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COMARCA DE PASSO FUNDO JUIZADO REGIONAL DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE PROCESSOS Nºs 09612, 09899 e 10040 NATUREZA: ADOÇÕES E INTERVENÇÃO DE TERCEIROS (OPOSIÇÃO) PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO MERITÍSSIMO JUIZ: I – RELATÓRIO: 1. Processo nº 09612 : Trata este feito de um pedido de ADOÇÃO de BRUNO DE FREITAS, efetuado por ADELAIDE CABEDA, juntamente com a mãe biológica do menino, ROSELI FÁTIMA DE FREITAS, para o que apresentaram documentação pertinente (fls. 02/15). Considerando que a criança estava abrigada e que, a princípio, a requerente não constava no cadastro de pessoas habilitadas para adoção, o Ministério Público postulou, entre outras medidas, que se verificasse essa circunstância (fls. 17 e 18), a qual foi confirmada, revelando, inclusive, a existência de outros casais habilitados e interessados na adoção de crianças com as características do adotando (fls. 22 e 29), motivo pelo qual esta agente ministerial entendeu pela inviabilidade de atender ao pleito formulado pelas autoras (fl. 31).

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COMARCA DE PASSO FUNDO JUIZADO REGIONAL DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE PROCESSOS Nºs 09612, 09899 e 10040 NATUREZA: ADOÇÕES E INTERVENÇÃO DE TERCEIROS (OPOSIÇÃO)

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO

MERITÍSSIMO JUIZ:

I – RELATÓRIO: 1. Processo nº 09612: Trata este feito de um pedido de ADOÇÃO de

BRUNO DE FREITAS, efetuado por ADELAIDE CABEDA, juntamente com a mãe biológica do menino, ROSELI FÁTIMA DE FREITAS, para o que apresentaram documentação pertinente (fls. 02/15).

Considerando que a criança estava abrigada e que,

a princípio, a requerente não constava no cadastro de pessoas habilitadas para adoção, o Ministério Público postulou, entre outras medidas, que se verificasse essa circunstância (fls. 17 e 18), a qual foi confirmada, revelando, inclusive, a existência de outros casais habilitados e interessados na adoção de crianças com as características do adotando (fls. 22 e 29), motivo pelo qual esta agente ministerial entendeu pela inviabilidade de atender ao pleito formulado pelas autoras (fl. 31).

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Realizado estudo social relativo à adotante e à

família biológica do menino (fls. 23 a 25), sobreveio relato social atinente à situação do casal ANTÔNIO CARLOS LAIMER e JOSIVANE CARINA CONTE (fl. 33), previamente habilitados perante este Juizado, os quais postularam, também, a adoção do menino, oportunidade em que lhes foi concedida a guarda provisória da criança (fl. 15 do processo nº 09899, em apenso).

Em face disso, a requerente apresentou a petição

das fls. 35 a 44, instruída com documentos (fls. 45 a 50), manifestando sua inconformidade com a decisão proferida e postulando a continuidade do feito. Ajuizou, ainda, juntamente com ROSELI FÁTIMA DE FREITAS, oposição ao pedido de adoção de ANTÔNIO CARLOS e JOSIVANE (fls. 02 a 12 do processo nº 10040, em apenso).

O Ministério Público posicionou-se pela extinção

deste feito, pela perda de seu objeto, e pela tramitação da oposição (fls. 53 e 54).

As adotantes, uma vez mais, manifestaram-se,

postulando o prosseguimento da ação e procedendo à juntada de seu rol de testemunhas (fls. 57 a 62).

O Magistrado designou audiência para tentativa

de conciliação, conforme fl. 36 do processo nº 10040, em apenso, tendo o feito seguido seus trâmites nos autos daquele processo.

2. Processo nº 09899: O presente feito refere-se a um pedido de

ADOÇÃO efetuado por ANTÔNIO CARLOS LAIMER e JOSEVANE

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CARINA CONTE contra ROSELI FÁTIMA DE FREITAS, com relação a BRUNO DE FREITAS, sendo que já é adotante de uma irmã biológica do menino, instruído com documentos (fls. 02 a 10), sendo que a complementação da documentação necessária se encontra no processo nº 06384 – habilitação para adoção, em apenso, incluindo estudo social e parecer psicológico.

O Ministério Público, com vista dos autos, opinou

pelo deferimento da guarda provisória e realização de estudo social, além de audiência para oitiva da mãe biológica, visando a obter o seu consentimento (fl. 12).

Acolhida integralmente a promoção ministerial,

foi deferida a guarda provisória (fl. 15) e elaborado novo estudo social (fl. 19).

Nesse ínterim, ADELAIDE CABEDA e

ROSELI FÁTIMA DE FREITAS ajuizaram ação de oposição a este pleito (fls. 02 a 12 do processo nº 10040, em apenso), tendo o Magistrado determinado que se aguardasse o prazo para contestação dos opostos naquele feito (fl. 25).

O Magistrado designou audiência para tentativa

de conciliação, conforme fl. 36 do processo nº 10040, em apenso, tendo o feito seguido seus trâmites nos autos daquele processo.

