiência no sector público é colmatada pelo princípio de prestação de contas9.

A prestação de contas assume, na concepção adoptada pelo New Public

Management, sensivelmente a mesma função que a concorrência no

mercado. Ao tornar os resultados transparentes, as organizações do

sector público realçam a sua legitimidade como um complemento do

controlo político normal e da legitimidade democrática (Langbroek, 2005:

50).

Considera-se, no entanto, que não basta “introduzir na Administração

Pública mecanismos de mercado; é necessário convencer os cidadãos de que

são predominantemente consumidores de serviços públicos, pelo que esta

mudança supõe a alteração da cultura administrativa dos funcionários, os quais

não devem aparecer “vestidos de poder”, mas vendedores de serviços e

sujeitos a avaliação da qualidade dos mesmos” (Rocha, 2000: 13).

Mas se é certo que a gestão orientada para a qualidade no sector

público reconduz, tendencialmente, os seus utentes a consumidores ou

clientes, segundo Langbroek levanta problemas de difícil solução pelo New

Public Management ao não permitir facilmente, por um lado, a identificação de

alguns consumidores de determinados serviços (por exemplo, quem são os

consumidores dos serviços prisionais?), e, por outro, a conciliação dos

conceitos de consumidor e de cidadania (2005: 51).

Assim, para este autor, apesar da necessidade de uma reforma da

gestão pública, esta não pode ser redesenhada exclusivamente com base

nos modelos de gestão empresarial. São duas realidades distintas e os

cidadãos não podem ser reduzidos a meros consumidores. Na sua

perspectiva, enquanto que os consumidores ou clientes, de uma forma geral,

assumem uma posição passiva, o reconhecimento da qualidade de cidadãos

9 No sector privado, a gestão é duplamente orientada para a qualidade e para a eficiência das organizações. A gestão orientada para a qualidade tem como objectivo adaptar os produtos e serviços à vontade dos clientes, enquanto que a eficiência pressupõe a manutenção do custo de produção a um nível baixo. Assim, as organizações privadas geram o lucro buscando um equilíbrio permanente entre a qualidade e a eficiência.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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àqueles que recorrem a uma organização do sector público deverá implicar um

papel mais activo na sua relação com os serviços públicos. O aumento da

complexidade da sociedade impõe o envolvimento dos cidadãos na

administração pública, auxiliando a democracia representativa (2005: 52).

A nova Administração deve, assim, ser entendida como uma

organização onde participam diversos indivíduos e grupos, o que pressupõe,

necessariamente, a alteração de estruturas, processos e mentalidades de

modo a garantir a redução de custos, melhores serviços e melhores

desempenhos, isto é, um serviço de qualidade. Está em causa uma proposta

de uma nova concepção de gestão da Administração Pública em que o

Governo não poderá mais ser entendido como um actor racional que impõe

unilateralmente a sua vontade. Pressupõe a existência de vários actores –

locais, regionais e nacionais – como partidos políticos, grupos de interesse,

instituições e organizações privadas.

A concepção de novos objectivos da Administração Pública levou à

dinamização de um novo modelo de administração e gestão, o Modelo da

Qualidade Total, baseado nos fundamentos do modelo gestionário.

O modelo da Qualidade Total

Este modelo é tributário de uma filosofia de gestão (Total Quality

Management – TQM) que parte de um modelo europeu de excelência de

gestão pela qualidade consagrado pela Fundação Europeia para a

Qualidade da Gestão (European Foundation for Quality Management -

EFQM)10. Este modelo assenta no desenvolvimento e implementação de

determinados princípios ou vectores, nomeadamente princípios de

liderança, como factor fundamental na promoção da qualidade numa qualquer

organização; de gestão dos recursos humanos para o desenvolver e

sustentar o potencial humano de uma forma eficiente; de definição clara da

política e estratégia organizacional; do aumento da eficiência dos

10 Esta fórmula, aplicada a organizações do sector público e privado tem, para Albino Lopes e Catarina Lopes, “a virtualidade de conjugar um conjunto de critérios ou dimensões de gestão pela qualidade, fundamentais ao desenvolvimento organizacional, e consequente aumento da competitividade de qualquer serviço. A sua operacionalização define-se por um processo contínuo de inovação e aprendizagem, através do desenvolvimento de meios e processos com vista ao alcance de resultados, como garante da eficácia e eficiência de qualquer unidade produtiva, pública ou privada” (2000: 108).

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Qualidade, eficiência e transparência: novos rumos da administração e gestão da justiça

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procedimentos, de modo a melhor satisfazer as necessidades dos utentes; da

avaliação das percepções dos funcionários em relação à organização onde

estão inseridos; dos utentes quanto aos serviço prestado; da avaliação do

impacto do serviço prestado na sociedade; e da avaliação dos resultados

em confronto com os objectivos previstos.

Constituem princípios organizacionais fundamentais da nova

concepção de administração pública, os seguintes: a) liderança, b) motivação

dos funcionários, c) desenvolvimento de uma cultura organizacional, d)

comunicação e e) introdução de novas tecnologias.

a) Liderança

De acordo com a EFQM, a qualidade das organizações depende

muito da existência de uma liderança clara com uma estratégia bem

definida. Ao contrário da concepção do modelo burocrático, a liderança não é

necessariamente sinónimo de autoritarismo, nem de rigidez hierárquica. Ao

líder cabe não só dar instruções, como também definir o papel e missão da

organização; personificar o objectivo organizacional, decidindo os meios para

alcançar os fins; defender a integridade da organização; e resolver conflitos

internos (Hall, 1996: 140).

As novas concepções de liderança têm vindo a mostrar que o papel de

líder varia em função dos seguintes factores: a sua posição na organização, as

características da organização e dos indivíduos envolvidos e a natureza das

relações com os subordinados. Discutem-se, em geral, quatro estilos de

liderança: directivo, orientativo, participativo e delegativo11. A nova concepção

de administração pressupõe a adaptação do estilo de liderança ao

contexto e aos objectivos da organização. Considera-se que o ideal será

11 No modelo directivo, o líder fornece instruções específicas e controla passo a passo o cumprimento dessas instruções. É um estilo considerado adequado para situações em que as decisões têm de ser tomadas rapidamente e para quando as pessoas são inexperientes ou não conhecem a organização. O objectivo principal é a estruturação de tarefas. O estilo orientativo é aconselhado para pessoas que estão a começar a conhecer a organização e para pessoas que, apesar de estarem motivadas e de terem alguma experiência na organização, podem ficar bloqueadas por estarem desorientadas. O líder deve, não só dirigir, como apoiar e procurar mobilizar e motivar os funcionários. A liderança pode ser participativa, isto é, pode envolver os subordinados com alguma experiência na definição e execução das tarefas. No estilo delegativo, que pressupõe funcionários competentes e empenhadas, o líder supervisiona de uma forma geral o trabalho dos subordinados e dá-lhes alguma liberdade na realização das tarefas, delegando-lhes responsabilidades.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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passar, progressivamente, de um estilo directivo para um estilo delegativo, de

forma a fomentar a cooperação, a diminuição dos conflitos internos e a

produtividade (Hall, 1996: 145).

Como veremos, no actual sistema judicial, o papel do secretário do

tribunal, bem como do escrivão de direito, e o tipo de relação que cada

um destes intervenientes estabelece com os restantes funcionários é

considerado determinante para o eficaz desempenho funcional das

secções, bem como para a motivação, no sentido da qualidade e

eficiência dos serviços prestados, dos funcionários judiciais.

b) Motivação

A motivação dos funcionários pressupõe o conhecimento dos objectivos

da organização e a consciência da importância do seu papel no seu

desenvolvimento. O novo modelo reconhece a essencialidade da

motivação dos funcionários para a prossecução eficaz dos objectivos

previamente definidos. Só um funcionário motivado se pode comprometer

com um bom desempenho das suas funções resultando num aumento de

produtividade. Neste sentido, a filosofia de gestão consagrada pela EFQM

“pressupõe a auscultação sistemática da percepção (...) [dos funcionários] em

relação à organização onde exercem a sua actividade laboral, tendo em

atenção um conjunto de variáveis passíveis de influenciarem a sua satisfação”

(Lopes, 2000: 115) 12.

Se é certo que a organização tem vantagens em manter os seus

funcionários motivados, Estanque (1997) chama, no entanto, a atenção para o

carácter subjectivo das necessidades, assim como para a prioridade que lhes é

conferida, considerando que “a procura de prestígio não pode ser factor de

motivação se as recompensas materiais não chegarem para assegurar a

satisfação das necessidades primárias. Mas uma vez satisfeito esse limiar

12 Defende-se que as organizações devem ter em conta, para a adequada motivação dos seus funcionários, os seguintes aspectos: valorização do seu trabalho, reconhecimento do seu esforço e empenho, reconhecimento das necessidades de quebrar a rotina através da realização de novas tarefas, de segurança e de estabilidade no emprego, de convívio, criando laços de proximidade com a organização, de realização e prestígio profissionais, de sentirem que contribuem para o sucesso da organização e da necessidade de desenvolvimento e de progressão na carreira.

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Qualidade, eficiência e transparência: novos rumos da administração e gestão da justiça

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mínimo (bens materiais) os maiores factores de motivação são os elementos

simbólicos sociais e culturais”(1997: 4).

No trabalho de campo que realizámos no âmbito do presente projecto

de investigação, a questão da motivação emergiu como um factor

fundamental da eficiência e eficácia do desempenho funcional do sistema

judicial. Foi, por isso, importante tentar identificar factores de motivação ou

desmotivação de magistrados e funcionários judiciais.

c) Cultura organizacional

O desenvolvimento de uma cultura organizacional, forte e

homogénea, pode flexibilizar e ajudar a organização a adaptar-se mais

eficazmente às novas realidades sociais, difundindo-se a percepção da

organização como uma comunidade, com responsabilidades e objectivos

sociais. A organização, não só deve ser considerada como um elemento activo

da sociedade, como incorpora no seu funcionamento interno uma dinâmica

social importante para a integração dos funcionários e para a diminuição da

distância hierárquica.

No desenvolvimento desta cultura organizacional interna, assume

especial importância o papel do líder como agente coordenador e como

impulsionador da motivação dos funcionários.

d) Comunicação

A comunicação tem uma importância fundamental na eficiência das

organizações, como elemento imprescindível nos processos de tomada

de decisões, do exercício do poder e da liderança. De acordo com Richard

Hall (1996), o processo de comunicação nas organizações é bastante

complexo porque, não só pressupõe as capacidades e características próprias

dos indivíduos, mas também as específicas formas de organização como, por

exemplo, a hierarquização ou a especialização. Há, ainda, que considerar que

a comunicação tanto se faz em sentido vertical, envolvendo fluxos de

informação em ambos os sentidos (descendente e ascendente) como em

sentido horizontal13. A dinamização de diferentes formas de comunicação é

13 Os fluxos de comunicação descendentes englobam instruções de trabalho, explicação das tarefas, informação acerca de procedimentos e práticas organizacionais e feedback em relação

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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considerada de vital importância para a nova concepção gestionária das

organizações da administração pública. Uma eficaz e completa cadeia

comunicacional permite ao líder determinar as necessidades dos funcionários,

a sua satisfação e o desenvolvimento de uma cultura organizacional sólida.

e) As novas tecnologias

As novas tecnologias de comunicação e informação representam

um enorme potencial para as organizações, quer no que respeita à gestão

dos recursos humanos, quer da informação e da comunicação interna e

externa. As novas tecnologias desempenham um papel crucial na

prossecução dos objectivos de qualidade e eficácia das organizações. As

organizações correm o risco de se tornarem desadequadas face à realidade

social se não investirem em tecnologia e informatização eficazes. Mas, a sua

implementação tem de ser acompanhada de um eficaz processo de formação

dos funcionários, tanto mais exigente quanto mais desenvolvida for a

tecnologia utilizada na organização.

Para a implementação eficaz de um sistema de informação e

comunicação, assente nas novas tecnologias, é necessário assegurar um

conjunto de condições prévias, como a adequação do sistema às

necessidades e objectivos da organização, a sua compatibilização com

outros sistemas informáticos (por exemplo, entre tribunais e prisões ou

serviços do Ministério Público e polícias), a prévia auditoria aos

procedimentos existentes e a possibilidade de adaptação do sistema de

informação, rapidamente e a baixos custos, a novas circunstâncias e a

novos objectivos organizacionais. Considera-se que a formação e a

compatibilidade são cruciais para a sua eficácia. As pessoas só utilizam,

adequada e satisfatoriamente, as novas tecnologias se as considerarem

eficientes e um auxiliar indispensável na realização do seu trabalho.

Chama-se, ainda, a atenção para dois aspectos. O primeiro é de que a

eficiência dos sistemas de informatização depende muito da sua

ao desempenho funcional dos funcionários (Hall, 1996: 175-176). Os fluxos de comunicação ascendentes incluem informação sobre o desempenho dos funcionários, sobre problemas, a opinião sobre a organização em si e as suas práticas e propostas de novas tarefas ou métodos. A comunicação horizontal, indispensável para um bom funcionamento da organização, pode existir entre funcionários ou entre diferentes subunidades organizacionais.

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Qualidade, eficiência e transparência: novos rumos da administração e gestão da justiça

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coordenação ao nível macro. Não basta que a informação circule, rápida e

eficazmente, no interior de cada organização, sendo igualmente necessário

que estes fluxos circulem no interior de toda a esfera pública. O segundo é que

há que ter em atenção que a eficiência não se obtém apenas com a

introdução de novas tecnologias, mas também com um aproveitamento

racional das já existentes sob pena de os novos recursos rapidamente se

tornarem obsoletos e subaproveitados.

Como resulta da análise do trabalho empírico realizado no âmbito deste

projecto de investigação, esta é, no momento actual, uma das questões de

significativa relevância para o sistema judicial português.

2.2 Modelos de gestão e administração dos tribunais

Quando analisamos a experiência comparada podemos encontrar um

conjunto muito diferenciado de soluções em que as diferentes componentes

relacionadas com a gestão e administração dos tribunais, incluindo

mecanismos de gestão processual, podem ter soluções distintas, embora se

verifique uma tendência para uma maior atenção às políticas gestionárias,

que incorporam uma maior descentralização da acção administrativa e da

gestão dos recursos de cada tribunal.

Os sete modelos de administração dos tribunais que apresentamos

infra14 têm como principal característica diferenciadora a posição de cada um

dos poderes do Estado relativamente à administração do tribunal e as

diferentes formas de configuração da relação do poder executivo e do poder

judicial em relação a esta matéria. Reconhecendo-se, contudo, que existem

muitas outras relações que desempenham um papel central na administração

da justiça, mas que estão fora desta configuração, geridas por outros

mecanismos, como sejam as relações entre os advogados e outras entidades

colaborantes da administração da justiça.

Podemos, assim, identificar várias possibilidades sobre qual o tipo de

modelo mais apropriado à administração da justiça, parecendo encontrar-

se uma tendência de insatisfação com um modelo de administração do

14 Estes modelos são amplamente desenvolvidos no estudo Alternative Models of Court Administration do Canadian Judicial Council, datado de Setembro de 2006.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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judiciário muito dependente ou centrado do poder executivo e uma

tendência de defesa de um modelo mais centrado na autonomia do

judiciário.

Encontramos, ainda, diferentes posições consoante os diferentes tipos

de funções da administração judiciária em causa. Por exemplo, há autores que

consideram que determinado modelo é mais apropriado para administrar os

recursos humanos e outro para a gestão e administração das tecnologias de

informação ou um para determinados tribunais (por exemplo, um modelo de

maior autonomia do judiciário para os tribunais superiores, mas não para os

tribunais de 1ª instância).

O Modelo executivo

• O poder executivo tem um papel central na administração do judiciário

(quer a nível central, quer a nível de cada tribunal).

• Parte da ideia de que a independência dos tribunais é limitada à função

jurisdicional e não diz respeito às funções da administração quotidiana do

sistema de justiça15.

• A administração dos tribunais é controlada pelo poder executivo, que, por

sua vez, responde perante o poder legislativo;

• As decisões quanto às políticas relacionadas com a administração e gestão

dos tribunais estão centradas num departamento do poder executivo,

normalmente dirigido pelo Ministério da Justiça;

• É diminuta a participação do poder judiciário na administração dos

tribunais, sendo que, quando existe, é meramente consultiva e não

vinculativa16;

• Não existem objectivos definidos para o desempenho da administração

dos tribunais.

15 Considera-se, por um lado, que os juízes são nomeados para o exercício de funções jurisdicionais e não para o exercício da gestão administrativa para a qual não têm formação específica; por outro, que o poder judiciário não tem qualquer controlo sobre a acção do executivo, designadamente, no que toca à distribuição dos recursos públicos pelas várias funções e sectores do Estado. E, por isso, só o poder executivo é que está em melhores condições para fazer essa ponderação 16 A participação do judiciário na administração dos tribunais, no modelo executivo puro, circunscreve-se a situações em que haja uma concessão do poder executivo, sujeita a decisões casuísticas e a vicissitudes conjunturais, que reflectem os climas de “tensão” ou de “amenização” entre o judiciário e o político.

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Qualidade, eficiência e transparência: novos rumos da administração e gestão da justiça

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São, assim, apontadas como principais limitações deste modelo as

seguintes:

• Ausência de participação do judiciário na determinação e afectação

orçamental, o que cria dificuldades na definição de estratégias a médio-

longo prazo – possibilidade de ameaça à independência do judiciário, na

medida em que não permite que o poder judicial decida, de forma

independente do poder executivo, a organização de actividades

consideradas importantes em termos de impacto nos serviços

judiciários17.

• Ausência de mecanismos de accountability, embora este vector

tenha uma dupla leitura. Para alguns, o modelo executivo é visto como

limitador da introdução de mecanismos de prestação de contas no

judiciário; enquanto que outros o consideram essencial para garantir

uma adequada prestação de contas da administração dos tribunais, quer

seja vista como factor de transparência, como medida de legitimidade

democrática ou, ainda, como auditorias de valor acrescentado sobre as

despesas públicas. A independência judicial, nesta perspectiva, é vista

como um impedimento à implementação de mecanismos de

accountability18;

• A fraca possibilidade deste modelo em aumentar a eficácia e

eficiência da administração dos tribunais considerando outros

domínios, designadamente o aumento da diversidade de estruturas

judiciais e/ou para-judiciais (como, por exemplo, os julgados de paz),

bem como a necessidade de introdução de mecanismos de gestão

processual;

17 Os tribunais não têm competências que lhes permitam definir prioridades no que respeita à distribuição dos recursos existentes. Aliada à falta de participação na definição do orçamento dos tribunais, existe, em muitos países, a percepção de que o cabimento orçamental para a administração dos tribunais é insuficiente e que, em consequência, seja forçoso “fazer muito com pouco”. 18 Esta perspectiva é, no entanto, ultrapassada quando se considera a possibilidade de os próprios tribunais poderem responder perante o poder legislativo e de poderem estar sujeitos às mesmas regras contabilísticas aplicáveis ao sector público.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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• Não se ajusta a todo o tipo de tribunais, existindo relações diferenciadas

entre o poder executivo e o legislativo consoante, por exemplo, o

tamanho dos tribunais em causa.

• Ao nível dos tribunais, este modelo tende a acentuar a tensão entre o

administrador dos tribunais nomeado pelo executivo e os membros

do poder judicial, podendo originar situações de incompatibilidade.

O Modelo de Comissão Independente

• Modelo assente num órgão ou comissão independente

especialmente criada para a administração do judiciário, com

determinada estrutura e composição de que fazem parte membros do

judiciário. A principal inovação deste modelo, relativamente ao modelo

executivo, prende-se com a independência funcional da Comissão

face ao poder executivo e ao poder judicial.

• Modelo que comporta várias modalidades. A competência deste

órgão pode ser circunscrita a determinados aspectos da administração

do judiciário, ficando outros reservados, quer ao poder executivo, quer

ao poder judicial19.

• A prestação de contas é feita perante o poder legislativo, seja a

exercida directamente pela Comissão, seja exercida pelo Ministro

competente. Contudo, a prestação de contas é entendida tendo em vista

a satisfação de necessidades de transparência e abertura, numa

perspectiva moderna de prestação de contas ao público e não a

dirigentes políticos.

• Para alguns autores, a definição da composição, competências e a

nomeação dos membros da Comissão pode constituir factor de

19 A Comissão pode funcionar apenas como instância de resolução de conflitos entre o poder executivo e o poder judicial em áreas específicas relacionadas com a administração dos tribunais. Assim, em caso de divergência naquelas áreas previamente definidas, tanto o poder executivo como o poder judicial transformam-se em instâncias com funções meramente consultivas, sendo o poder decisório atribuído à Comissão. À Comissão pode, ainda, ser atribuído apenas o controlo operacional e de definição de políticas relacionadas com um número limitado de actividades da administração dos tribunais. Neste caso, o poder executivo e o poder judicial definem, a priori, o conjunto de objectivos a ser alcançado. A Comissão, por seu turno, assume a obrigação de executar aquelas directrizes. Por último, à Comissão pode ser atribuído o controlo e a definição de políticas de todas as actividades relacionadas com a administração dos tribunais. Nestas circunstâncias, a Comissão assume a qualidade de unidade de administração do tribunal efectivamente autónoma.

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Qualidade, eficiência e transparência: novos rumos da administração e gestão da justiça

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tensão entre o judiciário e o executivo. Há, ainda, quem defenda que

a composição deste tipo de comissões deveria integrar membros de

outras instituições da sociedade de modo a incorporar os interesses de

um público mais alargado.

O Modelo de Parceria

• A administração dos tribunais é exercida conjuntamente pelo poder

executivo e pelo poder judicial através de uma parceria, criando um

conselho em que o executivo continua a desempenhar um papel

importante, mas que, em simultâneo, prevê também um potencial

aumento do papel do judiciário.

• O conselho nomeia os órgãos de administração e gestão dos tribunais,

bem como define e impõe a implementação de determinadas políticas

de administração dos tribunais. O órgão de gestão a nível de cada

tribunal é um órgão autónomo do executivo e do judiciário que

executará as políticas de acordo com as instruções da parceria. As

suas competências tendem a estenderem-se a todas as áreas da

administração dos tribunais: gestão financeira, recursos humanos,

sistemas de informação e comunicação.

• A possibilidade de existirem interesses conflituantes pressupõe que

haja um efectivo consenso nos objectivos e expectativas da

parceria, o que exige, por seu lado, uma clara definição dos objectivos e

dos fins a prosseguir com a política de administração dos tribunais.

• Comporta várias tipologias, dependendo do grau de participação

do poder judicial e da composição do conselho. A parceria pode ser

limitada quando a maioria do conselho é composta por membros

nomeados pelo governo; igualitária, quando a composição do conselho

comporta um igual número de membros nomeados pelo governo e pelo

poder judicial; ou controladora, quando o poder judicial tem a maioria

dos votos do conselho.

• É apontado, a este modelo, um dilema conceptual: o modelo de

parceria pressupõe que parceiros independentes se juntem para

prosseguirem um objectivo comum. Mas, se o poder judicial é,

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

30

inquestionavelmente, um poder independente para o exercício da função

jurisdicional a mesma consagração não é considerada no que se refere

ao exercício de funções administrativas. Considera-se que uma

verdadeira parceria requer, não só o reconhecimento por parte de

ambos os parceiros da sua independência recíproca, mas, ainda, de

distintas e independentes perspectivas.

O Modelo Executivo Mitigado

• A responsabilidade pelo planeamento e pela execução operacional

da administração dos tribunais compete ao poder executivo.

• Ao poder judicial é conferida competência para intervir no

planeamento e administração ao nível dos tribunais em actividades

desenvolvidas e desenhadas pelo poder executivo, quando as mesmas

afectem de uma forma grave a capacidade de o sistema judicial

alcançar níveis adequados de eficiência ou sempre que se

considere necessário e apropriado para o exercício da função

judicial e para a prossecução dos objectivos do sistema de justiça.

O poder judicial pode, assim, emitir ordens directas ao Administrador do

Tribunal, impondo-lhe a realização de certas tarefas ou actividades ou a

cessação de outras por forma a garantir a realização dos objectivos do

tribunal.

• O cumprimento pelo administrador do tribunal das ordens emitidas

pelo poder judicial é obrigatório, apenas podendo ser discutido

posteriormente, e não são definidas aprioristicamente o conjunto de

circunstâncias em que o poder judicial poderá intervir20.

20 Apenas é definido que a intervenção será realizada quando seja necessária e adequada pelo poder judicial. Esta “indefinição” exige um consenso entre o poder executivo e o poder judicial sobre quais os objectivos adequados a alcançar com vista a níveis aceitáveis de desempenho dos tribunais relativamente às infra-estruturas e serviços destes. Mostra-se, igualmente, essencial a existência de um modelo adequado de informação sobre o desempenho do tribunal que permita ao poder judicial aferir adequadamente da necessidade de intervenção em cada caso.

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Qualidade, eficiência e transparência: novos rumos da administração e gestão da justiça

31

O Modelo de Autonomia Limitada

• A competência para a administração dos tribunais (incluindo a

gestão financeira e de todos os recursos humanos) é da competência

do poder judicial.

• A gestão quotidiana dos tribunais pode ser levada a cabo por um gestor,

mas nomeado pelo juiz presidente de quem depende funcionalmente.

• A limitação imposta ao poder judicial é operada por duas vias: por

um lado, o orçamento global dos tribunais é definido e aprovado

pelo poder legislativo, deixando para os tribunais apenas o poder de,

dentro desta baliza definida pelo poder legislativo, alocar as receitas; por

outro, pode existir um conjunto de matérias que se mantenham

exclusivamente na esfera do poder político, dada a sua natureza,

como, por exemplo, a decisão de construir ou de fechar um tribunal.

• É o próprio judiciário que define as metas e os objectivos a atingir

no que respeita à administração e gestão dos tribunais, devendo

prestar contas da sua actividade, quer ao poder legislativo, quer ao

público em geral, mecanismos considerados como garantes de uma

efectiva transparência na gestão e administração dos tribunais.

• Pode potenciar a politização do judiciário. Para alguns autores, este

é um modelo que acabará, de certa forma, por enfraquecer a

independência do judiciário, uma vez que a responsabilidade pela

administração dos tribunais envolve questões com forte potencial

político.

O Modelo de Autonomia Limitada e de Comissão

• Combina vertentes do modelo de autonomia limitada e do modelo

de comissão independente, na modalidade de instância de resolução

de conflitos entre o poder executivo e o poder judicial em áreas

específicas relacionadas com a administração dos tribunais.

• Mantém a competência para a gestão e administração dos tribunais

no judiciário, mas confere a uma comissão independente, do

legislativo e do executivo, a competência para a intervenção num

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

32

conjunto muito limitado de assuntos, em especial em matéria de

orçamento.

• A atribuição da resolução dos conflitos relacionados com o orçamento

dos tribunais a uma entidade autónoma permite despolitizar a relação

entre o poder judicial e o poder executivo relativamente a questões

altamente politizadas e evitar o condicionamento da administração do

judiciário através de constrangimentos orçamentais.

O Modelo Judicial

• No pólo oposto ao modelo executivo, o modelo judicial reserva ao

poder judicial todas as competências relacionadas com a

administração e gestão do judiciário, definindo objectivos, regras e

procedimentos, incluindo competências para contratar e exercer a acção

disciplinar sobre todos os recursos humanos e para fixar o seu próprio

orçamento.

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Como gerir a procura judicial? Temas do debate em torno das questões da administração e gestão dos tribunais

33

3. Como gerir a procura judicial? Temas do debate em torno das

questões da administração e gestão dos tribunais

3.1 Qualidade, eficiência e transparência

As organizações do sistema judiciário, à semelhança das

organizações da administração pública em geral, confrontam-se com a

necessidade de implementar medidas que visem o aumento da sua

qualidade, eficiência, transparência, bem como de prestação de contas.

Parafraseando Langbroek, as nossas sociedades não podem funcionar sem

democracia, transparência, legitimidade, qualidade de serviços e mecanismos

fiáveis que possam avaliar os resultados e “Judicial organisations are no

exceptions to that” (2005: 49).

Assim, também no que respeita aos tribunais, enquanto organizações,

temos vindo a assistir à substituição do modelo burocrático-

administrativo por um modelo com características do modelo gestionário

com preocupações na definição de padrões de qualidade, distantes da

concepção do modelo burocrático21. As medidas, especialmente dirigidas à

eficiência e à qualidade do judiciário, começam a ser discutidas no contexto

europeu apenas no final dos anos 90 do século passado22.

Se é certo que alguns dos objectivos fixados pelos padrões de qualidade

para o sector da justiça estão definidos constitucionalmente (independência e

imparcialidade dos juízes, processo justo, carácter público dos julgamentos),

outros estão relacionados com a posição da organização judiciária numa

sociedade democrática, como, por exemplo, a criação e dinamização de

medidas de prestação de contas, de transparência e do aprofundamento do

princípio de uma justiça como serviço público virado para a cidadania.

Uma das principais questões, hoje em debate em vários países, é

precisamente a questão de como desenvolver e consolidar uma

21 Neste modelo, a qualidade era, por um lado, assegurada através da formação intensa dos seus profissionais que os dotaria das capacidades e dos conhecimentos necessários e, por outro, controlada através dos sistemas de recurso, dos julgamentos por tribunais colectivos e da publicidade das audiências (Ng, 2007). 22 Sobre a questão da qualidade no judiciário, cf. Rivero-Cabouat, Noëlle. 2005. L’Administration de la Justice en Europe et L´Évaluation de sa qualité. Mission de Recherche Droit et Justice. Paris: Editions Montchrestien.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

34

administração da justiça orientada para a eficiência e qualidade. Como

conseguir que determinados padrões e níveis de qualidade possam ser

desenvolvidos, implementados e garantidos pelas organizações e pelos

seus membros a partir de valores comuns? Para alguns autores, o

funcionamento adequado de uma gestão orientada para a qualidade,

principalmente em organizações com as características dos tribunais, depende

muito da forma como se alcança um acordo para a definição de padrões e

níveis de qualidade (Langbroek, 2005: 52).

Fabri (2005), na sequência de um projecto de investigação, que

envolveu diferentes países europeus (Áustria, Bélgica, Bulgária, Dinamarca,

Espanha, Finlândia, França, Holanda, Itália, Portugal, Roménia e Turquia), bem

como o Quebec, e que teve como objectivo inventariar e comparar critérios de

um judiciário de qualidade, sintetiza em quatro grupos as medidas dos

diferentes países para melhorar a qualidade da justiça: políticas de

governança, direccionadas para a mudança das instituições que

governam o judiciário; políticas estruturais, relacionadas com alterações

do número ou das funções das estruturas do sistema judicial; políticas

processuais, que visam alterar as regras tradicionais de responder a

problemas do judiciário; e políticas de gestão, cujo objectivo é o de

melhorarem o funcionamento dos serviços de justiça, tendo em vista,

designadamente, a gestão mais eficaz do volume processual, a avaliação de

desempenho e o investimento em tecnologias de informação e comunicação

(2005: 70-77).

No que respeita a estas últimas, Fabri destaca a experiência dos países

escandinavos de maior incentivo em medidas de gestão e as reformas

introduzidas na Holanda que prevêem a responsabilidade do presidente do

tribunal, dos juízes presidentes das várias secções e do administrador pelo

desempenho do tribunal, submetendo-os, enquanto órgão colectivo, à

supervisão do Conselho Judicial (2005: 77-79).

Para Langbroek são os seguintes os valores ou princípios, mais

comummente aceites nas organizações judiciais europeias, que podem

compor um modelo de qualidade da justiça: independência e

imparcialidade judicial, prestação de contas, eficiência, processo justo,

publicidade das audiências de julgamento, duração adequada dos

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Como gerir a procura judicial? Temas do debate em torno das questões da administração e gestão dos tribunais

35

processos, certeza e segurança jurídica, acesso à justiça e eficácia de

desempenho. Tais vectores ou princípios podem relacionar-se com aspectos

muito diferenciados das organizações judiciárias, como seja o seu desenho

institucional e funcionamento organizacional, a transparência do sistema de

justiça, a tensão entre os domínios de acção politica e judiciária ou o

conhecimento e preparação técnica dos magistrados e funcionários (2005: 54).

Um dos principais vectores de um modelo de justiça orientado para a

qualidade prende-se, assim, com o seu desenho institucional e com a

relação com os vários poderes do Estado, principalmente com o poder

executivo.

De acordo com o relatório final do Canadian Judicial Council,

denominado “Alternative Models of Court Administration” (2006: 70), um

modelo de administração dos tribunais deverá procurar afirmar os

tribunais como instituições fundamentais ao serviço do Estado de direito

democrático, procurando alcançar os seguintes objectivos:

• Preservação da independência judicial e da integridade institucional

do judiciário como um poder separado do Estado;

• Aumento da confiança pública no sistema de justiça;

• Melhoria da qualidade dos serviços de justiça (mais e melhor acesso

aos tribunais; maior celeridade; melhoria da qualidade da justiça na

resolução dos litígios em concreto; maior transparência); e

• Desenvolvimento dentro do tribunal de uma maior capacidade e de uma

nova cultura na implementação das reformas através de a) uma direcção

e liderança claras; b) de mecanismos eficazes e transparentes de prestação

de contas e parcerias fortes; c) estratégias, ferramentas e práticas eficazes

e eficientes; d) pessoal bem treinado e meios adequados; e e) sistemas

eficientes de suporte às reformas, permitindo-lhes adaptarem-se a

transformações sociais, tecnológicas, económicas e políticas (2006: 71-72).

As componentes deste quarto objectivo encontram uma íntima relação

com as características que apontámos ao modelo gestionário. Destaca-se a

necessidade de uma liderança clara e forte como condição essencial para

desenvolver no seio dos grupos profissionais o compromisso de trabalhar,

numa perspectiva de conjunto, para objectivos comuns. Esta liderança

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

36

deveria, a título de exemplo, definir o conjunto de objectivos que o

tribunal deveria alcançar no que respeita ao acesso à justiça, à duração

dos processos, definir outros mecanismos de gestão processual, bem

como gerir aspectos de organização e funcionamento do tribunal

considerando, quer os funcionários e magistrados, quer o público em

geral.

A liderança deveria também avaliar, de uma forma sistemática, as

mutações verificadas, quer ao nível do volume processual, quer ao nível da

natureza dos processos, desenvolver mecanismos para lidar com essas

situações e assegurar o desenvolvimento de acções necessárias para garantir

um ambiente de aprendizagem contínua e de criação de uma cultura virada

para a evolução da eficiência e qualidade.

Uma administração dos tribunais eficaz pressupõe, ainda, que a

responsabilidade pelas diferentes tarefas seja atribuída, de forma clara, a

profissionais adequados, que se desenvolvam parcerias com organizações

externas, como, por exemplo, as polícias, serviços de mediação e de

segurança social, etc. e que se definam estratégias e procedimentos eficazes,

que devem incluir a adopção de mecanismos de gestão processual, a

contratação de profissionais especializados em matéria de gestão e a

adequação a esses objectivos das infra-estruturas e meios técnicos do tribunal.

É, assim, fundamental que o trabalho das unidades orgânicas dos tribunais

seja apoiado por sistemas de gestão e administração eficientes, que permitam

melhor avaliar o volume e a natureza processual, o desempenho funcional ou o

desenvolvimento da comunicação interna e externa (2006: 76-77).

3.2 Prestação de contas

Como já referimos, nas sociedades democráticas, as organizações

judiciais devem, tal como outras organizações do Estado, sujeitarem-se a

mecanismos de avaliação externa e de prestação de contas. A construção

desses mecanismos é uma questão em debate em muitos países.

O debate em torno deste tema tem, em regra, duas questões

latentes: a questão da independência judicial e o grau de

participação/autonomia do poder judicial no processo de gestão dos

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Como gerir a procura judicial? Temas do debate em torno das questões da administração e gestão dos tribunais

37

tribunais. O princípio da independência judicial é visto, quer como um entrave

à implementação de mecanismos de prestação de contas no judiciário, quer

como alavanca essencial para a sua implementação.

Malleson distingue duas formas de prestação de contas: a prestação de

contas política (hard political accountability) e a prestação de contas limitada

(soft accountability). A primeira, que inclui medidas como a demissão, a

responsabilidade civil ou criminal pelos danos causados por uma decisão, não

é, tradicionalmente, aplicável ao poder judicial em face do princípio da

independência judicial.

O segundo tipo de prestação de contas exige transparência

procedimental, sensibilidade face aos diferentes interesses em jogo e uma

mudança no ambiente social, implicando uma maior transparência perante a

comunidade e uma atitude que reflicta com maior acuidade os valores e

necessidades daquela comunidade (prestação de contas social). Este conceito

de prestação de contas vem preencher o deficit pela dificuldade de prestação

de contas política (Ng, 2007: 17-18).

Para Langbroek, a independência judicial e a imparcialidade

pressupõem, precisamente, a ausência de prestação de contas política.

Diferente é a prestação de contas não política, considerada, aliás, como meio

de legitimação dos tribunais e magistrados.

A discussão sobre esta questão incorpora as seguintes duas

dimensões. A primeira é que o aumento do volume da litigação; as

consequências da globalização na litigação; a tendência para a privatização

dos serviços públicos; o aumento do crime organizado internacional; o aumento

da imigração; o desenvolvimento da biotecnologia e de novas técnicas

médicas; e as repercussões da difusão das novas tecnologias na vida

societária são factores, entre outros, que alteraram, quer o contexto social

da acção dos tribunais, quer o perfil do desempenho funcional dos

magistrados judiciais que, cada vez mais, são confrontados com novos

desafios no exercício da sua acção jurisdicional e são chamados a participarem

na organização das funções do tribunal.

Esta intervenção dos magistrados judiciais implica, não só a assunção

das funções jurisdicionais nos processos que lhes são apresentados, mas

também de responsabilidades no que toca às condições organizacionais

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

38

para o exercício de tais funções, que podem passar pelo exercício de

funções de liderança, gestão de recursos humanos, selecção e formação de

magistrados, informação dirigida aos meios de comunicação social e ao

público, relações com o Ministério da Justiça e/ou os conselhos do judiciário,

relações com advogados e serviços do Ministério Público, gestão orçamental,

etc. (Langbroek, 2005: 64).

A segunda dimensão está relacionada com o aprofundamento do

movimento de criação dos conselhos judiciais em muitos países, no âmbito

das políticas de governança, com o propósito de reforçar a sua

independência face ao poder executivo e de melhorar a gestão do

funcionamento do sistema judicial, que pode passar pela implementação de

medidas como a diminuição dos poderes do executivo na selecção dos juízes

(exemplo da Bélgica e da Dinamarca) ou aumento dos poderes do judiciário na

definição dos orçamentos (exemplo da Holanda e da Dinamarca). Para o autor,

a criação ou reforço dos conselhos deveria ter igual contrapartida no

aumento da prestação de contas do judiciário, com referência a critérios

qualitativos e quantitativos (2005: 71-72).

De facto, é interessante observar que na Europa assiste-se a uma

progressiva passagem de competências do Ministério da Justiça para

conselhos judiciais independentes. Fabri refere, precisamente, que um dos

tópicos mais interessantes de analisar nos próximos tempos será o da forma

como os vários países democráticos conseguirão o equilíbrio necessário entre

a responsabilidade política do Ministro da Justiça perante o Parlamento e o

crescente aumento da autonomia funcional dos tribunais, através de conselhos

judiciais, que não são politicamente responsáveis, ainda que sejam eles a fazer

a gestão de importantes recursos públicos (2005: 74).

Acresce que não podemos perder de vista que a concretização do

princípio da independência judicial tem vindo a sofrer uma evolução

conceptual. Esse processo é essencial para perceber o contexto normativo

dinâmico no âmbito do qual os modelos de administração dos tribunais deverão

ser analisados.

Por exemplo, para o Supremo Tribunal do Canadá uma das dimensões

da independência judicial, passa, além da inamovibilidade e da estabilidade

financeira que deverão ser garantidas aos juízes, pela independência

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Como gerir a procura judicial? Temas do debate em torno das questões da administração e gestão dos tribunais

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administrativa ou institucional, o que implica um controlo judicial sobre as

questões administrativas que podem ter repercussões directas e imediatas no

exercício das funções judiciais (Valente v. The Queen, 1985). Esta dimensão

institucional da independência judicial foi reafirmada no caso Beaurgard v.

Canadá, em 1986, reiterando, aquele Supremo Tribunal, a necessidade de

coexistir a garantia de condições de independência judicial individual, que

permita a cada juiz decidir livremente cada processo, com condições de

independência do próprio tribunal relativamente aos restantes poderes do

Estado, naquilo que é essencial para o desempenho das suas funções

jurisdicionais23. Justamente por se considerar que a independência do juiz,

individualmente considerado, caracterizada pela liberdade de decidir os

processos de acordo com a lei e a sua livre convicção, pode ser comprimida

pela vontade do poder executivo no que respeita à determinação do seu

orçamento e administração do dia-a-dia (Canadian Judicial Council, 2006: 49).

Apesar de as convenções internacionais não explicitarem de forma

exaustiva as várias componentes da independência judicial, vários

instrumentos de soft law reconhecem a importância da autonomia

administrativa como um dos pressupostos da independência judicial. Em suma,

tais instrumentos identificam as seguintes condições (Canadian Judicial

Council, 2006):

• Financiamento

a) Deve ser suficiente para permitir ao judiciário o desempenho das

suas funções (Syracuse 24, European Charter 1.6, UN Principles

7);

b) É uma prioridade essencial que o Estado forneça meios

apropriados que permitam uma adequada gestão da justiça

(Tokyo 13, Montreal II ix 2.41);

c) O montante atribuído deve ser suficiente para que cada tribunal

possa funcionar sem um volume de trabalho excessivo (Syracuse

25, Beijing 37) 23 Neste quadro, o Supremo Tribunal, no que respeita à dimensão de independência administrativa ou institucional dos tribunais, alerta para a necessidade de as relações entre o judiciário, por um lado, e o poder executivo e legislativo, por outro, deverem ser despolitizadas, o que implica a ausência de pressão política sobre o judiciário, e de participação política dos magistrados. A via da despolitização exige que a formalização das relações entre o judiciário e os outros dois poderes do Estado passe, em boa medida, por comissões independentes.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

40

d) O poder judicial deve ter a oportunidade de ser ouvido ou de

participar na determinação do orçamento (Syracuse 25, European

Charter 1.8)

e) O Estado deve garantir um orçamento independente para o

judiciário (Beirut 2, Cairo 1)

• Orçamento

O orçamento dos tribunais deve ser preparado pelo, em colaboração

com ou após o parecer do judiciário (Beijing 37, Montreal II ix 2.42,

European Charter 1.8, Beirut 2, Cairo 1).

• Administração

a) O principal responsável pela administração dos tribunais deve ser

o judiciário (Montreal II ix 2.40) ou um organismo conjunto (New

Dehli 9, Beijing 36);

b) Administração inclui a nomeação, supervisão e controlo

disciplinar do pessoal administrativo e de apoio (Beijing 36) e o

controlo sobre o orçamento concedido ao judiciário (Latimer

House II 2)

3.3 O funcionamento interno e a divisão do trabalho no tribunal

A adopção de uma perspectiva gestionária na administração e gestão

dos tribunais impõe a consideração de questões relacionadas com a

organização interna do tribunal. Esta temática, de discussão antiga nos países

de common law, começa a ser alvo de reflexão também nos países de tradição

jurídica continental, não obstante o carácter mais limitado das reformas

possíveis tendo em atenção o mais reduzido grau de autonomia dos tribunais

em relação ao poder central, bem como a codificação dos trâmites

procedimentais, que, em larga medida, regulam as actividades desenvolvidas

no tribunal. Todavia, como refere Fix-Fierro (2003: 223), a gestão do tribunal

pode ser uma ferramenta importante para resolver problemas similares que se

encontram em diferentes tribunais de países de diferentes tradições jurídicas.

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Como gerir a procura judicial? Temas do debate em torno das questões da administração e gestão dos tribunais

41

Assim, revela-se necessária a adopção de objectivos comuns claros

a prosseguir pelos tribunais, que, por um lado, constitui um pressuposto para a

avaliação do seu desempenho funcional e, por outro, cria um ambiente de

envolvimento de todos os intervenientes em algo que é, pelos próprios, visto

como comum.

Outro instrumento que possibilita uma gestão mais eficiente da

actividade dos tribunais é a adequada divisão do trabalho dentro do

tribunal. Esta divisão de trabalho permite, na perspectiva de Fix-Fierro,

garantir, por um lado, um nível mais elevado de eficiência, e, por outro, criar

condições de trabalho mais favoráveis, tais como a redução de custos de

coordenação; a introdução de incentivos de motivação para os funcionários

judiciais; ou o aumento da capacidade de reacção a situações de “crise” (2003:

226).

Para Santos Pastor (2003: 10-12), no que respeita à política de recursos

humanos, importa assegurar uma maior flexibilidade dos conteúdos

funcionais dos funcionários; uma evolução na carreira profissional que se

fundamente na produtividade; a previsão de incentivos vinculados ao

desempenho; um adequado planeamento que impeça a permanente

rotatividade nos postos de trabalho; formação; e uma adequada divisão

de trabalho, que permita atribuir tarefas mais qualificadas a pessoal mais

qualificado, libertando-os de outras funções que não exijam um grau tão

elevado de conhecimentos.

Um dos obstáculos mais sentidos nos tribunais de países de tradição

continental à adopção deste tipo de ferramentas prende-se com a separação

rígida existente entre os vários corpos profissionais. Gar Yein Ng (2007: 385-

386) conclui que para a implementação de mecanismos de qualidade total

nos tribunais é necessário reformular numa única a organização dos

tribunais baseada em duas ou três organizações de juízes, funcionários e

magistrados do Ministério Público.

3.3.1 O novo modelo de oficina judicial em Espanha

Pela sua pertinência e importância para o tema em análise considerámos

útil conhecer, ainda que de forma breve, alguns dos objectivos e principais

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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pontos da reforma tendo em vista a implementação de um novo modelo da

oficina judicial em Espanha. Na sequência da publicação do Livro Branco da

Justiça, de 1997, elaborado pelo Conselho Geral do Poder Judicial (CGPJ),

foram introduzidas alterações de monta na Lei Orgânica do Poder Judicial

(LOPJ), pela LO 19/2003, de 23 de Dezembro, criando-se um novo modelo de

oficina judicial. Esta nova oficina judicial aparece, assim, como o resultado

de uma ambiciosa reestruturação com vista à adaptação aos novos

tempos e necessidades de uma organização considerada obsoleta.

A reforma foi idealizada tendo em vista os seguintes três objectivos

principais:

• Adaptar a organização judiciária à realidade de um Estado

autonómico;

• Adaptar a oficina judicial às novas tecnologias e a um programa

eficiente e racional de gestão de recursos humanos e materiais,

como um sistema de organização mais ágil e eficaz; e

• Converter o secretário judicial no efectivo director da oficina

judicial, libertando-se o juiz da realização de toda a actividade

burocrática. Por essa via liberta-se o juiz de uma relevante carga de

trabalho permitindo-lhe concentrar-se nas funções jurisdicionais, já que

todo o trabalho de documentação do expediente, da marcação de

diligências e da execução de sentenças passa a ser da competência do

secretário judicial e da sua equipa.

As alterações legislativas necessárias

Esta reforma da oficina judicial veio implicar alterações em várias leis

(mais concretamente, 22 diplomas, desde a LOPJ e dos diplomas que

regulamentam a carreira dos funcionários judiciais, às leis processuais civis,

penais, laborais e administrativas, entre muitas outras) devido, sobretudo, à

necessidade de regulamentação da nova distribuição de competências

entre juízes e secretários, mas também à adequação dos procedimentos à

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Como gerir a procura judicial? Temas do debate em torno das questões da administração e gestão dos tribunais

43

modernização tecnológica e informatização e, ainda, à aplicação do Plano

de Transparência Judicial que está adstrito a esta reforma24.

Para além das alterações legislativas realizadas para adequar as leis

processuais às novas funções do secretário judicial, o legislador espanhol

aproveitou a oportunidade desta revisão para introduzir outras novidades,

também necessárias a uma regulamentação conforme à nova oficina judicial

informatizada:

− Alterações que visam potenciar as garantias das partes (como a

gravação obrigatória de todos os julgamentos penais, administrativos e

laborais, à semelhança do que já sucedia com os cíveis);

− Alterações destinadas a introduzir “boas práticas processuais”

(como novas regras para a marcação de diligências); e

− Alterações dirigidas a sanar problemas interpretativos ou lacunas em

normativos já existentes, ou mesma a eliminar aspectos anacrónicos

(como a referência à já extinta pena de morte em vários artigos do

Código de Processo Penal).

A nova oficina judicial

Estrutura

A oficina judicial em Espanha, no início da década de 90, caracterizava-

se pela ausência de critérios organizativos, funcionando as secretarias

judiciais, atomizadas e auto-suficientes, como “compartimentos estanques”

onde se realizavam múltiplas e diversas funções. Na prática diária, misturavam-

se actividades de carácter administrativo e actividades de carácter jurisdicional,

não existindo um modelo comum de trabalho em todas as secretarias ou

incentivos à produção diferenciada. Devido à sua forma atomizada, surgiam

dificuldades na rotatividade e formação dos funcionários. Era ainda apontado

como um ponto fortemente negativo o facto de nas secretarias se cruzarem

funcionários, advogados e público em geral, o que provocava contínuas

24 O Plano de Transparência Judicial, promulgado pela Lei 15/2003, de 26 de Maio, é definido como o instrumento através do qual diferentes órgãos do poder executivo, bem como o CGPJ e os próprios cidadãos podem ter à sua disposição informação acerca da actividade de todos os órgãos jurisdicionais. Por esse meio, procura-se obter uma justiça transparente, compreensível, tecnologicamente avançada e atenta ao cidadão.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

44

interrupções no trabalho dos primeiros (Cf. Observatório Permanente da

Justiça Portuguesa, 2001: 138-146).

O novo modelo de oficina judicial moderniza e racionaliza a infra-

estrutura humana, material e tecnológica que rodeia o juiz. Assim, a ideia

principal é a de conseguir um desenho mais racional de oficina judicial,

acabando com uma estrutura considerada antiquada, constituída por

“micro-secretarias” em cada juízo, vara ou secção, organizadas de

maneira própria, diferentes umas das outras e sem a aplicação de

técnicas de gestão de recursos humanos. Por essa via, entendeu o

legislador espanhol, que é possível tornar a tramitação processual mais rápida

e eficiente e, consequentemente, menos dispendiosa.

Actualmente, a LOPJ estabelece que a oficina judicial funciona com

critérios de agilidade, eficácia, eficiência, racionalização do trabalho,

responsabilidade pela gestão, coordenação e cooperação entre serviços,

com a finalidade primordial de que os cidadãos obtenham uma justiça

próxima e de qualidade.

Esta nova filosofia pretendeu acabar com a atomização da estrutura

dos órgãos judiciais e tende a concentrar recursos em serviços comuns. Do

ponto de vista organizativo, o legislador considerou aconselhável

catalogar e separar das diferentes actividades em secções, equipas ou

unidades especializadas, dedicadas a tarefas específicas.

Sendo o objectivo primário da reforma a racionalização e actualização

dos meios humanos e materiais, com vista à obtenção de uma melhor e mais

rápida administração da justiça, o legislador optou, no desenho da nova

oficina judicial, por um sistema flexível, o que permite a cada oficina

judicial adaptar-se às suas necessidades específicas. Não obstante, a sua

estrutura básica “será homogénea em todo o território nacional como

consequência do carácter único do Poder que serve”.

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Como gerir a procura judicial? Temas do debate em torno das questões da administração e gestão dos tribunais

45

O elemento organizativo básico da estrutura da nova oficina judicial é a

unidade, a qual é de dois tipos: a Unidade Processual de Apoio Directo (UPAD)

e o Serviço Comum Processual (SCP)25.

As Unidades Processuais de Apoio Directo (UPADs) ocupam-se da

assistência directa aos magistrados no exercício das respectivas funções

jurisdicionais, pelo que têm que existir tantas UPADs quantos os tribunais,

secções ou juízos, constituindo, juntamente com o juiz titular, o respectivo

órgão judicial.

Quanto aos Serviços Comuns Processuais (SCPs), são unidades da

oficina judicial que, sem estar integradas num órgão judicial concreto,

assumem funções centralizadas de gestão e apoio em actividades

específicas. Prestam, assim, apoio a um ou mais órgãos judiciais do seu

âmbito territorial, com independência da ordem jurisdicional a que pertençam

e da extensão da sua jurisdição. Os SCPs estruturam-se em secções, as quais,

por sua vez, podem ser divididas em equipas com a mesma estrutura interna. À

frente de cada SCP está um secretário judicial, de que dependem

funcionalmente os restantes funcionários.

Modernização tecnológica

A nova oficina judicial pretende, acima de tudo, servir a modernização

tecnológica da administração da justiça considerando-se que o êxito da sua

implementação depende, em grande medida, dessa adaptação. Um outro dos

propósitos enunciados é, também, a criação de uma “Justiça sem papel”, em

que os advogados dirijam as suas comunicações aos tribunais em formato

electrónico, em que os diferente serviços da administração da justiça

comuniquem entre si através de uma rede informática, até que,

paulatinamente, o suporte documental da justiça seja informático26.

25 Embora não estejam integradas nas oficinas judiciais, as Unidades Administrativas (UAs) assumem, no âmbito da organização da administração de justiça, as funções de chefia, ordenação e gestão dos recursos humanos da oficina judicial sobre as quais têm competência, bem como dos meios informáticos, novas tecnologias e demais meios materiais desta. 26 Assim, para evitar o transporte de papéis pelo tribunal e fora deste, são desenvolvidos sistemas de comunicação intra-tribunal e inter-tribunais e outras instituições, através de três projectos específicos: o Programa LEXNET, que permite o envio para os tribunais de peças processuais e de documentos escritos através de meios telemáticos; o Projecto INFOREG, por

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

46

A implementação dos programas informáticos tem vindo a ser realizada

de forma progressiva, considerando-se que as mudanças e consequentes

adaptações serão realizados de forma a evitar-se uma ruptura abrupta com os

anteriores hábitos e modos de funcionamento, acomodando-se a nova oficina

judicial informatizada às possibilidades técnicas, organizativas, orçamentais e

formativas da Administração.

Espaços físicos adequados

Neste processo de reforma merece realce a elaboração de um plano de

adaptação dos espaços físicos judiciais com a incorporação de estruturas que

possibilitem a utilização das novas tecnologias e a sua inclusão no quotidiano

dos serviços. Para tal, em várias Comunidades Autónomas foram construídos

novos edifícios de tribunais ou reestruturados edifícios previamente existentes,

com projectos arquitectónicos apropriados e pensados especificamente para o

efeito27.

Algumas críticas

Ao processo de implementação da nova oficina judicial, têm sido,

contudo, apontadas algumas críticas, designadamente, as seguintes:

• O facto de as reformas processuais não estarem terminadas antes

de se iniciar a implementação do novo modelo de oficina judicial;

• O atraso na adaptação dos sistemas informáticos;

• A falta de formação para a utilização dos novos sistemas

informáticos;

• O “esquecimento” da existência de processos pendentes nos

serviços, pensando-se a reestruturação dos serviços sem se

atender àqueles e estruturando-se estes “partindo do zero”, sem meio do qual se realiza a gestão do Registo Civil e inscrições no mesmo por via informática; e o Módulo de Intercâmbio Genérico (MIG), que possibilita a comunicação por via telemática entre as diferentes Unidades da oficina judicial e entre oficinas judiciais diferentes, oferecendo, também, a assinatura digital das decisões judiciais. 27 Sobre o plano de construção de infra-estruturas judiciárias em Espanha, cf. o relatório do OPJ “A Administração e Gestão da Justiça – Análise comparada das tendências de reforma” (Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, 2001).

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Como gerir a procura judicial? Temas do debate em torno das questões da administração e gestão dos tribunais

47

atender à carga processual;

• A falta de definição prévia dos protocolos de actuação dos

funcionários judiciais, por forma a concretizar e delimitar as

funções, competências e tarefas específicas de cada um;

• A forma de nomeação (livre, isto é, sem concurso) de funcionários

para novos cargos que envolvem tarefas de especial

responsabilidade ou conhecimentos técnicos;

• A falta de recursos financeiros, em determinadas regiões,

necessários para levar a cabo a reforma dos serviços e o atraso

nas obras de raiz e de adaptação das instalações.

3.4 A distribuição dos processos

Como já referimos, os mecanismos de distribuição dos casos pelos

diferentes tribunais e, dentro de cada tribunal, pelos juízes, é crucial para

a qualidade e eficiência com que os sistemas judiciais respondem à

procura judicial. Como adiante se verá, no que respeita ao caso português,

na discussão sobre esta matéria emergem diferentes questões,

designadamente, sobre a interpretação dos princípios constitucionais da

inamovibilidade e do juiz natural e sobre o recrutamento e colocação dos

juízes.

Tanto o princípio do juiz natural (ou juiz legal) como o princípio da

inamovibilidade têm diferentes enquadramentos e amplitudes nos vários

sistemas judiciais. No que se refere ao princípio da inamovibilidade, em

particular, os procedimentos que permitem a movimentação de um juiz de um

tribunal para outro são particularmente delicados. Em muitos sistemas judiciais,

a colocação dos juízes obedece a regras rígidas. Os juízes são colocados, não

só em determinado tribunal, mas mesmo para determinada secção, não

admitindo flexibilidade de transferência. A necessidade de introdução de

mecanismos de flexibilidade na gestão de recursos humanos colocou esta

questão em debate, admitindo-se, em alguns países, alterações que permitam

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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maior facilidade de deslocação, de acordo com critérios pré-definidos, dos

recursos humanos28.

Por outro lado, o papel do presidente do tribunal na gestão dos

recursos humanos e, mesmo na distribuição dos processos é igualmente

diferente, considerando os vários sistemas judiciais, suscitando

diferentes interpretações daqueles princípios. Por exemplo, em França,

compete ao presidente do tribunal pode distribuir os juízes do tribunal pelas

várias secções e, na Noruega, é o presidente do tribunal que decide a

distribuição dos processos pelos diferentes juízes.

Considera-se que os tribunais são mais “flexíveis” nos sistemas

judiciais em que o presidente do tribunal desempenha um papel mais

activo, quer no que respeita à distribuição processual, quer à gestão dos

recursos humanos.

As regras de distribuição processual têm, genericamente, um duplo

objectivo: o de garantir a imparcialidade do tribunal, bem como uma distribuição

tendencialmente igualitária de carga processual entre os vários magistrados.

Estes objectivos, como refere Langbroek et al. (2007), no estudo “Is There a

Right Judge for Each Case”, são genericamente assumidos pelos vários

sistemas judiciais europeus, independentemente da sua tradição continental ou

de common law.

Mas, como já referimos, se, por um lado, a distribuição processual tem

como função garantir a imparcialidade dos tribunais, através da previsão de

regras gerais e abstractas que garantam a aleatoriedade daquela distribuição,

por outro, é também na distribuição dos processos que algumas das

questões relacionadas com uma adequada gestão dos tribunais e da

administração da justiça com maior acuidade se colocam, reclamando

maior flexibilidade para acorrer a situações excepcionais. É, assim, neste

âmbito que a tensão entre imparcialidade e eficiência se revela.

No projecto de investigação, acima referido, que envolveu países de

tradição jurídica tão díspar como Alemanha, Dinamarca, França, Holanda,

Inglaterra e País de Gales e Itália, pretendeu-se responder a três questões

essenciais: 1) quais as regras para desenvolver e proteger a

28 Sobre esta questão, cf. o estudo do OPJ, “ Geografia da Justiça”, 2006.

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Como gerir a procura judicial? Temas do debate em torno das questões da administração e gestão dos tribunais

49

imparcialidade judicial quando se atribui um processo?; 2) Como se

expressa este princípio no quotidiano? Que tipo de práticas são

utilizadas? 3) Como vêem os juízes, os administradores dos tribunais e as

partes envolvidas (stakeholders) a distribuição de processos a nível

interno, tendo em conta a protecção da imparcialidade do judiciário?

Partindo daquelas três questões, Langbroek et al. mostram que, de um

ponto de vista organizacional, nos países estudados, tenta-se garantir

eficiência e flexibilidade através da própria estrutura institucional da oferta do

sistema judiciário, da existência de funcionários qualificados, da capacidade de

adaptação/flexibilidade dos juízes (troca de processos entre juízes, por

exemplo).

A eficácia na gestão da procura judiciária reside em grande parte na

optimização dos recursos, o que implica, desde logo, uma escolha adequada

de procedimentos consoante a natureza e complexidade do caso. Está

subjacente a ideia, que, em vários trabalhos do Observatório Permanente da

Justiça Portuguesa (OPJ), temos vindo a defender que o sistema de justiça

deve tratar, eficazmente, de forma desigual o que é intrinsecamente

desigual, sem obviamente colocar em causa direitos e garantias dos cidadãos.

Deste modo, o tipo de regras e procedimentos previstos na ordem jurídica pode

conduzir (ou não) a uma maior eficácia.

Para além disso, revela-se necessário que as regras e

procedimentos admitam alguma flexibilidade para assegurar eficiência.

Tal flexibilidade pode ser assegurada, quer através de uma adequada

distribuição processual, quer, devido à flutuação da carga processual,

através da previsão de mecanismos de transferência de juízes para outras

unidades (Langbroek et al, 2007: 16).

Chama-se, contudo, a atenção para o facto de a introdução de

mecanismos de flexibilidade não poder colocar em causa os princípios da

imparcialidade do tribunal e da continuidade na tramitação e resolução

dos processos.

Pode, assim, verificar-se alguma contradição latente sobre esta matéria:

quanto mais rígidas as regras e procedimentos processuais menos flexível é o

tribunal e, portanto, menos eficiente, apesar de se escudar melhor contra

influências que possam colocar em causa aqueles princípios. A ênfase nesta

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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última vertente pode ser verificada em Itália29 e na Alemanha30. Na Dinamarca,

França31, Inglaterra e País de Gales32, os tribunais são mais flexíveis e,

aparentemente, mais eficientes. A maior ou menor facilidade na transferência

de juízes de um para outro tribunal em resposta ao aumento ou diminuição da

procura é mais um reflexo dessa flexibilidade.

Um outro aspecto dessa flexibilidade é a possibilidade de

transferência de processos entre juízes, que é um mecanismo simples e

expedito para uma gestão do volume processual (Langbroek et al., 2007: 17).

Os autores salientam, naquele estudo, que, apesar do princípio da

inamovibilidade ser transversal a todos os países analisados (embora apenas

constitucionalizado na Alemanha e em Itália), tem interpretações diferenciadas

nos diferentes sistemas judiciais. Assim, enquanto que na maioria dos

países a nomeação de um juiz para um tribunal permite que o mesmo

presida a qualquer processo daquele tribunal, na Alemanha e

especialmente em Itália, as regras relativas à alteração da distribuição

processual já realizada são muito rígidas (necessidade de decisão escrita do

presidente do tribunal e de parecer favorável do Conselho Judicial), o que

29 Em Itália, a colocação de magistrados nos tribunais de competência genérica parece apontar para uma tentativa de limitação do poder de direcção dos tribunais, de modo a evitar possíveis abusos de poder dos presidentes dos tribunais, reforçando, em consequência, a independência interna dos juízes. No entanto, como referem Contini e Fabri (2007: 267), a introdução deste esquema organizacional diminuiu a flexibilidade dos tribunais, aumentou a dificuldade de coordenação do trabalho dos juízes, com reflexos na produtividade. Apesar de se terem avançado medidas de alteração da colocação dos magistrados, os autores consideram-nas ainda tímidas, tendo em conta as necessidades reais. Apontam, ainda, como factor negativo a sua excessiva regulamentação, tentando-se antecipar todas as situações possíveis e, consequentemente, diminuindo a margem de discricionariedade de quem tem o encargo de tomar este tipo de decisões. No que respeita à distribuição dos processos, aqueles autores defendem ainda que esta deveria ser realizada não por um órgão central, mas pelo presidente do tribunal, coadjuvado pelo administrador, que, certamente, estará mais familiarizado com o seu contexto específico (2007: 268). 30 De acordo com Dyrchs et. al (2007: 229), na Alemanha, o princípio do juiz legal, resultado de uma salutar divisão de poderes, consolida e reforça a confiança dos cidadãos nos juízes e no sistema judicial. A fixação dos critérios abstractos de distribuição dos processos pelas várias secções, definidos anualmente, compete ao presidente do tribunal. Posteriormente, a distribuição dos processos pelos vários juízes é realizada por ordem de entrada ou com base nos últimos dígitos do número de processo (consoante o tribunal). 31 Em França, o presidente do tribunal tem competência para proceder à distribuição dos juízes dentro do próprio tribunal, através de ordens de escalonamento, sendo o responsável, ainda, pela distribuição dos processos (Marshal, 2007: 190). 32 Na Inglaterra e País de Gales, a distribuição dos juízes é realizada pelo Lord Chancelor, em articulação com o presidente do tribunal, sendo que a colocação de um juiz num determinado tribunal ou secção não impede que o mesmo presida a julgamentos noutros tribunais e/ou secções. Como ilustração, tome-se o caso de um juiz colocado na Queen’s Bench Division. Este pode ser simultaneamente destacado para o tribunal da Coroa e para decidir sobre alguns recursos de processos penais no Tribunal de Apelação (Flood, et. al: 2007: 138).

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Como gerir a procura judicial? Temas do debate em torno das questões da administração e gestão dos tribunais

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dificulta a distribuição de determinados processos, em especial os mais

complexos, a juízes tecnicamente mais preparados para tal. Na Dinamarca e

em Inglaterra e País de Gales, por outro lado, a troca informal de

processos entre juízes é frequente (2007: 21).

Em relação ao nosso tema, consideramos importante destacar as

seguintes conclusões daquele estudo: a primeira é que, apesar de a

sociedade moderna empurrar as estruturas judiciais para uma busca por

maior eficiência, flexibilidade e transparência, os valores judiciais

tradicionais parecem condicionar muito aqueles objectivos, com forte

influência na gestão de processos e de recursos humanos (2007: 23).

A segunda é que existem grandes diferenças entre, por um lado, a

Alemanha e Itália, e, por outro, a Dinamarca, Inglaterra e País de Gales no que

concerne ao nível de formalismo da distribuição de processos. Naqueles

dois primeiros países (ao contrário dos outros três), a distribuição de processos

está fortemente formalizada. A França e a Holanda encontram-se num meio

termo, começando a desenvolver regras internas que permitem mais

flexibilidade na distribuição de processos (2007: 24).

A terceira conclusão é que os tribunais devem gerir o equilíbrio entre

juízes especializados e juízes generalistas, sendo que, embora um maior

número de juízes generalistas possa aumentar a flexibilidade e, assim,

aparentemente a produtividade, esse desequilíbrio pode ter consequências

negativas na resolução dos processos, acabando por afectar negativamente,

não só qualidade e legitimação do tribunal, como também a sua produtividade.

Para combater a tendência generalista, na Inglaterra adoptou-se um sistema

(ticketing system ou sistema de qualificação profissional33), em que os

juízes têm que estar profissionalmente certificados para se ocuparem de

determinados tipos de litígios (2007: 24).

33 Como referem Fabri e Langbroek (2007: 14), “em Inglaterra e País de Gales, o chamado sistema de qualificações profissionais [ticketting system] permite ao juiz que tenha recebido formação ou tenha experiência numa determinada matéria, tomar parte nos processos que envolvam determinadas matérias específicas e que decorram perante determinadas instâncias. Consequentemente, existem juízes que desempenham as suas funções numa determinada instância e que podem intervir num determinado processo, caso tenham a apropriada qualificação [ticket]. Este sistema permite que os juízes intervenham em processos de natureza específica que tramitem na área geográfica onde exercem funções. Verifica-se, assim, não apenas uma especialização dos tribunais, mas igualmente uma qualificação específica dos juízes que ultrapassa a das subsecções”.

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52

3.5 A gestão do caso concreto

Na definição dada por Schwarzer e Hirsch, gestão processual supõe a

utilização, com justiça e bom senso, de todos os instrumentos à disposição dos

juízes de forma a alcançar uma resolução justa, rápida e não dispendiosa do

litígio (2006: 1). Da mesma forma, Nuno Coelho define gestão processual como

“a intervenção conscienciosa dos actores jurisdicionais no tratamento dos

casos ou processos, através da utilização de variadas técnicas com o propósito

de dispor as tarefas processuais de um modo mais célere, equitativo e menos

dispendioso” (2007: 4).

Também para Fix-Fierro (2003: 229), o conceito de gestão do caso pode

ser definido como a intervenção conscienciosa dos intervenientes judiciais na

tramitação e tratamento do caso concreto, através de várias técnicas e ou

procedimentos, com o objectivo de o resolver de uma forma mais justa, rápida

e menos dispendiosa. O objectivo é, assim, atingir uma resolução dos litígios

justa, rápida e eficiente.

As preocupações de gestão processual surgem mais associadas aos

países de tradição da common law, caracterizado por um processo de tipo

adversarial, embora com um poder de conformação do juiz forte e onde, em

regra, este é assessorado por um conjunto de funcionários com competências

específicas, não só na administração do tribunal, mas também em direito. No

sistema continental de tradição histórica francesa e de raiz burocrática, a

introdução de métodos de gestão processual tem-se revelado mais

resistente34.

A necessidade de introdução de uma visão gestionária na tramitação

dos processos surge, assim, como resposta ao aumento da litigação e tem por

base a concepção, segundo a qual a eficiência resulta menos das 34 Embora se situe no contexto da common law, o que dificulta a sua adaptação aos sistemas continentais, é interessante o conjunto de instrumentos procedimentais que existem nos EUA sobre a gestão dos diferentes tipos de casos. Por exemplo, no manual de gestão dos litígios cíveis, elaborado pela Conferência Judicial, em 2001, chama-se a atenção para a necessidade de estabelecer uma gestão antecipada do processo pré-judicial, fixando-se um plano rígido de marcações, que envolve conferências prévias entre advogados, para discutir uma possibilidade de acordo e definir a natureza do litígio; de orientar a fase da prova tendo em conta os meios mais adequados e menos dispendiosos em termos de custos e de tempo; de agendamento de discussões com o objectivo de alcançar uma transacção; de limitar as leituras dos depoimentos; e evitar provas desnecessárias. No que respeita a litígios semelhantes, sugere-se ainda que se procure coordenar as agendas de todos os intervenientes, possibilitar a produção de prova conjunta, identificar questões similares susceptíveis de resolução num único e comum procedimento e desenvolver tentativas de conciliação.

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mudanças das regras processuais do que da adequada monitorização do

desempenho funcional dos tribunais e intervenientes no processo. Uma

das principais consequências desta nova concepção deu-se na mutação do

tradicional papel do juiz, de terceiro imparcial e distante a interveniente

activo na gestão do litígio (Fix-Fierro, 2003: 230).

Ainda para o autor, de entre as diferentes medidas que podem

integrar a gestão do caso concreto, destaca a selecção adequada da

calendarização e do sistema de marcação de diligências; a adopção de

medidas que visam o encorajamento da solução do conflito por acordo; a

introdução de adequados programas informáticos; o recurso a funcionários

judiciais com competência e formação especializada para o tratamento de

certas questões e litígios; e a utilização de mecanismos processuais, como

audiências preliminares e formas de julgamento sumárias.

Schwarzer e Hirsch (2006) apontam também para a necessidade de o

magistrado, bem como os advogados das partes, se familiarizarem

antecipadamente com o processo, identificando-se as questões pivot do

processo, como factor potenciador do alcance de um acordo antes do

julgamento; a necessidade de estabilização da instância atempadamente,

decidindo-se de imediato todas as questões formais; o adequado agendamento

das diligências; a definição de uma estimativa da duração provável do

processo; a adopção de medidas por parte do juiz que permitam prevenir a

duplicação de prova, bem como exigir a adopção dos meios menos

dispendiosos para a obtenção da informação desejada; e a adopção de

medidas que garantam uma produção de prova reduzida ao essencial,

ordenada e compreensiva.

Mais adiante, com referência ao caso português, voltaremos a este

assunto.

3.6 A introdução de novas tecnologias

Como acima se referiu, a introdução de novas tecnologias de

informação e de comunicação no sistema judicial é considerada uma das

componentes fundamentais de uma nova política gestionária, orientada

para a qualidade e eficácia dos sistemas judiciais. Contudo, a

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disponibilização de Tecnologias de Informação (TI) no sistema judiciário não

constitui, por si, garantia de uma utilização optimizada das mesmas, podendo o

seu uso ficar bastante aquém das suas potencialidades. Desde logo, torna-se

importante explicitar os benefícios práticos das TI aos utilizadores e demonstrar

que as TI não são uma ameaça aos postos de trabalho existentes.

Fabri e Contini (2001) salientam a diversidade europeia, quer no que

se refere ao grau de implementação, quer à eficácia e finalidades das

Tecnologias de Informação nos sistemas judiciários. Concluem que, a nível

europeu, e de um modo geral, a introdução das TI nos sistemas judiciários é

conduzida tendo em vista a resolução de problemas específicos e não a sua

eficaz integração no sistema e organização onde vão ser utilizadas.

