Parentalidade Positiva Entrevista Pais & Filhos
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Família
O direito ao diálogo
C om a entrada nos dois anos, os famosos “terrible twos”, Carla Domingos deparou-se com um dilema na educação da fi lha: se por um lado as birras iam aumentando e pediam medidas, por outro “preocupava-nos a hipótese de a forma-tarmos e interferirmos com a personalidade própria dela com regras e castigos excessivos”.
À procura de respostas que a ajudassem a equilibrar esta equação e permitissem fugir dos extremos, pois nem a ditadura nem a anarquia são cenários aconselháveis na educação de uma criança, Carla inscreveu-se num workshop sobre parentalidade positiva. E foi aí que encontrou as respostas de que precisava.
Uma das mensagens que interiorizou e que hoje considera essencial é a de que “nós, no papel de educadores, temos de ensinar os nossos fi lhos a tomar decisões. Se lhes impusermos demasiadas regras e formos demasiado restritivos, não permitimos que exerçam o direito de escolha, nem que percebam que para cada ato há uma consequência”. Posto em prática, este “direito à escolha” trouxe mais harmonia à casa desta família: “apesar de ter apenas dois anos, a minha fi lha tem respondido de uma forma muito positiva às nossas solicitações para fazer escolhas. Temos tido bons resultados em situações que tradicionalmente gerariam momentos de tensão, como a hora do banho, de vestir e de comer”. Esta tem sido a “fórmula mágica” para que a pequena Leonor se sinta mais envolvida nos processos e, assim, “em vez de ter de obedecer, coopera”.
Mas, afi nal, o que é isto da parentalidade positiva? Não é mais do que “uma fi losofi a que promove a relação entre pais e fi lhos com base no mútuo respeito e que, porque esse mútuo respeito existe, a educação da criança é feita de uma forma não-violenta, de uma forma altamente construtiva”, explica Magda Dias, es-pecialista em Coaching, Inteligência Emocional e Psicologia e
Educar é sempre desa! ante, mas há momentos em que pode ser uma enorme frustração. A estratégia para lidar com a “areia na engrenagem” familiar passa por procurar apoio e alternativas. A parentalidade positiva e o coaching parental podem ser as respostas.
Parentalidade Positiva e autora do blogue “Mum’s the Boss” (mumstheboss.blogspot.com), acrescentando que “quando um pai exerce a parentalidade positiva coloca limites claros à criança, não usando desculpas (‘ah, o bolo está estragado’), mentiras (‘porta-te bem ou vem aí o polícia e leva-te’) ou qualquer tipo de violência (‘estás aqui estás a apanhar’), seja ela em forma de sapatadas, berros ou ameaças e castigos”.
Na parentalidade positiva, os pais “reconhecem as crianças como pessoas, seres humanos inteiros”. Nesta perspetiva, a grande diferença entre um pai e um fi lho “é que o fi lho é um ser humano em construção e que precisa de apoio nesse crescimento”. Essencialmente, precisa de “ser amado, naturalmente, e conhecer quais são as regras da vida”. E o pai e a mãe são “aqueles que lhe dão tudo isso”. Em jeito de resumo, “a grande diferença entre uma criança e um adulto é que o adulto sabe e a criança conta com ele para que possa aprender”. E aprender, sublinha Magda Dias, “não pode ser punitivo, humilhante ou castigador”.
Embora possa parecer simples e óbvio, a verdade é que a aplicação prática desta fi losofi a nem sempre é fácil. Inicialmente pode até ser um exercício complicado. “É uma rutura com uma série de ideias pré-concebidas que nos foram passadas”, confi rma Carla Domingos. No entanto, esclarece, “à medida que come-çamos a pôr em prática algumas estratégias e vemos o impacto imediato que têm no comportamento das crianças, começa a tornar-se mais natural”. Isto porque a interação entre pais e fi lhos muda de registo. “A minha fi lha passou a procurar quase sempre explicações para as regras que impomos. Precisa de entender o que pedimos e lembra-se mais tarde e repete-nos, até nas coisas mais pequeninas”.