3. Processo nº 10040: Trata-se de uma intervenção de terceiros, na

forma de oposição, ajuizada por ADELAIDE CABEDA, juntamente com ROSELI FÁTIMA DE FREITAS, em face do pedido de adoção efetuado por ANTÔNIO CARLOS LAIMER e JOSEVANE CARINA CONTE com relação a BRUNO DE FREITAS (fls. 02 a 12).

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Citados, os opostos contestaram (fls. 17 a 24),

sobrevindo a réplica (fls. 26 a 31). O Ministério Público opinou pela extinção do

feito, com a acolhida da preliminar de ausência de interesse processual argüida pelos opostos, ou, caso não fosse o entendimento do juízo, postulou a designação de audiência de instrução e julgamento (fls. 33 e 34).

Realizada audiência de tentativa de conciliação

(fls. 39 e verso), foi juntado aos autos estudo social (fls. 46 e 47) e avaliação psicológica das partes (fls. 53 a 55).

Em audiência de instrução e julgamento,

procedeu-se à oitiva da mãe biológica, que concordou com a colocação de BRUNO em família substituta, e de cinco testemunhas (fls. 64 a 67 e versos).

Juntados documentos (fls. 68 a 70), as partes

apresentaram memoriais (fls. 75/77 e 79/83), vindo os autos, em seguida, para parecer final.

É o relatório.

II – CONSIDERAÇÕES INICIAIS:

Os pedidos de adoção efetuados por ADELAIDE

CABEDA e ROSELI FÁTIMA DE FREITAS (processo nº 09612) e ANTÔNIO CARLOS LAIMER e JOSEVANE CARINA CONTE (processo nº 09899), ambos relacionados ao menino BRUNO DE FREITAS, assim como a oposição oferecida por ADELAIDE CABEDA e

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ROSELI FÁTIMA DE FREITAS (processo nº 10040), foram devidamente instruídos, de forma conjunta, sendo conveniente sua análise simultânea, para posterior decisão judicial.

Em face do princípio da economia processual, e

considerando que a oposição ajuizada deve ser decidida primeiramente, mesmo que de forma concomitante com a ação principal, conforme artigo 61 do Código de Processo Civil, diante da prejudicialidade que exerce sobre essa, influindo decisivamente na questão, esta agente ministerial entende ser adequado analisar e posicionar-se sobre todos os pedidos realizados em um único parecer, opinando pela solução mais viável ao caso concreto e ao contexto apresentado, passando a analisar, abaixo, pormenorizadamente, os fatos e o direito aplicável à espécie.

III – DA OPOSIÇÃO E DO PEDIDO DE ADOÇÃO AJUIZADOS POR ADELAIDE CABEDA ROSELI FÁTIMA DE FREITAS (Processos n.ºs 09612 e 10040):

1. PRELIMINARES: Após compulsar detidamente os autos, constata-se

que a ação de oposição ajuizada por ADELAIDE CABEDA e ROSELI FÁTIMA DE FREITAS deve ser extinta sem julgamento do mérito, uma vez que ausentes pressupostos processuais e condições da ação, com base no artigo 267, IV e VI do Código de Processo Civil.

Com efeito, a ação foi proposta de forma

equivocada, pois ADELAIDE litiga em conjunto com a mãe biológica de BRUNO, ROSELI FÁTIMA DE FREITAS, ré no processo principal (nº 09899), voltando-se apenas e unicamente contra os interesses dos autores do referido feito.

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Torna-se necessário destacar que o ajuizamento da oposição implica, consoante artigo 56 do Código de Processo Civil, em cumulação de ações, em face da necessidade de interposição de duas ações distintas, na forma de litisconsórcio passivo necessário, uma contra o oposto/autor e outra contra o oposto/réu, sendo que o opoente sempre deverá demandar o autor e o réu do processo principal, propiciando, com isso, que os efeitos decisórios do processo em que atua como opoente repercuta na sua esfera jurídica, a fim de que seu direito seja reconhecido primeiramente.

Nesse caso, a inicial deveria ter sido dirigida

contra os autores e a ré da adoção, o que não foi observado. A oposição não foi impetrada contra ROSELI, que figura no pólo passivo da ação principal, circunstância inadmissível e que vicia o feito, tornando a inicial inepta pela irregularidade na formação do pólo passivo.

Ainda, apenas para argumentar, é notória a falta

de interesse de agir de ADELAIDE. Em primeiro lugar, porque já existe uma ação de adoção ajuizada por ela. Em segundo lugar, porque não há como inferir a plausibilidade do direito pleiteado pela autora, considerando que, em se tratando de um processo de adoção, somente a convivência da criança com os adotantes permitiria verificar a possibilidade de concessão do pedido, inexistindo qualquer fundamento fático ou jurídico para que a opoente entenda que esse direito seja seu. Assim, inviável seria aferir a adaptação da criança à opoente, ainda que todos os demais requisitos da ação estivessem preenchidos, faltando, também, uma das condições da ação, o que leva à sua carência.