Acresce que essa introdução não previu, de um modo geral, uma

visão integrada dos sistemas de informação, não se tendo verificado uma

articulação eficaz entre as diferentes instituições do judiciário, como, por

exemplo, entre os sistemas de TI dos tribunais e das prisões, que, em regra,

não comunicam.

Segundo Oskamp et al. (2004), uma outra conclusão a destacar é que,

tendencialmente, não existiu uma troca de conhecimentos sobre as

aplicações utilizadas e testadas entre diferentes países, iniciando cada um

a introdução das TI a partir da estaca zero.

Os autores chamam, ainda, a atenção para a necessidade de uma

adequada formação de todos os intervenientes do sistema judicial no que

respeita à utilização de TI (juízes, funcionários, advogados), pois só assim

será optimizada a sua utilização. Para tal, é fundamental, não só o

conhecimento intensivo do seu potencial por parte dos utilizadores, como

também o seu reconhecimento como uma mais valia para o desenvolvimento e

adequado desempenho das suas funções.

É crucial que os agentes judiciais considerem as TI como

necessárias, como uma verdadeira melhoria e vantagem na execução das

suas tarefas. Neste contexto, chamam a atenção para o facto de os

funcionários, em regra, sentirem receio da concorrência das TI, com medo de

perderem o emprego. Consideram, por isso, importante que se estabeleça um

equilíbrio entre as políticas e intervenção do poder executivo (governo) e o

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Como gerir a procura judicial? Temas do debate em torno das questões da administração e gestão dos tribunais

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desempenho funcional e as sugestões dos profissionais (funcionários, juízes,

advogados, etc.).

3.7 A importância da cultura judiciária

Não obstante a influência de muitos outros factores condicionantes do

funcionamento dos sistemas de justiça, muitos autores chamam a atenção

para a necessidade de não descurar a cultura judiciária (“legal culture”)

como um dos elementos potencialmente explicativos de alguns dos

bloqueios a um funcionamento mais eficiente e eficaz do sistema judicial.

Apesar de ter sido nos países de tradição da common law que a discussão em

torno da importância da cultura judiciária (legal culture) no cumprimento cabal

dos objectivos reformistas mais se evidenciou, ela tem vindo, igualmente, a

alargar-se aos países de tradição de civil law ou continental law. Hoje, é

considerada uma componente importante que não pode ser ignorada, quer na

introdução das reformas, quer nos processos de avaliação das mesmas.

A British Columbia Justice Review Task Force, no seu Livro Verde

intitulado The Foundations of Civil Justice Reform identificou, entre os

obstáculos ao sucesso das reformas, uma resistência à mudança por

parte de quem está “dentro do sistema judicial” (juízes, profissões jurídicas,

governo e funcionários judiciais). Esta resistência prende-se com o conforto do

status quo, e que persiste não obstante o reconhecimento generalizado dos

problemas do sistema. “If a «change of fundamental nature» to the civil justice

system is to be possible, the resistance to change coming within the legal

community will have to be addressed” (MacDonald, 2005: 2).

Partindo da teoria de Lawrence Friedman e da distinção entre “internal

legal culture” e “external legal culture”, David Nelken (2004) interroga-se sobre

qual a sua importância na avaliação e análise da morosidade judicial em Itália.

Sem desprezar factores puramente legais ou sistémicos, como, por exemplo, a

necessidade de fundamentação das decisões; o aumento exponencial da

litigação; o aumento do número de advogado, bem como a sua forma de

pagamento (por acto), que é vista como potenciadora do “arrastar” de

processos; ou a falta de investimento público nos tribunais, Nelken constata

que, não obstante, existir um discurso consensual de insatisfação por parte de

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

56

vários grupos sociais quanto à eficiência do sistema de justiça (“external legal

culture”), esse discurso não se tem traduzido num sistema mais eficiente e

responsável (“In Friedman's terms, the question remains, why does the

pressure of ‘external legal culture’ not produce a more responsive and efficient

system?”).

Defende por isso o autor a necessidade de analisar mais

detalhadamente a posição dos profissionais do direito (“internal legal culture”) e

para avaliar a sua resistência às reformas é necessário analisá-las

considerando a sua eficiência. “A distinction is sometimes made between

'effectiveness' (which is relative to aim), and acceptable, and 'efficiency ' which

is assumed to sideline questions of ideal aims into sordid questions of costs and

benefits. Because the law must be equal for all, there is resistance to

introducing special procedures for different types of cases at either a formal or

informal level” (2004).

Nos estudos levados a cabo no âmbito do OPJ, este é um dos factores

também identificado como um dos principais bloqueios da eficácia de algumas

reformas35.

Boaventura de Sousa Santos (2000) faz uma extensa reflexão sobre o

perfil da cultura judiciária portuguesa, bem como sobre a necessidade de a

mudar e de como a mudar. Porque, como escreve Santos, “não há reformas

que resolvam os problemas se não houver uma cultura judiciária que as

sustente” (2000: 33). Para tal o recrutamento e, sobretudo, a formação dos

magistrados, quer a formação inicial, quer a formação permanente, assumem

um papel central num qualquer projecto de reforma estrutural do sistema

de justiça dirigido, não só ao aumento da eficácia, mas também à

melhoria da qualidade de justiça e à criação de uma nova cultura

judiciária.

35 Salientam-se, por exemplo, as reformas relativas às formas especiais de processo e às penas alternativas à prisão. Cf. os projectos de investigação realizados no âmbito do OPJ “As Reformas Processuais e a Criminalidade na Década de 90 - As formas especiais de processo e a suspensão provisória do processo: problemas e bloqueios” (Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, 2002a) e “As Tendências da Criminalidade e das Sanções Penais na Década de 90 - Problemas e bloqueios na execução das penas de prisão e da prestação de trabalho a favor da comunidade” (Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, 2000).

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Algumas orientações das instituições comunitárias quanto à gestão processual e à informatização da justiça

57

4. Algumas orientações das instituições comunitárias quanto à

gestão processual e à informatização da justiça

A atenção das instituições europeias ao funcionamento da justiça e ao

desempenho dos sistemas judiciais nos Estados-Membros tem vindo a ser

crescentemente reflectida nas respectivas agendas de reforma, o que se traduz

na emissão de diferentes recomendações e na elaboração de resenhas de

boas práticas.

No âmbito do Comité de Ministros do Conselho da Europa e da

Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça (CEPEJ), a problemática da

gestão processual e do recurso às Novas Tecnologias da Informação e da

Comunicação (TIC) tem vindo a merecer um particular destaque. A

progressiva relevância da administração da justiça civil no contexto das

sociedades modernas e o seu contributo indispensável para o dinamismo

económico e social justificam, em grande medida, o investimento político dos

actores europeus no sentido da adopção de instrumentos técnicos e

administrativos capazes de optimizar os recursos disponíveis nos sistemas

judiciais, bem como assegurar um incremento de práticas aceleradoras e

qualificadoras da resposta dos tribunais à procura judicial, nos seus diferentes

domínios.

4.1 As recomendações do Conselho da Europa

O Observatório Permanente da Justiça Portuguesa tem vindo a

acompanhar os novos movimentos da litigância à escala europeia, bem como o

desempenho funcional das instâncias judiciais nos diferentes Estados-

Membros. Em 2001, num relatório com incidência na administração e gestão da

justiça36, procedeu-se a uma análise comparada das tendências de reforma

não apenas no espaço integrado europeu, como também na Noruega e nos

EUA. Nesse contexto, foi objecto de um estudo detalhado a intervenção do

Conselho da Europa para a promoção da eficiência e eficácia da administração

36 Cf., Observatório Permanente da Justiça Portuguesa (2001), A Administração e Gestão da Justiça – Análise comparada das tendências de reforma.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

58

da Justiça. Analisaram-se as várias recomendações e procurou-se escrutinar o

calendário de actividades desenvolvidas a propósito do quadro de reformas a

empreender pelos Estados-Membros. Especificamente em matéria processual

civil, no Relatório elaborado em 1995 pelo Comité Europeu de Cooperação

Jurídica em colaboração com o Comité Europeu para os Problemas Criminais,

salienta-se a importância do legislador interno em estabelecer regras que

definam os métodos sobre os quais se devem basear os tribunais para gerir os

processos, defendendo também que o tratamento das causas deve seguir

processos diferenciados, de acordo com a sua complexidade.

A utilização de mecanismos informáticos e de gestão

Dada a sua relevância, as Recomendações n.os 2 e 3, de 2001, desse

mesmo órgão, foram, também, objecto de estudo nesse nosso relatório de

2001, embora sob uma outra óptica. Nelas é impulsionado o recurso à

tecnologia enquanto instrumento auxiliar da administração e gestão da

justiça, apelando-se ao uso das novas tecnologias na concepção dos

sistemas judiciários e nos serviços prestados aos cidadãos.

As vantagens e inconvenientes de opções de ordem prática relativas aos

sistemas informáticos de gestão são analisadas na primeira dessas

recomendações. Do estudo efectuado, destacam-se o contraponto entre

sistemas padronizados ou ad hoc; entre a automatização de procedimentos já

estabelecidos e a reestruturação dos procedimentos; e, ainda, entre a opção

por uma gestão centralizada ou descentralizada.

Os sistemas padronizados caracterizam-se por uma maior facilidade de

utilização e manutenção, por apresentarem custos mais reduzidos na sua

criação/aquisição e manutenção, e, ainda, por poderem proporcionar uma

maior e melhor comunicação inter-organizacional. São, no entanto, mais

desvantajosos devido à sua rigidez: nem sempre podem ser adaptados às

aplicações e, muitas vezes, podem não ser satisfatórios face às respostas

exigidas pelos utilizadores.

Os sistemas ad hoc, por seu turno, apesar de desenhados

especificamente para os fins a que se destinam, revelam-se mais dispendiosos

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Algumas orientações das instituições comunitárias quanto à gestão processual e à informatização da justiça

59

e requerem competências e formação adequada para a sua utilização. Quando

é necessário fazer alterações posteriores, obriga à contratação de

especialistas, o que os torna mais onerosos.

A automatização de procedimentos já estabelecidos revela-se

particularmente benéfica pela facilidade com que é apreendida pelos

utilizadores, bem como pela menor resistência à sua utilização. No entanto, o

facto de os procedimentos se encontrarem pré-concebidos poderá impedir ou

dificultar a respectiva automatização.

A longo prazo, porém, a reestruturação dos procedimentos tendo em

vista a sua automatização, torna-se menos dispendiosa e mais adequada para

os utilizadores. Outra vantagem do recurso a esta medida reside na visão de

conjunto que proporciona à sua concepção e administração, facilitando o

desenvolvimento de links. A reestruturação constitui, todavia, uma solução

mais morosa, podendo causar perturbações nos serviços e insatisfação dos

recursos humanos, para além de poder exigir alterações legislativas de monta.

Uma gestão centralizada facilita a planificação geral e o controlo, a

flexibilização da utilização dos recursos humanos, bem como a possibilidade de

oferecer serviços similares em todos os locais. Não obstante, a

sobreconcentração acarreta alguns riscos, como um bloqueio generalizado do

sistema, tal como pode acentuar a distância entre os serviços e os seus

destinatários, criando uma dependência excessiva dos dispositivos de

intercomunicação. Este modelo de gestão poderá também provocar um

esvaziamento das funções de coordenação locais, desmobilizando os recursos

humanos intermédios. Para além disso, a compreensão e a resposta às

necessidades locais poderão revelar-se insuficientes.

Pelo contrário, um modelo de gestão descentralizado possui maior

capacidade de compreensão e de resposta às necessidades locais,

encorajando a produtividade dos recursos humanos intermédios e

aproximando-se dos utilizadores finais. Não está, no entanto, isenta de efeitos

de duplicação do trabalho, ou mesmo de perda de flexibilidade dos recursos

humanos. A inexistência de padrões mínimos comuns relativamente a outras

unidades poderá estar na origem de incompatibilidades operativas entre elas.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

60

Acresce que as tarefas de gestão, ao nível local, requerem muita experiência

por parte dos recursos humanos envolvidos, o que se poderá revelar, nalguns

casos, de difícil execução.

O conceito de e-governance

Uma visão mais estratégica e integrada acerca do valor das novas

tecnologias na governação ganhou força nos últimos anos, tendo sido, a partir

dela, formulado e generalizado o conceito de e-governance. Esta nova

abordagem administrativa, visando uma reaproximação das instituições

aos cidadãos, produziu um impacto considerável também no âmbito da

justiça, produzindo alterações, tanto nas relações entre autoridades,

como na sua interacção com a sociedade civil. A Recomendação (2004) 15

versa especificamente sobre esta modalidade, sublinhando a sua importância

modernizadora das operações de gestão. Visa, por isso, impulsionar os

Estados-Membros a elaborar estratégias de gestão electrónicas, que

permitam uma utilização eficaz das TIC no seio de cada organização e nas

relações entre os diferentes poderes públicos, tal como entre estes e os

cidadãos. O carácter genérico dos conteúdos veiculados pela referida

Recomendação sinaliza a importância transversal dos mecanismos

electrónicos na modernização dos serviços públicos. Em todo o caso, não são

feitas referências específicas à sua adopção no domínio da justiça, o que pode

reduzir as potencialidades persuasivas desta Recomendação.

4.2 Os estudos da CEPEJ

Em 2006, foi publicado pela CEPEJ um compêndio de boas práticas de

gestão do tempo nos processos judiciais, adoptado na oitava reunião plenária

daquela Organização. Este documento reúne algumas orientações políticas e

práticas, desenvolvidas em tribunais ou recomendadas pelo Conselho da

Europa, bem como decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. As

questões identificadas são agrupadas em cinco linhas temáticas:

estabelecer calendarizações realistas e mensuráveis para a realização

dos actos processuais; assegurar a aplicação dos prazos fixados;

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Algumas orientações das instituições comunitárias quanto à gestão processual e à informatização da justiça

61

proceder à monitorização e disseminação de dados; desenvolver medidas

referentes à avaliação e resposta do volume processual e da carga de

trabalho; e promover políticas e práticas de gestão processual.

Políticas e práticas de gestão processual

Para o desenho e a promoção de políticas de gestão processual

eficazes, a CEPEJ entende que se deverá tomar em consideração, na

formulação de linhas de actuação, o envolvimento dos diferentes interessados.

Nesse sentido, deverão ser os próprios tribunais a desenvolver as suas

estratégias de gestão, atendendo às respectivas especificidades, às

dinâmicas contextuais e aos usos e costumes do foro. Não obstante,

adverte-se para a necessidade de ser estabelecido um enquadramento

geral, aplicável em todos os tribunais.

A CEPEJ chama também a atenção para a necessidade de adaptação

da tramitação processual à complexidade dos casos. A gestão de cada

processo deve ser diferenciada, considerando, por exemplo, o valor, o

número de interessados, bem como as questões jurídicas envolvidas.

Devem igualmente ser estabelecidos processos de carácter sumário para

lidar com casos que revelem pouca complexidade.

É de salientar a menção à Recomendação (1984) 5 do Comité de

Ministros, na qual se aconselha a criação de um processo-tipo, baseado em

dois grandes momentos processuais: o primeiro consiste numa audiência

preliminar de natureza preparatória; o segundo centra-se na exposição das

posições das partes, na apresentação de prova e, quando possível, na emissão

de uma decisão. É, ainda, de mencionar a importância de um papel mais

activo por parte dos magistrados judiciais e dos tribunais na gestão

processual. Por outro lado, a imposição de sanções pelo não cumprimento de

prazos pelas partes, testemunhas ou peritos constitui uma medida que visa

agilizar o andamento dos processos.

Outra das linhas de actuação apontadas pela CEPEJ prende-se com a

necessidade de redução do número de adiamentos de audiências, de

forma a acelerar a tramitação dos processos, optimizar a utilização do

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

62

tempo do juiz e evitar atrasos injustificados na obtenção de decisões

judiciais. Sublinhe-se que estas medidas vão ao encontro das preocupações

expressas pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

De forma a melhor racionalizar o andamento do processo, é também

aconselhada a realização de uma conferência prévia entre as partes, com

o objectivo de calendarizar os actos processuais, evitando o desperdício

de tempo e de recursos. São apontados os seguintes resultados práticos: um

aumento dos acordos extrajudiciais; a redução dos adiamentos; a concentração

das sessões de julgamento; e, consequentemente, o respeito pela

calendarização previamente acordada. Para além disto, a CEPEJ identifica

como causas de atraso o não cumprimento dos prazos para a apresentação de

prova e relatórios conexos por parte de advogados, das partes e de peritos. No

sentido de ultrapassar este problema, é recomendada uma política rígida tanto

de incentivos como de sanções relativamente ao cumprimento dos prazos

estabelecidos.

O uso de formatos concisos e padronizados nas decisões judiciais

é igualmente visto como útil para o cumprimento das calendarizações

estabelecidas no processo. Para além disso, a produção de decisões

judiciais pode ser ainda beneficiada pela sua focalização nas questões

essenciais, diminuindo, assim, todo o peso argumentativo da decisão que pode

ser feito em parte por remissão.

A utilização de tecnologia áudio e vídeo nos tribunais pode constituir um

importante meio de poupança de tempo e dinheiro, tanto para os próprios como

para as partes. O recurso às TIC para a gestão processual e, ainda, para a

recolha de prova, permite igualmente um aumento dos níveis de eficiência da

administração da justiça, designadamente por via da automatização de tarefas

repetitivas. Por outro lado, o uso da Internet pode facilitar a troca de dados e

informação entre os tribunais e as partes.

Políticas referentes ao volume processual e à carga de trabalho

A CEPEJ alerta para o facto de as variações de volume processual

e de carga de trabalho nos tribunais obrigarem a uma monitorização e

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Algumas orientações das instituições comunitárias quanto à gestão processual e à informatização da justiça

63

gestão cuidadas, que tenha em conta os fluxos da procura e a capacidade

de resposta dos tribunais. Neste sentido, entende que o acompanhamento

sistemático poderá ser feito, tanto com recurso à recolha de dados através de

meios automatizados de gestão processual, como por intermédio de sistemas

mais simples e tradicionais, baseados em papel.

Por forma a prever, gerir e reduzir a carga de trabalho, será vantajoso

programar e respeitar calendarizações realistas, exequíveis e eficientes. Para a

previsão e monitorização do volume processual e da carga de trabalho, é

essencial que seja definida a capacidade de trabalho dos recursos

humanos do tribunal e uma distribuição adequada dos recursos materiais

disponíveis. A implementação destas medidas poderá socorrer-se de

diferentes métodos de mensuração processual, de programas informáticos

especializados (Delphi), mapas de tempo, entre muitos outros37.

A flexibilidade constitui um requisito importante, quer na

concretização dos diferentes mecanismos de avaliação do volume

processual e da carga de trabalho, quer nas respostas a desenvolver. A

sua importância prende-se, sobretudo, com a emergência de alterações

significativas, não previstas ou imprevisíveis no volume processual do tribunal,

o que requer a mobilização de instrumentos e medidas correctivas. De entre

aquelas, é de sublinhar a recomendação de criação de task-forces de juízes

e, em ordenamentos jurídicos onde seja mais rígida a interpretação sobre o

princípio do juiz natural, e uma maior flexibilidade das normas processuais

de distribuição dos processos. Outra medida poderá passar pela extensão

das competências dos funcionários judiciais, afectando-os a determinadas

tarefas, prescindindo da intervenção do juiz, ou reduzindo a sua supervisão.

Podem, ainda, ser limitadas as actividades extrajudiciais dos juízes e dos

tribunais, de forma a concentrar os seus recursos na função jurisdicional.

37 Sobre esta questão, cf. para o caso português, Observatório Permanente da Justiça Portuguesa (2002) Os actos e os tempos dos juízes: contributos para a construção de indicadores da distribuição processual nos juízos cíveis” e GIPC (2007) Estudo de Contingentação Processual.

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A distribuição da procura no sistema judiciário português: algumas regras e princípios em debate

65

5. A distribuição da procura no sistema judiciário português:

algumas regras e princípios em debate

Salientamos, neste ponto, as questões principais que emergiram do

trabalho de campo no que respeita à distribuição dos processos, quer entre os

diferentes tribunais, quer internamente pelas diferentes unidades orgânicas e

pelos juízes sobre as quais consideramos importante fazer-se alguma reflexão,

dada a sua directa relação com a temática em análise, e que, no

desenvolvimento de políticas sistémicas e integradas de gestão processual,

consideramos deverem sempre ser tidas em conta.

5.1 A distribuição da procura entre tribunais

A distribuição da procura judiciária pelos diferentes tribunais

começa, a um nível macro, por ser condicionada pelas políticas relativas

a dois aspectos essenciais: mecanismos de resolução alternativa de

conflitos (ADR) e organização judiciária.

A maior ou menor densificação dos meios alternativos de resolução

de conflitos tem influência no desempenho funcional dos tribunais

judiciais. O volume e a natureza dos conflitos serão diferentes num sistema

judicial em que parte substancial da procura é “desviada” para aqueles meios

ou onde tal ocorra menos. Como se sabe, nos últimos anos, Portugal tem vindo

a apostar na criação de soluções “alternativas” ao modelo formal da justiça,

concretizando-as em medidas como a criação de centros de arbitragem,

julgados de paz, conciliação e mediação e desjudicialização de determinados

conflitos. Todos estes ADR, a par dos tribunais judiciais, devem ser

considerados parte de um sistema integrado de resolução de litígios no âmbito

da política pública de justiça, de modo a que as políticas sobre uns não possam

perder de vista os outros.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

66

A organização judiciária: alguns ajustamentos no período de

transição da reforma

As políticas relativas à organização judiciária são, ao nível macro, a

segunda condicionante da distribuição da procura judicial. Desde logo, a

maior ou menor especialização dos tribunais judiciais, quer considerando

as principais áreas do direito (cível, criminal, laboral, administrativo,

família, comercial), quer dentro de cada área (por exemplo, a existência de

especialização para tramitar as acções executivas ou para a propriedade

industrial), irão determinar formas diferentes de distribuir a procura judiciária

num dado país38.

Como se sabe, está em curso um processo de reforma do mapa e

organização judiciária39 que, a título experimental, irá vigorar em três

comarcas-piloto (Alentejo Litoral, Baixo Vouga e Grande Lisboa Noroeste), até

31 de Agosto de 201040, sujeito a avaliação, facto que em si mesmo merece

aplauso.

Consideramos, contudo, que numa perspectiva de eficiência e eficácia, é

importante, sem colocar em causa os objectivos e o paradigma da reforma,

fazer alguns ajustamentos em matéria de organização judiciária, aliás, na

linha de continuidade do que já se vem fazendo com a extinção de algumas

Varas41. A recente alteração das alçadas dos tribunais42 veio salientar a

38 Sobre a organização judiciária na experiência comparada, cf. o estudo do OPJ “ A Geografia da Justiça” (Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, 2006). Sobre esta matéria (mapa e organização judiciária), o OPJ apresentou, naquele estudo, uma proposta onde se incluem um conjunto de princípios fundamentais que consideramos deverem presidir à reorganização judiciária do sistema judicial português. 39 O actual modelo da organização judiciária encontra-se previsto na Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – LOFTJ) com a Rectificação n.º 7/99, de 16 de Fevereiro, e alterada, sucessivamente, pela Lei n.º 101/99, de 26 de Julho, pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 08 de Março, pela Lei n.º 105/2003, de 10 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, pela Lei n.º 42/2005, de 29 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, pelo Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro e pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto. Em 12/03/2008, o Governo apresentou a Proposta de Lei n.º 124/2008 que se propõe a alterar o actual mapa e organização judiciária. 40 Nos termos do artigo 183.º, n.º 2 e 3, da Proposta de Lei n.º 124/2008, a nova organização judiciária aplicar-se-á, a título experimental às comarcas piloto até 31 de Agosto de 2010, alargando-se a todo o território nacional a partir de 1 de Setembro de 2010, tendo em atenção o relatório de avaliação do impacto da aplicação da lei às comarcas piloto, a que se refere o artigo 169.º 41 Nos termos do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 250/2007, de 29 de Junho, com este diploma pretendeu-se implementar “com carácter de urgência, um conjunto de medidas que permitem reduzir as pendências para níveis inferiores ao fluxo processual normal, em si bastante

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A distribuição da procura no sistema judiciário português: algumas regras e princípios em debate

67

necessidade de avaliação da actual situação e de eventuais ajustamentos. É

acentuada a percepção dos agentes judiciais, nalguns dos tribunais onde se

realizou trabalho de campo, do decréscimo da procura judiciária. A título de

exemplo, o secretário de um dos tribunais em que fizemos um dos estudos de

caso refere que as varas cíveis deste tribunal “estão-se a extinguir a elas

próprias (…). os processos que entram são poucos (…)”. Actualmente, apenas

entra um a dois processos por secção, por semana”. (Ent. 41)

Acresce que a alteração das regras da competência territorial43, que

“desviou” de algumas comarcas urbanas do litoral, com é o caso da comarca

do Porto, uma parte significativa da litigação vem também requerer essa

avaliação, quer considerando o volume e natureza da litigação, quer a oferta

institucional, em especial no que respeita aos recursos humanos (considerando

o número e categoria) e eventual reajustamento. Há tribunais próximos e, por

vezes, secções do mesmo tribunal, em que a relação volume de processo/

número e categoria de funcionários é bastante desigual. Mais à frente

voltaremos a esta questão.

elevado. Desde há alguns anos que se vem verificando a existência de um significativo défice de recursos humanos em diversos tribunais, especialmente nas grandes áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, enquanto em outros tribunais destas grandes áreas se verifica situação inversa. Assim sendo, foram encontradas novas soluções que permitem a realização de ajustamentos na organização interna em alguns dos tribunais que permitirão reduzir os recursos humanos em alguns deles afectando-os aos mais carenciados. (…) Porque se trata da instituição de medidas de carácter urgente, importa aproveitar os recursos humanos existentes e proceder a uma melhor redistribuição dos mesmos. Assim, procede-se à extinção de juízos e varas onde a pendência tem sido manifestamente decrescente, para afectar magistrados e funcionários aos tribunais onde a tendência é claramente inversa”. Com estes fundamentos, através deste diploma, procedeu-se, nomeadamente, à criação do Tribunal de Família e Menores de Almada, bem como de novos juízos dos Tribunais de Família e Menores de Cascais, Loures e Vila Franca de Xira e dos Tribunais do Trabalho de Vila Franca de Xira e de Comércio de Lisboa e Vila Nova de Gaia; procedeu-se à conversão dos juízos do tribunal de comarca da Maia e dos juízos do tribunal de comarca da Póvoa do Varzim em juízos de competência especializada criminal e cível; à extinção da 15.ª a 17.ª Vara Cível e da 9.ª Vara Criminal de Lisboa, do 4.º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, os 11.º e 12.º Juízos de Pequena Instância Cível de Lisboa, as 6.ª a 9.ª Varas Cíveis do Porto e o 4.º Juízo Criminal do Porto. 42 Pelo Decreto-lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, procedeu-se à alteração do artigo 24.º da LOFTJ, estipulando-se que, em matéria cível, a alçada do Tribunal da Relação é de € 30.000 e a dos tribunais de 1.ª instância é de € 5.000. 43 A Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, que procedeu à alteração do Código de Processo Civil, alterou o disposto no artigo 74.º daquele Código, que passou a prever que “a acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicílio do réu, podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana”.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

68

Aliás, no caso da comarca do Porto, a franca diminuição do volume de

litigação ocorre, não só nas varas cíveis, como também nos juízos cíveis. Para

a diminuição do volume de processos nestes juízos, para além daqueles

factores, os operadores mencionam a cultura e prática da advocacia que,

não querendo estudar e adaptar-se a uma nova forma processual (o regime

processual civil experimental), tentam propor as acções em comarcas limítrofes

“contornando” as regras da competência territorial. Como nos referiu um

escrivão de direito, “alguns advogados só dão aqui entrada das acções que

forçosamente aqui têm que entrar, como as acções de despejo” (Ent. 35). De

acordo com os escrivães entrevistados a procura neste tribunal, em

decorrência de todos aqueles factores, terá diminuído cerca de 40%44.

Contudo, a alteração das alçadas irá, por certo, desencadear novos fluxos de

procura para estes tribunais.

Consideramos, por isso, necessário que neste período de transição

se desenvolva um sistema que permita uma avaliação real e periódica do

volume e da natureza da litigação, bem como dos recursos humanos de

todos os tribunais cíveis.

Um outro ajustamento, que consideramos fundamental, prende-se

com a necessária separação, sobretudo nas comarcas de elevado volume

processual, entre as acções declarativas e as acções executivas. Nalguns

dos tribunais que constituíram os estudos de caso, a litigação era largamente

dominada pelas acções executivas, cerca de 70%, responsáveis pela grande

maioria dos despachos de mero expediente.

Pelas razões que explicámos no nosso estudo sobre a acção

executiva45, consideramos que é uma medida de eficácia, eficiência e de

44 A Direcção-Geral da Política de Justiça tornou público, em Junho de 2007, o relatório preliminar tendente à avaliação e análise do sistema instituído pelo Regime Processual Experimental nos quatro tribunais escolhidos pela Portaria n.º 995/06, de 13 de Setembro. Nesse relatório, conclui-se que “da análise do movimento processual nos tribunais em que se aplica o RPCE para o período compreendido entre Outubro de 2006 e Março de 2007 (…) ocorreu uma diminuição do número de acções de RPCE entradas, o que surge na sequência da diminuição consistente da entrada de acções declarativas observada nos últimos anos, em função da desjudicialização de alguns conflitos e do aumento de possibilidade de intentar acções executivas, sem necessidade de recorrer a acções declarativas”. O mencionado relatório alerta, no entanto, para o facto de “os dados recolhidos sobre os processos entrados e findos ainda não nos permitem concluir, face ao seu curto espaço de vigência, se o RPCE tem já qualquer reflexo ou impacto significativo ao nível das estatísticas judiciais, designadamente da morosidade processual” (2007: 80-81). 45 Cf. Observatório Permanente da Justiça Portuguesa (2007).

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A distribuição da procura no sistema judiciário português: algumas regras e princípios em debate

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qualidade da justiça, no seu conjunto, que se criem juízos de execução nas

comarcas com elevado volume processual. Separar o processo declarativo do

processo executivo é uma medida de qualidade e racionalidade fundamental.

No nosso entender, nenhum dos ajustamentos acima mencionados

coloca em causa o paradigma da reforma em curso e, numa perspectiva de

qualidade e eficiência da justiça do país, não devem ser considerados

desnecessários em função dela.

5.2 A distribuição dos processos dentro do tribunal

Como vimos no ponto 3.4, a distribuição dos processos pelas diferentes

unidades orgânicas e pelos juízes de um dado tribunal levanta questões várias

e está sujeita a mecanismos diferenciados nos vários sistemas judiciais. Esta

foi, também, uma questão em debate no âmbito do presente estudo.

Confrontam-se dois propósitos: por um lado, o de assegurar que a

distribuição dos processos se faça sem colocar em causa o direito e

garantia das partes a um processo justo e imparcial; por outro, igual

direito a uma justiça eficiente e de qualidade.

Os sistemas judiciais que prevêem, tal como o sistema judicial

português, regras de distribuição, gerais e abstractas, visam, assim, garantir

que a carga de trabalho seja tendencialmente igualitária entre os juízes e a

secção de processos e a aleatoriedade da distribuição como via essencial para

garantia da imparcialidade dos tribunais.

O problema é que as regras gerais e abstractas não respondem a

algumas necessidades excepcionais de qualidade e eficiência. Defendem-

se, por isso, regras que, sem colocar em causa o direito a um processo justo e

imparcial, permitam uma maior flexibilidade da distribuição dos processos

dentro do tribunal. As situações de excepcionalidade podem decorrer da

especial complexidade dos litígios, do aumento do volume de trabalho ou da

impossibilidade temporária dos magistrados titulares do processo. Levantam-

se, assim, questões no que se refere à distribuição dos processos entrados e

quanto aos processos pendentes.

No que se refere à distribuição de processos entrados, a principal

questão coloca-se quanto à distribuição de determinados litígios que, pela sua

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

70

complexidade, decorrente da natureza da litigação, do número ou do tipo de

intervenientes, exijam uma resposta judicial para a qual determinado juiz está

mais bem preparado.

Quanto aos processos pendentes, como acima já referimos, as

situações que requerem especial intervenção podem decorrer da

impossibilidade temporária do magistrado ou da especial complexidade do

caso que se tenha revelado depois da distribuição.

Com este pano de fundo, foram as seguintes as questões em discussão

no âmbito do presente estudo, todas interligadas entre si: a) a insuficiência das

regras de distribuição e as distribuições paralelas; b) as limitações decorrentes

do princípio do juiz natural; e c) o papel do juiz presidente.

A distribuição dos processos: as normas legais e as distribuições

informais

Para que melhor se compreenda toda a problemática em volta desta

questão, vejamos, em traços gerais, as actuais regras de distribuição nos

tribunais judiciais portugueses.

Com a entrada em vigor das alterações ao Código de Processo Civil

(CPC) introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto e com a

publicação da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro, a distribuição nos

tribunais de primeira instância passou a ser feita diariamente (duas vezes

por dia) e de forma automática. Nos termos da lei, o objectivo da distribuição é

o de “repartir com igualdade o serviço do tribunal”, designando “a secção e a

vara ou o juízo em que o processo há-de correr ou o juiz que há-de exercer as

funções de relator” (cf. artigo 209.º do CPC). Esta operação é realizada por

meios electrónicos que devem “garantir a aleatoriedade no resultado e a

igualdade na distribuição do serviço” (cf. artigo 209.º-A, n.º 1). Estão sujeitos a

distribuição, na 1.ª instância, todos os actos processuais que importem começo

de causa e, em regra, os actos processuais que venham de outro tribunal46.

46 Com excepção das cartas precatórias, mandados, ofícios ou telegramas, para simples citação, notificação ou afixação de editais (cf. artigo 211.º, n.º 1, al. b)). Não dependem de distribuição “as notificações avulsas, as arrecadações, os actos preparatórios, os procedimentos cautelares e quaisquer diligências urgentes feitas antes de começar a causa ou antes da citação do réu” (cf. artigo 212.º CPC).

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A distribuição da procura no sistema judiciário português: algumas regras e princípios em debate

71

Para assegurar o cumprimento dos objectivos acima referidos, a lei de

processo prevê que os processos sejam distribuídos por espécies, prevendo,

para o efeito, 10 espécies distintas47. Assim, distribuídos todos os papéis de

uma determinada espécie (que tenham dado entrada no tribunal desde a última

distribuição), passa-se à distribuição das espécies seguintes. Terminada a

distribuição de todas as espécies de processos, é publicado o resultado por

meio de uma pauta que agora é “disponibilizada electronicamente e por meios

electrónicos em página informática de acesso público (…)” (cf. artigo 219.º do

CPC).

A lei não prevê, assim, com excepção daquela divisão em espécies,

nenhum critério geral e abstracto que mande atender à complexidade do

processo ou à especificidade da matéria em causa.

Afastando-se um pouco das regras processuais civis, a distribuição nos

Tribunais Administrativos e Fiscais já atende, embora dentro de

determinados limites, à natureza do litígio, conferindo, ainda, um papel

importante ao presidente do tribunal. Nos termos do artigo 26.º do Código de

Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), os critérios a ter em linha de

conta são os seguintes:

� Espécies de processos, classificados segundo critérios a definir

pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais,

sob proposta do presidente do tribunal;

� Carga de trabalho dos juízes e respectiva disponibilidade para o

serviço;

47 Cf. artigo 222.º CPC: “Na distribuição há as seguintes espécies: 1.ª Acções de processo ordinário; 2.ª Acções de processo sumário; 3.ª Acções de processo sumaríssimo e acções especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos; 4.ª Acções de processo especial; 5.ª Divórcio e separação litigiosos; 6.ª Execuções comuns que, não sendo por custas, multas ou outras quantias contadas, não provenham de acções propostas no tribunal; 7.ª Execuções por custas, multas ou outras quantias contadas, execuções especiais por alimentos e outras execuções que não provenham de acções propostas no tribunal; 8.ª Inventários; 9.ª Processos especiais de insolvência; 10.ª Cartas precatórias ou rogatórias, recursos de conservadores, notários e outros funcionários, reclamações e quaisquer outros papéis não classificados”. De notar que o Decreto-Lei n.º 108/2006, de 8 de Junho, relativo à aprovação do regime processual experimental, prevê, no artigo 4.º, a criação da 11ª espécie na distribuição, destinada aos papéis entrados ao abrigo daquele regime.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

72

� Tipo de matéria a apreciar, desde que, no tribunal, haja um

mínimo de três juízes afectos à apreciação de cada tipo de

matéria.

Uma outra inovação reside no papel conferido ao Presidente do Tribunal

na aplicação daqueles critérios, determinando a lei que essa aplicação “(…) é

assegurada pelo presidente do tribunal, no respeito pelo princípio da

imparcialidade e do juiz natural”.

Temos, assim, um processo de distribuição que se afasta do

processo de distribuição previsto no Código de Processo Civil em dois

aspectos essenciais: primeiro, porque atende a critérios que vão para

além da aleatoriedade no resultado e da igualdade na distribuição de

serviço; segundo, porque atribui especiais e mais amplos poderes ao

presidente do tribunal48.

Decorre do exposto que as regras de distribuição previstas

actualmente no Código de Processo Civil não incorporam critérios

especialmente dirigidos a assegurar a eficiência e a qualidade da

resposta judicial. Parte-se do pressuposto que esses objectivos são

assegurados pela especialização das jurisdições, quando ela ocorre, e

pela geral qualidade e capacitação de todos os magistrados, que deverão

estar aptos a dirigir e decidir qualquer tipo de litígio.

Para acorrer a situações excepcionais, a lei atribui ao Conselho Superior

da Magistratura competência para “alterar a distribuição de processos nos

tribunais com mais de um juízo, a fim de assegurar a igualação e

operacionalidade dos serviços” e “estabelecer prioridades no processamento

de causas que se encontrem pendentes nos tribunais por período considerado

excessivo, sem prejuízo dos restantes processos de carácter urgente” (alíneas

a) e h) do artigo 149º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ)).

48O disposto nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 36.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) atribui ao presidente de cada Tribunal Central Administrativo, entre outras, as seguintes competências: propor ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais os critérios que devem presidir à distribuição; planear e organizar os recursos humanos do tribunal, assegurando uma equitativa distribuição de processos pelos juízes e o acompanhamento do seu trabalho; e providenciar pela distribuição equitativa dos processos, no caso de alteração do número de juízes.

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A distribuição da procura no sistema judiciário português: algumas regras e princípios em debate

73

Os estudos, as recomendações do Conselho da Europa e a experiência

de alguns sistemas judiciais mostram, contudo, como referimos no ponto 3, a

necessidade de maior flexibilidade das regras de distribuição.

Entre nós, como se verá, o discurso sobre esta questão ainda está muito

vinculado a regras de distribuição rígidas referenciadas à interpretação do

princípio do juiz natural. Mas, mesmo para dar resposta a um dos objectivos

previstos na lei (igual distribuição de carga de trabalho), a prática mostra

a insuficiência dessas regras, levando a outras formas de distribuição

informal.

Podemos verificar, por exemplo, que num dos tribunais onde efectuámos

trabalho de campo (o Tribunal A), os processos relativos a expropriações

são considerados “uma situação particular”. O escrivão de direito explicou-

nos que existe uma ordem interna, dada pelo juiz presidente do tribunal, para

que as expropriações não entrem no sistema de distribuição electrónica.

Nestes casos, a distribuição é feita manualmente, de forma sequencial, pelos

vários juízos.

A justificação avançada prende-se com o facto de as expropriações,

como os demais documentos não classificados, nomeadamente as cartas

precatórias, caírem todos na 10.ª espécie. Dada a complexidade daquele tipo

de acções e o facto de nesse tribunal estarem a surgir com frequência, o juiz

presidente considerou que distribuição aleatória, pela via electrónica,

poderia sobrecarregar determinados juízos. O sistema permite, ou pelo

menos permitia aquando da realização do trabalho de campo, a atribuição

manual de um determinado processo a um juízo concreto. De acordo com o

escrivão de direito, o sistema tem essa permissão, porque “quem concebeu a

aplicação deixou esta possibilidade em aberto porque é do conhecimento de

todos os que trabalham nos tribunais que, tendo em conta as

especificidades de cada tribunal e dos seus juízos, é sempre necessário

fazer pequenos ajustes à distribuição electrónica” (Ent. 57).

O mesmo escrivão considera, com base na sua experiência, que caso se

venha a avançar para uma distribuição automática sem possibilidade de

“manipulação manual” se deveria ponderar a criação de outras espécies ou

sub-espécies de litígios para processos especialmente complexos e que caem

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

74

na 10.ª espécie juntamente com outro tipo de processos com uma

complexidade muito reduzida, como é o caso das cartas precatórias.

Um outro problema que, na sua opinião, mostra a insuficiência das

actuais regras de distribuição na igualização do volume de trabalho está

relacionado com os apensos, que não sendo considerados como processos

novos não vão à distribuição e, consequentemente, não são tidos em conta no

volume de trabalho atribuído a cada juízo.

No Tribunal E, a distribuição separada é assumida em despacho de

provimento afixado na Secção Central, relativamente aos seguintes tipos

de acções: insolvências; recursos de autoridades administrativas (que

estão divididos em três tipos – apoio judiciário; registo de pessoas

colectivas e conservatórias); e expropriações. A distribuição para cada uma

daquelas espécies é feita manualmente, através do seguinte procedimento: a

cada juízo e secção corresponde um papel que, colocado num saco de plástico

com os demais, é “sorteado”. Posteriormente, o processo é atribuído no

sistema informático ao juízo e secção assim seleccionados.

A existência desta distribuição “paralela” e manual é justificada pelo

escrivão de direito da seguinte forma: “o programa olha para eles como se

fosse tudo a mesma coisa. Se calhar o programa devia diferenciar. Já

quando era manual havia esse problema. Havia tribunais que faziam

diferenciação, outros não” (Ent. 37).

Outros casos de distribuições paralela foram relatados, como, por

exemplo, o seguinte:

num caso recente e conhecido, os juízes que intervinham no tribunal colectivo pediram

escusa e o pedido foi-lhes deferido. Verifico que para os substituir se procuraram juízes

disponíveis para formar aquele colectivo em outros tribunais, alguns bem longe do

tribunal em causa e sem integrarem a cadeia legal de substituição. Não deveria ser

assim. A afectação de juízes sem seguir os mecanismos de substituição legal previstos

na lei não respeita o princípio do juiz natural. Se há uma redistribuição ad hoc

podemos estar na mesma situação. A lei prevê mecanismos de substituição legal

para situações de impedimento (P1)

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A distribuição da procura no sistema judiciário português: algumas regras e princípios em debate

75

O discurso dos operadores

Interessou-nos conhecer a opinião sobre esta matéria dos operadores

judiciários49. Confrontam-se, no essencial, três posições, que incorporam

duas leituras diferentes do princípio do juiz natural50: a) aqueles que

tendencialmente consideram suficientes os actuais mecanismos de distribuição

e de gestão processual e que qualquer alteração tem sempre que ser feita

através do CSM; b) os que entendem a necessidade de aprofundar a qualidade

da justiça alargando a possibilidade de especialização, mas através de

unidades de especialização dentro do tribunal (estas duas posições fazem

leituras mais restritas do princípio do juiz natural); c) e aqueles que, colocando

a ênfase na eficiência e qualidade da resposta judicial, fazem uma outra leitura

menos rígida daquele princípio e consideram insuficientes os actuais

mecanismos de distribuição e gestão processual, dando particular atenção às

funções do juiz presidente.

Os depoimentos seguintes enfatizam as atribuições do CSM na

distribuição e gestão processual:

Essa gestão já se faz actualmente, como é o caso da distribuição de megaprocessos

que não têm que ver com as regras instituídas na codificação processual civil. Já se faz

uma distribuição à parte destes processos. Já estamos a avançar em termos de gestão

processual. Já se faz a atribuição de colectivos ao julgamento de determinados casos

quando certo processo pode vir a ter impacto no serviço de determinado tribunal ou

secção. (P5)

49 As opiniões dos magistrados que integraram um dos painéis de discussão podem ser lidas na integra no Anexo A. 50 Princípio que, embora não expressamente referido na CRP, encontra-se garantindo pelo texto do artigo 32.º, n.º 9 da CRP . Segundo anotação ao referido preceito constitucional de Jorge Miranda e Rui Medeiros (2005: 363) este princípio “tem por finalidade evitar a designação arbitrária de um juiz ou tribunal para decidir um caso submetido a juízo”. Tanto as normas processuais, como as normas orgânicas, devem, assim, prever regras gerais e abstractas que permitam determinar qual o tribunal competente para, em cada caso concreto, apreciar uma determinada causa. Para o efeito, é necessário atender a critérios objectivos que afastem a possibilidade de uma escolha discricionária do tribunal e, em particular, do juiz. Também Gomes Canotilho e Vital Moreira (1997), escrevem que o princípio ora em análise “(…)consiste essencialmente na predeterminação do tribunal competente para o julgamento (...)”. Ainda, de acordo com estes autores, o princípio do juiz legal comporta várias dimensões fundamentais, designadamente: a) exigência de determinabilidade - o que “(…) implica que o juiz (ou juízes) chamados a proferir decisões num caso concreto estejam previamente individualizados através de leis gerais, de uma forma o mais possível inequívoca; (...)”; b) princípio da fixação da competência – ou observância das competências decisórias legalmente atribuídas a esse juiz e à aplicação dos preceitos que, de forma mediata ou imediata, são decisivos para a determinação do juiz da causa ; c) observância das determinações de procedimento referentes à divisão funcional interna (distribuição de processos).

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

76

As questões de paragem de redistribuição existem e são acompanhadas pelo CSM há

muitos anos. Todos os dias, há juízes auxiliares, há juízes em acumulação a substituir

os juízes em dificuldades. Há colectivos ad hoc e tudo isso é legal e actual. (P1)

Eu acho que o que pode vir a responder a isso é a capacidade do Conselho Superior

da Magistratura desenvolver tecnologia de gestão processual adequada. Podendo

apoiar-se no juiz presidente, para identificar, comarca a comarca, as situações que

mereçam uma alteração à distribuição processual, em função da categoria de acções,

da sua complexidade. Acho que o caminho pode ser esse. (P1)

Ainda o mesmo magistrado:

Esta questão do princípio do juiz natural não tem tanto a ver com a independência do

juiz, é uma garantia para as partes. O juiz será independente, as partes é que não

ficam garantidas se a sua designação não for predeterminada. A questão tem a ver

com a imparcialidade, com a imparcialidade objectiva de todo o tribunal, de eu saber

que o juiz vai actuar de uma forma imparcial não pondo em causa, por causa disso, a

decisão. Penso que poderia ser o juiz presidente a propor ao Conselho os critérios

predeterminados de distribuição”. (P1)

Como já referimos, um segundo grupo considera que os actuais

mecanismos de distribuição e gestão dificultam a atribuição de processos

mais complexos a juízes tecnicamente mais preparados, afectando,

assim, a eficiência e a qualidade da justiça. Contudo, esta necessidade

confronta-se com a leitura que fazem do princípio do juiz natural.

Para ultrapassarem a tensão entre aquele princípio e a eficiência e

qualidade defendem o aprofundamento de unidades de especialização

dentro do tribunal, ainda que especializado, isto é, uma segmentação da

especialização. Assim, de acordo com esta perspectiva, sempre que se

evidenciasse que o volume de trabalho de determinado tipo de litígio se

intensificava ou se considerasse de especial complexidade a justificar alguma

especialização, seria criada, dentro do tribunal, uma secção especializada para

aqueles litígios.

As regras de especialização dos tribunais podem ser mais ou menos ricas, podem

obedecer a critérios de competência, de matéria ou direito substantivo e pode ter a ver

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A distribuição da procura no sistema judiciário português: algumas regras e princípios em debate

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com espécies de processo, valor, tudo isso. Obviamente que a criação de tribunais com

determinada competência leva a determinadas regras de distribuição, isto é, os

processos em vez de serem distribuídos no tribunal de competência genérica, são

distribuídos de acordo com a matéria, valor ou com a espécie processual. A partir do

momento em que o processo entra no tribunal, que é distribuído de acordo com as tais

regras de equilíbrio absoluto, é distribuído ao juiz A ou B, colocado em determinadas

secções, independentemente das características do processo. Depois, dentro do

tribunal, pode haver uma gestão do tribunal que atribua determinadas espécies de

processo ao juiz A e ao C. O que podemos questionar é se esta segunda situação é

possível ou não. Por razões de gestão, é possível ou não, dentro do mesmo tribunal,

que o processo – estando já atribuído por competência especializada e já depois de

distribuído – seja atribuído ao juiz A, B ou C por via das regras de gestão do tribunal e

processual?

Eu penso que relativamente às regras da competência especializada não existe

qualquer travão legal. Quanto mais especialização houver e adequada com o tipo de

litigância, melhores respostas relativamente à procura teremos. Temos uma oferta mais

qualificada. Quanto às regras da distribuição, eu penso que, pode existir alguma

flexibilidade mas sempre com critérios predeterminados; mas aí as coisas já podem ser

mais sensíveis. (...) O que se pode dizer é que em determinado tribunal, por razões de

gestão processual, os processos que entrarem a partir de agora com determinada

característica de litígio, objectiva, predeterminada, passa a ser julgado, apreciado por

uma secção onde serão colocados juízes com a competência A, X, Y, Z, para conhecer

determinado litígio. (…) Não pode é ter só um. (P5)

Penso que só é possível fazer como escolha a secção, não podemos chegar à

subjectivação total de escolher em razão da qualificação de um juiz e não pode ficar a

ideia de que se pode escolher o juiz. Não se pode escolher o juiz. (P3)

Um magistrado, dando ênfase às potencialidades da figura do juiz

presidente considera que:

pode existir uma regra que diga, não obstante a estrutura de um determinado tribunal

estar assente em regras de colocação e distribuição de processos, o juiz presidente de

acordo com o CSM pode criar uma secção para além, no sentido de acorrer a uma

situação temporal, isto é, para dar resposta a mudanças de litigâncias conjunturais. O

que leva a que não seja necessário criar um diploma nesse sentido. (P6)

Para a terceira posição, o que tem que ser garantido ao cidadão é

uma justiça independente e imparcial, mas esta garantia não tem de

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

78

passar por uma interpretação restritiva do princípio do juiz natural. Esta

posição confere ao juiz presidente do Tribunal um papel fulcral na identificação

de situações carentes de soluções específicas para determinada comarca.

Os dois depoimentos que a seguir se transcrevem sintetizam esta

posição.

É necessário repensar o papel do juiz natural, é um princípio claramente respeitável,

com uma dimensão constitucional, mas andando sempre à volta de uma reforma. É

necessário deixar de entender a distribuição de processos como uma espécie de

debate consagrado que vai por em causa a independência aquele princípio. Há

várias formas concretas do juiz fazer a distribuição dos processos de acordo com

vários critérios qualitativos, até de acordo com a própria especialização do processo,

sem pôr em causa o principio do juiz natural de uma forma ampla (...) se tivermos 4

juízes num tribunal podemos arranjar critérios em concreto para naquele tribunal fazer

a distribuição (…) o tribunal pode arranjar mecanismos que não violem o princípio

do juiz natural e que permitam que aqueles 4 juízes trabalhem de forma mais

eficiente nos processos a resolver. (…) Tem de haver a possibilidade de dar poder

ao juiz presidente através de garantias de que não há manipulação na forma de

distribuição. É preciso dar esse salto. (P2)

Em cada circunscrição o juiz presidente deverá poder aproveitar a qualidade,

aproveitar a especialidade, desde que pela existência prévia de alguns

parâmetros que se possa controlar. Os parâmetros de especialização devem ser

predefinidos e a distribuição não pode ser totalmente subjectiva, mas ser, ainda assim,

uma distribuição de especialidade. Alarga-se a especialidade dos tribunais à

especialização dos juízes, segundo regras de uniformidade e transparência.

Garante-se que o acesso possa ser de maior qualidade, mas um acesso

equilibrado, igual para todos. Todos têm acesso a essa qualidade. É de admitir

essa possibilidade e creio que o que agora se apresenta no que respeita às

competências do juiz presidente vai nesse caminho. (P3)

Desde que se salvaguardem as questões legais do juiz natural, concordo que se

encaminhem certos processos para um magistrado particularmente conhecedor e

experiente com essa temática. (Ent. 19)

Com uma posição mais marcada, um magistrado referiu que:

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A distribuição da procura no sistema judiciário português: algumas regras e princípios em debate

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a lei deveria possibilitar ao juiz presidente uma total liberdade de gestão do

processo, mesmo quanto à personalização do juiz para resolver determinado

processo, evitando no entanto sempre violações do princípio do juiz natural. Ou seja,

não vejo qualquer problema que permita dizer: a partir de agora todos processos

de injunção (e não aquele, em concreto) vão ser julgados pelo juiz A que está

disponível para isso, tem capacidade para o fazer, tem conhecimentos técnicos

diferenciados face aos restantes. Julgo que aqui não há problema nenhum de

violação do princípio do juiz natural, desde que se garantam regras gerais, mesmo que

estabelecidas pelo juiz presidente, não assentes em princípios arbitrários. (P2)

Está, portanto, aqui em causa a possibilidade de distribuição de

determinado tipo de acções a um determinado juiz especialmente

habilitado para a resolução das mesmas. Esta foi uma questão que, em

geral, gerou bastantes reticências, defendendo os entrevistados, na sua

maioria, a necessidade de criação de uma secção especializada para se

afectarem um determinado juiz processos de matéria específica. A razão de ser

desta posição funda-se, no essencial, no receio de se perder a imparcialidade

do tribunal.

Fica sempre uma suspeição de parcialidade. Mas podem-se criar secções próprias

para a tramitação de certas matérias, que acabam por ser tribunais especializados.

(Ent. 1)

Encaminhar certos processos apenas para um juiz implica uma quebra da rigidez. É

essa rigidez que dá segurança à justiça. É preferível a criação de competências

especializadas. (Ent. 20)

O papel do juiz presidente na distribuição e gestão processual

Actualmente, a presidência do tribunal, para efeitos administrativos, é,

atribuída ao respectivo juiz de direito quando apenas exista um juiz no tribunal.

Nos tribunais em que haja mais de um juiz de direito, a presidência compete a

cada juiz titular, começando pelo da 1.ª vara ou juízo ou, sendo várias varas ou

juízos, pelo juiz titular da 1.ª secção, seguindo-se, escalonadamente, a ordem

das demais. O exercício destas funções é atribuído por períodos bianuais (cf.

artigo 74.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais

(LOFTJ)). Não obstante, sempre que estiverem instalados no mesmo edifício

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

80

diversos tribunais, a presidência, para efeitos de administração geral do

tribunal, é atribuída ao mais antigo dos respectivos presidentes. As

competências administrativas do presidente do tribunal encontram-se previstas

no artigo 75.º da LOFTJ, sendo-lhe expressamente atribuídas as seguintes:

orientar superiormente os serviços das secretarias judiciais; dar posse ao

secretário judicial; exercer a acção disciplinar sobre os funcionários de justiça

relativamente às penas de gravidade inferior à de multa; e elaborar anualmente

um relatório sobre o estado dos serviços.

Segundo o Novo Modelo de Organização Judiciária, constante da

proposta do Governo avançada pelo Ministério da Justiça em Dezembro de

2007, prevê-se a implementação de um Novo Modelo de Gestão dos Tribunais.

De acordo com esta proposta, o novo modelo de organização territorial e de

gestão dos tribunais a implementar caracteriza-se, no que respeita, em

concreto, à gestão dos tribunais, pela criação de novas figuras como o

Presidente do Tribunal, o Administrador do Tribunal e o Conselho Consultivo.

A figura do Presidente foi pensada para cada tribunal de comarca,

devendo o mesmo ser nomeado pelo CSM. No desempenho das funções que

lhe serão atribuídas será coadjuvado por um Administrador e por um Conselho

Consultivo. O que está em causa é “construir um modelo de divisão e

organização judiciária com capacidade para atender as especiais necessidades

que se venham a detectar em função de uma maior eficiência da resposta

judicial, tendo sido por isso tidos em consideração no novo diploma factores

como: - Racionalização e simplificação da resposta judicial em cada

circunscrição; - Reforço do modelo de especialização; - Criação de

mecanismos eficazes para a gestão dos tribunais, dotando-os de mais

autonomia; - Criação de instrumentos que possibilitem maior flexibilização da

organização dos tribunais e distribuição do volume processual” (Ministério da

Justiça, 2007).

De acordo com os artigos 84.º e 85.º da Proposta de Lei 124/2008, de 12

de Março, “em cada tribunal de comarca existe um presidente, o qual é

coadjuvado por um administrador judiciário”, nomeado pelo Conselho Superior

da Magistratura, pelo período de três anos, de entre juízes habilitados com

curso de formação específica que cumpram um determinado conjunto de

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A distribuição da procura no sistema judiciário português: algumas regras e princípios em debate

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requisitos, nomeadamente, exercício de funções efectivas como Juízes

Desembargadores.

As competências a atribuir a esta nova figura são vastas e constam do

artigo 87.º da referida proposta de lei, dividindo-se em três espécies distintas:

representação e direcção51, de gestão processual52, administrativas53 e

funcionais54.

51 No âmbito destas atribuições compete ao presidente do tribunal: a) Representar e dirigir o tribunal; b) Acompanhar a realização dos objectivos fixados para os serviços do tribunal por parte dos funcionários; c) Promover a realização de reuniões de planeamento e de avaliação dos resultados do tribunal, com a participação dos juízes e funcionários; d) Adoptar ou propor às entidades competentes medidas, nomeadamente, de desburocratização, simplificação de procedimentos, utilização das tecnologias de informação e transparência do sistema de justiça; e) Ser ouvido pelo Conselho Superior da Magistratura, sempre que seja ponderada a realização de sindicâncias relativamente aos juízos da comarca; f) Ser ouvido pelo Conselho dos Oficiais de Justiça, sempre que seja ponderada a realização de inspecções extraordinárias quanto aos funcionários da comarca ou de sindicâncias relativamente às secretarias da comarca; e g) Elaborar, para apresentação ao Conselho Superior da Magistratura, um relatório semestral sobre o estado dos serviços e a qualidade da resposta, dando conhecimento do mesmo à Procuradoria-Geral da República e à Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ). (cf. artigo 87.º, n.º 2). 52 Ao presidente do tribunal, no exercício das suas competências de gestão processual, compete, sem prejuízo do poder jurisdicional de cada juiz: a) Implementar métodos de trabalho e objectivos mensuráveis para cada unidade orgânica, sem prejuízo das competências e atribuições nessa matéria por parte do Conselho Superior da Magistratura, designadamente, na fixação dos indicadores do volume processual adequado; b) Acompanhar e avaliar a actividade do tribunal, nomeadamente a qualidade do serviço de justiça prestado aos cidadãos; c) Acompanhar o movimento processual do tribunal, identificando, designadamente, os processos que estão pendentes por tempo considerado excessivo ou que não são resolvidos em prazo considerado razoável, informando o Conselho Superior da Magistratura e propondo as medidas que se justifiquem; d) Promover a aplicação de medidas de simplificação e agilização processuais; e) Propor ao Conselho Superior de Magistratura a especialização de secções nos juízos; f) Propor ao Conselho Superior de Magistratura a reafectação dos juízes no âmbito da comarca, tendo em vista uma distribuição racional e eficiente do serviço; g) Proceder à reafectação de funcionários dentro da respectiva comarca e nos limites legalmente definidos; e h) Solicitar o suprimento de necessidades de resposta adicional, nomeadamente através do recurso ao quadro complementar de juízes (cf. artigo 87.º, n.º 4). 53 No exercício das competências administrativas, o presidente do tribunal tem as seguintes competências: a) Elaborar o projecto de orçamento; b) Propor as alterações orçamentais consideradas adequadas; c) Participar na concepção e execução das medidas de organização e modernização dos tribunais; d) Planear as necessidades de recursos humanos; e) Gerir a utilização dos espaços do tribunal, designadamente dos espaços de utilização comum, incluindo as salas de audiência; f) Assegurar a existência de condições de acessibilidade aos serviços do tribunal e a manutenção da qualidade e segurança dos espaços existentes; g) Regular a utilização de parques ou lugares privativos de estacionamento de veículos; h) Providenciar, em colaboração com os serviços competentes do Ministério da Justiça, pela correcta utilização, manutenção e conservação dos equipamentos afectos aos respectivos serviços; e i) Providenciar, em colaboração com os serviços competentes do Ministério da Justiça, pela conservação das instalações, dos bens e equipamentos comuns, bem como tomar ou propor medidas para a sua racional utilização (cf. artigo 87.º, n.º 5). 54 As competências funcionais do presidente do tribunal são as seguintes: a) Dar posse aos juízes e funcionários; b) Elaborar os mapas e turnos de férias dos juízes e submetê-los a aprovação do Conselho Superior da Magistratura; c) Autorizar o gozo de férias dos funcionários e aprovar os respectivos mapas anuais; d) Exercer a acção disciplinar sobre os funcionários em serviço no tribunal, relativamente a pena de gravidade inferior à de multa e, nos restantes

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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Independentemente daquelas três posições de fundo supra identificadas,

as posições relativas ao papel do juiz presidente na distribuição e gestão

processual são díspares55. Comum à maioria dos entrevistados é, não

obstante, a posição segundo a qual ao juiz presidente compete a importante

tarefa de identificar situações patológicas no seu tribunal:

Penso que ao juiz presidente podem ser conferidas competências em matéria de

gestão processual. Por exemplo, podendo avaliar quando há sobrecarga de um colega.

No fundo, fazendo uma melhor e mais racional distribuição do serviço. É a forma mais

certa de fazer distribuir o serviço. Tem de haver um responsável pela gestão eficaz do

serviço. O sistema que temos não tem tido bons resultados. (Ent. 29)

De uma forma geral, identificámos três posições quanto ao papel do

juiz presidente na distribuição processual dos processos entrados e na

redistribuição dos pendentes: para uns, tal possibilidade deve estar

absolutamente vedada; para outros, essas competências devem ser exercidas

conjuntamente com o Conselho Superior da Magistratura; e, para outros ainda,

a possibilidade de o juiz presidente definir critérios de distribuição é claramente

defendida.

Expressivo da primeira posição são os depoimentos que se transcrevem:

Isso é perigosíssimo. Falamos de um processo abstracto a que ninguém liga, mas

depois é um processo onde está o Sr. A e o Sr. B e já não é a mesma coisa. (Ent. 46)

Pode facilmente escorregar para a arbitrariedade. (Ent. 47)

casos, instaurar processo disciplinar, se a infracção ocorrer no respectivo tribunal; e e) Nomear um juiz substituto, em caso de impedimento do substituto legal, nos termos do disposto no artigo 76.º (cf. artigo 87.º, n.º 3). 55 Uma das questões que mobilizou o debate dos operadores, durante o trabalho de campo, em torno do juiz presidente foi a do perfil da pessoa que deveria ocupar tais funções, nomeadamente, se a presidência de um tribunal deveria ser entregue a um par ou a um juiz de um tribunal superior. A posição dos operadores não é convergente. Para alguns, só poderá ser um par; enquanto para outros, um juiz de um tribunal superior. Mais consensual é a necessidade de um perfil legitimado pelos seus pares. Um dos magistrados entrevistados sintetiza desta forma as objecções levantadas:

Mas, as pessoas têm opiniões diferentes sobre, por exemplo, quem deve ser o juiz presidente, como é que devem ser ou não eleitos os Juízes Presidentes, critérios que devem presidir à sua escolha. Tudo isso é muito relevante. Mesmo que o aceitem, é legítimo que haja muitas reticências consoante depois a concretização dos diversos pontos que levaram à sua escolha… (P3)

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A distribuição da procura no sistema judiciário português: algumas regras e princípios em debate

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Para outros magistrados entrevistados, no entanto, admitindo as

competências em matéria de distribuição processual do juiz presidente,

consideram que as mesmas deveriam ser exercidas conjuntamente com o

Conselho Superior da Magistratura, devido à proximidade com o núcleo

essencial da função jurisdicional.

O que eu defendo é que a nível da gestão processual tem de haver uma articulação

muito próxima. Seria bom que, relativamente a outras dimensões, o juiz presidente

tenha mais autonomia, relativamente à gestão e de distribuição de processos tem que

haver articulação com o Conselho Superior da Magistratura. Estamos muito próximos

do núcleo da função jurisdicional. Estamos a entrar no gabinete do juiz e a dizer que

tudo vai se desenvolver desta forma quanto a este processo e o sentido da decisão

talvez fique condicionado. Relativamente a outras matérias pode-se dar mais

competência ao juiz presidente, em relação à gestão processual, sobretudo a nível de

distribuição de processos, deve haver uma articulação maior com o CSM. (P5)

Acrescentando que:

não posso admitir que juiz presidente, sozinho, defina mecanismos de distribuição do

processo. Até por razões que têm a ver com a legitimação interna. (P5)

Há, no entanto, magistrados com posições mais radicais quanto à

margem de liberdade de o juiz presidente distribuir os processos pelos vários

magistrados:

se houver colegas que gostam particularmente de algumas matérias não vejo como

não pode o juiz presidente atribuir o processo. (Ent. 49)

A possibilidade de o juiz presidente proceder à redistribuição dos

processos, tendo em vista objectivos de celeridade e eficiência, gera ainda

maior apreensão por parte dos magistrados entrevistados.

É uma questão me merece muitas reservas. A única solução que consigo vislumbrar é

que outro colega venha, em acumulação de funções, ajudar-me a tramitar os meus

processos. Mais do que isso não consigo conceder. Cada um de nós tem a sua forma

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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de trabalhar e não é benéfico que mude o juiz de um processo. O Conselho Superior

da Magistratura deve dar uma ordem a um juiz para que este vá ajudar um outro em

determinadas situações. Deve vir um juiz substituir-me durante o período de tempo que

eu estiver ausente. Quando regressar os meus processos voltam para mim. (Ent. 39)

Esta magistrada não concorda, inclusive, com a possibilidade de se

proceder à paragem da distribuição em situações excepcionais, como por

exemplo, ausência do magistrado:

também não considero que, por exemplo, durante o tempo em que um juiz esteja

ausente por um período de tempo, mesmo que à partida se sabe longo, se possa parar

a distribuição para a sua secção. (…) Para poder aceitar uma outra solução teria que

ter garantias fortes de não discricionariedade o que considero muito complicado. (Ent.

39)

Esta não é, no entanto, a posição de outros magistrados, no que

respeita à possibilidade de paragem de distribuição, que, de todo o modo,

advertem para a importância e dificuldade de definição de critérios:

a dificuldade reside em aferir a complexidade dos processos, quais os critérios

indiciadores de complexidade, entendendo que esses critérios teriam que ser

palpáveis, objectivos, de forma a interromper a distribuição para um juiz. (Ent. 1)

No caso de um magistrado ter processos muito complexos, esse colega devia ficar

dispensado de distribuição durante algum tempo. Porém, é difícil classificar os

processos como muito complexos (processos com mais de 5 réus, por exemplo). A

complexidade tem de ser apurada caso a caso. Essa tarefa de identificar os

processos complexos devia ficar a cargo do juiz presidente. (Ent. 20)

Outra competência do juiz presidente que foi avançada pelos

magistrados entrevistados, que diz directamente respeito à gestão processual,

é a possibilidade de estabelecer alguma uniformidade de procedimentos dentro

do próprio tribunal, como, por exemplo, alertando para a possibilidade de

apensação de acções, promovendo reuniões entre magistrados para discussão

de uma determinada matéria recorrente naquele tribunal e objecto de decisões

divergentes.

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A distribuição da procura no sistema judiciário português: algumas regras e princípios em debate

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Alguns magistrados consideraram particularmente proveitosa a função

dinamizadora do juiz presidente de fomentar o diálogo entre os magistrados

de um tribunal, criando espaços, com dimensão institucional, de debate.

Neste contexto, merece reflexão a experiência dos tribunais

administrativos e fiscais, assim narrada por um dos magistrados entrevistados.

Eu já tive essa experiência nos TAs. Tínhamos quinzenalmente reuniões no TA do

Porto, agendadas pelo juiz presidente com o colectivo de 17 juízes nas quais estava

presente também um professor, cuja presença se revelou de grande utilidade para os

juízes e para aquele professor, onde eram colocadas várias questões práticas. A

preparação destes magistrados para lidar com estas matérias não era ainda muito

sólida, tínhamos sido recentemente formados e o direito administrativo acabara de

passar por alterações muito profundas, daí que sentíssemos como muito úteis as

reuniões onde as várias questões eram discutidas. Por vezes surgiam questões com

que um colega já se tinha deparado e que ainda não se nos tinham colocado, como por

exemplo, problemas sobre quem eram os juízes competentes para certos processos,

designadamente, para os processos executivos das decisões proferidas pelos tribunais

administrativos liquidatários, se eram os novos ou os juízes antigos. Essas questões e

outras eram debatidas. Sobre a questão referida havia diferentes entendimentos, uns

sustentavam que as mesmas eram da competência do juiz liquidatário; outros diziam

que aceitavam que as execuções fossem tramitadas pelo juiz novo. Gerou-se uma

discussão útil e no Porto passou a haver uma concordância num determinado sentido.

(P4)

Esta função de articulação do juiz presidente é particularmente

enfatizada no depoimento que a seguir transcrevemos:

em relação ao juiz presidente, eu penso que podemos ir um bocadinho mais longe.

Determinar ao juiz uma certa competência no sentido de observar determinadas

questões processuais que se levantam, que podem não estar uniformizadas.

Apontámos o caso da apensação das acções. No Palácio da Justiça em Lisboa tivemos

a necessidade de juntar os juízes para saber se concordávamos sobre determinado

provimento ou deliberação. Essa decisão é tomada, os advogados podem consultar o

livro de provimentos e saber que a entrada de processos se faz segundo uma certa

regulamentação. Relativamente à acção executiva, quando ela entrou, e não era só da

competência dos juízes de execução, eu tive múltiplos problemas quanto aos

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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requerimentos que entravam dos solicitadores de execução. Pode-se criar tramitações

coincidentes e procedimentos uniformes. O juiz presidente tendo, nas suas

competências de representação do CSM, competência para o andamento dos

processos, deve-se prever também nesse âmbito a competência de promover a

reunião entre todos os juízes no sentido de criar procedimentos uniformes ou

coincidentes relativamente a determinadas questões de índole processual.

(…) não há outra fórmula de adequar o funcionamento eficaz do sistema e a

organização do sistema com a dimensão profissional, que tem que ser aqui garantida,

senão através da figura do juiz presidente. Ele é a pedra de toque da gestão do

sistema. Ele faz a intercepção entre a dimensão profissional e a burocrática. Não podia

ser senão um juiz a presidir a um tribunal, porque parte dele a garantia de que os

mecanismos de organização e gestão do sistema não vão contender com a função

jurisdicional. (P5)

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A prática dos actos: factores e caminhos para uma tramitação processual mais eficaz e com melhor qualidade

87

6. A prática dos actos: factores e caminhos para uma tramitação

processual mais eficaz e com melhor qualidade

6.1 A estrutura e os recursos dos tribunais como factores de eficácia da

gestão processual

Como temos vindo a referir, para uma administração da justiça com

eficácia, qualidade e eficiência concorrem diversos factores que se

interrelacionam e provocam impacto – maior ou menor – na tramitação dos

processos. O trabalho empírico permitiu-nos identificar, tanto factores cujo

impacto na qualidade, eficiência e eficácia da tramitação processual é

difuso, quanto factores cuja interferência directa na gestão do processo

acaba por convertê-los em factores de optimização – se bem geridos, em

número suficiente e em bom estado de boa utilização – ou em factores de

perturbação – se sua gestão, quantidade, utilização e estado de conservação

forem precários ou insuficientes.

De seguida, apresentamos os resultados do trabalho de campo dando

uma ênfase especial aos factores que, no nosso entender, consideramos

poderem ter repercussão na optimização ou na perturbação da gestão de

processos. Dado o impacto directo que esses factores podem provocar na

gestão do volume processual, a sua eficácia, qualidade e eficiência reflectem-

se na eficácia, qualidade e eficiência da tramitação do caso concreto.

Abordaremos duas dimensões principais: a dimensão material e a

dimensão humana. Esses dois eixos de análise serão apresentados no

contexto de funcionamento de cada tribunal observado e nas relações

dinâmicas existentes entre si e entre as diferentes unidades funcionais dos

órgãos judiciais analisados.

6.1.1 Os espaços físicos

Os diferentes tribunais observados incorporam distintas

concepções, quer arquitectónicas, quer da forma de aproveitamento do

espaço físico. Embora não haja uma explicação única para essas diferenças,

elas assentam, sobretudo, na própria diversidade das instalações físicas dos

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

88

tribunais existentes pelo país, onde – para citar alguns dos exemplos

recolhidos nos estudos de caso – edifícios modernos recém-construídos

convivem com edifícios, cuja construção data das décadas de 50/60 do século

passado e onde alguns órgãos judicias estão instalados não em edifícios

construídos especificamente para o efeito, mas em edifícios de escritórios,

partilhando espaço com outros serviços privados.

