Parafernalias I: Diferenca - Artes - Educacao - Versao Digital

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DANIELE NOAL GAI WAGNER FERRAZ (org.) P A R A F E R N Á L I A S | Diferença Artes Educação 1ª Edição Porto Alegre INDEPIn 2013

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Desobrigados, textos e autores. Por abandono de referências. Catando moldes justos. Necessário à curiosidade. Metodológico na medida do credo. Prescritivo se assim for manuseado. Didático, sim. Por parafernálias epistemológicas. Por poesias abertas e desobjetivas. Licenciaturas e diferença [a potencial criação de um espaço de confluência entre ciência, filosofia, artes e coisas de escola]; Arte contemporânea, poesia, contrassensos, nexos e educação [a exploração de artefatos das artes para a inversão de axiomas e proposições para a educação e, quem sabe, para uma tal inclusão]; – Parafernálias [tudo que couber e que não tiver cabimentos].

Transcript of Parafernalias I: Diferenca - Artes - Educacao - Versao Digital

  • DANIELE NOAL GAI

    WAGNER FERRAZ

    (org.)

    P A R A F E R N L I A S |Diferena Artes Educao

    1 Edio

    Porto AlegreINDEPIn

    2013

  • Copyrigth @ 2013 Daniele Noal Gai & Wagner Ferraz (Org.)

    Organizao: Daniele Noal Gai & Wagner Ferraz

    Projeto Editorial: INDEPIN - Miriam Piber Campos

    Processo C3 - coletivo de vrias coisas - Wagner Ferraz

    Capa: Anderson Luiz de Souza e Lusa Trevisan Teixeira

    Arte da capa: Anderson de Souza

    Layout e diagramao: Diego Mateus e Wagner Ferraz

    Reviso de Texto: Carla Severo Trindade

    INDEPIn Editora - Coordenao EditorialMiriam Piber Campos e Wagner Ferraz

    2013INDEPIn Editora

    www.indepin-edu.com.br

    Bibliotecria Responsvel: Ana Lgia Trindade CRB/10-1235

    P22 Parafernlias I: diferena, artes e educao. / organizao de Daniele Noal Gai Wagner Ferraz. Porto Alegre: INDEPIN, 2013. 221p.: il.

    ISBN: 978-85-66402-02-5

    1. Educao. 2. Artes. 3. Textos poticos. I. Gai, Daniele Noal. II. Ferraz, Wagner.

    CDU 37.01

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    INDEPIN INSTITUTO

    O Instituto de Desenvolvimento Educacional e Profissional Integrado INDEPin oferece cursos livres em diferentes reas e atua como Editora, atravs de publicaes colaborativas em formato impresso sob demanda e em formato digital para download gratuito. O Instituto no visa lucro com essas propostas de publicao, apenas busca contribuir para que produes de diferentes reas sejam disponibilizadas facilitando o acesso.

  • INDEPIN INSTITUTO

    O Instituto de Desenvolvimento Educacional e Profissional Integrado INDEPin oferece cursos livres em diferentes reas e atua como Editora, atravs de publicaes colaborativas em formato impresso sob demanda e em formato digital para download gratuito. O Instituto no visa lucro com essas propostas de publicao, apenas busca contribuir para que produes de diferentes reas sejam disponibilizadas facilitando o acesso.

    DANIELE NOAL GAI

    WAGNER FERRAZ

    (org.)

    P A R A F E R N L I A S |Diferena Artes Educao

    1 Edio

    Porto AlegreINDEPIn

    2013

  • Copyrigth @ 2013 Daniele Noal Gai & Wagner Ferraz (Org.)

    Organizao: Daniele Noal Gai & Wagner Ferraz

    Projeto Editorial: INDEPIN - Miriam Piber Campos

    Processo C3 - coletivo de vrias coisas - Wagner Ferraz

    Capa: Anderson Luiz de Souza e Lusa Trevisan Teixeira

    Arte da capa: Anderson de Souza

    Layout e diagramao: Diego Mateus e Wagner Ferraz

    Reviso de Texto: Carla Severo Trindade

    INDEPIn Editora - Coordenao EditorialMiriam Piber Campos e Wagner Ferraz

    2013INDEPIn Editora

    www.indepin-edu.com.br

    Bibliotecria Responsvel: Ana Lgia Trindade CRB/10-1235

    P22 Parafernlias I: diferena, artes e educao. / organizao de Daniele Noal Gai Wagner Ferraz. Porto Alegre: INDEPIN, 2013. 221p.: il.

    ISBN: 978-85-66402-02-5

    1. Educao. 2. Artes. 3. Textos poticos. I. Gai, Daniele Noal. II. Ferraz, Wagner.

    CDU 37.01

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

  • Autores

    Amanda Maurcio Pereira Leite UFSCAnderson de Souza - FEEVALE

    Anelise Vargas UFRGSCarla Rodrigues UFPEL

    Cludia Rodrigues de Freitas UFRGSCarla Karnoppi Vasques UFRGS

    Cristian Poletti Mossi - UFSMDaniela Medeiros SMED Iju/RS

    Daniele Noal Gai UFRGSEduardo Silveira UFSC

    Elisandro Rodrigues SMED Sapucaia do Sul/RSFelipe Leo Mianes - UFRGS

    Jlia Reis Rede de Ensino de Porto Alegre/RSLarisa da Veiga Vieira Bandeira UFRGS

    Lusa Trevisan Teixeira - UFRGSLorena Mansanari Saibel UFRGS

    Mximo Daniel Lamela Ad - UFRGSOlvia de Andrade Soares - UFRGS

    Patrcia Graff SMED Iju/RSRenata Ferreira da Silva - UFSCSamira Lessa Abdalah UERGS

    Tiago Cortinaz UFRGSWagner Ferraz UFRGS

  • Sumrio

    Apresentao - 9Carla Rodrigues UFPEL

    Notas de Abertura - 11Daniele Noal Gai UFRGS; Wagner Ferraz UFRGS

    Sobre realidade e fico no drama do intelecto - 15Mximo Daniel Lamela Ad - UFRGS

    Carta ao crnio - 35Eduardo Silveira UFSC

    Pequena nota sobre o texto - 39Renata Ferreira da Silva - UFSC

    giZ de Hercia - 43Daniela Medeiros SMED Iju/RS; Elisandro

    Rodrigues SMED Sapucaia do Sul/RS

    Inventrios Escolares - 51Larisa da Veiga Vieira Bandeira UFRGS

    Dos mapas mentais s redes e corpos que se expandem/exparzem - 59

    Cristian Poletti Mossi - UFSM

    Por uma pedagogia de estourar bales - 67Lorena Mansanari Saibel UFRGS; Olvia de Andrade Soares - UFRGS

  • Saindo das brechinhas da incluso - 77Daniela Medeiros SMED Iju/RS; Patrcia Graff

    SMED Iju/RS

    Anie Fac - 93Anderson de Souza - FEEVALE

    Agenciamento residual - 97Anderson de Souza - FEEVALE

    Nas fissuras do pensamento e da imagem: duas questes de um Seminrio Avanado em AICE

    [Autor-Infantil-Currculo-Educador] - 107Elisandro Rodrigues SMED Sapucaia do Sul/RS

    Arquivos - 121Lusa Trevisan - UFRGS

    Parada em movimento - 133Amanda Maurcio Pereira Leite UFSC

    O professor com chifres e a professora com asas, em salas de aulas com rabos-penas-escamas-patas-

    pintas-dentes... - 141Tiago Cortinaz UFRGS; Jlia Reis Rede de Ensino

    de Porto Alegre/RS

    Intervenes Pedaggicas e Necessidades Educativas Especiais: um olhar para alm da

    disciplina - 157Cludia Rodrigues de Freitas UFRGS; Carla Karnoppi

    Vasques UFRGS; Daniele Noal Gai UFRGS

  • 8 Por vagalumes: fotocartografia e deficincia visual - 177

    Anelise Vargas UFRGS; Daniele Noal Gai UFRGS; Felipe Leo Mianes - UFRGS

    pontos Sonhorficos - 199Samira Lessa Abdalah UERGS

    Corpo que dana: potncia para falsificaes de si - 209

    Wagner Ferraz - UFRGS

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    Apresentao

    Quais de ns no reunimos parafernlias no nosso dia a dia?! Trata-se de um conjunto de equipamentos necessrios para enfrentar a vida em cada ao qual nos lanamos. Por vezes, elas se encontram reunidas em uma caixa de ferramentas com palavras e coisas que nos afectam. Por outras vezes, com sensaes e sentidos os quais afectamos, desde as foras contemporneas que atravessam e constituem os modos atuais de existncia.

    isso que aqui encontramos: rabiscos, sussurros, ditos, gritos e escritos, em um primeiro movimento que coleta acontecimentos. Disso possvel fazer outra coletnea: de textos que falam da arte, da filosofia e da

    educao. Um esforo produtor de diferenas no limite de

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    variados domnios da investigao, curiosidade e afirmao

    de pensamentos que guiam as prticas profissionais, bem

    como professorais dos autores reunidos. Tarefa nada fcil tem sido transformar experincias em saberes quando o que queremos, prioritariamente, pr a vazar uma dada estrutura.

    Wagner Ferraz e Daniele Gai coordenam o Grupo Parafernlias. Mas no s isso. Eles tambm fomentam produes de seus integrantes e simpatizantes. Assim, temos em mos essa publicao com dezoito textos. So escrituras marcadas tanto pela preocupao cientfica como pela anlise artstica. Trata-se, portanto,

    de brindar - com caf quente perfumado ou bom vinho avermelhado - a coragem e talento dos autores ao fazerem frente s regras que enfraquecem os modos transdisciplinares de lidar com a Educao.

    Carla Gonalves Rodrigues

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    Notas de AberturaDaniele Noal Gai - UFRGS

    Wagner Ferraz - UFRGS

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    Desobrigados, textos e autores. Por abandono de referncias. Catando moldes justos. Necessrio curiosidade. Metodolgico na medida do credo.

    Prescritivo se assim for manuseado. Didtico, sim. Por parafernlias epistemolgicas. Por poesias abertas e

    desobjetivas.

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    Preparo ertico. Encontro amigo. Inverso. Risadas. Perverso. Regado a caf. Dentre as Avenidas Oswaldo

    Aranha Escadarias da Duque de Caxias Avenida Independncia e dependncias da Faculdade de

    Educao da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Almoos. Chimarro. Suco de laranja. Suco de

    limo. Comidinha vegetariana no Senhor japons. Do nono andar da Medicina as guloseimas doces. Gestado

    em 9 meses por uma grvida amiga e um amigo grvido de mestrado.

    *

    [toda mistura de corpos ser chamada de afeco - @G_deleuze, em sua Aula sobre Spinoza]

    *

    O desejo: fazer qualquer coisa que repercuta diferente. Que tenha o bvio e outras respostas para o bvio

    nem to bvio assim. Que lide e trate do simples na educao. Que lide e trate do alegre na educao. Que

    lide e trate, por essas vias, a diferena. Assim como quem opta pelo barro, pelos pincis, por retalhos e tinta

    em contrapartida do tdio, do catatonismo, da apatia, da prostrao, da indisposio, do entorpecimento, da

    indiferena, da excluso.