Além disso, a oposição é caracterizada pela

intervenção espontânea de terceiro em processo em andamento, em que o autor e o réu estejam disputando algum direito que ele entende ser seu, no todo ou em parte. Nesse particular, resta claro a falta de uma das condições da ação também no que se refere à ROSELI, pela falta de legitimidade “ad causam”, sendo ela, igualmente, carecedora de ação.

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A fim de esclarecer a questão, segue abaixo transcrita parte da lição de Humberto Theodoro Junior 1 a respeito do tema:

“Consiste a oposição, portanto, ‘na ação de terceiro para excluir tanto autor como o réu’. Com essa intervenção no processo alheio, o terceiro visa a defender o que é seu e está sendo disputado em juízo por outrém. (...) Desde logo, portanto, pode o opoente, para abreviar a solução da pendência entre ele e as duas partes do processo, pedir o reconhecimento judicial de seu direito, que exclui o dos litigantes. (...) Sua admissibilidade, todavia, está subordinada à existência de uma disputa de outrem sobre a coisa ou direito que o opoente pretende seu. (...) A pretensão do opoente é também diversa e contrária à de ambos os litigantes e visa a uma sentença que pode ser declaratória ou condenatória, conforme pedir apenas o reconhecimento do direito ou também a entrega da coisa em poder de um dos opostos”. (g.n.) Ovídio A. Batista da Silva e Fábio Luiz Gomes2

lecionam que “A finalidade da oposição, instituto de rara utilização prática, em nosso direito, é assegurar as vantagens da economia processual, dando oportunidade a que o opoente se valha do processo já instaurado para nele incluir a sua demanda excludente da demanda

1 JUNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil, Vol. I, 34ª edição, Ed. Forense, 2000, p. 104. 2 SILVA, Ovídio A. Batista da; GOMES, Fábio Luiz. Teoria Geral do Processo Civil, Ed. Revista dos Tribunais, 1997, pp. 189 e 190.

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proposta pelo autor da ação principal, ou da reconvenção do réu, contra a qual também pode se opor”.

Por sua vez, Thetonio Negrão3, embasando o

posicionamento exarado acima, refere a seguinte jurisprudência sobre o assunto:

“A oposição é dirigida contra autor e réu, ao mesmo tempo, e não contra um deles apenas (RTJ 111/1.350, RTFR 134/55, RT 605/134, Bol. AASP 1.529/80)”. “Réu não pode ser opoente (RJTJESP 134/158)”. Ainda, Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade

Nery 4, ao comentarem o artigo 56 do Código de Processo Civil, afirmam que um dos requisitos para o ajuizamento da oposição é que seja dirigida contra autor e réu ao mesmo tempo, em litisconsórcio passivo necessário, por força de lei, não sendo possível dirigi-la contra apenas um deles (RT 605/134; RT 599/262; 506/145; RTJ 111/1351; JTACivSP 49/116) e não possuindo o réu legitimidade para oferecer oposição (RJTJSP 134/158).

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do

Sul prolatou a seguinte decisão, aplicável, em parte, ao presente caso: “AÇÃO DE OPOSIÇÃO. INTERVENÇÃO DE TERCEIROS. ARTIGO 56 DO CPC. DEVENDO A OPOSIÇÃO SER DIRIGIDA CONTRA AUTOR E RÉU AO MESMO TEMPO, INCABÍVEL ESTA EM AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO QUANDO A PRETENSÃO DO RECORRENTE É DIRIGIDA APENAS CONTRA UM DOS OPOSTOS (INTELIGÊNCIA DO ART. 56 DO CPC). PARA TANTO O OPONENTE POSSUI AÇÃO AUTÔNOMA

3 NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil, 27ª edição, 1996, Ed. Saraiva, pp. 117 e 118. 4 JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado, 3ª edição, Ed. Revista dos Tribunais, 1997, pp. 340 e 341.

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PRÓPRIA. APELO DESPROVIDO. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70003173614, DÉCIMA OITAVA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO, JULGADO EM 31/10/2002)”. Diante desse quadro, constata-se que, além da

ausência de pressupostos processuais, em face da não formação de uma relação jurídica válida, não se vislumbra, igualmente, as condições da ação, haja vista a inexistência de legitimidade “ad causam” de uma das autoras e a ausência de interesse jurídico na tutela, inviabilizando, com isso, a prolatação de uma sentença de mérito, devendo o processo ser extinto.

Da mesma forma e pelos mesmos fundamentos,

verifica-se que o feito relacionado ao PEDIDO DE ADOÇÃO (processo nº 09612) efetuado por ADELAIDE, conjuntamente com ROSELI, deve ser extinto sem julgamento do mérito.

Nesse caso, também não há formação de relação

processual válida, haja vista a ilegitimidade de parte, uma vez que a própria mãe biológica figura como autora da ação de adoção, além de inexistir figurante no pólo passivo da demanda.

ADELAIDE, ao postular a guarda e a adoção de

BRUNO, o fez juntamente com ROSELI, mãe biológica da criança, sem indicar contra quem a pretensão se dirige. ROSELI, por sua vez, não é parte legítima para postular a adoção de seu filho, sendo carecedora de ação, por total impossibilidade jurídica do pedido e ausência de interesse de agir, motivo pelo qual o feito deverá ser extinto sem analisar o teor do pedido propriamente dito.