No curso do trabalho empírico foi possível detectar tanto a boa

qualidade de algumas instalações, como seja luz natural, salas amplas,

corredores espaçosos, etc. – em especial nos edifícios de construção recente –

quanto a deficiência crónica de outras, designadamente falta de luz, pintura

das paredes deteriorada, janelas que não se abrem, aspecto degradado e

insalubre, WCs sem condições, falta de instalações para armazenar objectos

de processos-crime e falta de espaço no arquivo56.

Numa primeira análise, as condições físicas dos edifícios em que estão

alojados os juízos e varas repercutem-se na gestão processual a um nível que

poderíamos denominar contextual, isto é, têm um impacto indirecto na medida

em que as condições mais ou menos deficientes do órgão judicial podem

afectar a motivação dos funcionários e o sentimento de dignidade que têm

quanto ao exercício da função judicial. Exemplificando, num dos estudos de

caso (tribunal E) foi evidente nas entrevistas realizadas o sentimento dos

funcionários de que as instalações eram “confusas” e “indignas para albergar

um tribunal”.

Mas, numa análise mais detalhada, é possível verificar situações em

que as condições das instalações do tribunal constituem obstáculos

directos a uma eficaz tramitação processual. Esse é o caso, por exemplo,

da adaptação necessária dos espaços físicos à introdução das novas

tecnologias, bem como a maior ou menor racionalidade e ou dispersão na

localização dos serviços e dos gabinetes de juízes e dos secretários judiciais57.

56 Em um dos estudos de caso, devido à falta de espaço no arquivo, os processos são acomodados em caixas cedidas pelos CTT, ocupando os espaços de circulação dos funcionários e até do público. 57 Um outro exemplo de interferência das condições do espaço físico na eficaz tramitação processual é o número de salas de audiência disponíveis e as rotinas para a sua utilização. Esse tema será abordado mais adiante na análise da gestão da agenda do juiz e seu papel no case management.

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A prática dos actos: factores e caminhos para uma tramitação processual mais eficaz e com melhor qualidade

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Quanto à adaptação exigida pela introdução das novas tecnologias, a

questão coloca-se, sobretudo, em edifícios onde o funcionamento de juízos e

varas foi concebido para uma realidade que não contemplava a quantidade de

cabos e aparelhos que o actual processo de modernização idealizado para os

tribunais implica. Num dos casos observados no trabalho empírico (tribunal E),

o edifício do tribunal foi construído numa época em que não se pensava na

utilização de computadores. Por essa razão, o espaço físico sofreu ligeiras

adaptações para que os meios tecnológicos fossem ali introduzidos, resultando

na existência de cabos pelo chão, calhas com cabos em locais onde é fácil

pisá-las e servidores em vãos de escadas. Foi-nos relatado, por exemplo, que

um advogado ao colocar um pé em cima de uma calha instalada junto a um

degrau numa sala de audiências provocou uma avaria no sistema informático.

No que se refere à distribuição do espaço com a ocupação de salas e

gabinetes, resulta do trabalho empírico a importância de uma organização

interna e de adaptação dos espaços físicos que não esteja, tendencialmente,

baseada em critérios casuísticos ou subjectivos, devendo, observadas as

particularidades de cada caso, orientar-se por princípios e critérios

racionais e de optimização dos espaços e do trabalho. Caso contrário, o

projecto de modernização e eficiência dos tribunais, em vez de superar

obstáculos, pode criar outras dificuldades em virtude do anacronismo das

instalações ou da deficiente adaptação e organização das condições físicas.

Retoma-se aqui o exemplo do esforço de modernização da justiça no País

Basco, onde os propósitos de desmaterialização do processo e de criação de

um novo modelo de oficina judicial levaram necessariamente à reconfiguração

dos espaços físicos de acordo com princípios e critérios previamente definidos.

6.1.2 Os recursos materiais

Tal como a reflexão sobre os espaços físicos, a discussão sobre os

recursos materiais como possíveis obstáculos à gestão processual também é

acentuada quando confrontada com as necessidades colocadas pelas

inovações tecnológicas. Nos casos observados, num quadro de recursos

materiais aproximadamente similar – número de computadores, impressoras,

fotocopiadoras, digitalizadores, etc. – os recursos materiais podem emergir

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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como obstáculos que podem interferir no curso da tramitação processual em

duas situações principais: (1) como deficiência real, (2) como deficiência

pressentida face às exigências das novas tecnologias.

No curso do trabalho de campo foram detectadas e apontadas faltas e

falhas nos equipamentos utilizados pelos funcionários, nomeadamente, no

número de impressoras, no número de fotocopiadoras e nos equipamentos de

gravação e de vídeo-conferência. A título de exemplo, num dos estudos de

caso observados, não havendo fotocopiadoras no piso onde estava uma das

unidades orgânicas do juízo, os funcionários, sempre que necessitavam fazer

fotocópias tinham que se deslocar ao piso superior.

Noutro tribunal (estudo de caso C), para todos os juízos cíveis (instalados

no mesmo andar) existia em funcionamento apenas uma fotocopiadora,

implicando que, muitas vezes, os funcionários tivessem que “fazer fila” para

esperar que outros colegas terminassem de usar a máquina. Foi-nos relatado

que a mesma fotocopiadora avaria com frequência e que, quando tal acontece,

os funcionários têm que utilizar uma outra máquina situada no piso acima e

que, por não haver elevador no edifício, os funcionários têm que transportar

pilhas de processos pelas escadas. Por isso, quando indagados sobre as

dificuldades enfrentadas na sua rotina de trabalho, muitos dos funcionários

apontaram, de imediato, as carências decorrentes da falta de material.

As deficiências dos recursos materiais também são sentidas pelos

funcionários quando confrontados com as necessidades trazidas pela

introdução das novas tecnologias. Em muitas entrevistas evidenciou-se a

preocupação com a capacidade dos computadores e a agilidade do

sistema informático para trabalhar com uma sobrecarga de aplicações.

Nesse âmbito, é exemplificativo o depoimento de uma das juízas entrevistadas

que, por considerar a capacidade do computador insuficiente para albergar o

CITIUS, adquiriu a expensas próprias mais memória para o equipamento bem

como, para potenciar o aproveitamento que teria do programa, também

adquiriu um monitor maior que lhe permitisse visualizar com amplitude as

janelas do programa58 (Ent. 17).

58 A iniciativa da juíza é corroborada pelo depoimento de outros colegas entrevistados que, muito embora não tenham feito um investimento pessoal para viabilizar a utilização do CITIUS, também apontaram problemas de execução do programa, nomeadamente, a lentidão do

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A prática dos actos: factores e caminhos para uma tramitação processual mais eficaz e com melhor qualidade

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Ainda no âmbito das carências materiais face às inovações tecnológicas,

muitos funcionários acusaram a falta de digitalizadores em número suficiente

para realizar o objectivo de desmaterialização do processo, bem como

deficiências nos digitalizadores que o tribunal dispõe, nomeadamente o facto

de não estarem ligados em rede e de não procederem automaticamente à

digitalização frente e verso de um documento. Refira-se, aliás, que, como

adiante se verá, este problema tem reflexos, designadamente, na tramitação

das cartas precatórias.

Como se vê, os recursos materiais podem afectar a gestão

processual, não só em sua carência ou deficiência, como também quando

essas carências e deficiências abalam a fiabilidade desses recursos como

instrumentos de trabalho. Esta segunda situação ocorre principalmente no

contexto de aplicação das novas tecnologias em que se evidencia no discurso

de muitos funcionários a desconfiança de que a qualidade dos equipamentos

pode ser o maior obstáculo ao projecto de desmaterialização.

Por outro lado, as críticas às carências/deficiências materiais podem

muitas vezes actuar como um “escudo” que impede os funcionários de

reflectirem sobre as suas próprias debilidades enquanto utilizadores dos

sistemas informáticos. Nesse sentido, é de referir o depoimento do técnico

em informática de um dos tribunais observados. De acordo com este

especialista, seria necessário que os utilizadores tivessem mais conhecimentos

em termos de gestão informática para não cometerem determinadas

“atrocidades”, sobrecarregando a rede com inúmeros programas abertos em

simultâneo (HABILUS, Outlook, navegador de internet). Referiu, ainda, que

quando os técnicos de informática são chamados para resolver os problemas

que surgem e dão determinadas sugestões ou fazem determinados reparos, os

utilizadores, por regra, mostram alguma resistência (Ent. 59).

Quando se fala da introdução de novas tecnologias, da alteração de

métodos de trabalho e das resistências que daí derivam, a discussão acerca da

utilização dos recursos materiais não pode ser levada a cabo se a dimensão

sistema e a difícil visualização das janelas do programa. Essas dificuldades também decorrem do facto de muitos juízes estarem habituados à visualização do programa Word, de forma que também foi recorrente nas entrevistas apontarem dificuldades sobre as ferramentas disponíveis no CITIUS para a elaboração de textos, tendo um juiz declarado que fazia os despachos em Word e que só depois os transpunha para o CITIUS (Ent. 1).

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

92

material não for associada à dimensão humana e, neste caso, especificamente

ao papel a ser desempenhado pela formação e pela liderança na gestão dos

quadros profissionais.

6.1.3 Os recursos humanos: liderança, motivação, formação e

organização funcional

Liderança, motivação e formação

Como acima já referimos, há um forte consenso quanto à importância da

liderança e da formação de recursos humanos como factores centrais da

qualidade das organizações59. No desenvolvimento do trabalho empírico, a

formação e a importância da liderança na gestão dos recursos humanos

emergiram como categorias de análise relevantes devido à frequência

com que foram enfatizadas no discurso de funcionários e juízes.

Por um lado, o destaque dado a esses dois elementos pode ser visto

como natural devido ao contexto sobre o qual se desenrolou a investigação,

isto é, um contexto de mudança que afecta rotinas e métodos de trabalho

profundamente enraizados. Por outro, e em busca de uma explicação mais

aprofundada, o trabalho de campo desvelou no discurso dos agentes judiciais

um sentimento de desconforto vivido por membros de uma organização que

não se sentem como entes participantes activos desse processo de mudança.

Daí também ter emergido no discurso, em especial por parte dos funcionários

judiciais, uma reivindicação contundente por formação o que,

consequentemente, acaba por destacar o papel de alguns funcionários que no

desempenho de cargos de chefia, ao actuarem com liderança, podem contribui

para atenuar esse desconforto adoptando medidas de motivação e inclusão

dos funcionários.

Quando indagados sobre quais as principais dificuldades sentidas no

âmbito da sua rotina de trabalho, as respostas esboçadas, com maior

frequência pelos entrevistados disseram respeito ao ritmo acelerado das

alterações legislativas. No discurso dos funcionários, as sucessivas e

constantes alterações legislativas são vividas como dificuldades por dois

motivos principais: em primeiro lugar, são decididas sem que sejam chamados

59 Cf. ponto 3.

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A prática dos actos: factores e caminhos para uma tramitação processual mais eficaz e com melhor qualidade

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a participar activamente no processo; em segundo lugar, não permitem

sedimentar saber.

O sentimento, em especial dos funcionários judiciais, de estarem à

margem das decisões tomadas no âmbito do sistema judicial foi reforçado no

curso das entrevistas realizadas. Ao serem indagados sobre a Portaria n.º

114/2008, de 6 de Fevereiro, muitos responderam que ainda não haviam sido

informados de nada e que não tinham ideia de como funcionaria quando

entrasse em vigor (dentro de dias) no seu tribunal. A este desconforto

proveniente do sentimento de “marginalidade” em relação a reformas que

afectam o seu trabalho quotidiano alia-se a percepção de não haver interesse

pelo modo como tais alterações acabam por se repercutir no exercício das

suas funções. Uma funcionária referiu: “eles partem do princípio de que quando

for necessário, os funcionários se desenrascam” (Ent. 33).

A análise desse sentimento de “marginalidade” e de desinformação

não pode ser feita de forma linear, uma vez que também resulta do

trabalho de campo um desconhecimento generalizado, tanto da parte de

juízes quanto da parte de funcionários, a respeito das inovações

previstas, em especial da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro. Devem

explorar-se os motivos da inexistência de uma proactividade por parte de

funcionários e juízes no sentido de se actualizarem acerca das alterações

legislativas que afectam a sua rotina de trabalho.

Os resultados do trabalho de campo revelam a existência de um

círculo vicioso: quanto mais se sentem alheados do processo de reforma da

justiça, menos interessados os funcionários se sentem para buscar

informações por si mesmos; quanto menos iniciativa têm para buscar

informações por si mesmos, mais alheados ficam do processo de reforma. O

trabalho empírico também revelou a adopção de algumas medidas que

podem ser vistas como tentativas exemplares de romper com esse ciclo.

Tais iniciativas decorrem da liderança exercida por algumas chefias na gestão

de recursos humanos.

Nesse sentido, o secretário de justiça de um dos tribunais analisados

(estudo de caso A), com vista a promover a uniformização de práticas em

consequência da entrada em vigor daquela Portaria, convocou uma reunião

com todos os escrivães de direito onde foram apresentadas e discutidas as

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

94

dúvidas de cada um e debatidas as melhores práticas a adoptar, tendo sido as

mesmas estabelecidas de forma a que todas as secções passassem a ter um

método de trabalho minimamente uniforme no que respeita à aplicação e

interpretação da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro. Posteriormente, cada

escrivão de direito falou com o magistrado judicial da sua secção, dando-lhe

conhecimento do resultado daquela reunião, sensibilizando-o para que também

ele passasse a actuar de modo a possibilitar uma prática uniforme dos actos

das secções.

Esta experiência, apesar de revelar dinamismo por parte do secretário,

revela igualmente a desarticulação funcional existente entre funcionários

judiciais e magistrados dentro da mesma unidade orgânica. A falta de

articulação e interacção entre estes dois corpos profissionais impede decisões

concertadas que tenham em vista quer o processo concreto, quer a unidade

como um todo.

Outra medida adoptada é a elaboração e distribuição pelas secções de

processos de mapas de produtividade dos vários juízos e secções. Entre outros

dados, figura o número de papéis que a secção tem para juntar e o número de

despachos por cumprir – para fornecerem estes dados ao secretário, os

escrivães de direito têm que contar os papéis, a informação não decorre de

uma aplicação informática. Esta prática não é comum a todos os tribunais,

neste caso, é uma iniciativa deste secretário, e é vista como um estímulo para

manter o padrão de produtividade das unidades. Como curiosidade, refira-se o

facto de, nesse Tribunal, em 31 de Dezembro de 2007 haver secções com 30

despachos por cumprir e outras com 2.000. Recentemente, o Secretário

entendeu que devia intervir por numa secção existirem cerca de 150 sentenças

cujas notificações estavam por cumprir.

Este exemplo demonstra a importância da liderança no processo de

capacitação e motivação dos funcionários. Nos dados colhidos, as opiniões

dividem-se quanto à pessoa a quem cabe um papel central de liderança na

gestão directa do serviço e do pessoal da secção: uns atribuíram esse papel ao

escrivão de direito e outros ao secretário de justiça.

Se tivermos um bom escrivão, que saiba, de facto, gerir a secção, o serviço faz-se e a

secção funciona bem. (Ent. 29)

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A prática dos actos: factores e caminhos para uma tramitação processual mais eficaz e com melhor qualidade

95

Uma das juízas entrevistadas apontou ser essencial para uma eficiente

gestão processual a necessidade de a secção de processos ter um bom

escrivão. Por bom escrivão declarou ser alguém que tenha capacidade de

organização e que imponha uma determinada hierarquia de funções, que tenha

capacidade de chefia e que “saiba dar ordens”. Tem, ainda, que saber gerir

recursos humanos e, para isso, tem que ter “sensibilidade, competência e

sentido de humanidade”. Caso assim não seja, defende que “é o juiz quem tem

de o substituir (…). E nestes casos temos que controlar tudo, mesmo as

contas. Mas esta não é uma tarefa do juiz”. Considera que “se a secção não

funcionar bem, a Vara também não pode funcionar. É essencial haver um bom

juiz e um bom escrivão”. Não deixou de salientar, contudo, o papel

preponderante dos Secretários na gestão dos recursos humanos (Ent. 39).

No painel realizado com os magistrados, diferentes participantes

enfatizaram a actuação do Secretário:

Claro que a capacidade de liderança de um secretário faz toda a diferença, desde logo

até na própria relação com os magistrados, tudo está ligado. (P4)

O papel dos secretários é fundamental. A capacidade dos secretários para efectuar

pequenas mudanças, para readaptar os meios humanos em conjugação com o juiz,

distingue a produtividade e a eficácia de um tribunal de uma maneira claríssima

relativamente a outro. (P3)

Para que seja possível alcançar e manter uma gestão processual

eficiente, é imprescindível dotar os líderes de ferramentas que lhes

permitam exercer essa função. Alguns dos escrivães e secretários

entrevistados sublinharam a importância de as chefias receberem

formação específica para gestão de recursos humanos, gestão de

conflitos e liderança. Alguns dos entrevistados, motivados pelas exigências

do trabalho, frequentaram por conta própria cursos de formação nessas áreas.

A importância da formação para as chefias foi igualmente ressaltada durante o

painel realizado com funcionários de justiça:

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

96

“(…) Desde há uns anos que a meu ver não se tem investido na chefia e na formação,

virada para a gestão do serviço”. (F1)

Não só a necessidade de formação da chefia foi alvo de avaliação nos

dados qualitativos recolhidos, mas também, como já foi referido, se detectou

um sentimento de desconforto geral com o contexto de mudança e sucessivas

alterações legislativas vigentes, nomeadamente, por não permitir sedimentar

saber. Daí que a formação tenha sido apontada por quase todos os

entrevistados como uma verdadeira carência, se não mesmo um bloqueio, para

o devido desempenho das suas tarefas, o que transformou a necessidade de

maior formação na reivindicação mais frequente discutida ao longo das

entrevistas e observação. Essa reivindicação é feita tanto com o sentido de

criticar as características da formação existente, como com o objectivo de

apontar elementos para a melhoria do plano actual de formação. As opiniões

recolhidas estão sistematizadas na tabela abaixo:

Tabela 1

A formação no discurso dos funcionários entrevistados

Como é percepcionada Como consideram que deveria ser

Garantir maior especialização por parte dos

funcionários para que haja efectivo

conhecimento das tarefas que o cargo implica

(de acordo com o cargo a desempenhar)

No âmbito dos novos sistemas informáticos,

uma formação contínua que possibilite que as

funcionalidades de cada programa sejam

efectivamente aproveitadas

Com conteúdos específicos para facilitar o

desempenho de certas actividades: gestão

dos recursos humanos, gestão de conflitos,

atendimento ao público

Escassa, pouco esclarecedora, ineficaz e

apenas introdutória no que se refere às

alterações de rotinas e a novos

procedimentos

Turmas compostas por menos formandos e

com horário mais alargado de modo a

fomentar um espaço para o debate

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A prática dos actos: factores e caminhos para uma tramitação processual mais eficaz e com melhor qualidade

97

No âmbito das alterações na rotina de

trabalho, voltada para promover a

sensibilização dos funcionários para as

mudanças que se avizinham e suas

implicações, minorando assim a criação de

resistências

Dado o quadro de carência ou deficiência da formação, os funcionários

assumem que a aprendizagem para o cumprimento das tarefas é,

tendencialmente, de natureza autodidáctica ou colectiva. Isto é, ou aprendem

sós e por iniciativa própria, ou aprendem ensinando-se uns aos outros. Esse

cenário, para além da desmotivação das equipas de trabalho, tem outras

consequências: (1) quando aprendem uns com os outros, os funcionários

tendem a assimilar os vícios de rotina daqueles com quem trabalham; (2)

quando a aprendizagem é decorrente do compromisso e empenho

pessoais, a responsabilidade pelo aperfeiçoamento do trabalho é difusa e

depende do esforço e do interesse de cada um; (3) num contexto de

formação isolada e aleatória, é mais difícil ultrapassar as resistências

interpostas por rotinas de trabalho há muito enraizadas.

Se, por um lado, os depoimentos recolhidos durante o trabalho de

campo indiciam que a formação é um problema sistémico, por outro, um dos

depoimentos proferidos nos painéis de discussão revela também que, no

tocante aos problemas levantados pela deficiência de formação nos tribunais,

estamos diante de um problema estrutural:

É a formação que aqui está em causa. É aquilo que nos aflige, que nos preocupa e de

que toda a gente fala e com razão, mas com o que os responsáveis pouco se

preocupam. Os responsáveis a todos os níveis porque o centro de formação está

criado há mais de 15 anos e todos os oficiais de justiça andam a clamar nos últimos

anos por uma plataforma de formação à distância. É uma questão de organização e de

definir tempo, como se pode fazer e quem pode fazer. O centro de formação não tem

capacidade para o fazer porque não tem autonomia administrativa nem financeira.

Entretanto iniciou-se 11 meses de formação contínua para um concurso de 2600

candidatos para acesso a técnicos de justiça principal. São 19 salas. Estamos a

trabalhar no limite. (F3)

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

98

A organização funcional

Os funcionários de justiça regem-se por estatuto próprio – o Estatuto

dos Funcionários de Justiça60. De acordo com o artigo 1.º do referido

Estatuto, são os funcionários “nomeados em lugares dos quadros de pessoal

de secretarias de tribunais ou de serviços do Ministério Público”, distribuindo-se

por seis grupos de pessoal: pessoal oficial de justiça, pessoal de informática,

pessoal técnico-profissional, pessoal administrativo, pessoal auxiliar e pessoal

operário (cf. artigo 2.º). A descrição do conteúdo funcional referente às

carreiras de cada grupo de pessoal consta de um mapa (I) anexo ao diploma

em análise61.

60 Publicado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 175/2000, de 9 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 96/2002, de 12 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 169/2003, de 1 de Agosto e pelo Decreto-Lei n.º 42/2005, de 29 de Agosto. 61 Ao Secretário do Tribunal de Tribunal Superior compete, designadamente, dirigir os serviços da secretaria; elaborar e gerir o orçamento de delegação da secretaria; distribuir, coordenar e controlar o serviço externo; proferir nos processos despachos de mero expediente, por delegação do magistrado respectivo; corresponder-se com entidades públicas e privadas sobre assuntos referentes ao funcionamento do tribunal, por delegação do magistrado respectivo; assinar as tabelas das causas com dia designado para julgamento; assistir às sessões do tribunal e elaborar as respectivas actas; assegurar o expediente do Serviço Social do Ministério da Justiça, na qualidade de seu delegado; submeter a despacho do presidente os assuntos da sua competência; apresentar os processos e papéis à distribuição; providenciar pela conservação das instalações e equipamentos do tribunal; desempenhar as demais funções conferidas por lei ou por determinação superior. Ao secretário de justiça compete dirigir os serviços da secretaria; elaborar e gerir o orçamento de delegação da secretaria; assegurar o expediente do Serviço Social do Ministério da Justiça, na qualidade de seu delegado; proferir nos processos despachos de mero expediente, por delegação do magistrado respectivo; corresponder-se com as entidades públicas e privadas sobre assuntos referentes ao funcionamento do tribunal e ao normal andamento dos processos, por delegação do magistrado respectivo; dirigir o serviço de contagem de processos, providenciando pelo correcto desempenho dessas funções, assumindo-as pessoalmente quando tal se justifique; desempenhar as funções atribuídas ao escrivão de direito da Secção Central, sempre que o quadro de pessoal da secretaria não preveja lugar de escrivão de direito afecto à Secção Central; desempenhar as funções atribuídas ao escrivão de direito da Secção de Processos e ao Técnico de Justiça Principal da Secção de processos dos Serviços do MP, sempre que o quadro de pessoal da secretaria não preveja lugar de escrivão e ou técnico de justiça principal afectos à secção de processos; distribuir, coordenar e controlar o serviço externo; providenciar pela conservação das instalações e equipamentos do tribunal; Nas secretarias-gerais, compete-lhes, ainda, dirigir o serviço da secretaria por forma a assegurar a prossecução das respectivas atribuições e desempenhar as demais funções previstas nesta alínea relativamente à Secretaria-Geral respectiva e desempenhar as demais funções conferidas por lei ou por determinação superior. Ao escrivão de direito provido em Secção Central dos serviços judiciais: compete orientar, coordenar, supervisionar e executar as actividades desenvolvidas na secção, em conformidade com as respectivas atribuições; preparar e apresentar os processos e papéis para distribuição; assegurar a contagem dos processos e papéis avulsos; efectuar as liquidações finais nas varas criminais, nos juízos criminais, nos juízos de competência especializada criminal e nos juízos de pequena instância criminal; organizar os mapas estatísticos; escriturar a receita e despesa do Cofre; processar as despesas da secretaria; desempenhar as demais funções conferidas por lei ou por determinação superior. Por sua vez, ao escrivão de direito provido em secção de processos dos serviços judiciais compete orientar, coordenar, supervisionar e executar as actividades

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A prática dos actos: factores e caminhos para uma tramitação processual mais eficaz e com melhor qualidade

99

No grupo de pessoal oficial de justiça62, que presta apoio à tramitação

processual, inserem-se as categorias de secretário de tribunal superior e de

secretário de justiça, assim como as carreiras judicial e dos serviços do

Ministério Público. A carreira judicial é constituída pelas categorias de escrivão

de direito, escrivão adjunto e escrivão auxiliar. A carreira dos serviços do

Ministério Público, por seu lado, é composta pelas categorias de técnico de

justiça principal, técnico de justiça-adjunto e técnico de justiça auxiliar63.

desenvolvidas na secção, em conformidade com as respectivas atribuições e desempenhar as demais funções conferidas por lei ou por determinação superior; e ao escrivão de direito provido em Secção Central de serviço externo compete orientar, coordenar, supervisionar e executar as actividades desenvolvidas na secção, em conformidade com as respectivas atribuições e desempenhar as demais funções conferidas por lei ou por determinação superior. Ao escrivão adjunto compete assegurar, sob a orientação do escrivão de direito, o desempenho de funções atribuídas à respectiva secção; desempenhar as funções atribuídas ao escrivão auxiliar, na falta deste ou quando o estado dos serviços o exigir; e desempenhar as demais funções conferidas por lei ou por determinação superior. Ao escrivão auxiliar compete efectuar o serviço externo; preparar a expedição de correspondência e proceder à respectiva entrega e recebimento; prestar a necessária assistência aos magistrados; e desempenhar as demais funções conferidas por lei ou por determinação superior. Ao Técnico de Justiça Principal provido em Secção Central dos serviços do Ministério Público compete orientar, coordenar, supervisionar e executar as actividades desenvolvidas na secção, em conformidade com as respectivas atribuições; preparar e apresentar os processos e papéis à distribuição; organizar os mapas estatísticos; preparar, tratar e organizar os elementos e dados necessários à elaboração do relatório anual; e desempenhar as demais funções conferidas por lei ou por determinação superior. Por sua vez, ao Técnico de Justiça Principal provido em secção de processos dos serviços do Ministério Público: compete orientar, coordenar, supervisionar e executar as actividades desenvolvidas na secção, em conformidade com as respectivas atribuições; desempenhar, no âmbito do inquérito, as funções que competem aos órgãos de polícia criminal; e desempenhar as demais funções conferidas por lei ou por determinação superior. Ao Técnico de Justiça-adjunto compete assegurar, sob orientação superior, o desempenho das funções atribuídas à respectiva secção; desempenhar, no âmbito do inquérito, as funções que competem aos órgãos de polícia criminal; desempenhar as funções atribuídas ao técnico de justiça auxiliar, na falta deste ou quando o estado dos serviços o exigir; e desempenhar as demais funções conferidas por lei ou por determinação superior. Ao Técnico de Justiça Auxiliar: compete desempenhar, no âmbito do inquérito, as funções que competem aos órgãos de polícia criminal; efectuar o serviço externo; preparar a expedição de correspondência e proceder à respectiva entrega e recebimento; prestar a necessária assistência aos magistrados; e desempenhar as demais funções conferidas por lei ou por determinação superior. Ao Oficial Porteiro compete zelar pela segurança e conservação do edifício; executar as diversas tarefas relativas ao serviço de portaria; orientar, fiscalizando e colaborando, a limpeza das instalações e pequenos serviços de reparação; e desempenhar as demais funções conferidas por lei ou por determinação superior. Ao Auxiliar de Segurança: compete assegurar a vigilância e a segurança das instalações; controlar a entrada e a saída de pessoas, verificando os objectos suspeitos de que as mesmas se façam acompanhar; e desempenhar as demais funções conferidas por lei ou por determinação superior. 62 Os oficiais de justiça, no exercício das funções que lhe são atribuídas, e, em particular, a função de assegurar o expediente, a autuação e regular a tramitação dos processos, encontram-se funcionalmente dependentes do magistrado competente (cf. artigo 6.º, n.º 3). 63 As categorias de secretário de tribunal superior, secretário de justiça, escrivão de direito e técnico de justiça principal correspondem a lugares de chefia (cf. artigo 3.º, n.º 4).

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

100

A Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) é o organismo

do Ministério da Justiça ao qual cabe recrutar, gerir, administrar os funcionários

de justiça, assim como assegurar a sua formação, por meio do Centro de

Formação dos Funcionários de Justiça. O ingresso nas categorias de escrivão

auxiliar e de técnico de justiça auxiliar faz-se, em regra, de entre os indivíduos

habilitados com curso de natureza profissionalizante, aprovados em

procedimento de admissão. Caso não existam possuidores desta habilitação, o

ingresso faz-se de entre os candidatos aprovados em curso de habilitação (cf.

artigos 7.º e 8.º). Por sua vez, é de entre estes, desde que respeitam

determinados requisitos previstos no artigo 9.º64, que se faz o acesso à

categoria escrivães adjuntos e técnicos de justiça adjuntos; bem como é dentro

desta última categoria que se faz o acesso à categoria de escrivão de direito e

a técnico de justiça principal, mais uma vez, desde que respeitados os

requisitos previstos no referido artigo 9.º.

No topo desta cadeia hierárquica encontra-se o secretário de justiça.

Para aceder a esta última categoria é necessário que os candidatos tenham

sido escrivães de direito ou técnicos de justiça principais e preencham os

requisitos do artigo 9.º ou, então, que sejam oficiais de justiça possuidores de

curso superior adequado, com sete anos de serviço efectivo, classificação de

Muito Bom e que tenham tido aprovação na respectiva prova de acesso.

O Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ) é o órgão ao qual cabe

apreciar o mérito profissional e exercer o poder disciplinar sobre os oficiais de

justiça, sem prejuízo da competência disciplinar atribuída aos magistrados e do

caso excepcional no que se refere aos secretários de tribunal superior que são

classificados pelo presidente do respectivo tribunal (cf. artigos 68.º, n.º 2, e

98.º). As competências do Conselho dos Oficiais de Justiça encontram-se

descritas no artigo 111.º do Estatuto65.

64 Prestem serviço efectivo pelo período de três anos na categoria anterior, tenham uma classificação mínima de Bom e sejam aprovados na respectiva prova de acesso. 65 As competências do COJ, em matéria de exercício de poder disciplinar e apreciação do mérito profissional foram postas em causa pelos Acórdãos Constitucionais n.ºs 244/01 de 23 de Maio; 178/01, de 18 de Abril; 159/2001, de 4 de Abril e 398/01, de 26 de Setembro, que vieram declarar a inconstitucionalidade do artigo 98.º da alínea a) do artigo 111.º do Estatuto dos Funcionários de Justiça, por violarem o disposto no artigo 218.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa. Para colmatar a instabilidade e insegurança então reinante, foi publicado o Decreto-Lei n.º 96/2002, de 12 de Abril, para redefinir as competências quanto à apreciação do mérito profissional e ao exercício do poder disciplinar sobre os oficiais de Justiça, que vem sendo exercida pelo Conselho dos Oficiais de justiça, para que aquelas

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A prática dos actos: factores e caminhos para uma tramitação processual mais eficaz e com melhor qualidade

101

Nos diferentes tribunais observados, as funções assumidas pelos oficiais

de justiça seguem os conteúdos funcionais descritos acima, de forma que não

apresentaram diferenças significativas entre si. Em cada tribunal, as

diferenças detectadas no exercício das funções dos oficiais de justiça

estão relacionadas, por um lado, com a heterogeneidade de gestão e

métodos de trabalho adoptados (que será abordada mais adiante) e, por

outro, com a diferente composição do quadro funcional. Assim, para

exemplificar seleccionámos 4 casos de estudo para exemplificar a diversidade

do quadro funcional nas secções de processos observadas. Foram, de facto,

observadas secções com um número maior de escrivães adjuntos e outras com

um número maior de escrivães auxiliares.

Organograma 1

Categorias Profissionais nas Secções de Processos Observadas

Caso A

deixassem de ser competências exclusivas e passassem a admitir, em qualquer caso, uma decisão final do conselho superior competente de acordo com o quadro de pessoal que integram (cf. Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 96/2002, de 12 de Abril).

Escrivão de Direito

Escrivão Adjunto

Escrivão Adjunto

Escrivão Ajunto

Escrivão Auxiliar

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Caso C

Caso E1

Escrivão de Direito

Escrivão Auxiliar

Escrivão Auxiliar Escrivão Adjunto

Escrivão Adjunto Escrivão Auxiliar

Escrivão Adjunto

Escrivão Adjunto

Escrivão Auxiliar

Esta secção de processos está sem escrivão de direito há cerca de 3 anos – esteve de baixa médica e está reformado desde Fevereiro último. Neste momento, um dos escrivães adjuntos acumula as funções de escrivão de direito desde Setembro.

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A prática dos actos: factores e caminhos para uma tramitação processual mais eficaz e com melhor qualidade

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Caso E3

Num contexto em que a organização interna dos tribunais está

sustentada na diversidade da distribuição dos recursos humanos com casos

crónicos de déficit de pessoal, os conteúdos funcionais podem aparecer como

um bloqueio para uma boa gestão processual, sendo percepcionados como

obstáculos à flexibilidade, mobilidade e polivalência de funcionários. Resulta,

contudo, das posições assumidas, que, mais do que eventual rigidez dos

conteúdos funcionais, o que está em causa é uma melhor e mais eficaz gestão

e flexibilização dos recursos humanos, dentro de determinados critérios, na

colocação e mobilidade dos funcionários.

A percepção sobre os conteúdos funcionais como problema foi abordada

nos depoimentos dos painéis de discussão de juízes e funcionários:

Eu acho que há um bloqueio nos conteúdos funcionais. Há muitos funcionários que se

começam a agarrar aos conteúdos funcionais e os escrivães não têm coragem para

dizer «faz o que eu disser», ou por vezes dizem, o que arranja problemas. Eu acho que

não devia haver conteúdos funcionais (F1).

Uma das juízas entrevistadas referiu, por sua vez, a necessidade de

mobilidade funcional com que o sistema se depara. Segundo esta

magistrada, os secretários deviam promover e facilitar a mobilidade de

Escrivão de Direito

Escrivão Adjunto Escrivão Auxiliar

Nesta secção, um funcionário se encontra de baixa médica “há muito tempo”.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

104

funcionários entre secções, de acordo com orientações do juiz: “(…) há

funcionários em secções onde não são precisos e há outras secções em que

eram precisos e não são colocados lá (…). A mobilidade não se verifica. Mas

como essa é uma competência dos secretários, nós não podemos intervir” (Ent.

39).

Assim, defende que o que está em causa acaba por ser um problema na

lei porque esta lhe veda a possibilidade de dar instruções neste sentido: “(…)

não posso ir à central e pedir que um determinado funcionário venha para a

minha secção. Não posso passar por cima do secretário. A lei diz que quem

manda nos funcionários são os secretários e eu tenho que respeitar.” Discorda,

por isso, que a lei tenha alterado o poder que os juízes tinham sobre os

funcionários, defendendo que “tínhamos que ter a possibilidade de actuar

sempre que necessário (…). O Juiz tinha que ter mais poder sobre os

funcionários, nomeadamente no que respeita à mobilidade” (Ent. 39).

No depoimento desta juíza subjaz a ideia de que, da forma como estão

estabelecidos pela lei, a mobilidade funcional ceifa qualquer participação do

juiz no processo de escolha dos funcionários a serem destacados para a sua

secção, mas, sobretudo, para seu apoio directo, acentuando, assim, o

problema de os juízes não terem qualquer intervenção na escolha do

funcionário que lhe será adstrito para apoio.

Essa falta de intervenção pode ser interpretada como uma medida que,

ao libertar o juiz de matérias administrativas, lhe permite dedicar o seu tempo

exclusivamente à tarefa de “julgar”. Contudo, em determinadas situações, esse

propósito é invertido e em vez de facilitar o trabalho do juiz acaba por se

revelar prejudicial à gestão dos processos. Basta pensar nas situações em que

se aloca para auxílio do juiz um funcionário sem qualidade técnica para tal

função.

Durante o trabalho empírico, tanto nas entrevistas quanto nos painéis de

discussão, os participantes mencionaram que a assistência na sala, nem

sempre valorada, exige especial formação. Em muitas audiências, por

exemplo, levantam-se incidentes, o que faz com que a elaboração das actas

seja uma tarefa complexa. Ao iniciar funções na secção onde actualmente se

encontra, a mesma juíza referiu que teve de fazer um particular investimento

pessoal para orientar os funcionários e sanar as falhas daquele que lhe

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A prática dos actos: factores e caminhos para uma tramitação processual mais eficaz e com melhor qualidade

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prestava apoio directo, tarefa que lhe ocupou muito tempo. Especificamente

quanto às actas de audiência, mencionou: “se eu não escrevesse tudo o que se

passava na audiência não era possível corrigir as actas. Quando me chegavam

não tinham quase nada. Faltavam muitos dados essenciais. O português era

praticamente imperceptível” (Ent. 39). Mais adiante voltaremos a este assunto.

Outra questão, perturbadora do desempenho funcional do tribunal

globalmente considerado, é a possibilidade de existir, em simultâneo, numa

secção, excesso de funcionários de uma determinada categoria e, em outra,

déficit de funcionários dessa mesma categoria e não ser feita a realocação dos

funcionários.

Nesta discussão, salientam-se, no que respeita os conteúdos funcionais,

um modelo de administração de recursos humanos um baseado na conjugação

de funcionários especializados e polivalentes. A polivalência funcional não

pode prescindir de certa especialização e a especialização de funções

tem que abrir espaço para alguma flexibilização e mobilidade funcional,

em situações particulares.

É necessário, então, relativamente à gestão e colocação de recursos

humanos nos tribunais, encontrar um ponto de equilíbrio que fomente, de

acordo com os indicadores de qualidade e produtividade, de volume e de

natureza da procura judicial no interior dos tribunais, uma alocação de recursos

humanos racional e coordenada com as necessidades de cada caso. Esta

tarefa dependerá em grande medida da proactividade das chefias internas de

recursos humanos que, no actual enquadramento legal são, em especial, os

escrivães de direito e os secretários de justiça, no sentido de, em decisões

concertadas com juízes, decidirem sobre a melhor distribuição funcional para

as unidades orgânicas.

6.2 O funcionamento e os actos das secções: regras e práticas

6.2.1. O funcionamento das secções

No curso do trabalho empírico, deu-se especial atenção à secção de

processos, assumindo esta o status de unidade analítica base da investigação.

As razões dessa escolha baseiam-se no actual funcionamento do sistema de

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

106

justiça, sustentado no “poder de direcção” desta unidade orgânica sobre a

tramitação processual. É esta secção que, designadamente, dá a “forma de

processo” aos documentos recebidos na Secção Central, encaminha os

despachos e notificações para as partes, outros serviços ou para serem

cumpridos pela Secção de Serviço Externo, bem como alimenta o gabinete do

juiz com conclusões, diligências e outros procedimentos que careçam de

decisão. O Diagrama 1 demonstra a centralidade da secção de processos na

dinâmica interna dos tribunais.

Diagrama 1

Centralidade da Secção de Processos no funcionamento do sistema judicial

Secção Central

Gabinete do Juiz

Exterior (Advogados e

outros intervenientes)

Secção de

Serviço Externo

Secção de

Processos

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A prática dos actos: factores e caminhos para uma tramitação processual mais eficaz e com melhor qualidade

107

Para além de assumir a secção de processos como pivot da tramitação

processual, este modelo é também atomizado, ou seja, baseia-se na divisão

um juiz, uma secção. Esta forma de organização respondia bem às

necessidades de uma época em que as vias de comunicação eram escassas e

não integradas. Mas, devemos indagar se no contexto actual, com a evolução

dos meios tecnológicos e de comunicação entre as diferentes unidades

orgânicas dos tribunais e entre estes e o exterior, e considerando o propósito

de modernização da justiça, esse modelo deve ser mantido ou se é um

bloqueio à qualidade, à eficácia e à eficiência da gestão processual.

Essa pergunta exige um maior conhecimento dos actos das secções e

do seu funcionamento e relações internas. Partimos da seguinte hipótese: o

actual modelo de funcionamento atomizado e de predomínio da secção de

processos na gestão processual pode conduzir a um bloqueio na

comunicação entre as unidades orgânicas que prejudica o controle da

pendência e do funcionamento do juízo.

Por outro lado, a centralidade da secção de processos na direcção do

processo leva-nos a outra hipótese: a qualidade e eficiência na gestão e nos

métodos de trabalho da secção de processos repercutem-se na qualidade

e eficiência da própria gestão processual. Daí que uma das vertentes do

trabalho de campo foi apurar a divisão de tarefas e os métodos de trabalho

adoptados nas secções de processos observadas.

De seguida, apresentamos graficamente a divisão de tarefas dentro das

secções de processos observadas e alguns fluxos processuais. Serão

apresentados os métodos de trabalho adoptados pelos funcionários e os actos

que realizam, procurando identificar boas práticas e pontos de bloqueio.

A divisão de tarefas e métodos de trabalho

Da observação realizada nos diferentes tribunais resultou uma certa

similitude no conteúdo das funções desempenhadas pelos funcionários. De

maneira geral, dentro de uma secção de processos, as funções assumidas

pelas diferentes categorias funcionais organizam-se como se demonstra no

diagrama abaixo.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

108

Diagrama 2

Divisão de tarefas nas secções de processos observadas

Contudo, de acordo com o quadro de funcionários existente na secção,

as funções desempenhadas pelos diferentes funcionários podem variar. Assim,

por exemplo, nas secções com déficit de pessoal, os escrivães de direito

assumem outras funções, cumprindo também despachos; os escrivães

adjuntos colaboram na procura e junção de papéis e aos auxiliares são

atribuídos (mais) processos para cumprir.

Escrivão de

Direito

Orientação, coordenação e supervisão das actividades desenvolvidas no juízo. Controlo dos prazos, elaboração das declarações de cabeça de-casal, das conferências de interessados, dos mapas de partilha. Contas dos processos (a partir de 2004) e mapas estatísticos

Escrivão Adjunto

Cumprimento dos despachos, junção de papéis e realização de expedientes nos processos que lhe são atribuídos

Escrivão Auxiliar

Acompanhamento de diligências, feitura das respectivas actas, cumprimento de alguns despachos, elaboração do correio, procura e junção de papéis

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A prática dos actos: factores e caminhos para uma tramitação processual mais eficaz e com melhor qualidade

109

Nas secções observadas, detectámos uma heterogeneidade de

procedimentos nos critérios adoptados por cada escrivão de direito para

a distribuição dos processos a cumprir, no benefício extraído das

potencialidades dos sistemas informáticos, bem como nos métodos de

trabalho adoptados para o exercício das respectivas funções.

Na Tabela 2, seleccionámos três secções de processos para

exemplificar as diferenças nos métodos de distribuição dos processos e no

aproveitamento das ferramentas informáticas.

Tabela 2

Critérios de distribuição de processos e de aproveitamento das ferramentas informáticas

em diferentes secções de processos

Secções de Processos

A2 A3 C

Critérios de

Distribuição dos

Processos entre os

Escrivães

Distribuem-se de

acordo com o último

dígito do número do

processo. Actos nos

processos de falência

e expropriação são

atribuídos a um

determinado escrivão

Atribui-se um número

a cada um dos

adjuntos, repartindo

os processos de

acordo com a

distribuição – os

novos processos vão

para um funcionário,

depois para outro e,

de seguida para outro

Os processos e as

cartas precatórias

são distribuídos pelas

escrivãs adjuntas de

acordo com o número

final dos processos

(par / ímpar),

tramitando todos os

funcionários

processos de todas

as espécies.

Utilização da

Ferramenta Alarme

do HABILUS

Escrivães utilizam a

ferramenta em todos

os processos

Escrivães não sabem

utilizar a ferramenta.

Cada fim do mês,

todos os escrivães

fazem um

levantamento dos

processos para “tirar

prazos”66 ou verificar

se precisam de mais

providências

Escrivães utilizam a

ferramenta em parte

dos processos

66 Cf. infra sobre o sentido da expressão “tirar prazos”.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

110

A divisão da tarefa de atendimento ao público é um outro exemplo

da heterogeneidade na gestão de serviços entre diferentes secções de

processos. Foram encontradas secções em que o atendimento ao público

cabia ao escrivão auxiliar, outras em que essa tarefa cabia a escrivães

adjuntos e auxiliares indistintamente – neste último caso, recaindo quase

sempre naqueles posicionados mais perto do balcão de atendimento –,

enquanto que em outra secção o atendimento ao público era distribuído

rotativamente, cabendo um dia da semana a cada funcionário (escrivão adjunto

ou auxiliar).

Quanto aos métodos de trabalho adoptados por cada funcionário,

foram também detectadas variações, quase sempre assentes na percepção

de cada um sobre qual a melhor maneira de administrar o seu volume de

trabalho. Exemplificamos a partir das tarefas desempenhadas pelos escrivães

adjuntos. Em geral, estes preferem iniciar o trabalho pelos actos mais simples,

deixando os processos mais complexos para o momento que consideram mais

oportuno. Foi observada a adopção de dois diferentes métodos de trabalho: (1)

realizar os actos processuais aleatoriamente, de acordo com a ordem em que

os processos lhe são colocados na secretaria; e (2) separar os processos que

tem a tratar por categorias e realizar os actos processuais iguais em série.

Na organização do trabalho acabam por imperar as preferências

subjectivas de cada um, isto é, como costumam trabalhar e o que gostam de

fazer primeiro. As preferências, por seu turno, são contrabalançadas com o que

é exigido na secção pelo escrivão de direito, dependendo também do método

de trabalho do juiz. A organização do trabalho varia, então, de acordo com

o escrivão de direito, o juiz e o perfil e a experiência de cada funcionário.

Consequentemente, os métodos de trabalho não são definidos e geridos de

acordo com critérios objectivos de racionalidade e eficácia, e a produtividade

dos funcionários depende muitas vezes do seu empenho e compromisso

pessoais. A ausência de critérios de racionalização do trabalho das secções de

processos foi levantada nos painéis de discussão:

Dentro das secretarias, cada um trabalha um bocado “como lhe apetece”, as

pessoas não olham para o serviço e pensam “eu tenho que ter aqui um objectivo, tenho

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A prática dos actos: factores e caminhos para uma tramitação processual mais eficaz e com melhor qualidade

111

de começar por aqui ou por ali”. Chegam ali e aquilo vai andando, o que acaba por

arranjar muitos problemas com os magistrados. O que eu tenho visto é que os

processos andam, mas sem método. Acho que neste momento esse é o principal

problema (F1).

O problema relaciona-se, por um lado, com a falta de preparação das

chefias para o exercício de tarefas específicas, como a gestão de recursos

humanos (abordada anteriormente). Por outro, também reflecte a lógica de

um modelo técnico-burocrático de gestão processual em que o processo

é visto como um conjunto de actos isolados e os funcionários são tidos

como entidades separadas, cujo o objectivo principal é o cumprimento

estrito dos actos que lhe são atribuídos, independentemente das

consequências para a gestão do serviço como um todo.

No painel de discussão dos funcionários, um dos participantes salientou

que o predomínio desse modelo técnico-burocrático em que o cumprimento

isolado dos actos, nomeadamente dos prazos, impera em detrimento da

própria organização de serviço e da visão gestionária do processo e está

relacionado, em primeiro lugar, com a própria lei processual – que condiciona

os operadores judiciários em termos de prazos – e, em segundo lugar, com o

modelo de inspecção vigente, que se concentra em exigir dos funcionários,

sobretudo, o cumprimento dos prazos:

(...) toda a estrutura legal que nós temos nos condiciona em termos de prazos. A

secção tem um prazo para fazer uma coisa, o juiz tem um prazo para fazer outra,

embora sejam prazos meramente indicativos que se não forem cumpridos não

têm consequência nenhuma.

Nós estamos habituados a olhar para a gestão do processo em função do cumprimento

das normas legais. Se a lei impõe colocar no dia de amanhã 500 processos no

gabinete, pois coloco lá 500. E se tiver possibilidade de pôr lá outros 500, coloco lá

outros 500. Porque temos um serviço de inspecções que vai olhar para o meu

serviço e para a capacidade que eu tiver para cumprir dentro dos prazos,

independentemente dos efeitos que isso tenha em termos de organização do

serviço. Primeiro, tinha de haver aqui um tronco comum: como é que nós somos

avaliados pela gestão do nosso serviço (F4).

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

112

O exercício de qualquer tarefa é, em si mesmo, um campo de

manifestação da subjectividade de quem a executa. O que colocamos em

questão aqui não é o fim da subjectividade ou dos critérios pessoais no

exercício das funções de uma secção de processo, mas sim a importância de

existirem critérios que, numa perspectiva gestionária, estejam voltados

para optimização e eficiência dos métodos de trabalho e, em

consequência, da gestão processual.

Neste contexto, merece uma especial reflexão o chamado método de

“tirar prazos”. O depoimento de um funcionário é elucidativo desta metodologia:

Há muitas secções em que se vê que as pessoas vão à estante duas vezes por ano, se

calhar, a seguir às férias (...) “tirar os prazos”, é movimentar os processos que estão a

aguardar prazos. Os processos, depois de cumpridos os despachos, ficam a aguardar

os prazos dos advogados. Depois é preciso tirá-los, terminado esse prazo, e fazer as

conclusões, fazer o que for preciso. E como se faz poucas vezes, isto é, como há muito

trabalho, vai-se deixando para o fim e faz-se o resto. Não quer dizer que as pessoas

não trabalhem, porque as pessoas até trabalham muito. Só que deixam para o fim. Vão

lá duas ou três vezes por ano. Pode ser assim ou não ser. Não é assim em todas as

secções. Mas, depois os processos saem todos ao mesmo tempo, o que faz dar muito

ou pouco trabalho. (F1)

Como refere o mesmo funcionário, é patente nesta metodologia a

ausência de “orientação e organização das secretarias”. “Os processos andam

todos ao mesmo tempo, quando a secretaria se lembra” (F1).

Ora, na ausência de critérios, o bom funcionamento da secção passa a

depender da iniciativa isolada e da proactividade dos funcionários que estão

em cargos de chefia e, na ausência destes, é mais um encargo que o juiz terá

que administrar para garantir o bom andamento dos processos. Nos tribunais

em que se percebeu maior liderança dos escrivães de direito ou dos

secretários, detectou-se também uma postura diferenciada no

aproveitamento dos recursos humanos. Este é, por exemplo, o caso do

escrivão de direito de uma das secções centrais analisadas que estabeleceu

um sistema rotativo de divisão de tarefas para garantir maior motivação dos

funcionários e assegurar que estes tenham uma visão do todo, aprendendo a

executar todas as funções. A eficácia talvez decorra do facto de este escrivão

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A prática dos actos: factores e caminhos para uma tramitação processual mais eficaz e com melhor qualidade

113

de direito, por iniciativa e expensas próprias, ter frequentado cursos de

formação em liderança.

6.2.2 Actos das secções e fluxos processuais

Mostramos, de seguida, alguns actos da competência das secções e os

fluxos processuais em três fluxogramas. Para refazermos graficamente o

caminho do processo entre as unidades orgânicas, escolhemos alguns actos e

um dos tribunais observados – o estudo de caso A. O nosso objectivo é

demonstrar, não só os actos praticados, como também discutir a sua relação

com a organização do tribunal, daí que, para manter a coerência da análise,

tenhamos escolhido apenas um dos estudos de caso.

Em todos os fluxogramas é visível a centralidade da secção de processos

na direcção da tramitação processual. Para além disso, foi possível perceber

que, no conjunto de actos praticados no interior das secções, em alguns

momentos a condução das tarefas é orientada ou de acordo com o método de

trabalho adoptado pela escrivã de direito, ou de acordo com o volume de

trabalho dos escrivães adjuntos e auxiliares.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

114

Fluxograma 1

Fluxo Secção Central – Secção de Processos: petição inicial

Secção Central

Petição

inicial

Grava o email

e respectivos

anexos

Imprime o email, os

anexos e o MDDE

Carimba o

papel e separa

Verifica os

requisitos de

admissibilidade

Verifica os

requisitos de admissibilidade

Abre, carimba e

separa a carta

Carimba e rubrica

as cópias, e entrega

uma ao apresentante

Verifica os

requisitos de

admissibilidade

Distribuição

Imprime as etiquetas e cola-as

Secção de

processos

Correio

electrónico

H@bilus

Correio

registado

Em mão

Habilus

Regista os dados

dos intervenientes e

do processo

Quando os advogados

solicitam o envio do duplicado carimbado, carimbam-no,

inserem-no no envelope selado

e colocam o envelope numa

caixa de cartas a enviar

Este fluxograma reproduz os actos e a divisão de tarefas observados antes da entrada em vigor da Portaria 114/2008. No

momento da observação, a distribuição era feita 2ª e 5ª feiras, às 12h.

Na Secção Central há dois funcionários com a tarefa de prestar atendimento ao público – um escrivão adjunto e um

auxiliar; outro escrivão adjunto é o encarregado da distribuição – sempre o mesmo funcionário.

Todos os requerimentos apresentados ao Tribunal, quer ao balcão em papel ou em formato digital, recebidos por fax ou

por email passam pela Secção Central – é feita a triagem dos papéis que são para distribuir, que ficam ao cuidado de um

dos escrivães adjuntos – e são aí registados sempre no dia em que são recebidos, apesar de, por vezes, o serem após o

encerramento ao público, às 16 horas, altura em que todos os funcionários da Secção Central passam a fazer o registo.

Depois de registados, os papéis são separados por juízo e são entregues por um funcionário da Secção Central à

respectiva Secção de Processos até às 17 horas.

Secção Central

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115

Escrivão

de Direito

Confere os papéis que lhe chegam com os

da lista de distribuição H@bilus

H@bilus

H@bilus

Distribui os papéis pelos escrivães adjuntos,

colocando-os nas suas secretárias

Escrivão

Adjunto

Verifica se o processo já está devidamente registado

Verifica a peça processual,

designadamente a competência territorial

Autua

Sistema de

custas

judiciais

Imprime a capa do

processo

Importa e encaminha o pagamento

da taxa de justiça para o processo

Imprime o comprovativo

dessa operação

Numera as folhas

Cola etiqueta na capa

onde fará anotações

prazos

Se a procuração tem

poderes especiais

escreve na capa

Junta a peça

Secção de Processos

Nas secções de processos existe, no sistema informático, uma lista de todos os papéis recebidos e remetidos para essa

unidade. Após o funcionário da Secção Central levar fisicamente os papéis distribuídos à secção de processos, um

funcionário desta secção “pica a lista” que está no sistema, isto é, através do número de registo aposto em cada papel

pela Secção Central consoante a ordem de entrada, confere os papéis que tem perante si com a lista emitida pela Secção

Central. Nos casos observados de autuação da petição inicial, após a autuação, não se procedeu de imediato (no próprio

dia) à citação.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

116

Note-se que o registo da petição inicial, e de outros documentos, é

realizado de forma mais ou menos expedita de acordo com o volume de

trabalho dos funcionários da Secção Central. Também os critérios de

distribuição dos processos aos escrivães adjuntos serão variáveis de secção

para secção, de acordo com o método do respectivo escrivão de direito.

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117

Fluxograma 2

Fluxo Secção Central – Secção de Processos – Gabinete do Juiz:

encaminhamento de um requerimento avulso

Requerimento

Correio

Registado

Correio

Electrónico

Confronta o número de

registo da carta com a lista

de registos dos CTT

Ao final do dia, juntamente

com o correio a enviar, CTT

recolhe a lista assinada

Assina os que correspondem

àquela secção central

Aos que correspondem a

outras unidades orgânicas,

assinala na lista, para, no final, entregar aos colegas e

pedir-lhes para assinar

Abre a carta

Imprime tudo

Abre os anexos

Abre o email

Verifica se é só um

requerimento para um processo. Se não for, tira

fotocópia(s) ao envelope e

agrafa o original a um dos requerimentos e a(s)

fotocópia(s) a outro(s)

Verifica se o requerimento

vem acompanhado dos

documentos que menciona

Agrafa o

envelope

2 3

Quando os documentos não

foram anexados, faz uma

nota junto do carimbo

Secção Central

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118

Secção de

Processos

Quando os advogados

requerem o envio de uma cópia do requerimento carimbada,

carimbam o duplicado,

inserem-no no envelope selado, põe o envelope numa caixa de

cartas a enviar

3 2

Faz o registo:

Selecciona a identificação do processo;

Identifica o autor da peça;

Caracteriza o requerimento;

Anexa o requerimento ao

processo

Guarda na pasta

do Habilus mail Habilus

Habilus

Carimba o requerimento em papel,

inscreve o número de registo, assina e deposita o requerimento no separador do

juízo em causa

Carimba o requerimento em

papel, inscreve o número de registo, assina e deposita o

requerimento no separador

do juízo em causa

Na Secção Central, dois funcionários judiciais dão entrada aos faxes e aos papéis (alternam entre si - às 2.ª, 4.ª e

5.ª, está um funcionário a fazer o atendimento; às 3.ª e 6.ª é outro). Quando não estão no atendimento, dão

entrada aos faxes, aos quais estão sempre atentos. Quando podem, ajudam na abertura do correio, mas só

raramente isso acontece. Também o funcionário encarregue das vídeo-conferências, quando pode, ajuda na

abertura do correio postal.

Um funcionário está encarregue de abrir os emails. De manhã, abre os emails e faz os registos. Quando chega o

correio postal, por volta das 10 horas, vai abri-lo e encarrega-se do correio registado. Um outro funcionário abre

o correio não registado. Quando acaba de abrir o correio postal não registado, ajuda no registado.

Depois de registados no Habilus e separados por juízos, os papéis são levados às secções de processos até às 17

horas.

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A prática dos actos: factores e caminhos para uma tramitação processual mais eficaz e com melhor qualidade

119

Escrivão

Auxiliar

“Pica a lista” dos papéis chegados

da Secção Central Habilus

Põe os papéis por ordem

numérica de acordo com o

número do processo

Procura os respectivos

processos Quando não encontra nas

prateleiras alguns dos processos, pesquisa no

H@bilus a sua localização

Se estiver no gabinete do juiz aguarda-se até ao fim da

semana que o juiz remeta o

processo para a secção, excepto se for um

requerimento urgente

Põe o processo no

carrinho de transporte, em pilhas referentes a

cada escrivão adjunto

Distribui essas pilhas pelas

secretárias dos colegas

Elabora notificação

Se for um papel

urgente, o auxiliar vai

levá-lo ao juiz

Escrivão

Adjunto

Abre folha de

conclusão

Imprime

Numera a folha

Junta ao processo

Conclusão Notificação

das partes

Juiz

Imprime o número de cópias

necessárias

Numera a(s) folha(s) a juntar ao

processo

Junta cópia(s) ao processo

Coloca no(s) envelope(s) e

envia

Habilus

Habilus

Se o juiz tiver muitos processos

conclusos pode o funcionário

abrir conclusão para alguns

dias mais tarde

O escrivão auxiliar por volta das 15.15h transporta o correio gerado naquela secção à Secção Central. No

fim do dia, o escrivão auxiliar arruma os processos no carrinho de transporte. Os processos que irão para o

gabinete do juiz ficam numa prateleira; noutra os que se destinam ao Ministério Público; e noutra os que são

para visto em correição. Na prateleira dos processos para o juiz, coloca numa pasta os processos urgentes e

actas para rever, assim como os processos que têm conclusão aberta para o dia seguinte.

Secção de Processos

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

120

Neste fluxo também foi possível identificar momentos em que a

definição do método de trabalho e a execução da tarefa concreta

dependerá da organização da secção e de cada funcionário. Por exemplo,

o momento de juntar o papel ao processo, fazer a notificação ou

conclusão variará de acordo com esses factores, podendo, como nos foi

referenciado, qualquer daqueles actos ocorrer em momento mais próximo

ou mais longínquo do acto que os precedeu.

Especificamente no fluxo Secção de Processos – Gabinete do Juiz está

representado o poder de controlo daquela sobre a tramitação do processo, uma

vez que para o juiz os processos a serem despachados dependem, em boa

medida, da secção de processos com o juiz a não ter o controlo sobre os

processos que estão pendentes. Eis aqui um bloqueio que a centralidade e

isolamento da Secção de Processos pode impor à gestão processual. Como se

verá mais adiante, um dos impactos positivos da desmaterialização apontado

pelos juízes é a possibilidade que estes agora passam a ter através do sistema

informático CITIUS de controlar os processos que estão distribuído à secção,

podendo, assim, mais facilmente acompanhar o movimento do trabalho da

secção de processos.

Essa separação entre secção de processos e gabinete do juiz também

pode originar bloqueios à gestão processual quando, por exemplo, dificulta a

sincronização do trabalho de ambos, designadamente que a agenda do juiz e a

sua quantidade de trabalho sejam concertadas com o volume e a actividade da

secção de processos. A falta de sincronia vivida pelo modelo actual de

separação das unidades orgânicas está exemplificada no seguinte depoimento

de um funcionário judicial:

O juiz tem os processos no gabinete que o funcionário decidiu levar para lá e decide

que vão para lá no momento em que entende que devem ir. Da mesma forma, o juiz

também decide o que envia para a secção quando entende que deve enviar.

Claro, que se o juiz se queixa quando vêm tantos processos num dia e vêm poucos

noutro dia, se calhar até posso estar bem organizado. Tiro os prazos à segunda, à

terça cumpro os despachos, à quarta juntos os papéis… posso ter a minha

organização, mas não há de facto nenhuma concertação entre a secretaria e o

gabinete do juiz (F4).

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A prática dos actos: factores e caminhos para uma tramitação processual mais eficaz e com melhor qualidade

121

É de referir que a reformulação da gestão processual em Espanha que

conduziu à criação de um novo modelo de oficina judicial tinha por objectivo

precisamente, superar o modelo atomizado de funcionamento das diferentes

secções, criando uma unidade organizacional que pudesse integrar e

racionalizar os critérios de gestão do trabalho entre os diferentes participantes.

Fluxograma 3

Fluxo Gabinete do Juiz – Secção de Processos

Escrivão

de Direito

Retira do carrinho de

transporte os processos

No sistema informático

altera a localização para

“unidade orgânica”

Habilus

Coloca os processos

em pilhas

Coloca essas pilhas nas secretárias ou armários

dos adjuntos As cartas precatórias são

separadas para serem tramitadas pelo escrivão

auxiliar

Gabinete

do Juiz

Escrivão auxiliar leva os

processos para a secção

Diariamente, em geral pela manhã, o escrivão auxiliar leva para o gabinete do juiz os processos e actas

de audiência trabalhados na Secção de Processos e traz de lá os que já tiverem sido despachados. Na

secção de processos, o escrivão de direito retira do carrinho de transporte os processos provenientes dos

gabinetes dos magistrados e distribui-os entre os adjuntos.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

122

O Fluxograma 3, ao representar o fluxo inverso do Gabinete do Juiz para

a Secção de Processos, reforça a falta de integração e sincronia entre estas

unidades. A Secção de Processos não interfere na quantidade de trabalho

devolvida pelo juiz, pelo contrário, é também por ela condicionada. Durante o

trabalho de campo, pudemos observar, por exemplo, uma secção de processos

que funcionava com níveis óptimos de produtividade, mas onde as funcionárias

se assumiam desmotivadas porque o ritmo de trabalho da juíza não

acompanhava o da secção e tampouco o ritmo a que estiveram acostumadas

com juízes anteriores.

6.2.3 Os actos das secções e o impacto da Portaria n.º 114/2008

Como já referimos, foi recentemente publicada a Portaria n.º 114/2008,

de 6 de Fevereiro, cujo objectivo principal é “a eliminação e simplificação de

actos e processos na justiça”, com vista a promover a facilitação do acesso à

justiça e a simplificação dos processos de trabalho nos tribunais através da

utilização intensiva das novas tecnologias (Cf. Preâmbulo).

Como demonstramos nos Fluxogramas seguintes, a implementação da

Portaria conduz à simplificação de alguns actos, criando uma distribuição

automática, eliminado a necessidade de impressão em papel de muitos

actos e eliminando etapas no curso do processo.

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A prática dos actos: factores e caminhos para uma tramitação processual mais eficaz e com melhor qualidade

123

Fluxograma 4

Encaminhamento da petição inicial antes e depois da vigência da Portaria 114/2008

Petição inicial

Correio

electrónico

Imprime o email, os

anexos e o MDDE

Grava o email

e respectivos

anexos

Carimba o

papel e separa

Verifica os requisitos de

admissibilidade

Habilus

Habilus

Distribuição

Imprime as etiquetas e

cola-as

Secção de

processos

Regista os dados dos

intervenientes e do processo

Petição

inicial

Plataforma

informática

Distribuição

Automática

Secção de

processos

CITIUS

Imprime

Habilus

Funcionário acede

ao registo e retira a indicação de

suspensão

Habilus

Secção Central

Secção Central Antes da entrada em vigor da Portaria

Depois da entrada em vigor da Portaria

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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Fluxograma 5

Actos de conclusão e notificação antes e depois da vigência da Portaria 114/2008

Abre conclusão

electrónica

Elabora notificação Habilus

Habilus

Conclusão

Notificação das partes

Juiz

Os processos vão

fisicamente para o gabinete,

excepto quando

tal seja dispensado pelo

juiz

CITIUS

Imprime o número de cópias necessárias

Coloca no(s) envelope(s) e envia

Coloca no(s) envelope(s) e envia

Junta ao processo

Junta cópia(s) ao processo

Numera a folha

Numera a(s) folha(s) a juntar ao processo

Imprime

Imprime o número de cópias necessárias

Abre folha de

conclusão

Elabora notificação Habilus

Habilus

Conclusão

Notificação

das partes

Juiz

Os processos vão

fisicamente para o

gabinete

Antes da entrada em vigor da Portaria Depois da entrada em vigor da Portaria

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A prática dos actos: factores e caminhos para uma tramitação processual mais eficaz e com melhor qualidade

125

Como se pode verificar nos Fluxogramas 4 e 5, os ganhos de

produtividade são evidentes, com a automatização de alguns actos (como a

distribuição automática) e a eliminação de etapas de trabalho (como a

impressão dos documentos, a junção de papéis ao processo e a respectiva

numeração das folhas). Também a simplificação de alguns procedimentos foi

apontada como um ganho de eficiência muito positivo.

Na verdade, aquando da realização do trabalho de campo, muitos

funcionários salientaram o grande benefício com a economia de tempo que o

fim da impressão e junção dos documentos implicou. Essa percepção foi

verificada, sobretudo, na Secção Central e, na secção de processos, no

trabalho dos escrivães auxiliares, que eliminaram muito do seu tempo de

trabalho dispendido com a tarefa de junção de papéis.

Mas, como já referimos, a adopção das inovações tecnológicas

implica reflectir sobre: (1) a necessária adaptação dos espaços físicos; (2)

a capacidade dos recursos materiais para suportarem as exigências da

desmaterialização; (3) a eventual adaptação do quadro funcional à nova

realidade; (4) a formação e acompanhamento necessários para enfrentar

possíveis resistências; e (5) a reconversão e requalificação dos

funcionários, no sentido de adquirirem competências necessárias à

utilização das novas ferramentas. Como temos vindo a demonstrar, este é

um processo que, entre nós, ainda enfrenta muitos obstáculos67. Neste

67 Estas observações analisam a realidade do projecto de desmaterialização tal como se apresentou no decurso do trabalho de campo. Mas não podemos deixar de referir que este é um processo em curso, cuja concretização de etapas futuras podem vir a sanar algumas das deficiências que apontamos. Num dos painéis de discussão, um dos funcionários avançou expectativas futuras quanto à evolução dos actuais sistemas informáticos, o que faz prever a resolução de alguns dos problemas ainda evidenciados: “(...) Há aqui uma série de actos que vão ter de ser corrigidos em função da portaria 114. Isso já nós vimos e há uma quantidade de coisas que hão-de chegar ao dia 30 e vão estar por fazer. É um processo que vai demorar, porque mexer no sistema que temos leva o seu tempo. Não temos outra solução. Relativamente àquilo que P4 disse, efectivamente falta-nos completar o resto do circuito. Ou seja, vem o sistema electrónico dos advogados, dá a volta toda e quando tem de regressar ao advogado a notificação vai a papel. Ora, primeiro tem de haver aqui alguma alteração legislativa, mas para além disso, que creio que seria feito relativamente rápido e sem problemas, Relativamente às injunções, os advogados já são notificados electronicamente através do “CITIUS mandatários judiciais”. Não há qualquer tipo de papel em termos de notificações. Relativamente aos restantes processos, aos processos comuns, irá ser criado um sistema idêntico, onde em vez do funcionário imprimir a carta e apesar de ter o correio facilitado, vai passar a ser tudo automático, ou seja, clicar no botão e aquilo vai via electrónica e volta na mesma via. Não só traz economias em custos, como também em tempo, pelo menos a perda de tempo com o correio, na parte de dobrar, etc. Isso é algo que vai acontecer seguramente. Não é via electrónica, é através da Web, o mesmo

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

126

contexto, volta-se a ressaltar a importância da formação, não só para permitir

que seja extraído das ferramentas electrónicas o maior proveito possível, como

também para actuar como um mecanismo de suavização das resistências. O

depoimento de um funcionário é ilustrativo dessa necessidade:

Se a formação não for dada no momento certo, o caminho torna-se mais difícil. Isto não

é difícil, o que é difícil é a sua execução. Por exemplo, no tribunal em que eu trabalho

aconteceu isto de um dia para o outro com as execuções. Tinha-se o hábito de imprimir

meio com que eles comunicam para nós, nós comunicamos para eles. É tudo via Web, tudo mais seguro. Isto vai ser o grande salto. Depois, só para termos uma ideia daquilo que há para fazer e está previsto ser feito, até meados do ano ou até às férias, é a desmaterialização completa do registo criminal, integração completa entre o Habilus e o SICRIM, que é um sistema novo que está a ser criado e que vai desmaterializar o registo criminal. Vamos passar finalmente a ter um registo criminal quase online, portanto já não vamos demorar aqueles três meses quando pedimos para vir os certificados. Temos também até ao Verão a questão dos DIAPs. Temos uma empresa a trabalhar connosco, no sentido de fazer não só a migração das bases de dados do SGI para o Habilus, como inclusive desenvolver um conjunto de funcionalidades, que vai permitir a prática de um conjunto de actos em lote, para já dedicado ao inquérito nesta primeira fase, mas que vai ser alargado a todas as áreas processuais. Vai permitir às secretarias, com maior facilidade, praticar os actos. Depois temos também a questão das custas judiciais. Portanto, o regulamento das custas que está a começar a ser desenvolvido por uma equipa da DSI da DGAJ do Porto, que é um programa autónomo, mas vai estar integrado no Habilus, ou seja, vai ser algo melhor que o sistema actual, em que há importação dos dados do Habilus para o actual sistema das custas. Vai estar integrado, mesmo a conta, há-de cair nos processos respectivos, evitando a possibilidade das pessoas andarem a anexar e a digitalizar, etc. Temos também a questão, mais para breve, para iniciar a partir do dia 7 de Abril, que é a distribuição automática, vai deixar de ter uma intervenção humana sempre que os processos estejam prontos para a distribuição. Vamos ter o acesso à Segurança Social e a todas aquelas entidades que constam do menu e que estão previstas serem integradas no Habilus. Vamos passar a ter acesso a informações que, hoje em dia, demoram meses. Portanto, tudo isto está previsto ser desenvolvido até às férias. O que não acredito, porque há sempre muita coisa que se mete pelo meio. Esta semana vai ser colocado nos tribunais um módulo de estatística, que vai substituir o actual, para além de conter tudo o que a análise de pendências tem melhorado, pode inclusive cruzar alguns dados, por unidade orgânica, por magistrado, por tipo de crime. (...) Dentro em breve vão acabar os mapas mensais. Quero acrescentar que, para além de todos os mapas que já existia e que foram melhorados com outro tipo de critérios, adicionámos mais alguns, nomeadamente ao nível da distribuição, onde é possível ver-se aquilo que até agora não era possível. Podemos conhecer acções por complexidade, nas distribuições penais, porque no crime não há papéis de distribuição, nós criamos a complexidade para se dividir os presos, os soltos, os complexos. Inclusive na parte dos processos de crimes prioritários, é necessário saber que tipo de decisões foram tomadas. Está previsto inclusive cálculo do tempo médio da duração do inquérito. Dentro de um determinado tempo findaram um determinado número de inquéritos, sabemos como findaram, inclusive sabemos aqueles que findaram e o tempo médio daqueles que findaram para dar uma noção se estão a demorar mais ou se estamos a obter ganhos relativamente a isto. (...) Fizemos um modo que está em fase experimental de gravação digital para as audiências, completamente integrado no sistema, com todas as virtualidades que possam advir daí. Não têm de fazer rigorosamente nada. Numa primeira fase, a gravação vai ser enviada para CD ou DVD. Futuramente, aquilo que se pensa fazer, penso que num espaço relativamente curto, são gravações que passam a ficar centralizadas no serviço central e que por sua vez possam ser disponibilizados através do CITIUS para advogados e para magistrados”. (P4)

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A prática dos actos: factores e caminhos para uma tramitação processual mais eficaz e com melhor qualidade

127

os requerimentos executivos, a partir do dia em que foi publicada a portaria dei

indicações para nada mais ser impresso na Secção Central, e expliquei às pessoas

como se faz. Hoje já quase não tenho papéis na Secção Central. Claro que isto foi feito

de forma concertada com os juízes, para saberem que deixavam de receber papéis

para receber comunicações electrónicas e que no caso das execuções não tinham de

imprimir nada. Não sei se alguma vez houve alguma hesitação com a mudança de

procedimento. Mas estamos tão rotinados com o nosso trabalho que é preciso

que alguém alerte que a partir de hoje deixa de ser assim. Penso que era

fundamental nesta fase fazer isto. Sinceramente, em relação aos juízes, estava à

espera de uma reacção menos boa. Mas depois de conversarmos um bocado,

perceberam isto. Uns com mais rapidez que outros, todos aceitaram pacificamente

(F4).