O grande objetivo da parentalidade positiva é “criar adultos íntegros, saudáveis, ‘desencucados’ e felizes”, afi rma Magda Dias, explicando que “pessoas felizes, sérias e ‘desencucadas’ fazem mais
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O direito ao diálogo
Texto de TERESA DIOGOIlustração de CARLA ANTUNES
bem do que mal e estão mais disponíveis para ajudar e cooperar”.Além disso, uma criança que é educada nesta base “desabrocha mais facilmente”. É uma criança que “percebe e integra os limi-tes que existem na sua vida, porque percebeu o interesse dessas mesmas regras e não precisa do pai ou da mãe ao lado para as executar”. É uma criança “disciplinada, porque é incentivada a pensar, a escutar-se e a escutar os outros porque ela própria é escutada”. É uma criança “que sabe retardar a recompensa e que percebe mais facilmente que a sua felicidade depende de si e não procura justifi cações quando as coisas correm mal”. No futuro, “saberão lidar e gerir as suas emoções e terão a capacidade de identifi car as emoções das outras pessoas, sendo por isso muito mais empáticos”, garante Magda Dias. Crescer assim permite
que se tornem pessoas capazes de fazer melhores escolhas. E este tipo de adultos são “menos frustrados, menos revoltados e com uma maior capacidade de fazerem o bem e de ajudarem”.
Entre a permissividade e a autoridade
A parentalidade positiva mora entre duas formas antagónicas de educar: a autoritária e a permissiva. “É um meio-termo que se baseia no respeito e na função dos pais que é educar e humanizar a criança e torná-la num adulto íntegro, são e feliz”.
Uma educação autoritária recorre, com frequência, ao uso das palmadas, dos castigos, dos berros e do medo. “Se no imediato a criança até atua da forma como o pai ou a mãe quer, a verdade é que o faz apenas porque não quer ser castigada e não porque
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Encher o copo de mimo
percebeu o interesse da ordem”. No limite, “vai desenvolver uma resistência aos pais ou então vai deixar de pensar pela cabeça dela… é uma forma um bocadinho castradora”. Na parentalidade positiva também há espaço para os pais darem ordens, esclarece Magda Dias, sublinhando que esse é mesmo o papel dos pais. Contudo, a diferença é que “os pais escutam a criança, podem ou não negociar com ela naquilo que é negociável e dizer-lhe para atuar de uma determinada forma, explicando porquê, sem ameaças ou humilhações”.
Já numa educação permissiva, permite-se tudo “com medo de se frustrar a criança ou por causa de sentimentos de culpa (muitas vezes no caso de pais separados ou de pais que trabalham muito tempo fora de casa)”. Ora, uma criança para crescer de forma segura “precisa de limites e de regras”. E precisa de entender e interiorizar, pelo que as regras devem ser repetidas “uma, duas, três ou mais vezes e com muita fi rmeza”. Uma criança que vive sem regras e limites é “uma criança com muita ansiedade” e que vive com a sensação de que “os pais não conseguem protegê-la”. E isso é “terrivelmente assustador”.
Treinar os pais
São cada vez mais os pais que procuram ajuda quando sen-tem que a educação que estão a dar aos fi lhos não está a dar os frutos pretendidos. Muitos, confrontados com a frustração das birras e a inefi cácia dos berros e castigos repetidos, procuram alternativas e sentem-se aliviados quando encontram o apoio necessário. “Nenhum pai quer ter de castigar e bater e quando o faz, sente-se mal, angustiado e frustrado. Bater e castigar ou humilhar nunca foi uma forma de educar e há alternativas para
Madalena tem dois anos e está prestes a deixar de ser
fi lha única. A chegada da irmã e todo o reajustamento
familiar inerente, condicionado por uma gravidez que a
determinada altura obrigou a mãe a estar em repouso
absoluto, provocaram alterações na rotina e no comporta-
mento da menina. As birras incessantes e a co-dependência
exagerada levaram a mãe, Margarida Marques, a recorrer
ao coaching parental. “A hora de dormir era um pesadelo…
para ela e para mim. A Madalena exigia imenso a minha
presença, por isso a hora de dormir passou a ser às 23h00
(por exaustão) e no sofá em cima da minha barriga, ao
contrário do habitual, 20h30, na cama dela. Tive que pedir
socorro”, conta Margarida. A solução proposta por Magda
Dias, que já conhecia por ter feito o workshop sobre pa-
rentalidade positiva, foi “encher-lhe o copo de mimos e
afetos, explicar-lhe tudo o que acontecia à volta da minha
barriga, envolvê-la nas coisas relacionadas com a chegada
da irmã, como por exemplo arrumar o quarto dela e esco-
lher as roupas para levar para a maternidade”. Conseguir
pô-la a dormir como antigamente, “sem choros nem bir-
ras”, demorou uma semana, “levou-me à exaustão física
e pensei várias vezes em desistir, mas a perseverança deu
resultados… e dos bons!” Do que aprendeu, no workshop
e no coaching, gostou especialmente do conceito-chave
“encher o copo da criança”. Porque “uma criança com
o copo cheio de mimo e cheio de afetos é o que se pre-
tende”, embora o conceito de “mimo” seja muitas vezes
entendido de forma pejorativa. Por outro lado, também é
importante “aprendermos a ser empáticos com os nossos
fi lhos: mostrar-lhes que compreendemos a situação deles
e que somos solidários com os seus sentimentos”. Agora
“faz todo o sentido”, explica Margarida, referindo que os
resultados obtidos com esta nova forma de se relacio-
nar com a fi lha são muito positivos e que, na base deste
sucesso, está também a proposta de dedicar 15 minutos
diários à fi lha, assim que chega a casa, e brincar com ela
sem interferências. Porque, garante, a fórmula “criança
feliz, pais felizes” resulta.
