Parecer nº 001 sobre a feira - Araújo Advogados

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PARECER JURÍDICO No último dia 02/04/2014 fora expedida uma Recomendação do Ministério Público de Pernambuco, sobre questões do horário da feira livre municipal, horário de funcionamento do comércio, como também sobre a erradicação do trabalho infantil, é merecedor de algumas ponderações sob o viés jurídico legal. De início, mostra-se necessário esclarecer a natureza jurídica da presente recomendação expedida pelo Ministério Público do Estado. Segundo a resolução nº 23 do CNMP: Art. A recomendação é o instrumento de atuação extraprocessual do Ministério Público por intermédio do qual este expõe, em ato formal, razões fáticas e jurídicas sobre determinada questão, com o objetivo de persuadir o destinatário a praticar ou deixar de praticar determinados atos em benefício da melhoria dos serviços públicos e de relevância pública ou do respeito aos interesses, direitos e bens defendidos pela Instituição, atuando, assim, como instrumento de prevenção de responsabilidades ou correção de condutas. Parágrafo Único. Por depender do convencimento decorrente de sua fundamentação para ser atendida e, assim, alcançar sua plena eficácia, a recomendação não tem caráter coercitivo. Como bem se pode observar, precisamente no parágrafo único da presente resolução, as recomendações não tem caráter de COERCIBILIDADE, ou seja, é um ato ao que se destina explicitar e orientar, e não ordenar, que se tome uma determinada conduta ou que se ajuste a uma determinada conduta, adequando-se assim, para uma melhoria e respeito a determinados bens e direitos ao qual o Ministério Público tem o dever institucional de assegurar, estes, elencados no artigo 129 da nossa Constituição Federal de 1988.

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PARECER JURÍDICO

No último dia 02/04/2014 fora expedida uma Recomendação do Ministério Público de

Pernambuco, sobre questões do horário da feira livre municipal, horário de funcionamento do

comércio, como também sobre a erradicação do trabalho infantil, é merecedor de algumas

ponderações sob o viés jurídico legal.

De início, mostra-se necessário esclarecer a natureza jurídica da presente recomendação

expedida pelo Ministério Público do Estado.

Segundo a resolução nº 23 do CNMP:

Art. 1º A recomendação é o instrumento de atuação

extraprocessual do Ministério Público por intermédio do qual

este expõe, em ato formal, razões fáticas e jurídicas sobre

determinada questão, com o objetivo de persuadir o destinatário

a praticar ou deixar de praticar determinados atos em benefício

da melhoria dos serviços públicos e de relevância pública ou do

respeito aos interesses, direitos e bens defendidos pela

Instituição, atuando, assim, como instrumento de prevenção de

responsabilidades ou correção de condutas.

Parágrafo Único. Por depender do convencimento decorrente

de sua fundamentação para ser atendida e, assim, alcançar sua

plena eficácia, a recomendação não tem caráter coercitivo.

Como bem se pode observar, precisamente no parágrafo único da presente resolução, as

recomendações não tem caráter de COERCIBILIDADE, ou seja, é um ato ao que se destina

explicitar e orientar, e não ordenar, que se tome uma determinada conduta ou que se ajuste a

uma determinada conduta, adequando-se assim, para uma melhoria e respeito a determinados

bens e direitos ao qual o Ministério Público tem o dever institucional de assegurar, estes,

elencados no artigo 129 da nossa Constituição Federal de 1988.

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Portanto, de início, a presente Recomendação nº 002/2014, expedido pelo Ministério Público

de Pernambuco em exercício na cidade de Buíque-PE, não tem força de lei, como também não

se mostra como um termo de ajustamento de conduta.

Registre-se que tal recomendação, mesmo sendo um ato administrativa do órgão ministerial, e

mesmo carecedor de força coercitiva, mesmo ausente a sua força de lei, deve-se ser cumprido

em vista de uma melhor qualidade de serviços, um melhor respeito as instituições

devidamente constituídas, como uma garantia preventiva de não infringir direitos.

Entretanto, a presente recomendação (nº002/2014 do MPPE) merece alguns esclarecimentos

sob pena de se causar grandes danos ao município, em especial ao comércio local.