O depoimento também aborda a necessidade de acompanhamento dos

impactos das alterações na rotina de cada funcionário. De facto, não nos

podemos esquecer que a modernização também pode servir para a

consolidação de um modelo técnico-burocrático de gestão processual e, nesse

caso, significaria não muito mais que a simplificação e automatização de

alguns procedimentos mantendo inalteradas as rotinas e os métodos de

trabalho. Nesse caso, um dos maiores riscos é, ao simplificar a rotina de

trabalho do funcionário, provocar a sua automatização e um maior

alheamento da gestão do processo e do serviço como um todo. Esse

perigo foi apontado por um funcionário durante o painel de discussão:

A aplicação HABILUS facilitou muito e uniformizou critérios de trabalho, porque até

aqui, até os modelos de impressos que se utilizavam variavam de tribunal para tribunal.

Só que agora temos outro problema, a excessiva dependência do HABILUS e a

automatização dos funcionários que, aliada a ausência ou deficiente formação,

não se preocupam saber como se tramitam os processos, limitando-se a

procurar saber se o que vão fazer está ou não no HABILUS (F6).

Consideramos, por isso, que a informatização deve implicar um

repensar dos métodos de trabalho e da organização de serviço tendo em

vista uma perspectiva gestionária da tramitação processual baseada em

critérios de racionalização, optimização e orientada para a eficácia,

eficiência e qualidade da justiça do caso concreto.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

128

Como se pode ver na tabela seguinte, o processo de desmaterialização,

para além das facilidades que implica, vem também acompanhado de

dificuldades e preocupações vivenciadas pelos operadores judiciários. Na

Tabela 3, sistematizamos o discurso dos operadores judiciários que emergiu do

trabalho de campo.

Tabela 3

A desmaterialização do processo na opinião dos funcionários entrevistados

Potencialidades Problemas Preocupações

Confere maior confiança,

segurança e transparência ao

sistema.

É difícil visualizar de forma

desmaterializada peças

processuais extensas.

Se o sistema evoluir nesse

sentido, as partes, por qualquer

motivo, podem não conseguir

aceder às notificações

electrónicas que lhes forem

feitas.

Permite administrar a

pendência do juízo, controlar

os processos e acompanhar o

trabalho da secção.

Lentidão do sistema,

sobretudo quando é

necessário trabalhar com

mais de uma aplicação.

Dúvidas quanto à capacidade

do sistema em arquivar todos

os dados.

Poupa tempo: o recurso ao

papel, actualmente, leva a

procedimentos e rotinas de

trabalho desajustados com a

realidade e a gastos

desnecessários.

Abandonar o papel como

suporte de trabalho. O papel

permite um acesso e consulta

mais rápidos e um maior

volume de informação.

Receio de que se extraviem

documentos.

Permite libertar os funcionários

de tarefas, como furar os

papéis e juntá-los aos

processos.

Cortes de rede que

prejudicam a comunicação

electrónica.

Sistema não ter capacidade de

resposta e velocidade

suficientes para atender às

necessidades dos utilizadores.

Facilita o cumprimento de

prazos por parte dos

advogados.

Impossibilidade de trabalhar

no CITIUS fora do tribunal. Não existir um “arquivo virtual”.

A tramitação das cartas precatórias é um exemplo de dificuldades na

informatização sem recursos materiais adequados, como decorre do

Fluxograma seguinte:

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A prática dos actos: factores e caminhos para uma tramitação processual mais eficaz e com melhor qualidade

129

Fluxograma 6

Circuito das cartas precatórias na vigência da Portaria 114/2008

Tribunal Deprecante

Envia Carta Precatória e

Documentos por via postal

Envia Comunicação

Electrónica

Secção

Central

Aguarda a chegada

de documento

Remete apenas a Comunicação

Electrónica

Secção de

Processos

Encaminha o suporte em papel

Abre conclusão electrónica

Juiz

Profere despacho electrónico “Cumpra-se”

Secção de

Processos

Remete os documentos em

suporte de papel

Funcionário

recolhe o suporte

em papel

Encaminha a ordem de cumprimento

electrónica

Secção de Serviço Externo

Habilus

Habilus

Habilus

CITIUS

Habilus

Chegada de documento(s)

Anota a data em que foi

recebido o documento

Distribuição Habilus

Remete documento(s)

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

130

Como o Fluxograma aponta, depois da implementação da Portaria, as

cartas precatórias são enviadas telematicamente e distribuídas de forma

automática pela Secção Central, eliminando-se a etapa da impressão.

Contudo, como os documentos que acompanham o processo não são

digitalizados (de acordo com a informação dos funcionários porque muitos

tribunais não possuem, ainda, digitalizadores), o andamento das cartas

precatórias dentro do tribunal é feito de duas formas: telematicamente e no

papel.

6.2.4 A necessária adequação das regras processuais

Nos debates que no âmbito de diversos estudos sobre a reforma da

justiça cível temos vindo a realizar há um relativo consenso quanto à

necessidade de criação de novos paradigmas processuais. Essa foi, por

exemplo, a posição assumida pela maioria dos intervenientes nos painéis de

discussão realizados no âmbito do estudo sobre o mapa judiciário. Esta

questão voltou a emergir no debate quando se discutem medidas e

mecanismos para melhorar a gestão processual.

Consideramos, como já escrevemos em outros trabalhos, que é

fundamental fazer-se entre nós uma ampla discussão que nos leve à

adopção de regras processuais menos complexas e menos burocráticas,

e, consequentemente, menos indutoras de morosidade e mais adequadas às

expectativas dos cidadãos e ao seu tempo social. Este processo tem que ser

orientado pelos princípios da oralidade, celeridade e simplificação de

procedimentos e tratar, obrigatoriamente, de forma desigual os litígios de baixa

e alta intensidade. A avaliação da reforma em curso do Regime Processual

Civil Experimental será um auxiliar fundamental nessa discussão.

Não basta, pois, simplificar procedimentos. É fundamental que se

crie um reforço da oralidade, quer nos actos das partes, quer nos actos

jurisdicionais. Como nos foi amplamente referido por vários dos agentes

judiciais entrevistados, continuamos com um excessivo peso da escrita, quer

nas peças processuais apresentadas pelas partes, quer nos despachos dos

juízes, em especial das sentenças.

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A prática dos actos: factores e caminhos para uma tramitação processual mais eficaz e com melhor qualidade

131

O “atavismo” processual tem efeitos negativos na tramitação do

processo, não só porque é ele próprio indutor de morosidade, mas

também porque diminui a eficácia da aplicação das novas tecnologias à

gestão processual. Como foi amplamente referenciado pelos agentes

judiciais, há uma clara desadequação entre regras e práticas processuais e

os objectivos de celeridade, racionalidade e eficácia pretendidos, como

se estivéssemos em dois tempos distintos e dessincronizados.

A tramitação processual, prevista nas leis de processo, e enraizada nas

rotinas e cultura judiciária, é uma tramitação que tem o seu lastro na cultura do

papel, assente em despachos judiciais extensamente fundamentados; em

sentenças de várias páginas, que repetem a base instrutória, os fundamentos

das partes, extensa doutrina; e em articulados e requerimentos das partes

extensos, com longas repetições de factos e de argumentação jurídica68. Esta

cultura processual é difícil de transpor, com ganhos de eficácia e de

qualidade, para a tramitação telemática. É exemplo dessa dificuldade o facto

de numa das secções centrais em que realizámos trabalho de campo ter sido

recebida uma petição inicial, cujo anexo contava com 790 documentos. A

escrivã adjunta demorou um dia inteiro para proceder à sua digitalização69.

Também os juízes mostram preocupação com o facto de a

desmaterialização não comportar o peso de uma cultura jurídica baseada em

normas e peças processuais pouco simplificadas:

(…). A nossa cultura exige a fundamentação de facto e de direito. A isto não escapamos.

(…) Eu já vi sentenças de tribunais franceses e espanhóis mais simplificadas do que as

nossas. Isto tem a ver com a cultura judiciária. Eu vejo com muita dificuldade fazer um

saneador sem um suporte de papel. (Ent. 48)

Eu, hoje, para dar um despacho tive de abrir seis anexos. Eu demorei à vontade dez

minutos. (Ent. 47)

68 Sobre esta questão, Cf. Observatório Permanente da Justiça Portguesa. Os actos e os tempos dos juízes: contributos para a construção de indicadores da distribuição processual nos juízos cíveis. 69 Foram apontados ainda outros exemplos dificultadores da agilização da tramitação processual, como a existência de vários prazos de dilação, a diversidade de normas relativas à citação e notificação e a possibilidade de existirem muitos incidentes.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

132

Sem alterações de fundo no paradigma processual e cultural, a

informatização, ao modificar apenas o meio de comunicação da tramitação

processual mantendo inalteradas as regras processuais e os métodos de

trabalho, além de não provocar grandes ganhos na eficácia da tramitação

processual (os magistrados queixam-se que não conseguem acompanhar o

ritmo da secção de processos, o que leva a que os processos parem mais

tempo na sua secretária) poderá, ainda, a curto prazo, promover a “duplicação

de processos” com um processo oficial a tramitar telematicamente e outro

“informal” com todas as peças processuais impressas.

Como temos vindo a referir, a eficácia na gestão processual da

concretização da desmaterialização implica a alteração de um conjunto de

factores com ela relacionados, como sejam a alteração da organização e

dos métodos de trabalho, o bom funcionamento dos recursos humanos e

materiais, a alteração no paradigma processual e na cultura jurídica, entre

outros. Sem esse respaldo, podemos assistir não só a poucos ganhos de

eficácia na gestão processual, como ainda a alguns efeitos perversos da

reforma, como a duplicação do trabalho em que, paralelamente aos actos

virtuais, são mantidos os actos manuais.

O aumento da eficácia, da eficiência e da qualidade da tramitação

processual passa pela mudança da lei, mas passa também por mudanças

culturais, quer da advocacia, quer das magistraturas. Este processo de

mudança é lento, mas só se pode fazer com dinâmicos e alargados espaços de

debate e, sobretudo, com um programa estratégico de formação.

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A gestão efectiva do caso concreto

133

7. A gestão efectiva do caso concreto

Como temos vindo a demonstrar, são múltiplos os factores que

condicionam a melhoria da qualidade e eficiência do sistema judicial e,

em último grau, da administração da justiça. Regras processuais, políticas ou

medidas gestionárias, organização judiciária, organização interna das

estruturas judiciais, designadamente das secções de processos, métodos de

trabalho, modernização tecnológica, adequação das infra-estruturas, formação,

colocação e progressão na carreira dos agentes judiciais e cultura judiciária,

são factores a ter em conta quando o objectivo é elevar a qualidade, eficiência

e a cidadania da justiça. Naturalmente que conseguir o ponto óptimo de todos

eles num dado sistema judicial (e o ponto óptimo seria sujeito a diferentes

interpretações) é objectivo quase impossível. Por isso, o que consideramos

fundamental é que as alterações sobre cada um deles não percam de vista

uma perspectiva sistémica e a interacção necessária com todos os outros.

É na forma como os tribunais tramitam e decidem os processos

concretos, isto é, respondem à procura que lhes é dirigida que todos

aqueles factores se interseccionam e combinam. A eficácia, eficiência e

qualidade dessa combinação determina igual eficácia, eficiência e

qualidade na resolução do caso concreto.

Nesse percurso, é crucial o modo como se faz a participação e

interacção dos diferentes intervenientes processuais. Como refere Lopes

(2008: 1), defendendo a necessidade de abandono da cultura do «isolamento»,

“a cooperação intersubjectiva entre os vários operadores no sistema

judiciário, sem prejuízos das competências funcionais de cada um, é

assim fundamental por um lado na compreensão do funcionamento do

sistema e, por outro, na produção e melhoramento de resultados

adequados no sistema produtivo”.

De entre todos os intervenientes, é ao juiz a quem os sistemas judicias

atribuem um papel mais activo na gestão do caso concreto. Ao juiz é

conferido um papel central na prossecução de uma gestão processual

orientada para a eficácia, eficiência e qualidade do caso concreto. “Ao juiz

pede-se um conjunto de actos e procedimentos que a nenhum outro «sujeito da

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

134

organização» tribunal é pedido. (…) O juiz é também a face visível da justiça

perante o cidadão que acede ao tribunal” (Lopes, 2008: 3).

Contudo, como veremos, tal como em muitas outras áreas do sistema

judicial, a prática está, entre nós, longe desse objectivo, embora se

defenda a essencialidade de o juiz assumir efectivamente esse papel. A

grande questão é, pois, de como fazer que tal aconteça.

7.1 O papel do juiz no confronto entre duas visões na tramitação do caso

concreto: a técnico-burocrática vs a gestionária

Confrontam-se duas perspectivas sobre a tramitação de um dado

caso/processo: uma técnico-burocrática que tende a privilegiar o processo

como uma sequência de actos em que cada um dos intervenientes processuais

(partes, advogados, funcionários e juiz) pratica os actos que a lei lhes atribui; e

outra que olha para o caso concreto, nas suas diferentes dimensões, que

subjaz ao processo. Esta última perspectiva pressupõe, sem colocar em

causa os direitos e garantias das partes, uma gestão tendencialmente

diferenciada de cada processo, considerando as suas características,

como a natureza do litígio, o valor, o número de intervenientes, etc. Esta

gestão do caso concreto confere ao juiz um papel crucial podendo, para tal,

recorrer a um vasto conjunto de medidas.

Ora, como resulta do nosso trabalho de campo, e apesar de alguns

passos dados, domina entre nós, sobretudo no âmbito da justiça cível, uma

visão técnico-burocrática do processo. Como reconhece um dos juízes

entrevistados:

nos nossos tribunais ainda impera muito a rotina, o funcionamento burocrático, o

trabalhar, sobretudo, para aquele dia e não para a finalidade do processo (...)Tudo

passa por tramitar tudo para a etapa seguinte e se a etapa seguinte é o saneamento do

processo e não a decisão final, obviamente cria-se ali o sentimento de se estar a

trabalhar para outras etapas seguintes que nunca são a etapa final da decisão final.

(P5)

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A gestão efectiva do caso concreto

135

Esta visão técnico-burocrática leva a que, por exemplo, haja uma cultura

nos funcionários judiciais no sentido de darem prevalência ao cumprimento dos

despachos.

O que o juiz despacha transforma-se no primeiro objectivo de serviço para o

funcionário, ele quer cumprir logo, deixando parados os outros processos até que, um

certo dia, se lembra de “tirar prazos”. As inspecções do COJ também fomentam esta

actuação. As inspecções, na avaliação que efectuam ao desempenho dos

funcionários, dão prevalência ao cumprimento atempado dos despachos e

decisões proferidas e não ligam tanto ao que está lá parado há anos. (P4)

Não basta, pois, tramitar ou agir relativamente ao caso concreto de

acordo com as regras processuais (elas próprias, em muitos aspectos,

devem ser objecto de alteração), mas, e ainda, de acordo com objectivos

orientadores e mecanismos de gestão processual, com o propósito de

uma decisão final que seja, simultaneamente, justa e rápida:

se os dois objectivos fundamentais são obter uma decisão justa e rápida então

todo o processamento deve ter em consideração esse objectivo. Nesse sentido, o

juiz deve ter poderes em qualquer área que lhe permitam chegar a essa decisão

rapidamente. As diligências processuais e todas as diligências de prova devem ser

feitas nesse sentido. (P2)

Se é certo que o papel central é do juiz, essa perspectiva tem que ser

assumida por todos os intervenientes do processo, em especial pelos

magistrados e funcionários, vencendo-se uma cultura em que o

desempenho funcional está muito assente em rotinas e na tendência para

um produtivismo quantitativo. O trabalho desenvolvido pelos vários

intervenientes deve ter como objectivo central a decisão/resolução final do caso

e “não para marcar diligências ou para despachar processos ou para dar

decisões formais de rotatividade do processo (...). As próprias regras do

processo devem conter a ideia de que o objectivo final é o da decisão

final (da sentença). Toda a preparação do processo tem o objectivo claro de

marcar uma audiência de julgamento e de proferir a decisão final” (P5).

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

136

As regras processuais podem, de facto, funcionar como

estimulador de uma cultura de gestão do caso concreto, ou, pelo

contrário, como um bloqueador a essa perspectiva. A actual estrutura do

processo civil, ao contrário do que acontece com outras regras processuais,

como é o caso do Código de Processo do Trabalho, é, tendencialmente, vista

na segunda perspectiva, isto é, como factor de bloqueio.

O Código de Processo Civil (CPC), ao contrário do Código de Processo do Trabalho

(CPT), não aponta logo o fim do processo. O CPP e o CPT já o fazem. O processo

entra e logo é marcado o julgamento com vista à finalização do processo. A

audiência inicial de partes no processo do trabalho, após a entrada da petição inicial,

marca logo de início a disciplina dos actos até ao termo do processo e isso faz toda a

diferença em relação ao processo civil. (P1)

Cada caso/processo concreto deve, assim, ser orientado, desde a sua

entrada no sistema, em função da decisão final:

a questão fundamental é esta: quando se começa o processo é preciso ter em

atenção, logo, o tempo da decisão final, marcar e controlar esse tempo e, depois,

gerir em função dele. Evidentemente que isso tem a ver, também, com os aspectos

da organização do tribunal, já que, por exemplo, não é possível marcar julgamento a

quatro meses do início do processo se não houver salas de audiência disponíveis para

alcançar esse objectivo. (P1)

A necessária diferenciação gestionária do processo

Como acima referimos, uma das dimensões essenciais da gestão

processual é, na verdade, a utilização de mecanismos adequados a

proferir uma decisão que seja, simultaneamente, justa e rápida. Para

alcançar tal objectivo, impõe-se “ao juiz que na visualização do trabalho

distribuído possa, desde logo, diferenciar o tipo de processos e nestes o

tipo de actividades mais ou menos complexas que lhe são exigidas. A

constatação desta evidência e a sua concretização prática implica, desde logo,

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A gestão efectiva do caso concreto

137

a possibilidade de gerir melhor toda a actividade que cada um dos processos

exige ao magistrado” (Lopes, 2008: 15)70.

Esta diferenciação, que permitirá ter uma visão estratégica do

processo, quer no que respeita à sua duração previsível, quer aos actos a

praticar e à sua complexidade, necessita de recorrer a critérios mais amplos

do que os actualmente definidos nas regras processuais em função do

valor e da natureza do processo. Especificamente no que respeita ao

processo civil, o nosso estudo mostra que a diferenciação em função do

valor e da forma processual, ou mesmo em função das espécies de

distribuição não é suficiente para abarcar a pluralidade da actuação

exigida ao magistrado judicial em cada caso concreto.

Esta insuficiência de critérios legais de diferenciação processual é

realçada por um entrevistado da seguinte forma:

há, ainda, outra dimensão que é preciso articular, é que a diferenciação entre

processos não é uma diferenciação que está clara nas normas processuais

legais, isto é, actualmente o nosso tipo de litigância não se compadece com a

distribuição de espécies processuais consagradas que nada têm a ver com o

peso, por vezes, que os processos têm, nem, porventura, era possível articular na lei

tudo aquilo que é necessário fazer para a gestão processual para distinguir espécies

processuais e para distinguir tipos de casos. Isto é, um tipo de caso pode ter um

impacto grande no funcionamento do tribunal sendo uma espécie processual com

pouco peso, sendo que, às vezes, as espécies processuais também não fazem

distinguir o peso que o processo deve ter e qual é o tempo disponível ou o esforço que

o sistema deve implementar para a resolução daquele caso. Temos que ir mais além

e permitir que, relativamente aos casos em presença, eles possam ser diferentes

consoante os graus e formas de intervenção gestionária atendendo, por exemplo,

à complexidade, à novidade dos casos, à capacidade, e estratégia ou atitude dos

advogados, às rotinas, às ordens práticas, às informações, às inspecções

judiciais, às circulares dos Conselhos, à importância económica, social ou

mediática dos próprios casos. Há casos em que o juiz, pelo impacto mediático que

tem o processo, deve ter uma gestão diferenciada. O caso Casa Pia podia ser um

processo tratado numa audiência de julgamento que não demorava mais do que

70 Lembramos aqui as recomendações da CEPEJ, explanadas no ponto 5, chamando a atenção para a necessidade de adaptação da tramitação processual à complexidade do caso.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

138

algumas horas, o que não ocorreu, pelo impacto político que teve, pela dimensão

mediática, pela estratégia das partes envolvidas. (P5)

Ainda o mesmo magistrado, cuja perspectiva analítica se justifica

continuar a citar.

Tem que perceber que os casos funcionam, não só com as espécies processuais

que estão em causa, com as regras processuais, mas também com a dimensão e

o peso processual que concretamente está ali em causa. Tem que se olhar para a

identidade social das partes, eventualmente, para a estratégia dos advogados e tem

que criar, ao mesmo tempo, graus de procedimento “tarifado” para algum tipo de

litigância; e para outros, tem que se criar obviamente uma disposição de agenda e

tramitações que sejam adequados a cada caso sem prejudicar o tratamento equitativo

das partes e sem entrar em dessintonias ou violando até o princípio da igualdade das

outras partes. (P5)

Em sentido idêntico, um outro entrevistado referiu que:

há algo muito importante, que nada tem a ver com a lei, quer do processo civil, quer do

processo penal, mas tem a ver com a diferenciação processual. É preciso de uma vez

por todas encarar o facto de termos que tratar de forma diferenciada o que é

diferente. Já hoje há processos especiais que são diferentes em função do tipo de

interesses, do valor, da natureza do processo, etc., mas não temos, por exemplo, em

nenhuma lei - nem talvez teremos que ter alguma lei mas apenas em termos de gestão

– assegurado o princípio da diferenciação do tempo previsível da resolução. Se

eu sei que para fazer uma sentença de divórcio litigioso ou uma acção de despejo por

falta de pagamento de rendas demoro cerca de “cinco minutos”, sei que aquela acção

vai demorar menos do que dez minutos e posso gerir o meu tempo em função dessa

previsão. Agora, se tiver uma acção de empreitada que tem problemas jurídicos

complicadíssimos, tenho que ter à partida a possibilidade de prever que aquela acção,

nomeadamente a decisão, me vai levar uma semana a fazer e tenho que ter a minha

agenda programada para efectuar numa semana uma decisão complicada que tem o

mesmo peso numérico que a decisão do arrendamento que demorou só cinco minutos.

A previsibilidade da resolução do caso é um dos itens fundamentais em termos

de gestão que temos que levar em consideração. (P2)

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A gestão efectiva do caso concreto

139

Já no projecto de investigação realizado em 2002 pelo Observatório

Permanente da Justiça Portuguesa, denominado “Os actos e os tempos dos

juízes: contributos para a construção de indicadores da distribuição processual

nos juízos cíveis”, se chamava a atenção para a variação significativa, não

só das durações dos processos, mas ainda do tempo dispendido pelo

magistrado judicial na prática dos seus actos, consoante o objecto de

acção71.

Como se demonstrou, “conhecendo os actos efectivamente praticados

pelo juiz nos diferentes tipos de acções (…) e sabendo o tempo que o juiz

necessita, em média, para os praticar seria possível determinar o que

designámos de ‘tempo esperado do juiz por processo de determinada

categoria de objecto de acção’ (o número médio de horas de dedicação do

juiz com um determinado processo de determinada categoria de objecto da

acção) e, a partir desse indicador, fazer uma projecção para todos os juízos

cíveis” (2002: 339).

O conhecimento da duração média e do “tempo esperado do juiz”

para os diferentes tipos de litígios são auxiliares importantes do

desenvolvimento de medidas de gestão processual.

O planeamento e agendamento dos principais actos jurisdicionais

O planeamento e agendamento, eficazes e logo que o processo se

inicie, dos principais actos jurisdicionais, em especial das audiências

preliminares, despachos saneadores, audiências de discussão e

julgamento e sentenças, são considerados como instrumentos

fundamentais da gestão do caso concreto.

Nesse sentido, Lopes (2008: 12) defende que uma gestão proactiva do

processo implica um “planeamento e calendarização atempado e realista que

tenha em consideração o tipo de processo e o seu objectivo”. Aquele autor

71 Sobre esta questão, chamava-se a atenção para dois aspectos. Por um lado, que “o peso relativo de cada intervalo de duração daquelas acções [declarativas] sofre variações significativas se considerarmos o objecto de acção. O peso relativo dos intervalos de duração igual ou superior a dois anos é maior nas acções de direito de propriedade e outros direitos reais e nas acções relativas a actos, contratos e outras acções (sem dívidas)” (2002: 152-153). Por outro, no que respeita aos tipos de actos praticados pelo magistrado judicial em processos cíveis, que foram categorizados em 37 tipos, “que as durações médias estimadas para cada uma das 37 categorias são muito distintas, havendo actos com uma duração estimada (mínima) de 4,85mn e outros com duração estimada (máxima) de 141mn” (2002: 358).

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

140

defende, assim, um “sistema de pré-marcações de julgamentos em dias

certos e definidos, que sirva de referência ao tribunal, às partes e aos

seus advogados, bem como à administração judiciária, a fim de assegurar a

gestão de recursos humanos e prever a escala de juízes. Para aproveitar as

vantagens de um sistema de fixação prévia de datas importa determinar o

momento exacto em que pode decorrer a audiência, tendo em conta a

evolução do processo”.

Resulta do trabalho de campo realizado no âmbito deste estudo que esta

é uma matéria que é decidida de forma subjectiva por cada juiz e nem sempre

muito articulada dentro do tribunal, verificando-se muita heterogeneidade.

Se é certo que haverá sempre um grau de subjectividade na

metodologia de trabalho de cada juiz72, também é verdade que envolvendo a

prática de alguns dos actos jurisdicionais outros recursos do tribunal,

72 A metodologia de trabalho adoptada nos vários tribunais e, inclusive, dentro do mesmo tribunal pelos vários juízes é muito diversa. No tribunal F, uma magistrada (Ent.17) referiu que marca as diligências das acções sumárias e AECOPECs para o período da manhã, reservando as tardes para inventários, para o expediente e para processos urgentes, marcando diligências para todos os dias da semana. Já uma outra magistrada judicial do mesmo tribunal (Ent. 18) referiu que marca diligências para os períodos da manhã e da tarde, sendo raros os dias sem marcações para um desses períodos. No tribunal C, a magistrada (Ent. 2) marca as diligências de preferência para a tarde e reserva as manhãs para as continuações, para as providências cautelares e para o trabalho de gabinete, referindo que “assim, quando estou na sala já não estou preocupada com os processos que tenho para despachar porque já despachei de manhã”. Da mesma forma, não marca diligências para todas as sextas-feiras, a fim de aí poderem ser “encaixadas” as providências cautelares que forem surgindo. No mesmo tribunal C, uma outra magistrada (Ent. 81) marca, preferencialmente, julgamentos para as terças-feiras, quartas-feiras e quintas-feiras. A segunda-feira reserva-a para as diligências menos morosas e para as marcações urgentes e a sexta-feira fica livre para elaborar despachos e sentenças e para diligências curtas e/ou urgentes, como embargos de terceiros, conferências de interessados e providências cautelares. No entanto, refere que tudo o que seja mais complicado e que exija uma maior concentração e dispêndio de tempo tem, forçosamente, que levar para fazer em casa. No tribunal A2, o magistrado (Ent. 49) marca as diligências para todos os dias de manhã, com excepção das sextas-feiras. Quando tem muitas diligências marca então também para as tardes desses dias da semana. As providências cautelares também são marcadas para a tarde, apesar de considerar que ter diligências de manhã e de tarde “é confuso”. Reserva as sextas-feiras para elaborar as sentenças e despachos saneadores, assim como a audição de peritos dos processos de interdição. Um outro magistrado do mesmo tribunal (Ent. 53), refere marcar as diligências preferencialmente para o período da manhã. Enquanto aguarda a chegada de todos os intervenientes faz despachos de mero expediente. Elabora os despachos saneadores e as sentenças de acções contestadas em casa, ao fim-de-semana ou à noite. Reserva as segundas e sextas-feiras para processos urgentes; as terças-feiras para acções sumaríssimas; as quartas-feiras para acções especiais e inventários e as quintas-feiras para AECOPECs e sumaríssimas. Ao longo do ano reserva algumas semanas sem marcar diligências, perto dos períodos de férias judiciais, com o fim de pôr em dia os processos com despachos mais complexos.

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A gestão efectiva do caso concreto

141

quer humanos, quer materiais, tem, desde logo, de haver uma boa

articulação dentro do tribunal.

Sintoma dessa desarticulação é a recorrência com que muitos

magistrados assumem que marcam diligências sem que previamente

saibam se, nesse dia, terão sala disponível para as realizar. Se houver

mais que uma diligência para a mesma sala, “joga-se” na expectativa do

adiamento de um dos actos. Caso tal não ocorra, a solução é adiar a diligência,

embora se assuma que tal não ocorre com muita frequência. Pode, ainda,

acontecer que haja uma espécie de corrida para “ocupação da sala”. Faz a

diligência quem chega primeiro ou os funcionários tentam averiguar qual a

duração da diligência que está a decorrer e pedem às partes para aguardarem.

Se há tribunais onde pudemos verificar alguma articulação entre juízes,

no tribunal C os juízes não definiram qualquer tipo de concertação no sentido

de dividir entre os mesmos os dias ou períodos de dia em que a sala de

audiências lhes estivesse atribuída, apesar dos magistrados entrevistados do

mesmo tribunal considerarem que a solução passará por fixar dias específicos

para as salas serem utilizadas por cada juízo.

A dinâmica da evolução dos casos exige, contudo, que esta seja uma

matéria que deve ser coordenada pelo juiz presidente, centralizadamente e

com flexibilidade.

Resulta ainda do trabalho de campo a carência de formação

adequada dos juízes nesta matéria. A prática dos actos jurisdicionais é feita

por cada magistrado de acordo com métodos próprios de trabalho, mas sem

que procure incorporar princípios ou critérios de eficácia e eficiência que devem

estar, igualmente, presentes na prática daqueles actos. E, como temos vindo a

referir, o planeamento da actividade jurisdicional deve ir muito para lá das

audiências, devendo adoptar-se mecanismos que tornem mais expedita e

racional a actividade do juiz.

Neste sentido, Lopes (2008: 16-17), defende que “se uma determinada

actividade processual (v.g. despacho de expediente) é aparentemente mais

rápida então será relevante que essa actividade seja efectuada de imediato e

em todos os processos onde deve ser também efectuada. Se a realização de

uma tarefa no processo se apresenta previsivelmente mais complexa, deverá

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

142

desde logo identificar-se no processo essa situação e simultaneamente

identificar desde logo o prazo limite em que, legalmente deve, pode e tem que

ser efectuada.”

A eficaz gestão dos processos pode passar, ainda, sobretudo para

alguma litigação, pelo incentivo ao agendamento comum de casos

idênticos, ou pela agregação/apensação de processo. Esta possibilidade

de agregação/apensação de processos já encontra acolhimento expresso

no Regime Processual Civil Experimental, nos termos do qual, é possível,

além da apensação, a associação transitória de acções que preencham os

pressupostos de admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou

da reconvenção, para a prática conjunta de um ou mais actos processuais,

nomeadamente actos de secretaria, audiência preliminar, audiência final,

despachos interlocutórios e sentenças (cf. artigo 6.º do Decreto-Lei 108/2006,

de 8 de Junho)73.

Depois, penso que podemos já avançar para determinadas ferramentas de gestão

processual e que obviamente não estão previstas na lei, que são o agendamento

comum, por exemplo, do mesmo caso. Às vezes acontece virem os mesmos tipos de

processos com as mesmas partes processuais e, portanto, o juiz se tiver razoabilidade

em agendar as diligências permite que as mesmas partes venham no mesmo dia ao

tribunal para tratar de incidentes processuais diferentes (P5)

Um magistrado identificou os mecanismos de agregação de

processos e de agendamento comum para despacho de decisões uniformes

ou temporalmente coincidentes como ferramentas possíveis de utilizar:

Relativamente a técnicas de gestão processual, quanto a mim é possível mesmo com o

sistema actual melhorar muito. Para além da utilização de mecanismos de

agregação formal ou informal de processos, eles estão estabelecidos já para o

processo experimental, é possível já com as ferramentas processuais do Código

de Processo Civil ou outras, proceder à apensação de processos em

73 No Regime Processual Civil Experimental são cometidas ao presidente do tribunal algumas competências de gestão como, por exemplo, a decisão sobre a agregação ou apensação de processos que pendam perante juízes diferentes. Da mesma forma, também à secretaria é atribuído um papel fundamental na realização destes desideratos, uma vez que é a esta que compete informar mensalmente o presidente do tribunal e os magistrados dos processos que se encontrem em condições de ser agregados ou apensados (cf. artigo 6.º, n.os 4 e 7). Ver sobre esta matéria o ponto 5.

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A gestão efectiva do caso concreto

143

determinadas situações. Elas não são utilizadas, mas se houvesse uma pedagogia

no sentido da utilização daqueles mecanismos, talvez o fossem numa perspectiva

global de uma gestão do tribunal no seu todo, o que vai permitir que as o volume de

processos seja também visto globalmente e os mecanismos, falando aqui a propósito

da rede de distribuição dos processos, vão passar a ser mais utilizados. Há

ferramentas como o agendamento comum para despacho de decisões uniformes

ou temporalmente coincidentes, isto é, a possibilidade de o próprio juiz fazer, por

exemplo, um agendamento para o mesmo dia do mesmo tipo de acções. (P5)

Mas, vai mais além e, sobretudo, para a litigância de massa, o mesmo

magistrado, avança com a necessidade de adopção de um “manual de boas

práticas” pelo Conselho Superior da Magistratura que defina um conjunto de

linhas orientadoras para aquela litigância, aliás, na senda de recomendações,

nesse sentido, da CEPEJ:

Estou-me a lembrar de outro tipo de ferramentas que tem a ver também com a criação

de guidelines relativamente à litigância de massa. Não se compreende, por

exemplo, que órgãos de gestão e de organização do sistema judicial como são os

Conselhos Superiores de Magistratura não promovam e não estabeleçam um catálogo,

no fundo um código de boas práticas, no sentido de permitir relativamente à litigância

de massa decisões com determinado número de páginas, não fugindo a determinados

trâmites, mas com determinadas regras que não são obviamente cerceadoras dos

limites da função judicial, mas vão ajudar ao tratamento quantitativo de determinados

casos através de determinadas tabelas e de determinadas guidelines. Estas guidelines

orientavam a decisão no sentido de dizer qual a forma do relatório, a fundamentação –

não mais que tantas páginas segundo determinado formulário – e, depois, a decisão

não deve fugir muito a isso. O objectivo é de criar rotinas e peças processuais,

mesmo ao nível das decisões jurisdicionais, que sejam compatíveis com a

importância dos casos e também com a quantidade dos casos, permitindo assim

um funcionamento eficaz do sistema. (P5)

7.2 Os indicadores de avaliação do volume e da complexidade dos

processos como instrumentos de gestão processual

Como referimos, a existência de indicadores auxiliares da previsão dos

actos e do “tempo esperado” do caso concreto são instrumentos de gestão

essenciais para a necessária diferenciação processual. Mas cada

caso/processo que cada agente e/ou unidade orgânica tem que tramitar é

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

144

apenas um entre muitos outros. Por isso, é fundamental que se tenha um

elevado conhecimento sobre a realidade processual de cada unidade

orgânica. O acesso à informação, em tempo real, sobre o volume e o tipo

de litígios por parte quer dos funcionários judiciais, quer dos

magistrados, é um dos pressupostos essenciais para a criação de um

sistema transparente e compatível com a adopção de mecanismos de

gestão.

A produção e disseminação (através de relatórios, na intranet ou

Internet, etc.) de indicadores estatísticos, de acesso imediato e

adequadamente trabalhados, constitui, deste modo, uma das ferramentas

essenciais para a implementação e introdução no sistema judicial de um

modelo de gestão adequado, quer dos processos judiciais, quer dos

serviços de justiça globalmente considerados.

Como realça Coelho (2007), nunca poderão existir boas reformas

judiciárias ou uma boa gestão judiciária sem a existência de um consistente e

fiável acervo de dados disponíveis e suficientemente trabalhados, com os

referenciais que são exigíveis para cada uma das quantificações necessárias

(aos diversos níveis macro e micro).

A necessidade e a ausência desses indicadores, no momento actual,

foram realçadas por alguns dos magistrados entrevistados:

Outro problema importante tem a ver com a falta de meios e de instrumentos até

empíricos, estatísticas, de contingentação, que devem permitir ao juiz fazer ele próprio

a organização e gestão do seu trabalho e também do trabalho da secção. Sem a

existência desses meios empíricos, nada é possível fazer. O juiz não está informado,

não só porque, por vezes, se contém um pouco no núcleo da sua função jurisdicional,

porque não tem mais tempo disponível para fazer outro tipo de tarefas, mas também

porque não lhe é disponibilizada informação para tanto. Não é possível um eficaz

funcionamento do sistema judicial onde não existem estatísticas tratadas ao

nível de cada secção, que permitam perceber que tipo de processos estão ali em

causa, onde vai existir contingentação, quais são os objectivos para o juiz no

sentido de dizer quantas decisões ele deveria dar, que tipo de processos é que

deve tramitar ou mesmo qual é o tempo em que devia prosseguir determinadas

tramitações processuais. (...) Daí eu ver como fundamental aquela previsão na Lei

Orgânica de que se deve disponibilizar aos Juízes Presidente a informação estatística,

mas, compreenda-se, informação estatística que seja adaptável às funções de cada

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A gestão efectiva do caso concreto

145

tribunal em concreto, e não informação estatística genericamente sobre o sistema, que

depois tem de ser tratada para chegar a determinados resultados. (P5)

Neste contexto, merece referência a experiência referida por um

funcionário judicial revelando que, no seu tribunal, ao difundir, de forma

sistemática, por todos os juízos e secções alguns indicadores

estatísticos, quer de volume e tipo de litigação, quer de desempenho

funcional, verificou ganhos de produtividade, funcionando como factor

dinamizador do trabalho:

da minha experiência, a divulgação de alguma informação pareceu-me ser relevante na

dinamização do trabalho. Eu acho que a informação numa primeira fase devia ser

divulgada internamente e depois, de assim se entender, para acesso público,

relativamente àquilo que é feito em cada unidade orgânica. Se eu chegar ao fim do

mês e puder olhar para trás e ver aquilo que fiz ou aquilo que tenho de fazer,

provavelmente, passo a ter aqui um instrumento de gestão fundamental para assegurar

as tarefas do dia-a-dia. Numa fase inicial, acho que era de todo interessante ter uma

intranet onde isso fosse divulgado. (F4)

Se é certo que a informação passível de recolha, em cada tribunal,

através da aplicação informática existente é percepcionada como insuficiente, o

esforço de informatização do sistema judicial que tem vindo a ser feito faz

prever que, a curto ou médio prazo, esses instrumentos poderão estar

disponíveis. Hoje, os programas CITIUS e HABILUS já permitem conhecer a

realidade de cada tribunal em termos de litigância74. O que é fundamental

é que os agentes criem uma cultura de os utilizar e de lhes reconhecer

utilidade.

74 A instalação de um novo módulo de estatística com novas funcionalidades foi realçada num dos painéis de discussão “para além de conter tudo o que a análise de pendências tem melhorado, pode inclusive cruzar alguns dados, por unidade orgânica, por magistrado, por tipo de crime. (…) Dentro em breve vão acabar os mapas mensais. Quero acrescentar que, para além de todos os mapas que já existiam e que foram melhorados com outro tipo de critérios, adicionámos mais alguns, nomeadamente ao nível da distribuição, onde é possível ver-se aquilo que até agora não era possível. Podemos conhecer acções por complexidade, nas distribuições penais, porque no crime não há papéis de distribuição, nós criamos a complexidade para se dividir os presos, os soltos, os complexos. Inclusive na parte dos processos de crimes prioritários, é necessário saber que tipo de decisões foram tomadas. Está previsto inclusive o cálculo do tempo médio da duração do inquérito (F5).

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

146

7.3 O papel do juiz na promoção da conciliação como solução para o

conflito

Como se sabe, as próprias leis do processo conferem ao juiz um papel

importante na tentativa de composição do litígio pela conciliação das partes,

definindo momentos específicos em que tal pode e deve ocorrer. Em geral,

considera-se que a realização de uma conferência com a presença das

partes numa fase anterior à audiência de julgamento pode, além de outros

efeitos de natureza gestionária na tramitação do processo, como o

agendamento das audiências de julgamento, fomentar a resolução do

litígio por acordo das partes. A nossa lei processual elege dois momentos

principais para a intervenção do juiz com esse objectivo: a audiência preliminar

e o início da audiência de discussão e julgamento75. A vantagem do primeiro é

óbvia: o dispêndio de recursos, humanos e materiais, será muito menor quanto

mais cedo o litígio terminar.

Do trabalho de campo realizado são duas as conclusões

fundamentais sobre esta matéria: por um lado, como se verá de seguida,

entre nós parece ainda ser determinante a “cultura” do acordo à “porta da

audiência”; por outro, é divergente o entendimento sobre o efectivo papel

do juiz na via conciliatória e, mais ainda, se considera essa via no quadro de

uma perspectiva gestionária do processo, bem como sobre o momento em que

tal deve ocorrer.

Para alguns, a resolução do conflito por acordo é uma tarefa que,

primordialmente, deve competir aos advogados das partes, devendo o juiz

preocupar-se, apenas, com a decisão final:

a conciliação existe como solucionador dos problemas, mas acho que isso deve ser

antes da intervenção do tribunal. Isto é, quando o juiz vai decidir essa possibilidade da

conciliação, esta deve já ter sido resolvida por advogados e pelo MP. O juiz está lá

para, numa fase posterior, decidir. (P2)

75Nos termos do artigo 508.º-A do CPC, o juiz pode convocar audiência preliminar com o intuito de realizar uma tentativa de conciliação. Da mesma forma, nos termos do artigo 652.º do CPC, o juiz deverá procurar conciliar as partes no início de audiência final.

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A gestão efectiva do caso concreto

147

Foram várias as posições que identificámos em sentido oposto. Há,

mesmo, alguns magistrados que assumem uma atitude muito pró-activa

no sentido da conciliação das partes:

Eu consigo, na maioria dos casos, que as partes cheguem a acordo, mesmo quando os

advogados dizem não haver possibilidade de acordo. Chamo as partes e, dentro do

possível, mostro-lhes o sentido da sentença, ficando a saber com que contam e

mostrando-lhes, também, que será mais vantajoso um acordo. (Ent. 17)

Diferente entendimento sobre o papel do juiz na via conciliatória

conduz a igual divergência quanto à utilização dos mecanismos que a lei

processual coloca à disposição do juiz para esse fim, em especial, quanto

à utilidade da audiência preliminar. Diga-se, aliás, que quanto à utilização

desta diligência encontrámos, inclusive no mesmo tribunal, posições muito

divergentes, com alguns magistrados a assumiram uma “declaração de

princípio” de total oposição àquela diligência, o que os leva a nunca a

marcarem.

Para outros, depende da “leitura” dos articulados.

Eu marco muitas tentativas de conciliação, mas tento perceber dos articulados se há

uma vontade das partes se tentarem conciliar. E tenho processos que não chegam à

fase do saneador porque se conciliam antes. Mas tenho de ter ali alguma base para

marcar uma tentativa de conciliação antes da audiência de julgamento. (Ent. 49)

Os juízes devem, em cada caso concreto, fazer essa avaliação. Também é para isto

que existem os juízes. Não é um legislador com critérios abstractos de obrigatoriedade

inútil. O 508.º está bem como está, porque permite quem quer faz, quem não quer

dispensa. (Ent. 52)

Outros, porém, consideram que o momento adequado para a promoção

da conciliação é, de facto, o dia do julgamento, altura em que consideram sentir

os advogados preparados para essa diligência:

Se a controvérsia for muito profunda, a marcação de audiência preliminar não tem

qualquer utilidade. E a tentativa de conciliação pode sempre ser feita na data da

audiência de julgamento. (…) Eu aguardo pelo momento da audiência de discussão e

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

148

julgamento, se não houver transacção tem-se logo a possibilidade de fazer julgamento

em termos imediatos. (…) só à “boca do julgamento” é que os advogados se

encontram preparados para a conciliação. É uma questão da cultura da

advocacia. E se não houver transacção, haverá logo a produção de prova. Não vejo

utilidade na tentativa de conciliação anterior à audiência de julgamento. Só muito

excepcionalmente é que marco audiências preliminares e apenas quando estão em

causa questões de direito. (Ent. 29)

A falta de preparação dos advogados para a realização desta

diligência foi recorrentemente realçada:

Eu considero que esta diligência não funciona bem porque os advogados não

vêm preparados. Chegam ao ponto de não terem preparado o requerimento de

prova e dizem que não sabem que o haviam de apresentar. Olham para mim e

pedem prazo para o apresentar e eu marco julgamento sem saber se há

perícias ou não, porque não há requerimento de instrução. Para mim esta

audiência preliminar serve para nós fazermos um despacho a dizer que se

dispensa com mais ou menos fundamento. (Ent. 52)

Aquela é claramente uma diligência, cuja eficácia no processo

depende muito da cabal preparação e cooperação de todos os

intervenientes processuais. As recomendações da CEPEJ, considerando

uma visão estratégica do processo, em especial nos litígios mais

complexos, mostram a centralidade de uma fase de conferência prévia

dinamizada pelo juiz. E a cultura judiciária também se muda com a

adopção de novas práticas.

7.4 Pode no actual sistema o juiz gerir o caso concreto? A tensão

funcional com as competências do escrivão de direito

Resulta do nosso trabalho que, na prática, o juiz apenas tem controlo

prévio sobre a sua actividade no que diz respeito à marcação de

diligências (audiências de produção de prova, audiências preliminares, etc.).

Essas diligências, porque implicam a presença de outros intervenientes

processuais (partes, advogados, peritos, testemunhas, etc.) são previamente

agendadas pelo juiz. Todo o restante trabalho de gabinete (despachos,

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A gestão efectiva do caso concreto

149

sentenças) depende muito do que, quotidianamente, lhe for apresentado pela

secção de processos, que funciona como uma fonte de “alimentação” do

gabinete do juiz. Como refere um dos magistrados entrevistados “em bom

rigor, apenas despacho o que me aparece em cima da secretária para ser

despachado”. (Ent. 81)

A título de exemplo, são elucidativos os seguintes depoimentos:

O principal problema dos nossos tribunais é mesmo o problema da organização e

gestão. De um lado estão os funcionários e do outro o juiz. Este só faz o que

recebe, sem nenhuma intervenção na decisão dos processos que devem ser

conclusos. (Ent. 29)

Nós temos, de facto, um problema de gestão do nosso trabalho porque estamos

completamente dependentes do movimento das secções. Não faz sentido eu não

poder mandar no meu trabalho (…). A verdade é que despachamos o que nos põem no

gabinete. Tanto posso ter que despachar 100, como 50, como 20 ou mesmo

nenhum processo. (Ent. 30)

Ninguém está virado para esta questão e os processos andam todos ao mesmo

tempo quando a secretaria se lembra. É isso que traz conflitos entre a secretaria e

os magistrados. Porque não há organização das secretarias, não há orientações.

Há queixas de toda a gente, toda a gente tem razão e ninguém tem razão. É a falta de

método das secretarias. (F1)

Em relação à gestão dos processos, acho que os Srs. Juízes têm toda a razão quando

dizem que não têm nenhuma gestão do trabalho deles, mas os funcionários também

não têm. Se uns não têm, os outros também não têm. É verdade que o juiz só actua no

processo se houver uma intervenção da secretaria. Que intervenção é essa? Há

funcionários mais cuidadosos e uns menos cuidadosos e no fundo, é o funcionário

que acaba por condicionar o trabalho do juiz e o dele próprio. Se ele quer ter

muitos processos, ele manda muitos para dentro. Se ele quer ter poucos processos, ele

manda poucos para dentro. (F4)

Parece consensual que a adopção de mecanismos de gestão

processual exige, por parte do juiz, uma maior capacidade de controlo e

de programação dos actos que, num determinado período de tempo (por

exemplo, uma semana), tem que praticar. A questão que se coloca é de

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

150

como fazê-lo. Que medidas e mecanismos legais ou outros é necessário

introduzir para essa mudança?

A primeira questão é a de saber qual o grau de intervenção do juiz nesta

matéria que o quadro legal permite. Como se verá de seguida, pudemos

constatar “leituras” muito divergentes.

Para alguns, considerando, quer o actual ordenamento jurídico, quer a

prática, o magistrado pode já “dar instruções” à secção no sentido de proceder

a uma triagem dos processos segundo o tipo de despacho que solicitam:

É óbvio que ele não pode saber, na totalidade, que processos lhe vão surgir para

despachar, nem mesmo determinar que venham mais ou menos processos. Penso que

ir por aqui é ir um bocadinho longe demais. Mas pode dar instruções concretas à

secção e pode instruí-la para, nomeadamente, fazer uma coisa muito simples que

é apresentar-lhe já separados, com triagem, os processos em função do tipo de

despacho que solicitam. (P1)

Esta medida, segundo alguns magistrados, não é, no entanto, de fácil implementação:

O problema é esse, uma coisa é poder outra coisa é conseguir. A cultura de

separação funcional que existe dentro dos tribunais é de tal maneira enraizada

que os funcionários acham-se donos de uma determinada área de terreno em que

o juiz tem dificuldades em entrar. E esse tipo de resistência, para quem não está

preparado para gerir e tem mais que fazer, conduz evidentemente a inibições de

actuação por parte do juiz. (P1)

Na relação juiz – secção de processos, outra das questões em debate

e enfatizada pelos juízes está relacionada com o apoio às diligências e ao

trabalho do juiz. Em regra, considera-se que esse apoio deve ser feito por

uma pessoa qualificada para tal.

Numa secção de processos, deveria haver a possibilidade de afectar um

funcionário para secretariar o juiz, assistindo-o nas salas de audiência e no seu

gabinete, elaborando as respectivas actas e os actos orientados ou ordenados

pelo juiz. Há juízes que não estão preparados nem vocacionados para as novas

tecnologias, principalmente a informática. Por isso, justificar-se-ia a afectação de um

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A gestão efectiva do caso concreto

151

oficial de justiça que, além secretariar o juiz, faria a ponte entre o gabinete do juiz e a

secretaria. (…) Eu tentei fazer uma rotatividade entre os funcionários, para a

assistência à sala de audiências e isso não resultou. É que há funcionários mais

vocacionados ou “preparados” para essas funções e outros que até nem gostam nada.

No meu caso, o funcionário, que até rende pouco na secção, é um bom relações

públicas, faz bem o trabalho de sala de audiências. Ele põe os mandatários a falar

incentivando-os ao acordo, assiste ao juiz, elabora as actas, as sentenças e prepara

tudo como o juiz gosta. No entanto não posso contar com este funcionário para

endireitar uma secção. (F6)

Outro funcionário judicial também partilha aquela perspectiva e levantou

algumas questões às quais o actual modelo organizacional não dá resposta:

Utilizou bem o termo “quem secretaria o juiz”. Isso é benéfico para todos, porque

isso permite aos juízes agilizar melhor o trabalho e responder com mais

qualidade. E o juiz da secção depende daquele funcionário de secretaria que lhe

está adstrito. O problema maior para mim é que eu tenho uma data de juízes – o juiz

titular, o auxiliar, o de instrução, o auditor e o estagiário – e quando todos me vêm pedir

que querem um funcionário para o secretariar, levanta-se um problema: quem é que

fica aqui na secretaria? Vão buscar o funcionário do outro juízo? O nosso modelo

organizacional ainda assenta na estrutura que diz: o juiz da secção. E o juiz da secção

tem em regra dois auxiliares, dois adjuntos e um escrivão. Mas, nos últimos anos, o

que tem acontecido com o aumento sistemático do número de magistrados (às vezes

há mais magistrados do que funcionários) é que cada magistrado quer ter o seu serviço

de secretariado. (F4)

No mesmo sentido, um juiz refere que:

Os juízes consideram que precisam de um apoio de proximidade que responda de uma

forma mais rápida e, portanto, cria-se a ideia do gabinete do juiz. Um juiz já poderia

socorrer-se desses funcionários e organizá-los doutra maneira, se as coisas no

relacionamento funcional com o escrivão e na relação de dependência funcional do

escrivão não estivessem como estão. (P1)

Para a mudança organizacional e funcional da interacção

juiz/secção de processos exigem-se mudanças em factores de natureza

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

152

legal e cultural. Contudo, as posições, quanto à maior ou menor presença

de uns e outros, não são unânimes. Se para alguns o problema é,

sobretudo, um problema de lei, para outros é, sobretudo, um problema de

práticas e rotinas, que apenas poderá ser ultrapassado com a definição e

assunção de objectivos comuns do tribunal, enquanto organização. Os

depoimentos seguintes mostram as diferentes posições.

Mais uma vez reafirmo que as questões são de articulação, com alguma complexidade,

porque tem que se ver numa perspectiva de sistema e de organização. Se for

clarificado que o objectivo dos tribunais é proferir decisões, compor litígios, fazer

pacificação social, deve entender-se que os objectivos da função jurisdicional e os

objectivos dos senhores escrivães e dos outros funcionários têm que ser comuns e têm

que se articular numa organização com alguma uniformidade de critérios e de

finalidades e de objectivos. Portanto, a estratégia das secções tem que ser articulada

com a estratégia da função jurisdicional. (P5)

A questão da liderança orgânico-funcional do tribunal assume,

quanto a esta matéria, uma forte centralidade. Há relativo consenso

quanto à necessária intervenção do juiz presidente, no uso de

competências, legalmente definidas, quanto a esta matéria.

A lei contém a descrição funcional das tarefas do escrivão e do secretário de justiça.

Mas também diz que as actua mediante orientação superior. Depois, a Lei Orgânica

dos Tribunais diz que é ao Presidente do tribunal que compete orientar superiormente

as secretarias. Logo, se o Presidente do tribunal der orientações no sentido da

secretaria agir de determinada forma, penso que o assunto da articulação

juiz/secretaria pode ser resolvido e não vejo como é que nos tribunais pode existir

outro entendimento. (P1)

Há, no entanto, a expectativa que a nova lei de organização

judiciária venha solucionar alguns destes problemas:

É exactamente uma questão fundamental a ultrapassar. Do meu ponto de vista, já

existe a possibilidade de dar esse tipo de ordens de serviço. Mas, com o juiz

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A gestão efectiva do caso concreto

153

presidente, com os novos poderes previstos na proposta de lei em discussão, deixam

de haver essas dúvidas e penso que deveria existir um maior reforço de

clarificação legal. A ideia do gabinete do juiz aparece por causa dessa fricção entre os

funcionários e o juiz. Os juízes sentem que os funcionários são uma outra coisa, que a

secção é outra coisa, que não podem dar instruções concretas. Os juízes consideram

que precisam de um apoio de proximidade que responda de uma forma mais rápida e,

portanto, cria-se a ideia do gabinete do juiz. Um juiz já poderia socorrer-se desses

funcionários e organizá-los doutra maneira, se as coisas no relacionamento funcional

com o escrivão e na relação de dependência funcional do escrivão não estivessem

como estão. Vamos avançar para uma coisa, que a proposta de Lei Orgânica prevê,

que são os núcleos de assessoria técnica, não se sabendo muito bem ainda o que é

que será, mas será qualquer coisa entre o gabinete do juiz que vem previsto no pacto

para a justiça e outra dimensão de assessoria. (P1)

Entre os funcionários judiciais esta questão não é, no entanto, pacífica.

Por um lado, alguns vêem com agrado as inovações legislativas que se

prevêem:

Nós já tínhamos concordado que era melhor revermos o modelo de gestão para um

modelo de gestão conjunta. Alguns destes problemas serão sanados com a entrada em

vigor da nova lei orgânica, em que já se prevê o conteúdo funcional das competências

do juiz presidente. São muito mais abrangentes. Eu penso que 50% destes

problemas vão ser sanados com a entrada em vigor. (F8)

Outros, por outro lado, defendem a centralidade do escrivão de

direito na gestão da secção de processos:

Há por aí juízes que defendem que o funcionário deve estar ligado a uma espécie de

secretariado. A nossa organização judiciária como está hoje (não sei se vai ser assim

no futuro) deveria assentar, e às vezes não assenta, na figura do escrivão. Ou seja, o

escrivão é o chefe da secção que deveria ter conhecimento bastante para fazer uma

gestão adequada de toda a documentação. (F4)

Quando o escrivão desempenha o papel como deve desempenhar, nenhum juiz quer-

se meter na secção, nem se mete com o escrivão. (F1)

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

154

Esta dessintonia, induzida pela lei e pela prática, entre a secção de

processos e o juiz pode gerar efeitos perversos com práticas que, de

acordo com os operadores entrevistados, devem ser consideradas inaceitáveis.

Eis os seus relatos:

Conheço talvez cerca de meia dúzia de casos, mas certamente haverá mais, de juízes

que dão ordens, provimentos, em concreto à sua secção de processos no

sentido de limitar o número de processos diários submetidos a despacho. Talvez

seja até um bocadinho de exagero, mas nalguns casos até se identifica o número de

processos que devem ser colocados em determinadas datas. (P1)

Na minha perspectiva, tenho sérias duvidas que esses provimentos sejam legais.

Se o provimento significa que se bloqueia o acesso dos processos, tenho dúvidas que

seja legal, isto é, um processo já está em fase de conclusão e não cabe nos números

que o juiz fixou, tenho dúvidas da legalidade desses provimentos. O Código diz quais

são os prazos, não há mais nenhuma regra, que eu saiba. (P3)

Há aqui dois tipos de pensamento nesta discussão. O pensamento de cariz

individualista e aquele outro que passa por uma concepção colectiva de organização.

Nesta concepção, o juiz não pode, sem qualquer critério de racionalidade e de

integração de critérios de gestão dos processos do seu próprio tribunal, tomar

decisões que não fossem as mais adequadas ao seu trabalho e ao do escrivão,

numa perspectiva de gestão processual. O que não é compatível com o

funcionamento do sistema é existirem colegas nossos que têm muita atenção pelo

trabalho da secção e, às vezes, dão provimentos completamente irrazoáveis, porque

não se inserem em qualquer estratégia racional de gestão processual, havendo outros

ainda que descuram completamente essa atenção. O case management aqui insere-se

na gestão do tribunal e o tribunal numa organização, portanto, nunca pode haver uma

decisão do juiz que a seu belo prazer venha criar critérios de ordem particular.

(P5)

É que nós somos muito desconfiados uns dos outros. Porquê? Em regra, os juízes

quando querem assegurar a gestão do processo não é para acelerar, é para

condicionar a ida do processo para o gabinete. Também tem acontecido alguns

juízes darem provimento a dizer que para o gabinete vão “x” processos. Isso é,

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A gestão efectiva do caso concreto

155

obviamente, gestão na óptica do juiz, mas para nós contraria todos os princípios legais.

Porque nós estamos habituados a olhar para a gestão do processo em função do

cumprimento das normas legais. (F4)

Umas das vertentes da mudança tem que passar por uma visão

estratégica de conjunto da secção do processo – juiz76. Para alguns dos

operadores, nessa visão, o juiz tem que assumir uma maior co-

responsabilização pelo andamento do processo77.

Acho que aqui devia haver uma co-responsabilização do juiz pelo funcionamento da

secção, porque o juiz apercebe-se quando tem uma secção que trabalha ou que não

trabalha. (…) o juiz deve exercer o poder relativamente ao conjunto de funcionários que

trabalham com os seus processos e ele não pode ignorar se os processos estão ou

não parados há muito tempo. Claro que ele sabe, se não sabe é muito incompetente.

(…). O que eu verifico é que às vezes há pessoas que se acomodam e que até gostam

dessas situações em que a secção não produz e até a fomentam. Isso não pode ser.

As coisas não podem ser vistas separadamente. Estamos num processo de

transformação e, no futuro, talvez o magistrado é que tenha que ter mesmo toda a

competência disciplinar sobre o funcionário, porque está a trabalhar com ele, o trabalho

do juiz depende do trabalho da secção e o ritmo da secção também depende muito do

nível de desempenho do magistrado. Os objectivos a definir para os funcionários

dependem muito do que são também os objectivos daquele magistrado para a sua

secção. Está tudo interligado. O que não pode haver é o juiz de costas voltadas

para a secção e a secção de costas voltadas para o juiz. E o juiz é que tem, de

facto, o poder de direcção dos seus processos, mas também tem que ter algum

poder para interferir no funcionamento da secção e não se pode alhear e dizer

tenho o serviço em dia quando a secção não lhe faz conclusos os processos.

(P4)

76 Sobre esta questão, cf. o ponto 4.3.1 sobre o novo modelo da oficina judicial em Espanha. 77 Para ilustrar a sua perspectiva, um magistrado relata a seguinte situação: “Vou dar um exemplo ilustrativo: houve um inspector que, no mesmo tribunal, propôs uma má classificação a um juiz que tinha processos conclusos no gabinete com imensos atrasos e a outro juiz propôs-lhe a mesma classificação quando esse juiz não tinha nenhum processo em atraso no seu gabinete, mas os processos estavam quase todos parados na secção de processos que não lhos apresentava para despacho. Este segundo juiz reagiu e disse que não tinha processos nenhuns na sua secretária, em atraso, pelo que a classificação proposta não se compreendia. O inspector respondeu-lhe que os tinha na sua secção de processos e imputou-lhe a falta de não se ter preocupado em saber sequer o que é que estava lá em atraso. Compreendo bem este inspector. A lógica de responsabilidade de um juiz limitada ao processo com conclusão aberta para despacho é uma lógica errada”. (P1)

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

156

Para esta falta de articulação entre a secretaria e o magistrado judicial

volta a ser levantada a questão da liderança e da formação nesta área,

principalmente para cargos de chefia, quer de funcionários judiciais, quer de

magistrados:

Há falta de formação ao nível das chefias, especialmente dos escrivães e secretários.

Deviam-se centrar na gestão e na organização. O bom funcionamento depende

diariamente das chefias. (F8)

Mas, eu começaria primeiro pela gestão de processos. Todos nós, e eu acho que isto é

comum aos magistrados e aos funcionários, nunca fomos instruídos para a

necessidade de nos organizarmos de determinada forma. E a organização de cada um

de nós, é aquela que cada um de nós acha mais adequada, que é nenhuma. Cada um

faz o que e como acha que deve fazer. (F4)

7.5 O cumprimento e o controlo dos prazos

A questão das consequências do não cumprimento dos prazos pelos

intervenientes processuais, em especial pelos funcionários e magistrados, é

necessariamente uma questão em debate quando se querem introduzir

políticas e medidas de gestão processual. Facilmente se compreende que não

é possível introduzir mecanismos de gestão, quer do caso concreto, quer

de todos os processos a tramitar numa dada unidade organizacional

(secção, juízo, tribunal) se os prazos legais previstos para o cumprimento

dos actos não forem cumpridos ou o forem apenas por alguns dos

intervenientes processuais.

Como escreve Lopes (2008: 11), um dos objectivos instrumentais da

gestão processual, prende-se com a necessidade de “[o]s prazos

preestabelecidos legalmente, quer para a tramitação quer para a actividade,

deve[re]m ser encarados como imperativos. O tempo que decorre entre a

finalização de uma actividade e o início da actividade seguinte deve ser

tendencialmente nulo. Não devem existir processos “parados” entre as

actividades efectuadas por cada um dos intervenientes”.

Segundo este autor, a assunção por parte dos magistrados do

carácter obrigatório de todos os prazos processuais permitirá “visualizar

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A gestão efectiva do caso concreto

157

todo o esquema processual, o seu decurso e, em conformidade, planear

todo o agendamento do próprio processo. Como consequência é mais fácil

concretizar a possibilidade de controlar toda a restante actividade processual

que está distribuída ao juiz” (2008: 13-14).

Aliás, como se infere de alguns depoimentos, sempre que a lei é mais

rígida na definição dos prazos, isto é, sempre que impõe consequências mais

gravosas, a tramitação dos processos é muito mais célere78.

A realidade de hoje, escudada no fundamento de excesso de volume

de processos e da falta de recursos humanos79, é do generalizado não

cumprimento dos prazos previstos na lei para as diferentes fases do

processo. Pouco vale para o caso concreto se o juiz proferiu o seu despacho

no prazo de 2 ou 5 dias, contados a partir do momento em que a secção lhe

abriu conclusão, ou se o processo esteve meses parado na secção. De facto, o

juiz cumpriu o seu prazo, mas é um cumprimento meramente burocrático.

Porque a verdade é que o tribunal não cumpriu o prazo que a lei lhe tinha

indicado para aquele acto concreto.

É ilustrativo da actual situação o seguinte depoimento:

O escrivão recebe os processos e é ele que decide o que vai fazer ou o que não vai

fazer. Se entende que os deve movimentar, no caso de os processos deverem ir para o

gabinete, ele pode de imediato enviá-los. Mas, se ele tem alguma tarefa a fazer no

processo ele, pode dizer que não faço hoje, tenho ali coisas mais urgentes, em vez de

fazer isto faço aquilo. Depois as secções com pessoas que de alguma forma querem

fazer a gestão do seu trabalho sabem que se enviarem 20 processos para o gabinete

do juiz, têm 20 de volta. Se enviarem 5, só têm 5 de volta. É assim porque cada um de

nós decide assim. De facto é verdade que o juiz não tem nenhum poder de decisão,

porque toda a estrutura legal que nós temos nos condiciona em termos de prazos. A

secção tem um prazo para fazer uma coisa, o juiz tem um prazo para fazer outra,

embora sejam prazos meramente indicativos que se não forem cumpridos não

têm consequência nenhuma. O juiz tem os processos no gabinete que o

funcionário decidiu levar para lá e decide que vão para lá no momento em que

78 Há quem chame a atenção para o excesso de dilação. “(…) No nosso processo civil temos dilações de 30 e mais dias. Vamos para o Código das Custas Judiciais, mais dilações. Há dilações a mais e é preciso uniformizar os prazos processuais. Por exemplo, no processo civil, temos prazos de 2, 5, 10, 15, 30 dias e por aí fora.” (F3) 79 “A lei de processo seria óptima se os serviços tivessem um número de processos adequado. O problema também passa por aí. Há muitos mais processos do que capacidades para os gerir. Depois, não se cumpre o prazo e o processo fica mais dois dias.” (F2)

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

158

entende que devem ir. Da mesma forma, o juiz também decide o que envia para a

secção quando entende que deve enviar. Também não é nada fora do normal se

houver um juiz que entende que envia os processos todos, por exemplo, no último dia

do mês. E a secção o mesmo. Isto é um círculo vicioso. (…) infelizmente, temos uma

cultura que se passar um dia ou 2 ou 3 ou 5, todos até achamos que estamos

dentro dos prazos. (…) Ou seja, a total ausência de método de trabalho. (F4)

O não cumprimento dos prazos por parte das secretarias é atribuído

pelos funcionários judiciais a vários factores. Além da falta de recursos

humanos, foi, também, enfatizada a falta de formação para a organização e

a gestão do trabalho:

E isto tem a ver com a formação (…). Sou muito crítico relativamente à forma como a

nossa formação é organizada e dada. Em todas as acções de formação, somos

instruídos sobre a forma como devemos cumprir os despachos, mas nunca nos foi

dada nenhuma indicação sobre a forma como devemos gerir o nosso trabalho.

(F4)

As novas tecnologias de informação são consensualmente

reconhecidas como ferramentas de auxílio fulcral no controlo e gestão,

não só do volume e natureza da litigação, mas também do cumprimento

dos prazos previstos na lei, por parte dos diferentes intervenientes

processuais. Ora, o debate efectuado no âmbito deste trabalho mostrou

algumas insuficiências das actuais aplicações informáticas e a necessidade de

as superar.

Destacam-se as novas funcionalidades do CITIUS que vieram

introduzir maior transparência no sistema, “designadamente porque apenas se

podem abrir conclusões para o futuro, não com datas do passado, ao invés do

que antes por vezes acontecia, em que as datas de abertura de conclusões por

vezes não correspondiam às reais”. (Ent. 1)

Segundo um funcionário judicial, a resistência que alguns magistrados

estão a manifestar em relação à nova plataforma CITIUS decorre do facto de

muitos magistrados não querem trabalhar nessa plataforma por aí estar

registado há quanto tempo os processos estão a aguardar despacho e por

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A gestão efectiva do caso concreto

159

deixar de ser possível recorrer a uma prática que existia: “o funcionário abrir

conclusão numa data e levar o processo para o gabinete do magistrado nessa

data e o processo ser despachado dias depois mas com data supra”. (Ent. 27)

Outra das potencialidades do CITIUS prende-se com a possibilidade de

controlar o “estado”, a pendência do juízo, podendo o magistrado pesquisar há

quantos dias determinados processos estão pendentes. (Ent. 1) Por outro lado,

o sistema de alarmes80 do HABILUS é também referido como benéfico, embora

ainda insuficiente.

A aplicação informática poderia ter um indicativo para controlo dos atrasos. A

possibilidade de, a qualquer momento, podermos ver uma lista dos prazos e

respectivos atrasos, contando os dias à medida que fossem ultrapassados os

prazos, seria uma ferramenta essencial para uma melhor gestão dos processos,

principalmente numa secção com elevada pendência onde não é sempre possível

cumprir nos prazos legais. (F6)

Aquilo que eu gostaria de ter quando no HABILUS se marca um determinado prazo,

era que a partir do dia que eu previamente defini, o sistema me desse a

informação referente a esse processo, nomeadamente se o atraso é de um, dois,

três dias. Ou seja, em vez de ter esta informação apenas no módulo do magistrado,

tinha-a também no módulo da secretaria. Deve-se sempre definir previamente, – se

passar a ter processos virtuais – na prateleira virtual, informações sobre se já

passaram os prazos e que, consequentemente tenho para movimentar. (F4)

Na parte da movimentação do processo, há prazos e os actos devem ter por referência

um determinado prazo. E tem lá uma data. A pasta vai-me adicionando diariamente os

processos e quando ultrapassar os prazos destes processos, vai passar a dizer mais

um dia, ou menos um dia, ou menos dois, e por aí fora, para saber que aqueles

processos relativamente ao prazo que eu predefini já passaram “x” dias. É isto que me

vai dar alguma capacidade para eu saber em termos de gestão de processo o que é

que está por movimentar há mais tempo. (F4)

80 Os alarmes são uma função na agenda da secretaria e do magistrado. Existem estes três módulos com agenda, cada um para as suas funções. Mas, grosso modo estamos a falar da secção de processos. E chamamos alarmes, porque o funcionário pode alarmar os processos que naquele dia tem que cumprir. A vantagem daquilo é que sempre que entra no sistema a agenda dispara. (F5)

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

160

7.6 Os despachos de mero expediente

Um dos problemas há muito discutidos no âmbito do processo civil

relaciona-se com o elevado volume de despachos de mero expediente

proferidos nos processos, que ocupam parte significativa da actividade diária

dos juízes. Como concluímos no estudo do OPJ “Os actos e os tempos dos

juízes: contributos para a construção de indicadores da distribuição processual

nos juízos cíveis”, a carga de actos de mero expediente praticados pelos

juízes é a confirmação da “dimensão burocrática” do actual paradigma

processual.

Tendo como referência aquele estudo, vale a pena atentar nas tabelas

seguintes que mostram como uma parte significativa do tempo do juiz é

ocupado com aqueles tipos de actos, bem como a dimensão burocrática da

tramitação processual. A excessiva dimensão burocrática do processo,

sobretudo quando convoca a intervenção do juiz, dificulta a tramitação

processual orientada por princípios e critérios de gestão, por vária vias,

designadamente, diminuindo o tempo do juiz e dificultando o planeamento e

agendamento dos actos jurisdicionais e potenciando o andamento aparente do

processo81.