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    P A R A F E R N L I A S

    Nexos Artes Educao:

    trata-se de um grupo que comeou seus estudos em 2011/02, timidamente, e que no ano seguinte passou a encontrar-se para leituras e estudo, tateando a Filosofia

    da Diferena. Surgiu, da, a proposta de formao de um grupo que inclusse acadmicos de Licenciatura

    e contemplasse algumas de suas inquietaes no que se refere educao e suas possveis confluncias. O grupo, liderado pelas Professoras Daniele Noal Gai

    e Liliane Ferrari Giordani, e pelo Mestrando Wagner Ferraz, escreveu um projeto que foi registrado e avaliado

    pelo Departamento de Estudos Bsicos, passou pela anlise e aprovao da Comisso de Extenso da

    Faculdade de Educao e atualmente recebe incentivo e apoio da Pr-reitoria de Extenso da Universidade

    Federal do Rio Grande do Sul. Esta primeira publicao rene textos de pesquisadores, acadmicos, especialistas

    e curiosos convidados a escrever acerca da temtica central do grupo atualmente (ano de 2012): Diferena, Artes e Educao. Material este que quer dar a pensar a educao, ampliando e harmonizando sentimentos

    e expectativas em relao atuao em educao, favorecendo modestamente a formao profissional e a

    insero num trabalho condigno tica na educao.

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    P A R A F E R N L I A S

    Diferena Artes Educao

    O que compe este grupo de autores e seus textos?

    - Licenciaturas e diferena [a potencial criao de um espao de confluncia entre cincia, filosofia, artes e

    coisas de escola];

    - Arte contempornea, poesia, contrassensos, nexos e educao [a explorao de artefatos das artes para a inverso de axiomas e proposies para a educao e,

    quem sabe, para uma tal incluso];

    - Parafernlias [tudo que couber e que no tiver cabimentos].

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    Sobre realidadee fico no

    drama do

    intelecto

    Mximo Daniel Lamela Ad - UFRGS

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    Nil sapienti odiosius acumine nimio; na sabedoria, nada mais odioso que julgar-se sbio (cf. Poe, 1996, p.63). Edgar Allan Poe atribui a frase acima a Sneca, prefigurando-a como epgrafe no conto A carta roubada [The Purloined Letter, 1844]. Tal frase certamente poderia ter sido pronunciada por Auguste Dupin, personagem de Poe que aparece em trs de seus contos, a saber: A carta Robada, Os crimes da Rua Morgue e O Mistrio de Maria Roget. Dupin um detetive que resolve todos os casos [trs] a partir do uso da razo intuitiva, considerando que tudo so indcios para a derradeira resoluo, ou melhor, deduo. Em A Carta Roubada, Dupin deduz o mistrio pelo escrutnio da perspiccia do ladro. O detetive Dupin age pela aplicao de um mtodo indicirio, uma vez que concebe que a realidade, mesmo sendo opaca, deixa sinais que permitem decifr-la (Ginzburg, 2007, p.177). Tal mtodo est mais para a anlise do que para o clculo. O clculo, segundo Poe, exigiria mais da ateno. Temos como exemplo o jogo de xadrez, em que a probabilidade de erro, devido desateno, de nove entre dez, uma vez que o xadrez possui uma variedade complexa de movimentos, de modo que o que apenas complexo considerado profundo (1996, p.8, Grifo nosso). J a anlise exige menos da ateno e mais da perspiccia. Ele d o exemplo do jogo de damas, no qual os movimentos so nicos. No jogo de damas, devido pouca variao de movimentos, as probabilidades de erros so reduzidas. Neste jogo simplificado a acuidade de ambos os jogadores o que mais importa. Desse exemplo pode-se presumir que a anlise est carregada de intersubjetividade, enquanto o clculo baseia-se no exame atencioso do rigor quantitativo das probabilidades. Nas palavras de Poe, o analista mergulha no esprito de seu oponente, identifica-

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    se com ele e no raramente observa, assim, de relance, o nico mtodo (s vezes absurdamente simples) pelo qual pode lev-lo a erro ou a precipitao no clculo (1996, p.9). Deste modo Poe coloca em perspectiva de anlise, ou observao, a ideia de que um simples jogo de damas desafia mais decidida e proveitosamente os altos poderes do intelecto do que a frivolidade elaborada do jogo de xadrez (Poe, 1996).

    Esse exame de distino entre o clculo e a anlise destacadamente desenvolvido por Poe no conto The murders in the Rue Morgue, traduzido como Os crimes da Rua Morgue ou Os assassinatos da Rua Morgue. No entanto, o tema, como um problema a ser indagado, perpassa toda sua produo textual: ensaios, contos e poemas. No conto destacado acima o narrador o inicia com as seguintes palavras:

    As caractersticas mentais tidas como analticas so, em si, pouco passveis de anlise. Ns as apreciamos apenas em seus efeitos. Delas sabemos que, entre outras coisas, so sempre para quem as possui em alto grau uma fonte do maior prazer. Como o homem forte exulta em sua habilidade fsica, deleitando-se com exerccios que faam seus msculos agirem, tambm o analista se glorifica naquela atividade moral que desenreda. Ele deriva prazer at das mais triviais ocupaes que possam trazer seus talentos tona. Gosta de enigmas, de adivinhaes, de hierglifos; exibindo em cada uma das solues um grau de acumen [acuidade] que parece s mentes comuns, sobrenatural. Seus resultados, trazidos pela alma e essncia do mtodo, tm, na verdade, todo um ar de intuio. (Poe, 1996, p.7)

    Interessa-nos observar, partindo da temtica desenvolvida por Poe, certa fragilidade e incmodo

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    existentes na contraposio entre racionalismo e irracionalismo. De tal contraposio, que parece algo de simples observao, deriva todo um significado epistemolgico, ou, ainda, uma histria das ideias que reverbera na produo crtica de toda e qualquer forma de conhecimento, dentre elas est a da arte. No pretendemos adentrar um estudo com respeito histria das ideias, epistemologia ou modos de conhecer da arte, mas alinhavar algumas observaes com respeito a certo drama do intelecto. Com isso, buscamos observar que as formas do saber tendencialmente mudas, como a arte uma vez que suas regras no se prestam a ser formalizadas nem ditas, geralmente ligadas experincia cotidiana e a elementos imponderveis , esto mais para uma crtica que assume, com rigorosa anlise, a suspenso de um juzo absolutizante e um mtodo ou estatuto frgil, como o do chamado paradigma indicirio (Ginzburg, 2007), do que a uma noo de rigor, legada da fsica galileana, em que prepondera o lema escolstico individuum est ineffabile [do que individual no se pode falar], e, no entanto, no pode confundir-se com irracionalismo ou mera atividade intuitiva.

    Parece que com Nietzsche que o declnio do pensamento sistemtico comea a ser rivalizado, ou melhor, contornado e acompanhado por um pensamento aforismtico e que questiona a ideia de verdadeiro e falso como proposio moral (Nietzsche, 1987). Ginzburg observa que o termo Aforisma, era o ttulo de uma famosa obra de Hipcrates (2007, p.178). E que

    A literatura aforismtica , por definio, uma tentativa de formular juzos sobre o homem e a sociedade a partir de sintomas, de indcios: um homem e uma sociedade que esto doentes, em crise. E tambm crise um termo mdico,

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    hipocrtico. Pode-se demonstrar facilmente que o maior romance de nossa poca a Recherche constitudo segundo um rigoroso paradigma indicirio. (Ginzburg, 2007, p. 178)

    No entanto, que rigor pode ser alcanado no paradigma indicirio? Alis, o que vem a ser o paradigma indicirio?

    Segundo Carlo Ginzburg (2007, p.143-179), o paradigma indicirio diz respeito a um modelo de conhecimento que est arraigado nos sentidos. No entanto, tal condio intuitiva no tem nada a ver com a intuio suprassensvel dos vrios irracionalismos dos sculos XIX e XX (Ginzburg, 2007, p. 179), e tampouco pode ser classificada por uma considerao hierrquica que a destaque como um conhecimento superior. Alis, pelo contrrio, pode-se observar que o paradigma indicirio est presente em diversas formas do conhecimento, culturas e sociedades, e sua estrutura epistemolgica encontra-se, no mbito das cincias humanas e sociais, como modelo de investigao. Falando em investigao, disso que se trata: o paradigma indicirio um mtodo, ou melhor, modelo investigativo que est presente nas razes de nosso modo de apreender, interpretar e ressignificar o mundo.

    A caa um dos exemplos utilizados por Ginzburg para identificar tal modelo de conhecimento, pois seguindo sinais, pistas, rastros, vestgios, sintomas que o caador chega a sua presa e, antes disso, procura reconhecer seus hbitos, suas recorrncias e estncias, onde poder no somente identificar por deduo, mas diagnosticar aquilo que pode ter ocorrido e gerado tal efeito. Como nos contos de Poe (que escolhemos como emblemticos para a questo que aqui desejamos desenvolver), o que interessa est nos pormenores, nos

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    sinais que parecem insignificantes aos olhos dos leigos, ou daqueles que, como no exemplo do xadrez, relegam o modo de conhecer, tido como superior ou profundo, ao mbito do clculo e da demonstrao. Em A carta roubada, Dupin identifica o paradeiro da carta pela perspiccia e pelo exame dos pormenores, que, sem dvida, est carregado de uma anlise entre espritos1. O detetive Dupin pensa o pensamento do ladro, assim como Valry, ao falar de Leonardo da Vinci, admite que seja pelo efeito que chega a Leonardo, isto , ao modo de Leonardo compor suas obras. Mas, cuidado, o Leonardo do qual se fala o Leonardo designado por aquele que fala, no caso Valry. Deve-se notar que no uma identidade civil que est em jogo, um Leonardo com data, dia, hora, local de nascimento, e sim seus efeitos, obras, rastros, sinais, ndices, sintomas. Lemos em Introduo ao

    1 - Prefiro utilizar-me da expresso anlise entre espritos ao termo intersubjetividade, uma vez que este ltimo est associado noo de sujeito e, com isso, a certa autonomia do Eu. A expresso anlise entre espritos vincula-se ao uso do termo esprito como desenvolvido por Paul Valry, ou seja, a uma vida que desenvolve uma atividade pessoal que universal; aos poderes do intelecto, que, como atividade interior e exterior, d vida as foras da prpria vida e ao mundo a reao que o prprio mundo suscita nele. Enfim, o termo esprito est associado possibilidade, necessidade e energia de distinguir e desenvolver atos que esto para alm da conservao da vida ordinria, suas necessidades fisiolgicas vitais, mas, na criao de outras que, mesmo no inferindo diretamente manuteno da vida, no deixam de ser vitais a nossa espcie, enfim construo de sentido que pode estar vinculada cultura. E nessa atividade do esprito, seja na atividade que for, isto , seja em uma atividade que indique, por qualquer tipo de classificao, ser til ou intil , as impresses que recebemos e a partir das quais reagimos perante o mundo e ns mesmos dependem dos mesmos mecanismos, dos mesmos membros, da mesma linguagem e modos lgicos que participam dos atos mais indispensveis para o mantenimento de nossa vida, tanto os mais gratuitos e reativos automatismos de repetio como os mais elaborados sistemas complexos do pensamento. As mesmas palavras nos servem para expressar nossas necessidades e para compor uma poesia; os mesmos msculos podem ser utilizados para a marcha ou para a dana, ou seja, somos dotados de um s instrumento que compe isso que aqui escolhemos, com Valry, chamar de esprito [No podemos deixar de observar que o pensamento de Valry, influenciado pelo de Poe].