A recomendação, no que pertine a impulsionar e esclarecer sobre os malefícios do trabalho

infantil, se mostra totalmente condizente com sua função, qual seja, prevenir por meio de uma

orientação, RECOMENDANDO-SE ao poder público que tome atitudes mais enérgicas no

sentido de não apenas erradicar o trabalho infantil, mas também de conscientizar, não apenas

empregadores, mas toda a população sobre os pontos negativos de se manter um menor

trabalhando.

Neste desiderato, não se tem qualquer excesso, mesmo porque como prescreve o artigo 7º,

XXXIII da Constituição Federal de 1988, os artigos 402 e seguintes da Consolidação das Leis

Trabalhistas, como também a Lei 8.069/90 (ECA), é vedado o trabalho infantil, com algumas

exceções que não nos cabem mencionar no presente momento.

Contudo, quanto a recomendação à Associação dos Feirantes, esta merecer um maior

esclarecimento.

Recomenda-se o Ministério Público do Estado que a feira livre aos sábados, deverá funcionar

até as 13 horas. Neste caso, como já explicitado acima, ao apontar que tal recomendação não

tem força de lei, é no sentido de esclarecer que por tal recomendação o órgão ministerial

APENAS ORIENTA, e não IMPÕE tal limitação de horário, isto por diversos motivos abaixo

elencados:

I. Disciplinar horário de feira livre municipal, (leia-se no sentido de reduzir/dilatar

horário, definir local físico) não é de competência do Ministério Público, de

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Associação de Feirantes, de Associação Comercial, do Poder Judiciário, é um ato de

competência municipal, ou seja, o município por meio de sua Lei Orgânica Municipal

é que tem competência e legitimidade para disciplinar os horários, isto com base no

que estabelece o artigo 30, I da Constituição Federal, que assim, prescreve:

Art.30. Compete aos Municípios:

I – legislar sobre assuntos de interesse local;

Neste desiderato, a feira pública municipal é de interesse local, cabendo ao município

legislar sobre a matéria. Caso pretenda-se realizar alguma mudança em seu horário,

tem que respeitar o processo legislativo municipal, ou seja, tem que ser aprovado pela

Câmara Municipal de Vereadores, e não por Órgão do Ministério Público, ou qualquer

outro órgão ou poder ou associação.

II. Sobre tal tema, já se posicionou nossa Suprema Corte de Justiça, ou seja, O STF que

inclusive já sumulou o assunto, nos termos da Súmula nº 419, que assim dispõe: “Os

municípios têm competência para regular o horário do comércio local, desde que não

infrinjam leis estaduais ou feriados válidos”. Com isso, é nítido a competência

municipal para regular e disciplinar não só o horário do comércio local, mas a feira

municipal. Caso algum órgão queira adentrar em tal esfera de competência, esta

realizando-se assim, uma nítida violação de poderes, fato este não permito legalmente,

salvo exceções, que não mostram-se pertinente aqui explanar.

III. Ademais, a Constituição do Estado de Pernambuco, em seu artigo 78, I, assim

disciplina:

Art. 78. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

Neste caso, não se tem qualquer incompatibilidade, seja material ou formal, da lei

municipal com a Constituição Federal e Estadual, o que denota-se que para que se

limite ou dilate o horário da feira livre, é necessário uma lei municipal para isto, com

um fim específico, e respeitado o processo legislativo.

Sobre tal ponto, CONCLUI-SE que apesar de tal ato ser uma Recomendação, ou seja, não ter

força de lei, este não tem o condão de restringir ou ampliar o horário da feira livre municipal,

salvo se o município editar uma lei neste sentido específico. Mesmo que tal ato tivesse sido

por força do Poder Judiciário, ou mesmo sendo um ajustamento de conduta do Ministério

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Público, o mesmo não prosperava em virtude da sua falta de competência sobre a matéria.

Neste caso, com a simples recomendação, não estar-se-á descumprindo qualquer mandamento

legal se não for acatado tal recomendação, o que em linhas gerais, pode-se concluir que, A

FEIRA PODE CONTINUAR COM O HORÁRIO COSTUMEIRO, OU SEJA, ANTES DA

PRESENTE RECOMENDAÇÃO.

Observa-se ainda, que a recomendação nº 002/2014 do Ministério Público, expede uma

RECOMENDAÇÃO à Associação Comercial, no sentido de que aos sábados o comércio

funcione até às 14:00 horas, excetos para farmácias, padarias e supermercados;

Os mesmos fundamentos esposados no que pertine a recomendação à Associação dos

Feirantes, se mostra totalmente aplicável ao presente caso, com algumas observações:

I. Como já ressaltado, cabe ao município disciplinar e regular o horário de

funcionamento do comércio local, como bem explicitado no artigo 30, I da

Constituição Federal de 1988.