Tabela 4

Actos mais frequentemente praticados pelo juiz

Fonte: OPJ, 2002

81 Sobre o conceito de andamento do processo, Gomes (2003).

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A gestão efectiva do caso concreto

161

Tabela 5

Actos mais frequentes praticados pelo juiz

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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A gestão efectiva do caso concreto

163

Fonte: OPJ, 2002

Tabela 6

Número médio de actos praticados pelo juiz

Fonte: OPJ, 2002

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

164

Alterações eficazes nesta matéria exigem a criação e

implementação eficazes de novos paradigmas processuais, orientados

pelos princípios da oralidade, celeridade e simplificação de

procedimentos e do tratamento “desigual” da litigação, de acordo com o

seu grau de complexidade. No âmbito daquele estudo, foram, contudo,

avançadas algumas soluções, possíveis de funcionar sem alteração

significativa do paradigma processual.

Segundo Lopes (2008: 11), uma das ferramentas de gestão processual

possíveis para minorar o peso deste tipo de actos é a concentração no

mesmo momento da intervenção do juiz relativamente a uma pluralidade

de solicitações no mesmo processo e em processos semelhantes. Assim,

defende o autor que “[t]odas as tarefas devem trazer valor acrescentado ao

tratamento do processo no sentido da sua efectivação contribuir para o avanço

do processo. Trata-se de evitar, por um lado actividades redundantes e por

outro lado actividades necessárias, mas que possam ser efectuadas em

simultâneo com outras actividades no mesmo momento. Se numa só

intervenção judicial pode ordenar-se a prática de vários actos processuais que

não dependam uns dos outros, então esse deve ser o procedimento

adequado”.

À semelhança do que ocorreu, por exemplo, em Espanha82, alguns dos

entrevistados defendem que a solução passa pela delegação da

competência para a prática de actos de mero expediente do juiz no

secretário ou no escrivão de direito:

Ao escrivão de direito, bem como ao secretário podiam ser dadas as mais variadas

competências ao nível da gestão processual. Porquê, se continuam a ocupar os Srs.

Juízes com determinados trabalhos de expediente que não são de facto relevantes…

Isso podia libertá-los para as tarefas mais nobres, que é de facto decidir. (F2).

Aqueles actos de mero expediente poderiam ficar a cargo da secretaria ou dos

escrivães. Isto é, o processo seria preparado na secretaria, naturalmente com

fiscalização do juiz. Se, por exemplo, um processo cível, preparado e apresentado ao

juiz para marcar audiência preliminar ou proferir despacho saneador, entender que o

82 Cf. ponto 4.3.1 e o estudo do OPJ, “A Administração e Gestão da Justiça: análise comparada das tendências de reforma” (Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, 2001).

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A gestão efectiva do caso concreto

165

processo não estava bem preparado, devolveria à secretaria. Acho que assim

aligeirava um pouco mais a tramitação do processo. (F6).

Comungando desta perspectiva, uma magistrada dá o seguinte exemplo:

“um processo parado há mais de 5 meses e que vai à conta; este processo não

precisava de ir ao juiz para este determinar a ida à conta, a própria secção

podia determinar esse acto” (Ent. 49).

7.7 Os actos (que podem ser instrumentais) das partes

Uma outra “velha” discussão, não só no âmbito da justiça cível, é

sobre se as leis processuais permitem ou não uma excessiva

“instrumentalização” do processo pelas partes ou alguma das partes, de

forma a afectar, com gravidade, a eficácia, eficiência e qualidade da justiça e,

em caso afirmativo, como limitar essa instrumentalização.

De entre as estratégias processuais das partes, foi salientado o

recurso à suspensão da instância por acordo, utilizado, com frequência,

como resposta perversa à limitação do adiamento das audiências,

servindo estratégias de agendas dos advogados e que acaba por

redundar num expediente dilatório.

A experiência dos operadores judiciais gerou posições não coincidentes.

Para uns, se tais mecanismos estão ao dispor das partes, não devem ser

questionados pelo tribunal ou, pelo menos, não devem constituir o centro da

discussão em torno da gestão processual, até porque pode acontecer que essa

suspensão ajude na realização de um acordo:

Acho que temos que olhar para os atrasos que sejam da efectiva responsabilidade do

tribunal, esses é que são os importantes. (…). Tenho muita dificuldade em ver como

é que se torneiam os problemas concretos dos advogados, na gestão do seu

tempo profissional. Acho que devemos preocupar-nos mais com os atrasos que

sejam da responsabilidade efectiva da máquina dos tribunais do que com problemas

profissionais dos advogados que já antes sabíamos existirem. Antes não havia a

suspensão da instância por acordo com esta latitude, mas provocavam-se atrasos por

causa desses problemas, que podem ser até os da doença súbita de um advogado.

(P1)

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

166

Para outros, todavia, esse é um problema real que coloca em causa o

planeamento e agendamento da actividade do tribunal, não só no processo em

concreto, mas com consequência em outros processos:

O que já me aconteceu, mais do que uma vez, são aquelas comunicações de última

hora de impossibilidade de comparência. Isso sim é que me perturba mais. (Ent. 50)

A suspensão por acordo das partes é muito frequente e é um dos nossos problemas

aqui no tribunal. O que acontece é que adiamos o julgamento com a promessa de

acordo que, com frequência, não acontece, mas acabamos por perder tempo e

recursos na expectativa de um julgamento que não se realiza. (Ent. 30)

Claro que se corrigíssemos a suspensão da instância, se as pessoas não pudessem

suspender logo no dia, isso ajudava alguns dos juízes que marcam bem e que todos os

dias são confrontados com isso. (P3)

Pior é quando não vêm ao tribunal e por simples requerimento pedem a suspensão. O

n.º 4 do artigo 279.º criado com boas intenções acaba por ter um efeito prejudicial.

Acaba por resolver o problema da gestão de agenda dos advogados. Por isso, valorizo

muito as regras que definem o adiamento no regime experimental relativamente ao que

temos no processo sumário e ordinário. Mas, não evita o “esquema” das suspensões.

Em termos de adiamento, só é possível suspender uma vez, mas os tribunais

superiores entendem que, desde que no cômputo geral não se ultrapasse seis

meses, podem suspender quantas vezes quiserem. Só que depois temos que jogar

com a agenda. Além de que os processos acabam por ser conclusos, mais tarde do

que o período da suspensão. Por exemplo, a suspensão é pedida por 15 dias, mas só

ao vigésimo dia é que o processo vai ser concluso.

Penso que o n.º 4 não era necessário. Porque se a suspensão for legítima, não

dilatória, pode ser decidia ao abrigo do n.º 1, do artigo 279º. (Ent. 29)

Eu penso que se deve dar uma especial atenção relativamente a essa matéria. Isto é

um problema sistémico e, portanto, isso insere-se, por um lado, num problema

de estratégia das partes perante o processo e, por outro, na permeabilização da

organização e gestão dos tribunais à estratégia das partes. Mas, esse é um

problema que tem que ser envolvido no seu todo, pode haver uma solução legal para

tratar desse problema específico sem cuidar do resto dos problemas do sistema. (P5)

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A gestão efectiva do caso concreto

167

Relativamente a esta questão, o principal problema salientado prende-se

com o facto de, com recorrência, os pedidos de suspensão de instância

entrarem no próprio dia em que a diligência está marcada, com as

testemunhas presentes e com os recursos do tribunal accionados em função

da diligência.

O problema é que em determinados tribunais, aqueles em que o movimento processual

é elevado, os senhores juízes têm a sua agenda completamente preenchida e o pedido

de suspensão do julgamento, nesses casos, compromete de forma grave a respectiva

agenda. (...) Naqueles tribunais em que os juízes se encontram assoberbados de

trabalho, com uma agenda completamente comprometida com julgamentos marcados

de manhã e de tarde, dois em simultâneo, que têm de se deslocar de comarca em

comarca para realizarem os julgamentos e que, entretanto, são surpreendidos com

uma suspensão, já depois de se terem deslocado para o julgamento, que não têm

agenda e que, caso tivesse havido uma comunicação atempada, poderiam ter evitado

a deslocação e ter usado esse furo na agenda para marcação duma continuação de

julgamento ou para outra diligência. (P4)

Parece que estamos de acordo que o problema não é tanto os seis meses que se

permite dar às partes para suspenderem o processo, mas mais a maneira como

usam no sentido em que sistematicamente o usam em cima do julgamento e

quando já todo o mecanismo do tribunal funcionou, e, nomeadamente, as

pessoas estão presentes. Nessa parte talvez a lei possa ser alterada: é permitida a

suspensão, desde que avisados quinze dias antes da audiência, por exemplo. (P3)

Acresce que a desmarcação de audiências no próprio dia origina, na

opinião dos entrevistados, uma imagem negativa da justiça na perspectiva dos

cidadãos, o que leva a que muitos magistrados façam questão de informar as

testemunhas e as partes sobre a razão do adiamento da diligência.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

168

7.8 A criação de uma cultura judiciária orientada para a gestão processual

De todo o exposto, resulta a essencialidade de se desenvolverem

medidas e mecanismos que, a curto prazo, permitam desenvolver uma

cultura que tenha sobre os processos uma visão estratégica orientada

para a qualidade e eficiência da administração da justiça.

De facto, como amplamente foi salientado nas discussões desenvolvidas

no âmbito deste projecto, a gestão processual não se resolve por ela própria,

isto é, não é mudando as leis de processo que conseguimos resolver os

problemas de falta de eficácia do sistema e da qualidade do sistema. Como

refere Coelho (2007), “a ausência desta cultura organizacional é um facto

permanente de limitação e incapacidade, despromovendo e incapacitando as

mutações pretendidas, suscitando lógicas de actuação adversas aos objectivos

delineados e promovendo uma atitude permissiva aos bloqueios e disfunções

existentes”.

Mas, este é um caminho que só agora começa a ser percorrido e para o

qual ainda é necessário acrescentar muitos passos.

Gostaria de começar por dizer que há cerca de 5 anos essa era uma questão de que

ninguém falava. Ninguém falava de case management, de gestão processual.

Nunca se olhava de uma forma global para a gestão do processo. A gestão

processual é muito mais do que está nas normas processuais estabelecidas no

processo penal e no processo civil. Concretamente, tem a ver com a gestão de

interesses envolvidos no procedimento, com a resposta à questão para que serve o

tribunal. Deve partir-se da ideia de que há um interlocutor privilegiado ou um agente no

tribunal que é sustentado na figura do juiz, quer se queira, quer não. Todo o processo

funciona em função da decisão judicial. Ora bem, tendo por base este princípio, tudo o

que está no processo deve ser orientado em função da decisão judicial. Esta será a

linha de orientação a seguir quando se fala em gestão de processo. (P2).

Os operadores ressaltam, assim, a importância da previsão legal de

um dever de gestão, consagrado pela primeira vez no regime processual

civil experimental83:

83 Nos termos do artigo 2.º do Decreto-Lei 108/2006, de 8 de Junho, com a epígrafe “dever de gestão”, “o juiz dirige o processo, devendo nomeadamente: a) Adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir; b) Garantir que não são praticados actos inúteis, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório;

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A gestão efectiva do caso concreto

169

Há uma questão que gostava de referir que tem a ver com o processo civil

experimental, que tem 2 anos, salvo erro, onde pela 1ª vez foi criada na lei o dever de

gestão processual e que ainda está a ser discutido. Ainda é cedo para se saber

concretamente o que é esse dever de gestão. Mas é importante que este conceito já

exista, porque se não há nada que não está na lei, não existe. Agora já está na lei,

já pode ser densificado. (P2)

Mas, também, não basta a previsão legal, é necessário implementar e

desenvolver uma cultura de receptividade a estes modelos:

Nalgumas coisas é necessário mudar a cultura de quem trabalha com esse modelo.

Mudar-se a formação. Quando não damos formação às pessoas com base no modelo

que está a ser implementado, não pode ser exigível aos juízes que na prática venham

a utilizar esse modelo. O processo é um processo que nasceu e que está ainda

agarrado ao «Alberto dos Reis» e é no «Alberto dos Reis» que nós continuamos a

assentar e desenvolver o paradigma. O que não pode continuar84. (P2)

Concretamente, no que se refere ao processo civil experimental, foi

referenciada a fraca alteração da esmagadora maioria dos procedimentos

adoptados com o regime experimental processual civil, em relação à forma

comum do processo civil, tanto a nível de organização do trabalho das secções

de processos, como ao nível da atitude das partes em relação ao processo, e

dos actos dos próprios magistrados:

[O processo experimental] não traz grande vantagem, nem havia necessidade de

experimentar! Não se afasta muito das acções declarativas especiais para

cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos com petição,

contestação e audiência de julgamento. Não há benefício em termos de celeridade

processual.

c) Adoptar os mecanismos de agilização processual previstos na lei”. 84 Recordando a experiência da mudança de modelo de processo penal em 1987, um magistrado refere: Há um exemplo histórico que permite verificar que por vezes há regras importantes que devem ser quebradas. Trata-se da vigência e modificação do Código de Processo Penal de 1929. Durante 50 anos o CPP de 29 foi o diploma vigente no nosso ordenamento. Com a sua revogação e a introdução do CPP de 87 mudou-se o paradigma processual penal completamente. Mesmo assim durante mais de 10 anos continuou-se a aplicar o CPP de 1987 à luz de muitos princípios estabelecidos no CPP de 1929. Só quando a geração de juízes formados já no âmbito da vigência do Código de 1987, da qual fiz parte, começou a aplicar esse código é que, de uma vez por todas, se mudou «na realidade» a matriz processual. As consequências disso são conhecidas. (P2)

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

170

Relativamente a acções sumárias as diferenças são muito poucas. Os meios de prova

são apresentados juntamente com os articulados, mas há a possibilidade do Autor

requerer a alteração dos meios de prova depois da contestação. Há dez dias que

passam sempre, antes eram quinze dias. (Ent. 29)

Frequentemente, os requerimentos não incluem a prova, porque os advogados não

conhecem este processo. É frequente indicarem mais testemunhas do que é permitido

e ao abrigo do princípio da cooperação, pedimos para corrigir. Estas situações fazem-

nos perder ainda algum tempo. Em regra, os advogados não conhecem esta forma

de processo. (Ent. 30)

Não há um ganho por aí além, pode até causar algum prejuízo. Mas, eu sou adepto

desta forma de processo se a sentença for proferida num tempo breve após o

encerramento da audiência. Porque quanto mais presente estiver o julgamento melhor

para a decisão da matéria de facto. (Ent. 29)

O seguinte depoimento sintetiza as questões e dificuldades que estão

em causa quando se fala de mudança de uma cultura processual, orientada

para a gestão do caso concreto.

Penso que a questão da gestão processual é uma questão que deve ser enquadrada,

como todas as outras; e o problema é que os enquadramentos que temos feito a nível

de gestão processual são sobretudo ao nível das velhas questões do processo, de

rever ou não a lei processual. Portanto, quando falamos de gestão processual,

existem aqui duas grandes dimensões, a dimensão do processo e a dimensão de

organização e de gestão dos tribunais. Nos sistemas anglo-saxónicos existe, desde

os finais dos anos 90, nos Estados Unidos, a percepção de que o processo enquanto

tal foi completamente digerido pela organização e gestão dos tribunais e, portanto, a

questão processual é uma questão relativamente manipulável e flexível. Naturalmente

que os procedimentos são adaptáveis a objectivos de gestão e de organização, sejam

eles para obter a decisão final, sejam para obter outras finalidades quaisquer. Tem a

ver com política judiciária, tem a ver com a política de gestão dos tribunais, tem a ver

com o sentido que se quer atribuir à função dos próprios tribunais, à função social dos

tribunais. Nos sistemas continentais como o nosso, a questão prevalecente é a questão

da codificação da lei e, portanto, temos que actuar ao mesmo tempo em duas

dimensões, que são: a dimensão de organização e gestão dos tribunais, que envolve

também a gestão dos processos, e ao mesmo tempo temos que adequar isso a uma

determinada tramitação legal. E aqui é que está o problema, é perceber até que ponto

a nossa cultura, que é uma cultura jurídica e de compreensão dos Códigos e

disciplinas processuais, está ou não adequada à perspectiva mais ampla de

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A gestão efectiva do caso concreto

171

organização e gestão dos tribunais. É aqui que se joga tudo. Penso que é possível,

não extrapolando sistemas diferentes, e, portanto, utilizando as ferramentas que são

próprias da organização e de gestão dos tribunais relativamente ao sistema anglo-

saxónico e aos sistemas de Common Law, é possível adaptá-los ao nosso sistema,

mas com algumas nuances e com algumas limitações, nomeadamente limitações que

têm a ver com cultura jurídica, codificação da lei, formação jurídica, etc. Obviamente

que ao nível do nosso sistema é possível, desde já, adequar soluções legais como

aquela que foi para o processo experimental, eventualmente com algumas

modificações ao nível da sistemática de processo civil, sabendo de antemão que elas

são sempre limitadas nas suas consequências. Podemos ter um sistema muito bem

pensado a nível processual, mas se as questões de organização e gestão dos tribunais

não forem compatíveis, obviamente que mesmo se tivermos uma solução legal ela não

vai ter eficácia porque há mecanismos de organização e de gestão que não estão

apropriados e não estão pensados para aquela dimensão processual. (P5)

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Conclusões

173

8. Conclusões e Recomendações

8.1 Conclusões

Desde os finais da década de 80 que, à escala global, as reformas do

sistema judicial passaram a constituir componentes principais das agendas

políticas de diferentes Governos. De facto, as transformações ocorridas no

Estado, na sociedade e na economia, a consciência social da importância do

papel do poder judicial na construção do Estado de Direito, a crescente

visibilidade social e política dos tribunais, são factores que, nas últimas

décadas, provocaram profundas alterações, quer no contexto social da justiça,

quer no desempenho funcional dos tribunais judiciais, obrigando os poderes

político e judicial a desenvolverem extensos programas de reforma.

O aumento exponencial da procura judicial e a complexidade da litigação

vieram confrontar, nos anos mais recentes, o judiciário com a insuficiência das

reformas que inicialmente se centraram, sobretudo, em soluções de carácter

processual e no apetrechamento dos tribunais com mais recursos materiais e

humanos. Assume-se que é necessário ir mais além das medidas de “mais do

mesmo” (mais tribunais, mais recursos) e olhar para o sistema judicial numa

outra perspectiva. O programa de reformas da justiça passou, assim, a incluir

uma outra vertente, mais focada nos problemas relacionados com a qualidade,

a eficiência e a eficácia do sistema de justiça.

Neste novo quadro, as reformas de organização e gestão da

administração da justiça passaram a constituir uma das principais apostas das

agendas de reforma em muitos países. No lastro desta tendência está um

amplo movimento de transformação da administração pública em geral em

direcção a um Estado Managerial. Como acima escrevemos, esta é, contudo,

uma via muito complexa. Na sua base estão diferentes perspectivas da

configuração do poder judicial e dos princípios que o sustentam e, sobretudo,

da sua relação com os outros poderes, em especial, com o poder executivo.

Este espaço de reforma é, portanto, um espaço onde se medem as tensões

entre os vários poderes do Estado. Daí que a legitimação desta via do

processo de reforma e a defesa de valores constitucionais importantes da

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

174

cidadania, como a autonomia e a independência dos tribunais, requeiram uma

ampla e participada discussão nas agendas de reforma.

No quadro das reformas que visam uma melhor qualidade e eficiência do

judiciário, insere-se a discussão sobre medidas e mecanismos de gestão e

distribuição processual (case management / case assigment) – duas faces da

mesma moeda. A reflexão e discussão sobre esta temática confrontam-se com

questões como acesso ao direito e à justiça, eficácia, eficiência e qualidade

processual, distribuição igualitária de cargas de trabalho e garantias de

independência e de imparcialidade do sistema judicial. Todos esses objectivos

só serão, pelo menos em parte, conseguidos num sistema judiciário que tenha

uma perspectiva gestionária sobre os casos concretos que constituem a

procura que lhe é dirigida, isto é, que veja para lá da sucessão burocrática de

actos do processo.

Esta é uma discussão que também entre nós se começa a fazer. Há um

relativo consenso quanto ao facto de o deficit de organização, gestão e

planeamento do sistema de justiça ser responsável por grande parte da

ineficácia e ineficiência do seu desempenho funcional. Defende-se, por isso, a

introdução de medidas que visem a alteração de métodos de trabalho, uma

melhor e mais eficaz gestão de recursos humanos, materiais e dos processos.

O estudo realizado por solicitação da Direcção-Geral da Administração

da Justiça, que agora se apresenta, faz, do nosso conhecimento, uma primeira

abordagem mais abrangente sobre esta temática, procurando sistematizar

dados empíricos e trazer a perspectiva dos agentes judiciais. Ressalta-se, por

isso, o seu carácter exploratório e, acima de tudo, a agenda de investigação

que incorpora.

Eis as principais conclusões gerais:

1. As transformações gestionárias nos sistemas de administração da

justiça estão intimamente relacionadas com as reformas da mesma natureza

levadas a cabo na administração pública em geral em direcção a um Estado

Managerial. São dois os modelos principais em confronto no que respeita à

gestão das organizações da Administração Púbica: o modelo burocrático e o

modelo gestionário. É comummente aceite que o modelo burocrático de

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Conclusões

175

Administração Pública, típico do Estado liberal, deixou de dar resposta às

exigências de celeridade e eficiência nos serviços. Nas últimas décadas do

século XX, começou a desenhar-se um novo modelo de gestão pública, o

modelo gestionário, caracterizado, no essencial, por uma gestão profissional,

pela fragmentação das unidades administrativas, pela adopção de modelos

típicos da gestão empresarial, pela definição de padrões de desempenho, pela

focalização nos resultados e pelo uso dos meios de acordo com objectivos de

eficiência. Este novo modelo abraça dois conceitos fundamentais: a qualidade

dos serviços ou produtos, na perspectiva dos clientes, consumidores ou

cidadãos, como factor de legitimação da organização e a prestação de contas,

como regulador do equilíbrio entre qualidade e eficiência, tornando os

resultados mais transparentes.

A concepção de novos objectivos da Administração Pública levou à

dinamização de um novo modelo de administração e gestão, o Modelo da

Qualidade Total, baseado nos fundamentos do modelo gestionário, cujos

princípios organizacionais fundamentais são os seguintes: liderança, motivação

dos funcionários, desenvolvimento de uma cultura organizacional, comunicação

e introdução de novas tecnologias.

2. Também no que respeita aos tribunais, enquanto organizações, temos

vindo a assistir à substituição do Modelo Burocrático-Administrativo por um

modelo com características do Modelo Gestionário com preocupações na

definição de padrões de qualidade, distantes da concepção do Modelo

Burocrático.

Quando analisamos a experiência comparada, podemos encontrar um

conjunto diferenciado de modelos em que as diferentes componentes

relacionadas com a gestão e a administração dos tribunais, incluindo

mecanismos de gestão processual, podem ter soluções distintas, embora seja

comum a tendência para uma maior atenção às políticas gestionárias, que

incorporam uma maior descentralização da acção administrativa e da gestão

dos recursos de cada tribunal.

Tendo como principal pedra de toque distintiva a relação existente entre

o poder judicial e o poder executivo naquela matéria, podemos identificar sete

modelos de administração e gestão dos tribunais: o modelo executivo (cuja

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

176

centralidade recai no poder executivo); o modelo de comissão independente

(que assenta num órgão ou comissão independente especialmente criada para

a administração do judiciário); o modelo de parceria (com uma administração

conjunta pelos poderes executivo e judicial); o modelo executivo mitigado (que

se caracteriza pela delegação de algumas competências no poder judicial); o

modelo de autonomia limitada (relegando para o poder executivo apenas o

controlo sobre a aprovação do orçamento global dos tribunais); o modelo de

autonomia limitada e de comissão (que combina vertentes do modelo de

autonomia limitada e dos modelo de comissão independente); e o modelo

judicial (que reserva ao poder judicial todas as competências relacionadas com

a administração e gestão do judiciário).

3. As medidas, especialmente dirigidas à eficiência e à qualidade do

judiciário, começam a ser discutidas, no contexto europeu, em finais dos anos

90 do século passado. O novo contexto social do desempenho funcional das

organizações do sistema judiciário levou-as, assim, à semelhança de outras

organizações da administração pública em geral, a confrontarem-se com a

necessidade de implementar medidas que visem o aumento da sua qualidade,

eficiência, transparência, bem como de prestação de contas.

A forma como os diversos países têm procurado incorporar essas

medidas passa frequentemente pela combinação de vários tipos de políticas,

sejam elas de governança direccionadas para a mudança das instituições que

governam o judiciário; estruturais, relacionadas com alterações do número ou

das funções das organizações do sistema judicial; processuais, que visam

alterar as regras tradicionais de resposta a problemas do judiciário; ou políticas

de gestão, cujo objectivo é o de melhorarem o funcionamento dos serviços de

justiça, tendo em vista, designadamente, a gestão mais eficaz do volume

processual, a avaliação de desempenho funcional e o investimento em

tecnologias de informação e comunicação.

O principal objectivo é desenvolver e consolidar uma administração da

justiça orientada para a eficiência e qualidade, cujos principais vectores são

independência e imparcialidade judicial, prestação de contas, eficiência,

processo justo, publicidade das audiências de julgamento, duração adequada

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Conclusões

177

dos processos, certeza e segurança jurídica, acesso à justiça e eficácia de

desempenho.

4. Também no âmbito do Comité de Ministros do Conselho da Europa e

da Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça (CEPEJ), a problemática da

gestão processual e do recurso às novas tecnologias da informação e da

comunicação (TIC) tem vindo a merecer um particular destaque. No que

concerne ao Conselho da Europa, destacam-se as Recomendações n.os 2 e 3,

de 2001, nas quais é impulsionado o recurso às novas tecnologias enquanto

instrumento auxiliar da administração e gestão da justiça, apelando-se ao uso

das novas tecnologias na concepção dos sistemas judiciários e nos serviços

prestados aos cidadãos; e a Recomendação (2004) 15, que versa sobre o

conceito de e-governance, sublinhando a sua importância modernizadora das

operações de gestão, e visa impulsionar os Estados-Membros a elaborar

estratégias de gestão electrónicas, que permitam uma utilização eficaz das TIC

no seio de cada organização e nas relações entre os diferentes poderes

públicos, tal como entre estes e os cidadãos.

Em 2006, foi publicado pela CEPEJ um compêndio de boas práticas de

gestão do tempo nos processos judiciais, que focou a sua atenção em cinco

pontos essenciais: estabelecer calendarizações realistas e mensuráveis para a

realização dos actos processuais; assegurar a aplicação dos prazos fixados;

proceder à monitorização e disseminação de dados; desenvolver medidas

referentes à avaliação e resposta do volume processual e da carga de trabalho;

e promover políticas e práticas de gestão processual.

A CEPEJ conclui, ainda, pela necessidade de uma tramitação

processual diferenciada tendo em conta o tipo de processo e a sua

complexidade; pela importância de um papel mais activo por parte dos

magistrados judiciais e dos tribunais na gestão processual; pela

calendarização, tanto quanto possível rígida, das diversas fases do processo;

pela realização de uma conferência prévia à audiência final entre as partes com

a participação do juiz; e pelo uso de formatos concisos e padronizados nas

decisões judiciais.

A monitorização que permita detectar variações de volume processual e

de carga de trabalho nos tribunais é igualmente incentivada. Para tal,

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

178

considera-se necessária a definição da capacidade de trabalho dos recursos

humanos do tribunal e uma distribuição adequada dos recursos materiais

disponíveis.

5. Neste novo contexto tem vindo a dar-se uma crescente importância

aos mecanismos de prestação de contas. Nas sociedades democráticas as

organizações judiciais devem, tal como as outras organizações do Estado,

sujeitarem-se a mecanismos de avaliação externa e de prestação de contas. A

construção desses mecanismos é uma questão em debate em muitos países,

no qual emergem duas questões latentes: a questão da independência judicial

e o grau de autonomia/participação do poder judicial na gestão das

organizações judiciais. No seu lastro estão dinâmicas de mudança, que

podemos agrupar em dois tipos.

O primeiro tem a ver com as mutações no volume e na estrutura da

litigação que vieram alterar, quer o contexto social da acção dos tribunais, quer

o perfil do desempenho funcional dos magistrados judiciais confrontando estes

com novos desafios, sejam eles no exercício da sua acção jurisdicional ou

chamando-os a participarem na organização e administração dos tribunais. O

segundo com o aprofundamento do movimento de criação dos conselhos

judiciais em muitos países, com o propósito de reforçar a independência do

poder judicial face ao poder executivo e de melhorar a gestão do

funcionamento do sistema de justiça. Ora, justamente, para muitos autores este

novo desenho institucional do judiciário deveria ter como contrapartida o

aumento da prestação de contas com referência a critérios qualitativos e

quantitativos.

6. Os dados, e a reflexão que a partir deles foi possível fazer no curso do

trabalho de campo, permitiram aplicar e comprovar o quadro teórico que serviu

de suporte à nossa análise. Uma das vertentes essenciais do modelo

gestionário, também aplicável à administração dos tribunais num modelo

orientado para a qualidade e para a eficiência, passa pela existência de uma

liderança clara e forte, como condição essencial para desenvolver no seio dos

grupos profissionais o compromisso de trabalhar, numa perspectiva de

conjunto, para objectivos comuns.

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Conclusões

179

Do trabalho de campo realizado resulta que, na perspectiva de

optimização dos recursos dentro dos tribunais, a liderança foi apontada como

fundamental para o bom funcionamento das unidades orgânicas. Tanto os

secretários de justiça quanto os escrivães de direito foram considerados como

funcionários, nos quais uma proactividade e uma capacidade de liderança

dinamizadora podem ajudar a suprir lacunas várias e constituem uma variável

relevante no desenvolvimento de políticas gestionárias.

A necessidade de um perfil proactivo da chefia de recursos humanos

dos tribunais conduz necessariamente à questão da importância de formação

específica para esses funcionários e, em geral, para quem venha a assumir

funções de liderança na organização e gestão dos tribunais. É sintomático que,

durante as entrevistas, alguns secretários de justiça e escrivães de direito

terem manifestado que as necessidades do serviço os levou a frequentar, por

conta própria, cursos de formação na área de recursos humanos e liderança.

7. A adopção de uma perspectiva gestionária na administração e gestão

dos tribunais impõe a consideração de questões relacionadas com a

organização interna do tribunal, nomeadamente, a necessidade de adopção de

objectivos comuns claros a prosseguir pelas diferentes unidades que, por um

lado, constituem um pressuposto para a avaliação do seu desempenho

funcional e, por outro, permitem criar um ambiente de envolvimento de todos os

intervenientes em algo que é, pelos próprios, visto como comum; e o

desenvolvimento de uma política de recursos humanos que garanta uma

adequada divisão do trabalho dentro do tribunal.

Merece referência, neste contexto, o novo modelo de oficina judicial,

criado em Espanha em 2003, cujos objectivos principais foram adaptar a

organização judiciária à realidade de um Estado autonómico; adaptar a oficina

judicial às novas tecnologias e a um programa eficiente e racional de gestão de

recursos humanos e materiais, como um sistema de organização mais ágil e

eficaz; e converter o secretário judicial no efectivo director da oficina judicial,

libertando-se o juiz da realização de toda a actividade burocrática. Todo o

trabalho de documentação do expediente, da marcação de diligências e da

execução de sentenças passou a ser da competência do secretário judicial.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

180

O novo modelo de oficina judicial moderniza e racionaliza a infra-

estrutura humana, material e tecnológica que rodeia o juiz. A ideia principal é a

de conseguir um desenho mais racional de oficina judicial, acabando com uma

estrutura considerada antiquada, constituída por “micro-secretarias” em cada

juízo, vara ou secção, organizadas de maneira própria, diferentes umas das

outras e sem a aplicação de técnicas de gestão de recursos humanos. Outra

das vertentes essenciais da nova oficina judicial prende-se com a

modernização tecnológica da administração da justiça e a necessária

adaptação dos espaços físicos à utilização daquelas tecnologias.

Nos termos da lei, a oficina judicial funciona com critérios de agilidade,

eficácia, eficiência, racionalização do trabalho, responsabilidade pela gestão,

coordenação e cooperação entre serviços, com a finalidade primordial de que

os cidadãos obtenham uma justiça próxima e de qualidade. Esta nova filosofia

pretendeu acabar com a atomização da estrutura dos órgãos judiciais e tende a

concentrar recursos em serviços comuns. Do ponto de vista organizativo, o

legislador considerou aconselhável catalogar e separar das diferentes

actividades em secções, equipas ou unidades especializadas, dedicadas a

tarefas específicas.

Sendo o objectivo primário da reforma a racionalização e actualização

dos meios humanos e materiais, com vista à obtenção de uma melhor e mais

rápida administração da justiça, o legislador optou, no desenho da nova oficina

judicial, por um sistema flexível, o que permite a cada oficina judicial adaptar-se

às suas necessidades específicas. Não obstante, a sua estrutura básica “será

homogénea em todo o território nacional como consequência do carácter único

do Poder que serve”. O elemento organizativo básico da estrutura da nova

oficina judicial é a unidade, a qual é de dois tipos: a Unidade Processual de

Apoio Directo (UPAD) e o Serviço Comum Processual (SCP).

8. A introdução e a correcta aplicação das novas tecnologias de

informação e de comunicação no sistema judicial são consideradas

componentes fundamentais de uma nova política gestionária, orientada para a

qualidade e eficácia dos sistemas judiciais. Contudo, a disponibilização de

Tecnologias de Informação (TI) no sistema judiciário não constitui, por si,

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Conclusões

181

garantia de uma utilização optimizada das mesmas, podendo o seu uso ficar

bastante aquém das suas potencialidades. Desde logo, torna-se importante

explicitar os benefícios práticos das TI aos utilizadores e demonstrar que as TI

não são uma ameaça aos postos de trabalho existentes.

Ao analisarmos a experiência comparada, salienta-se a diversidade

europeia, quer no que se refere ao grau de implementação, quer à eficácia e

finalidades das Tecnologias de Informação nos sistemas judiciários. De um

modo geral, a introdução das TI nos sistemas judiciários é conduzida tendo em

vista a resolução de problemas específicos e não a sua eficaz integração no

sistema e organização onde vão ser utilizadas. Os estudos salientam,

igualmente, a ausência de uma visão integrada dos sistemas de informação,

não se tendo verificado uma articulação eficaz entre as diferentes instituições

do judiciário, bem como a adequada formação dos seus utilizadores.

9. A análise empírica veio mostrar a centralidade destas questões

quando o objectivo é elevar a eficácia, eficiência e qualidade do sistema judicial

português. Permitiu-nos identificar tanto factores cujo impacto na qualidade,

eficiência e eficácia da tramitação processual é difuso, como factores cuja

interferência directa na gestão do processo acaba por convertê-los em factores

de optimização – se bem geridos, em número suficiente e em bom estado de

boa utilização – ou em factores de perturbação – se sua gestão, quantidade,

utilização e estado de conservação forem precários ou insuficientes.

De entre os diversos factores que concorrem para a qualidade, eficácia e

eficiência da administração da justiça, foi dada especial atenção àqueles cujo

impacto na rotina de trabalho de funcionários e magistrados judiciais pode

convertê-los em factores de optimização ou de bloqueio da gestão processual.

Nesse sentido, o trabalho empírico realizado levou-nos a dois eixos de análise:

a dimensão material e a dimensão humana da gestão processual.

Na dimensão material, os problemas na organização do espaço físico,

distribuição de salas e gabinetes, bem como as deficiências na adaptação das

instalações materiais à introdução das novas tecnologias foram apontados

como obstáculos e dificuldades do quotidiano no trabalho dos operadores

judiciários.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

182

No que se refere aos primeiros, resulta do trabalho empírico que é

importante que a organização interna e a adaptação dos espaços físicos não

esteja, tendencialmente, baseada em critérios casuísticos ou subjectivos,

devendo, observadas as particularidades de cada caso, orientar-se por

princípios e critérios racionais e de optimização dos espaços e do trabalho.

Caso contrário, o projecto de modernização e eficiência dos tribunais, em vez

de superar obstáculos, pode criar outras dificuldades em virtude do

anacronismo das instalações ou da deficiente adaptação e organização das

condições físicas. Fundamental é também a adaptação exigida pela introdução

das novas tecnologias, que deve também sempre obedecer a devida

programação. Esta questão coloca-se, sobretudo, em edifícios onde o

funcionamento de juízos e varas foi concebido para uma realidade que não

contemplava a quantidade de cabos e aparelhos que o actual processo de

modernização idealizado para os tribunais implica.

10. Tal como a reflexão sobre os espaços físicos, a discussão sobre os

recursos materiais como possíveis obstáculos à eficácia da gestão processual

é também acentuada quando confrontada com as necessidades colocadas

pelas inovações tecnológicas. As carências na quantidade de alguns recursos

materiais e as deficiências no seu estado de conservação – impressoras,

fotocopiadoras, equipamentos de videoconferência – foram igualmente

sentidas como problemáticas para o bom desempenho do serviço. Diga-se,

aliás, que o projecto de modernização da justiça e de desmaterialização do

processo é percepcionado por muitos operadores com preocupação fruto da

falta ou inadequação dos equipamentos (número de digitalizadores, lentidão do

processamento e na transmissão de dados pelo sistema informático, etc.).

Foram também questionadas as debilidades dos próprios operadores enquanto

utilizadores das novas tecnologias e a necessária formação para que essas

debilidades fossem superadas.

11. Na análise da dimensão humana, o trabalho de campo revelou o

confronto entre os factores de bloqueio da gestão processual e as possíveis

medidas para superá-los. No primeiro caso, destacaram-se: (1) desmotivação

por parte dos funcionários e seu respectivo desinteresse enquanto parte do

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Conclusões

183

sistema de justiça; e (2) a deficiência no actual plano de formação. De outro

lado, sobrelevou-se a actuação de alguns funcionários que, actuando como

lideranças, fomentam medidas de motivação e capacitação na gestão dos

recursos humanos.

Identificámos o que podemos designar de um círculo vicioso de

desmotivação e desinteresse por parte dos funcionários em relação às

reformas e às alterações de rotina. Tal círculo vicioso foi formulado da seguinte

maneira: quanto mais se sentem alheados da tomada de decisões dentro do

sistema de justiça, menos interessados os funcionários se sentem para buscar

informações por si mesmo; quanto menos iniciativa têm para buscar

informações por si mesmo, mais alheados ficam do processo de tomada de

decisões.

12. Pela frequência com que emergiu no discurso dos operadores,

merece especial destaque a questão da formação. O trabalho de campo

permite enquadrar as questões colocadas à formação dos funcionários judiciais

como um problema de duas dimensões: (1) como um problema sistémico

dentro do sistema de justiça, que se revelou na reivindicação unânime entre os

funcionários entrevistados por mais e melhor formação; (2) como um problema

estrutural do próprio Centro de Formação dos Oficiais de Justiça relacionado

com os limites de sua autonomia e capacidade financeira para gerir os cursos

que são oferecidos. A questão da formação também assumiu especial

relevância no discurso dos magistrados judiciais, na perspectiva da criação de

uma cultura judiciária que suporte uma nova concepção da tramitação

processual, prestando particular atenção aos casos concretos.

13. Ainda no quadro da dimensão humana, o trabalho empírico permitiu-

nos detectar, no funcionamento interno das secções, além da heterogeneidade

de métodos de trabalho adoptados, diferentes composições do quadro

funcional. Num contexto em que a organização interna dos tribunais está

centrada na diversidade da distribuição dos recursos humanos, com situações

deficitárias que se prolongam no tempo, os conteúdos funcionais podem

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

184

aparecer como bloqueio para uma boa gestão processual, percepcionando-os

como obstáculos a uma necessidade de maior flexibilização, mobilidade e

polivalência dos funcionários. Resulta, contudo, das posições assumidas pelos

diferentes operadores judiciários que, mais do que a eventual rigidez de

conteúdos funcionais, o que está em causa é uma melhor e mais eficaz gestão

dos recursos humanos e maior flexibilidade, dentro de determinados critérios,

na colocação e mobilidade dos funcionários. Situação em que, no âmbito do

mesmo tribunal ou mesmo da mesma comarca, possam existir secções de

processos com excesso de funcionários de determinada categoria e outras com

deficit dessa mesma categoria, são altamente prejudiciais para a eficácia e

qualidade da tramitação processual.

14. Nesta discussão, salienta-se, no que respeita aos conteúdos

funcionais, um modelo de administração dos recursos humanos baseado na

conjugação funcionários especializados com funcionários polivalentes. A

adopção de um modelo que tendesse para o modelo de polivalência funcional

nunca poderia prescindir de certa especialização, como, aliás, resulta claro do

trabalho de campo. Neste contexto, cabe aqui referir que o modelo de gestão

do trabalho que sustenta a maioria das secções de processos que, numa visão

técnico-burocrática do processo, enfatiza o cumprimento dos despachos

judiciais, tende a “negligenciar” outras funções centrais, como sejam o apoio

directo aos juízes nas diligências e audiências para o qual nem sempre são

destacados os funcionários mais adequados, obrigando o juiz a ter que suprir

muitas das deficiências, sejam elas de escrita de português ou outras.

Como já referimos, consideramos que o problema principal se situa no

âmbito da gestão e colocação de recursos humanos nos tribunais. É

necessário encontrar um ponto de equilíbrio que fomente, de acordo com os

indicadores de produtividade e de qualidade do trabalho, de volume e natureza

da procura judiciária, uma alocação de recursos humanos racional e

coordenada com as necessidades de cada caso. Esta tarefa dependerá em

grande medida da proactividade das chefias internas que, no actual

enquadramento legal são, em especial, os escrivães de direito e os secretários

de justiça, no sentido de, em decisões concertadas com juízes, e, com a

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Conclusões

185

entidade com competência nesta matéria, decidirem sobre a melhor

distribuição funcional para as unidades orgânicas.

Esta nova atitude, mais do que alterações legais, exige uma nova

filosofia e práticas de administração e gestão dos recursos humanos para as

quais terão que estar disponíveis, não só as chefias locais, mas, também, as

entidades centrais com competência nesta matéria. Para tal, tem que, em

primeiro lugar, ser reconhecida a situação como um problema, para uma eficaz

e eficiente gestão processual; e, em segundo lugar, que, por parte de todos,

exista a predisposição para o resolver.

É certo que a nova Reforma do Mapa Judiciário aponta nessa direcção,

mas até à sua avaliação e extensão a todo o país, há todo um vasto conjunto

de cidadãos e empresas com expectativas por uma justiça mais eficiente e

eficaz.

15. Tendo em conta o actual modelo de organização dos tribunais

portugueses, constituído por unidades orgânicas separadas entre si e

interligadas pelo fluxo de documentos e processos, no qual cabe à secção de

processos um papel destacado na tramitação processual, esta unidade

orgânica assumiu o status de unidade analítica base da nossa investigação. É

esta secção que, designadamente, dá a “forma de processo” aos documentos

recebidos na Secção Central, encaminha os despachos e notificações para as

partes, outros serviços ou para serem cumpridos pela Secção de Serviço

Externo, bem como alimenta o gabinete do juiz com conclusões, diligências e

outros procedimentos que careçam de decisão. Esse corte metodológico

conduziu-nos a aprofundar a análise sobre a gestão e os métodos de trabalho

da secção de processos partindo da seguinte hipótese: a qualidade e eficiência

na gestão e nos métodos de trabalho da secção de processos repercutem-se

na qualidade e eficiência da própria gestão processual.

Uma primeira constatação que consideramos dever merecer reflexão é

que estamos perante um modelo de organização atomizado, ou seja, baseia-se

na divisão um juiz, uma secção. Esta forma de organização respondia bem às

necessidades de uma época em que as vias de comunicação eram escassas e

não integradas. Mas, devemos indagar se no contexto actual, com a evolução

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

186

dos meios tecnológicos e de comunicação entre as diferentes unidades

orgânicas dos tribunais e entre estes e o exterior, e considerando o propósito

de modernização da justiça, esse modelo deve ser mantido ou se é um

bloqueio à qualidade, à eficácia e à eficiência da gestão processual.

Relembramos, a este propósito, a discussão e a reforma feita em Espanha com

a nova oficina judicial.

16. No funcionamento interno das secções de processos, detectou-se

uma heterogeneidade de procedimentos em três aspectos principais: nos

critérios adoptados por cada escrivão de direito para a distribuição entre os

funcionários dos processos a cumprir; no controlo de prazos legais; no

benefício das potencialidades dos sistemas informáticos; e nos método de

trabalho adoptados para o exercício das respectivas funções, quase sempre

assentes na percepção de cada um sobre qual a melhor forma de administrar o

seu volume de trabalho.

Na organização do trabalho acabam por imperar as preferências

subjectivas de cada um, isto é, como costumam trabalhar e o que gostam de

fazer primeiro. As preferências, por seu turno, são suportadas com o que é

exigido na secção pelo escrivão de direito, que dependem também do método

de trabalho do juiz. A organização do trabalho varia, então, de acordo com o

escrivão de direito, o juiz e o perfil e a experiência de cada funcionário.

Consequentemente, os métodos de trabalho não são definidos e geridos de

acordo com critérios objectivos de racionalização e eficácia e a produtividade

dos funcionários depende muitas vezes do seu empenho e compromisso

pessoais.

Na identificação do problema salienta-se, por um lado, a falta de

preparação das chefias para a gestão de recursos humanos. Mas, por outro,

reflecte a lógica de um modelo técnico-burocrático de gestão processual em

que o processo é visto como um conjunto de actos isolados e os funcionários

são tidos como entidades separadas, cujo objectivo principal é o cumprimento

estrito dos actos que lhe são atribuídos, independentemente das

consequências para a gestão do serviço como um todo.

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Conclusões

187

17. Naturalmente que o exercício de qualquer tarefa é, em si mesmo, um

campo de manifestação da subjectividade de quem a executa. O que se coloca

em questão não é o fim da subjectividade ou dos critérios pessoais no exercício

das funções de uma secção de processos, mas sim a importância de existirem

critérios que, numa perspectiva gestionária, estejam voltados para optimização

e eficiência dos métodos de trabalho e, em consequência, da gestão

processual. O momento de juntar documentos ao processo, fazer notificações,

abrir conclusões, cumprir despachos, fazer actas das diligências, etc., não

pode depender, sobretudo, de critérios subjectivos de maior ou menor pró-

actividade ou dos critérios de inspecção, que ocorrem muito mais tarde.

Neste contexto, merece uma especial reflexão o chamado método de

“tirar prazos”. Pela desigualdade que reflecte para os cidadãos no acesso à

justiça, atente-se no seguinte depoimento de um funcionário

Há muitas secções em que se vê que as pessoas vão à estante duas vezes por ano, se

calhar, a seguir às férias (...) “tirar os prazos”, é movimentar os processos que estão a

aguardar prazos. Os processos, depois de cumpridos os despachos, ficam a aguardar

os prazos dos advogados. Depois é preciso tirá-los, terminado esse prazo, e fazer as

conclusões, fazer o que for preciso. E como se faz poucas vezes, isto é, como há muito

trabalho, vai-se deixando para o fim e faz-se o resto. Não quer dizer que as pessoas

não trabalhem, porque as pessoas até trabalham muito. Só que deixam para o fim. Vão

lá duas ou três vezes por ano. Pode ser assim ou não ser. Não é assim em todas as

secções. Mas, depois os processos saem todos ao mesmo tempo, o que faz dar muito

ou pouco trabalho (...) Os processos andam todos ao mesmo tempo quando a

secretaria se lembra. (F1)

Mas, note-se que este “andar” apenas se refere à secção. Porque pode

acontecer, como muitas vezes acontece, que o processo ande apenas para o

gabinete do juiz e aí fique “a aguardar”. Aliás, este método de “atacado”

proporciona isso mesmo: desencalhar num sítio para encalhar no outro.

18. A análise da centralidade da secção de processos na organização

interna dos tribunais conduziu-nos à representação gráfica dos fluxos

processuais entre esta e as demais unidades orgânicas. Na análise dos fluxos

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

188

processuais, foi evidente o bloqueio na relação secção de processos-gabinete

do juiz que, em última instância, representa um obstáculo à gestão processual

por dificultar uma decisão concertada sobre a agenda de trabalho de ambos,

que obviamente é muito mais do que a marcação de diligências.

Os fluxos processuais foram, também, analisados à luz da Portaria n.º

114/2008, de 6 de Fevereiro. Para além das virtualidades desse novo modelo

de informatização, que vieram provocar, nomeadamente, a eliminação de

etapas de trabalho (como a impressão de documentos e a junção de papéis ao

processo) e de simplificação de procedimentos, o projecto de

desmaterialização foi também discutido no âmbito das dificuldades e

preocupações que trouxe para os operadores judiciários. No âmbito das

dificuldades, destacamos a existência de uma cultura de trabalho

profundamente enraizada no papel, cuja difícil superação em vez de significar

simplificação pode correr o risco de redundar em duplicação de trabalho, como,

aliás, de certa forma aconteceu com a reforma da acção executiva de 2003.

Não nos podemos esquecer que a modernização tecnológica também

pode servir para a consolidação de um modelo técnico-burocrático de gestão

processual e, nesse caso, significaria não muito mais do que a simplificação e

automatização de alguns procedimentos mantendo inalteradas as rotinas e os

métodos de trabalho. Nesse caso, um dos maiores riscos é, ao simplificar a

rotina de trabalho do funcionário, provocar a sua automatização e um maior

alheamento da gestão do processo e do serviço como um todo.

Consideramos, por isso, que a informatização deve implicar um repensar

dos métodos de trabalho e da organização de serviço tendo em vista uma

perspectiva gestionária da tramitação processual baseada em critérios de

racionalização, optimização e orientada para a eficácia, eficiência e qualidade

da justiça do caso concreto.

19. Mas, como também resultou deste e de outros trabalhos que temos

vindo a realizar no âmbito da justiça cível, para a eficácia da gestão processual

é fundamental a alteração do paradigma processual. Sem esse respaldo,

podemos assistir, não só a poucos ganhos de eficácia na gestão processual,

como ainda a alguns efeitos perversos da reforma, como a duplicação do

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Conclusões

189

trabalho em que, paralelamente aos actos virtuais, são mantidos os actos

manuais. O “atavismo” processual tem efeitos negativos na tramitação do

processo, não só porque é ele próprio indutor de morosidade, mas também

porque diminui a eficácia da aplicação das novas tecnologias à gestão

processual. Como foi amplamente referenciado pelos agentes judiciais, há uma

clara desadequação entre regras e práticas processuais e os objectivos de

celeridade, racionalidade e eficácia pretendidos, como se estivéssemos em

dois tempos distintos e dessincronizados.

Consideramos que há, entre nós, um relativo consenso quanto à

necessidade de caminharmos para um processo mais orientado pelos

princípios da oralidade, celeridade e simplificação de procedimentos e que

trate, obrigatoriamente, de forma desigual os litígios de baixa e alta

intensidade. A avaliação da reforma em curso do Regime Processual Civil

Experimental será um auxiliar fundamental nessa discussão.

Não basta, pois, simplificar procedimentos. É fundamental que se crie

um reforço da oralidade, quer nos actos das partes, quer nos actos

jurisdicionais. Como nos foi amplamente referido por vários dos agentes

judiciais entrevistados, continuamos com um excessivo peso da escrita, quer

nas peças processuais apresentadas pelas partes, quer nos despachos dos

juízes, em especial das sentenças. A tramitação processual, prevista nas leis

de processo, e enraizada nas rotinas e na cultura judiciária, é uma tramitação

que tem o seu lastro na cultura do papel, assente em despachos judiciais

extensamente fundamentados; em sentenças de várias páginas, que repetem a

base instrutória, os fundamentos das partes, extensa doutrina; e em articulados

e requerimentos das partes extensos, com longas repetições de factos e de

argumentação jurídica. Esta cultura processual é difícil de transpor, com

ganhos de eficácia e de qualidade, para a tramitação telemática.

20. O elevado volume de despachos de mero expediente proferidos nos

processos, decorrente do actual paradigma processual, ocupa parte

significativa da actividade diária dos juízes, confirmando a “dimensão

burocrática” do actual paradigma processual. Esta questão, recorrentemente

em discussão no âmbito da justiça civil, tem fortes implicações na adequada

gestão processual. A excessiva dimensão burocrática do processo, sobretudo

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

190

quando convoca a intervenção do juiz, dificulta a tramitação processual

orientada por princípios e critérios de gestão, por várias vias, designadamente,

diminuindo o tempo do juiz e dificultando o planeamento e agendamento dos

actos jurisdicionais e potenciando o andamento aparente do processo.

À semelhança do que ocorreu, por exemplo, em Espanha, alguns dos

entrevistados defendem que a solução passa pela delegação da competência

para a prática de actos de mero expediente do juiz no secretário ou no escrivão

de direito.

21. Os mecanismos de distribuição dos casos pelos diferentes tribunais

e, dentro de cada tribunal, pelos juízes, são também cruciais para a qualidade

e eficiência com que os sistemas judiciais respondem à procura judicial,

emergindo nesta discussão questões relacionadas com a interpretação dos

princípios constitucionais da inamovibilidade e do juiz natural, bem como com o

recrutamento e colocação de juízes. Da análise da experiência comparada,

decorre que, tanto o princípio do juiz natural, como o princípio da

inamovibilidade têm diferentes enquadramentos e amplitudes nos vários

sistemas judiciais.

O papel do presidente do tribunal na gestão dos recursos humanos e,

mesmo, na distribuição dos processos é, igualmente, diferente, suscitando

diferentes interpretações daqueles princípios. Considera-se que os tribunais

são mais “flexíveis” nos sistemas judiciais em que o presidente do tribunal

desempenha um papel mais activo, quer no que respeita à distribuição

processual, quer à gestão dos recursos humanos.

Os estudos analisados apontam para a necessidade de as regras e

procedimentos admitirem alguma flexibilidade para assegurar eficiência. Tal

flexibilidade pode ser assegurada, quer através de uma adequada distribuição

processual, quer, devido à flutuação da carga processual, através da previsão

de mecanismos de transferência de juízes para outras unidades. A introdução

de mecanismos de flexibilidade não pode, no entanto, colocar em causa os

princípios da imparcialidade do tribunal e da continuidade na tramitação e

resolução dos processos.

Langbroek et al. (2007), no estudo “Is There a Right Judge for Each

Case”, retiraram três conclusões essenciais: a primeira é que, apesar de a

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Conclusões

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sociedade moderna empurrar as estruturas judiciais para uma busca por maior

eficiência, flexibilidade e transparência, os valores judiciais tradicionais

parecem condicionar muito aqueles objectivos, com forte influência na gestão

de processos e de recursos humanos; a segunda é que existem grandes

diferenças nos vários países europeus analisados no que concerne ao nível de

formalismo da distribuição de processos; e a terceira conclusão, é que os

tribunais devem gerir o equilíbrio entre juízes especializados e juízes

generalistas, sendo que, embora um maior número de juízes generalistas

possa aumentar a flexibilidade e, assim, aparentemente a produtividade, esse

desequilíbrio pode ter consequências negativas na resolução dos processos,

acabando por afectar negativamente, não só qualidade e legitimação do

tribunal, como também a sua produtividade.

22. Esta foi, também, uma das matérias em reflexão no curso do

trabalho de campo. Em primeiro lugar, temos que ter em consideração que a

distribuição da procura judiciária pelos diferentes tribunais começa, a um nível

macro, por ser condicionada pelas políticas relativas a dois aspectos

essenciais: mecanismos de resolução alternativa de conflitos e organização

judiciária. A maior ou menor densificação dos meios alternativos de resolução

de conflitos tem influência no desempenho funcional dos tribunais judiciais.

As políticas relativas à organização judiciária são, ao nível macro, a

segunda condicionante da distribuição da procura judicial. Desde logo, a maior

ou menor especialização dos tribunais judiciais, quer considerando as

principais áreas do direito (cível, criminal, laboral, administrativo, família,

comercial), quer dentro de cada área (por exemplo, a existência de

especialização para tramitar as acções executivas ou para a propriedade

industrial), irão determinar formas diferentes de distribuir a procura judiciária

num dado país.

23. Sobre esta questão, consideramos que sem prejuízo do processo de

reforma em curso relativo ao mapa e à organização judiciária, é importante,

sem colocar em causa os objectivos e o paradigma daquela reforma, fazer

alguns ajustamentos em matéria de organização judiciária, tendo em atenção

recentes alterações legislativas, como a alteração das alçadas e das regras de

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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competência territorial, que transferiram a procura de alguns tribunais para

outros. Há tribunais próximos e, por vezes, secções do mesmo tribunal, em que

a relação volume de processo/ número e categoria de funcionários é bastante

desigual. Consideramos, por isso, fundamental que neste período de transição

se desenvolva um sistema que permita uma avaliação real e periódica do

volume e da natureza da litigação, bem como dos recursos humanos de todos

os tribunais cíveis.

É, ainda, importante que se proceda, ainda neste período de transição,

sobretudo nas comarcas de elevado volume processual, à separação definitiva

entre as acções declarativas e as acções executivas.

24. No que respeita à distribuição das acções dentro do tribunal, pelas

diferentes unidades orgânicas e pelos juízes, como mostramos neste relatório,

levantam-se questões várias, estando sujeita a mecanismos diferenciados nos

vários sistemas judiciais. Confrontam-se dois propósitos: por um lado, o de

assegurar que a distribuição dos processos se faça sem colocar em causa o

direito e a garantia das partes a um processo justo e imparcial; por outro, igual

direito a uma justiça eficiente e de qualidade.

Os sistemas judiciais que prevêem, tal como o sistema judicial

português, regras de distribuição, gerais e abstractas, visam, assim, garantir

que a carga de trabalho seja tendencialmente igualitária entre os juízes e as

secções de processos, proporcionando a aleatoriedade da distribuição como

via essencial para garantia da imparcialidade dos tribunais. O problema é que

as regras gerais e abstractas não respondem a algumas necessidades

excepcionais de qualidade e eficiência. Defendem-se, por isso, regras que,

sem colocar em causa o direito a um processo justo e imparcial, permitam uma

maior flexibilidade da distribuição dos processos dentro do tribunal. As

situações de excepcionalidade podem decorrer da especial complexidade dos

litígios, do aumento do volume de trabalho ou da impossibilidade temporária

dos magistrados titulares do processo.

A primeira nota a considerar é que as regras de distribuição previstas

actualmente no Código de Processo Civil não incorporam critérios

especialmente dirigidos a assegurar a eficiência e a qualidade da resposta

judicial. Parte-se do pressuposto que esses objectivos são assegurados pela

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Conclusões

193

especialização das jurisdições, quando ela ocorre, e pela geral qualidade e

capacitação de todos os magistrados, que deverão estar aptos a dirigir e

decidir qualquer tipo de litígio.

Entre nós, o discurso sobre esta questão ainda está muito vinculado a

regras de distribuição rígidas referenciadas à interpretação do princípio do juiz

natural. Mas, mesmo para dar resposta a um dos objectivos previstos na lei

(igual distribuição de carga de trabalho), a prática mostra a insuficiência dessas

regras, levando a outras formas de distribuição informal, procedendo-se a

distribuições paralelas, à margem da distribuição automática e electrónica, de

determinados tipos de litígios, como as expropriações ou alguns recursos de

autoridades administrativas.

A opinião dos operadores judiciários ouvidos no âmbito deste estudo

sobre a distribuição processual e a possibilidade de implementação de

mecanismos de flexibilização, tendo em vista uma maior eficiência e qualidade

do sistema, pode ser dividida em três posições, que incorporam duas leituras

diferentes do princípio do juiz natural: a) aqueles que tendencialmente

consideram suficientes os actuais mecanismos de distribuição e de gestão

processual e que qualquer alteração tem sempre que ser feita através do

Conselho Superior da Magistratura; b) os que consideram a necessidade de

aprofundar a qualidade da justiça alargando a possibilidade de especialização,

mas através de unidades de especialização dentro do tribunal (estas duas

posições fazem leituras mais restritas do princípio do juiz natural); c) e aqueles

que, colocando a ênfase na eficiência e qualidade da resposta judicial, fazem

uma outra leitura menos rígida daquele princípio e consideram insuficientes os

actuais mecanismos de distribuição e gestão processual, colocando uma

ênfase específica nas funções do juiz presidente.

Para assegurar a possibilidade de distribuição de determinado tipo de

litígios a um determinado juiz, especialmente habilitado para a resolução do

mesmo, a maioria dos entrevistados defendeu a necessidade de criação de

uma secção (ou sub-secção) especializada onde esse juiz seria colocado. A

razão de ser desta posição funda-se, no essencial, no receio de se perder a

imparcialidade do tribunal.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

194

25. As posições relativas ao papel do juiz presidente na distribuição e

gestão processual são díspares. Identificámos três posições principais quanto

ao papel do juiz presidente na distribuição processual dos processos entrados,

e na possibilidade de redistribuição dos processos pendentes: para uns, tal

possibilidade deve estar absolutamente vedada; para outros, essas

competências devem ser exercidas conjuntamente com o Conselho Superior

da Magistratura, devido à proximidade com a função jurisdicional; e, para

outros ainda, a possibilidade de o juiz presidente definir critérios de distribuição

é claramente defendida.

Ainda no que respeita às funções do juiz presidente, alguns magistrados

consideraram particularmente proveitosa a sua função dinamizadora de

fomentar o diálogo entre os magistrados de um tribunal, criando espaços, com

dimensão institucional, de debate.

26. Uma outra vertente central da qualidade e eficiência da resposta

judiciária é a adopção de uma visão gestionária do processo (case

management). O magistrado judicial abandona a sua veste de terceiro

imparcial e distante, passando a assumir uma intervenção activa na gestão do

litígio. Esta perspectiva tem por base a concepção, segundo a qual a eficiência

resulta menos das mudanças das regras processuais do que da adequada

monitorização do desempenho funcional dos tribunais e intervenientes no

processo.

É, na verdade, na forma como os tribunais tramitam e decidem os

processos concretos, isto é, respondem à procura que lhes é dirigida, que

todos os factores que condicionam a melhoria da qualidade e eficiência do

sistema judicial se interseccionam e combinam. A eficácia, eficiência e

qualidade dessa combinação determina igual eficácia, eficiência e qualidade na

resolução do caso concreto. Nesse percurso, é crucial o modo como se faz a

participação e interacção dos diferentes intervenientes processuais.

27. De entre todos os intervenientes, é ao juiz a quem os sistemas

judiciais atribuem um papel mais activo na gestão do caso concreto. Ao juiz é

conferido um papel central na prossecução de uma gestão processual

orientada para a eficácia, eficiência e qualidade do caso concreto. Contudo, tal

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Conclusões

195

como em muitas outras áreas do sistema judicial, a prática está, entre nós,

longe desse objectivo, embora se conceba a essencialidade de o juiz assumir

efectivamente esse papel.

No discurso dos entrevistados e na prática, confrontam-se duas

perspectivas sobre a tramitação de um dado caso/processo: uma, dominante

entre nós, técnico-burocrática que tende a privilegiar o processo como uma

sequência de actos em cada um dos intervenientes processuais (partes,

advogados, funcionários e juiz) pratica os actos que a lei lhes atribui; e outra

que olha para cada caso concreto que subjaz ao processo. Esta última

perspectiva pressupõe, sem colocar em causa os direitos e garantias das

partes, uma gestão tendencialmente diferenciada de cada processo,

considerando as suas características, como a natureza do litígio, o valor, o

número de intervenientes, etc..

Para se alcançar uma perspectiva diferenciada do processo, é

necessário, em primeiro lugar, tramitar e agir relativamente ao caso concreto

de acordo com objectivos e mecanismos de gestão processual que tenham

sempre no horizonte a decisão final, que deverá ser simultaneamente justa e

rápida, abandonando-se, assim, uma cultura em que o desempenho funcional

esteja assente em rotinas e na tendência para um produtivismo quantitativo.

28. Um dos pressupostos essenciais que permite implementar

mecanismos de gestão processual é o da diferenciação de processos que

permita ter uma visão estratégica do processo, quer no que respeita à sua

duração previsível, quer aos actos e sua complexidade. Para tanto, é

necessário recorrer a critérios mais amplos do que os definidos nas regras

processuais em função do valor e da natureza do processo.

O nosso estudo mostra que a diferenciação em função do valor e da

forma processual e ou mesmo em função das espécies de distribuição não é

suficiente para abarcar a pluralidade da actuação exigida ao magistrado judicial

em cada caso concreto. O conhecimento da duração média e do tempo

esperado do juiz para os diferentes tipos de litígios são auxiliares importantes

do desenvolvimento de medidas de gestão processual.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

196

29. Além do conhecimento aproximado do tempo que determinado

processo concreto em princípio tomará ao juiz, é, ainda, fundamental que se

tenha uma visão sobre a realidade processual de cada unidade orgânica. O

acesso à informação, em tempo real, sobre o volume e o tipo de litígios, por

parte, quer dos funcionários judiciais, quer dos magistrados, é um dos

pressupostos essenciais para a criação de um sistema transparente e

compatível com a adopção de mecanismos de gestão. A produção e

disseminação (através de relatórios, na intranet ou Internet, etc.) de indicadores

estatísticos, de acesso imediato e adequadamente trabalhados, constitui, deste

modo, uma das ferramentas essenciais para a implementação e introdução no

sistema judicial de um modelo de gestão adequado, quer dos processos

judiciais, quer dos serviços de justiça globalmente considerados. Do trabalho

de campo realizado, concluímos pela carência deste tipo de ferramentas e pela

visão marcadamente parcelar que os operadores judiciários têm da sua própria

unidade orgânica.

30. O planeamento e agendamento eficazes dos principais actos

jurisdicionais, em especial das audiências preliminares, despachos

saneadores, audiências de discussão e julgamento e sentenças, são

considerados como instrumentos fundamentais da gestão do caso concreto.

Resulta do trabalho de campo que esta é uma matéria onde se verifica

heterogeneidade, decidida de forma subjectiva por cada juiz e nem sempre

articulada dentro do tribunal. Resulta, ainda, que esta heterogeneidade é fruto,

em boa medida, da falta de formação dos operadores nesta área específica. A

gestão do caso concreto é feita, por cada magistrado, de acordo com métodos

próprios de trabalho, mas sem que procure incorporar princípios ou critérios de

eficácia e eficiência, considerando a globalidade dos actos e dos processos.

A eficaz gestão dos processos pode passar, ainda, sobretudo para

alguma litigação, pelo incentivo ao agendamento comum de casos idênticos, ou

pela agregação/apensação de processo, mecanismo já previsto no Regime

Processual Civil Experimental, mas de pouca utilização na prática, ou pela

criação de um “manual de boas práticas” dirigido especificamente à litigância

de massa.

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Conclusões

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31. Resulta do trabalho de campo que, na prática, o juiz apenas tem

controlo prévio sobre a sua actividade no que diz respeito à marcação de

diligências (audiências de produção de prova, audiências preliminares, etc.).

Todo o restante trabalho de gabinete (despachos, sentenças) depende muito

do que, quotidianamente, lhe for apresentado pela secção de processos, que

funciona como uma fonte de “alimentação” do gabinete do juiz. Contudo, do

discurso dos entrevistados, é consensual que a adopção de mecanismos de

gestão processual exige maior capacidade de controlo e de programação dos

actos que, num determinado período de tempo (por exemplo, uma semana), o

magistrado tem que efectuar.

Para a mudança organizacional e funcional da interacção juiz/secção de

processos exigem-se mudanças em factores de natureza legal e cultural, com

posições diferenciadas quanto à maior ou menor presença de uns e de outros.

Se para alguns o problema é, sobretudo, um problema de lei, para outros é,

sobretudo, um problema de práticas e de rotinas, que apenas poderá ser

ultrapassado com a definição e assunção de objectivos comuns do tribunal

enquanto organização.

32. A questão da liderança orgânico-funcional do tribunal assume,

quanto a esta matéria, uma forte centralidade. Há relativo consenso quanto à

necessária intervenção do juiz presidente, no uso de competências, legalmente

definidas, quanto a esta matéria. Outros, por outro lado, defendem a

centralidade do escrivão de direito na gestão da secção de processos. Esta

dessintonia entre a secção de processos e o juiz pode gerar efeitos perversos

com práticas que, de acordo com os operadores entrevistados, devem ser

consideradas inaceitáveis, nomeadamente, estipulando o número de processos

em relação aos quais a secção deverá abrir conclusão para despacho,

limitando e seleccionando, desta forma, os processos que vão ao gabinete do

juiz.

Para ultrapassar esta dessintonia, é necessário adoptar uma visão

estratégica de conjunto da secção do processo/juiz, assumindo o próprio juiz

uma co-responsabilização pelo andamento do processo na secção.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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33. Relacionada com aquela questão, surge o problema do cumprimento

dos prazos, pressuposto essencial de uma adequada gestão processual.

Constatámos que a realidade de hoje, escudada no fundamento de excesso de

volume de processos e da falta de recursos humanos, é do generalizado não

cumprimento dos prazos previstos na lei para as diferentes fases do processo.

Neste campo, destacam-se as novas funcionalidades do Citius, que veio

introduzir maior transparência no sistema, impedindo a abertura de conclusões

para futuro, por um lado, e, por outro, permitindo o permanente controlo por

parte do juiz da pendência do seu juízo.

34. Ainda quanto ao papel do juiz, os estudos e recomendações

apontam-no como muito importante na tentativa de composição do litígio pela

conciliação das partes. A realização de uma conferência com a presença das

partes numa fase anterior à audiência de julgamento pode, além de outros

efeitos de natureza gestionária na tramitação do processo, como o

agendamento das audiências de julgamento, fomentar a resolução do litígio por

acordo.

Do trabalho de campo realizado são duas as conclusões fundamentais

sobre esta matéria: por um lado, entre nós parece ainda ser determinante a

“cultura” do acordo à “porta da audiência”; por outro, é divergente o

entendimento sobre o efectivo papel do juiz na via conciliatória (alguns

defendem que tal tarefa cabe aos advogados e não aos juízes, cuja função é

proferir uma decisão) e, mais divergente ainda, no quadro de uma perspectiva

gestionária do processo, sobre o momento em que tal deve ocorrer.

35. De entre as estratégias processuais das partes, que podem afectar a

celeridade processual e uma adequada gestão do processo, foi salientado o

recurso à suspensão da instância por acordo, utilizado, com frequência, como

resposta perversa à limitação do adiamento das audiências, servindo

estratégias de agendas dos advogados e que acaba por redundar num

expediente dilatório. A experiência dos operadores judiciais gerou posições não

coincidentes. Para uns, se tais mecanismos estão ao dispor das partes, não

devem ser questionados pelo tribunal ou, pelo menos, não devem constituir o

centro da discussão em torno da gestão processual, até porque pode acontecer

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Conclusões

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que essa suspensão ajude na realização de um acordo. Para outros, todavia,

esse é um problema real que coloca em causa o planeamento e agendamento

da actividade do tribunal, não só no processo em concreto, mas com

consequência em outros processos.

36. Não obstante a influência de muitos outros factores condicionantes

do funcionamento dos sistemas de justiça, muitos autores chamam a atenção

para a necessidade de não descurar a cultura judiciária (“legal culture”) como

um dos elementos potencialmente explicativos de alguns dos bloqueios a um

funcionamento mais eficiente e eficaz do sistema judicial Nas discussões

desenvolvidas no âmbito do presente projecto foi amplamente salientado que a

gestão processual não se resolve por ela própria, isto é, não é mudando as leis

de processo que conseguimos resolver os problemas de falta de eficácia e da

qualidade do sistema, sendo necessário criar uma cultura judiciária que tenha

sobre os processos uma visão estratégica orientada para a eficiência e

qualidade da justiça.

Neste contexto, sublinha-se que a previsão legal de um dever de gestão

(à semelhança do que ocorreu no Regime Processual Civil Experimental) pode

ser um factor de incentivo da criação dessa cultura. No entanto, do trabalho de

campo realizado decorre que a mera previsão legal não é suficiente para

desenvolver, no caso do Regime Processual Civil Experimental, uma cultura de

receptividade destes modelos.

Para as mudanças culturais da advocacia, das magistraturas, dos

agentes judiciais em geral, há um longo caminho a percorrer. Para esse

processo de mudança é crucial a contribuição dos estudos e da reflexão

produzida, a dinamização de espaços de debate e a criação e desenvolvimento

de programas estratégicos de formação. As reformas dificilmente resolvem os

problemas se não houver uma cultura judiciária que as sustente. Para tal, a

formação dos magistrados, quer a formação inicial, quer a formação

permanente, assumem um papel central num qualquer projecto de reforma

estrutural do sistema de justiça dirigido, não só ao aumento da eficácia, mas

também à melhoria da qualidade de justiça e à criação de uma nova cultura

judiciária.