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    mtodo de Leonardo da Vinci, de Paul Valry:

    O que fica de um homem o que nos levam a pensar seu nome e as obras que fazem desse homem um signo de admirao, de dio ou de indiferena. Pensamos que ele pensou, e podemos reencontrar entre suas obras esse pensamento que lhe dado por ns: podemos refazer esse pensamento imagem do nosso. fcil figurar-nos um homem comum: simples lembranas ressuscitam-lhe as causas determinantes e as reaes elementares. Entre os atos indiferentes que constituem o exterior de sua existncia, encontramos a mesma sequncia que existe entre os nossos; somos, tanto quanto ele, o elo entre esses atos, e o crculo de atividade que seu ser sugere no extravasa daquele que nos pertence. (1998, p.9)

    Com isso, podemos afianar que o modelo indicirio vale-se de um rigor que pode ser entendido como o rigor da observao dos pormenores, ou ainda da autorreflexibilidade, que, ao pensar o outro, pensa a si mesmo como outro e seu reverso.

    Foi observando pormenores que o historiador da arte italiano Giovanni Morelli criou um mtodo para atribuir a autoria a quadros sem assinatura (Ginzburg, 2007, p. 144). O mtodo de Morelli serve como modelo para pensar o paradigma indicirio nas cincias humanas e sociais. O mesmo foi conhecido como mtodo morelliano (Ibidem) e consistia em

    examinar os pormenores mais negligenciveis, e menos influenciados pelas caractersticas da escola a que o pintor pertencia: os lbulos das orelhas, as unhas, as formas dos dedos das mos e dos ps. Dessa maneira, Morelli descobriu, e

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    escrupulosamente catalogou, a forma de orelha prpria de Botticelli, a de Cosm Tura e assim por diante: traos presentes nos originais mas no nas cpias. (Ibidem)

    Tal procedimento interpretado como tpico de uma atitude moderna com respeito s obras de arte, uma vez que leva a apreciar os pormenores da obra de preferncia a seu conjunto (Ibidem, p. 145). Vemos com isso que Morelli institui um mtodo que, mesmo sendo pouco convincente aos crticos de arte por ser determinista e por no se colocar problemas de ordem esttica, implica numa noo de rigor que difere do lema escolstico individuum est ineffabile [do que individual no se pode falar], pois, para Morelli, pela perspiccia da anlise de pormenores particulares que se consegue atribuir a verdadeira autoria s obras. Assim, o mtodo de Morelli comparado ao mtodo detetivesco, uma vez que o conhecedor de arte descobre o autor do crime, no caso um falsificador de quadros ou seu autor original, baseado em indcios imperceptveis para a maioria (Ibidem). fcil identificar o mtodo nas aventuras de Sherlock Holmes, personagem de Conan Doyle, no detetive Dupin de Poe ou, ainda, em Voltaire (2006), que, ao escrever Zadig ou o destino, reelabora a fbula oriental dos trs irmos que conseguem descrever, por uma srie de indcios, animais que nunca haviam visto (Ibidem, p.168). O mtodo morelliano, tambm conhecido como mtodo Zadig ou paradigma indicirio, segundo Ginzburg, tambm influenciou Freud na histria da formao da psicanlise (Ibidem, p.148). Tanto no mtodo de Morelli, com relao identificao das obras de arte, como na literatura de crime, enigma e mistrio e ainda na psicanlise freudiana, pistas talvez infinitesimais permitem captar uma realidade mais profunda, de outra forma inatingvel. (Ibidem, p. 150) Ginzburg chama a ateno para a relao existente

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    entre o paradigma indicirio e a semitica mdica, uma vez que, curiosamente, tanto Morelli, como Doyle e Freud estudaram medicina, a disciplina que permite diagnosticar as doenas inacessveis observao direta na base de sintomas superficiais, s vezes irrelevantes aos olhos dos leigos (p. 151).

    Deste modo sabemos, com Ginzburg, que

    Decifrar ou ler as pistas dos animais so metforas. Sentimo-nos tentados a tom-las ao p da letra, como a condensao verbal de um processo histrico que levou, num espao de tempo talvez longussimo, inveno da escrita. A mesma conexo formulada, sob forma de mito etiolgico, pela tradio chinesa que atribua a inveno da escrita a um alto funcionrio, que observara as pegadas de um pssaro imprimidas nas margens arenosas de um rio. (Ibidem, p. 152)

    Podemos notar ento que, seja pela escrita ou por pegadas na areia, o que h uma tendncia fundamental de inferir as causas a partir dos efeitos. Por trs dessa tendncia, afinal, o que temos a imagem do caador agachado diante da lama, escrutando a marca de uma pata, analisando os sinais com a acuidade de seu intelecto, a fim de identificar e chegar a sua presa. Esse gesto , talvez, o gesto mais antigo da histria intelectual do gnero humano (Ibidem, p.154) e a ele atribumos o incio daquilo que podemos denominar como certo drama do intelecto, cujos efeitos podemos inferir na cultura ocidental tal como a conhecemos.

    Tendo, como ponto de partida, a desconfiana nietzschiana e a problemtica heideggeriana do ultrapassamento da metafsica que coloca em questo certa tcnica que legada do modelo de cultura

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    ocidental a que estamos inseridos , podemos inferir que a modernidade tida como fundamentadora de uma poca dominada pelo rigor das cincias matemticas e naturais, ou seja, pela exatido como predeterminao dos fenmenos naturais assim como magnitudes espao-temporais de movimento. Essa conquista da dimenso espao-temporal reduz o conhecimento ao sistema dos objetos, assim a tcnica se expande sem resistncia. A poca da modernidade que no se restringe a uma avaliao cronolgica que possa ser identificada num regime de classificao histrica definindo um perodo, mas como um modo de estar e estabelecer conexes e relaes com certas caractersticas , Heidegger denominou como: A poca da imagem do mundo. Esta denominao retirada do ttulo de uma conferncia pronunciada em 09 de junho de 1938, originalmente intitulada Die Zeit des Weltbildes2. Esta conferncia e certa preocupao heideggeriana incidem em afirmar que o aparelho conceitual metafsico consiste no fato de conceber o ser como simples-presena. Para Heidegger o mundo um existencial e antes de ser simples-presena as coisas so para ns instrumentos, ou seja, as coisas se nos apresentam dotadas de certo significado relativamente nossa vida e aos nossos fins (Vattimo, 1996, p.27-28). O homem est no mundo como um ente referido s suas prprias possibilidades, assumindo-as num sentido amplo como instrumentos. E Tudo isso muito importante, porque, pensando-o profundamente,

    2 - La poca de la imagen del mundo o ttulo da verso espanhola traduzida por Arturo Leyte e Helena Cortez, contida em Caminos de bosque, Madrid, Alianza, 1996. Segundo a verso espanhola, a conferncia foi intitulada: La fundamentacin da la moderna imagen del mundo por mdio de la metafsica, pronunciada como ltima conferncia de uma srie que foi organizada pela Kurstwissentschafliche, Naturforschende und Medizinische Gesellschafst, de Friburgo, e que tinha como tema a fundamentao da moderna imagem do mundo.

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    nos leva a pr em crise o prprio conceito de realidade como simples-presena. A filosofia e a mentalidade comum pensam, desde h sculos, que a verdadeira realidade das coisas a que se aprende objetivamente com um olhar desinteressado que , por excelncia, o olhar da cincia e suas medies matemticas (Ibidem, p.28). Observamos, com Heidegger, que as coisas no se apresentam como objetos, independente de ns, e sim na sua instrumentalidade, ou seja, a objetividade pode ser vista como um modo particular de instrumentalidade das coisas e no as coisas mesmas. Assim como no paradigma indicirio, o que temos um modo particular que mesmo sendo objetivo incerto, mesmo parecendo bvio de difcil apreenso. Sabe-se ento que na cultura ocidental a histria, que na viso crist se apresentava como histria da salvao, tornou-se, primeiramente, busca de uma condio de perfeio intramundana e, depois, progressivamente, histria do progresso (Vattimo, 1996, p. XIII). Temos com isso que a poca da imagem do mundo a poca em que a metafsica tem como objeto de investigao a essncia do ente e a essncia da verdade. A modernidade fundamenta uma era a partir de uma determinada interpretao do ente e uma determinada concepo de verdade que procura na metafsica o fundamento da essncia dos entes e da essncia da verdade que dominam por completo todos os fenmenos que a caracterizam. Assim como ela, a modernidade tambm caracteriza o fundamento metafsico.

    Para Vilm Flusser (1983), essa tendncia ocidental rumo objetivao tendncia que esmagou o paradigma indicirio a uma prtica implcita e que prestigiosamente reconhecida no modelo elaborado por Plato (Ginzburg, 2007, p.155) foi realmente realizada onde o inaudito no o assassinato em massa, no o crime, e sim a reificao derradeira de pessoas em objetos

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    informes, em cinza. Essa tendncia ocidental rumo objetivao foi realmente realizada em Auschwitz, em Hiroshima, nos Gulags. Pela primeira vez na histria da humanidade ps-se a funcionar um aparelho, o qual, programado com as tcnicas mais avanadas disponveis, realizou a objetivao do homem, com a colaborao funcional dos homens. (Ibidem, p.28) Com isso, Flusser questiona a adeso a e a aplicao de modelos de conhecimento que fazem da razo uma razo instrumental da certeza como verdade do conhecimento.

    Os horrores prvios cometidos pela sociedade ocidental contra as demais sociedades e contra si prpria (e so legies) eram crimes. Eram infraes dos modelos de comportamento ocidental: anticristos, anti-humanos, irracionais. De modo que possvel conden-los e continuar sendo ocidental, at se o horror for to colossal como o foi a escravido dos africanos. Mas no possvel condenar-se Auschwitz e continuar-se aderindo conscientemente ao ocidente. Auschwitz no infrao de modelos de comportamento ocidental, , pelo contrrio, resultado da aplicao de tais modelos.(Ibidem, p.28)

    No entanto, no possvel rejeitar-se a prpria cultura. ela o cho que pisamos. (Ibidem, p.13). E Auschwitz torna-se a imagem de uma ausncia. Auschwitz a presena/ausncia da trama silenciosa da verdade no solo da cultura ocidental. Mostra-se como resultado da histria de uma era que pensa o homem e o ser em termos de estruturas estveis, impondo ao pensamento uma existncia fundante. Tendo isto em vista, a existncia irreparvel de Auschwitz a imagem recursiva da presena repugnante de ns mesmos diante de ns mesmos. Estamos consignados a ns mesmos, numa situao sem sada, uma vez que a possibilidade

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    do nazismo como um mal fundamental est inscrita na prpria filosofia ocidental e, em particular, como indica Agamben (2007) na leitura que faz de Levinas, na filosofia do hitlerismo e, em certa medida, na filosofia de Martin Heidegger. No entanto, como vimos rapidamente acima, Heidegger aquele que denuncia a tcnica e a objetividade das cincias modernas como razo instrumental. Ele explicita que o fundamento metafsico, que tem confiana na absoluta certeza do conhecimento, encontra-se formulado no postulado cartesiano e dele deriva a concepo subjetivista do homem que tem a verdade como fundamento inquestionvel (Heidegger, 1979). A filosofia heideggeriana aponta para a diferenciao do subjetivismo cartesiano, em que, autoencerrado, o homem se compreende separado do mundo e representado no binmio sujeito-objeto (Re, 2000, p.44). Como essa filosofia que explicita que o homem apenas definido na autorreflexo, isto , que se ocupa ontologicamente em pensar o ser do ser, e com isso procura contornar uma concepo tradicional em que o mesmo aparece como uma mquina mental cognitiva diante do mundo e da verdade (Stein, 1988), questionando assim a ordem da representao pode ser associada, por proximidade, filosofia do hitlerismo, articuladora de campos de concentrao e extermnio em massa? No h aqui uma resposta. Levinas se pergunta no para condenar um filsofo ou absorver outro, visto que o que ele faz apontar para a ideia de que a filosofia do hitlerismo compartilhou, pelo menos em seu ponto de partida, com a filosofia do sculo XX : Qual o sentido dessa proximidade? Ns samos de fato dessa cercania ou ainda vivemos, sem dar-nos conta, nas margens do nazismo?

    esse o solo do drama intelectual da cultura ocidental, no s o da ironia de trair suas intenes ao

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    converter-se em seu contrrio, uma vez que tal filosofia antirrepresentacional procura reverter os efeitos do platonismo, mas de elaborar contnuas artimanhas para obliterar o argumento de uma autodenncia (Souza, 2008), ou seja, negar-se como fraude na medida que perscruta uma cincia no sentido de reivindicar uma essncia da verdade, mesmo quando se diz, como Heidegger disse, que a essncia da verdade a verdade da essncia. Por que se insiste nesse teatro de mscaras, uma vez que sabemos que o que h no , em todo caso, mais que uma fico que nos permite pensar o que somos e fazemos? Que no h cincia seno cientistas? Que a verdade vem, seno, de cucolndia das nuvens, como disse Nietzsche?