Concluindo, verifica-se que tanto na ação de

oposição quanto na de adoção, há ausência de pressupostos processuais relacionados à validade do processo e de condições da ação.

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Quanto ao primeiro aspecto, as ações foram

irregularmente propostas, uma vez que, na oposição, o pólo passivo ficou incompleto e, na adoção, é inexistente, causando a inépcia da petição inicial. Quanto às condições da ação, em ambas as demandas, ROSELI é parte ilegítima para a causa e não possui interesse de agir, visto ser mãe biológica da criança, cuja adoção está sendo disputada. ADELAIDE, por sua vez, também não possui interesse de agir, como restou demonstrado claramente pelo exposto.

Assim, a medida mais adequada para a solução

destes feitos é a extinção de ambos os processos sem julgamento de mérito, com base no artigo 267, incisos IV e VI, do Código de Processo Civil.

2. MÉRITO: Em que pese toda a argumentação acima exposta,

caso tal entendimento não seja compartilhado pelo Julgador, entendendo por adentrar na análise do mérito da oposição e do pedido de adoção, o Ministério Público posiciona-se pelo indeferimento de ambas as pretensões.

Como já referido, não há provas aptas a

demonstrar a razoabilidade do direito postulado, haja vista que, em primeiro lugar, a convivência da criança com a adotante é medida indispensável para verificar a possibilidade da concessão do pedido, inexistindo qualquer direito estabelecido da opoente ADELAIDE em efetivar a adoção, medida que somente será levada a efeito se constatadas as reais vantagens e benefícios para o adotando e se existirem condições pessoais, morais e materiais do pretendente à adoção.

Tais circunstâncias devem ser avaliadas por

profissionais habilitados, de acordo com os interesses da criança, após o interessado na adoção habilitar-se perante o Juizado Regional da Infância e da Juventude e, em algumas situações, sendo deferido o pedido somente

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após um estágio de convivência, a fim de verificar a adaptação de ambas as partes.

Como se depreende de todos os elementos

juntados aos autos, ADELAIDE não reúne as características necessárias para adotar uma criança, em especial BRUNO, pelo menos neste momento.

Em primeiro lugar, ela não se habilitou perante o

Juizado Regional da Infância e da Juventude para a adoção, inviabilizando o deferimento do pleito de adoção proposto, sendo inquestionável a preferência concedida aos casais habilitados, conforme se extrai do conteúdo da Lei nº 8.069/90, com relevo para o artigo 50, não sendo possível atender aos pedidos de adoção, especialmente de crianças que estejam abrigadas, sem observar a listagem preexistente, inclusive para evitar desestímulo à prévia habilitação.

A única razão pela qual ADELAIDE entende

possuir alguma preferência na adoção de BRUNO é o fato de que a criança lhe foi entregue diretamente pela mãe biológica. Entretanto, tal procedimento é totalmente irregular, não devendo ser admitido, salvo as exceções previstas na legislação, que caracterizam a hipótese de adoção “intuitu personae”, desde que devidamente comprovadas.

Aliás, sobre esse assunto, muito embora, a

princípio, pudesse se antever a possibilidade de que a mãe tivesse a intenção de realizar uma adoção “intuitu personae”, entregando o filho para ADELAIDE, em face de alguma afinidade ou afetividade existente, verifica-se que isso não ocorreu. Na verdade, houve uma entrega direta da criança, sem atenção e respeito aos trâmites legais, pois a genitora simplesmente não possuía condições de criar o filho e, sabendo do interesse de ADELAIDE entregou a ela o bebê.

Não há comprovação de qualquer estreito vínculo entre elas, aptos a legitimar e validar a adoção “intuitu personae”. Pelo contrário, a opoente e adotante apenas prestou auxílio material à família de

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ROSELI durante a gravidez, possivelmente com o objetivo de receber a criança após o seu nascimento.

Tais circunstâncias restam comprovadas pelo

depoimento de ROSELI em juízo, oportunidade em que concordou com que a criança fosse colocada em outra família substituta, demonstrando a inexistência de qualquer preferência acerca da família que irá acolher o menino, conforme abaixo transcrito:

“... ‘ela me ajudou e correu comigo na gravidez de Bruno’ e a depoente prontificou-se a entregar-lhe dito menino, que seria cuidado e educado por Adelaide... A depoente não recebia qualquer tipo de ajuda do pai das crianças e Adelaide tinha condições de criar Bruno. Adelaide levava ‘coisas’, para a depoente, durante a gravidez...A depoente morava com sua mãe, que também se beneficiava das ajudas de Adelaide ... A depoente concorda com o encaminhamento de Bruno a família substituta, ‘que esteje bem’. A depoente está ciente de que essa decisão é irrevogável e irretratável e de que o infante será encaminhado à família substituta a ser apontada por este Juízo. A depoente tem conhecimento de que o infante poderá ser destinado a outra família, distinta daquela da opoente, mantendo essa concordância” (fl. 67, verso). A fim de elucidar a matéria, o Promotor de

Justiça, Dr. Júlio Alfredo de Almeida, em sua Monografia de Especialização em Direito Comunitário: Infância e Juventude, intitulada “ADOÇÃO INTUITU PERSONAE – UMA PROPOSTA DE AGIR”, confirma que tal espécie de adoção é permitida nas hipóteses do artigo 28, §2º do Estatuto da Criança e do Adolescente, referendadas pelos arts. 4º, 19, 43, do mesmo diploma legal, sendo dispensada, portanto, a observância do cadastro de pessoas habilitadas para adoção, somente podendo ser realizada em casos excepcionais, em três hipóteses específicas: parentesco, afinidade e afetividade. Refere ele que:

“Em tais situações efetivamente a adoção "intuitu personae" é válida e a escolha procedida pelos genitores deve ser considerada como importante fator de decisão”.