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Algumas recomendações

201

8.2 Algumas recomendações

Como acima referimos, a discussão sobre medidas e mecanismos de

gestão processual, no quadro das reformas que visam uma melhor qualidade e

eficiência do judiciário, é uma discussão que, na maioria dos países da Europa,

tem pouco mais de uma década e que, entre nós, só muito recentemente se

iniciou. A natureza exploratória deste estudo e a agenda de investigação para

que aponta, apenas nos permitem salientar algumas recomendações de

carácter geral. Assim, à luz da investigação realizada, da literatura consultada,

e tendo como referência as conclusões supra, parecem-nos adequadas as

seguintes recomendações com o objectivo de aprofundar a eficiência, eficácia

e qualidade da justiça cível em todos os tribunais judiciais de primeira instância:

a) Sem prejuízo do processo de reforma em curso relativo ao mapa e

organização judiciária, consideramos importante a organização de um plano de

acção que ausculte os juízes presidentes e secretários de cada tribunal, tendo

em vista a redefinição da relação entre os recursos humanos existentes e o

movimento processual. Os reajustamentos dos recursos humanos decorrentes

das recentes alterações legislativas a nível de competência territorial e do valor

das alçadas deve ser decidido de forma global e com a participação activa e

responsável de todos os juízes presidentes e secretários.

b) Para tal, consideramos importante a criação de um grupo de trabalho

que, neste período de transição, desenvolva um sistema de avaliação real e

periódica do volume e da natureza da litigação, bem como dos recursos

humanos de todos os tribunais cíveis.

c) Idêntico plano, em concertação com os juízes presidentes e secretários

de cada tribunal, deve ser desenvolvido para o levantamento dos recursos

materiais, em especial daqueles que são essenciais para a implementação das

novas tecnologias, atendendo ao estado de conservação dos existentes, às

necessidades do quadro de funcionários e às exigências impostas pela

desmaterialização do processo. A ausência de recursos materiais em alguns

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

202

tribunais pode colocar em causa a adopção dos novos mecanismos de

tramitação electrónica.

d) Consideramos, ainda, que deve ser avaliado o actual sistema de

aquisição e substituição de recursos materiais para os tribunais no sentido de

procurar incorporar, de forma sistemática, as opiniões locais sobre as efectivas

necessidades dos tribunais e dos seus agentes, evitando gerar, em simultâneo,

situações de desperdício e de carência.

e) O secretário e o escrivão de direito são, no actual quadro normativo,

duas figuras reconhecidamente identificadas pelos operadores como

portadoras de uma função de destaque na organização e gestão dos tribunais

e dos processos. A forma como o seu papel é exercido (como líder activo e

delegativo ou como líder directivo) tem repercussões na produtividade e gestão

dos serviços, uma vez que são elementos que podem actuar como

dinamizadores da capacitação e motivação dos funcionários. O investimento

nestas figuras chave (e em especial do secretário que possui uma visão mais

integrada do sistema) neste período de transição revela-se premente.

Consideramos, assim, importante rever, quer os seus critérios de

recrutamento, quer de avaliação e, sobretudo, investir na formação destes

elementos nas áreas de recursos humanos e de liderança.

Podia ser desenhado um programa de formação avançada, de alguns dias,

centralizado nas sedes dos distritos judiciais.

Consideramos, ainda, que deve apenas existir um secretário por edifício,

tribunal ou em situações particulares, mesmo conjuntos de edifícios próximos.

f) É, ainda, importante que se proceda, neste período de transição,

sobretudo nas comarcas de elevado volume processual, à separação definitiva

entre as acções declarativas e as acções executivas.

g) Como mostrámos as actuais regras de distribuição das acções não

cumprem os objectivos que lhes subjazem e não incorporam critérios

especialmente dirigidos a assegurar a eficiência e a qualidade da resposta

judicial. Consideramos fundamental a criação de novas formas de distribuição

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Algumas recomendações

203

dos processos pelos magistrados judiciais que melhor atendam à

particularidade da natureza do litígio e a outros factores que indiciam o grau de

complexidade do caso. Estas são, aliás, recomendações do Conselho da

Europa. A particularidade de cada comarca pode convocar a necessidade de

estabelecer critérios diferentes que atendam a essas especificidades. Pelas

razões que explicamos, esta é uma medida de gestão processual que

consideramos essencial.

No presente relatório são apresentadas várias soluções possíveis. Pelas

tensões que esta questão incorpora com os princípios do juiz natural e da

imparcialidade, as vias que se encontrarem para o sistema judicial português

devem ser amplamente debatidas. O que propomos é que se inicie, de

imediato, esse processo de reforma e de debate pela sua essencialidade para

a eficácia e qualidade do sistema de justiça português.

h) A especialização dos magistrados é um factor de qualidade da justiça. O

actual sistema de acesso a determinados tribunais especializados é insuficiente

para garantir a especialização dos magistrados, apesar de se prever a

necessidade de formação específica. Como já escrevemos, o acesso a

tribunais de competência especializada deve ser precedido da frequência

obrigatória de cursos certificados pelo Centro de Estudos Judiciários ou

reconhecidos pelo Conselho Superior da Magistratura.

i) A especialização de tribunais não resolve o problema dos casos de

especial complexidade, mas de reduzida presença nos tribunais. Deve, por

isso, alargar-se e reconhecer-se a especialização a outras áreas fora das áreas

que compõem dos tribunais especializados.

j) A formação foi identificada, no discurso dos operadores judiciais, como

uma carência crónica. Pelas razões que explicámos, a formação assume um

carácter central em processos de mudança. Deve ser criado um grupo de

trabalho que proponha uma reformulação do plano de formação dos

funcionários judiciais de forma a permitir uma formação contínua, adequada às

actuais necessidades das políticas de reforma e que fomente o aproveitamento

racional das ferramentas electrónicas e a criação de espaços de debate que

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

204

ultrapassem o momento em que é ministrada. Deve apostar-se em cursos

avançados, de curta duração, e descentralizados.

l) Ainda no âmbito da formação, deve ser criada uma plataforma de

elearning e de intranet que permita o acesso generalizado das alterações

legislativas e de decisões que implicam uma alteração na dinâmica do trabalho

e/ou de outras informações relevantes. O sucesso destas ferramentas exige

actualização e fácil acessibilidade.

m) As várias dessintonias, de que damos conta no relatório, entre a secção

de processos e o gabinete do juiz, os problemas decorrentes da organização

interna das secções e dos métodos de trabalho só se podem resolver com uma

reforma global das unidades de tramitação dos processos e de apoio ao

trabalho do juiz (actuais secções de processos). À semelhança de outros

países, de que é exemplo a Espanha, é preciso adaptar a organização interna

dos tribunais e os métodos de trabalho às novas exigências da procura

judiciária e ao novo contexto, em especial, o que decorre da introdução das

novas tecnologias. Deve, por isso, ser iniciado o processo de estudo e de

reforma desta matéria.

n) Sem prejuízo da recomendação da alínea anterior, deve ser

desenvolvido um plano de formação, a decorrer nos moldes acima já referidos,

dirigido aos escrivães e aos inspectores, que ajude a abandonar a visão

técnico-burocrática dos processos, e a substitua por outra, orientada para a

eficiência, eficácia e qualidade das respostas da secção.

o) Deve privilegiar-se a disseminação de informação relativa aos

desempenhos funcionais das unidades de cada tribunal. Esta informação deve

estar mensalmente disponível para todos os membros do tribunal através de

um sistema intranet.

p) Deve, igualmente, procurar desenvolver e disseminar informação, em

tempo real, que permita conhecer o volume e o tipo de litígios a tramitar em

cada unidade judicial e distribuídos a cada juiz. A produção e disseminação

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Algumas recomendações

205

(através de relatórios, na intranet ou Internet, etc.) de indicadores estatísticos,

de acesso imediato e adequadamente trabalhados, constitui uma das

ferramentas essenciais para a implementação e introdução no sistema judicial

de um modelo de gestão processual.

q) Deve, igualmente, criar-se um grupo de trabalho com formação

adequada que, utilizando o conhecimento já produzido nesta matéria,

designadamente pelo Observatório Permanente da Justiça, pelo Conselho

Superior da Magistratura e pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses,

desenvolva mecanismos que permitam conhecer, em tempo real, a carga de

trabalho de cada juiz. Esta é uma ferramenta essencial para uma gestão

adequada da distribuição de processos.

r) Como demonstrámos, uma vertente central da qualidade e eficiência da

resposta judiciária, é a adopção de uma perspectiva gestionária do processo

(case management), na qual o juiz assume um papel central, que obriga a uma

visão estratégica do processo, quer no que respeita à sua duração previsível,

aos actos a praticar e sua complexidade, quer, ainda, ao próprio papel do juiz

na composição do litígio pela conciliação das partes. As mudanças culturais

que tal visão incorpora só são possíveis através de um adequado programa de

formação, que deve ser desenhado nesta matéria e ser ministrado, quer no

âmbito da formação inicial, quer no âmbito da formação permanente.

s) A reforma do mapa judiciário dá particular destaque ao papel do juiz-

presidente. Igual destaque emergiu na discussão no âmbito deste trabalho,

designadamente, na possibilidade de intervenção, em determinados casos, na

distribuição de processos, mas também, na gestão dos recursos humanos e na

dinamização de instrumentos de gestão processual. O sucesso da reforma

dependerá, em boa medida, do desempenho funcional desta nova figura.

Assim, os conteúdos formativos dos potenciais candidatos devem ser

adequadamente definidos e implementados, atendendo aos objectivos dos

seus poderes e deveres

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

206

t) Deve ponderar-se a organização, após discussão alargada, de um

manual de boas práticas, que possa servir de base de implementação de

ferramentas que sejam consideradas como potenciadoras de uma intervenção

gestionária no processo. A discussão sobre qual deve ser em concreto a

actuação do juiz no processo, no exercício do seu dever de direcção e gestão,

deve ser particularmente alargada, uma vez que deve emergir de uma cultura

de receptividade a este tipo actuação e não de uma imposição legislativa, ou

seja, a implementação de ferramentas de gestão do caso concreto deverá

resultar de um ambiente de consenso entre os próprios magistrados.

Entendemos, por isso, que, neste âmbito, o Conselho Superior da Magistratura,

bem como Centro de Estudos Judiciários no âmbito da formação, têm um papel

fundamental.

u) No seguimento da avaliação do Regime Processual Experimental deve

avançar-se para uma reforma sistemática do Código de Processo Civil.

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215

ANEXO AANEXO AANEXO AANEXO A

Painel com Funcionários Judiciais

Para um Novo Judiciário:

qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

13 de Março de 2008

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Anexo A

217

Intervenientes:

Daniel Costa, Eva Jorge, João Campos, Joaquim Parente, Jorge Constantino,

José Lapa, Luís Seco, Luísa Coelho e Maria do Carmo Ramos1

F1: Há, neste momento, duas questões que eu destacaria como relevantes da

gestão processual: mas, antes queria dizer que, se não fosse o programa

HABILUS, eu diria que já não se podia entrar nos tribunais. Mas há duas

questões fundamentais: por um lado, as alterações legislativas constantes.

Quando as pessoas já estão habituadas e dizem “agora já percebo isto”, têm

de enfrentar mais outra alteração e depois, primeiro que as pessoas se

habituem à nova alteração vai haver atrasos. Por outro lado, são os métodos

de trabalho das secretarias. Desde há uns anos que a meu ver não se tem

investido na chefia e na formação, virada para a gestão do serviço. Dentro das

secretarias, cada um trabalha um bocado “como lhe apetece”, as pessoas não

olham para o serviço e pensam “eu tenho que ter aqui um objectivo, tenho de

começar por aqui ou por ali”. Chegam ali e aquilo vai andando, o que acaba por

arranjar muitos problemas com os magistrados. O que eu tenho visto é que os

processos andam, mas sem método. Acho que neste momento esse é o

principal problema.

F2: O problema de facto é a organização. E um outro problema tem a ver com

a dificuldade que muitas vezes os secretários têm em gerir o pessoal. É muito

difícil mudar os funcionários. Basta uma diferença legislativa para em termos

organizativos, com métodos diferentes, para a secção funcionar de forma

diferente e mais eficaz.

OPJ: Mas diferente como?

1 A identificação dos funcionários judiciais faz-se pela letra F, seguida de um número atribuído a cada um dos intervenientes, em função da ordem da sua primeira intervenção no respectivo painel. Esta ordem é completamente diferente da que consta da lista de intervenientes, em que os participantes foram identificados por ordem alfabética. O painel, com autorização de todos os participantes, foi integralmente gravado e posteriormente transcrito. As transcrições, depois de ligeiramente revistas, foram enviadas para eventuais correcções a cada um dos intervenientes. A sua publicação inclui todas as correcções que os próprios entenderam fazer.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

218

F2: Eu e o meu colega temos uma passagem pelos Tribunais Administrativos.

E os Tribunais administrativos têm uma forma organizacionalmente diferente. E

essa organização diferente faz a diferença.

OPJ: Onde é que ela é diferente?

F2: O secretário tem outro protagonismo. O secretário tem funções específicas

de organização da própria secretaria, além da secção central, e pode intervir na

secção de processos, optimizando os recursos humanos.

OPJ: Mas em que sentido?

F2: Por exemplo, nos Tribunais Administrativos, por ter uma outra autoridade, o

secretário tem a possibilidade de fazer, sem a autorização dos juízes, a

modificação da estrutura da própria secretaria, em situações pontuais e

urgentes, numa perspectiva mais definitiva as soluções têm de ser conjugadas

de acordo com o principio que a direcção do tribunal pertence ao Juiz

Presidente.

OPJ: Sem a autorização do juiz? Mas, os juízes dizem que “nós juízes não

podemos dar nenhuma indicação na forma como a secção trabalha”. Essa é

uma questão que eu gostaria de ver esclarecida.

F1: Isso não é verdade.

OPJ: Mas, o juiz não tem competência para interferir na organização do

trabalho da secção?

F3: Não é bem assim. No dia-a-dia não é isso que acontece. Temos

infelizmente a experiência na acção executiva. Apesar do legislador ter definido

muito bem os momentos de intervenção do juiz, temos muitos casos em que os

juízes interferem no trabalho do escrivão investido na funções de agente de

execução. Eu próprio tive uma experiência. Fui censurado por despachos de

página e meia, por praticar oficiosamente actos que a lei previa

expressamente.

OPJ: Mas que tipo de actos?

F3: Actos de secretaria. Por exemplo, notificações.

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Anexo A

219

OPJ: Mas, os Srs. Oficiais de Justiça entendem como positivo ou negativo a

possibilidade de um juiz dar indicações sobre a organização do trabalho à

secretaria? É verdade que o juiz não controla o que lhe é entregue pela

secção? E se se assim é pergunto se identificam esta situação como negativa.

F1: Tem a ver exactamente com aquilo que eu já tinha dito. Ninguém está

virado para esta questão e os processos andam todos ao mesmo tempo

quando a secretaria se lembra. É isso que traz conflitos entre a secretaria e os

magistrados. Porque não há organização das secretarias, não há orientações.

Há queixas de toda a gente, toda a gente tem razão e ninguém tem razão. É a

falta de método das secretarias.

OPJ: Este desencontro ou falta de articulação na organização do serviço é

para os Srs. Funcionários um bloqueio à eficácia da tramitação dos processos?

Os processos andam todos ao mesmo tempo ou, de vez em quando, “limpam-

se” os armários, como uma avalanche, e depois estamos dois meses sem os

movimentar?

F1: Um ano, meio ano. Há muitas secções em que se vê que as pessoas vão à

estante duas vezes por ano, se calhar, a seguir às férias.

OPJ: O que é ir às estantes?

F1: É tirar os prazos, é movimentar os processos que estão a aguardar prazos.

Os processos, depois de cumpridos os despachos, ficam a aguardar os prazos

dos advogados. Depois é preciso tirá-los, terminado esse prazo, e fazer as

conclusões, fazer o que for preciso. E como se faz poucas vezes, isto é, como

há muito trabalho, vai-se deixando para o fim e faz-se o resto. Não quer dizer

que as pessoas não trabalhem, porque as pessoas até trabalham muito. Só

que deixam para o fim. Vão lá duas ou três vezes por ano. Pode ser assim ou

não ser. Não é assim em todas as secções. Mas, depois os processos saem

todos ao mesmo tempo, o que faz dar muito ou pouco trabalho.

F4: Gostava de dizer duas coisas. Primeiro estou inteiramente de acordo com o

que F1 disse. Mas, eu começaria primeiro pela gestão de processos. Todos

nós, e eu acho que isto é comum aos magistrados e aos funcionários, nunca

fomos instruídos para a necessidade de nos organizarmos de determinada

forma. E a organização de cada um de nós, é aquela que cada um de nós acha

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

220

mais adequada, que é nenhuma. Cada um faz o que e como acha que deve

fazer. Em relação à gestão dos processos, acho que os Srs. Juízes têm toda a

razão quando dizem que não têm nenhuma gestão do trabalho deles, mas os

funcionários também não têm. Se uns não têm, os outros também não têm. É

verdade que o juiz só actua no processo se houver uma intervenção da

secretaria. Que intervenção é essa? Há funcionários mais cuidadosos e uns

menos cuidadosos e no fundo, é o funcionário que acaba por condicionar o

trabalho do juiz e o dele próprio. Se ele quer ter muitos processos, ele manda

muitos para dentro. Se ele quer ter poucos processos, ele manda poucos para

dentro.

OPJ: Se ele quer ter muitos processos… traduza isso, por favor.

F4: O depósito dos processos em termos legais é a secção. O fiel depositário

dos processos é o escrivão, que em cada momento deve definir onde é que o

processo vai e para quê. E, em regra, ele faz a gestão do seu próprio trabalho.

OPJ: Por favor, explique melhor a prática. Os processos são distribuídos a uma

determinada secção e começa ali a tramitação do processo.

F4: O escrivão recebe os processos e é ele que decide o que vai fazer ou o

que não vai fazer. Se entende que os deve movimentar, no caso de os

processos deverem ir para o gabinete, ele pode de imediato enviá-los. Se este

adjunto ou aquele auxiliar vai abrir aquelas conclusões, ou se não vão. Mas, se

ele tem alguma tarefa a fazer no processo ele, pode dizer “não faço hoje, tenho

ali coisas mais urgentes, em vez de fazer isto faço aquilo”. Depois as secções

com pessoas que de alguma forma querem fazer a gestão do seu trabalho

sabem que se enviarem 20 processos para o gabinete do juiz, têm 20 de volta.

Se enviarem 5, só têm 5 de volta. É assim porque cada um de nós decide

assim. De facto é verdade que o juiz não tem nenhum poder de decisão,

porque toda a estrutura legal que nós temos nos condiciona em termos de

prazos. A secção tem um prazo para fazer uma coisa, o juiz tem um prazo para

fazer outra, embora sejam prazos meramente indicativos que se não forem

cumpridos não têm consequência nenhuma. O juiz tem os processos no

gabinete que o funcionário decidiu levar para lá e decide que vão para lá no

momento em que entende que devem ir. Da mesma forma, o juiz também

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Anexo A

221

decide o que envia para a secção quando entende que deve enviar. Também

não é nada fora do normal se houver um juiz que entende que envia os

processos todos, por exemplo, no último dia do mês. E a secção o mesmo. Isto

é um circuito vicioso. A única regra gestionária é o cumprimento da lei. Se

temos prazos na lei, temos que os cumprir. Para nós, infelizmente, temos uma

cultura que se passar um dia ou 2 ou 3 ou 5, todos até achamos que estamos

dentro dos prazos. O sucessivo alargamento dos prazos a todos, quer quando

temos que responder a uma citação, quer quando temos de fazer alguma

coisa, leva a que os processos se atrasem. Ou seja, a total ausência de

método de trabalho. E isto tem a ver com a formação de que F1 falou. Sou

muito crítico relativamente à forma como a nossa formação é organizada e

dada. Em todas as acções de formação, somos instruídos sobre a forma como

devemos cumprir os despachos, mas nunca nos foi dada nenhuma indicação

sobre a forma como devemos gerir o nosso trabalho. Neste momento, a

Direcção Geral pôs lá no tribunal umas equipas de recuperação de atrasos.

Tem um propósito claro, que é recuperar o que está atrasado, mas este

conceito do que está atrasado já em si é muito difícil. Atrasado o que é? Tudo o

que está parado há muito tempo e deveria ter sido movimentado. Mas, o facto

de ter sido movimentado agora e ter sido recuperado hoje, não quer dizer que

não esteja atrasado amanhã. Porque o movimento hoje pode ser abrir uma

conclusão. E se sair do gabinete do juiz e não voltar a ser movimentado, fica

atrasado na mesma. O conceito de atrasado (ou não) tem a ver com isto.

Depois, de acertada a intervenção das equipas, pedimos às escrivãs, que são

fiéis depositárias dos processos, para dizerem o que é que, do seu ponto de

vista, deveria ter intervenção imediata. Foi interessante ver o conceito que cada

uma escrivã tem acerca disto: umas deram os processos para a conta, outras

para juntar papéis, outras para marcar julgamento. Ou seja, não houve ali

nenhuma atitude concertada de ninguém. Bom, lá vou eu dizer que para mim o

conceito de atrasado é o que está aí à beira de prescrever para evitar um mal

maior. Mas, no fundo, é um critério.

Nós, em termos de gestão do processo, o único critério que temos é a lei. Eu

tenho um prazo, e, dentro da medida do possível, tento cumprir o prazo. Claro,

que se o juiz se queixa quando vêm tantos processos num dia e vêm poucos

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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noutro dia, se calhar até posso estar bem organizado. Tiro os prazos à

segunda, à terça cumpro os despachos, à quarta juntos os papéis… posso ter

a minha organização, mas não há de facto nenhuma concertação entre a

secretaria e o gabinete do juiz. Essa organização deve depender da secretaria

ou deve depender do gabinete do juiz? E há outro problema, nós fazemos a

gestão com base, em regra, naquilo que fazemos e quase nunca naquilo que

temos para fazer. Ora, para fazer a gestão do pessoal é obviamente importante

o que as pessoas estão a fazer, mas não é menos importante o que as

pessoas têm para fazer. Neste momento, a informática é um factor fundamental

na nossa actividade e o que temos registado e visível no nosso sistema de

informação é aquilo que fizemos, e não temos ainda uma relação entre as

acções da secretaria (cumprimento de despachos) e os gabinetes (informação

sobre processos despachados). Ou seja, se o juiz puser 50 processos na

secretaria com decisões finais e, se a secretaria estiver atrasada e não

actualizar o histórico do processo, o sistema informático considera que os

processos estão todos pendentes. Não posso fazer uma gestão do pessoal se

o sistema de informação que tenho não me permitir obter a informação

necessária para fazer movimentação dos funcionários. Tenho reparado nisto.

Os juízes opõem-se, em regra, à mudança de funcionários quando não se

explicam os motivos de serviço para a efectuar. Se eu for dizer ao juiz que

quero pôr este indivíduo aqui, porque o escrivão gosta mais daquele, isso é

meter-me numa guerra. Agora se eu for dizer-lhe – “Sr. Dr. aquele juízo tem

500 processos para notificar as decisões finais e não tem ninguém para lá

colocar, já falei com a escrivã, com o seu colega, não vejo aqui nenhuma

oposição de nenhum deles, o Sr. Dr. concorda?” – sempre que isto aconteceu

tenho, face ao que já ouvi de outros colegas, de dizer que sou uma pessoa feliz

porque até agora não tive nenhum entrave da parte do Juiz Presidente.

Voltando de novo à questão de nenhum de nós ser instruído para se organizar

tendo em vista fazer uma adequada organização na gestão do serviço: como é

que um escrivão que chega a um juízo que tem 1000 processos parados deve

actuar? Deve tomar a iniciativa de pôr aquilo em dia? Em regra, o conceito que

temos quando temos muito serviço para fazer é pôr aquilo em dia. E o que é

pôr tudo em dia? É pôr os processos todos em movimento. Basta dizer que

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Anexo A

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estão todos em movimento para não dizer que tenho um atrasado. Mas o facto

de movimentarmos todos os processos não quer dizer que temos os processos

todos em dia, nunca fomos sensibilizados para esta realidade. É por aí que

acho que esta reforma que aí vem irá trazer o seu mérito, sendo certo que não

basta ter os computadores para praticar os actos.

OPJ: Quando diz esta reforma, está a referir-se exactamente a quê? O que é

que isso tem a ver com os métodos de trabalho?

F4: Daquilo que li, que não foi muito, mas olhando para a figura do Juiz

Presidente, em termos das competências, parece-me que vai passar a haver

alguém no tribunal com preocupações diferentes daquilo que acontece hoje.

OPJ: A questão que coloca é da necessidade de existir uma pessoa no tribunal

com competências alargadas que permita de facto uma acção de conjunto.

Mas, se a organização e os métodos de trabalho forem os mesmos, é um

problema ou não?

F2: Temos a lei de processo para regular o funcionamento. Regula, porque os

processos têm prazos. Mas, a lei de processo seria óptima se os serviços

tivessem um número de processos adequado. O problema também passa por

aí. Há muitos mais processos do que capacidades para os gerir. Depois, não

se cumpre o prazo e o processo fica mais dois dias. Há a tal gestão de

compromisso.

OPJ: Se a lei do processo fosse cumprida para cada um dos processos, nós

teríamos todas as semanas um saneador para fazer, seria uma pendência

normal. Será que a lei do processo só por si é suficiente?

F3: É o problema da gestão processual. Nós habituámo-nos todos, oficiais de

justiça e magistrados, a trabalhar com leis em constante mutação. Estamos a

falar da gestão processual cível. Ainda há bem pouco tempo passámos de

duas distribuições semanais para duas distribuições diárias. Há aspectos aqui

sobre os quais, se calhar, vale a pena reflectirmos. Por outro lado, todos nós

vivemos com o estigma dos atrasos, que é o estado normal dos tribunais. As

excepções são os poucos tribunais que estão em dia. E nestes, os métodos de

trabalho dificilmente podem fugir ao cumprimento dos prazos legais.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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OPJ: Quando diz “com a excepção dos poucos tribunais que estão em dia”, o

que é estar em dia?

F3: Quando todos os actos são praticados dentro dos prazos legalmente

estabelecidos.

OPJ: Na sua perspectiva, é todo o tribunal que cumpre todos os prazos no

prazo indicativo da lei, isto é, abre conclusão ao juiz de todos os actos em dois

dias, cumpre todos os despachos em 5 dias, não tem nenhum processo que

não seja movimentado. É isto um tribunal em dia na sua perspectiva? Mas

quantos tribunais existirão no país em dia?

F3: Muito poucos.

F4: Ele é um exagerado quando diz muito poucos, é que são mesmo

pouquíssimos.

OPJ: Mas conhecem tribunais em dia? Quais são esses tribunais?

F5: Os pequenos tribunais.

OPJ: Mas, quais são as características destes tribunais? Ou melhor, destas

secções?

F6: Dependem de outros factores que ainda não foram aqui mencionados. A

relação de número de processos e funcionários é um deles e será,

provavelmente, o principal factor que determina a estabilidade de uma secção.

O volume de processos é tão grande que não permite a sua movimentação nos

prazos normais. Depois a especialização. De facto, verifica-se que, onde o

tribunal foi especializado criaram-se mais condições para um melhor

desempenho, talvez por ser um trabalho mais regular do que numa secção de

competência genérica. Existe ainda outro problema chamado formação ou a

falta dela e, por último, a relação da secção com o juiz. O escrivão a quem

caberia a gestão dos processos, nem sempre tem essa “liberdade para o fazer”

preferindo evitar conflitos com os senhores magistrados. O volume de

processos é tão grande que não permite movimentá-los todos de uma só vez.

Estava F4 a dizer muito bem, porque às vezes é necessário fazer algum acordo

e algum bom senso no relacionamento com o juiz para não haver conflitos, que

naturalmente haviam se levássemos tudo a direito. Há casos de juízes que

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Anexo A

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querem dar um provimento de como deveriam gerir o maior número de

processos possível.

OPJ: A formação dos funcionários e a relação com o juiz foram factores

indicados como importantes para se conseguir ter um tribunal em dia.

Concordam com estes factores?

F7: Concordo com tudo o que aqui foi dito e com todas as opiniões. Mas, no

fundo, isto tem a ver com os tribunais onde há um elevado número de

processos. De tribunal para tribunal as secções estão organizadas de forma

diferente, não é de forma igual. Por outro lado, aquilo que se debate aqui tem a

ver com a falta de conhecimento em gerir o próprio serviço e inclusivamente a

falta de capacidade de chefia de algumas pessoas, porque para ser escrivão

não é necessariamente uma pessoa que saiba muito, mas sim uma pessoa que

tenha algum método de trabalho, que trabalhe e que consiga ter uma equipa de

trabalho unida.

OPJ: Mas o escrivão não escolhe a equipa.

F7: Pois não. Efectivamente é verdade. De facto, eu consegui ter uma equipa

que movimentava muitos processos. Criticavam-me por ter a melhor equipa do

tribunal, e eu dizia que não tinha a melhor equipa, o que eu conseguia era unir

as pessoas à volta de mim, dava o exemplo de como trabalhava e as pessoas

acompanhavam-me. É isto que eu consigo, não são piores, nem são melhores.

Tem a ver com a tal ideia de chefia e também com a tal relação com os

magistrados, porque há magistrados que hoje em dia interferem: “olhe traga-

me só cinco processos conclusos”, “traga-me só dois processos”. E eu nunca

fiz nenhum pacto com nenhum, nem nunca aceitei essa questão.

OPJ: Se quisermos pôr ordem nisso, como vamos fazer? Primeiro, como

identificaram, há aqui um problema da formação no que respeita a gestão

processual. O escrivão é o pivot de uma secção.

F4: Há por aí juízes que defendem que o funcionário deve estar ligado a uma

espécie de secretariado. A nossa organização judiciária como está hoje (não

sei se vai ser assim no futuro) deveria assentar, e às vezes não assenta, na

figura do escrivão. Ou seja, o escrivão é o chefe da secção que deveria ter

conhecimento bastante para fazer uma gestão adequada de toda a

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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documentação. Quando o colega dizia que o juiz quis dar um provimento sobre

a gestão do processo, para o conceito que temos hoje sobre o funcionamento

da secção isso é um absurdo. Eu direi que mesmo para o futuro acho que não

é nenhum absurdo, é preciso é que os juízes também assumam isto de facto.

Quem assume a responsabilidade pela gestão também deve assumir o

fracasso a que pode conduzir e é bom que assim seja para o futuro.

É que nós somos muito desconfiados uns dos outros. Porquê? Em regra, os

juízes quando querem assegurar a gestão do processo não é para acelerar, é

para condicionar a ida do processo para o gabinete. Também tem acontecido

alguns juízes darem provimento a dizer que para o gabinete vão “x” processos.

Isso é, obviamente, gestão na óptica do juiz, mas para nós contraria todos os

princípios legais. Porque nós estamos habituados a olhar para a gestão do

processo em função do cumprimento das normas legais. Se a lei impõe colocar

no dia de amanhã 500 processos no gabinete, pois coloco lá 500. E se tiver

possibilidade de pôr lá outros 500, coloco lá outros 500. Porque temos um

serviço de inspecções que vai olhar para o meu serviço e para a capacidade

que eu tiver para cumprir dentro dos prazos, independentemente dos efeitos

que isso tenha em termos de organização do serviço. Primeiro, tinha de haver

aqui um tronco comum: como é que nós somos avaliados pela gestão do nosso

serviço. Se me dissessem que os processos para o gabinete têm que ir todos à

Segunda-feira e durante a semana só vão aqueles que forem urgentes. Se nos

disserem que esse é o modelo correcto para gerir o serviço de movimentação

dos processos, provavelmente nós assim faremos. Se nos disserem quem tem

de definir o que é que vai e quando é que vai para o gabinete por dia, nós

também aceitaremos. Mas amanhã também nunca seremos responsabilizados

porque enviamos só aquele “x”. Lá vem a tal história do conceito do que é que

está atrasado. Atrasado é tudo aquilo que não foi cumprido dentro dos prazos.

A lei exerce alguma pressão e impede a gestão do serviço.

OPJ: Falaram em formação, mas temos de perceber para quê e qual o

enquadramento. É um factor realmente importante, mas é preciso definir o

sentido. Gostava de perceber qual é o vosso posicionamento. Um escrivão é

uma figura central da secção de processos, o chefe, o orientador, o gestor do

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Anexo A

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serviço, mas ele é o cumpridor de regras que são ditadas pela lei do processo

ou podem ser determinadas por outrem?

F3: Se me permite eu recuperava o que dizia há pouco a propósito dos

tribunais atrasados ou não atrasados. Nós estamos de tal maneira formatados

com os tribunais atrasados que o nosso raciocínio em termos de gestão

processual funciona sempre na base dos atrasos, porque a gestão de uma

unidade orgânica ou duma secção de processos em dia é totalmente diferente,

bem como a articulação com os magistrados. Não há sequer conflitos. Todos

nós já tivemos este tipo de experiência de sermos esmagados pelo serviço

atrasado e termos que fazer um levantamento e articularmo-nos com o grupo

de trabalho, não apenas da secção de processos como também com os

magistrados. Isto é um circuito fechado, em que a secretaria tem um papel

central, funciona como uma placa giratória, ora vira-se para o público, ora

distribui processos ao juiz, ora distribui processos ao Ministério Público, tudo

isto de forma coordenada. Quando se consegue uma boa articulação e se tem

uma boa equipa na secção de processos, o tribunal funciona bem. Isto é o que

muita gente ainda não entendeu, inclusivamente o próprio legislador quando

resolve fazer alterações. É certo que sem juiz não há tribunal, sem procurador

também não há tribunal. Mas pode haver esta gente toda e se uma secção de

processos não funcionar, o magistrado chega ao meio-dia e não tem

processos, vai-se embora…

OPJ: A questão é de saber se devemos continuar a trabalhar com este modelo

ou procurar outro modelo? Mas, há sempre momentos na secção em que é

preciso definir prioridades, definir trabalhos, é preciso gerir, racionalizar,

optimizar?

F6: A aplicação HABILUS facilitou muito e uniformizou critérios de trabalho,

porque até aqui, até os modelos de impressos que se utilizavam variavam de

tribunal para tribunal. Só que agora temos outro problema, a excessiva

dependência do HABILUS e a automatização dos funcionários que, aliada a

ausência ou deficiente formação, não se preocupam saber como se tramitam

os processos, limitando-se a procurar saber se o que vão fazer está ou não no

HABILUS.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

228

Poderá haver também falta de motivação dos funcionários, aliás, acho que uma

das falhas que existe na preparação do escrivão é a falta de formação nas

áreas de gestão processual e da gestão das relações humanas. Esta

componente relacionada com as ciências comportamentais, as relações

humanas, é muito importante. Como é que um escrivão numa secção com oito

mil processos e uma equipe de seis ou sete funcionários, onde todos os dias

“chovem” centenas de papéis, consegue motivar os funcionários para

conseguir uma boa estabilidade emocional e o melhor desempenho, mantendo

uma secção em dia? Como garantir tudo aquilo role mais ou menos bem?

OPJ: Todos consideram que o escrivão tem uma função central de gestão

processual e que é preciso mais formação, mas é preciso saber que tipo de

formação e em que sentido? Deve o juiz poder determinar a sua agenda

semanal? O juiz, devido às novas aplicações informáticas, vê no computador

os processos que tem à sua ordem e pode saber se um processo está à espera

dele?

F3: O que está aqui em causa é a boa utilização da aplicação informática. É

preciso que o utilizador introduza toda a informação e saiba utilizar os alertas,

os alarmes e as agendas. Terminado um prazo marcado haverá um alerta para

a secção de processos, que faz a gestão, mas também poder permitir saber

todos os prazos que foram terminados ou expirados. Os magistrados, hoje em

dia, quando entram no Citius, abrem-se dois painéis, e aquele que aparece em

primeiro plano contém a listagem dos processos conclusos.

OPJ: Parece-me que sistema tecnologicamente é pensado da mesma forma

como o processo tramita no papel. Nós temos um funcionamento no papel e o

mesmo funcionamento telemático. O que é que hoje acontece?

F5: Como há pouco disse, a informatização que nós fizemos foi seguir um

pouco aquilo que já fazíamos anteriormente em papel. Mas, o que nós fizemos

foi aquilo que a lei nos permite fazer. Enquanto os TAF’s tiveram uma reforma

do contencioso administrativo que lhe dava integralmente para desenvolverem

uma aplicação informática, nós tentámos traduzir para uma aplicação

informática os códigos de processo civil, de trabalho, OTM… tentámos pegar

naquilo que tínhamos neste momento e toca de arranjar uma solução

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Anexo A

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informática que trouxesse ganhos em termos de produção, ganhos para as

secretarias. Agora, quando se fazem reformas e elas visam a componente

informática é evidente que temos um ganho substancial. Nós simplificamos as

coisas, a lei tem de prever essas simplificações e nós executamo-las. Mas se

não as fizer nós não podemos por nossa criação ter mecanismos que vão

depois chocar com a lei ou gerar dar alguns pontos de discórdia.

Relativamente a essa questão que a Dra. está a colocar, eu acho que

realmente era importante que o juiz pudesse, de alguma forma, controlar isto.

Há aqui uma componente prática. Haverá uma solução, não digo que não se

arranje. Mas a questão é que um juiz para saber que aquele processo chegou

àquela fase e está pronto para o saneador, alguém tem que lho dizer. Ora, das

duas uma: ou o escrivão vai ter o trabalho de dizer, “eu agora não vou concluir,

mas vou pôr aqui para este juiz saber que este processo está pronto a ser

concluso”, ou então, se calhar, abre logo conclusão, faz logo o mesmo

trabalho, faz logo o que tem de fazer.

F1: Estamos a falar do que acontece, mas podíamos falar do que podia

acontecer.

OPJ: De facto, nós estamos aqui a falar numa perspectiva de futuro.

F1: Eu acho que as coisas só funcionarão melhor quando as pessoas

assumirem que há muita coisa que está mal e que somos nós os primeiros a

fazer asneira.

OPJ: A informatização tem ganhos de eficiência, mas não toca na forma de

organização. E a questão é se deve tocar e em que sentido deve tocar. A

questão é saber se essa relação deve ser negociada, se deve ser um pouco ao

sabor da capacidade do juiz e do escrivão que daqui um ano é um e daqui a 2

anos é outro. Ou se temos que ir mais longe no sentido de institucionalizar de

outra forma.

F4: Nós aquilo que temos realmente é aquilo que nos permite ter o pouco de

bom que temos dos tribunais.

OPJ: O que permite é tramitar os processos.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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F4: E isto chega para aquilo que queremos ou para aquilo que precisamos? A

minha resposta é claramente que não. Nós estamos a atravessar uma altura

em que o cidadão está descontente connosco, por muito que gostemos daquilo

que fazemos e da organização que temos. Temos que nos sentir mal por não

estarmos a dar resposta adequada às necessidades das pessoas. E esta

última Portaria 114 pôs-nos a todos a pensar um bocado como é que nós nos

devemos organizar para o futuro, e temos feito de alguma forma um

levantamento daquilo que precisamos. Toda a organização do trabalho que

neste momento temos é como se tivéssemos efectivamente de fazer o

transporte de todos os processos físicos sempre que os movimentamos, daí

que a conclusão era um acto voluntário de alguém do juízo e implicava o

transporte do processo por alguém para o gabinete. Com a entrada em vigor da

Portaria deixamos de ter os processos físicos e passamos a ter processos (ou

parte deles) virtuais, e como é que vai ser no futuro? O juiz só deve poder

despachar um processo se houver uma acção do funcionário? Os alertas que

actualmente se colocam no processo são suficientes para esta nova

necessidade da gestão electrónica dos processos? A minha opinião é

claramente que não. Prefiro que o sistema de informação dê indicações sobre

aquilo que devo fazer. Penso que o juiz deve poder ver a totalidade dos

processos independentemente do local onde se encontram e, se assim o

entender, despachá-los sem necessidade de intervenção da secretaria. Acho

que os funcionários gostariam de ter era uma estante virtual. Ou seja, a secção

devia ter uma organização de processos, em vez de ter na agenda como tenho

hoje, se o juiz der um despacho, então o processo deve-me cair numa pasta

onde diz processos despachados. Tudo vai cair na minha pasta e lá deve

permanecer até eu os cumprir, porque se o juiz quiser saber o que fiz ou o que

não fiz ele também vem à minha pasta ver. E partindo dali vão para onde? De

acordo com uma boa organização física que eu hoje tenho, devemos ter uma

boa organização electrónica. Ficam a aguardar o quê? Uma resposta ao pedido

que eu fiz? O decurso de um prazo? E decorrido esse prazo o processo vai

para onde? Se calhar posso logo previamente indicar. Decorrido esse prazo, se

não houver nenhuma acção, o processo deve passar automaticamente para a

pasta da conclusão. Ou seja, acabo por ser puxado por indicações que o

sistema me dá, indicações prévias que eu forneci, como era óbvio. O juiz, se

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for à pasta da gestão de processos, pode ter a percepção do que tem e onde.

E do meu ponto de vista, deve ter a possibilidade de despachar os processos

independentemente da secção lhe abrir ou não conclusão. Nós temos neste

momento uma situação muito caricata, não com o juiz, mas com o M.P., na

parte das execuções. Se a secretaria tiver o trabalho atrasado, o M.P. não

intenta nenhuma execução, não tem a possibilidade de o fazer. Eu não consigo

perceber isto.

OPJ: O processo é dirigido pelo juiz. Eu pergunto se quem dirige o processo

não tem ou não deve ter a possibilidade de planear a sua semana ou o seu

mês.

F1: Mas pode.

OPJ: Mas os juízes queixam-se que não o podem fazer.

F1: Podem dizer ao escrivão…

F3: O número 1 do artigo 161.º do CPC e o n.º 3 do artigo 6.º do Estatuto dos

Funcionários de Justiça estabelecem que o oficial de justiça trabalha na

dependência funcional do magistrado.

F1: Isto tem a ver com o que eu disse no início de ir à estante e tirar os

processos. Se tirarem 50 saneadores, abrir conclusão é fácil. É disto que os

juízes falam.

OPJ: Mas, estamos todos a dizer a mesma coisa. Ele não pode dizer: “não

abra e não faça 50 conclusões”.

F1: Pode dizer…

OPJ: E porque não faz?

F1: Porque depois ficaria ele com uma responsabilidade pelos atrasos. Para

evitar as queixas dos juízes era essencial a gestão dos processos pela secção,

quando o serviço é muito. Quando é normal as questões não se colocam.

Quando o escrivão desempenha o papel como deve desempenhar, nenhum

juiz se quer meter na secção, nem se mete com o escrivão.

OPJ: E quando é que ele desempenha o papel que ele deve desempenhar?

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F1: Vamos imaginar que eu tenho muito serviço para fazer, tenho os prazos

para tirar das estantes, os papéis para juntar e despachos para cumprir, pondo

de lado outras coisas mais pequenas. Se eu todos os dias fizer um bocado de

cada uma destas coisas, eu digo que alguma coisa tem de ficar, não consigo

fazer tudo. Tenho de estabelecer prioridades, tem que se escolher quando não

se consegue fazer tudo. Eu até tenho aqui estes despachos que não me estão

a causar grande prejuízo e atraso mais esta parte e nunca o juiz vai ter 50

saneadores só de uma vez, porque os processos que estão para saneadores

vão aos pouquinhos. Isto é um exemplo, não estou a dizer que é o ideal.

F4: Ontem à tarde um juiz quis falar comigo sobre uma funcionária de baixa

que estava a atrasar as actas. Queria um outro funcionário que do ponto de

vista dele era melhor que aquela mas que se encontra afecta a outro juízo.

Respondi-lhe que depois de ele falar com o colega para trocar de funcionária, e

se ele não se opuser, o pedido seria satisfeito. O juiz pode escolher, mas a

escolha está limitada aos funcionários existentes e sempre tendo em conta

também a vontade de outros Magistrados. As pessoas quando são nomeadas

também têm direitos e os Magistrados com quem trabalham também. O

problema é saber se a nossa organização tal como está se permite satisfazer

esta necessidade.

OPJ: Por um lado, o problema é saber se a organização permite ou não, por

outro lado, é saber se deve permitir.

F1: Eu acho que há um bloqueio nos conteúdos funcionais. Há muitos

funcionários que se começam a agarrar aos conteúdos funcionais e os

escrivães não têm coragem para dizer “faz o que eu disser”, ou por vezes

dizem, o que arranja problemas. Eu acho que não devia haver conteúdos

funcionais.

F4: Eu ouvi uma pessoa entendida nestas coisas que há tempos dizia que as

pessoas entram para o tribunal e a primeira coisa que têm de saber fazer é

escrever à máquina. Quando são exímios como escriturários, são promovidos e

vão aprender tudo de novo. Vão aprender como é que cumprem os despachos.

Depois quando já estão muito bem a cumprir os despachos, são novamente

promovidos e vão ter de aprender a chefiar pessoas. Estamos constantemente

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Anexo A

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a aprender as coisas à medida que somos promovidos. No cível isto não é

muito crítico, mas nos criminais é. Depois, quem é que o juiz quer na sala?

F1: Mas, o problema aí não é do juiz, para mim, é do escrivão. Isto é, eu,

escrivão, mandaria para a sala de audiência o melhor funcionário que eu

tivesse, porque é o que provoca maior impacto do público.

OPJ: Sobre essa questão dos conteúdos funcionais, gostava de ouvir…

F8: Nós já tínhamos concordado que era melhor revermos o modelo de gestão

para um modelo de gestão conjunta. Alguns destes problemas serão sanados

com a entrada em vigor da nova lei orgânica, em que já se prevê o conteúdo

funcional das competências do Juiz Presidente. São muito mais abrangentes.

Eu penso que 50% destes problemas vão ser sanados com a entrada em vigor.

A Portaria 114 vai trazer um certo convívio na gestão processual, permitindo

uma aproximação entre o juiz dos processos e o próprio escrivão. Agora não

nos podemos esquecer que há falta de funcionários, há falta de formação ao

nível das chefias, especialmente dos escrivães e secretários. Deviam-se

centrar na gestão e na organização. O bom funcionamento depende

diariamente das chefias. (…)

OPJ: Explique-me essa ideia da informatização da alteração nos próprios

conteúdos funcionais.

F6: Por exemplo, numa secção de processos, deveria haver a possibilidade de

afectar um funcionário para secretariar o juiz, assistindo-o na sala de

audiências e no seu gabinete, elaborando as respectivas actas e os actos

orientados ou ordenados pelo juiz. Não havendo este serviço trabalharia na

secção. Há juízes que não estão preparados nem vocacionados para as novas

tecnologias, principalmente a informática. Por isso, justificar-se-ia a afectação

de um oficial de justiça que, além secretariar o juiz, faria a ponte entre o

gabinete do juiz e a secretaria.

OPJ: Mas não é só nesta perspectiva que eu estou a pensar. Os senhores

magistrados dizem com alguma frequência, sobretudo em relação à sala de

diligências, que há funcionários com os quais têm mais confiança. Isso tem a

ver com uma certa especialização de quem desempenha essas tarefas.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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F6: Eu tentei fazer uma rotatividade entre os funcionários, para a assistência à

sala de audiências e isso não resultou. É que há funcionários mais

vocacionados ou “preparados” para essas funções e outros que até nem

gostam nada. No meu caso, o funcionário, que até rende pouco na secção, é

um bom relações públicas, faz bem o trabalho de sala de audiências. Ele põe

os mandatários a falar incentivando-os ao acordo, assiste ao juiz, elabora as

actas, as sentenças e prepara tudo como o juiz gosta. No entanto não posso

contar com este funcionário para endireitar uma secção.

OPJ: Hoje em dia, há secções que funcionam assim, porque há uma espécie

de pacto, o escrivão e o juiz entenderam assim. Mas, se o escrivão entender de

outra maneira, como é que se resolve esse problema?

F4: Hoje arranja um problema. Tem de haver um bom senso das pessoas ou

arranja-se uma chatice. Lá vem a tal história do conteúdo funcional.

F3: O nosso Estatuto tem uma fuga.

OPJ: Mas, há situações onde estes problemas estão a acontecer. Se há

normas para os resolver porque é que não estão resolvidos?

F3: Sobretudo porque é muito fácil lastimarem-se, mas não exercem o poder

que a lei lhes dá. O artigo 66.º do Estatuto abre a porta à colaboração de todos

os funcionários na normalização do serviço, independentemente das carreiras

e dos conteúdos funcionais.

OPJ: Mas o juiz podia fazer o quê?

F3: Era o que mais faltava.

F4: “Dê-me cá o livro de provimentos”.

OPJ: E depois a questão fica resolvida?

F3: Fica resolvida conforme o juiz entender.

OPJ: O que está em cima da mesa é a questão de saber se o juiz deve ou não

ter a possibilidade de quando chega a um tribunal ter um funcionário que lhe dê

assistência.

F3: Sim.

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Anexo A

235

OPJ: Portanto, estamos todos de acordo neste aspecto. Quem é que deve

decidir qual vai ser o funcionário? Que funcionário é este? É um funcionário

com “especialidade” na sala? A questão é se deve e como dever ser

escolhido?

F4: Neste momento é em função do conteúdo funcional. É o escriturário.

F6: Penso que deve ser o mais vocacionado para a sala. Não há necessidade

de concurso até porque eles estão todos preparados para essa função.

OPJ: Não poderia ser por indicação de um juiz presidente?

F4: Pelo menos nos cíveis, que eu conheça, não tem sido muito problemático.

É pacificamente aceite que quem secretaria os juízes é o auxiliar. Isto é mais

ou menos pacificamente aceite por todos.

OPJ: Este funcionário que dá apoio ao juiz nas diligências, que pode

secretariar o juiz, é aquele que deve ter uma relação directa com o gabinete do

juiz?

F4: Utilizou bem o termo “quem secretaria o juiz”. Isso é benéfico para todos,

porque isso permite aos juízes agilizar melhor o trabalho e responder com mais

qualidade. E o juiz da secção depende daquele funcionário de secretaria que

lhe está adstrito. O problema maior para mim é que eu tenho uma data de

juízes – o juiz titular, o auxiliar, o de instrução, o auditor e o estagiário – e

quando todos me vêm pedir que querem um funcionário para o secretariar,

levanta-se um problema: quem é que fica aqui na secretaria? Vão buscar o

funcionário do outro juízo? O nosso modelo organizacional ainda assenta na

estrutura que diz: o juiz da secção. E o juiz da secção tem em regra dois

auxiliares, dois adjuntos e um escrivão. Mas, nos últimos anos, o que tem

acontecido com o aumento sistemático do número de magistrados (às vezes há

mais magistrados do que funcionários) é que cada magistrado quer ter o seu

serviço de secretariado.

OPJ: Na relação do gabinete do juiz com a secretaria, pode o juiz dar

indicações concretas à secção de processos e ao escrivão? Deve o juiz dar

indicações concretas na gestão do serviço?

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

236

F3: O juiz deve poder como já pode. Na confusão dos atrasos, porque ninguém

cumpre, as únicas vítimas da peremptoriedade dos prazos são as partes.

Queria dizer duas coisas. Primeiro, acho que no processo civil nas fases

processuais devia haver um limite temporal tal como no processo penal para a

fase de inquérito e da instrução. No crime há um “x” tempo para os actos de

processos, não há é um tempo para o julgamento. No processo civil deveria

haver também. Por outro lado, há prazos dilatórios a mais. O artigo 252.º-A

devia apontar para uma dilação 0, com a excepção das citações no estrangeiro

ou, eventualmente, alguns casos de citação edital. Com o Código de Processo

Penal de 87 acabou-se a dilação. Foi um excelente contributo para a celeridade

do processo. E no regulamento processual do tribunal de 1.ª instância das

comunidades, a dilação é de dez dias. No nosso processo civil temos dilações

de 30 e mais dias. Vamos para o Código das Custas Judiciais, mais dilações.

Há dilações a mais e é preciso uniformizar os prazos processuais. Por

exemplo, no processo civil, temos prazos de 2, 5, 10, 15, 30 dias e por aí fora.

Vamos para o processo penal, temos outro tipo de prazos. O legislador teve

uma boa oportunidade, mas não passou das boas intenções, de uniformizar ou

de arranjar um tronco comum para o regime dos recursos. Faltou-lhe a

coragem e temos regimes, embora mais próximos, mas diferentes. Tudo isto

contribui para uma grande dificuldade de apreensão dos conteúdos legais. E

em torno dos prazos, há muito para fazer no sentido de contribuir para a

celeridade processual e de fácil apreensão por todas as pessoas, incluindo os

cidadãos. Dou-lhe um exemplo: um cidadão é no mesmo dia convocado como

testemunha de um julgamento cível e outro penal. Por coincidência, um

julgamento é de manhã e outro é à tarde. Mas está doente. No processo civil,

ele tem 5 dias após o julgamento para justificar a falta. No processo penal, a

regra é antes ou no próprio dia e excepcionalmente nos 3 dias seguintes.

Estamos a falar de intervenientes acidentais, de pessoas que não conhecem

estas regras e com penalizações extremamente graves e dolorosas. Acho que

é um bom exemplo o regulamento processual do tribunal das comunidades,

que tem aquilo que pode ser um tronco comum para a tramitação processual,

independentemente das diversas áreas. No processo civil, nos tribunais, nós

até brincamos, porque não temos propriamente baralhos de cartas, mas temos

baralhos de AR’s: AR vermelho, AR laranja, AR amarelo…é uma grande

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Anexo A

237

confusão. Provas de depósito e depois os custos que isto implica. Desde 1988,

data em que foi publicado o Decreto-Lei n.º 176/88, que aprovou o regulamento

dos serviços postais, que não faz qualquer sentido a citação por carta registada

com aviso de recepção, e os ingleses que o digam. A citação por carta

registada é tão segura quanto a citação com aviso de recepção. Não faz

qualquer sentido o aviso de recepção, muito menos a prova de depósito. O

usual recibo de entrega do registo postal oferece as garantias da prova de

depósito.

OPJ: O que está em causa é a existência de um conjunto de regras de ordem

processual que contribui para a ineficácia da tramitação. Já se viu aqui alguma

heterogeneidade de procedimentos no que diz respeito a prazos e regras de

citação.

F4: Relativamente aos prazos, só queria fazer uma observação. O artigo 105.º

do Código de Processo Penal, que vigora desde 1987, ninguém o cumpre. A

secretaria nunca fez nenhum rol de processos em que os prazos foram

ultrapassados e consequentemente nunca se comunicaram às entidades com

responsabilidade disciplinar, e nada se faz, provavelmente por boas razões.

Pode-se legislar muito bem, mas se não há condições para cumprir nada há a

fazer.

F6: A aplicação informática poderia ter um indicativo para controlo dos atrasos.

A possibilidade de, a qualquer momento, podemos ver uma lista dos prazos e

respectivos atrasos, contando os dias à medida que fossem ultrapassados os

prazos, seria uma ferramenta essencial para uma melhor gestão dos

processos, principalmente numa secção com elevada pendência onde não é

sempre possível cumprir nos prazos legais.

OPJ: Mas, a secretaria não pode ter isso?

F5: A questão que se coloca aqui é que os prazos que são calculados lá nem

sempre correspondem ao acto processual. Normalmente, manda-se uma carta

registada com AR e o prazo que está lá é relativo à vinda do AR. Não se põe

os 30 dias para contestar porque não sabemos quando é que ele foi citado.

Aqui coloca-se outro problema, passamos a ter funcionários operadores de

sistema que deixaram de ser funcionários judiciais.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

238

OPJ: Portanto o sistema informático ainda não tem essa funcionalidade?

F3: A secretaria notifica a contestação ao autor e, a partir daí, a aplicação tem

essa possibilidade, que não é muito utilizada. É necessário que utilizador

preencha os campos de data instruindo a aplicação com os dados necessários.

Ainda no que se refere aos prazos, o novo regulamento de custas vem

ressuscitar um grave problema relacionado com o pagamento imediato da

multa prevista no Art.º 145.º, que a redacção revogada havia resolvido na linha

da jurisprudência dominante. Este imediato era até ao primeiro dia útil seguinte.

Agora voltamos ao próprio dia. Aliás, a extensão de prazo previsto no Art.º

145.º condicionado ao pagamento duma multa também não faz qualquer

sentido. Só dá jeito pelas receitas. Bastaria o justo impedimento do Art.º 146.º.

F4: Aquilo que eu gostaria de ter quando no HABILUS se marca um

determinado prazo, era que a partir do dia que eu previamente defini, o sistema

me desse a informação referente a esse processo, nomeadamente se o atraso

é de um, dois, três dias. Ou seja, em vez de ter esta informação apenas no

módulo do magistrado, tinha-a também no módulo da secretaria. Deve-se

sempre definir previamente, – se passar a ter processos virtuais – na prateleira

virtual, informações sobre se já passaram os prazos e que, consequentemente

tenho para movimentar.

F3: Peço imensa desculpa por discordar. Tu tens exactamente a mesma coisa

na secção de processos, não tens é com o mesmo aspecto, não te aparece o

tal painel. Tu também não te sentas numa secretaria ou numa cadeira igual à

do juiz. Mas tens o mesmo tipo de informação.

(…)

OPJ: Por favor expliquem-me primeiro como funcionam os alarmes.

F5: Os alarmes são uma função na agenda da secretaria e do magistrado que

nós criamos e que funciona também para a secção central. Existem estes três

módulos com agenda, cada um para as suas funções. Mas, grosso modo

estamos a falar da secção de processos. E chamamos alarmes, porque o

funcionário pode alarmar os processos que naquele dia tem que cumprir. A

vantagem daquilo é que sempre que entra na secção a agenda dispara.

OPJ: É um agendamento que se faz.

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Anexo A

239

F5: Exactamente.

OPJ: Não se pode ver, por exemplo, quantos processos eu tenho com 20 dias

de atraso? Eu pergunto se esta não deve ser uma ferramenta disponível na

secção?

F5: É possível. Aqui a única questão que se coloca não são os processos que

não têm agendamento. (…) Há aqui um sistema de automatização. Todos

aqueles actos processuais que são praticados e que dão lugar a prazos, nós

contamos… mas todos os prazos que agendamos é para a vinda de qualquer

coisa. É muito subjectivo. Estes prazos ficam no histórico do processo e é

possível aos funcionários através deste histórico alterar os prazos. Conforme o

funcionário põe lá o prazo, também o pode tirar.

OPJ: Ele pode tirar ou não, mas aqui é uma questão de responsabilidade.

F5: Mas não sei se será assim tão prático quanto possa parecer, porque não

estou a ver em tribunais muito sobrecarregados as pessoas irem aos

processos juntarem o AR… isto implica que os funcionários tenham que

introduzir mais dados. Este é o problema e quanto mais tempo se perde a

introduzir dados, menos se movimenta. A Sra. Inspectora disse que traz

ganhos. Se calhar até traz.

OPJ: Vamos imaginar que a secretaria manda citar e tem de aguardar. Mas se

entretanto chegou tem de lá pôr alguma coisa? Põe ou não põe lá? É

obrigatório ou não?

F5: É uma possibilidade, mas pouca gente utiliza aquilo.

OPJ: Como é que a Sra. Escrivã faz?

F9: Ponho lá 15 dias…

OPJ: Põe lá 15 dias, mas noutra secção não vão colocar qualquer prazo. Ora

bem, esta secção de processos teria controlado o seu serviço, enquanto que a

secção ao lado tem de ir ver todos os processos para saber a situação deles?

F7: Em termos de futuro deixa de ter processos.

OPJ: Temos processos na mesma. Só que não vão ao armário, vão ao

computador.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

240

F6: Os tribunais de competência genérica, com as pendências actuais, jamais

vão conseguir colocar alarmes para cumprir os prazos.

OPJ: Por isso eu pergunto se não é possível ou se não deve ser possível

adequar a aplicação e se este procedimento não deve ser obrigatório?

F4: Na parte da movimentação do processo, há prazos e os actos devem ter

por referência um determinado prazo. E tem lá uma data. A pasta vai-me

adicionando diariamente os processos e quando ultrapassar os prazos destes

processos, vai passar a dizer mais um dia, ou menos um dia, ou menos dois, e

por aí fora, para saber que aqueles processos relativamente ao prazo que eu

predefini já passaram “x” dias. É isto que me vai dar alguma capacidade para

eu saber em termos de gestão de processo o que é que está por movimentar

há mais tempo.

F5: Visto assim é capaz de ser simples, o problema é que isso não é assim tão

simples. Tem mais esta agravante, é que há processos que têm 2 ou 3 prazos.

Qual deles é que se controla? Que prazo referente a quê? Tudo é possível de

se controlar no processo, desde que se defina. Neste momento, no campo do

histórico do processo, se se praticam dois actos, o que se visualiza é apenas

duas linhas vermelhas, os actos podem ter prazos iguais ou diferentes, só se

vê com notas. Se os prazos forem automatizados, onde é que pomos as notas?

Isto no campo do histórico. Mas se fomos falar do alarme, em que o trabalho é

mais ou menos o mesmo, se calhar temos maior exactidão nas coisas.

OPJ: Eu pergunto como é que pode haver gestão sem esse controlo dos

prazos?

F5: Já temos aqui três soluções: aquela que é do histórico, a dos alarmes e a

das notas nos processos… Não é possível isto sem a intervenção da pessoa,

porque o sistema não adivinha quando é que termina o prazo.

OPJ: A questão é se isto é uma ferramenta essencial para gerir? Como é que

se pode gerir o volume dos processos sem essa ferramenta?

F5: Nós temos um outro sistema que podemos controlar e que os juízes

também têm, até de uma forma simplificada. Podemos saber, por exemplo,

qual foi o último acto praticado em cada processo. Isto também permite ao

escrivão controlar a movimentação processual.

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Anexo A

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OPJ: Mas isso obriga o escrivão a ir lá ver um de cada vez. E se esse

agendamento fosse obrigatório?

F5: Como é que podemos obrigar? Se é obrigatório só o escrivão é obrigado,

mais nada. Como é que mexemos e no sistema e conseguimos adivinhar que

temos aquele agendamento obrigatório?

F4: A lista dos processos com agendamento tem de ser vista diariamente,

porque eu de manhã, quando ligo o computador, se tiver processos pendentes

aquilo não sai dali. Isto está na aplicação. Senão não continuo o meu trabalho.

F5: Já vimos três formas de controlar as coisas.

OPJ: A questão que nos interessa aqui é saber se é fundamental o

agendamento dos prazos. Outra questão é saber se o juiz deve ou pode dar

orientações ao escrivão e à secção no que diz respeito à gestão do serviço?

F4: Poder, pode, e sempre que há atrasos deve.

OPJ: Pode? Para haver aqui uma gestão concertada do serviço?

F3: Já pode! Se calhar precisa, além de ser juiz, ser um bom gestor das suas

tarefas e da sua actividade.

OPJ: Portanto os senhores funcionários não vêem aí nenhuma atitude ou

cultura dos oficiais de justiça no sentido de dizerem “o Sr. Juiz não tem nada de

se intrometer no trabalho da secretaria”? Não se identificam com esta

perspectiva?

F3: De forma alguma. O magistrado já pode.

F4: Em regra, o problema é quando há excesso de processos, do ponto de

vista dos juízes, que são enviados para o gabinete.

F5: Eu não tenho muita experiência, nem sou escrivão, estou há uns anos fora

das secretarias, mas, como vou falando com muitas pessoas diariamente,

apercebo-me daquilo que se passa a nível nacional. Mas penso que desde que

o juiz dê o provimento está o problema resolvido.

OPJ: Os juízes evitam dar provimentos?

F5: Não. Dizem de boca.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

242

F1: Eu metia aqui uma outra personagem que resolvia alguns problemas, que

era o secretário. Arranjando uma forma de responsabilizar o secretário. Ele

tinha de saber em que estado estava o serviço.

OPJ: Eu queria saber se, na sua perspectiva, os juízes evitam dar despachos

de provimento?

F1: Alguns sim.

F5: Mas, era a forma mais fácil para tudo.

F1: Era (no sentido de seria como forma de) evitar que o juiz se tivesse que

preocupar …

OPJ: Gostaria que pudéssemos discutir sobre que mecanismos de

transparência nós precisamos. Por exemplo, há países em que os tribunais

fazem relatórios semestrais sobre a situação dos processos. Para onde é que

nós devemos avançar? Qual é que deve ser o papel do Juiz Presidente nesta

matéria? Consideram como uma necessidade a introdução de ferramentas de

transparência, que nos permita conhecer melhor e avaliar os desempenhos

funcionais da organização dos funcionários e dos magistrados?

F1: Eu conheço magistrados que hoje já estão a trabalhar no Citius desde o

início e dizem que não voltavam atrás. Principalmente nos tribunais que são

especializados, porque têm um ganho de produtividade enorme e conseguem

já programar quantos processos conseguem despachar por dia, o que nunca

aconteceu antes.

F3: Nas primeiras sessões de formação do CITIUS o problema era a

segurança. “Então mas eu estou a trabalhar por causa de alguns artigos que

vieram nos jornais?” – o que veio nos jornais não era verdade – “mas estou

aqui a despachar…”; e pensava-se que quem estava na secção de processos

via o que o magistrado estava a despachar. Assim que nos apercebemos

tivemos tais preocupações que passámos a mostrar mais detalhadamente os

instrumentos de segurança da aplicação. Nas sessões seguintes notámos que

a postura já era outra. De facto, aqueles que têm uma relação menos amigável

com as novas tecnologias têm um outro tipo de discurso. A maioria começou

logo a trabalhar no CITIUS. Alguns magistrados até tinham dificuldades no

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Anexo A

243

Word, massacraram os colegas nos tribunais para os ensinarem, mesmo já

depois da nossa formação, que são só três horas.

OPJ: Mas porquê só três horas? É suficiente?

F3: São suficientes.

OPJ: Se a pessoa tem qualquer dificuldade como é que resolve?

F3: Se têm qualquer dificuldade normalmente recorrem a nós. Os elementos

das equipas de apoio reencaminham-nos para nós e quando vemos que não

dá para explicar por escrito, nós pegamos no telefone e ligamos.

F6: Alguns quereriam a formação em duas fases. Uma primeira fase que seria

com o contacto com o programa e as suas ferramentas principais e, depois,

uma segunda, após a sua utilização, em que eles já pudessem colocar todas

as dúvidas e as identificar as suas dificuldades.

F3: Só para fazer uma rectificação. Para as duas primeiras séries de formação,

quem definiu o tempo e os planos de sessão foi a DGPJ. Não fazia muito

sentido nós estarmos a alterar.

OPJ: Eu entendo. Mas a questão aqui é saber se consideram suficiente.

F5: O público-alvo é muito variado, desde aquele magistrado que domina a

informática àquele que não sabe nada. A média é aquele magistrado que sabe

fazer as coisas no Word e pouco mais que isto. Parece-me que as pessoas que

sabem trabalhar no Word, basta dizer “clica aqui e ali” e depois mostrar um

conjunto de funções idênticas à do Word. A questão que o colega colocou de

se poder equacionar uma segunda fase para os que sentirem a necessidade de

colocar as dúvidas, depende da disponibilidade.

OPJ: No que diz respeito à utilização das novas tecnologias como mecanismo

de transparência na avaliação de desempenhos, precisamos mais? Precisamos

de outros indicadores de transparência? Será importante para a eficácia da

gestão processual?

F4: Da minha experiência, a divulgação de alguma informação pareceu-me ser

relevante na dinamização do trabalho. Como já tinha feito noutro serviço com

resultados muito bons, fi-lo novamente. Eu acho que a informação numa

primeira fase devia ser divulgada internamente e depois, de assim se entender,

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

244

para acesso público, relativamente àquilo que é feito em cada unidade

orgânica. Se eu chegar ao fim do mês e puder olhar para trás e ver aquilo que

fiz ou aquilo que tenho de fazer, provavelmente, passo a ter aqui um

instrumento de gestão fundamental para assegurar as tarefas do dia-a-dia.

Numa fase inicial, acho que era de todo interessante ter uma intranet onde isso

fosse divulgado.

OPJ: Por exemplo, o DIAP de Lisboa faz isso, tem informação na intranet.

F4: Eu não tenho conhecimentos para isso, mas faço intranet com umas

folhinhas no Excel. E foi curioso que no primeiro mês não teve impacto

nenhum, no segundo mês já iam ver quem é que tinha feito mais ou menos. E

por exemplo, no caso dos juízos cíveis, é raro ter um processo para contar, ou

seja, não há um único escrivão que queira ver lá um processo. Teve um efeito

muito positivo. Acho que se a informação for bem apresentada, não tendo

como objectivo controlar a pessoa, era uma medida interessante.

Com a desmaterialização do processo, estamos a mostrar mais do que alguma

vez o fizemos. Há vários intervenientes a ter acesso. O que passou a ser válido

com a publicação da Portaria 114 foi o processo electrónico. A partir daí o que

eu esperava era que tudo aquilo que viesse se traduzisse nisso. Se há uma

proibição de materialização de actos no processo, por maioria de razão, eu não

deveria guardar nada que tivesse a ver com a injunção. Mas é ao contrário,

agora obrigam-nos a criar pastas, parece haver aqui um contra-senso qualquer.

Partindo do princípio que o caminho é este, o da desmaterialização, vamos ter

aqui um conjunto de questões novas que até hoje não tivemos e algumas de

ordem prática. Por exemplo, se um processo que já não tem muita

documentação tivesse de subir em recurso, não sei se era necessário

materializar aquilo tudo, porque na Relação não posso ter o processo

electrónico. Não estou a dizer nenhuma asneira.

OPJ: A questão é a seguinte: a lei veio dizer que o processo é electrónico. Só

se materializam as peças relevantes. Desde logo importa definir o que são

peças relevantes. O que é que é relevante?

F5: Tem de haver bom senso.

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Anexo A

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OPJ: A alteração de cultura não se decreta apenas por lei. A dada altura,

podemos ter dois processos: o do juiz impresso por ele e o processo na

secção. Eu pergunto o que é que vislumbram sobre isto?

F5: Não é preciso o magistrado dizer o que é relevante.

F1: Desde que eu trabalho nos tribunais só se vê problemas. “Isto funcionava

tão bem e agora vem isto”. É sempre a mesma coisa! Depois, vão-se

habituando e já não querem outra coisa. Mas, há uma determinada altura que é

preciso proibir, foi o que aconteceu com a máquina de escrever, se não

tivessem sido proibidas nos tribunais, elas hoje ainda continuavam lá.

F5: Outro exemplo foi a guerra com a pasta dos ofícios.

OPJ: Não iremos ter aqui uma perversão, como aconteceu na acção

executiva?

F5: Eu acho que não. Aliás acho que esta portaria trouxe uma coisa que foi

aquilo que defendemos desde o início. Quando tivemos as primeiras reuniões

nós dissemos: desmaterializar é complicado, o que nós achamos que era um

passo importante era “despapelizar”os processos, tirar aquilo que não interessa

dos processos. O magistrado tem um processo com 5 volumes e se calhar

meio volume chega para aquilo que ele necessita. Agora se os magistrados

não entendem isto desta forma, eles prejudicam-se também a eles. O

manuseamento do papel deve ser reduzido para aquilo que interessa, este é o

passo intermédio para um dia mais tarde termos então a total

desmaterialização. Isto é uma questão de cultura.

OPJ: Acham que vai haver alguma resistência? Será preciso introduzir

mecanismos que evitem estes efeitos perversos?

F5: Não.

F4: Isto é uma forma diferente de organizar o nosso trabalho e era necessário

que as pessoas tivessem sido despertas para esta alteração. Tudo começa aí.

As inspecções já vêm no momento posterior. É fundamental que até ao dia 30

de Junho seja feita alguma sensibilização do que é que isto implica.

OPJ: Está a ocorrer alguma iniciativa neste sentido?

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

246

F3: Não. Nós somos confrontados e conhecemos a lei ao mesmo tempo que os

nossos colegas nos tribunais. Nós não temos nenhum dom especial. O

legislador tem de nos dar algum tempo de aprendizagem e de adaptação, para

conceber a formação.

F6: No meu tribunal ainda não houve nenhuma formação. Ainda se está à

espera.

F4: Se a formação não for dada no momento certo, o caminho torna-se mais

difícil. Isto não é difícil, o que é difícil é a sua execução. Por exemplo, no

tribunal em que eu trabalho aconteceu isto de um dia para o outro com as

execuções. Tinha-se o hábito de imprimir os requerimentos executivos, a partir

do dia em que foi publicada a portaria dei indicações para nada mais ser

impresso na secção central, e expliquei às pessoas como se faz. Hoje já quase

não tenho papéis na secção central. Claro que isto foi feito de forma

concertada com os juízes, para saberem que deixavam de receber papéis para

receber comunicações electrónicas e que no caso das execuções não tinham

de imprimir nada. Não sei se alguma vez houve alguma hesitação com a

mudança de procedimento. Mas estamos tão rotinados com o nosso trabalho

que é preciso que alguém alerte que a partir de hoje deixa de ser assim. Penso

que era fundamental nesta fase fazer isto. Sinceramente, em relação aos

juízes, estava à espera de uma reacção menos boa. Mas depois de

conversarmos um bocado, perceberam isto. Uns com mais rapidez que outros,

todos aceitaram pacificamente.

F3: Convém dizer que nós passamos dias pendurados ao telefone, não dá para

escrever uma linha que seja. E somos confrontados com situações como a

reforma do código de processo penal, com 15 dias para entrar em vigor.

Diplomas sem exposição de motivos.

OPJ: O legislador não está a dar atenção à questão da formação?

F3: O legislador não tem revelado grandes preocupações com a formação,

muito embora no artigo 19.º do Decreto-lei n.º 108/2006 tenha tido uma atitude

inédita ao prever a aplicação da lei precedida de acções de formação, que

houve. Vem agora outra norma do mesmo género no regulamento das custas.

Que se imponha, mas que se dê tempo para preparação dos formadores. Há

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Anexo A

247

um outro aspecto também muito importante que são as sucessivas alterações.