    Tal ironia pode ser entendida pela imagem da linguagem, como desenvolvida pela obra valeryana retirada da leitura de Leonardo Da Vinci , como a serpente do pensamento que se devora a si mesmo. A serpente que morde a prpria cauda. A imagem do olho diante do espelho e que opera atravs de um desdobramento irnico, no qual o olho que olha converte-se no olho olhado e a viso converte-se em um ver-se vendo, numa representao, no sentido filosfico e no sentido teatral do termo (Agamben, 2007, p. 119, traduo nossa). Ao procurar reverter os efeitos de uma filosofia representacional, onde sujeito-objeto so vistos como separados, tal filosofia torna-se a representao dela mesma, convertendo-se no mito que queria exorcizar. Paul Valry, ao escrever Monsieur Teste, que segundo Joo Alexandre Barbosa (2007) , certamente, um captulo fundamental do projeto de escrever uma comdia intelectual (Valry, 1998), faz dessa criao que surge de um desejo insensato de compreenso (Valry, 1997, p.7) o prprio demnio da possibilidade (Ibidem, p.11). Faz do senhor Teste um testemunho dramtico, ou seja, teatral e sem limites, e por isso desconstrutivo daquilo

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    que seria o princpio e o fundamento do Eu cartesiano. O Senhor Teste diz sobre si mesmo: Sou sendo, e me vendo; vendo-me ver-me, e assim por diante... (Valry, 1997, p.32). Para Valry, o cogito cartesiano no deve ser analisado em si mesmo, pois desse modo no significa nada. Deve ser entendido como um magnfico grito, um golpe, um drama literrio. O cogito se expressa mais como mmica do que numa realidade em si (Valry apud Agamben, 2007, p. 123-124, traduo nossa). Com Monsieur Teste Valry parece assumir Descartes e seu Discurso do mtodo como um romance moderno, e parece fazer do Senhor Teste o testemunho fundador de um espao ficcional para o cogito cartesiano. Notamos, assim, que a arte, e aqui demos privilgio arte literria, pode mostrar-se como um meio ficcional, frgil e lcido, para contornar qualquer ironia de tornar-se aquilo que queira exorcizar, uma vez que assume a fico como realidade, e que a verdade no , seno, outra fico.

    Questes como fico e realidade e literatura e verdade so apoio para uma discusso que envolve um possvel conceito do que seja a arte literria, seu modelo e mtodo. Como afirma Gustavo Bernardo: Grosso modo, literatura se realiza com palavras. (Bernardo, 1999, p.135) No entanto, obviamente, isto, ou melhor, esta afirmao no define o que seja a literatura. Definir o que seja a literatura, no , de fato, uma tarefa fcil. Melhor seria dizer que: definir o que seja a literatura apenas circunscrever a pergunta sem de fato chegar a uma definio; levando em considerao que definir quer dizer: dar um limite, limitar, demarcar, dar o sentido verdadeiro. De tal modo, apreende-se uma impossibilidade em responder essa pergunta, pois, como afirma Foucault, pensar a literatura, seja: sua histria, seus contextos, suas relaes sociais e contingentes, ou, ainda, a formulao da questo o que a literatura? j a

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    prpria literatura, uma vez que a literatura se organiza como um ato de linguagem (Foucault, 2000). Nesse sentido, pode-se observar a circularidade que se confere ao argumentar a respeito de um possvel conceito de literatura, visto que ao buscar conceituar a literatura tem-se ela mesma como conceito. Sabe-se, no entanto, que todo conceito uma fico, pois, no dizer de Gustavo Bernardo, o conceito No existe enquanto coisa, mas existe enquanto condio sine qua non para se lidar com as coisas (Op. Cit., p.140). Vilm Flusser em seu texto Da Fico aborda o tema, oferecendo sua interpretao do comentrio do fsico Arthur Stanley Eddington3, no seguinte texto:

    Tomem como exemplo esta mesa. uma tbua slida sobre a qual repousam os meus livros. Mas isto fico, como sabemos. Essa fico chamada realidade dos sentidos. A mesa , se considerada sob outro aspecto, um campo eletromagntico e gravitacional praticamente vazio sobre o qual flutuam outros campos chamados livros. Mas isto fico, como sabemos. Essa fico chamada realidade da cincia exata. Se considerada sob outros aspectos, a mesa produto industrial, e smbolo flico, e obra de arte, e outros tipos de fico (que so realidades nos seus respectivos discursos). A situao pode ser caracterizada nos seguintes termos: do ponto

    3 - Arthur Stanley Eddingnton, astrofsico britnico que em 1919 apresentou sociedade anglfona os trabalhos de Albert Einstein a respeito da teoria da relatividade no artigo Report on the relativity theory of gravitation e a partir de 1920 concentrou-se nos estudos da fsica quntica. Para Eddington, ainda que o sentido cotidiano da mesa parea distante daquele captado pela reduo efetuada atravs da fsica terica na realidade a referncia que temos da mesa no deixa de ser a da coleo de partculas elementares que executam o comportamento microfsico adequado, isto , o comportamento slido que dela esperamos. Citado em: BERNARDO, Gustavo. A dvida de Flusser: filosofia e literatura. So Paulo, Globo, 2002. p.15.

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    de vista da fsica a mesa aparentemente slida, mas na realidade oca, e do ponto de vista dos sentidos a mesa aparentemente oca, mas slida na realidade vivencial e imediata. Perguntar qual destes pontos de vista mais verdadeiro carece de significado. Se digo fico realidade, afirmo a relatividade e equivalncia de todos os pontos de vista possveis. (FLUSSER, 2006)

    No entanto, esta crtica verdade como adequao realidade ou em conformidade com os fatos, isto , a um conceito de verdade convencionalmente aceito e que uma consulta a um dicionrio avaliza, no coloca em causa o uso corriqueiro dessa palavra, pois a validade do conceito de verdade habitualmente empregado pelo senso comum est em estabelecer, por conveno, o seu uso como moeda de troca em nossas relaes interpessoais. Assim podemos estabelecer algumas relaes comunicativas do tipo: faz frio aqui, por favor feche a janela. Como podemos ler no trecho acima citado, no existe rigor que caracterize uma certeza absoluta que coloque a palavra ou as coisas em conformidade unvoca com a realidade. Interpretamos, neste nterim, que o papel da verdade como adequao est para regulamentar aes em comunidade ao dar segurana e consolo pelo seu regime de estabilidade. O que fica, e importante frisar, que, a partir dessa concepo, a verdade filha da fico, ou, como afirma Flusser, fico realidade e, por extenso, literatura verdade. E podemos ler em Descartes, na primeira parte de O discurso do mtodo: [...] no propondo este escrito seno como uma histria, ou se preferirem, como uma fbula na qual, entre alguns exemplos dignos de ser imitados, se encontraro talvez vrios outros que se ter razo em no seguir, espero que ele ser til para alguns, sem ser nocivo para ningum, e que todos apreciaro a minha franqueza. (Descartes,

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    1955, p.67) Borges, em sua conferncia sobre a cegueira, lembra que Goethe, ao escrever a propsito do pr-do-sol, disse: tudo o que est prximo se distancia; verdade que no crepsculo as coisas que nos rodeiam vo se afastando de nossos olhos (Borges, 1983, p.182). Todo saber sempre um traar limites, o estancar de todo e qualquer fluxo e movimento. Quem no deseja viver entre esttuas de um mundo petrificado pode desviar o olhar da Medusa e reivindicar, sempre e a cada vez, o Sneca de Poe: Nil sapienti odiosius acumine nimio.

    Referncias

    AD, Mximo Daniel Lamela. Tonalidades afetivas em El Astillero de J. C. Onetti. Porto Alegre, Edipucrs, 2008.

    AGAMBEN, Giorgio. Heidegger y el Nazismo. In.: La potencia del pensamiento ensayos y conferencias. Buenos Aires, Adriana Hidalgo, 2007.

    ______. El yo, el ojo, la voz. In.: La potencia del pensamiento ensayos y conferencias. Buenos Aires, Adriana Hidalgo, 2007.

    BARBOSA, Joo Alexandre. A comdia intelectual de Paul Valry. So Paulo, Iluminuras, 2007.

    BERNARDO, Gustavo. O conceito de literatura. In. Introduo aos termos literrios. Org. Jos Lus Jobim. Rio de Janeiro, EdUERJ, 1999.

    ______.A dvida de Flusser: filosofia e literatura. So Paulo, Globo, 2002.

    BORGES, J.L. Sete Noites. Trad. Joo Trevisan. So Paulo, Ed. Max Limonad, 1983.

    CAMPOS, Augusto de. Paul Valry: A serpente e o pensar. So Paulo, Brasiliense, 1984.

    DESCARTES, Ren. Discurso do Mtodo. In.:VALRY, Paul.

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    O pensamento vivo de Descartes. Trad. Maria de Lourdes Teixeira. Martins Editora, So Paulo,1955.

    FLUSSER, Vilm. Ps-historia: vinte instantneos e um modo de usar. So Paulo, Duas Cidades, 1983.

    ______.Da fico. Publicado nO Dirio de Ribeiro Preto, So Paulo, em 26 de agosto de 1966. Disponvel em: < http://paginas.terra.com.br/arte/dubitoergosum/arquivo02.htm > acesso em 16/05/2006, 2006.

    FOUCAULT, Michael. Linguagem e literatura. In. FOUCAULT, a filosofia e a literatura. Roberto Machado. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2000.

    GINZBURG, Carlo. Sinais: Raze de um paradigam indicirio. In.: Mitos, Emblemas, Sinais: Morfologia e Histria. Trad. Faderico Carotti. So Paulo, Companhia das Letras, 2007, p. 143- 179.

    HEIDEGGER, Martin. La poca de la imagen del mundo. In: _____________. Caminos de bosque. Traduo Helena Corts y Arturo Leyte. Madrid, Alianza, 1997a.

    ______.Ser e tempo (parte I). Traduo Mrcia de S Cavalcante. Petrpolis: Vozes, 1997b.

    ______.Que isto a filosofia? In: Conferncias e Escritos Filosficos. Traduo Ernildo Stein. So Paulo, Abril, 1979.

    NIETZSCHE, Friedrich. Sobre Verdade e Mentira no sentido Extra-Moral (1873) In: Obras Incompletas. Traduo Rubem Rodrigues Torres Filho. So Paulo: Nova Cultural, 1987.

    POE, Edgar Allan. Poemas e ensaios. Traduo Oscar Mendes; Milton Amado. So Paulo, Globo, 2009.

    ______. Os assassinatos da rua Morgue; A carta roubada. Traduo Ana Maria Tatsumi; Erline T.V. Dos Santos. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1996.