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Entretanto, fora dessas situações a adoção "intuitu personae", há que ser tratada e combatida de forma absolutamente rápida, precisa e rigorosa, impedindo-se a formação dos vínculos”. Porém, segundo ensina, há que se diferenciar a

adoção “intuitu personae” da entrega direta da criança pelos integrantes da família natural a terceiros – seja pela “adoção à brasileira” ou pela adoção irregular – com quem não tenham efetivo vínculo, situação que ofende, desestrutura e desacredita o sistema de adoção previsto pelo ECA.

E prossegue: “Tais hipóteses, como já dito, submetem não só o infante colocado em família substituta à situação de risco, mas tem o efeito de influenciar demais pretendentes, ainda que de ocasião, a continuar nessa escalada de adoções indevidas sem que tenha havido prévio exame de suas efetivas condições. Nesse caso, ao contrário da situação permitida e estipulada pelo art. 28, § 2º, do ECA, o pretendente à adoção não foi avaliado sequer por pessoa que tenha alguma ligação com a criança. O infante é lançado à sorte ou azar, sem que haja qualquer elemento a indicar alguma segurança. Não é a mera vontade de adotar que basta à recepção de uma criança, existem critérios e condições a serem observados e atendidos, tudo centrado na "real vantagem" ao adotando. A entrega direta incentiva o tráfico e intermediação de crianças, incrementando um dos mais reprováveis atos de ganho de dinheiro, o que é combatido pelo Estatuto em seus arts. 238 e 239 e sofre severa restrição no regramento internacional. Outro fator a ser sopesado é que a grande possibilidade que os pais biológicos, sabedores onde e com quem está a criança, seja pelo breve contato que tiveram com os adotantes quando da entrega, seja pelo intermediário,

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passem a achacar a família substituta, realizando pedidos de contato com o filho ou mesmo objetivando "auxílio" financeiro, gerando intranqüilidade e instabilidade naquela família, e de forma inexorável, refletindo negativamente na criança”. Inobstante a total irregularidade da entrega direta

da criança à ADELAIDE pela genitora, procedimento esse que deve ser evitado e combatido, como o foi, considerando que o menino foi retirado de sua guarda fática pelo Conselho Tutelar e encaminhado ao abrigo, onde permaneceu até ser entregue aos opostos, por ocasião do deferimento da guarda provisória postulada na ação principal, depreende-se, pelo teor dos estudos técnicos e pela oitiva das testemunhas, que a opoente não reúne as mínimas condições necessárias para adotar BRUNO, devendo, portanto, ser indeferida a sua pretensão.

Os estudos sociais realizados pelas profissionais

competentes corroboram tal posicionamento, revelando, inclusive, que há dúvidas sobre a verdadeira motivação da adoção desejada, medida com a qual não concorda nem mesmo a sua família. Nesse sentido:

“Conta ela que nunca pensara em adotar uma criança, que já teve seus filhos e assim não era um projeto de vida, mas que como conhece as dificuldades da família, que já acompanhara a adoção de uma sobrinha, quando Bruno ‘apareceu’ em sua vida, e a transformou, lhe dando alegria de viver, e preenchendo sua solidão, passara a desejar a adoção dele. (...) Quando questionada sobre o que pensam seus familiares desta situação, inicialmente diz que nunca pedira a opinião deles, e posteriormente diz que eles acham uma loucura, pois ela já teve seus filhos, e ela ressalta que eles possuem outra visão de mundo, muito diferente dela. (...) Em relação a requerente Adelaide, pairam muitas dúvidas sobre seu real desejo na adoção, qual sua motivação e se esta condiz com esta medida. Assim, sugiro seja encaminhada a requerente para avaliação psicológica.