Por exemplo, o artigo 19.º do anexo das injunções teve 3 alterações em meio

ano. Isto é muito complicado.

F5: Muitas vezes a componente informática também não é avisada. Muitas

vezes as leis estão para ser publicadas, quando nos pedem para adaptarmos o

sistema.

OPJ: Isso tem a ver com a preparação das reformas.

F5: Mas nós precisamos de saber com o que vamos contar e o que é preciso

desenvolver. E ainda inventar soluções para fazer corresponder àquilo que a lei

diz.

F3: Só devia permanecer em suporte físico o que chegasse ao tribunal e que

não fosse das partes, por exemplo, um ofício da GNR ou das autarquias. Tudo

o resto era devolvido às partes depois de digitalizado. Podemos fazer uma

interpretação a contrario. Se o legislador identifica as que não são relevantes,

então o que é relevante é o que aqui não está.

F5: Eu acho que há aqui uma questão que não foi abordada. Percebo que não

tenham querido englobar aqui a parte criminal, mas era efectivamente a mais

fácil de todas, e isto vai levar a que, em processos de competência genérica, o

juiz, nuns, tenha processos semi-desmaterializados, noutros, tenha os monos.

OPJ: Gostaria de ouvir os nossos colegas dos TAFs, porque tudo isto que

estivemos a discutir era assim quando se criaram várias aplicações no âmbito

da justiça administrativa e fiscal. E depois o que é que aconteceu?

F2: A jurisdição administrativa sofreu uma reforma em 2004 que resultou hoje

em dia num fracasso técnico para as secretarias dos tribunais, porque não lhes

foram dadas as condições óptimas para poder funcionar. O tribunal foi criado

com um quadro de funcionários muito aquém das necessidades que eram

exigidas, existência de condições físicas em determinados tribunais

desapropriadas para poderem trabalharem. Depois uma aplicação informática

com uma nomenclatura estranha para os oficiais de justiça, com uma

tramitação inovadora extremamente revolucionária que os funcionários não

estavam preparados para ela, não houve prévia formação sobre a aplicação

informática. As pessoas foram postas no terreno sem saber com o que é que

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

248

iam trabalhar. Ninguém sabia como tramitava um processo na aplicação

informática. Agora podem fazer o processo de outra forma e não cairmos nos

mesmos erros. O TAF de Sintra conseguiu em 2006 desmaterializar os

processos, só que as dificuldades depois decorrentes, nomeadamente, ao nível

da rede são de tal ordem que torna impraticável o fluxo do processo. É

desesperantemente lento. Pode-se ir fumar um cigarrinho e voltar. Quem é que

pode trabalhar numas condições destas? Ninguém!

Quero dizer acima de tudo que a secretaria da jurisdição administrativa poderá

agora dar a resposta pretendida na desmaterialização processual, como em

Sintra foi quase conseguido, se as condições técnicas forem de acordo com as

necessidades, bem como os seus recursos humanos (funcionários

administrativos e oficiais de justiça).

OPJ: E isto não vai acontecer agora?

F5: Eu conheço mal o TAF. O que acontece é que a aplicação é demasiado

pesada.

F2: Não, não. Tem a ver só com a rede.

OPJ: Mas, volto a perguntar, isto vai acontecer?

F5: Não, porque os servidores são locais e a rede nacional está a ser alargada.

A centralização do HABILUS também só irá acontecer quando houver

condições de rede.

F2: Voltando a 2006, fez-se a estrutura organizativa dos tribunais e o quadro

era de 5 funcionários. Quando recebemos os processos…supostamente só

seriam novos, mas recebemos cerca de 2 mil processos tributários. Depois as

instalações físicas eram provisórias. Alguns tribunais não tinham as condições

para funcionar, o que dificultou também a tramitação processual. Se eu

quisesse mandar um fax tinha de pegar no meu carro e andar dois km. Depois

temos de contar também com a dificuldade que as pessoas (funcionários)

tiveram no início de se adaptar a um processado novo (administrativo e

tributário). Tiveram todos formação ao nível processual, mas desconheciam as

particularidades da jurisdição. Daí algumas dificuldades para os oficiais de

justiça trabalharem e desenvolverem o trabalho. Por outro lado, o

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Anexo A

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desconhecimento total da aplicação informática também deu origem a algumas

resistências.

Em 2006 houve a possibilidade de acabar com o papel na parte administrativa

(o processado tributário é obrigatoriamente tramitado em papel). Agora poderá

haver condições necessárias para tramitar o processo em suporte digital, só

que as condições técnicas e exteriores ao próprio SITAF não levam a esse

sucesso. Embora o SITAF ainda hoje em dia não corresponda minimamente às

exigências, faltam ferramentas ao nível do oficial de justiça, nomeadamente o

registo do correio. O que é uma coisa inconcebível. Como é que ainda não está

implementado? Temos uma plataforma informática que é a Fórmula 1 das

aplicações e depois obrigamos o oficial de justiça a fazer o registo do correio à

mão. Por outro lado, temos a questão dos templates, ou seja, os impressos que

podiam ser utilizados e ainda hoje não estão implementados no SITAF, apesar

de já existirem há algum tempo e sujeitos a uma recente actualização, mas

ainda não implementados. Há significativos bloqueios para que a tramitação

processual, na secretaria, possa decorrer como se tinha idealizado.

OPJ: Temos então o problema da formação e o problema tecnológico. Por

outro lado, o problema da rede. No que diz respeito à relação entre secretaria

ou secção de processos e gabinete de juiz há uma outra forma de

organização?

F2: Com o desenho da organização eu concordo. O problema do desenho tem

a ver com o grande escassez de funcionários que foram colocados. Uma

portaria estabelecia o número de funcionários por cada TAF. Depois foi criada

outra portaria para o número de magistrados para cada TAF. Mas os

funcionários colocados ficaram extremamente aquém do que se encontrava

previsto. Repare: como é que o TAF de Sintra com o volume que tem podia

funcionar com 5 funcionários?

F7: O quadro legal é de 30 pessoas…

F2: Enquanto um escrivão auxiliar ia para a secção de processos, se me

mandassem um escrivão de direito obrigava a criar outra unidade orgânica,

porque na dependência hierárquica do escrivão de direito eu não podia colocar

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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outro escrivão. A estrutura da própria tramitação do processo criava pontos de

bloqueio. São as condições organizacionais da própria secretaria.

OPJ: Numa secção não pode haver mais do que um escrivão?

F2: O escrivão é o responsável pelo movimento dos processos. O secretário

tem a possibilidade de dentro da secção de processos pode afectar às várias

unidades orgânicas os funcionários, excluindo os escrivães de direito. Só que

há uma subversão nesse aspecto, se lermos o Decreto-Lei n.º 325/2003

ficamos com a ideia de que um TAF só tem dois escrivães, o da central e o da

secção de processos, independentemente do número de unidades orgânicas

que a secção de processos tenha. O que não se passou na realidade. Como

não havia mais ninguém, nomearam escrivães.

OPJ: E o que é que vamos fazer aos escrivães?

F2: Eu ainda pensei que o último que foi nomeado não ficasse afecto a uma

unidade orgânica. No entanto, para corresponder às funções do escrivão de

direito, constantes do estatuto, acaba-se por se criar unidades orgânicas dentro

da secção de processos.

OPJ: Isto é uma outra discussão. Podemos ter 30 escrivães adjuntos, mas

precisávamos de 10 auxiliares. Mas depois temos excesso de escrivães

auxiliares e o que é que vamos fazer?

F2: Na organização estatutária que temos, as funções do escrivão de direito

são as que estão lá definidas. Quando é nomeado um escrivão de direito para

a secção de processos, terá de haver a correspondente unidade orgânica.

OPJ: E os poderes do juiz presidente nos TAF, no que diz respeito à

distribuição de processos?

F2: A distribuição já está previamente definida. O juiz conselheiro não pode por

seu livre arbítrio alterar a distribuição, mas pode alterá-la de acordo com os

condicionalismos que vão surgindo, alterando termos de atribuição e carga de

processos a cargo de cada magistrado. Mas o conselho tem uma palavra

fundamental a dizer. Mas, ao contrário da jurisdição comum, o processo de

distribuição é um bocadinho mais complexo, o processo é distribuído ao juiz

aleatoriamente e funciona excelentemente. No TAF nunca se sabe a que juiz

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Anexo A

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vai cair um determinado papel. No início houve alguns problemas mas foram

tecnicamente resolvidos. Mas acima de tudo existe a vantagem dos processos

serem, desde logo, redistribuídos a partir do momento em que um juiz por

alguma razão circunstancial ou definitiva deixe de exercer funções no TAF.

OPJ: Mas o que lhe parece positivo?

F2: Parece-me positivo termos os processos em massa, saber se há

necessidade e benefícios, para as partes, em afectar aqueles processos a um

determinado juiz (ao juiz que é detentor do processo mais antigo).

OPJ: Mas não há aqui violação do princípio do juiz natural?

F2: Não. Ele é que vê se a questão jurídica é importante.

OPJ: Ele quem?

F2: O juiz presidente.

F1: Eu estive no Tribunal Administrativo do Porto e lá o sistema não funciona.

F4: Os TAFs, em termos de aplicação, só dá para falar do que a gente não

quer ter. Quando se iniciou o processo de informatização dos TAFs o HABILUS

já existia, embora numa concepção diferente. Mas esqueceram-se de uma

coisa que era e ainda é muito importante. Os funcionários precisavam de uma

aplicação que lhes permitisse produzir os documentos para notificar os

diferentes intervenientes processuais. A aplicação do TAF foi muito bem

desenhada, mas esqueceram-se do facto de que o tribunal produz

documentos. Por isso, é que na parte de produção documental ainda estão à

espera dela. Por muito boa que ela (aplicação) seja, para o que é preciso não

tem nada. E, depois, ainda se esqueceram de outra coisa: se o processo era

desmaterializado, então as comunicações com os diferentes intervenientes

processuais também deveriam sê-lo desde o início.

F7: Houve uma falta de investimento. A percepção que eu tenho é negativa. De

quase tudo. Pode haver um aspecto positivo da distribuição como foi dito. É

impossível haver coisas boas, porque a aplicação não responde, na minha

perspectiva, àquilo que se pretende. Por outro lado, em termos de organização

de processos aquilo é irritante. É lento, lento, lento. Eu tento motivar as

pessoas, tento levá-las a um desenvolvimento de trabalho e a ter outro tipo de

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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procedimentos que não têm agora. Há uma série de problemas. A pessoa está

condicionada à aplicação que tem. Há uma semana em que tudo corre bem, há

outra que é um desastre completo. Passamos a vida nisto. Para quem está à

frente do serviço é desmotivador.

OPJ: Numa última volta, eu gostaria que fizessem o balanço do que é que

acham que, de facto, as reformas em curso realmente vêm alterar e o que é

que entendem como bloqueios de gestão processual, além do que já referimos.

F4: Eu dava uma última nota que, no fundo, é a repetição do que aqui foi dito,

sobretudo pelos nossos colegas dos TAFs. A tecnologia é de facto fundamental

naquilo que nós temos que fazer e tudo aquilo que vamos ter de fazer daqui

para a frente vai assentar claramente na tecnologia, e era bom que

estivéssemos todos em posição de igualdade no processo. Parece-me que

esta última portaria não é o fim mas o início de um processo que há de ter

várias fases. Parece-me que era fundamental que as comunicações, pelo

menos para os advogados em processo civil que enviaram as peças

electronicamente, fossem também feitas electronicamente. Ou seja, neste

momento temos um documento electrónico a sair do escritório do advogado, a

chegar à central do tribunal electronicamente, a ir para o juiz electronicamente,

a vir do juiz electronicamente e a seguir vai em papel para o escritório do

advogado.

OPJ: E a comunicação entre tribunais também é em papel?

F4: Já ia falar nisso. No que tem a ver com os advogados, somos todos

utilizadores do mesmo sistema e devíamos todos partilhar a mesma informação

da mesma forma.

OPJ: Porque é que os advogados podem consultar o CITIUS a partir da sua

casa e os magistrados não podem? Há alguma razão para isso?

F5: Porque os magistrados trabalham no tribunal. Mas já está a meio

desenvolvimento um módulo para os Desembargadores e Conselheiros.

F4: Nós, funcionários, perdemos muito tempo com as tarefas administrativas,

que deviam e podiam ser simplificadas. E nesta fase da reforma não

compreendo muito bem porque é que não se completou o ciclo. Depois, nas

comunicações entre tribunais, estamos neste momento numa fase de

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Anexo A

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transição, ou seja, a portaria está aí mas ainda não é obrigatória para todos.

Mas há aqui um grande esforço a fazer por parte de quem tem o

desenvolvimento, porque tudo aquilo que nós fazemos entre tribunais não tem

que ser obrigatoriamente efectuado por meios electrónicos.

F5: Neste momento nós temos comunicações electrónicas e temos

transferências electrónicas. Mesmo as cartas precatórias, estando assinadas

digitalmente pelo juiz, e anexando os documentos, podem ir electronicamente.

F4: O que temos está bem feito e funciona bem, há apenas umas pequenas

alterações a fazer. Um exemplo, alguns automatismos na aplicação da

distribuição das cartas precatórias ou reencaminhamento de correspondência e

de documentos que temos de enviar. Neste momento, pode ser feito de duas

formas, em papel ou electronicamente, porque não tem ainda carácter

obrigatório, mas a partir do dia 30 de Junho todo o fluxo e tudo o que tem a ver

com enviar tem de ser revisto. Isto no sentido da desmaterialização. Por isso

todas as comunicações entre tribunais devem ser efectuadas por meios

electrónicos. Penso que houve aí – na parte relativa à digitalização – algum

recuo no que respeita à desmaterialização daquilo que ainda não temos

desmaterializado. Tenho um serviço externo que por mês para os tribunais faz

600-1000 informações. Não sei quanto custa cada carta, mas parece-me que

comprar um digitalizador para cada secção seria uma enorme poupança de

custos no que tem a ver com as comunicações internas. Poupanças de custos

e tempo, porque a partir do momento que tudo isto for apenas

electronicamente, logo que estou a acabar de fazer um serviço, estou logo a

remetê-lo ao destinatário. Relativamente a isto estou muito optimista,

independentemente das reformas em curso, os instrumentos de trabalho são

fundamentais e penso ser este o caminho.

F5: Eu tenho umas coisas a dizer no que toca à informática. Há aqui uma série

de actos que vão ter de ser corrigidos em função da Portaria 114. Isso já nós

vimos e há uma quantidade de coisas que hão-de chegar ao dia 30 e vão estar

por fazer. É um processo que vai demorar, porque mexer no sistema que

temos leva o seu tempo. Não temos outra solução. Relativamente àquilo que

F4 disse, efectivamente falta-nos completar o resto do circuito. Ou seja, vem o

sistema electrónico dos advogados, dá a volta toda e quando tem de regressar

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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ao advogado a notificação vai a papel. Ora, primeiro tem de haver aqui alguma

alteração legislativa, mas para além disso, que creio que seria feito

relativamente rápido e sem problemas, Relativamente às injunções, os

advogados já são notificados electronicamente através do “CITIUS mandatários

judiciais”. Não há qualquer tipo de papel em termos de notificações.

Relativamente aos restantes processos, aos processos comuns, irá ser criado

um sistema idêntico, onde em vez do funcionário imprimir a carta e apesar de

ter o correio facilitado, vai passar a ser tudo automático, ou seja, clicar no botão

e aquilo vai via electrónica e volta na mesma via. Não só traz economias em

custos, como também em tempo, pelo menos a perda de tempo com o correio,

na parte de dobrar, etc. Isso é algo que vai acontecer seguramente. Não é via

electrónica, é através da Web, o mesmo meio com que eles comunicam para

nós, nós comunicamos para eles. É tudo via Web, tudo mais seguro. Isto vai

ser o grande salto. Depois, só para termos uma ideia daquilo que há para fazer

e está previsto ser feito, até meados do ano ou até às férias, é a

desmaterialização completa do registo criminal, integração completa entre o

HABILUS e o SICRIM, que é um sistema novo que está a ser criado e que vai

desmaterializar o registo criminal. Vamos passar finalmente a ter um registo

criminal quase online, portanto já não vamos demorar aqueles três meses

quando pedimos para vir os certificados.

Temos também até ao Verão a questão dos DIAPs. Temos uma empresa a

trabalhar connosco, no sentido de fazer não só a migração das bases de dados

do SGI para o HABILUS, como inclusive desenvolver um conjunto de

funcionalidades, que vai permitir a prática de um conjunto de actos em lote,

para já dedicado ao inquérito nesta primeira fase, mas que vai ser alargado a

todas as áreas processuais. Vai permitir às secretarias, com maior facilidade,

praticar os actos.

Depois temos também a questão das custas judiciais. Portanto, o regulamento

das custas que está a começar a ser desenvolvido por uma equipa da DSI da

DGAJ do Porto, que é um programa autónomo, mas vai estar integrado no

HABILUS, ou seja, vai ser algo melhor que o sistema actual, em que há

importação dos dados do HABILUS para o actual sistema das custas. Vai estar

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Anexo A

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integrado, mesmo a conta, há-de cair nos processos respectivos, evitando a

possibilidade das pessoas andarem a anexar e a digitalizar, etc.

Temos também a questão, mais para breve, para iniciar a partir do dia 7 de

Abril, que é a distribuição automática, vai deixar de ter uma intervenção

humana sempre que os processos estejam prontos para a distribuição.

Vamos ter o acesso à Segurança Social e a todas aquelas entidades que

constam do menu e que estão previstas serem integradas no HABILUS. Vamos

passar a ter acesso a informações que, hoje em dia, demoram meses.

Portanto, tudo isto está previsto ser desenvolvido até às férias. O que não

acredito, porque há sempre muita coisa que se mete pelo meio.

Esta semana vai ser colocado nos tribunais um módulo de estatística, que vai

substituir o actual, para além de conter tudo o que a análise de pendências tem

melhorado, pode inclusive cruzar alguns dados, por unidade orgânica, por

magistrado, por tipo de crime.

F8: Neste momento nós retiramos o mapa estatístico do HABILUS e nunca

aparece a soma. Temos de estar todos ali com a máquina de calcular, quando

é uma coisa extremamente simples que os informáticos podiam resolver.

F5: Não sei o que este novo módulo vai conter. Dentro em breve vão acabar os

mapas mensais. Quero acrescentar que, para além de todos os mapas que já

existia e que foram melhorados com outro tipo de critérios, adicionámos mais

alguns, nomeadamente ao nível da distribuição, onde é possível ver-se aquilo

que até agora não era possível. Podemos conhecer acções por complexidade,

nas distribuições penais, porque no crime não há papéis de distribuição, nós

criamos a complexidade para se dividir os presos, os soltos, os complexos.

Inclusive na parte dos processos de crimes prioritários, é necessário saber que

tipo de decisões foram tomadas. Está previsto inclusive cálculo do tempo

médio da duração do inquérito. Dentro de um determinado tempo findaram um

determinado número de inquéritos, sabemos como findaram, inclusive

sabemos aqueles que findaram e o tempo médio daqueles que findaram para

dar uma noção se estão a demorar mais ou se estamos a obter ganhos

relativamente a isto.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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F4: Há dias foi publicado um diploma que tem a ver com as penhoras

electrónicas de veículos e essa portaria esqueceu-se que os oficiais também

trabalham como agentes de execução.

F5: Mais uma coisa que penso ser importante. Nós fizemos um modo que está

em fase experimental de gravação digital para as audiências, completamente

integrado no sistema, com todas as virtualidades que possam advir daí. Não

têm de fazer rigorosamente nada. Numa primeira fase, a gravação vai ser

enviada para CD ou DVD. Futuramente, aquilo que se pensa fazer, penso que

num espaço relativamente curto, são gravações que passam a ficar

centralizadas no serviço central e que por sua vez possam ser disponibilizados

através do CITIUS para advogados e para magistrados. Isto é algo que não

existe em lado nenhum. Estive no Brasil e a tecnologia que nós vimos lá é

realmente boa, mas não têm nada como nós. Nós estamos muito mais

avançados em termos de iniciativa que qualquer um dos países que lá estava –

Espanha, Brasil, por exemplo. Têm melhor tecnologia que a nossa, nalgumas

coisas, mas não têm o sistema que nós temos. Nós temos toda a 1.ª Instância

desmaterializada como plataforma. Nem os Estados Unidos, nem o Canadá.

Não há ninguém, então na Europa muito menos. Nesta área estamos a

conseguir ter avanços significativos e ultimamente quase que nos atropelamos

com os avanços que damos. E esta questão das gravações tem esta novidade:

o advogado através do HABILUS, através do “CITIUS mandatários judiciais”

entra no processo e há-de lá ter um menu em que clica e através das funções

que já existem, como o Windows e Media Player, tem a audiência disponível.

Isto é algo que é inovador, que dentro em breve irá surgir e é mais um ganho

que nós temos na informatização.

F1: Eu fiquei arrasada. Qualquer dia não precisam das pessoas para trabalhar.

Isto assusta-me um bocadinho. Espero que ainda se mantenha alguma

intervenção.

F5: Acho que sim. Com o HABILUS há aqui um grande senão. Nos tribunais a

tendência do pessoal é “eu tenho lá no HABILUS”. Cumpra-se o artigo tal, “Não

sei, está no HABILUS”. Clica-se aqui e está cumprido. Este é o lado negativo

da informatização, que terá de ser combatido de outra forma.

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Anexo A

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F3: É a formação que aqui está em causa. É aquilo que nos aflige, que nos

preocupa e de que toda a gente fala e com razão, mas com o que os

responsáveis pouco se preocupam. Os responsáveis a todos os níveis porque

o centro de formação está criado há mais de 15 anos e todos os oficiais de

justiça andam a clamar nos últimos anos por uma plataforma de formação à

distância. É uma questão de organização e de definir tempo, como se pode

fazer e quem pode fazer. O centro de formação não tem capacidade para o

fazer porque não tem autonomia administrativa nem financeira. Entretanto

iniciou-se 11 meses de formação contínua para um concurso de 2600

candidatos para acesso a técnicos de justiça principal. São 19 salas. Estamos

a trabalhar no limite. Com uma plataforma de formação à distância, a OPJD,

que tem cerca de 10 mil funcionários (aproximadamente tantos quantos os

oficiais de justiça), consegue dar formação a todos num só ano, incluindo aos

que estão no estrangeiro.

Já houve experiências muito interessantes, em 2003, com a plataforma da PT,

com custos elevadíssimos, é certo, mas foi uma boa experiência, só que,

depois, não se lhe deu continuidade. Porque não havia capacidade para

suportar os custos.

Há muitas aplicações standard, como por exemplo, a plataforma Moodle

utilizada em muitas escolas a nível mundial. Era só pegar naquilo e adaptar às

nossas necessidades. Não quero entrar em mais considerandos. Toda a gente

bate e com razão. Queremos melhores profissionais, existe um centro de

formação, com certeza. Mas, ou se leva a formação a sério, ou fecha-se a

porta e entrega-se esta actividade a privados, como acontece no Brasil, por

exemplo. Mas, na verdade, com menores custos e com a plataforma de

formação à distância seríamos capazes de corresponder e satisfazer grande

parte das necessidades de formação.

F2: Só queria salientar o facto de ao escrivão de direito bem como ao

secretário pudessem ser dadas e ao secretário deverem ser dadas as mais

variadas competências ao nível da gestão processual. Porquê, se continuam a

ocupar os Srs. Juízes com determinados trabalhos de expediente que não são

de facto relevantes… Isso podia libertá-los para as tarefas mais nobres, que é

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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de facto decidir. A questão também do secretário é que devia ter mais algumas

responsabilidades.

F6: Ia falar exactamente isso. Acho que há muitos processos que levamos para

o gabinete do juiz, que até sabemos o que vai ser o despacho. Aqueles actos

de mero expediente poderiam ficar a cargo da secretaria ou dos escrivães. Isto

é, o processo seria preparado na secretaria, naturalmente com fiscalização do

juiz. Se, por exemplo, um processo cível, preparado e apresentado ao juiz para

marcar audiência preliminar ou proferir despacho saneador, entender que o

processo não estava bem preparado, devolveria à secretaria. Acho que assim

aligeirava um pouco mais a tramitação do processo. Naturalmente tudo isso só

seria possível com formação adequada.

F8: Concordo com o que os meus colegas disseram e saio daqui muito

satisfeita porque tive conhecimento daquilo que F5 nos disse em relação a

estes avanços informáticos e anotando que a preocupação de F3 é a formação.

Com certeza que concentrados nestes dois níveis vamos ter resultados

óptimos. Estou optimista. Estou convencida que vamos mesmo para a frente e

que muitos dos problemas irão ser resolvidos.

F7: Continuo a dizer que o grande problema está nas pessoas com pouca

capacidade para exercerem o cargo que exercem neste momento. Estou a falar

dos escrivães, mas também se aplica aos secretários. Concordo em passar o

trabalho de expediente, mas deve-se dar mais condições. Muitas vezes, no

tribunal, há coisas que eu vejo que não tenho hipótese de agir.

F1: Por isso é que ficou aqui uma questão concreta, que nenhum de nós

conseguiu dizer claramente o que pensava, que era a figura do Juiz Presidente.

Até que ponto é que pode ser benéfico ou não.

F7: A minha opinião é esta: tudo depende da pessoa, porque um determinado

poder pode ser bom ou mau, por isso é que é melhor deixar estar assim e era

bom que prevalecesse tudo assim.

F2: As funções podiam ficar bem estabelecidas e definidas e hoje não estão.

F4: Para acabar eu deixava só uma nota crítica. Quando se fala das funções

do Juiz Presidente, nós pensamos numa coisa e o Juiz provavelmente pensa

noutra. Ou seja, para nós, os problemas dos tribunais não têm a ver com quem

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Anexo A

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compra o papel, a esferográfica, o problema é o processo, é esse que se

reflecte na sociedade. Para nós é importante criar ali mecanismos para que o

Juiz Presidente tivesse, ele próprio, competências para definir métodos de

trabalho. Querer dizer que os tribunais só funcionam melhor ou pior se o Juiz

tiver mais ou menos poderes sobre o funcionário é querer enganar todos. Uma

coisa não tem nada a ver com a outra. Primeiro, se o Juiz entender que o

funcionário tem que fazer isto ou aquilo, ele pode articular com o secretário.

Aconteceu já algumas vezes. Muitas vezes o problema que ele (secretário) tem

para resolver é a janela, é o telhado que mete água e isso nada tem a ver com

o bom ou mau funcionamento do Tribunal, embora, possa ter influência. A

direcção da secretaria sempre coube e cabe ao juiz, mesmo em matéria

disciplinar. Sobre isto já ouvi tantas enormidades. É verdade que, no caso dos

TAFs, o Juiz Presidente tem mais poderes que o Juiz Presidente na jurisdição

comum, mas um Juiz Presidente sempre teve as mesmas competências que

tem hoje, com uma diferença: antigamente, acima da pena de repreensão era o

Conselho Superior de Magistratura que decidia, agora é o COJ que decide.

Portanto, os juízes mantiveram sempre as mesmas competências. Isso não vai

resolver coisa nenhuma. Se quiserem a competência toda sobre a gestão dos

funcionários, sobre a gestão da parte material, é um problema que têm que

resolver com a Direcção Geral. Nenhum tribunal tem autonomia administrativa

e tem um orçamento para gerir. Essa é a nossa dificuldade enquanto

secretários. Às vezes somos incompreendidos, porque nós actuamos em

função da disponibilidade financeira que temos. Se é necessário comprar papel

amarelo, mas se eu só tenho dinheiro para comprar papel branco, só compro

papel branco. O secretário está condicionado ao dinheiro que tem disponível. O

juiz gosta de uma caneta de tinta permanente, mas eu só tenho canetas Bic.

Não tem nada a ver com bom ou mau secretário. Portanto, se a figura do Juiz

Presidente for entendida pelo Juiz como sendo alguém com responsabilidade

ao nível da gestão processual, aí sim, penso que isto poderá mudar alguma

coisa. Dou um exemplo concreto: cheguei a uma dada comarca e tinha o

Tribunal de Família e Menores com muitos atrasos. Os funcionários que lá

estavam eram manifestamente incapazes de se movimentarem naquela casa

por causa do número de processos. Havia duas alternativas: tirar as pessoas

do cível e pôr na Família, ou deslocar os processos da Família para o cível.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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Depois de falar com as pessoas, tive a sensibilidade para perceber que a

primeira solução não iria funcionar. Mas como verifiquei que os funcionários

que estavam no cível tinham disponibilidade para ajudar e, depois de falar com

todos os juízes e com os afectados, considerei que retirando os processos da

Família para o cível poderia resultar. E toda a gente achou que aquilo era uma

coisa maluca, mas o que é certo é que os funcionários do cível cumpriram os

processos que estavam atrasados na Família.

OPJ: Não levou os funcionários, levou os processos?

F4: Levei os processos. Se eles tinham mais possibilidade de trabalhar, se se

disponibilizaram para fazer, o que é que faltava ali? Era falar com as pessoas,

incluindo o juiz. Se tiver um Juiz Presidente que tenha competências para

decidir, as coisas podem ir-se resolvendo com mais eficiência. Porque, de

facto, quando as pessoas estão na sua unidade orgânica, ninguém as pode

obrigar a fazer o serviço de outras unidades.

OPJ: O que está em causa é a gestão dos recursos humanos?

F4: Se me perguntar até que ponto um Juiz Presidente tem competência para

decidir estas coisas, em vez de perder um dia a falar com dez juízes, facilita

muito a vida ao secretário ou ao administrador, seja lá quem for que lá esteja.

De certeza que sim. Acha que o Juiz Presidente futuro vai se preocupar com

este tipo de coisas? Olhar para os seus pares e dizer este tem mais por isto ou

por aquilo, fazer uma avaliação e depois ter competência para fazer a gestão

dos processos?

OPJ: A gestão precisa de instrumentos que também nos permitam fazer essa

avaliação?

F4: Se faz falta? Claro que faz falta. E se o Juiz deve ter esse poder? Com

certeza que sim. Mas, se isto não for feito, não adianta ter a figura do Juiz

Presidente. Se o Juiz Presidente estiver lá para dizer “quem estaciona ali é o

José e quem põe a lâmpada ali é o Manuel”, isso para mim como secretário

causa-me algum receio, porque ao olhar para as competências do Juiz

Presidente… vai ao mapa anexo ao Decreto-Lei n.º 343/99, que é o nosso

Estatuto, e vê-se que são as competências do actual secretário, mais alguma

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Anexo A

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coisa. Eu até me sentiria muito mal como Juiz Presidente tê-las, na medida em

que actualmente são as de um seu subordinado.

F2: O que F4 está a dizer é que as questões da lâmpada eléctrica e do

estacionamento devem ser competência do secretário, e as atribuições e

distribuições dos processos, do Juiz Presidente. O problema é que às vezes o

sistema distorce. Só posso dizer bem das responsabilidades atribuídas ao

secretário.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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263

ANEXO BANEXO BANEXO BANEXO B

Painel com Magistrados Judiciais

Para um Novo Judiciário:

qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

14 de Março de 2008

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Anexo B

265

Intervenientes

Alfredo Madureira, Azevedo Mendes, Helena Ribeiro, José Eusébio Almeida,

Mouraz Lopes e Nuno Coelho1

P1: Estamos a falar sobre gestão processual. A distribuição dos processos

pelos juízes é uma questão específica da gestão processual, sobre o como

fazer para depois da distribuição por unidades orgânicas afectar processos a

juízes. Existe uma dificuldade balizadora. Não pode ferir o princípio da

predeterminação legal do juiz, o princípio do juiz natural. Temos limites

funcionais e legais. O juiz não pode ir de encontro ao processo concreto, o

processo tem de ir de encontro ao juiz legal, o processo deve continuar na

mesma unidade orgânica.

OPJ: São duas questões que estão aqui presentes: uma de distribuição e outra

de natureza/complexidade da litigação. Por exemplo, um magistrado que não

domine particularmente questões de direito de consumo, mais facilmente pode

deixar instrumentalizar o processo por expedientes dilatórios; mais dificuldade

tem de exercer o poder de direcção efectivo sobre todo o processo, o que pode

levar a uma maior morosidade do processo. Mesmo num tribunal que não

tenha grande volume de processos pode haver tipos de litigação que tendem a

elevada morosidade.

P1: Na questão da distribuição dos processos, podem vir a existir critérios em

função da tipologia dos processos, comarca a comarca, sobre como serão

afectos os processos. Podem variar no valor, na matéria, neste ponto de vista

não há problema nenhum no plano do princípio do juiz natural. É possível e

conseguir-se-ia uma maior eficácia. De acordo com a reforma anunciada pelo

1 A identificação dos magistrados judiciais faz-se pela letra P, seguida de um número atribuído a cada um dos intervenientes, em função da ordem da sua primeira intervenção no respectivo painel. Esta ordem é completamente diferente da que consta da lista de intervenientes, em que os participantes foram identificados por ordem alfabética. O painel, com autorização de todos os participantes, foi integralmente gravado e posteriormente transcrito. As transcrições, depois de ligeiramente revistas, foram enviadas para eventuais correcções a cada um dos intervenientes. A sua publicação inclui todas as correcções que os próprios entenderam fazer.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

266

Governo, os tribunais vão ser especializados e dentro de cada juízo

especializado poderiam especializar-se ainda mais. Teremos certamente com

isso outro tipo de problemas. Por exemplo, menos juízes a tratar de processos

especializados empobrece a discussão jurisprudencial. Como a situação que

tem sido colocada ao TCIC e aos TICs quando neles existe apenas um juiz que

determina um critério, sem confronto crítico, para as respostas ao que as

polícias solicitam: buscas, prisões, intercepções de comunicações. Mas se

viesse a haver uma especificação predeterminada, comarca a comarca, que

permitisse atribuir processos especializados a juízes especializados, haveria

ganhos do ponto de vista da eficácia… Penso que é adequado introduzir

alterações no sentido de dar resposta às questões que nos colocou.

OPJ: Mas essas alterações, em que sentido devem ser feitas?

P1: Temos e vamos continuar a ter unidades orgânicas com secções de

processos que respondem directamente a um juiz. A distribuição de processos

não é feita pela secção de processos, é feita pelo juízo. E se dentro do juízo

houver mais que um juiz pode haver critérios próprios de distribuição a cada

um dos juízes.

OPJ: Exactamente. A distribuição é feita por juízo, como disse, que pode ter

mais do que um juiz. Como conseguir mais eficiência?

P1: Eu acho que o que pode vir a responder a isso é a capacidade do

Conselho Superior da Magistratura desenvolver tecnologia de gestão

processual adequada. Podendo apoiar-se no Juiz Presidente, para identificar,

comarca a comarca, as situações que mereçam uma alteração à distribuição

processual, em função da categoria de acções, da sua complexidade. Acho

que o caminho pode ser esse.

OPJ: Mas como é que isso se materializa? A lei permite que se alterem as

regras de distribuição, mas ela continua a ser aleatória para os juízes?!

P1: Estamos a falar de recursos humanos e não é possível falar de gestão

processual sem falar das outras questões. Estamos a falar da necessidade de

reformar todo um tratamento processual. E existe outro problema complicado

que é o da mudança de percepção por parte das pessoas que estão mais

directamente relacionadas com o trabalho do processo. Como é que vamos

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Anexo B

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responder a esta pergunta sem levarmos em conta toda uma estrutura que

assenta num princípio organizacional cego? O que se passa é que vamos

reinventar uma maneira de pegar no princípio do juiz natural e adequá-lo à

necessidade de tratar aquilo que é diferente de uma forma diferente e resolver

com eficácia uma determinada questão.

P2: É necessário repensar o papel do juiz natural, que é um princípio

claramente respeitável, com uma dimensão constitucional, mas andando

sempre à volta de uma reforma.

É necessário deixar de entender a distribuição de processos como uma

espécie de debate consagrado que vai por em causa a independência aquele

princípio. Ora bem, há várias formas concretas do juiz fazer a distribuição dos

processos de acordo com vários critérios qualitativos, até de acordo com a

própria especialização do processo, sem por em causa o principio do juiz

natural de uma forma ampla. É preciso entender de uma vez por todas que

este princípio vai dar às pessoas a informação e a garantia que a distribuição

não é feita de acordo com as conveniências de alguém. É uma garantia do

cidadão. Agora, isto pode ser feito de uma forma microscópica, sem por em

causa o princípio do juiz natural. Se tivermos 4 juízes num tribunal podemos

arranjar critérios em concreto para naquele tribunal fazer a distribuição. O

tribunal pode arranjar mecanismos que não violem o princípio do juiz natural e

que permitam que aqueles 4 juízes trabalhem de forma mais eficiente nos

processos a resolver. Isto pode ser feito na situação A e já não na B,

aceitando-se regras de distribuição diferentes. Tem de haver a possibilidade de

dar poder ao Juiz Presidente através de garantias de que não há manipulação

na forma de distribuição. É preciso dar esse salto.

Esta questão não tem a ver, directa e imediatamente, com a independência do

juiz. O princípio do juiz natural é uma garantia da concretização de uma justiça

imparcial e independente para as partes. A existência de um juiz independente,

sem a consagração do princípio do juiz natural não garante totalmente o direito

a uma justiça verdadeiramente independente. A questão do juiz natural tem a

ver, numa primeira linha com a imparcialidade, com a imparcialidade objectiva

que deve estar assegurada no exercício da jurisdição. A questão essencial está

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

268

em o cidadão saber que há um juiz preconstituído por lei que garante que uma

decisão a proferir é tomada de uma forma imparcial.

P1: Esta questão do princípio do juiz natural não tem tanto a ver com a

independência do juiz, é uma garantia para as partes. O juiz será

independente, as partes é que não ficam garantidas se a sua designação não

for predeterminada. A questão tem a ver com a imparcialidade, com a

imparcialidade objectiva de todo o tribunal, de eu saber que o juiz vai actuar de

uma forma imparcial não pondo em causa, por causa disso, a decisão. Penso

que poderia ser o Juiz Presidente a propor ao Conselho os critérios

predeterminados de distribuição. Tenho ideia que em Itália funciona um pouco

assim. A ideia com que eu fiquei é que o juiz da circunscrição reúne-se ano a

ano com os juízes, ou de 2 em 2 anos, fixa os critérios da distribuição, os

processos são afectados consoante a sua categoria, propõem ao Conselho

esse acordo de distribuição e o Conselho homologa. Com excepção, talvez,

para as matérias penais, já que a nossa Constituição proíbe a existência de

tribunais para julgar apenas certas categorias de infracções.

OPJ: Está em causa a qualidade, o direito do cidadão à justiça de qualidade, à

eficiência, à eficácia do processo. Que regras e mecanismos de distribuição

nos podem dar resposta a essas necessidades e, em simultâneo, assegurar a

independência e a imparcialidade?

P3: No fundo, estou de acordo com o que disseram os meus colegas,

chamando a atenção para o facto de que estamos a partir da ideia de estarmos

muito longe duma equiparação de qualidade e de que a alcançaremos com

essas alterações que propõem. Eu acho que hoje há já alguma qualidade e não

tenho muita esperança de que a alcançaremos, a aumentaremos, desse modo.

Mas há melhorias que podem ser feitas. Hoje em dia, a questão da qualidade é

conseguida através da especialização dos tribunais. É porque os tribunais são

especializados que se acede àquele onde a formação dos juízes que os

compõem pode responder com uma qualidade superior à dos tribunais de

competência genérica.

OPJ: Mas nas grandes áreas, e dentro da justiça cível.

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Anexo B

269

P3: No fundo, o que eu digo é que a divisão, a especialização, é ainda

escassa, mas não creio que possamos evoluir no sentido de colocar um juiz a

despachar só determinados processos. Não creio que se possa chegar à

especialização da entrega subjectiva das matérias a cada juiz – mesmo com a

transparência prévia de se conhecer que neste ano vai ser assim, no próximo

vai ser doutra maneira, mas sabendo-se antecipadamente como vai ser – não

se conseguirá, até pela dimensão do país e de determinadas regiões, fazer

uma especialização tão grande.

Ainda assim é positivo, e creio que apontam nesse sentido os projectos que

agora se estão a transformar em lei, a de alteração da organização judiciária e

também da Lei Orgânica de Funcionamento dos Tribunais. Nesta última parte e

com especial relevância, os poderes que vão ser dados ao Juiz Presidente,

ligado embora ao Conselho e, através do Conselho, faz com que o efeito de

gestão do Juiz Presidente possa ser como que objectivado para mais tribunais.

Mas é importante que, através da gestão individualizada, não se crie um

desequilíbrio geográfico.

OPJ: Como assim?

P3: Não devem ter poderes autónomos que possam prescindir da acção de

controlo do CSM. Deve evitar-se criar hábitos e mecanismos de gestão muito

díspares entre divisões geográficas próximas.

OPJ: Se eu percebi, pensa que a especialização da organização judiciária já

resolve muitas questões.

P3: É uma maneira de qualificar o acesso, embora fiquem muitas outras

questões por resolver. As questões de formação inicial e permanente são muito

importantes e quando estamos a falar da qualificação do acesso (…)

Resumindo o que agora há é uma forma de equilibrar a qualidade de acesso,

mas talvez seja insuficiente e tenha esbarrado em demasia com a ideia que

temos do juiz natural.

OPJ: Mas, como poderemos ir mais além?

P3: Em cada circunscrição o Juiz Presidente deverá poder aproveitar a

qualidade, aproveitar a especialidade, desde que pela existência prévia de

alguns parâmetros que se possa controlar. Os parâmetros de especialização

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

270

devem ser predefinidos e a distribuição não pode ser totalmente subjectiva,

mas ser, ainda assim, uma distribuição de especialidade. Digamos, alarga-se a

especialidade dos tribunais à especialização dos juízes, segundo regras de

uniformidade e transparência. Garante-se que o acesso possa ser de maior

qualidade, mas um acesso equilibrado, igual para todos. Todos têm acesso a

essa qualidade. É de admitir essa possibilidade e creio que o que agora se

apresenta no que respeita às competências do Juiz Presidente vai nesse

caminho. Mas não podemos esquecer que tal princípio, aquilo a que se chama

o princípio do juiz natural tem uma importância fundamental, como garantia de

imparcialidade aos utentes. Isto é importante também para a eficácia.

P1: O Conselho pode e deve actuar em termos objectivos. Não pode nunca é

fixar critérios subjectivos para a distribuição dos processos. Se um juiz é mais

apto em termos de competências treinadas para certo tipo de processos, é a

ele que devem ser atribuídas essas categorias de processos. Tão só isso. O

critério não pode ser o da maior ou menor qualidade efectiva do juiz. Isto é uma

questão de recursos humanos. Um juiz ou serve ou não serve para juiz.

P3: Tem que haver qualificação, mas não subjectividade.

OPJ: O que é que quer dizer?

P1: Quero dizer que os critérios de atribuição dos processos não devem ser

fixados em função da melhor ou pior qualidade do juiz.

P3: Têm de ser previamente definidos. O processo “x” vai para a

especialização A e não para o juiz A. Podem-se definir critérios prévios para

que cada juiz tenha o seu lugar. Não é depois…

OPJ: Mas parece haver aqui uma diferença. Para P1 a especialização é

apenas na unidade orgânica, para si a especialização pode ser do Sr. Juiz A.

P3: Tem de ser. Ou então é dos 2, mas isso não altera o resto. O que interessa

é que seja previamente definido.

OPJ: Estamos a falar de casos complexos dentro de organizações que já têm

especialização, tribunais cíveis. Estamos a falar de tribunais de família.

P3: Trabalho, tribunais de comércio, já há muitas especializações.

OPJ: Estamos no fundo na questão da litigação complexa.

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Anexo B

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P4: Para a maior parte dos juízes seria muito bom que na distribuição se

pudessem distinguir quais os processos complexos, porque a distribuição não o

faz.

P1: Num tribunal especializado pode haver ainda uma segmentação de

especialização. Creio que sim! Mas, uma segmentação objectiva e não em

função da maior ou menor qualidade do juiz.

OPJ: A sua ideia é a especialização por secções? Ou admite que num

determinado tribunal em que se defina que o Juiz A é uma pessoa com

especialidade, por exemplo, no direito de consumo, então todos os processos

de direito de consumo vão para ele?

P5: Temos de ser rigorosos quanto aos conceitos que estamos a utilizar

quando falamos de especialização ou de distribuição de processos. As regras

de especialização dos tribunais podem ser mais ou menos ricas, podem

obedecer a critérios de competência, de matéria ou direito substantivo e pode

ter a ver com espécies de processo, valor, tudo isso. Obviamente que a criação

de tribunais com determinada competência leva a determinadas regras de

distribuição, isto é, os processos em vez de serem distribuídos no tribunal de

competência genérica, são distribuídos de acordo com a matéria, valor ou com

a espécie processual. A partir do momento em que o processo entra no

tribunal, que é distribuído de acordo com as tais regras de equilíbrio absoluto, é

distribuído ao juiz A ou B, colocado em determinadas secções,

independentemente das características do processo. Depois, dentro do

tribunal, pode haver uma gestão do tribunal que atribua determinadas espécies

de processo ao juiz A e ao C. O que podemos questionar é se esta segunda

situação é possível ou não. Por razões de gestão, é possível ou não, dentro do

mesmo tribunal, que o processo – estando já atribuído por competência

especializada e já depois de distribuído – seja atribuído ao juiz A, B ou C por

via das regras de gestão do tribunal e processual?

Eu penso que relativamente às regras da competência especializada não existe

qualquer travão legal. Quanto mais especialização houver e adequada com o

tipo de litigância, melhores respostas relativamente à procura teremos. Temos

uma oferta mais qualificada. Quanto às regras da distribuição, eu penso que,

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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pode existir alguma flexibilidade mas sempre com critérios predeterminados;

mas aí as coisas já podem ser mais sensíveis...

Há áreas em que podemos entrar sem problema nenhum e há outras áreas

que são mais sensíveis. Aqui o grande obstáculo a ultrapassar é saber se há

regras predeterminadas objectivas, e essas têm que ser instituídas. A partir do

momento em que passamos o obstáculo das regras predeterminadas, estamos

num terreno muito perigoso, que é fazer gestão processual caso a caso, o que

é sempre de evitar. Podemos contender com os princípios do sistema que

imperam neste domínio, do juiz natural, da clareza, da transparência, da

imparcialidade, levando a que determinado processo seja adjudicado a um

tribunal, secção ou juiz em concreto, por via de critérios que não são

predeterminados e conformes com essa clareza, transparência, imparcialidade.

Quanto mais cedo estiverem definidos os critérios relativos à gestão processual

dentro de cada caso, melhor, e essa gestão já se faz actualmente, como é o

caso da distribuição de megaprocessos que não têm ver com as regras

instituídas na codificação processual civil. Já se faz uma distribuição à parte

destes processos. Já estamos a avançar em termos de gestão processual. Já

se faz a atribuição de colectivos ao julgamento de determinados casos quando

certo processo pode vir a ter impacto no serviço de determinado tribunal ou

secção. Isso já se faz! Faz-se actualmente, tentando responder racionalmente

a determinados problemas do sistema, a determinados bloqueios, mas a

verdade é que mereceria uma atenção especial esse tipo de situações,

predeterminando-se as regras..

OPJ: Quais seriam essas regras?

P5: Há outra distinção que aqui se terá de fazer: por um lado, relativamente a

processos a entrar no sistema, isto é, processos antes da distribuição; por

outro, processos pendentes. A questão levantada no início levanta questões

quanto a processos pendentes, designadamente quando há bloqueios perante

uma secção que está completamente paralisada.

OPJ: Mas que regras da distribuição, até onde se pode ir nos processos novos,

que entrem num tribunal?

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Anexo B

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P5: Eu penso que se pode ir até ao ponto em que seja previsível determinada

situação e esteja já prevista uma regra predeterminada legalmente.

OPJ: Por exemplo?

P5: Quanto mais rica for a regulamentação, melhor.

OPJ: Mas rica em que sentido?

P5: A partir do momento em que se pode dizer que determinado processo é

entregue a determinado juiz segundo regras predeterminadas e que as

situações estão já previstas segundo uma regulamentação geral e abstracta,

que apela a critérios objectivos… A verdade é que saber que determinado caso

vai ser solucionado por determinado especialista tem efeitos perversos. Tem a

ver com o aspecto de todos os litigantes quererem ver o seu litígio tratado por

aquele juiz. Não é como no sistema britânico, em que os juízes mais

qualificados têm uma longa lista de espera.

OPJ: Eu não estou a ver que, estando as regras predefinidas, se fosse colocar

em causa o princípio do juiz natural

P5: Eu penso que não. O que se pode dizer é que em determinado tribunal, por

razões de gestão processual, os processos que entrarem a partir de agora com

determinada característica de litígio, objectiva, predeterminada, passa a ser

julgado, apreciado por uma secção onde serão colocados juízes com a

competência A, X, Y, Z, para conhecer determinado litígio. Por isso é que digo

que é muito importante distinguirmos aqui as tais dificuldades acrescidas no

que respeita ao solucionamento dos bloqueios ou disfunções nos processos

pendentes…

OPJ: Então entenderia que seria assim: a partir do dia 1 de Janeiro na

circunscrição “x”, os processos, por exemplo, de conflito de consumo são

distribuídos à 1ª secção, porque lá foi colocado o Sr. Dr. “y”?

P3: É importante na garantia das partes que numa escolha especializada não

corresponda a um “juiz unipessoal”.

P5: Não pode é ter só um.

OPJ: Há comarcas que só têm um juiz.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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P5: Posso pegar no exemplo das varas cíveis de Lisboa? Eu estive lá alguns

anos e havia lá determinado tipo de litígios de certas empresas que levantavam

todas as mesmas questões processuais. E o que é que aconteceu? Vários

juízes decidiram de forma diferente, mesmo do ponto de vista processual.

Quanto a mim, se houvesse uma adequada gestão processual poder-se-ia

dizer e, antevendo o futuro, que determinado tipo de litigância começa a

aparecer em tribunal e havendo juízes especializados para o tratamento

daquela matéria, obviamente que se teria uma gestão processual com ganhos

de eficácia maiores, e para combater determinada afluência de litigância seria

necessário criar duas ou três secções especializadas naquela matéria ou uma

secção especializada naquela matéria. Pode funcionar quanto aos processos

pendentes? Acho que muito dificilmente. Quanto à acção que vai entrar no

tribunal, acho que sim. Se as regras estivessem predeterminadas e com a

colocação dos juízes lá, 1, 2, 3, 10, 15, 20, tanto faz. Tem é que haver uma

predeterminação. Tem de haver garantias. Eu penso que podemos ir com

mecanismos de gestão até ao ponto de não se retirar determinado processo

que está atribuído a certa secção e juiz, por razões de gestão e eficiência. A

grande questão, quanto a mim, é relativa aos processos pendentes.

P1: Eu acho que a prática e a experiência nos vai levar a muito longe e vai

resolver um conjunto de problemas, que hoje já se fazem sentir e são

resolvidos de uma forma muito pouco ortodoxa. A questão da atribuição de um

colectivo a um mega processo evidentemente é um exemplo disso.

OPJ: Como resolver rapidamente questões como se um juiz está doente ou

não tem capacidade para gerir o processo, porque temos de sempre ver a

questão do cidadão.

P3: É uma questão de eficácia.

OPJ: De eficácia e de qualidade.

P3: Eu queria voltar um bocadinho atrás. Penso que só é possível fazer como

escolha a secção, não podemos chegar à subjectivação total de escolher em

razão da qualificação de um juiz e não pode ficar a ideia de que se pode

escolher o juiz. Não se pode escolher o juiz. É quase igual se criarmos prévios

mecanismos e escolher uma secção. Os juízes é que têm o direito, e podem

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Anexo B

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achar estranho, de concorrerem a essa secção. Começa a entrar-se nos

problemas da definição objectiva da situação subjectiva.

P4: A nova LOFTJ aponta no sentido do juiz com determinada especialização

poder concorrer a certa secção.

P3: Quando digo secção é para distinguir da escolha pessoal.

P4: Imaginemos um colega que tem uma especialização que lhe é reconhecida

pelo Conselho para tratar de propriedade industrial; seria muito proveitoso que

em termos de distribuição aqueles processos fossem parar a esse juiz

especialista. Também concordo que quaisquer regras, a existirem neste

sentido, têm de ser prévias à distribuição e predeterminadas.

P1: Com estas novas regras é possível que o Conselho diga que para esta

secção vão estas, estas e estas categorias de processos e depois o juiz há de

resolvê-los.

P4: Eu ouço muitas vezes os juízes queixarem-se, na área do crime, que lhes

calham processos com problemas conexos com fraudes fiscais, que se vêem

aflitos, porque não percebem da matéria.

P5: Precisam de ganhar experiência, e a seguir já a terão para gerir e

solucionar tais casos. Aqui há uma nuance, mesmo com regras

predeterminadas, pode existir uma regra que diga, não obstante a estrutura de

um determinado tribunal estar assente em regras de colocação e distribuição

de processos, o Juiz Presidente de acordo com o CSM pode criar uma secção

para além, no sentido de acorrer a uma situação temporal, isto é, para dar

resposta a mudanças de litigâncias conjunturais. O que leva a que não seja

necessário criar um diploma nesse sentido.

OPJ: Mas, a criação de uma secção pressupõe sempre um volume de litigação

que signifique a afectação de meios.

P5: Eu aqui não dizia que era criada, não com uma estrutura. “Criar uma

secção” era aqui entendido no sentido de criar uma secção de modo a afectar

temporalmente juízes e funcionários a um determinado trabalho.

P1: Naqueles milhares de processos da Sonae como é que se respondeu a

isso?

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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P4: Penso que a DGAJ está disponível para reuniões com o mandatário do

caso porque o Juiz Presidente não quer reunir com eles, mas o problema já

está ultrapassado em parte. As injunções já caíram no Porto, já não caem na

Maia. Quanto às acções declarativas, não podemos fazer nada.

P2: Julgo que a lei deveria possibilitar ao Juiz Presidente uma total liberdade

de gestão do processo, mesmo quanto à personalização do juiz para resolver

determinado processo, evitando no entanto sempre violações do princípio do

juiz natural. Ou seja, não vejo qualquer problema que permita dizer: a partir de

agora todos processos de injunção (e não aquele, em concreto) vão ser

julgados pelo juiz A que está disponível para isso, tem capacidade para o fazer,

tem conhecimentos técnicos diferenciados face aos restantes. Julgo que aqui

não há problema nenhum de violação do princípio do juiz natural, desde que se

garantam regras gerais, mesmo que estabelecidas pelo juiz presidente, não

assentes em princípios arbitrários.

OPJ: Estivemos a falar do que entra e agora gostaria de saber a opinião sobre

o que está pendente. Como podemos gerir situações como, por exemplo,

quando o juiz está doente, ou quando não é capaz de responder a determinado

volume processual.

P6: Entendo que o grande problema é filosófico, de saber onde acaba o juiz

natural, e onde começa ou onde termina a especialização. Parece-me filosófica

esta questão e tem que ser resolvida em sede legislativa, porventura

constitucional. Ao contrário do que corre nos tribunais comuns, nos TAF a

distribuição não é feita por secção ou juízo, mas é feita por juiz. Num tribunal

onde haja 10 juízes, a distribuição de harmonia com a lei em vigor e regras do

Conselho é feita a um juiz. Determinado o juiz, determina-se depois

acessoriamente a unidade orgânica. Há aí um grande desafio, com uma

limitação. De harmonia com a lei que temos, o Presidente dos TAF pode propor

ao Conselho os critérios que irão presidir à distribuição, no respeito pelo

princípio do juiz natural. Este limite obriga-nos a pensar como é que, se só há

um juiz para aquela matéria, eu estou já a definir o juiz para o processo. Aqui é

a questão que eu deixava para os outros. Mas se porventura naquele tribunal

puder ou chamar à distribuição 2 juízes, eu pergunto se já está respeitado o

princípio do juiz natural. Não estou a dizer que é o Dr. A ou o Dr. B.

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Anexo B

277

Nos TAFs funciona já desde 2004 um sistema informático que tem sido muito

difícil de gerir e entender, mas que vai distribuindo os processos pelos juízes

aleatoriamente, respeitando o princípio do juiz natural, com algumas distorções,

ora sobrecarrega mais um juiz ou outro, obrigando o presidente do tribunal,

com o apoio remoto dos técnicos da justiça, a fazer alguma alteração,

corrigindo em termos numéricos a distribuição. Para que o juiz A não esteja a

receber só processos urgentes e o juiz B outros.

OPJ: E o Juiz Presidente pode mandar parar a distribuição para um

determinado juiz?

P6: Já estamos a entrar na segunda fase da pergunta. Em termos de

distribuição inicial nos TAFs, tudo se faz respeitando o princípio do juiz natural.

Nos TAFs temos uma maior capacidade. A reforma de 2004, proporcionou

trabalhar com o novo modelo. Neste novo modelo a redistribuição dos

processos está expressamente prevista na lei. No fundo são os poderes do

presidente que pode e deve, no respeito dos interesses dos administrados,

redistribuir o processo, ao abrigo do princípio do juiz natural, respeitando todos

esses princípios. E nos tribunais em que haja só um juiz, deve propor ao

Conselho que designe outro juiz para trabalhar naqueles processos. Aqui é que

o contencioso administrativo tem também uma particular novidade, ter um juiz

no Tribunal Fiscal de Sintra que está simultaneamente afecto ao TAF de Beja.

Não podendo estar nos dois locais ao mesmo tempo, não tem de se deslocar

obrigatoriamente todas as semanas ao Tribunal de Beja, podendo trabalhar nos

processos a partir do Tribunal de Sintra, e só tendo que ir a Beja, se for

necessário, para inquirir uma testemunha, para presidir a uma audiência de

interessados, a um julgamento ou a um colectivo com os juízes. Mas mesmo

quanto a um colectivo, sem necessidade de produção de prova, o sistema

permite que esse colectivo seja feito com o juiz em Sintra.

Isto dá ao Juiz Presidente e ao Conselho a possibilidade de gerir estas

situações. Não têm sido tão céleres e eficazes estas medidas, porque o

Conselho tem dificuldade em gerir esta possibilidade. Optou no início por uma

situação diferente – ocupado com os processos tributários, que eram aos

milhares – e nunca deu ao Conselho o passo que desde Janeiro de 2004

alguns reclamavam, que era o de, respeitando o princípio da especialização, os

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

278

processos nos TAFs serem para despachar equitativamente, fossem

administrativos ou tributários.

Manteve-se sempre ancorado no pressuposto de que o juiz administrativo é

para as questões administrativas e o tributário para as fiscais. O juiz

administrativo tramita mensalmente 100 processos, em Sintra, e o tributário mil

e tal processos, com a mesma formação, ganhando o mesmo, trabalhando as

mesmas horas.

OPJ: Mas, na jurisdição comum, o legislador não terá ido tão longe no sentido

de permitir ao Juiz Presidente alguma competência na gestão dos processos,

dando-lhe por exemplo a possibilidade de mandar parar a distribuição para

determinados juízes. Como é que vêem essa questão?

P1: Isto tem a ver com a gestão de recursos humanos. Os tribunais precisam

de compreender que quando se pára a distribuição e se remetem mais

processos a um juiz, tem que haver aceitação deste.

OPJ: Eu encontrei no terreno um receio muito grande nos juízes quanto às

novas competências do Juiz Presidente.

P2: É o receio da mudança. Um receio quanto ao Juiz Presidente, sobre o seu

poder. O que nos vai acontecer?

P1: A questão é a seguinte: estamos em 2008. Em 2001, quando começámos

estas reformas todas, se falássemos aos juízes sobre questões de gestão a

reacção epidérmica era violenta. Em poucos anos demos um salto, mas antes

era um pouco como transportar a lógica de uma empresa para uma igreja. Há

problemas culturais a vencer, talvez por pequenos passos. É preciso conhecer

o terreno.

P4: Também acho que as coisas devem ser absorvidas.

P5: Mas demos nos últimos oito anos um salto em termos culturais.

P4: Mas a formação que ministravam no CEJ, há uns anos atrás, inculcava nos

auditores a ideia de que eram especiais, intocáveis e até hoje há colegas que

têm uma postura muito distante e arrogante. É por isso que, por vezes, as

magistraturas também são atacadas e, nesses casos, com razão.

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Anexo B

279

P5: Quanto a mim, isto não é só um problema do juiz português. Podem haver

concepções diferentes de Juiz Presidente e de funcionamento dos tribunais. O

que as pessoas têm receio, e isso pode acontecer, é dum modelo de Juiz

Presidente, tal como existe em França – na sequência de uma perspectiva

administrativista da organização judiciária – onde essa figura é vista como um

superior hierárquico com poderes de estabelecer determinados tipos de

factores rígidos de gestão e de, eventualmente, criar um padrão de

funcionamento seja ao nível das respostas processuais, a nível de incidentes,

ou, ainda, estabelecer uma redistribuição um pouco autocrática dos processos.

É desse tipo de modelo do Juiz Presidente que as pessoas têm medo.

P1: É um perigo real.

P5: E assistia-se nos TA, pelo menos que eu conheça de alguns colegas que

reflectem esse relacionamento, algumas experiências desse género. É preciso

compatibilizar também em termos culturais um estilo de funcionamento de Juiz

Presidente, em que o nível de competências a atribuir seja correspondente com

um determinado paradigma cultural. Isto é, actualmente o juiz português é

reconhecido pela sua independência, pela sua autonomia nas decisões, um

pouco também pelo sistema que temos, que permite um espaço de liberdade

dentro do tribunal, que não é compatível muitas vezes com o funcionamento

dos sistemas judiciais que nós conhecemos. É que, por via da gestão

processual e da organização dos serviços, podemos implicar nas decisões que

vão ser tomadas. Uma pessoa com uma determinada pressão de trabalho

responde com determinada qualidade de produto do seu trabalho e isso pode

ter implicações ao nível do fundo da questão e no sentido das decisões. São

modelos que estão em jogo. De um lado, um modelo de Juiz Presidente mais

hierárquico, mais burocrático; do outro, temos o modelo do juiz anglo-saxónico,

escolhido como se fosse um entre iguais, com regras mais consensualizadas,

com uma gestão mais compatível, com um diálogo diferenciado. Os receios

dos nossos colegas, que também são nossos, tem a ver com o tipo de

respostas vamos ter. É preciso definir se teremos Juízes Presidentes

escolhidos entre os desembargadores ou tribunais superiores, ou não. Vindo

um juiz de um tribunal superior, pode-se correr o risco de vir a ser incorporada

à sua gestão toda aquela dimensão processual que ele tem como paradigma

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

280

jurisdicional, vendo os outros como seus subordinados. Também é importante

perceber se ele tem mais competências ou se deve articular isso com o

Conselho Superior de Magistratura. Eu, por exemplo, daria muito mais poderes

ao Juiz Presidente, em termos de gestão do tribunal, a nível de gestão de

agendas e de disponibilidade de salas de audiência, do que relativamente à

gestão processual. Eu acho que a gestão processual tem de ser

compatibilizada muito com o CSM.

P4: Se fosse só para isso não era preciso o Juiz Presidente.

P5: Eu penso que não. A nível da gestão do tribunal é muito importante

assumir estas responsabilidades.

P4: Aqui é importante que o juiz vá além das competências administrativas.

P5: Isso das competências administrativas não sei o que é. Temos de as definir

previamente.

P4: É isso que disse das agendas.

P5: Não são meramente administrativas. Nada disso! A gestão dos tempos de

audiência é muito importante.

P4: Mas não está a exercer aí uma competência jurisdicional, se o juiz tem

uma sala ou não tem. O Conselho tem um grupo de inspectores que vai de 4

em 4 anos ao tribunal e é preciso que vá mais vezes, de forma periódica. Ainda

recentemente iniciamos uma recuperação num determinado tribunal. Sabe que

a maior parte dos processos dum determinado juízo desse tribunal estão há 6

anos sem serem movimentados? Alguém fez alguma coisa? Isto foi

denunciado?

P1: O que falta é uma avaliação horizontal do sistema.

P5: Acha que era ao Juiz Presidente que caberia solucionar esses assuntos? A

nível de gestão de processos qualquer competência do Juiz Presidente deve

ser articulada com o consenso do CSM. O que eu disse é que a nível da gestão

processual tem que haver uma articulação muito directa com o CSM.

OPJ: Mas admite que o Juiz Presidente, em termos de qualidade (…)

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Anexo B

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P5: Parece que há aqui a ideia de que o CSM é uma entidade colocada na Lua

e nós na Terra, sendo difícil aceder a ela. Essa visão é completamente errada.

A nova lei vai criar articulações, espero que isso seja conseguido, entre o Juiz

Presidente e o tribunal, através de um núcleo local, uma delegação do

Conselho junto dos tribunais.

P5: Eu penso que esses problemas do funcionamento do CSM são os mesmos

problemas que vai ter o Juiz Presidente. O Juiz Presidente está ali, mas tem os

meios que o Conselho lhe der para resolver os problemas.

OPJ: A que meios se está a referir?

P5: Todos os meios e mais alguns. Em tribunais com 6 anos de atraso, será o

Juiz Presidente a exigir um esforço suplementar dos outros juízes? Há uma

baixa de um juiz, é ele que vai solicitar aos outros que fiquem com mais

processos, passando a ter uma agenda de 7 anos?

P4: Provavelmente, se esse Tribunal tivesse um Juiz Presidente nos moldes

que se perspectivam, não havia processos parados há 6 anos. Dou o exemplo

das varas cíveis de Lisboa. Sabe o que se lá passava em termos de

elaboração da conta? Havia varas com contas por elaborar há 4/5 anos. E

havia varas com as contas em dia, mas todas essas varas tinham os seus

escrivães contadores. A DGAJ reuniu com os senhores secretários e com os

senhores escrivães contadores, organizou com os mesmos um grupo de

trabalho e os mesmos efectuaram todas as contas das varas cíveis de Lisboa.

Esta situação poderia ter sido resolvida há muito tempo caso existisse alguém

no Tribunal com responsabilidades de gestão ou, provavelmente, nem sequer

se teria chegado a tal situação em termos de pendências. Bastava que

existisse alguém amigo do Tribunal.

P5: Todas as pessoas que estão nos tribunais são por norma amigas dos

tribunais.

P4: Mas cada um preocupa-se apenas com os seus próprios processos.

Acresce que se existir um responsável próximo do Tribunal, o mesmo tem

muitas mais possibilidades, porque lá está, de resolver o problema.

P1: Tem razão. O presidente não vai ser só uma extensão do CSM, mas muito

mais do que isso.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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P5: O que eu defendo é que a nível da gestão processual tem de haver uma

articulação muito próxima. Seria bom que, relativamente a outras dimensões, o

Juiz Presidente tenha mais autonomia, relativamente à gestão e de distribuição

de processos tem que haver articulação com o Conselho Superior da

Magistratura. Estamos muito próximos do núcleo da função jurisdicional.

Estamos a entrar no gabinete do juiz e a dizer que tudo vai se desenvolver

desta forma quanto a este processo e o sentido da decisão talvez fique

condicionado. Relativamente a outras matérias pode-se dar mais competência

ao Juiz Presidente, em relação à gestão processual, sobretudo a nível de

distribuição de processos, deve haver uma articulação maior com o CSM.

P5: Não posso admitir que Juiz Presidente, sozinho, crie mecanismos de

distribuição do processo. Até por razões que têm a ver com a legitimação

interna.

P1: A distribuição dos processos é diferente, consoante seja nos tribunais

comuns de 1ª instância ou nos TAFs, porque de facto nos TAFs as coisas

funcionam um pouco como nos tribunais superiores, a distribuição é feita aos

juízes pelo Juiz Presidente. Nos tribunais judiciais é um pouco diferente. Nos

tribunais superiores, a redistribuição de processos é impensável, a não ser que

um juiz mude efectivamente de tribunal. Há mesmo uma norma na Lei

Orgânica que prevê que se um juiz, no mesmo tribunal, mudar de secção, os

processos que antes lhe tenham sido distribuídos continuam consigo. Nos

tribunais de 1ª Instância, em termos práticos, a situação dos processos serem

distribuídos por unidades orgânicas facilita mais a afectação dos juízes, num

quadro de auxílio, a soluções de emergência de serviço, como as de quebra de

produtividade de um juiz, por doença ou outros motivos, e permite a

possibilidade da redistribuição na prática, que não é então vista como

incompatível com o sistema.

P5: Também é preciso que se diga que o CSM actualmente tem tido alguma

dificuldade em trazer mecanismos de redistribuição de processos. Não tem

utilizado esse mecanismo. Tem sobretudo usado para compatibilizar estas

situações, pois se calhar não tem recursos humanos para tudo, através da

colocação de juízes auxiliares ou juízes da bolsa de juízes…

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Anexo B

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OPJ: Mas, a lei dá resposta a todas as situações?

P1: O que eu acho é que existem situações para as quais a lei já prevê

remédio. Se existe hoje uma determinação do Conselho para que um juiz, em

acumulação de serviço, passe a despachar processos antes atribuídos a outro

juiz, o Conselho já está, com isso, a fazer distribuição de processos. Porque é

que não existe aí violação do princípio do juiz natural? Porque tem sido

entendido que a intervenção é feita com o consentimento do juiz do processo e

do outro juiz auxiliador. O processo não é retirado àquele juiz sem que ele

concorde e numa situação justificada.

OPJ: Desde que ele concorde, tudo bem? Já pode ser retirado?

P1: A Lei Orgânica fala no consentimento…

OPJ: Mas isso é outra coisa.

P5: Isso não é mudar.

P1: Por exemplo num caso recente e conhecido, os juízes que intervinham no

tribunal colectivo pediram escusa e o pedido foi-lhes deferido. Verifico que para

os substituir se procuraram juízes disponíveis para formar aquele colectivo em

outros tribunais, alguns bem longe do tribunal em causa e sem integrarem a

cadeia legal de substituição. Não deveria ser assim. A afectação de juízes sem

seguir os mecanismos de substituição legal previstos na lei não respeita o

princípio do juiz natural. Se há uma redistribuição ad hoc podemos estar na

mesma situação. A lei prevê mecanismos de substituição legal para situações

de impedimento.

OPJ: São tantos os casos na prática, então porque há tanta reacção quando

queremos consagrar regras mais flexíveis? Se for informalmente, tudo bem.

P1: É que estamos também perante questões de política de gestão de recursos

humanos. Um juiz que esteja a trabalhar muito bem e que, por causa disso,

fique com menos processos pendentes é confrontado, em tensão permanente,

com outro juiz do mesmo tribunal que trabalhe menos e que deixe acumular

processos por resolver. Se ele for convocado para prestar auxílio ao colega

que trabalhe menos bem, sem que tenha de dar o seu consentimento, ele pode

tender, no futuro, a não actuar tão rapidamente face à ameaça latente que

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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impende sobre ele de ter de trabalhar muito mais apenas porque trabalhou

muito.

OPJ: Não podemos confundir avaliações de desempenho e direitos do

cidadão. Não vamos prejudicar o cidadão por uma avaliação interna.

Obviamente, esse juiz tem de ser avaliado em função do seu desempenho.

P1: Isso é a politica de recursos humanos.

P3: Nós estávamos a falar de problemas de redistribuição sem analisar, pelo

menos numa primeira fase da nossa análise, as propostas de alterações que

trazem um papel completamente diferente no sentido de maior preponderância

do Presidente. Mas as questões de paragem de redistribuição existem e são

acompanhadas pelo CSM há muitos anos. Todos os dias, há juízes auxiliares,

há juízes em acumulação a substituir os juízes em dificuldades. Há colectivos

ad hoc e tudo isso é legal e actual.

A primeira pergunta é objectiva, a segunda é subjectiva. É melhor que seja

resolvida pelo presidente? A minha resposta é que seja resolvida por quem

puder resolver melhor.

P6: Deixe-me só frisar 2 aspectos no que tem a ver com a gestão e com o

melindre da pessoa do Juiz Presidente, porventura a reclamar que a escolha

seja bem criteriosa e não seja do mesmo nível do juiz desembargador. Dou o

exemplo do que acontece no contencioso administrativo. A lei do processo

administrativo tem um preceito legal que permite o julgamento por formação

alargada, e em alternativa, o reenvio prejudicial. Dito de outro modo: no tribunal

de Sintra, para uma questão difícil nova, que suscita problemas e que à partida

indicia que vai repetir-se naquele tribunal várias vezes, o Juiz Presidente tem

em alternativa 2 poderes: um, de convocar os juízes todos daquele tribunal

para julgarem aquela questão em 1ª instância, ou, em alternativa, o Juiz

Presidente apresentar um pedido de decisão ao tribunal superior, STA, em

reenvio prejudicial. Os Srs. Juízes e as Sras. já perceberam claramente a

diferença entre estas 2 opções. Direi que no contencioso administrativo

ninguém ainda até hoje fez o julgamento de formação alargada, para que todos

os juízes reflectissem e decidissem aquela questão. Mas já em alguns tribunais

foi requerido o reenvio prejudicial em questões reputadas importantes.

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Anexo B

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Também de referir a possibilidade que temos no contencioso administrativo,

pouco usada também, do julgamento dos processos em massa, que permite de

grosso modo, dito a correr, que entrando 40, 50, 100 processos, o Juiz

Presidente, distribuídos que sejam todos, anda um só processo que depois

será julgado pelos juízes todos do tribunal.