    RE, Jonathan. Heidegger. Histria e verdade em Ser e tempo. Traduo Jos Oscar de Almeida Marques, Karen Volobuef. So Paulo:

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    Editora Unesp, 2000.

    SOUZA, Ricardo Timm de. Pensar apesar da racionalidade instrumental. In.: AD, Mximo D. Lamela. Tonalidades afetivas em El Astillero de J. C. Onetti. Porto Alegre, Edipucrs, 2008.

    STEIN, Ernildo. Seis estudos sobre SER E TEMPO. Rio de Janeiro, Vozes, 1988.

    VALRY, Paul. Introduo ao Mtodo de Leonardo da Vinci. Trad. Geraldo Grson de Souza. So Paulo, Ed. 34, 1998.

    ______. Monsieur Teste.Trad. Cristina Murachco. So Paulo, tica, 1997.

    VATTIMO, Gianni. Introduo a Heidegger. Trad. Joo Gama. Lisboa, Ed. 70, 1996a.

    ______.O fim da modernidade: niilismo e hermenutica na cultura ps-moderna. Trad. Eduardo Brando.So Paulo: Martins Fontes, 1996b.

    VOLTAIRE. Zadig ou o destino. Traduo Antonio Geraldo da Silva. So Paulo, Escala, 2006.

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    Carta ao crnio

    Eduardo Silveira - UFSC

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    Mas se o crnio uma caixa, ser aquela de pandora, abri-lo guarda surpresas, as inquietaes de um pensamento que se volta a seu prprio

    destino, a suas prprias dobras, a seu lugar prprio. DIDI-HUBERMAN.

    Desculpe por isso, mas te descrevo4 em primeira pessoa. Te encontro na profundidade da sujeira. Na imundcie profunda de metros e metros de matria. Sim, matria essa que pesa, ocupa espao e cai orgnica. Tomada por vermes, um cheiro forte que me agrada e restos. Restos de todos os tipos. Restos dentais e linguais: aqueles mais voltados aos falares. Restos oculares. De uma redondicidade perfeita como a viso. Restos ossais, duros e rgidos, posicionados em suas certezas. Restos nasais, respirantes e aspirantes a tudo e a nada, devo dizer, j que a respirao , por si s, contradio. Encho-me para ser leve, esvazio-me para pesar. Restos articulares, que incitam a ligaes e relaes desgastadas e, por ltimo, restos cerebrais. Essa massa disforme que tenho gosto em manipular a que mais me agrada. Desculpe se te ofendo, mas nela encontro o desejo. Pego-a, j meio decomposta, entre os dedos, esmago-a, fao pequenas bolinhas que aperto entre o polegar e o indicador at ela desfazer-se e pingar no cho. Improviso um pequeno jogo de construir formas cerebrais com a prpria massa enceflica apodrecida. to bom. como pegar nos pensamentos e poder (de)comp-los, (re)cri-los e apag-los com um simples apertar de dedos.

    Mas para esse exerccio vou fundo. Preciso afundar na terra. Retir-la com as mos, sujar-me no barro at

    4 - Descrio de um crnio feita a propsito do texto de Didi-Huberman (2009)

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    os ossos. Para chegar nessas pequenas sobras tuas que me fazem jogar. Vou ao fundo ansioso e encontro a ansiedade como valor. E vejo seus dentes sorrindo para mim enquanto retiro-os um a um. Calma!! No quero que sofras com isso, mas que encontro, nesse desfazimento de ti, algo que me positivo, feliz, excitante e belo. Como belo suas partezinhas jogadas ao lado!

    Vejo um sentido nisso tudo. Um sentido paradoxal de buscar a realidade sem abandonar a sensao, sem tomar outro guia seno a natureza na impresso imediata, sem delimitar os contornos5. caos! Voc caos! Eu sou caos. H tempos j deixamos de ser humanos. Sei que o tanto que desci me leva para outra condio. assim que suas partes me olham. assim que te vejo. Como o inumano. E gosto disso, fugir junto contigo nesse olhar compartilhado desse mundo humano. Te vejo-nos como algo. Nessa algoidade, podemos ser tudo. Improvisar um jogo, um devaneio, algo podre, fedido, infantil, excntrico, doente, biolgico, sensitivo e at formal. Como dois pedacinhos de crebro miolo mesmo colocados lado a lado para somar dois. O caos e a ordem. A contradio. Como uma toalha de piquenique recoberta por carvo em brasa. A brutalidade.

    Obrigado pelo sorriso constante e as fossas oculares a me olhar em devaneio.

    Naso contigo para o fundo da terra e apodreo alegremente.

    5 - MERLEAU-PONTY, 2004, p.127

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    Referncias

    Didi-HUBERMAN, Georges. Ser Crnio. Belo Horizonte: C/Arte, 2009.

    MERLEAU-PONTY, Maurice. O Olho e o esprito. (Trad. Paulo Neves e Maria Ermantina Galvo Gomes). So Paulo: Cosac & Naify, 2004.

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    Pequena nota

    sobre o texto

    Renata Ferreira da Silva UFSC e UFT

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    Roland Barthes me perguntou se nunca me aconteceu ler levantando a cabea, pergunta que antecedeu mais um dos inmeros movimentos corporais de interrupo da leitura, que, ao contrrio do que possa parecer, no movimentou desinteresse, mas excitao. O que acontece neste momento? insiste Barthes quando interroga sua prpria leitura na tentativa de captar as formas de ler.

    Assim tem sido para eu ler textos de Barthes. Uma ginstica corporal. Um levantar, sentar, suspirar. Ele me dispara, dissemina desejos que eu no conheceria se no o lesse. Agora, por ltimo, quero encenar e danar a sua deriva.

    Barthes escreveu. E, partindo do seu texto, das suas palavras, comecei a danar a liberdade dele mesmo. Quem escreve no proprietrio do seu texto, dono de seu sentido eterno, originrio, ordinrio da mesma forma que eu, leitora, no estou apenas a descobrir o sentido correto da escrita. O que importa? O que o autor quis dizer ou o que eu entendo?

    Ausncia.Estou apaixonada pela palavra ausncia.

    Encontrei-a na leitura Ausente de um Fragmento de um discurso amoroso escrito por Roland Barthes. No proponho fazer aquela leitura livre nem afirmar que existe uma verdade para a ausncia que encontro (seja l por qual objetiva for esta verdade, a minha ou a dele), mas pensar a partir de Barthes nas verdades ldicas.

    Eu no posso ler qualquer coisa. Eu s posso ler o que est escrito. O que eu (in) vento afinal?

    Jamais poderei ler um texto por completo. A cada mordida dada num texto, deixamos cair restos. Voc faz algumas operaes, imprime certa postura ao texto e por isso que ele vivo, sua inveno s possvel porque

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    h entre os elementos do texto uma proporo, sussurra Barthes.

    O sentido no est em mim ao mesmo tempo em que no est no autor. Talvez o texto acontea quando leio ou quando escrevo. Um texto no tem segredo. Ele remete a outros textos. So sempre plurais. Interpretar um texto apreciar o plural da escrita, no porque os leitores so muitos a interpretar uma suposta singularidade impressa, mas porque o texto sempre plural e vivo na medida em que colocamos em funcionamento a maquinaria que ele engendra.

    A encontro Barthes perguntando: o que ler? Como ler? Por que ler? Que engraado. Ler parece no ter fundo. Ausncia de fundo. Olha s para onde derivou minha ausncia? Para pensar a ausncia de significado nico. E no vou encontrar um fundo para minha palavra ausncia que li em Barthes, buscando o sentido, a definio, a compreenso, a citao, a explicao. H que inventar esta ausncia - texto ponto de partida. Leio pedaos. Crio constelaes. Fao meus movimentos. Todos possveis porque tenho um texto. Texto possvel porque movimento. A leitura um texto que escrevemos em ns enquanto lemos... Sussurra Barthes. Ns nos precisamos, sussurro eu.

    Referncias

    BARTHES, R. A aula. So Paulo: Cultrix, 1978

    BARTHES, R. Como viver junto: simulaes romanescas de alguns espaos cotidianos: cursos e seminrios no Collge de France, 1976-1977 So Paulo (SP): Martins Fontes, 2003

  • 42

    BARTHES, R. Ensaios Crticos. Lisboa: Edies 70, 1977

    BARTHES, Roland. O rumor da lngua. In: Au seminarie. So Paulo: Brasiliense 1988.

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    giZ de Hercia

    Daniela Medeiros SMED Iju/RS

    Elisandro Rodrigues SMED Sapucaia do Sul/RS

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    Nesta no primeira linha propomos um no incio, sem introduo, sem explicaes iniciais ou notas explicativas. Talvez at sejam assim percebidas, se isso lhe tranquiliza, mas que o objetivo seja a fuga da primaZia, do incio, do julgar-se nico, primeiro a iniciar tal processo. Como diria Manoel de Barros, quem no tem ferramentas de pensar, inventa. E esse mesmo poeta escuta e olha as cores de um modo diferente. Perguntamo-nos nesse inZio: Quais as nossas cores[Z]?

    Partimos de algumas dobras/fissuras/brechas de um passado presente, ou de um presente atualizado, como diria Deleuze [2011]. Problematizamos a pergunta de forma imagtica. Lanamos vrgulas, interrogaes numa infinita possibilidade de respostas e novos questionamentos, numa possvel noologia s aveZZas.

    Propomo-nos Zo e Toven!

    Propomos o Z (no) final, mas sim o Z da bifurcao do raio, o Z como possibilidade de pensar. Z se faz movimento. Z se faz pensar.

    Encharcados com esse movimento de Zique-Zaque, em um momento conhecido como inclusivo, usamo-nos de lentes sedentas em ver, olhar e sentir estes corpos e lugares por onde se constituem corpos que ziquezaqueam em d[c]ores. Bifurcando-se em c[d]ores desse processo de pensar. Colorimos nas paredes e nas caladas por onde passamos com nossa arma em punho: giZ.

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    Pintamos nas paredes Zique-Zaques de perguntas. De respostas. De Movimentos de afetos.

    Sujeitos includos ou excludos?

    Excludos na incluso?

    Marcados. Pelo que? Por quem?

    Riscamos o riZoma. Tambm conceito, mas talvez, antes e/ou junto a isso, objetivo (sem obrigatoriedade de alcan-lo). RiZomatiZamos andanas, lembranas, Imagens-Lembranas. Bergson diZ que preciso poder abstrair-se da ao presente, preciso dar valor ao intil, preciso querer sonhar [1990, p. 63-64]. Manoel de Barros afirma a inutilidade na procura das Cores: As sujidades deram cor em mim. Procuramos, nas Imagens-Lembranas, nossas cores.

    No lembramos o esquecimento, atualizamos o presente.

    Propomos pensar nas singularidades, nas diferenas. Pensar/apostar em uma educao e uma

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    filosofia da diferena [Deleuze].

    Pensamos nas redes tecidas por tais singularidades. Nas cores riscadas por crianas nas caladas. Pensar nas suas relaes, nas formas riZomticas com que pensamento, corpo, sentido, arte, desejo, devires constituem-nos em mquinas.

    Mquinas mutantes, de sentir, provocar, acontecer, agenciar... Mquina corpo. Mquina Giz. Corpo Giz. Giz de Hercia.

    Assim, tomamos forma ou disforma. MetamorfoZeamos Zo! Toven! Cobrimo-nos com Lenis do Passado [Deleuze, 2011], Dormimos na beira da Cor e descortinamos para o dia no sabendo mais calcular a cor das horas [Manoel de Barros]. MetamorfoZeamos em Hercia.