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Sugiro também seja encaminhada a criança em tela para família substituta o mais breve possível, pois sua institucionalização não lhe é benéfica” (fls. 24 e 25 do processo nº 09612). “Também a pretendente, Sra. Adelaide Cabeda, denota não possuir condições emocionais para o encargo visto não ter conseguido criar nem seus três filhos biológicos, os quais residem com os avós maternos. Os próprios familiares e conhecidos relatam as dificuldades emocionais apresentadas pela Sra. Adelaide. Assim, acreditamos ser contra-indicada sua habilitação junto ao setor técnico deste Juizado. Considerando a situação familiar atual de Bruno, do ponto de vista social, somos de parecer favorável à sua adoção pelos guardiães” (fl. 33 do processo nº 9612). “Adelaide foi casada e tem três filhos, hoje com 19, 17 e 13 anos. Eles foram criados pela avó materna e até hoje vivem em sua casa. Adelaide que já teve vida conturbada, com problemas, está tentando se organizar e fazer o que já poderia ter feito, ou seja, está fazendo o 2º grau – magistério no Enave e ela está se esforçando muito para dar conta da escola e do seu trabalho. (...) Adelaide está consciente de que membros de sua família, se bem que nós só conversamos com sua mãe, não concordam e não a apoiam na adoção do menino. (...) Pensando na criança e para não haver nova ruptura em sua vida seria oportuna a sua permanência com o casal” (fls. 46 e 47 do processo nº 10040). Por sua vez, o laudo de avaliação psicológica

revela: “Entretanto, toda essa situação (de ter Bruno consigo e de terem tirado dela, segundo ela) deixou Adelaide bastante ressentida, abalada emocionalmente e com sentimento de ter sido traída. Está bem a vista o grande amor que tem por esta criança, mas se questiona sobre

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como esta criança iria crescer com toda essa carga emocional mal resolvida e sem nenhum apoio familiar. (...) Diante desta realidade e deste delicado caso, conclui-se que Bruno ficará em melhores condições emocionais junto do casal Antônio Carlos e Josevane” (fls. 53 a 55 do processo nº 10400). A testemunha JAQUELINE CABEDA, irmã de

ADELAIDE, ao ser ouvida durante a instrução, asseverou que, efetivamente, ADELAIDE não possui condições de criar e educar um filho, não sabendo o motivo pelo qual ROSELI já entregou dois filhos à ADELAIDE, e confirmando que a família não concorda com a adoção (fls. 64 e 64, verso, do processo nº 10040).

Por sua vez, JOELMA SEVERO ALBA revelou

que ROSELI entregou BRUNO à ADELAIDE por não possuir condições de criar e educar a criança (fl. 65, verso, do processo nº 10040).

O Conselheiro Tutelar DAGOBERTO LUIZ

SANGALETTI afirmou que retirou a criança da residência de ADELAIDE por não haver documentação regularizando a situação, tendo mantido contato com a genitora, que revelou ter sido pressionada por sua mãe para entregar o filho para adoção, a qual exigia benefícios em troca da criança (fl. 66 do processo nº 10040).

A seu turno, a Assistente Social BERNARDETE

LONGHI BECK ratificou o teor da avaliação que lançou nos autos, desfavorável à opoente e adotante ADELAIDE (fl. 66, verso, do processo nº 10040).

É mister destacar que o contexto apresentado é

bastante complexo e delicado, em face da disputa existente entre dois núcleos familiares pela adoção de uma criança, a qual não pode sofrer as conseqüências do litígio, devendo ser resguardada ao máximo, a fim de

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preservar os laços e vínculos criados até o momento, possuindo a certeza de que é querida, amada e protegida por aqueles que a acolhem.

Por outro lado, a questão não é de difícil solução,

uma vez que, pelo minucioso exame dos elementos constantes nos autos até o momento, apenas um desses dois núcleos familiares, o de ANTÔNIO CARLOS e JOSEVANE, é apto e reúne as condições para, efetivamente, adotar e permanecer com BRUNO.

Com efeito, BRUNO já está convivendo com o

casal e com sua irmã natural, com os quais já possui vínculos afetivos formados, tendo sido demonstrado nos autos que manter a criança com eles é medida mais do que salutar e recomendável, como será possível vislumbrar pelas considerações abaixo realizadas. IV – DO PEDIDO DE ADOÇÃO REALIZADO POR ANTÔNIO CARLOS LAIMER e JOSEVANE CARINA CONTE (Processo nº 09899):

1. Preliminarmente, deve ser salientado que o

feito encontra-se regularmente instruído, podendo ser analisado o mérito da pretensão formulado pelos requerentes.

A matéria da adoção é analisada sempre de forma

a se verificar o interesse do adotando, cabendo transcrever a lição de Maria Josefina Becker, à época atuando como Assistente Social junto ao Juizado da Infância e da Juventude em Porto Alegre, trecho contido na aclamada obra Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, diversos autores, Editora Malheiros, p. 148:

“O fundamental é que a adoção é uma medida de proteção aos direitos da criança e do adolescente, e não um mecanismo de satisfação de interesses dos adultos. Trata-se, sempre, de encontrar um família adequada a uma determinada criança, e não de buscar uma criança para aqueles que querem adotar”.

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De outra via, a despeito da colocação em família

substituta ser tida como medida excepcional pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, a ser aplicada tão somente quando a família de origem não apresentar as condições necessárias para o desenvolvimento da criança ou adolescente em um ambiente sadio e harmonioso, que lhe propicie as condições necessárias para a formação de sua personalidade, tem-se o instituto da adoção como verdadeira ferramenta para a efetiva aplicação do princípio entabulado no artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que assim dispõe:

“Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes”. Desse modo, ao prever a possibilidade de inserção

da criança em família substituta, sob alguma das modalidades estabelecidas no artigo 28 da Lei 8.069/90, o legislador, de certa forma, complementou o texto legal do artigo 19, regulamentando institutos (de maior ou menor complexidade) que se destinam a viabilizar o acolhimento da criança ou adolescente sob o seio de um determinado grupo familiar.