OPJ: Que papel pode ter o Juiz Presidente nesta questão de uniformização de

certos procedimentos ou decisões para determinadas questões?

P5: A uniformidade do sentido da decisão tem a ver com o funcionamento do

próprio sistema, com a função judicial. Pode ter-se ganhos de uniformidade a

nível de procedimentos, tarefas, rotina, de tudo isso. A nível do sentido das

decisões não é possível, a não ser nos casos do contencioso administrativo,

que eu acho muito criticáveis.

P5: Podem existir são as coligações.

P3: Há mecanismos de apensação. O direito do trabalho resolve isso há 50

anos.

P5: Mas, o Juiz Presidente pode, por ele próprio, tendo conhecimento das

situações, impulsionar a apensação?

P2: A questão suscitada é um problema jurisdicional que as normas de

processo resolvem. Pode entender-se que isso pode ser atenuado através da

atribuição de alguns poderes jurisdicionais ao Juiz Presidente podendo suscitar

através do processo a resolução desse tipo de problemas. É uma hipótese.

Levará a que se atribua ao Juiz Presidente alguns poderes jurisdicionais. Eu

dou um exemplo: no Tribunal Constitucional já existem mecanismos que

permitem aos juízes, em determinadas circunstâncias, quando se verifica que

há várias decisões iguais, julgar sumariamente as questões e permite nem

sequer conhecer delas.

P5: O nosso sistema não é compatível com retirar ao juiz do processo

determinadas competências jurisdicionais e atribuí-las a outro, nomeadamente

ao Juiz Presidente. Não está na nossa tradição. A função jurisdicional tem sido

entendida no nosso sistema como abrangendo não só as questões relativas à

prova dos factos e à apreciação do direito, mas também tem a ver com o

andamento dos processos.

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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OPJ: Na vossa perspectiva, isto tem de ser resolvido por normas processuais.

P5: Mas pode-se a atribuir ao Juiz Presidente a faculdade de reunir os juízes

que são titulares daqueles processos em causa e combinar entre eles no

sentido de resolver por via processual essa questão.

Mas a lei pode prever que o Juiz Presidente, em determinados casos,

convoque os juízes no sentido de alcançar resolução…

P4: O poder político não entende que sobre a mesma questão de facto sejam

proferidas decisões que em matéria de direito julgam em termos opostos. Se o

poder político não entende isto, o cidadão também não entende. Veja-se a

questão das decisões que têm sido proferidas pelos TAF a propósito do

pagamento das aulas de substituição aos professores. Houve 5 decisões a

condenar o Estado e houve para aí 20/ 30 no sentido contrário. Eu pude ouvir

pessoalmente o Primeiro–Ministro e ele não entendia isto. Devia haver um

mecanismo qualquer para evitar que estas situações fossem tão frequentes.

OPJ: Num mesmo tribunal, exactamente a mesma situação de facto e de

direito, uns cidadãos ficaram sem a casa e outros não. As pessoas têm em

mente a dificuldade em entender essas situações. Todos eram condóminos no

mesmo prédio.

P3: Não se deve corrigir na 2ª instância. Deve ser corrigido mesmo “cá em

baixo”, logo na 1.ª instância.

P5: No caso concreto as questões não são só de um juiz. Se o advogado fosse

o mesmo interporia uma acção sobre todas as questões assim lançadas.

OPJ: Não se pode é dizer que é estratégia das partes. Vamos olhar para as

coisas do ponto de vista do cidadão. O facto de dizermos que sempre assim foi

não quer dizer que sempre assim continuará a ser.

P5: A uniformização do direito não é só resultado do trabalho dos juízes. Não é

só resultado de termos determinadas regras e os juízes não complementarem

bem as regras. Tem a ver também com a estratégia das próprias partes.

P5: O advogado não fez isso porque não quis correr o risco de ter uma decisão

uniforme, porque a questão era controversa e tentou espalhar as acções por

diversos juízes, a fim de obter uma solução.

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OPJ: A estratégia do advogado de uma parte, que é comum a todos, foi essa.

Os outros, os réus são várias partes.

P5: Os réus podiam ter pedido a apensação dos processos. Não pediram. O

funcionamento do próprio sistema não é assim tão mau porque efectivamente

dá solução a esses casos. A intervenção do Juiz Presidente pode

complementar esse sistema. Era bom é que ele não tivesse competências

jurisdicionais ao nível da administração e gestão de um concreto processo.

OPJ: Mas, o papel do Juiz Presidente nessa matéria pode passar apenas por

promotor da discussão?

P2: Não vejo problema nenhum nesse papel mobilizador, mas esse papel tem

um problema no actual sistema jurídico. Não sei até que ponto isso poderá criar

problemas.

OPJ: Que problemas?

P2: Não há uma contraposição poder do juiz presidente a um dever das partes.

P6: Não há uma cultura entre os magistrados portugueses de reunião, a não

ser a reunião obrigatória do colectivo, reuniões a 2 ou 3. Mas uma reunião de

tribunal, não há essa cultura. Os juízes com quem trabalho agora têm todos

uma formação específica e tive também contacto com outros juízes da

jurisdição comum que passaram pela jurisdição administrativa. É claro e

manifesto que qualquer ideia de uma reunião, sentar 3 juízes numa mesa, a

reacção é claramente negativa. E isso é cultura.

OPJ: A formação é importante para ganharmos essa cultura, para

ultrapassarmos isso. O que devemos fazer?

P1: A questão da apensação das acções não tem nem nunca teve por

objectivo uniformizar jurisprudência. É uma questão de economia processual

para resolver mais rápido um conjunto de processos iguais. Na uniformização

de jurisprudência, há um trabalho pedagógico, que de facto os presidentes dos

tribunais podem fazer, como fazem os presidentes das secções dos tribunais

superiores, sobretudo nas criminais, que nem sequer têm distribuição de

processos. A sua função é praticamente ver projectos de acórdãos e diferenças

nas decisões e convencer os colegas através de uma discussão para

eventualmente as eliminar. Quem trabalha em colectivo sabe das dificuldades e

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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das discussões prolongadíssimas sobre certas interpretações jurisprudenciais

em concreto, que podem ser uma vezes uniformizadas por essas discussões

para obtenção de consenso, mas outras vezes não é possível. Temos uma

sociedade democrática que funciona assim. Há também as questões da prova

que é feita ou não num determinado caso. Já tive casos em que julguei o caso

penal e o cível, tratando-se dos mesmos factos, e condenei no caso cível e

absolvi no penal e as pessoas não compreendem as questões de prova, que

falharam numa situação e não na outra. E no fundo quem faz evoluir a

jurisprudência são muitas vezes os advogados. Os advogados colocam as

questões e os juízes decidem de uma ou outra maneira. Muitas vezes um

determinado advogado coloca uma questão que é exactamente igual a outra,

mas apresenta-a de um determinado ângulo de ponto de vista, quer jurídico,

quer factual, que conduz a certa decisão. Outro não apresenta desta maneira e

leva a uma solução completamente diferente. Acho que não há outra maneira

de resolver esta questão. Mas acho que o presidente pode reunir os colegas e

procurar, pela discussão, uniformizar uma determinada solução.

P4: Acho que seria muito útil que o Juiz Presidente tivesse essa missão.

P1: Na verdade, hoje em dia, os juízes já se contactam muito para indagar

como cada um está a resolver uma determinada questão interpretativa. A

discussão, que já se faz de uma forma informal, poderia ser feita de uma forma

organizada por um Juiz Presidente.

P4: Eu já tive essa experiência nos TAs. Tínhamos quinzenalmente reuniões

no TA do Porto, agendadas pelo Juiz Presidente com o colectivo de 17 juízes

na quais estava presente também um professor, cuja presença se revelou de

grande utilidade para os juízes e para aquele professor, onde eram colocadas

várias questões práticas. A preparação destes magistrados para lidar com

estas matérias não era ainda muito sólida, tínhamos sido recentemente

formados e o direito administrativo acabara de passar por alterações muito

profundas, daí que sentíssemos como muito úteis as reuniões onde as várias

questões eram discutidas. Por vezes surgiam questões com que um colega já

se tinha deparado e que ainda não se nos tinham colocado, como por exemplo,

problemas sobre quem eram os juízes competentes para certos processos,

designadamente, para os processos executivos das decisões proferidas pelos

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Anexo B

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tribunais administrativos liquidatários, se eram os novos ou os juízes antigos.

Essas questões e outras eram debatidas. Sobre a questão referida havia

diferentes entendimentos, uns sustentavam que as mesmas eram da

competência do juiz liquidatário; outros diziam que aceitavam que as

execuções fossem tramitadas pelo juiz novo. Gerou-se uma discussão útil e no

Porto passou a haver uma concordância num determinado sentido.

P5: Se relativamente a outros pontos eu costumo concordar com o P1, eu não

estou de acordo com um ponto. A questão tem a ver com o facto da agregação

do processo não ter a ver com alguns critérios de uniformidade de

jurisprudência. Eu acredito que não tenha directamente, mas se formos ver os

processualistas eles dizem-nos que os mecanismos de apensação de acções

tem a ver também com procurar o sentido uniforme para certas situações de

vida. Se relativamente aos mecanismos de apensação e agregação de acções

é um princípio de economia que impera, tem outra finalidades substantivas

desse género. Em relação ao Juiz Presidente, eu penso que podemos ir um

bocadinho mais longe. Determinar ao juiz uma certa competência no sentido de

observar determinadas questões processuais que se levantam, que podem não

estar uniformizadas. Apontámos o caso da apensação das acções. No Palácio

da Justiça em Lisboa tivemos a necessidade de juntar os juízes para saber se

concordávamos sobre determinado provimento ou deliberação. Essa decisão é

tomada, os advogados podem consultar o livro de provimentos e saber que a

entrada de processos se faz segundo uma certa regulamentação.

Relativamente à acção executiva, quando ela entrou, e não era só da

competência dos juízes de execução, eu tive múltiplos problemas quanto aos

requerimentos que entravam dos solicitadores de execução. Pode-se criar

tramitações coincidentes e procedimentos uniformes. O Juiz Presidente tendo,

nas suas competências de representação do CSM, competência para o

andamento dos processos, deve-se prever também nesse âmbito a

competência de promover a reunião entre todos os juízes no sentido de criar

procedimentos uniformes ou coincidentes relativamente a determinadas

questões de índole processual.

P1: Na questão da agregação, é verdade que esse resultado consegue-se por

via indirecta e não é tão indirecta assim. Mas quanto à questão de

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

290

uniformização dos procedimentos, o juiz presidente poderia determiná-la por

ordens de serviço?

P5: Não, não. Uma coisa é dizer: era bom neste caso, vou ajudar a

comunidade dos litigantes e os meus colegas e vou promover uma reunião

nesse sentido. Outra coisa é dizer que a competência está definida e que ele

tem o dever de promover a reunião.

OPJ: Ele tem o dever de promover. Já estamos a ir um bocadinho mais além.

P1: Faremos uma revisão daqui a anos, depois das experiências anunciadas.

P5: Não estamos aqui a discutir o texto da lei, pois não?

P1: Para determinados tipos de procedimentos, na prática, vemos que quem

influencia mais é o Director Geral da Administração da Justiça, através dos

funcionários e de todos os meios tecnológicos introduzidos, desde os sistemas

e conteúdos informáticos até aos processos aparecerem cozidos à linha ou

não. Quem faz mais gestão processual neste domínio é o Director Geral.

OPJ: Uma outra questão que gostaria de discutir prende-se com as alterações

que devemos introduzir no âmbito do case management e a questão da relação

entre o juiz e a secção de processos, como podemos optimizar a interacção

entre estas duas partes?

P2: Gostaria de começar por dizer que há cerca de 5 anos essa era uma

questão de que ninguém falava. Ninguém falava de case management, de

gestão processual. Nunca se olhava de uma forma global para a gestão do

processo. A gestão processual é muito mais do que está nas normas

processuais estabelecidas no processo penal e no processo civil.

Concretamente, tem a ver com a gestão de interesses envolvidos no

procedimento, com a resposta à questão para que serve o tribunal. Deve partir-

se da ideia de que há um interlocutor privilegiado ou um agente no tribunal que

é sustentado na figura do juiz, quer se queira, quer não. Todo o processo

funciona em função da decisão judicial. Ora bem, tendo por base este princípio,

tudo o que está no processo deve ser orientado em função da decisão judicial.

Esta será a linha de orientação a seguir quando se fala em gestão de processo.

Como se trabalha nisto para além do processo? Eu diria que há vários

caminhos. Há uma questão que gostava de referir que tem a ver com o

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Anexo B

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processo civil experimental, que tem 2 anos, salvo erro, onde pela 1ª vez foi

criada na lei o dever de gestão processual e que ainda está a ser discutido.

Ainda é cedo para se saber concretamente o que é esse dever de gestão. Mas

é importante que este conceito já exista, porque se não há nada que não está

na lei, não existe. Agora já está na lei, já pode ser densificado. Em concreto

salientava 2 tipos de questões que me parecem fundamentais. Primeiro,

potenciar a discussão oral para que haja conciliação. Eu acho que a

conciliação existe como solucionador dos problemas, mas acho que isso deve

ser antes da intervenção do tribunal. Isto é, quando o juiz vai decidir essa

possibilidade da conciliação, esta deve já ter sido resolvida por advogados e

pelo MP. O juiz está lá para, numa fase posterior, decidir. A segunda questão

prende-se com o facto de todo o processado que leva à decisão deve ser

trabalhado pelo juiz, para rapidamente chegar à decisão. Porque não há uma

decisão justa que não seja rápida. Se os dois objectivos fundamentais são

obter uma decisão justa e rápida então todo o processamento deve ter em

consideração esse objectivo. Nesse sentido, o juiz deve ter poderes em

qualquer área que lhe permitam chegar a essa decisão rapidamente. As

diligências processuais e todas as diligências de prova devem ser feitas nesse

sentido.

É também dever do tribunal fundamentar as decisões. Mas o que é certo é que

essa fundamentação tem de ser cada vez mais uma fundamentação que

concretize a função extra judicial da decisão e conhecer os motivos daquela

decisão, porque ela foi tomada. Não é tanto a possibilidade de recurso, mas a

possibilidade de se entender porque o juiz decidiu daquela e não de outra

maneira. Neste contexto, uma questão muito concreta tem a ver com o

problema da linguagem utilizada. As decisões não podem deixar de ser

perceptíveis por todos os cidadãos que estão atentos à justiça, porque isso vai

legitimar a própria justiça. Dou um exemplo do que se passou recentemente

com um acórdão do STJ que foi divulgado pela internet e pelos jornais relativa

a uma questão de regulação do poder paternal. O facto de ter sido proferida

uma decisão numa linguagem relativamente «arcaica» levou a que não fosse

compreendida. A partir daí, as pessoas começaram a pensar que os tribunais

julgavam fora da realidade. Disse-se «o STJ profere decisões

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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incompreensíveis». Tudo isto são questões novas que têm a ver com uma

maneira de encarar a gestão do processo, como uma gestão para a decisão do

processo.

OPJ: A grande questão é a de saber, que alterações podemos incorporar no

nosso sistema para uma melhor gestão do processo? Do trabalho de campo,

parece resultar que o processo experimental não terá trazido muitas mudanças.

P2: Nalgumas coisas é necessário mudar a cultura de quem trabalha com esse

modelo. Mudar-se a formação. Quando não damos formação às pessoas com

base no modelo que está a ser implementado, não pode ser exigível aos juízes

que na prática venham a utilizar esse modelo. O processo é um processo que

nasceu e que está ainda agarrado ao «Alberto dos Reis» e é no «Alberto dos

Reis» que nós continuamos a assentar e desenvolver o paradigma. O que não

pode continuar.

P1: O CPC, ao contrário do CP Trabalho, não aponta logo o fim do processo. O

CPP e o CPT já o fazem. O processo entra e logo é marcado o julgamento com

vista à finalização do processo. A audiência inicial de partes no processo do

trabalho, após a entrada da petição inicial, marca logo de início a disciplina dos

actos até ao termo do processo e isso faz toda a diferença em relação ao

processo civil.

P2: Há um exemplo histórico que permite verificar que por vezes há regras

importantes que devem ser quebradas. Trata-se da vigência e modificação do

Código de Processo Penal de 1929. Durante 50 anos o CPP de 29 foi o

diploma vigente no nosso ordenamento. Com a sua revogação e a introdução

do CPP de 87 mudou-se o paradigma processual penal completamente.

Mesmo assim durante mais de 10 anos continuou-se a aplicar o CPP de 1987 à

luz de muitos princípios estabelecidos no CPP de 1929. Só quando a geração

de juízes formados já no âmbito da vigência do Código de 1987, da qual fiz

parte, começou a aplicar esse código é que, de uma vez por todas, se mudou

«na realidade» a matriz processual. As consequências disso são conhecidas.

OPJ: Olhando para o processo comum, temos uma audiência preliminar para

fazer o saneamento do processo. Decorre do nosso trabalho de campo que,

enquanto grande parte dos juízes diz não marcar audiências preliminares,

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Anexo B

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outros consideram-na um momento importante de gestão do processo para

discutir os meios de prova, marcar a audiência e fazer tentativa de conciliação.

A minha questão é: olhando para a prática, como dinamizar a utilização de

audiências preliminares, também como meio de gestão processual, e como

evitar o arrastamento de processos através da utilização de expedientes

dilatórios?

P4: Quando o julgamento é marcado por acordo entre o juiz e o advogado, o

advogado não devia poder faltar, a não ser por um motivo de acidente ou de

caso de força maior. Acordada uma data o senhor advogado deveria, em caso

de impossibilidade de comparecer, fazer-se substituir. A cultura da

responsabilidade tem de imperar. Faltar aos julgamentos nas primeiras

marcações é algo que se faz com todo o à vontade sendo, por vezes, uma

manobra dilatória que convém a todos.

P3: Há normalmente 2 cidadãos, cada qual num dos lados do processo.

Estamos sempre a defender o cidadão, mas o cidadão que é autor. O tribunal

quer que o processo ande. É vontade dele, ainda que por vezes a lei não o

permita. Acho que tem de se ir por vários caminhos para se chegar a um

resultado melhor e são úteis todas as alterações nesse sentido. O processo

civil é de facto uma realidade estranhamente antiquada e que, acho eu, com

exemplos de outros processos, como o laboral e penal, podia já se ter

modificado com alguma relevância.

P2: O processo penal é hoje rápido. O problema está, neste caso, muitas

vezes na fase de investigação.

P3: Só para terminar, acho que no fundo esses caminhos são necessários

porque a reforma do processo civil por comparação às outras leis, é útil,

continua a ser útil e necessária, mas obviamente não se pode despir o

processo civil das garantias, por completo. Há coisas que vão pela cultura e

pelo tempo de adaptação das novas gerações. Creio que alguma coisa já se

mudou e continuará a mudar – e é relevante o que disse P2 – que sempre que

se mude por completo de paradigma (comparação do CP de 87 e de 89), a

adaptação tem um efeito de arrastamento que demora muito mais tempo.

Quando as mudanças são ligeiras pode ser suficiente uma formação contínua

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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para essa adaptação. No fundo, todos os caminhos parecem necessários para

se conseguir maior aproveitamento do processo no seu sentido final. O

processo é o que o próprio termo diz, um caminho.

OPJ: Nós hoje temos tribunais que, em regra, tramitam rapidamente a maioria

dos processos, mas há um conjunto de processos e acções que se arrastam

muito para além da duração média, por vezes, vários anos.

P3: A lei já permite, e a pergunta, nalguns casos, é se ela deve obrigar. Ela

tomou opções de obrigar relativamente ao saneador e à eliminação de

despacho inicial. O legislador, não dizendo directamente, quis dizer que era ali

que os juízes emperravam o processo. A lei como que disse: eles param no

despacho liminar e param no saneador; um, desaparece, e outro pode-se

torná-lo facultativo, ou então criar mecanismos através de audiência preliminar,

para que num curto espaço de tempo se resolva nessa audiência tudo o que se

arrasta até aqui: os meios de prova, a audiência final, etc. A lei atacou os

pontos críticos do processo. Nalguns casos, a responsabilidade do legislador

não pode ser só de abrir caminho, mas de obrigar a determinadas posições.

P4: Os advogados têm de entrar no tribunal com o processo já nessa fase.

P1: O Código de Processo de Trabalho é muito mais adiantado que o Código

de Processo Civil, e já é muito antiquado em relação àquilo que devia ser, já

devia ser mais simplificado. Mas, de facto, a possibilidade de o processo

laboral entrar e já se ver o fim ajuda a gerir, e estamos a falar disso mesmo, da

parte de cada interveniente, desde o juiz até aos advogados, todo o desenrolar

do processo. E se no processo civil, apesar da audiência preliminar, se

introduzisse também a questão da audiência de partes, provavelmente aquilo

que existe hoje no regime processual civil experimental – que é a possibilidade

de contactar logo de início, através de uma notificação judicial própria, que o

autor pode fazer no sentido de decidir se quer optar por aquele processo ou

não – em vez de avançarmos por esta via, chamar a outra parte no sentido de

se determinar a matéria controvertida, beneficiando-se de uma redução de

custas. Neste momento, poderia marcar-se a audiência, o que permitiria estar

ali a ver o fim do processo. Não vejo como é que uma acção cível complexa

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Anexo B

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pode ser mais complexa do que a mais complexa do processo laboral, e as

coisas funcionam igualmente.

OPJ: Deixem-me dizer que do nosso trabalho de terreno, uma das questões

que os juízes referem muitas vezes como um problema de gestão de processo,

não só daquele processo, mas de todos os processos, é o problema que está a

ocorrer da suspensão das instâncias, em que os advogados na véspera de

julgamentos, com toda a máquina accionado num determinado sentido,

suspendem a instância e, portanto, com consequências naquela agenda e na

agenda de outros processos.

P4: E com gastos para o sistema.

P5: Penso que a questão da gestão processual é uma questão que deve ser

enquadrada, como todas as outras; e o problema é que os enquadramentos

que temos feito a nível de gestão processual são sobretudo ao nível das velhas

questões do processo, de rever ou não a lei processual. Portanto, quando

falamos de gestão processual, existem aqui duas grandes dimensões, a

dimensão do processo e a dimensão de organização e de gestão dos tribunais.

Nos sistemas anglo-saxónicos existe, desde os finais dos anos 90, nos Estados

Unidos, a percepção de que o processo enquanto tal foi completamente

digerido pela organização e gestão dos tribunais e, portanto, a questão

processual é uma questão relativamente manipulável e flexível. Naturalmente

que os procedimentos são adaptáveis a objectivos de gestão e de organização,

sejam eles para obter a decisão final, sejam para obter outras finalidades

quaisquer. Tem a ver com política judiciária, tem a ver com a política de gestão

dos tribunais, tem a ver com o sentido que se quer atribuir à função dos

próprios tribunais, à função social dos tribunais. Nos sistemas continentais

como o nosso, a questão prevalecente é a questão da codificação da lei e,

portanto, temos que actuar ao mesmo tempo em duas dimensões, que são: a

dimensão de organização e gestão dos tribunais, que envolve também a

gestão dos processos, e ao mesmo tempo temos que adequar isso a uma

determinada tramitação legal. E aqui é que está o problema, é perceber até

que ponto a nossa cultura, que é uma cultura jurídica e de compreensão dos

Códigos e disciplinas processuais, está ou não adequada à perspectiva mais

ampla de organização e gestão dos tribunais. É aqui que se joga tudo. Penso

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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que é possível, não extrapolando sistemas diferentes, e, portanto, utilizando as

ferramentas que são próprias da organização e de gestão dos tribunais

relativamente ao sistema anglo-saxónico e aos sistemas de Common Law, é

possível adaptá-los ao nosso sistema, mas com algumas nuances e com

algumas limitações, nomeadamente limitações que têm a ver com cultura

jurídica, codificação da lei, formação jurídica, etc. Obviamente que ao nível do

nosso sistema é possível, desde já, adequar soluções legais como aquela que

foi para o processo experimental, eventualmente com algumas modificações ao

nível da sistemática de processo civil, sabendo de antemão que elas são

sempre limitadas nas suas consequências. Podemos ter um sistema muito bem

pensado a nível processual, mas se as questões de organização e gestão dos

tribunais não forem compatíveis, obviamente que mesmo se tivermos uma

solução legal ela não veio ter eficácia porque há mecanismos de organização e

de gestão que não estão apropriados e não estão pensados para aquela

dimensão processual. Isso aconteceu com a implementação do Código de

Processo Penal novo, aconteceu com a questão das audiências preliminares,

aconteceu com o processo experimental, com o processo de execução também

já aconteceu e vai acontecer com qualquer reforma do processo que se faça

que não se atenda de antemão às questões de organização e gestão dos

tribunais.

OPJ: Mas não aconteceu com o de trabalho.

P5: Porventura terá acontecido de início, mas o processo de trabalho sempre

teve uma dimensão muito mais aligeirada do que o processo civil. A estrutura

dos tribunais do trabalho nunca teve problemas de litigação de massa, nunca

teve problemas de excesso de pendência e, portanto, se formos ver, quando

não há problemas ninguém fala sobre os bloqueios e os disfuncionamentos.

Por outro lado, há a dimensão dos ambientes processuais com que estamos a

lidar e, portanto, essa pergunta foi boa para tentar elucidar que é diferente

estarmos a trabalhar com litigância tradicional e estarmos a trabalhar com

litigância massificada ou com litigância complexa. É aí que os problemas se

levantam. Quanto à litigância massificada, obviamente a proposta dos

mecanismos de gestão processual do processo experimental, acho que são

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Anexo B

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adequados, não estão é adequados a uma cultura organizativa e de gestão dos

tribunais aos meios envolvidos, à formação dos actores judiciários.

Relativamente a técnicas de gestão processual, quanto a mim é possível

mesmo com o sistema actual melhorar muito. Para além da utilização de

mecanismos de agregação formal ou informal de processos, eles estão

estabelecidos já para o processo experimental, é possível já com as

ferramentas processuais do Código de Processo Civil ou outras, proceder à

apensação de processos em determinadas situações. Elas não são utilizadas,

mas se houvesse uma pedagogia no sentido da utilização daqueles

mecanismos, talvez o fossem numa perspectiva global de uma gestão do

tribunal no seu todo, o que vai permitir que as o volume de processos seja

também visto globalmente e os mecanismos, falando aqui a propósito da rede

de distribuição dos processos, vão passar a ser mais utilizados. Há ferramentas

como o agendamento comum para despacho de decisões uniformes ou

temporalmente coincidentes, isto é, a possibilidade de o próprio juiz fazer, por

exemplo, um agendamento para o mesmo dia do mesmo tipo de acções. Às

vezes isso acontece.

P6: No contencioso administrativo a lei do processo é, desde logo, um

problema e é um problema que incomoda todos os juízes e que vai passar

muito tempo para que a lei do processo possa vir a ser simplificada, daí que

alguns tribunais tivessem optado por levar às reuniões dos seus juízes, para

desbravar aquele processo, os professores que tinham elaborado o Projecto.

Outros tribunais seguiram com esses professores ou outros no sentido de

procurar clarificar o alcance das soluções que a lei do processo consagra.

Estou a lembrar-me agora de uma situação que complicava que é a

necessidade de intervenção do colectivo dos juízes com muita frequência. No

início revelou-se de particular utilidade, porque, de alguma forma, permitiu que

os juízes aprendessem uns com os outros. Julgavam em colectivo e assim

aprendiam uns com os outros, mas uma vez adquirido o conhecido, ou a breve

trecho, interpretaram a lei de forma a poder abandonar esse empecilho

processual que de alguma forma protelava, atrasava as decisões. Quanto ao

resto, tem as mesmas dificuldades que os tribunais comuns, a dificuldade da

marcação dos julgamentos com o acordo dos advogados, a regra do artigo

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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155.º do Código de Processo Civil, que naturalmente complica as coisas.

Depois o contencioso administrativo é por definição e por si mais especulativo

e proporciona, porventura, maiores delongas, embora seja também certo e,

importa referi-lo, que no que diz respeito à prova, é fundamentalmente

documental e que, muitas vezes, nem sequer justifica ou impõe a realização de

audiência de discussão e julgamento, entendida como fase de produção de

prova.

OPJ: Sobre a questão da suspensão do processo, o artigo 279.º, n.º 4 deixa

um pouco à disponibilidade dos advogados e das partes. Como sabem, foi uma

norma introduzida recentemente. Pensam que deve a lei fazer alguma restrição

sobre esta matéria?

P5: Eu penso que se deve dar uma especial atenção relativamente a esse

matéria. Isto é um problema sistémico e, portanto, isso insere-se, por um lado,

num problema de estratégia das partes perante o processo e, por outro, na

permeabilização da organização e gestão dos tribunais à estratégia das partes.

Mas esse é um problema que tem que ser envolvido no seu todo, pode haver

uma solução legal para tratar desse problema específico sem cuidar do resto

dos problemas do sistema.

P1: Acho que temos que olhar para os atrasos que sejam da efectiva

responsabilidade do tribunal, esses é que são os importantes. (…).

P4: O problema é que em determinados Tribunais, aqueles em que o

movimento processual é elevado, os senhores juízes têm a sua agenda

completamente preenchida e o pedido de suspensão do julgamento, nesses

casos, compromete de forma grave a respectiva agenda. Se o tribunal funciona

normalmente, como é regra em Lisboa, eventuais pedidos de suspensão,

apresentados no próprio dia, poderão não ter consequências de maior na

organização do trabalho dos senhores juízes. Situação diferente se passará

naqueles tribunais em que os juízes se encontram assoberbados de trabalho,

com uma agenda completamente comprometida com julgamentos marcados de

manhã e de tarde, dois em simultâneo, que têm de se deslocar de comarca em

comarca para realizarem os julgamentos e que, entretanto, são surpreendidos

com uma suspensão, já depois de se terem deslocado para o julgamento, que

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Anexo B

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não têm agenda e que, caso tivesse havido uma comunicação atempada,

poderiam ter evitado a deslocação e ter usado esse furo na agenda para

marcação duma continuação de julgamento ou para outra diligência.

P2: Os juízes perante uma situação dessas continuam a ter que fazer.

P4: Como?

P2: Obviamente com atrasos.

P4: Não.

P2: Isso é a vossa maneira de ver as coisas. Se tenho um julgamento marcado

para o dia X esse julgamento é para fazer naquele dia.

P4: Não, previamente comunica que não vai fazer, atempadamente.

P1: Tenho muita dificuldade em ver como é que se torneiam os problemas

concretos dos advogados, na gestão do seu tempo profissional. Acho que

devemos preocupar-nos mais com os atrasos que sejam da responsabilidade

efectiva da máquina dos tribunais do que com problemas profissionais dos

advogados que já antes sabíamos existirem. Antes não havia a suspensão da

instância por acordo com esta latitude, mas provocavam-se atrasos por causa

desses problemas, que podem ser até os da doença súbita de um advogado.

P3: Parece que estamos de acordo que o problema não é tanto os seis meses

que se permite dar às partes para suspenderem o processo, mas mais a

maneira como usam no sentido em que sistematicamente o usam em cima do

julgamento e quando já todo o mecanismo do tribunal funcionou, e,

nomeadamente, as pessoas estão presentes. Nessa parte talvez a lei possa

ser alterada: é permitida a suspensão, desde que avisados quinze dias antes

da audiência, por exemplo.

P5: Relativamente ainda à questão do case management visto no seu todo,

penso que para além da dimensão dos objectivos do processo, é necessário ter

em conta a cultura dos tribunais. Nos tribunais por onde passei como juiz,

sempre enfatizei perante os funcionários que estávamos ali todos a trabalhar

para o juiz produzir uma decisão final e não para marcar diligências ou para

despachar processos ou para dar decisões formais de rotatividade do

processo. Sempre tive a necessidade de realçar este aspecto. Nos nossos

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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tribunais ainda impera muito a rotina, o funcionamento burocrático, o trabalhar,

sobretudo, para aquele dia e não para a finalidade do processo. Eu não tinha

tido essa percepção, mas, de facto, essa visão é correcta. As próprias regras

do processo devem conter a ideia de que o objectivo final é o da decisão final

(da sentença). Toda a preparação do processo tem o objectivo claro de marcar

uma audiência de julgamento e de proferir a decisão final. Tudo passa por

tramitar tudo para a etapa seguinte e se a etapa seguinte é o saneamento do

processo e não a decisão final, obviamente cria-se ali o sentimento de se estar

a trabalhar para outras etapas seguintes que nunca são a etapa final da

decisão final.

Há, ainda, outra dimensão que é preciso articular, é que a diferenciação entre

processos não é uma diferenciação que está clara nas normas processuais

legais, isto é, actualmente o nosso tipo de litigância não se compadece com a

distribuição de espécies processuais consagradas que nada têm a ver com o

peso, por vezes, que os processos têm, nem, porventura, era possível articular

na lei tudo aquilo que é necessário fazer para a gestão processual para

distinguir espécies processuais e para distinguir tipos de casos. Isto é, um tipo

de caso pode ter um impacto grande no funcionamento do tribunal sendo uma

espécie processual com pouco peso, sendo que, às vezes, as espécies

processuais também não fazem distinguir o peso que o processo deve ter e

qual é o tempo disponível ou o esforço que o sistema deve implementar para a

resolução daquele caso. Temos que ir mais além e permitir que, relativamente

aos casos em presença, eles possam ser diferentes consoante os graus e

formas de intervenção gestionária atendendo, por exemplo, à complexidade, à

novidade dos casos, à capacidade, e estratégia ou atitude dos advogados, às

rotinas, às ordens práticas, às informações, às inspecções judiciais, às

circulares dos Conselhos, à importância económica, social ou mediática dos

próprios casos. Há casos em que o juiz, pelo impacto mediático que tem o

processo, deve ter uma gestão diferenciada. O caso Casa Pia podia ser um

processo tratado numa audiência de julgamento que não demorava mais do

que algumas horas, o que não ocorreu, pelo impacto político que teve, pela

dimensão mediática, pela estratégia das partes envolvidas.

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P4: Mas justamente o juiz tem que ter essa perspectiva do caso, isto é, tem

que ter uma gestão do caso concreto. Tem que olhar para aquele caso e não

para o caso como uma sucessão de actos que se vão acumulando.

P5: Tem que perceber que os casos funcionam, não só com as espécies

processuais que estão em causa, com as regras processuais, mas também

com a dimensão e o peso processual que concretamente está ali em causa.

Tem que se olhar para a identidade social das partes, eventualmente, para a

estratégia dos advogados e tem que criar, ao mesmo tempo, graus de

procedimento “tarifado” para algum tipo de litigância; e para outros, tem que se

criar obviamente uma disposição de agenda e tramitações que sejam

adequados a cada caso sem prejudicar o tratamento equitativo das partes e

sem entrar em dessintonias ou violando até o princípio da igualdade das outras

partes. Isto é, tem que haver limites não se podendo ter um sistema e um juiz

completamente permeável às dimensões específicas do caso que por ter um

peso muito mediático começa a ter um agendamento completamente

diferenciado dos outros casos que também mereciam a mesma atenção e aos

quais disponibiliza um agendamento completamente contrário ao que tinha

feito.

Depois, penso que podemos já avançar para determinadas ferramentas de

gestão processual e que obviamente não estão previstas na lei, que são o

agendamento comum, por exemplo, do mesmo caso. Às vezes acontece virem

os mesmos tipos de processos com as mesmas partes processuais e, portanto,

o juiz se tiver razoabilidade em agendar as diligências permite que as mesmas

partes venham no mesmo dia ao tribunal para tratar de incidentes processuais

diferentes. Estou-me a lembrar de outro tipo de ferramentas que tem a ver

também com a criação de guidelines relativamente à litigância de massa. Não

se compreende, por exemplo, que órgãos de gestão e de organização do

sistema judicial como são os Conselhos Superiores de Magistratura não

promovam e não estabeleçam um catálogo, no fundo um código de boas

práticas, no sentido de permitir relativamente à litigância de massa decisões

com determinado número de páginas, não fugindo a determinados trâmites,

mas com determinadas regras que não são obviamente cerceadoras dos

limites da função judicial, mas vão ajudar ao tratamento quantitativo de

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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determinados casos através de determinadas tabelas e de determinadas

guidelines. Estas guidelines orientavam a decisão no sentido de dizer qual a

forma do relatório, a fundamentação – não mais que tantas páginas segundo

determinado formulário – e, depois, a decisão não deve fugir muito a isso. O

objectivo é de criar rotinas e peças processuais, mesmo ao nível das decisões

jurisdicionais, que sejam compatíveis com a importância dos casos e também

com a quantidade dos casos, permitindo assim um funcionamento eficaz do

sistema. Agora, volto a reforçar, se não criarmos uma cultura de organização e

de gestão e se não criarmos os meios necessários ao funcionamento do

sistema noutras dimensões, a questão processual não se resolve por ela

própria, isto é, não é mudando as leis de processo que conseguimos resolver

os problemas de falta de eficácia do sistema e da qualidade do sistema.

P2: Há algo muito importante, que nada a ver com a lei, quer do processo civil,

quer do processo penal, mas tem a ver com a diferenciação processual. É

preciso de uma vez por todas encarar o facto de termos que tratar de forma

diferenciada o que é diferente. Já hoje há processos especiais que são

diferentes em função do tipo de interesses, do valor, da natureza do processo,

etc., mas não temos, por exemplo, em nenhuma lei - nem talvez teremos que

ter alguma lei mas apenas em termos de gestão – assegurado o princípio da

diferenciação do tempo previsível da resolução. Se eu sei que para fazer uma

sentença de divórcio litigioso ou uma acção de despejo por falta de pagamento

de rendas demoro cerca de “cinco minutos”, sei que aquela acção vai demorar

menos do que dez minutos e posso gerir o meu tempo em função dessa

previsão. Agora, se tiver uma acção de empreitada que tem problemas

jurídicos complicadíssimos, tenho que ter à partida a possibilidade de prever

que aquela acção, nomeadamente a decisão, me vai levar uma semana a fazer

e tenho que ter a minha agenda programada para efectuar numa semana uma

decisão complicada que tem o mesmo peso numérico que a decisão do

arrendamento que demorou só cinco minutos. A previsibilidade da resolução do

caso é um dos itens fundamentais em termos de gestão que temos que levar

em consideração.

P4: Concordo inteiramente, só que isso é muito difícil.

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Anexo B

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P1: A questão fundamental é esta: quando se começa o processo é preciso ter

em atenção, logo, o tempo da decisão final, marcar e controlar esse tempo e,

depois, gerir em função dele. Evidentemente que isso tem a ver, também, com

os aspectos da organização do tribunal, já que, por exemplo, não é possível

marcar julgamento a quatro meses do início do processo se não houver salas

de audiência disponíveis para alcançar esse objectivo.

OPJ: Mas como é que se faz uma programação da agenda do Sr. Juiz? Como

é que o Sr. juiz faz essa programação da agenda se ele não sabe o trabalho

que tem na próxima semana? O Sr. juiz que hoje saiu de uma dado tribunal

não sabe, na segunda-feira, o que vai ter na sua secretária, não sabe se vai lá

ter vinte processos para dar saneador ou três processos com actos de mero

expediente ou se não tem lá nada. Como é que tudo isto se faz? Agora

voltamos à outra questão da relação entre o juiz e a secretaria. Quando se fala

da gestão das agendas dos senhores magistrados, a prática é a gestão da

marcação das diligências. O trabalho de um magistrado é muito mais do que

isso, fazer sentenças, dar o despacho saneador, obviamente muito mais do

que fazer as diligências, portanto, a gestão do processo para a decisão. Como

é que isto se faz na prática?

P1: É óbvio que ele não pode saber, na totalidade, que processos lhe vão

surgir para despachar, nem mesmo determinar que venham mais ou menos

processos. Penso que ir por aqui é ir um bocadinho longe demais. Mas pode

dar instruções concretas à secção e pode instruí-la para, nomeadamente, fazer

uma coisa muito simples que é apresentar-lhe já separados, com triagem, os

processos em função do tipo de despacho que solicitam.

OPJ: Pode fazer isso no actual enquadramento normativo. Mas, devemos

propor alterações no sentido de irmos mais além? Pode um juiz dar instruções

concretas à secção tendo, no fundo, a possibilidade de programar o seu

trabalho, isto é, saber o que é que nesse mês ou na próxima semana vai fazer?

Como é que vêm essa questão?

P1: O problema é esse, uma coisa é poder outra coisa é conseguir. A cultura

de separação funcional que existe dentro dos tribunais é de tal maneira

enraizada que os funcionários acham-se donos de uma determinada área de

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

304

terreno em que o juiz tem dificuldades em entrar. E esse tipo de resistência,

para quem não está preparado para gerir e tem mais que fazer, conduz

evidentemente a inibições de actuação por parte do juiz.

OPJ: A minha questão é saber se os senhores magistrados que estão aqui se

entendem esta como uma questão fundamental e concreta a ultrapassar.

P1: É exactamente uma questão fundamental a ultrapassar. Do meu ponto de

vista, já existe a possibilidade de dar esse tipo de ordens de serviço. Mas, com

o Juiz Presidente, com os novos poderes previstos na proposta de lei em

discussão, deixam de haver essas dúvidas e penso que deveria existir um

maior reforço de clarificação legal. A ideia do gabinete do juiz aparece por

causa dessa fricção entre os funcionários e o juiz. Os juízes sentem que os

funcionários são uma outra coisa, que a secção é outra coisa, que não podem

dar instruções concretas. Os juízes consideram que precisam de um apoio de

proximidade que responda de uma forma mais rápida e, portanto, cria-se a

ideia do gabinete do juiz. Um juiz já poderia socorrer-se desses funcionários e

organizá-los doutra maneira, se as coisas no relacionamento funcional com o

escrivão e na relação de dependência funcional do escrivão não estivessem

como estão. Vamos avançar para uma coisa, que a proposta de Lei Orgânica

prevê, que são os núcleos de assessoria técnica, não se sabendo muito bem

ainda o que é que será, mas será qualquer coisa entre o gabinete do juiz que

vem previsto no pacto para a justiça e outra dimensão de assessoria.

OPJ: Estamos aqui a falar no âmbito da tramitação de processos, porque o

gabinete de assessoria técnica, tanto quanto percebo, é realmente o apoio do

juiz para decisões.

P5: Espero que não seja só isso.

P1: E estamos a falar de tramitação de processos.

P5: Não se está com certeza a pensar, espero eu, num corpo especial de

peritos.

P1: É que a coisa não está explicada.

OPJ: Estou a falar da tramitação de processos, estou a falar da possibilidade

do juiz, digamos assim, no fundo programar a sua agenda.

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Anexo B

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P5: Mais uma vez reafirmo que as questões são de articulação, com alguma

complexidade, porque tem que se ver numa perspectiva de sistema e de

organização. Se for clarificado que o objectivo dos tribunais é proferir decisões,

compor litígios, fazer pacificação social, deve entender-se que os objectivos da

função jurisdicional e os objectivos dos senhores escrivães e dos outros

funcionários têm que ser comuns e têm que se articular numa organização com

alguma uniformidade de critérios e de finalidades e de objectivos. Portanto, a

estratégia das secções tem que ser articulada com a estratégia da função

jurisdicional. Mais, não entendo que a função jurisdicional seja prosseguida

sem se perceber muito bem que o corpo de funcionários judiciais que estão nos

tribunais fazem parte dos tribunais e não da administração executiva do

Estado, mas isso levar-nos-ia um bocadinho mais longe. Não faço parte

daquela corrente de juízes que pensa que o gabinete do juiz é, no fundo, para

criar um território de função jurisdicional dentro daquilo que é a área e do

território dominado pelos senhores escrivães e pelos senhores secretários

judiciais. Nada disso. O gabinete do juiz era, no fundo, para aqueles casos em

que o juiz é confrontado com muitas tarefas materiais, com litigação com

alguma complexidade ou muita litigação massificada, permitir que

determinados actos materiais, que estão muito ligados à função jurisdicional,

fossem produzidos por algum secretariado ou por algum corpo de pesquisa de

jurisprudência ou de investigação que, obviamente, os senhores funcionários,

nem os escrivães, nem os escrivães auxiliares estão preparados para fazer.

Portanto, tinha a ver com isto e não tanto com dizer que os escrivães ou os

secretários ou as secções judiciais não fazem parte também dos tribunais,

assim como o juiz o faz, e que as funções não sejam coordenadas, as funções

de uns e de outros.

Outro problema importante tem a ver com a falta de meios e de instrumentos

até empíricos, estatísticas, de contingentação, que devem permitir ao juiz fazer

ele próprio a organização e gestão do seu trabalho e também do trabalho da

secção. Sem a existência desses meios empíricos, nada é possível fazer. O

juiz não está informado, não só porque, por vezes, se contém um pouco no

núcleo da sua função jurisdicional, porque não tem mais tempo disponível para

fazer outro tipo de tarefas, mas também porque não lhe é disponibilizada

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

306

informação para tanto. Não é possível um eficaz funcionamento do sistema

judicial onde não existem estatísticas tratadas ao nível de cada secção, que

permitam perceber que tipo de processos estão ali em causa, onde vai existir

contingentação, quais são os objectivos para o juiz no sentido de dizer quantas

decisões ele deveria dar, que tipo de processos é que deve tramitar ou mesmo

qual é o tempo em que devia prosseguir determinadas tramitações

processuais. O problema não tem a ver só com os actores em si, mas sim com

a falta de meios e de instrumentos e a questão estatística, a informação

empírica é uma questão fundamental. Daí eu ver como fundamental aquela

previsão na Lei Orgânica de que se deve disponibilizar aos Juízes Presidente a

informação estatística, mas, compreenda-se, informação estatística que seja

adaptável às funções de cada tribunal em concreto, e não informação

estatística genericamente sobre o sistema, que depois tem de ser tratada para

chegar a determinados resultados. Portanto, não se atribua a cada juiz em

concreto a obrigação de estar a tratar informação estatística para poder avaliar

o que deve trabalhar num sentido, ou que deve atingir determinados objectivos

perante uma estatística que não está tratada.

P2: Dentro ainda da gestão do processo, sobre a previsibilidade, acho que de

uma vez por todas temos que perceber que, tendo a informação toda dentro

dos processos – e não é difícil no processo civil saber o que é que tem que se

trabalhar num determinado gabinete do juiz, não é difícil, não há surpresas...

P5: Desculpa, mas quando há realidades como a pequena instância cível em

Lisboa, em que ouvi um colega a falar sobre uma situação em que, de um

momento para o outro, teve que fazer assinaturas de visto em correição em

milhares e milhares de processos…

P2: Isso já lá estava, os processos já lá estavam, os processos não aparecem

de um dia para o outro.

P5: Estou a falar da realidade dos tribunais, não estou a falar de um País

diferente. Tive colegas colocados nos tribunais de execução que tinham

processos para autuar ainda de 2005, 2006, tinham milhares e milhares de

processos. Como é que é possível dizer, relativamente àquele juiz, que ele tem

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Anexo B

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a responsabilidade perante a organização dos seus tempos de trabalho e da

sua disponibilização relativamente àqueles processos?

P2: Estamos a falar de um caso patológico…

P5: É a patologia da justiça cível em Portugal.

OPJ: A patologia da justiça cível não é igual em todo o lado, o País é muito

diferenciado.

P5: Onde é que se concentra a litigância cível no País? É no Porto e em

Lisboa.

OPJ: Hoje já não é assim, porque as regras competência territorial vieram

alterar essa situação.

P5: O que eu quero é reforçar a ideia de que a informação empírica, para

determinadas situações, é imprescindível. Ainda não tinha sido salientado aqui

que enquanto não houver essas ferramentas não é possível gerir, fazer gestão

processual. É muito simples.

OPJ: Tem toda a razão, mas estávamos agora numa outra questão que não foi

explorada. Não é possível haver gestão processual sem haver instrumentos

que nos permitam essa gestão. A informação estatística, a transparência, são

fundamentais. Hoje, o sistema, o CITIUS, o Habilus, permite conhecer a

realidade dos tribunais em termos de litigância. Os juízes podem, no seu

gabinete, saber mais, podem saber quantos processos com conclusão aberta

têm há vinte dias, há trinta dias, está lá isso tudo. Esses indicadores estarão à

disposição do Juiz Presidente. O tribunal pode ter um sistema intranet onde

são publicados determinados indicadores.

P5: Nos sistemas em que a gestão processual já foi implementada é conhecido

que trabalham com informação estatística, até em países da América do Sul.

Portanto, estamos muito atrasados, muitos e muitos anos, a esse nível.

OPJ: Tem toda a razão, sem essas ferramentas, sem esses indicadores não é

possível uma eficaz gestão processual. Mas, o juiz do processo ou o juiz que

tem a direcção de quinhentos ou seiscentos ou setecentos processos, como é

que ele se programa? Como é que ele se programa ou como é que podemos

fazer para evitar que realmente ele numa semana tenha vinte saneadores e

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

308

nas três semanas seguintes não tenha nada. Que mecanismos devem ser

alterados para que esta interacção funcione de outra maneira?

P4: Porque, actualmente, o juiz é uma entidade na maior parte dos casos

passiva, agora falta é ter um poder de orientação maior.

P1: A lei contém a descrição funcional das tarefas do escrivão e do secretário

de justiça. Mas também diz que as actua mediante orientação superior. Depois,

a Lei Orgânica dos Tribunais diz que é ao Presidente do tribunal que compete

orientar superiormente as secretarias. Logo, se o Presidente do tribunal der

orientações no sentido da secretaria agir de determinada forma, penso que o

assunto da articulação juiz/secretaria pode ser resolvido e não vejo como é que

nos tribunais pode existir outro entendimento.

OPJ: No trabalho de campo que fizemos é salientado pelos juízes a

impossibilidade de gestão das suas agendas e dos processos. O que vos

pergunto é: o que vêem que deve ser alterado?

P4: Há uma cultura nos funcionários judiciais no sentido de darem prevalência

ao cumprimento dos despachos. O que o juiz despacha transforma-se no

primeiro objectivo de serviço para o funcionário, ele quer cumprir logo,

deixando parados os outros processos até que, um certo dia, se lembra de

“tirar prazos”. As inspecções do COJ também fomentam esta actuação. As

inspecções, na avaliação que efectuam ao desempenho dos funcionários, dão

prevalência ao cumprimento atempado dos despachos e decisões proferidas e

não ligam tanto ao que está lá parado há anos. Devia haver aqui um equilíbrio

e neste domínio o juiz devia também dar orientações à secção.

P1: Conheço talvez cerca de meia dúzia de casos, mas certamente haverá

mais, de juízes que dão ordens, provimentos, em concreto à sua secção de

processos no sentido de limitar o número de processos diários submetidos a

despacho. Talvez seja até um bocadinho de exagero, mas nalguns casos até

se identifica o número de processos que devem ser colocados em

determinadas datas.

P3: Na minha perspectiva, tenho sérias duvidas que esses provimentos sejam

legais. Se o provimento significa que se bloqueia o acesso dos processos,

tenho dúvidas que seja legal, isto é, um processo já está em fase de conclusão

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Anexo B

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e não cabe nos números que o juiz fixou, tenho dúvidas da legalidade desses

provimentos. O Código diz quais são os prazos, não há mais nenhuma regra,

que eu saiba.

P2: Esse é que é o problema, não há mais nenhuma regra.

P3: Não há mais nenhuma regra, mas terá de haver, isso já é diferente. Acho

que é o problema mais grave dos tribunais actualmente e acho que é o

problema mais grave dos pequenos tribunais actualmente.

P5: Aí acredito que a reforma da lei ajude alguma coisa.

P3: Tem que ajudar, porque isto não funciona assim. Ou há previsão legal ou

não há.

P1: Estes despachos são dados desta maneira e, do meu ponto de vista, acho

um exagero, mas do ponto de vista orgânico-funcional são legais.

P3: São legais se não impedirem o tramitar normal do processo. Se disserem

só me abrem cinco conclusões e se daí resultar que os processos estão

parados excedendo os prazos para abertura da conclusão não me parece que

seja legal. Deve, no entanto, vir a corrigir-se legalmente.

OPJ: Vamos lá ver. A lei não pode resolver todos os problemas. Estamos a

falar de gestão de processos, e esta dimensão de articulação com a secretaria

é importante.

P1: Se o despacho do juiz for justificado, por exemplo se ele tiver milhares de

processos e se for confrontado com centenas de processos a entrar no mesmo

dia no gabinete, é perfeitamente legítimo que ele diga: os processos entram-me

da forma organizada que indico.

P3: Mas queria pôr outra dúvida. Porque é que isso sistematicamente acontece

no processo civil, se são os mesmos juízes?

P1: Mas também no processo penal.

P3: Não tem comparação nenhuma os atrasos que há no processo civil com os

atrasos que há no processo penal. Vai-se a uma comarca, estou a falar das

comarcas novas, uma comarca de primeiro acesso, todo o crime está em

ordem ou quase todo e o cível está todo parado. Há uma diferença nítida, são

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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as mesmas pessoas, são os mesmos funcionários, e nunca nos perguntamos

porque é que acontece num caso e não noutro.

OPJ: Porque há regras que no penal funcionam e no cível não funcionam.

P3: Porquê? Porque têm que ler a sentença numa data certa?

OPJ: Exactamente, funciona como uma regra de gestão.

OPJ: Não é possível fazer-se gestão de processo quando os processos

chegaram ao fim da fase dos articulados e ficam na prateleira. Ou ficam na

prateleira da secção ou ficam na prateleira do computador, é igual.

P3: Isso é importante, não serve de nada se não tivermos uma visão de

conjunto do tribunal. Dizer que não pode vir para o juiz, senão o atraso fica no

juiz, mas ficar na secção. A visão deve ser de conjunto.

P1: Vou dar um exemplo ilustrativo: houve um inspector que, no mesmo

tribunal, propôs uma má classificação a um juiz que tinha processos conclusos

no gabinete com imensos atrasos e a outro juiz propôs-lhe a mesma

classificação quando esse juiz não tinha nenhum processo em atraso no seu

gabinete, mas os processos estavam quase todos parados na secção de

processos que não lhos apresentava para despacho. Este segundo juiz reagiu

e disse que não tinha processos nenhuns na sua secretária, em atraso, pelo

que a classificação proposta não se compreendia. O inspector respondeu-lhe

que os tinha na sua secção de processos e imputou-lhe a falta de não se ter

preocupado em saber sequer o que é que estava lá em atraso. Compreendo

bem este inspector. A lógica de responsabilidade de um juiz limitada ao

processo com conclusão aberta para despacho é uma lógica errada.

OPJ: Sabemos que há tribunais onde se tiram prazos duas vezes no ano, ou

três vezes no ano, ou de três em três meses. Não pode haver gestão eficaz de

processos com este sistema de tirar prazos. Que medidas para alterarmos esta

prática?

P5: Se compreendermos a gestão do trabalho da secção como inserida na

gestão de todo o trabalho do tribunal, obviamente que a gestão deve obedecer

a orientações do Juiz Presidente válidas para o tribunal. O tipo de gestão que o

juiz deve fazer é a mesma a que a secção se deve submeter. Acredito que

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Anexo B

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exista alguma dessintonia entre regras de organização e gestão dos tribunais e

de gestão processual com as regras legais. Os senhores escrivães podem

responder que também têm prazos para cumprir os despachos e prazos para

abrir conclusões. E aí acredito que a solução legal para clarificação das coisas

vai no sentido de submeter esse trabalho de secretaria, e até os prazos de

cumprimento dos despachos judiciais e das decisões, a objectivos de gestão

processual e de organização do sistema, que não estão compatíveis.

Actualmente são os advogados a dizer que nós temos prazos para tudo

preclusivos e os juízes não têm prazos preclusivos. E levanto então a questão,

a existência de prazos preclusivos para o juiz, como é que é isto, é compatível

com a gestão dos tribunais e dos processos? Não é. Acredito que não é a

mesma questão para os escrivães e para os funcionários.

P2: Não há prazos para o juiz e para os funcionários, há prazos do processo.

P1: Esta questão não está a ser bem vista, porque os prazos são para todos.

Se os escrivães e os funcionários são o elo da cadeia mais baixo e se o juiz

responsavelmente der uma determinada ordem de serviço eles têm que

cumprir. A lei que têm que respeitar é que permite essa ordem.

P5: Acredito que na razoabilidade dos princípios isso seja assim, mas a lei não

devia permitir interpretações deste género e a verdade é que lei permite.

P1: Tive uma vez um escrivão que levava a sua autonomia no cumprimento da

lei a tal ponto que sucedeu o seguinte, que conto como ilustração: verifiquei

que as partes requeriam exames periciais, apresentavam quesitos e ele não os

juntava no processo, colocava-os apensos por linha; os quesitos perdiam-se,

até porque depois eram entregues aos peritos e não ficava cópia no processo;

eu disse-lhe verbalmente: “passa juntar os quesitos no processo e depois tira

cópias para os peritos”; e ele respondeu “a minha interpretação da lei não é

essa, não faço”; disse-lhe “então vou ter que dar um despacho no processo

para o senhor fazer como digo”; ao que ele me respondeu com um “…e eu

recorro desse despacho”. A breve discussão acabou assim e, no dia seguinte,

ele reconheceu o absurdo do episódio. Mas o grau de autonomia ao nível de

interpretação da lei era tanto, que em vez de acatar as orientações funcionais

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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que lhe devem ser dadas, ele achava que podia discutir uma decisão do juiz no

mesmo plano que as partes do processo.

P3: A última coisa que devemos desprezar é os prazos quando falamos de

eficácia.

P5: Os prazos não podem ser entendidos individualmente para cada tipo de

processo, mas é isso que vai acontecer, porque os processos não entram

todos no mesmo dia no tribunal, por isso é que os prazos não vão correr ao

mesmo tempo e a lei não dá um dia para despachar.

P3: Tenho vinte dias para dar o despacho. O que é que acontece? Não dou em

vinte dias, já não o dou. Isso não pode ser assim. Podem ser é “cominatórios”

para a minha posição e, por isso, é que há as inspecções. Mas para o processo

não pode ser assim. O juiz não pode criar mecanismos através de provimentos

do qual resulte essa visão de que os prazos justamente não são horizontais,

porque se o juiz diz assim, “só me conclui cinco saneadores por semana”, e

isso impede que sejam cumpridos os prazos na secção, não vejo como é que

isso tenha fundamento legal.

P1: E porque é que há-de ser o escrivão a dizer “eu só tiro prazos de três em

três meses”?

P3: Não tem que se tirar prazos, é o contrário, estou justamente a dizer que

não tem que se tirar prazos. Isso então ainda era pior, porque as coisas correm

segundo os prazos da lei. Tirar prazos ainda é pior.

P1: Mas essa é uma conversa para capacidades ideais, nós estamos a falar de

capacidades adulteradas…

P3: Porque o tirar prazos não é nada, quer dizer, tirar prazos significa vamos

ultrapassar o prazo para tirar tudo ao mesmo tempo.

P4: Acho que aqui devia haver uma co-responsabilização do juiz pelo

funcionamento da secção, porque o juiz apercebe-se quando tem uma secção

que trabalha ou que não trabalha.

P5: Há aqui dois tipos de pensamento nesta discussão. O pensamento de cariz

individualista e aquele outro que passa por uma concepção colectiva de

organização. Nesta concepção, o juiz não pode, sem qualquer critério de

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Anexo B

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racionalidade e de integração de critérios de gestão dos processos do seu

próprio tribunal, tomar decisões que não fossem as mais adequadas ao seu

trabalho e ao do escrivão, numa perspectiva de gestão processual. O que não

é compatível com o funcionamento do sistema é existirem colegas nossos que

têm muita atenção pelo trabalho da secção e, às vezes, dão provimentos

completamente irrazoáveis, porque não se inserem em qualquer estratégia

racional de gestão processual, havendo outros ainda que descuram

completamente essa atenção. O case management aqui insere-se na gestão

do tribunal e o tribunal numa organização, portanto, nunca pode haver uma

decisão do juiz que a seu belo prazer venha criar critérios de ordem particular.

A informação empírica é indispensável para criar esses objectivos e critérios

objectivos e coordenados.

P3: A lei pode dar uma ajuda. Por exemplo, a marcação de julgamentos. O juiz

deve ver se pode marcar para todos os dias ou para todas as manhãs de todos

os dias. Alguns, por exemplo, estão a marcar a dois meses e meio e estão a

marcar de segunda a sexta. Mas depois não sobra tempo para mais. Há muitas

coisas a gerir.

P4: (…) o juiz deve exercer o poder relativamente ao conjunto de funcionários

que trabalham com os seus processos e ele não pode ignorar se os processos

estão ou não parados há muito tempo. Claro que ele sabe, se não sabe é muito

incompetente. (…)

O que eu verifico é que às vezes há pessoas que se acomodam e que até

gostam dessas situações em que a secção não produz e até a fomentam. Isso

não pode ser. As coisas não podem ser vistas separadamente. Estamos num

processo de transformação e, no futuro, talvez o magistrado é que tenha que

ter mesmo toda a competência disciplinar sobre o funcionário, porque está a

trabalhar com ele, o trabalho do juiz depende do trabalho da secção e o ritmo

da secção também depende muito do nível de desempenho do magistrado. Os

objectivos a definir para os funcionários dependem muito do que são também

os objectivos daquele magistrado para a sua secção. Está tudo interligado. O

que não pode haver é o juiz de costas voltadas para a secção e a secção de

costas voltadas para o juiz. E o juiz é que tem, de facto, o poder de direcção

dos seus processos, mas também tem que ter algum poder para interferir no

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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funcionamento da secção e não se pode alhear e dizer tenho o serviço em dia

quando a secção não lhe faz conclusos os processos.

P5: Há que ver que há aqui um campo de liberdade em que estávamos

habituados a trabalhar que vai ter que ser cerceado a troco de objectivos

comuns. Há uma gestão, até agora, relativamente discricionária, de liberdade

quase total (quase caos), sem critérios e que tem que mudar. Na litigância

tradicional as regras de processo eram suficientes para originar um bom fluxo

dos processos. Há muitos anos que não o são e, obviamente, a máquina dos

tribunais tem que funcionar de acordo com os objectivos e com as exigências

de funcionamento do sistema, e a organização tem que estar preparada para,

em articulação complexa, saber compatibilizar a função jurisdicional com

independência e autonomia e, ao mesmo tempo, com critérios de organização

e gestão. O juiz, a partir de agora, não vai dominar como dominava o

agendamento das audiências de julgamento, vai ter que compatibilizar a sua

função jurisdicional com determinados objectivos quantitativos, vai ter que

trabalhar um pouco em função da eficácia do sistema e, portanto, vai ter que

produzir decisões de acordo com critérios quantitativos e de qualidade. Esses

objectivos não podem é, obviamente, contender com aquele núcleo

fundamental da função jurisdicional, isto é com a independência que tem que

ser suficiente para que no final se possa dizer que aquela decisão foi tomada

num sistema que respeita a autonomia e independência dos tribunais e a

imparcialidade de decisão. Agora, tudo isto é de articulação muito complexa,

porque há aqui uma dimensão profissional que é intocável e depois há uma

dimensão burocrática, de organização que também tem que funcionar bem. E

nunca em nenhum sistema houve a compatibilização óptima. Há sempre

conflitos entre uma dimensão e outra.

P3: Temos que ter em atenção que estamos a mudar de modelo e podemos

rapidamente ir para uma ideia de produtividade. Penso que estão aqui em

causa algumas coisas que se podem mudar, nomeadamente a marcação das

audiências. Temos uma lei que esclarece como devem ser marcadas as

audiências e que não tem qualquer utilidade, quer dizer, não tem qualquer

utilidade para estes problemas. A lei diz que tem que ser marcado a três meses

– se uma pessoa fosse a cumprir o que ela diz… às vezes três meses e meio já

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Anexo B

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lá fica tão bem marcadinha e não poderia ser! – e que se devem colocar em

cada dia o número de testemunhas que em cada dia se podem ouvir. Não há

mecanismos legais também que ajudem. Claro que se corrigíssemos a

suspensão da instância, se as pessoas não pudessem suspender logo no dia,

isso ajudava alguns dos juízes que marcam bem e que todos os dias são

confrontados com isso. Talvez aqui, como noutros casos, tenha que se ir por

vários caminhos. A estatística também está a mudar, se não for usada

perniciosamente, ajuda, claro, ao agendamento. Acho que este é um problema

muito grave, especialmente dos juízes novos, o que é mais grave porque se

habituam e têm dificuldades. Então nas comarcas de primeiro acesso, só lá

estão um ano, num ano como é que se pode ter autoridade para uma secção

que lá está há vinte?

P5: Por isso é que eu disse que é bom fazer a apologia desse espaço

independência nas funções jurisdicionais, porque, obviamente, podemos ter

distorções. Juízes a trabalhar para a estatística leva à diminuição da qualidade

das decisões, à falta de equidade e de justiça das decisões.

P3: A estatística tem que ser um instrumento, mas de utilidade à gestão, mas é

muito difícil quando se está um ano numa comarca, onze meses.

P5: Por isso é que eu digo que não há outra fórmula de adequar o

funcionamento eficaz do sistema e a organização do sistema com a dimensão

profissional, que tem que ser aqui garantida, senão através da figura do Juiz

Presidente. Ele é a pedra de toque da gestão do sistema. Ele faz a intercepção

entre a dimensão profissional e a burocrática. Não podia ser senão um juiz a

presidir a um tribunal, porque parte dele a garantia de que os mecanismos de

organização e gestão do sistema não vão contender com a função jurisdicional.

OPJ: Esta é uma discussão que se tem que continuar fazendo. Talvez a

mudança possível seja de pequenos passos.

E devo dizer-vos também que, ao contrário da ideia veiculada por alguns

juízes, de que os funcionários têm uma grande resistência às orientações dos

senhores juízes, não temos essa impressão do trabalho de campo. Há o

entendimento de que a organização deve funcionar como um todo e que tem

que haver, de facto, mais interacção. Assumem que há pontos de tensão que

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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tem que ser ultrapassados e deram ideias concretas, nomeadamente para os

ultrapassar. Por exemplo, entendem que é fundamental que seja sempre o

mesmo funcionário a trabalhar com o juiz nas diligências, na sala de

audiências.

P3: O papel dos secretários é fundamental. A capacidade dos secretários para

efectuar pequenas mudanças, para readaptar os meios humanos em

conjugação com o juiz, distingue a produtividade e a eficácia de um tribunal de

uma maneira claríssima relativamente a outro.

OPJ: Mas há coisas que talvez a lei tenha que ser um bocadinho mais

indicativa, porque não pode ser deixado isso só a orientações, a directivas, à

disponibilidade, digamos assim, da pessoa. Há aqui um conjunto de pequenas

coisas que foram avançadas que se podem ir fazendo no sentido da mudança

das rotinas e da cultura judiciária.

P4: Claro que a capacidade de liderança de um secretário faz toda a diferença,

desde logo até na própria relação com os magistrados, tudo está ligado.

OPJ: Mas deixe-me dizer, apesar do secretário e apesar dessa proactividade

fazer a diferença, no mesmo tribunal e, com o mesmo secretário, tem, de facto,

situações e desempenhos altamente diferenciados. É preciso encontrarmos

aqui alguns mecanismos que ajudem a ultrapassar estas situações.

P4: Vamos falar aqui num caso concreto. Num tribunal prescrevem processos

diariamente. É um tribunal com muito trabalho, há lá muitos magistrados, o

senhor secretário-geral é alcoólico, mas os senhores juízes não se queixam

dele. O que eu quero dizer é que há situações em que o próprio tribunal é

conivente, porque há aquela ideia, “eu não tenho nada a ver com isto”. Há

inspectores, mas os inspectores também não dizem tudo, porque esse

funcionário continua a ter muito bom e é alcoólico há vários anos. (…)

P5: No quadro da reforma, penso que seria possível que determinados

aspectos legais pudessem ser aplicados aos novos tribunais, nomeadamente a

questão da presidência e da administração dos tribunais, criando-se alguns

círculos e definindo-se que a presidência dos tribunais, relativamente àquelas

em que não fossem criadas as circunscrições, seria presidida em conjunto com

os tribunais.

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Anexo B

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A administração e gestão dos tribunais, segundo o novo modelo, vai estar

dependente de muita coisa e de algumas coisas pesadas como são a definição

territorial, especialização dos tribunais e os equipamentos judiciários. Acho que

era possível ter ganhos de administração e gestão no funcionamento do

sistema judicial enquanto tal, mudando as regras de gestão dos tribunais. Isso

era possível fazer-se, mas foi-se para uma solução que, se calhar, não é a

mais benéfica.

OPJ: Só a figura do Juiz Presidente, sem introduzirmos outras mudanças

nestes mecanismos, não resolve todos os problemas.

P4: A figura do Juiz Presidente é tão contestada, mesmo aqui entre nós. Está a

ver os medos que há da figura do Juiz Presidente?… e há aí juízes que nem

querem ouvir falar disso. Agora imagine, de repente, estender esta situação a

todo o País. Não acho muito avisado.

P5: Esse conflito relativamente ao Juiz Presidente, tem muito a ver com o

reflexo do debate interno entre os juízes, com a ideia de que há juízes que são

contrários à ideia do Juiz Presidente e isso não é verdade. A controvérsia é

relativamente às competências. É que todos os juízes confrontados com a ideia

de quem é que deve fazer administração e gestão dos tribunais, eles dizem

que é um juiz. E, portanto, chamem-lhe outra coisa qualquer, mas é a figura do

Juiz Presidente enquanto tal. Os juízes são contrários à ideia do Juiz

Presidente quando lhes dão a ideia do paradigma francês.

OPJ: De facto, da nossa experiência, há uma reacção negativa quando se fala

no Juiz Presidente, com competências mais do que aquelas que dizem respeito

à gestão das infra-estruturas e dos funcionários.

P5: Então é admissível que seja o administrador a fazer esse tipo de tarefas?

P3: Não, estás a por a questão como uma inevitabilidade.

P5: Mas é inevitável.

P3: Mas, para eles não.

P5: Mas não é o quê?

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Para um Novo Judiciário: qualidade e eficiência na gestão dos processos cíveis

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P3: Estás a dizer assim, então em vez de um Juiz Presidente ponham um que

não é juiz. Não, eles não querem essa pergunta. Actualmente é preciso

alguém?

P5: Claro que é preciso.

P3: Não é isso que estou a dizer. Existe Juiz Presidente com os poderes que

tem actualmente e que, para qualquer mudança, podia ser juiz ou não juiz.

Claro que se perguntarmos se querem que seja um não juiz, eles vão dizer: “

que disparate”.

P4: Mas dizem que como está, está bem.

P3: Isso era uma segunda pergunta.

P4: Defendem que a figura do Juiz Presidente como está, está bem. Há de

tudo.

P3: E se alargasse os poderes do Conselho directamente, era viável.

P5: Era isso que estava a dizer. O Juiz Presidente já existe e, portanto, isso

não é discutível, a questão tem a ver com as competências. Depois, seria

razoável, se subirmos o patamar de qualidade da discussão pública, que não

existe entre os juízes; porque cada um fala de outras coisas que não das

questões fundamentais e depois existem factores que entram dentro da

discussão que não são os mais apreciáveis. Se há um grupo de juízes que

apoiam uma determinada ideia, os outros que são daquele grupo ideológico, de

afinidade, apoiam uma solução diversa. Se formos ver, todos estamos de

acordo com as soluções, mas só para termos uma opinião diferente e

marcarmos o nosso espaço dentro do corpo judiciário, até por razões eleitorais,

para perceber quem domina dentro do corpo judiciário, assumem-se estas

posições. Há muito de artificial na discussão dos juízes sobre a função do Juiz

Presidente, porque confrontados com a realidade e com os outros modelos

alternativos, obviamente que dizem que este é o único possível.

P3: Sim, mas podia ter poderes muito diferentes. O Conselho podia ter mais

poderes e o Juiz Presidente menos, o administrador podia ter outros poderes.

P5: Mas não podemos dizer que eles estão em desacordo com a figura do Juiz

Presidente.

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P5: Há um espaço de liberdade, que acho que deve existir, não pode é existir

com atitudes defensivas e como estratégia…

P1: Penso que, conversando, não há resistências nenhumas, há uma

compreensão boa.

P3: Mas, as pessoas têm opiniões sobre, por exemplo, quem deve ser o Juiz

Presidente, como é que devem ser ou não eleitos os Juízes Presidentes,

critérios que devem presidir à sua escolha. Tudo isso é muito relevante. Mesmo

que o aceitem, é legítimo que haja muitas reticências consoante depois a

concretização dos diversos pontos que levaram à sua escolha…

OPJ: Resulta, de facto, do trabalho de campo, que há uma grande

preocupação, interrogação sobre quais são os critérios que devem prevalecer à

designação, à escolha de determinado magistrado para Juiz Presidente. Muitos

magistrados enfatizam o conhecimento das características de determinada

circunscrição. A questão da legitimidade, quer dizer, de se encontrar aqui

critérios que façam que essa pessoa seja legitimada, é uma questão

transversal, embora depois os critérios que conferem essa legitimidade possam

ser um bocadinho diferentes.

P4: E defendem um par deles ou alguém acima?

OPJ: Encontrámos posições diferentes e há pessoas que defendem acima e

há outros que defendem um par. A ideia é de alguém a quem deve ser

reconhecida legitimidade.