    Hercia levanta, no se pergunta onde est, ziquezaquea o espao onde est, simplesmente olha a chuva deformando a cor das horas, v num emaranhado de linhas um RiZoma que d cor a uma flor. Desenha com giZ, depois com lpis numa folha amassada de papel.

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    Uma flor aZul. Um risco aZul nas imagens-lembranas diZendo que se livre para o silncio das formas e das cores. Hercia carrega a sabedoria de Zaratrusta e do poeta menino: As coisas no querem mais ser vistas por pessoas razoveis: Elas querem ser olhadas de azul que nem uma criana que voc olha de ave [Manoel de Barros].

    A linha aZul do giZ de Hercia riZomatiZa conexes, pinta espaos em branco. Cria formas, voa por cus e mares. Mas no fechado do mundo [da escola, do quadro negro, da famlia] tomam seu giZ, no escutam a cor da voz, o grito da cor, a d[c]or.

    Hercia constituda de invisibilidades.

    Invisibilidades de ouvir e sentir suas cores.

    Hercia zique-zaquea na sala, no quarto, na rua, sem giZ. Sem cor.

    Nos seus lenis de passado tecem-se pontas [de giZ] de presente.

    Tecem-se linhas de fugas.

    Da sala.

    Do quarto.

    Da escola.

    Onde est Hercia?

    Em que lugares tem se constitudo?

    Que [no] relaes desencadeiam o desejo de

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    fuga?

    Nas imagens-lembranas uma mo e um pedao de giZ aZul.

    A criana no sabe que o verbo escutar no funciona para cor, mas para som.

    Ento se a criana muda a funo de um verbo, ele delira.

    E pois. Em poesia que voz de poeta, que a voz

    de fazer nascimentos - O verbo tem que pegar delrio.

    (Manoel de Barros)

    Assim, propomos a inveno [de Manoel de Barros], acreditando que aquilo que por ns inventado ser produtor de outras novas sensaes/invenes/afetos.

    Inventamos Hercia.

    Inventamos, um dia, a tal da incluso.

    Junto a ela, inventamos a norma, o padro, o correto, o normal.

    Incluso como norma?!

    Queremos a fuga. Encontramos Hercia e fugimos.

    Da sala.

    Do quarto.

    Da escola.

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    Queremos outros caminhos.

    Incertos.

    Desconhecidos.

    Apostamos nas desconstrues das linhas de normalidade.

    Na no necessidade de incluir-se. Incluir-se como prtica de sentir-se igual, parte do todo.

    A aposta na diferena.

    Na pluralidade.

    No diverso.

    No distinto.

    Nas Hercias que nos permitem pensar, provocar, desorganizar, constituir novas prticas.

    Referncias

    BARROS, Manoel de. Poesia Completa. So Paulo: Leya, 2010.

    BERGSON. Matria e memria: ensaio sobre a relao do corpo com o esprito. So Paulo: Martins Fontes, 1990.

    DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. 2 Reimpresso. So Paulo: Brasiliense, 2011.

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    InventriosEscolares

    Larisa da Veiga Vieira Bandeira - UFRGS

  • 52 Deixe-me ver o que em ti guardado. Que te direi por quem sers povoado.(Porta da sala de professores de E.E.E.M de Quatro Irmos/RS setembro de 2012)

    Os Inventrios Escolares so exerccios de livre criao e trata-se de um procedimento sumrio. O procedimento sumrio rege-se pelas disposies que lhes so prprias, aplicando-se-lhes, subsidiariamente, as disposies gerais dos grupos de professores que sero inventariantes/depositrios fiis. As disposies gerais sero criadas pelos professores quando estes assim o quiserem.

    As salas de aula das escolas so ocupadas por coisas, essas coisas tm utilidades (nem sempre). As salas de aulas so salas de usar coisas? Aqui as coisas so chamadas de elementos inventariveis. Dependendo das coisas que esto na sala possvel saber sobre seus ocupantes, que aqui sero chamados de povoadores. Os elementos sero inventariados pelos aqui chamados inventariantes/depositrios fiis, e estes podero ser professores, ou no.

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    Inventrios Escolares Disposies prprias do Procedimento:

    1 Atentar aos elementos que compem os inventrios, esses podem variar em:

    *quantidade nem sempre os elementos so em nmero suficiente para todos os povoadores.

    *cor as cores dos elementos podem ser tambm definidoras da funo do elemento. (ex: lpis cor de pele).

    *tamanho de tamanhos variados, dentro de um deles (armrios, por exemplo) muitos outros podero estar guardados.

    *som, rudo, barulho, rumor.

    * cheiro, odor, fedor, budum.

    2 O elemento inventarivel poder se esgotar ou terminar ocasionalmente , poder ser trocado ou emprestado ou adquirido, nunca poder ser vendido.

    3 Verificar os elementos que mesmo esgotados ocupam espaos na sala, coisas que ali no esto mas ali permanecem. Geralmente so guardados em recipientes (caixas de papelo, caixas plsticas, sacos de tecido, sacos plsticos, latas), com etiquetas de identificao, ou podem estar debaixo das mesas (gomas de mascar petrificadas). Isso pode distrair o inventariante. indicado abrir os recipientes, ou olhar debaixo de seus tampos e tampas e conferir o seu teor.

  • 54

    4 Um elemento inventarivel se trata aqui de um elemento com continuidade ou permanncia e que no se destine a venda, mas que pode ser transformado e/ou alterado pela ao de outro elemento inventarivel. (ex: papel recortado pela tesoura).

    5 Os elementos podem ser partilhados entre os povoadores, mas os povoadores no os podero herdar.

    6 Aps aberto, o inventrio no poder ser fechado. O inventrio no encerra os elementos, no expressa a vontade dos povoadores, nele os elementos so listados, mesmo que sem ordem ou numerao.

    7 Os povoadores esto vinculados aos usos dados aos elementos inventariados e ao tempo que podem dar aos elementos esses mesmos usos. A utilidade dos elementos determinante para saber os tipos de povoadores.

    8 Os povoadores ocupam o lugar, nem sempre o habitam, algumas vezes seus corpos esto l, eles no.

    9 Os povoadores sero recenseados todos os anos, porm sua permanncia dever ser constatada diariamente, verificada visualmente e registrada em documento apropriado. Se os povoadores no retornarem diariamente ao local onde os elementos inventariveis esto, algumas medidas que garantam seu retorno ou desligamento devero ser tomadas.

    10 O inventariante no poder ser um povoador, o inventariante um guardador.

    11 Os inventariantes podero inventar/introduzir/diversos/divertidos elementos em seus inventrios.

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    Rito de Arrolamento

    Os inventrios escolares no so frutos de discrdia ou conciliao entre os povoadores e guardadores das salas das escolas. So a juno das coisas em outras, lista arbitrria de elementos. A escolha destes elementos invariavelmente resultante do que os guardadores sabem sobre: a idade e habilidades de uso desses elementos por seus povoadores.

    Experimentaes de Inventrios:

    Sala 1 Porta, porta-lpis, porta de casinha, piso, janelas, janelas pintadas, janelas com flores, rodap, roda de carrinho, roda para contar as novidades, roda cantada, cadeira baixa, cadeira plstica, mesa baixa, mesa colorida, quadro negro, quadro verde, quadro de avisos, quadro de chamada, quadro de personagens, giz de quadro, giz de cera, cola, cola colorida, cola quente, lpis de cor, lpis preto, apontador de lpis, canetinha, pontas de lpis, folha A3, folha A4, folha branca, folha colorida, folha de livros, livros de gravuras, livros sem folhas, brinquedos, brinquedos pedaggicos, brinquedos de plstico, brinquedos de borracha, brinquedos de madeira, brinquedos de 1,99, brinquedos quebrados, potes de sorvete sem sorvete, latas de achocolatado sem achocolatado, tinta, tinta seca, argila, argila seca, tesoura sem ponta, pincel, pincel sem cerdas, pincel atmico, pano de limpeza, pano colorido, sujeira, sucata, lixo, dias da semana, dias do ms, calendrio, rotina, chamadinha, cantos temticos, cantinho, guardanapo, toalhinha de pano, toalhinha de papel, mochila da barbie, mochila do ben10, mochilas, alfabeto, nmeros, fotografias, nomes com letra basto, palitos, palitos de churrasco, copos de

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    iogurte, copos de iogurte com algodo e feijo brotando, feijes mortos, cheiro de iogurte azedo, cheiro de bolacha doce, velas, gua, fsforos, ganchos, tampas, garrafas, copos, revistas, revistas sem capa, revistas recortadas, retalhos de papel, fitas, fitas mimosas, fitas durex, fitas de dupla-face, moletons esquecidos, meia sem par, luvas, cd, dvd, pen-drive, T.N.T, MP3, E.V.A., fios, linhas, prendedores.

    Possveis povoadores:

    Os sete anes, pequeninos, piolhos, caros, crianas, crianas que perdem dentes, crianas com dentes nascendo, crianas contentes, de(z)contentes, professora sorridente, professora contente, professora descontente.

    Sala 2 Porta, porta-lpis, rodap, rodaforro, roda de chimarro, caneta esferogrfica, caneta colorida, mesa grande, cadeiras, sof pequeno, computador, impressora sem uso, papel, mensagem do Chico Xavier, citao de Paulo Freire, quadro de avisos, quadro de horrios, quadro de chaves, quadro de Nossa Senhora de Ftima, santinho de candidato, santinho de Nossa Senhora Desatadora de Ns, calendrio, revistas, revista da avon, referenciais curriculares, chimarro, ch, caf, gua, bolacha mole, po dormido, cuca, acar, aucareiro, colher, faca, cuia, bomba, erva, xcara, copo, bandeja, pano bordado, caderno de chamadas, cadernos, provas, testes, textos, CD, DVD, pen-drive, linhas, agulhas, giz de quadro, apagadores.

    Possveis povoadores: Comadres, Vizinhas, Amigas, Professoras, professores, supervisora, diretora.

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    Exerccios para um inventariante iniciante:

    1 Iniciar em salas amplas.

    2 Usar lpis, papel e borracha. Algumas vezes ser necessrio apagar.

    3 O olho importante para uma primeira tentativa, as portas das salas da escola no tm olhos mgicos.

    4 O olho no poder pinar elementos. Todos os elementos devero ser listados.

    5 No so indicadas tentativas de adivinhar os possveis povoadores antes de finalizar o inventrio.

    6 Ouvidos que ouvem, narizes que cheiram, peles que sintam. No necessariamente.

    ****

    Aps o arrolamento dos bens inventariveis os professores podero trocar entre eles os Inventrios. Criar com eles disposies diferentes das salas das escolas, intercambiar elementos de suas salas com as salas dos outros. Podero criar justificativas para que alguns elementos faam parte do arrolamento de suas salas. Os Inventrios Escolares em suas disposies prprias sero exerccios de experimentao dos professores com os elementos de suas salas de aula. Esses elementos, listados por eles prprios, e j conhecidos em seus usos, ao serem apreendidos pelos olhos dos inventariantes/depositrios fiis sero produo de novidade com o que j se conhece, com o j nomeado: material escolar, patrimnio.