Com isso, fica evidente a preocupação de que seja

assegurado, sempre possível, à criança ou adolescente, independentemente de sua situação jurídica, o direito de se desenvolver em um ambiente familiar, dotado de toda atenção de que necessita.

A respeito, vale transcrever o posicionamento do

doutrinador YUSSEF SAID CAHALI5, ao comentar o texto do artigo 34 do Estatuto da Criança e Adolescente:

5 Cury Munir, Coordenador, Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, Ed. Malheiros, 6ª Ed., pg. 149.

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“ Acalenta-se a esperança de que o menor que caiu na orfandade ou foi relegado ao desamparo ou desprezo no ambiente doméstico encontrará na família substituta o carinho e amparo propício ao normal desenvolvimento de sua personalidade, vencendo seus conflitos precoces ... A experiência tem demonstrado que a “convivência familiar” ainda que no seio de uma família substituta, apresenta vantagens que se sobrepõem – psicológica, moral e economicamente – às soluções buscadas por via de internação em estabelecimentos governamentais e não governamentais, na formação e recuperação dos menores carentes”.

No mesmo esteio, desmistificando a aplicação dos institutos previstos no artigo 28 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o estudioso LUIZ PAULO SANTOS AOKI6 presta os seguintes esclarecimentos:

“Deste modo, procede-se à colocação em família substituta, segundo a previsão legal do art. 28, sob a égide dos institutos da guarda, tutela ou adoção, que não nos cabe, aqui, analisar, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente ... Este advérbio explicita que é possível a colocação em família substituta em qualquer situação jurídica em que se encontre a criança ou adolescente, bem como que as normas sobre guarda, tutela e adoção aplicam-se a toda e qualquer criança e adolescente (Estatuto da Criança e do Adolescente Anotado, Cury, Garrido, e Marçura, Ed. RT, 1991), retirando o asco que por vezes se nutria ao tratar-se de criança ou adolescente posto sob guarda, tutela ou adoção, preconcebendo que este fosse herdado de família dissolvida, órfão abandonado, na chamada ‘situação irregular’, ou de pais tão irresponsáveis que lhes foi retirado o pátrio poder”.

6 Cury Munir, Coordenador, Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, Ed. Malheiros, 6ª Ed., pg. 128.

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2. Com efeito, em face das considerações já realizadas e pela análise dos elementos fáticos e jurídicos que integram os processos, resta demonstrado claramente a vantagem do deferimento do pedido realizado por ANTÔNIO CARLOS LAIMER e JOSEVANE CARINA CONTE, sendo legítimos os motivos que o cercam, em prejuízo do pedido ajuizado por ADELAIDE CABEDA, medida que trará reais benefícios para o adotando, exigências contidas no artigo 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

No caso em tela, existe o consentimento da mãe

biológica com a adoção, conforme artigo 45, "caput", da Lei n.º 8.069/90, o qual foi obtido por ocasião da audiência de instrução (fl. 67, verso, do processo nº 10040), requerendo o Ministério Público, desde já, a homologação judicial deste ato de vontade.

Além disso, o fato de estarem inseridos nos autos

dados que revelam as condições morais e econômicas dos requerentes ANTÔNIO CARLOS e JOSEVANE, contribui de forma decisiva para o acolhimento de sua pretensão adotiva.

Dessa forma, é importante destacar o teor dos

estudos sociais efetuados pelas profissionais competentes: “Conheceram Bruno dias após o nascimento mas ele estava com a Sra. Adelaide que queria adotá-lo. Ao saberem do abrigamento e da possibilidade de uma nova CFS, começaram a pensar na possibilidade de adotarem o menino, constituindo assim, com os irmãos, a família que tanto desejavam. Após contato com o Sr. Juiz, orientamos ao casal que ingressasse com a ação, eis que do ponto de vista social, o fato de serem acolhidos pela mesma família só irá beneficiá-los. (...) Conforme laudo da colega assistente social, a família natural (mãe, avó) não possuem condições de permanecer com o menino. Também a pretendente, Sra. Adelaide Cabeda, denota não possuir condições emocionais para o

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encargo, visto não ter conseguido criar nem seus três filhos biológicos, os quais residem com a avó materna. (...) Considerando a situação familiar atual de Bruno, do ponto de vista social, somos de parecer favorável à sua adoção pelos guardiões” (fl. 19 do processo nº 09899).