É preciso não esquecer que a criança é um ser em crescimento e que precisa de orientação. E a “verdadeira missão dos pais é orientar os fi lhos”. A autoridade “não é um capricho, nem é birra dos pais”, sublinha Magda Dias, afi rmando que “a autoridade é aceite quando o pai e a mãe se sentem legitimados no seu exer-cício e quando aquilo que pedem é coerente”. Convém também lembrar que os confl itos são normais em qualquer tipo de relação. “O importante é aprender a saber escutar e a respeitar a opinião do outro, seja ele o pai ou o fi lho”. E assim favorece-se também a vinculação entre os dois.
Para Carla Domingos, esta mudança foi reveladora e, no limite, sente-se hoje uma mãe mais realizada. “Poder conversar com ela e explicar-lhe o porquê das regras e as consequências das suas ações, em vez de ralhar e castigar, permite-nos ter uma relação mais tranquila. Isto não signifi ca que ela faça tudo o que lhe apetece! Continua a desafi ar-me, como é suposto para a sua idade, e eu tenho de ser fi rme a estabelecer limites, mas retirámos a frustração e a humilhação no nosso relacionamento. A Leonor está menos irritável e mais carinhosa connosco. Consequentemente, nós também. O facto de termos começado a demonstrar empatia pelas suas emoções, tranquilizou-a de algum modo e ajudou-a a ganhar algum autocontrolo. Os dias de birra em sessões contí-nuas no fi m do dia de trabalho estão praticamente superados!”.
O papel dos pais é estabelecer limites e regras, escutar a criança e dizer-lhe para atuar de uma determinada forma, mas explicando porquê, sem ameaças ou humilhações
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Os pais também fazem birra“Se não vens comer já, não há mais playstation!” “Dá-me um beijinho! Não dás? És feio!” “Para de brincar com o pacote do açúcar! Olha que vem aí a polícia…” Os pais tam-bém têm direito a perder a paciência, a fi car zangados e a ceder às tensões e inseguranças. Ninguém é perfeito. Mas a tentação de recorrer a chantagens, mentiras ou punições deve ser contrariada. Falar sempre a verdade, explicar as regras e escutar a criança pode fazer toda a diferença. “Quando falamos a verdade estamos a respeitá-la enquanto ser humano que é e, compreendendo a verdade, vai aceitá--la”, defende Magda Dias, no seu site sobre parentalidade positiva (www.parentalidadepositiva.com). Quando os pais deixam as suas próprias birras de lado, estão a favorecer também a vinculação com os fi lhos. “A cada passo que damos, a falar verdade, estamos a tornar a nossa casa num lugar seguro”. Até porque “com os nossos comportamentos, estamos sempre a modelar e a infl uenciar os comportamentos dos nossos fi lhos: eles aprendem porque sabem que somos justos, sérios e coerentes; aprendem porque, no respeito que temos por eles e na empatia que mostramos, acabam por devolver tudo isso em igual respeito e empatia”.