II. Ademais, registre-se ainda que tal tema já é matéria sumulado no STF, por meio da

súmula 419, acima transcrita.

III. Observa-se ainda, que o STF tem outra súmula no mesmo sentido, qual seja, Súmula

645, a qual estabelece: “É competente o Município para fixar o horário de

funcionamento de estabelecimento comercial”.

Neste caso, resta evidente que só cabe o município restringir ou dilatar o horário de

funcionamento local, não cabendo tal conduta ao Ministério Público, ao Judiciário, ou

qualquer entidade de classe ou associação.

IV. Ressalte-se, que o artigo 170, parágrafo único, estipula que: “É assegurado a todos os

livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de

órgão públicos, salvo nos casos previstos em lei”. Neste caso, observa-se que o

exercício de atividade econômica, ou seja, a grosso modo falando, o comércio, é livre,

só recebendo restrições ou interferências em casos previstos em lei. Ou seja, não se

pode limitar ou mesmo expurgar o exercício de atividade econômica se não estiver

com base em preceitos legais, ou em evidente desacordo com a lei.

Sobre tal ponto CONCLUI-SE que não tem que o Comércio local se abster de funcionar

até o horário anteriormente usual, pelo fato de não ter no município LEI EM SENTIDO

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CONTRÁRIO. Como já ressaltado alhures, a recomendação nº 002/2014 do Ministério

Público com exercício em Buíque-PE, não tem o condão, nem a eficácia de limitar o

horário de funcionamento do comércio local, podendo assim, FUNCIONAR

NORMALMENTE ATÉ O HORÁRIO COSTUMEIRAMENTE ANTERIOR.

Entretanto, há de ressaltar que deve-se os comerciantes se ater as questões de natureza

trabalhistas, precipuamente, no que toca a jornada de trabalho e as horas extras, para

assim, não se burlar as leis trabalhistas. Isto solucionando com acordos coletivos ou

individuais de trabalho, com a presença dos sindicatos representativos das classes

envolvidas, para uma maior e justa posição.

CONCLUSÃO:

Portanto, a presente Recomendação nº 002/2014, se mostra coerente no que se destina, ou

seja, em exigir do poder público e também da sociedade civil, condutas mais enérgicas e

eficazes para a diminuição e desestimulo do uso do trabalho infantil, inclusive mostrando

condutas que PODEM serem tomadas para que se diminuam a incidência e ajude a

erradicar o uso da mão de obra infantil.

Mas por outro lado, não tem a presente Recomendação, legitimidade, eficácia de restringir

o horário de FEIRA LIVRE DO MUNICÍPIO, isto, seja em qualquer dia da semana, como

também NÃO TEM O CONDÃO DE LIMITAR O HORÁRIO DO FUNCIONAMENTO

DO COMÉRCIO LOCAL, isto por ser tal ato administrativo (recomendação) do

Ministério Público carente de força imperativa, ou seja, de força de lei, o que não obriga

os seus destinatários a seguirem tais recomendações.

Ademais, insta salientar, que mesmo de forma HIPÓTETICA, caso a presente

recomendação estivesse força de lei, ou seja, um comando imperativo, este era totalmente

inconstitucional, por estar usurpando competência de um dos poderes do Estado.

Conclui-se assim, que tanto HORÁRIO DE FEIRA LIVRE, COMO DO COMÉRCIO

LOCAL, PODEM FUCIONAR COMO DE COSTUME, E NÃO ATÉ O HORÁRIO

RECOMENDADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, SOBRA A NÍTIDA

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VIOLAÇÃO DA COMPETÊNCIA DOS PODERES ASSEGURADOS

CONSTITUCIONALMENTE.

Portanto, não se deve interpretar tal recomendação com caráter de imperatividade, com

caráter coercitivo mandamental, ou seja, como se fosse uma lei, ou mesmo uma decisão

judicial, mas apenas uma orientação que caso não cumprida- isto no que pertine a

limitação de horário de feira livre e comercio - não trará qualquer sanção, ou seja,

punição!

Carlos Henrique Pacheco de Araújo

Advogado OAB/PE 32099, sócio fundador de Araújo Advogados.