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    Dos mapas mentais s redes e corpos que se expandem/exparzem6

    Cristian Poletti Mossi - UFSM

    6 - Este ensaio potico foi construdo mediante a compilao de fragmentos integrantes da dissertao de mestrado desenvolvida e defendida por mim junto ao Programa de Ps-Graduao em Artes Visuais (PPGART) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), sob orientao da professora Dra. Marilda Oliveira de Oliveira, na linha de pesquisa Arte e Cultura e no campo da Histria, Teoria e Crtica de Arte, intitulada Possveis territorialidades e a produo crtica da arte suturas e sobrejustaposies entre vestes sem corpos e corpos sem vestes (2010). O referido trabalho parte das possveis relaes tecidas por mim mediante as imagens das obras das artistas contemporneas Claudia Casarino e Vanessa Beecroft, as quais apresentam respectivamente em sua potica vestes sem corpos e corpos sem vestes. Cabe ressaltar que tal pesquisa constituiu-se a partir do ato de enfrentamento a tais imagens, contudo teve como resultado produes escritas e imagticas (dirio visual de pesquisa) as quais configuram um lugar que insurge nos cruzamentos entre as visualidades propostas por tais obras e a produo de sentidos proposta por mim enquanto pesquisador/propositor.

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    Experimentar em mim,

    Experienciar o outro em mim,

    Experienciar estar no outro.

    As pontes.

    Os mapas se tornam e acontecem em redes que produzem corpos. Vapores e cinzas que inventam formatos agudos e dobras. Os corpos, por sua vez, reinventam mapas que acontecem em tramas de sentidos, em infinitas e policrmicas direes.

    As redes nos perpassam.

    Figura 01: Claudia Casarino, sem ttuloObjeto/Instalao, detalhe, 2005

    Fonte: http://claudiacasarino.com/index.html

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    Figura 02: Vanessa Beecroft, vb 45

    Performance, detalhe, 2001 Fonte: http://www.vanessabeecroft

    O mapa mental, os espaos (em aberto) e as coisas que procuram seu lugar

    Das vrias coisas que procuro

    Encontro

    Um eu-voc

    Em cada conjuntura que se organiza em torno de mim.

    Amarro uma a outra sem desejar,

    nem desdenhar

    O antes e o agora que ser

    Depois.

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    Figura 03: Imagem do dirio visual do pesquisador

    Fomentar um espao. Estar num espao. Mentalmente estar.

    Os lugares se desenham e se configuram na prtica do permanecer, transitar e se desdobrar. As funes e as coisas se entre-ajustam num movimento de ir e vir, em mltiplas direes de contornar-se e recontornar-se. Os rascunhos so diversos e os caminhos sulcados a passos de diferentes dinmicas esto em constante devir. No existem a priori. So possibilidades em aberto que autorizam mltiplos ajustes e modos de flexibilizao. So campos de significao. Passam a existir no exerccio da experincia que ocorre em brechas de tempo, o tempo todo.

    Lembrar da ordem, desdobrar a ordem, destruir a ordem, o organismo. Pensar em uma ordem que seja mltipla, que contemple as vrias vozes ao mesmo tempo, num poliespao que no privilegia nem ordena um ou outro

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    objeto, imagem, mas que se reordena inventando conjuntamente seu ordenador.

    As coisas no tm lugar. Elas procuram o seu lugar.

    A constncia das redes

    O fim que ora se faz incio

    O incio que ora se faz fim

    As conexes, os ns, os meios... Encontro-me no meio.

    Figura 04: Imagem do dirio visual do pesquisador.

    Tecer uma rede. Expandir a rede. Atravessar a rede, nas mais variadas diligncias e direes. Vazar.

    Pensar numa rede remeter-se a algo que se (des)complementa e que se espalha em diversos sentidos. E produz sentidos cacofnicos. Algo que dialoga e se conecta, mesmo que em dinmicas contrrias.

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    Porosidades que criam conversaes. Mltiplas e infindas combinaes horizontais. Pensar numa rede entender que as possibilidades de experincia so dadas em entre-lugares que propem ns resultantes de foras, conceitos, contedos e corpos que participam (ou no) das diversas hipteses que podem ser alcanadas. A rede torna-se cada vez mais forte quanto mais tramas houver, quanto mais direes abarcar, quanto mais aberturas (trans)formar para si prpria. Uma rede prope convergncias e afastamentos ao mesmo tempo, dilogos e desconexes. Ela um todo sem totalidade, mas um todo mltiplo, atravessado. No exerce o fascnio pelo que se exclui, se execra. A experincia se faz em redes. Inventa redes. As redes inventam trmites, reordenam limites e fluxos de toda a ordem.

    O corpo expandido/esparzido

    Em mim,

    o volume se faz miragem,

    Produz contornos,

    entradas,

    Sobrepe um corpo ao outro

    E se liquefaz.

    O corpo se expande alm de si. Ajusta-se ao ambiente e ao olhar. Transforma o ambiente, embebe o olhar. E prope trocas entre o dentro e o fora, sem sequer op-los entre si. Inventa o dentro. Possibilita e produz o fora. O dentro no est entendido aqui enquanto o contrrio do fora, mas articulando o fora, inventando-se a partir do

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    fora e o ressignificando. O fora, em concavidades, produz um dentro em mltiplos e modelveis formatos. Dentro e fora que copulam constantemente. Neste sentido o corpo pode ser pensado, a partir dos mapas e em direo s redes, em uma dinmica que ostenta o todo tambm como um corpo formado por e em outros corpos.

    Figura 05: Imagem do dirio visual do pesquisador

    Assim, o corpo encontra-se, localiza-se nos mapas e tece, costura redes que tambm so corpos. O corpo, principal fora energtica que atua em ambos, deflagra-os num movimento de atravs. E invade os espaos pervertendo a si mesmo. Formula mapas e redes, descoberta tempos que ocorrem paralelos e entre-escapam pelos dedos virando cinzas de passados. Corroem presentes que so futuros e pretritos experimentados, dissecados por um caleidoscpio de senti(pensa)mentos.

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    Por uma pedagogia de estourar bales

    Lorena Mansanari Saibel - UFRGS

    Olvia de Andrade Soares - UFRGS

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    Ela j tinha se acostumado a fazer sempre duas verses de um mesmo trabalho: uma divertida e outra chata. Invariavelmente, os professores preferiam a chata. Da ltima vez, era um trabalho para uma disciplina na qual os textos sempre lhe pareciam chatssimos, pesados, obrigatrios, aprisionados e aprisionantes. Parecia que, se ela olhasse para o lado, estaria ali o autor vigiando-a, dedinho em riste balanando de um lado para o outro: Na-na-ni-na-no! Ela decidiu que tentaria a verso divertida com aquele professor, por que no? Mal comeou a apresentar o trabalho, viu as sobrancelhas do professor se arquearem, a boca virar um biquinho do lado esquerdo, as pernas subitamente se cruzarem, ele endireitar as costas na cadeira. Ao fim da apresentao, ele:

    Bom, est bem, entendi. Mas... Num texto acadmico, numa apresentao em um evento como em um congresso , no d pra usar poesia. Assim: o texto, pra ser interessante, pra ser bom de ler, no precisa ser poesia. Poema, no. Eu quero dizer...

    As pernas dele continuavam se mexendo, uma tossidinha ali, um clic de caneta aqui. Embora o professor fosse sempre gentil, o que ela escutava enquanto ele comentava sua apresentao era: Isso HE-RE-SI-A. Ao mesmo tempo, o que significava aquele corpo inquieto? O incmodo era tanto que o professor parecia querer precisar saltar de si mesmo.

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    * Imagens do acervo pessoal das autoras

    Seu desejo era dissipado pelo olhar corretor do professor, pela apatia das leituras e escritas obrigatrias. E para ela, a herege, que acreditava que o desejo era tudo, perceber que ali ele estava em segundo plano assim como o prazer tornava tudo mais duro e difcil. Ela se perguntava:

    O que acontece entre os corpos em uma sala de aula? Mas o que poderia acontecer com esses corpos?

    O prazer do texto esse momento em que meu corpo vai seguir suas prprias ideias pois meu corpo no tem as mesmas ideias que eu 7.

    Em outra disciplina, a professora falava de psicanlise, trazia textos de jornais. Um aluno:

    7 - BARTHES,1973, p. 24

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    Professora, isso tudo muito interessante, mas eu queria saber: quando ns vamos aprender DIDTICA??

    Imediatamente lhe vinha cabea a imagem de uma senhora Didtica uma mulher experiente, severa, respeitvel, que olhava para os pobres alunos por cima da armao dos culos pesados, segurando uma rgua que ela batia na mo: plaf-plaf-plaf , conhecida por todos aqueles que j estiveram em uma sala de aula. Dizem, inclusive, que se voc olhar fixamente para o quadro negro (ou branco, ou verde, tanto faz a cor essa senhora s enxerga preto e branco) por alguns minutos, ver seu espectro, e este no ser nunca esquecido.

    Outro muito citado nas aulas era o currculo que, da maneira como lhe era sempre apresentado, ela imaginava como sendo o senhor Currculo. Um homem de pernas cruzadas e barba branca. culos, naturalmente. Conhecido em todos os continentes, poliglota mais que assumido. Em suma, um senhor viajado. Monsieur, mister, seor, signore. Aquele que anda sempre pela mesma companhia area ou viao de nibus. No gosta de viajar de noite nem aceita imprevistos. Que, nas refeies, no usa sal ou temperos so fortes demais para seu estmago.

    Uma pergunta ecoava em sua mente dia e noite: seria possvel uma outra didtica, um outro currculo? Os dois juntos e saltitantes, quem sabe? Borbulhantes? Fazendo com que professores e alunos efervescessem at estourar, como bolhas de sabo? Corpos inquietos, se movimentando. Juntos em uma nova pedagogia, ligada ao pensamento, como nos fala Tomaz Tadeu da Silva (2002, p. 50):

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    O pensar o momento do choque do encontro com o outro do pensamento. O aprender o momento da conjuno mas no assimilao, mas no imitao, mas no identificao com o outro do pensamento.

    Ela se lembrava sempre de um texto do Walter Kohan (2002), em que ele dizia que e aqui ela chocaria os ainda dignssimos Sra. Didtica e Sr. Currculo em educao no se pensa, e que pensar pensar no novo. Pensando no que seria esse novo, ela se lembrava das tais bolhas de sabo uma nunca igual outra, e elas logo estouram no ar. Esse autor dizia:

    Ningum aprende deveras se no pode ser sede de um encontro com aquilo que o fora a pensar8.

    Fora a pensar? Como uma exploso, ela imaginava. Fogos de artifcio.

    E se fosse inventado um novo lugar, em que as coisas srias no fossem carrancudas? O prazer de ler. O prazer da aula. Mas preciso dizer: um lugar que no possa ser nomeado, e pra onde no seja possvel mandar cartas elas nunca chegariam , porque ele se recria rpido demais. Um lugar sem lugar, no qual ningum consiga fincar p ou hastear bandeira, pois num piscar ele j outros. Neste no-lugar estaria a senhora Didtica danando tangos, sambas e marchinhas com o senhor Currculo, inventando pensamentos. Aprendendo. Um baile em sala de aula, em que todos danam porque precisam danar, e cada um sua maneira (re)inventando seus prprios passos, mas em conjunto.

    8 - KOHAN, 2002, p. 129

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    No apenas a reunio ou o ajuntamento de corpos, o que acontece aos corpos quando eles se renem ou se juntam, sempre sob o ponto de vista de seu movimento e de seus mtuos afectos. No se trata apenas de uma questo de soma, mas de encontro ou de composio9.

    E o que aconteceria nesse no-lugar onde se passa esse baile, entre esses corpos? A dana do currculo no est voltada aos corpos em si, mas aos entres. Nesses espaos, as possibilidades se multiplicam, os encontros acontecem e se compem novas potncias. Em um espao que elimina os corpos desejantes, que se desfaz do prazer, no h entres, apenas buracos negros didtico-curriculares. Surge, ento, uma vontade de reinveno e inveno pela poesia, pelo prazer.