“O casal está com o menino Bruno desde o dia 01-07-04 e ele está indo bem. (...) Eles também estão investigando na criança, intolerância à lactose e se caso isso se confirme ele só poderá tomar leite de soja. Independente disso, o casal está muito feliz e realizado com o menino que já conquistou seu espaço na família, juntamente com sua irmãzinha Laura. (...) O casal além de sentir-se feliz e realizado na função paterna, tem condições econômicas para manter e educar adequadamente as crianças. (...) Pensando na criança e para não haver nova ruptura na sua vida seria oportuna a sua permanência com o casal” (fls. 46 e 47 do processo nº 10040). Na mesma linha, os pareceres psicológicos

realizados são cruciais para o deferimento do pedido, assim relatando a Psicóloga Judiciária (fls. 54 e 55 do processo nº 100400):

“O casal Antônio Carlos e Josevani estão com Bruno desde o mês de julho. Sentem-se satisfeitos por estarem com as duas crianças, Laura e Bruno. Demonstraram bastante preocupação em relação à Adelaide no sentido de que não tinham intenção de prejudicá-la. O casal mostra ótimas condições emocionais de criar mais um filho (além de Laura). Além disso, possuem bastante afetividade, amor, sendo de cuidado e responsabilidade para com os filhos. Da mesma forma, observa-se que têm totais condições de propiciarem às crianças tudo o que elas necessitam.

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Ainda, ressalta-se o benefício que existe para as crianças de estarem juntas como irmãos, ou seja, como verdadeiramente são. Já existe vínculos muito fortes nesta família e que a ruptura seria prejudicial para todos, principalmente para as crianças. (...) Diante dessa realidade e deste delicado caso, conclui-se que Bruno ficará em melhores condições emocionais junto do casal Antônio Carlos e Josevani”. A criança BRUNO já está perfeitamente adaptada

aos requerentes, que o acolheram e estão dispensando todos os cuidados necessários para o seu desenvolvimento e educação como verdadeiros pais, conforme se depreende dos estudos sociais realizados, que revelam também as características positivas dos requerentes, e dos laudos psicológicos apresentados, viabilizando que se defira a adoção. Está, inclusive, junto à sua irmã biológica, constituindo paulatinamente laços afetivos, tão necessários ao suporte psicológico da pessoa em desenvolvimento.

Além disso, é certo que processos desta natureza

devem ser analisados sob a ótica da conveniência para a criança e, estando BRUNO feliz e integrado ao novo núcleo familiar, por óbvio que a sua retirada geraria novo trauma e conseqüências danosas ao seu sadio desenvolvimento.

Nesse passo, cumpre registrar o seguinte

ensinamento de João Batista Villela, publicado na Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, nº 21, no qual esta questão é magistralmente abordada. Assim refere o autor, comentando a famosa passagem bíblica, referente à decisão de Salomão:

“Que fez o sábio magistrado para dirimir o conflito de duas mulheres, quando se dizendo, cada uma, ser a mãe, pretendiam a guarda da criança? Não recorreu a qualquer critério de natureza biológica. Nada que, sequer de longe, recordasse os sofisticados exames serológicos ou as complexas perícias antropogenéticas que um juiz tem hoje à disposição. Simplesmente pôs à prova o amor à

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criança por parte das querelantes. Sua capacidade de renúncia em favor do filho. O dom de si mesmas. Não buscou o lúcido filho de Davi assentar verdade biológica, senão, antes, surpreender a capacidade afetiva... Creio ser correntio ver a sentença de Salomão como prova de uma grande sagacidade. Através de sua encenação, ordenando que se partisse a criança ao meio, estaria o soberano querendo descobrir a mãe biológica, certo de que esta reagiria contra a idéia. Depois de muito refletir sobre a passagem do 1º Livro dos Reis e de referi-la aos valores fundamentais da paternidade, convenci-me de que tal exegese é inaceitável. Fosse ela correta e Salomão teria sido um rei astuto, dotado, quem sabe, de poderes parapsicológicos, mas não o rei sábio de que fala a Bíblia. Consistisse o seu propósito na atribuição da guarda à mãe carnal e o seu critério teria sido, objetivamente falando, de duvidosa propriedade, pois nem sempre aquela que gera é também a que mais ama. Se se entender, ao contrário, que deveria ter a guarda aquele que excedesse amor, tivesse ou não gerado, o critério é, então, realmente perfeito... Ouso sustentar que o texto bíblico, na conhecida passagem, não nos dá nenhuma garantia que a mãe atendida tenha sido a mãe biológica. Mas nos dá muito mais do que isso, dá-nos uma admirável e simples lição de maternidade”. É importante lembrar, ainda, que o dever da

melhor construção física e psicológica de uma criança é tarefa árdua para os pais, que devem agir da melhor forma possível para suprir as necessidades daquele ser que se desenvolve todos os dias, devendo eles possuir aptidão e vontade para tanto. Nesse caso, ainda, o deferimento da adoção virá consolidar uma situação de fato já existente.

V – Diante das razões acima expendidas, o Ministério Público opina pelo indeferimento das ações de oposição e de adoção formulados por ADELAIDE CABEDA, assim como pela procedência do pedido de adoção ajuizado por ANTÔNIO CARLOS LAIMER e JOSEVANE CARINA CONTE, com relação ao menino BRUNO DE FREITAS, devendo ser adotadas todas as medidas legais cabíveis à espécie, em especial o disposto no artigo 47, e seus parágrafos, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

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Passo Fundo, 21 de março de 2005.

Ana Cristina Ferrareze Cirne, Promotora de Justiça,

2ª Promotoria de Justiça Especializada.