O coaching é uma ferramenta útil para todos os que educam porque lhe dá estratégias úteis
isso”, sublinha Magda Dias, referindo que “há cada vez mais pais
a fazer coaching parental”, que, muitas vezes, é o sufi ciente para
“‘desbloquear’ e fazer fl uir a relação familiar, eliminando aqueles
‘dilemas’ do dia-a-dia”.
Se por um lado “educar não é uma tarefa simples” e, por outro,
“os fi lhos não trazem manual de instruções”, lidar com os desa-
fi os do seu desenvolvimento “é uma tarefa complexa para pais e
mães, que se sentem frequentemente sozinhos e sem respostas
sobre quais as estratégias para lidar com as diferentes situações
com que se deparam”, sustenta Rita Castanheira Alves, psicóloga
clínica coordenadora do MindKiddo (www.mindkiddo.com),
projeto da Ofi cina de Psicologia especializado em saúde mental
infantil e juvenil. Perante todas as dúvidas que se levantam e
pela “complexidade da tarefa e da especifi cidade de cada criança,
benefi ciar de acompanhamento parental poderá ser útil e per-
mite aos pais desenvolverem melhores competências parentais,
especialmente porque promove a confi ança e segurança nas suas
ações e maior conhecimento do seu fi lho”.
Na complexa tarefa de educar, muitas vezes o instinto não chega
e é preciso perder a “vergonha” e perceber que uma “pequena”
ajuda pode fazer toda a diferença entre uma relação entupida pela
frustração e culpa e uma relação mais feliz e realizada.
“Muitos pais e mães vivem com a ideia que é suposto saber
educar uma criança e que é suposto termos um ‘instinto’ que
nos dá todas as respostas para lidar com os fi lhos”, pelo que
não se permitem “sentir que falharam ou que não sabem como
fazer”. Consequentemente, “não sabem como lidar com a culpa
que daí advém”, explica Rita Castanheira Alves, sublinhando
que, no coaching parental, o processo “não passa por encontrar
culpados ou atribuir falhas, mas sim por ajudar a desenvolver
práticas mais adequadas”.
Até porque os pais podem ter alguma difi culdade em encontrar
o seu “instinto”. “Tenho estado com pais e mães que chegam até
à consulta cheios de difi culdades em lidar com comportamen-
tos problemáticos e bem difíceis dos seus fi lhos, mas o maior
problema deles é a pressão que sentem e que exercem sobre si
mesmos porque vêm com a ideia pré-concebida de que deveriam
ter um ‘instinto’ materno ou paterno para lidar com a criança”,
conta a psicóloga. O “instinto” é muito importante quando pais
e mães percebem que a “regra para ele aparecer e funcionar é
descontrair”. No fundo, esse “instinto” não é mais do que “o
conhecimento único que têm dos seus fi lhos”. E a conjugação
“entre esse conhecimento e as práticas parentais e estratégias
que podem adquirir através de um processo de coaching parental
poderá ter grandes benefícios”. No fundo, aproveitando o “ins-
tinto”, o coaching “ajuda os pais a sentirem-se parte integrante
do processo e sentirem que o seu conhecimento das situações
e do seu fi lho é essencial para atingir os objetivos defi nidos”.
Os pais que recorrem ao coaching “sentem-se não só satisfeitos
porque veem mudança e melhoria da situação ou das situações que
os estavam a preocupar, mas sentem sobretudo que foram eles os
responsáveis pela mudança e por conseguirem alcançar os seus
objetivos, o que contribui para a sua segurança, autoconfi ança,
felicidade e sentido de competência no papel de pais”, explica a
psicóloga. Neste sentido, o coaching é “especialmente importante
quando os pais não estão a ser capazes de lidar com os seus fi lhos,
embora seja uma ferramenta útil para todos os que educam, no
sentido de se munirem de estratégias úteis de forma preventiva”.
Até porque “não saber fazer tudo, nem saber fazer tudo bem, é
parte de ser humano”, como tal, o mesmo se aplica à “complexa
tarefa de educar um fi lho”. Afi nal, “se estudamos para ser médicos,
cozinheiros ou jornalistas, porque não podemos estudar para ser
melhores pais?”, questiona Rita Castanheira Alves, em jeito de
desafi o. Tal como “quando queremos desenhar com maior mes-
tria ou tocar um instrumento com mais saber, procuramos mais
informações e aulas que nos ajudem a lá chegar”, também “é útil
procurar apoio quando falamos em educar”, reforça Magda Dias.