    Nenhuma preocupao com o ponto de partida ou com o ponto de chegada. O que conta o que se passa no meio. Sempre no meio10.

    9 - SILVA, 2002, p.56

    10 - SILVA, 2002, p.52

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    Ela inventou para si mesma uma brincadeira, um exerccio de pensar: encheu um grande balo cor-de-rosa e saiu a passear por entre os carros, as pessoas, as janelas. Na faculdade, na rua. No trem, no nibus, no parque. Um balo que desperta desejo e colore. Seus movimentos, ora pelo vento, ora pelas mos, combinam-se em uma dana de possibilidades rosa em espaos cinza. No prever seus movimentos, invent-los.

    Encher/ estourar bales: um exerccio de compor, colorir, poetizar, descobrir. Do intil, criar vidas. As vidas e os corpos em movimento, transformando a rigidez em poesia.

    Da surgiu a ideia: buscar, na experincia no baile , didtica e curricular, cultivar elementos balonsticos. Uma aula que se movimenta com o sopro de um currculo que dana e faz danar. A leveza no forjada, no forada, que nos leva a uma experincia de arte e criao.

    Fazer do currculo, pois, uma pura experincia spinoziana. Deleuziana. Cultivar os bons encontros. Aqueles que nos ajudam a nos apartar do efmero e do contingente para experimentar um gostinho do infinito e do eterno. Criar afectos e perceptos que, como as obras de arte, sejam como experincias de eternidade11.

    Por que no a poesia? A criao desses afectos e perceptos no advm de uma norma de produo, ou uma forma rgida. Pelo contrrio, deve-se a essa tal leveza (que nos falta). Se a inveno se d ali, nesse no-espao

    11 - SILVA, 2002, p. 56.

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    sem nome, sem paredes , ali onde os bales fazem suas danas, sem censura artstica.

    Foi a que criou ela uma espcie de lista imaginria. No uma lista como essas que conhecemos, escritas num papel ou numa tela, com uma sequncia, com uma rigidez. No. Seria mais como um balo cheio de coisas, e ela o estouraria e encheria constantemente. O balo se encheria e se esvaziaria de poesia, de pensamento, de dana, de heresia, de bolhas, de estouros, de inquietude, de criao, de loucura, de encontros, de efervescncia, de fome, de desejo, de potncias, de temperos, de cores entre outras coisas, infinitamente volteis e renovveis.

    Ela acredita em uma pedagogia de estourar bales.

    Nota de esclarecimento

    As definies da palavra saltar que aparecem na primeira imagem foram adaptadas do dicionrio Houaiss on-line,

    http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=saltar&stype=k (ltimo acesso em 20/10/2012).

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    Referncias

    - BARHES, Roland. O prazer do texto. (Trad. J. Guinsburg). So Paulo: Editora Perspectiva, 2010.

    - DELEUZE, Gilles. O que a filosofia? (Trad. Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Mufoz). Rio de Janeiro: Ed. 34,1997.

    - KOHAN, Walter. Entre Deleuze e a Educao: notas para uma poltica do pensamento. Revista Educaao & Realidade, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 123-130, julho/dezembro 2002.

    - SILVA, Tomaz Tadeu da. A arte do encontro e da composio: Spinoza + Currculo + Deleuze. Revista Educaao & Realidade, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 47-57, julho/dezembro 2002.

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    Saindo das brechinhas

    da incluso

    Daniela Medeiros SMED Iju/RS

    Patrcia Graff SMED Iju/RS

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    INCLUSO-DEFICINCIA-PARCERIA-PLANEJAMENTO

    Ops, FILOSOFIA DA DIFERENA (por nossa conta).

    Lanamos algumas palavras/conceitos como ponto de partida para esta conversao. Um ponto no inicial nas desconversas que propomos ou vrios pontos discordantes, convergentes, incitados pelas lentes de cada interlocutor/a, nesta escrita a duas mos, duas ideias que confabulam, reagem, convergem em torno da incluso.

    Sem a pretenso de uma linearidade, de um compasso, de respostas, receitas, dicas ou mtodos. Estamos a pensar alto, a delirar talvez, abrindo clareiras rumo ao imprevisvel.

    Carregadas de intencionalidades de perder-se nos labirintos de Corazza12. Ssmico, em labirintos, faz circular nuances infinitas da vida, pelas quais vale a pena constituir novos modos de existncia13. Reconstituir-se, ir sem saber exatamente para onde, abrir possibilidades para infinitos questionamentos e, acima de tudo, apresentar-se inalcanvel. Talvez, como Larrosa to bem definira, como [...] um sonho, um desejo impossvel, um horizonte inalcanvel, uma mera tendncia ao infinito14.

    Por isso, no intente tanta proximidade. Permita-se o descontrole pela hiptese de fazer parte destas desconstrues, destas no compreenses, de

    12 - CORAZZA (2007)

    13 - CORAZZA (2010, p. 168)

    14 - LARROSA (2004, p. 103)

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    um desentender-se e desconstruir-se em meio a um amontoado (no) organizado de ideias e crenas.

    Ah, sim: as ideias e crenas que pensamos ter, aquelas que realmente temos e as que almejamos fazem parte deste processo, e por isso sugerimos pensar nas nossas subjetividades. Trazemo-las discusso a partir da filosofia da diferena de Deleuze e por que no? de alguns palpites (indispensveis) de Foucault, j que, para este ltimo, no pensamos em sujeitos, mas em constituies subjetivas.

    Produes diria ele. Somos produto das distintas foras em ns atuantes, bem como daquelas de ns oriundas. Ou seja, somos o resultado de sutis, porm complexos, jogos de poder, engendrados nas tramas da sociedade: fabricamo-nos uns aos outros.

    Pela parceria, pela partilha, pelo convvio mtuo nos tornamos o que somos. Colaborativamente nos fabricamos, a ns, aos estudantes, aos nossos colegas...

    Tornamo-nos corpo: objeto e alvo do poder, somos corpo que se manipula, se modela, se treina, que obedece, responde, se torna hbil, corpo cujas foras se multiplicam, enfim, corpo til, corpo inteligvel15. Somos e fazemos ser, integrantes de uma maquinaria de poder16 que esquadrinha, desarticula e recompe o corpo.

    Corpo sensvel.Corpo ao.

    Corpo produtor de linguagem,De relaes,

    De afastamentos.De visibilidades e invisibilidades.

    Corpo sem rgos?

    15 - FOUCAULT (2009, p. 132)

    16 - Ibidem (p. 133)

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    Partimos, ento, do pressuposto que melhor seria evitar falar de um retorno ao sujeito, pois um processo de subjetivao, isto , uma produo de modo de existncia, no pode se confundir com um sujeito, a menos que se destitua este de toda interioridade e mesmo de toda identidade. Assim, a subjetivao um modo intensivo e no um sujeito pessoal. uma dimenso especfica sem a qual no se poderia ultrapassar o saber nem resistir ao poder17.

    Pensemos nas intensidades, crenas, escolhas, formas de ser, agir e pensar que nos configuram enquanto docentes. Pensemos nas constituies subjetivas e nas suas implicaes no ato de ser e fazer docente. Pensemos nas relaes que estabelecemos, nas parcerias que constitumos pelas andanas da vida/escola...

    Pensar no docente e no ato de planejar, envolver-se, colocar-se a pensar, construir, colaborar, inventar. Professor inventor. Inventor de ideias, histrias, experincias, movimentos e, especialmente, professor inventor de si mesmo.

    Cansamo-nos de ser as mesmas. Assim, sempre iguais, pelos mesmos caminhos, no mesmo ritmo, da mesma forma, sem surpresas (boas e ruins, se pensarmos na concepo dos dois lados de qualquer coisa, seguindo a ideia de oposio).

    O previsvel no mais nos mobiliza.Ficamos assim, estticas, errantes, frente ao j conhecido e

    esquadrinhado.Somos seres em busca do diverso,

    do inconstante...Moldamo-nos conforme a msica, a dana, o vento...

    17 - DELEUZE (1992, p. 123)

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    Talvez estes desejos se expliquem pelo lugar de onde falo/falamos, a duas vozes, dois corpos, dois pensamentos que se fundem, entrelaando-se, ora prximos, ora destoantes. Talvez o lugar da Educao Especial central nas nossas vidas explique alguns posicionamentos. No como ponto inicial, de partida, j que optamos pela descontinuidade, mas para situar, explicar, contar, desenhar trajetrias e experincias.

    Lugares que nos colocam a fazer e pensar na incluso.

    Incluso: no a lemos com estes olhos de assombro. No a tomamos como ponto de convergncia de interesses e aprendizagens, mas como espao de partilha, como potncia para o distinto, como efervescncia onde a obsesso pelo uno se dilui no diverso.

    Incluso como possibilidade de concatenar ideias, compartilhar experincias, aprender juntos, co-laborar, cativar...

    Que quer dizer cativar?, j perguntava o pequeno prncipe.

    algo quase sempre esquecido disse a raposa significa criar laos18.

    Criar laos, possibilit-los, estar disposto a eles, abrir-se ao outro. Este outro, que trilhou caminhos distintos dos nossos, foi produzido e tensionado em outras relaes, por outras foras e que, por isso mesmo, mexe conosco, movimenta-nos no emaranhado de laos.

    Cativemos, enredemo-nos nas redes de laos possveis ao espao escolar, permitamos extrapolar as redes. Que se criem outros laos, outros desvarios no cotidiano da escola.

    Que sejam explorados os laos desde o ato

    18 - SAINT-EXUPRY (2009, p. 66)

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    de planejar, subjetivar-se nestes planejamentos e construes, pensar colaborativamente, em conjunto, a fim de melhor compreender o movimento que tanto nos mobiliza atualmente e nos ltimos anos. Talvez de forma mais intensa a partir de 2008, com a chegada da Poltica Nacional de Educao Especial na perspectiva da Educao Inclusiva.

    H que se considerar os movimentos provocados pelas legislaes anteriores (entre 1996, com a LDBEN, at a Poltica acima citada), mas parece-nos que, com a efetivao da Poltica de 2008, as perturbaes foram intensificadas. Talvez porque ela tenha provocado uma desacomodao geral, de docentes, familiares, sociedade, profissionais das reas tcnicas.

    Ah, sim: o desacomodar-se pode provocar movimentos, refluxos, negaes, resistncias.

    A podemos pensar na escolha por dois caminhos distintos (apenas para citar estes):

    Podemos nos movimentar para rejeitar aquilo que surge como obrigatoriedade com tal Poltica. Movimentar-nos pelo desinteresse, j que os interesses sempre se encontram e se dispem onde o desejo lhes predetermina o lugar19. Sem desejo, sem movimento, estticos, parados, imveis, inertes.

    Nosso corpo (docente?) pode no dar conta de compreender (ingerir?), aceitar e acreditar em tal proposta, reagindo assim como um beb, que, ao no ficar um tempo para acomodar o leite que acabara de mamar, vomita. O refluxo como dificuldade de aceitar e acreditar em tal proposta. Rejeitar, expelir, colocar para fora de si, no sentir-se implicado.

    Podemos tambm seguir na negao, como muito ainda percebemos nas diferentes instituies escolares nas quais temos passado. No aceitar, no aceitar e no

    19 - DELEUZE (1992, p. 30)

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    aceitar. Se no aceito porque no acredito e por isso no me proponho a tentar, a fazer, a desacomodar-me.

    E, finalmente, o caminho descrito como caminho de resistncia. Absolutamente no aceito e no me disponho desacomodao. A resistncia que provoca rachaduras, vieses, marcas. Marcas do no-olhar, do no-fazer, do invisibilizar. Uma resistncia no potent