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III Semana de Ciência Política Universidade Federal de São Carlos 27 a 29 de abril de 2015 PARTICIPAÇÃO NO BRASIL: A SOCIEDADE CIVIL NA COMISSÃO DE LEGISLAÇÃO PARTICIPATIVA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS Paula Vivacqua de Souza Galvão Boarin 1 Vanessa Aparecida da Silva 2 RESUMO: No Brasil, a Comissão de Legislação Participativa (CLP) da Câmara dos Deputados, criada em 2001, é voltada para o estímulo à participação da sociedade civil organizada no processo de elaboração legislativa. O objetivo do trabalho é realizar uma análise da participação das entidades da sociedade civil organizada, a fim de conhecer quais grupos atuam mais assertivamente na Comissão como meio de acesso institucional à conquista de seus interesses. A análise permitirá a realização de apontamentos sobre a institucionalização da participação cidadã, sendo o Poder Legislativo sua esfera privilegiada, temas caros à Ciência Política. Palavras-chave: Participação; Poder Legislativo; Sociedade Civil. INTRODUÇÃO A década de 1980 no Brasil foi marcada por um processo de redemocratização em meio a uma conjuntura de crise internacional, transição política e intenso debate institucional. A Constituição de 1988 representou uma ruptura com os mecanismos institucionais autoritários instituídos durante o regime militar, trazendo significativas transformações nas relações entre Estado e sociedade no país. Indo além, a nova Carta trouxe garantias legais naquilo que se refere aos direitos sociais universais. O novo arranjo constitucional conferiu maior autonomia às entidades da sociedade civil, exigindo 1 Mestranda no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora; [email protected]. 2 Mestranda no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora; [email protected].

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27 a 29 de abril de 2015

PARTICIPAÇÃO NO BRASIL:

A SOCIEDADE CIVIL NA COMISSÃO DE LEGISLAÇÃO

PARTICIPATIVA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

Paula Vivacqua de Souza Galvão Boarin1

Vanessa Aparecida da Silva2

RESUMO: No Brasil, a Comissão de Legislação Participativa (CLP) da Câmara dos

Deputados, criada em 2001, é voltada para o estímulo à participação da sociedade civil

organizada no processo de elaboração legislativa. O objetivo do trabalho é realizar uma

análise da participação das entidades da sociedade civil organizada, a fim de conhecer

quais grupos atuam mais assertivamente na Comissão como meio de acesso institucional

à conquista de seus interesses. A análise permitirá a realização de apontamentos sobre a

institucionalização da participação cidadã, sendo o Poder Legislativo sua esfera

privilegiada, temas caros à Ciência Política.

Palavras-chave: Participação; Poder Legislativo; Sociedade Civil.

INTRODUÇÃO

A década de 1980 no Brasil foi marcada por um processo de redemocratização em

meio a uma conjuntura de crise internacional, transição política e intenso debate

institucional. A Constituição de 1988 representou uma ruptura com os mecanismos

institucionais autoritários instituídos durante o regime militar, trazendo significativas

transformações nas relações entre Estado e sociedade no país. Indo além, a nova Carta

trouxe garantias legais naquilo que se refere aos direitos sociais universais. O novo

arranjo constitucional conferiu maior autonomia às entidades da sociedade civil, exigindo

1 Mestranda no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora;

[email protected]. 2 Mestranda no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora;

[email protected].

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também a redefinição de seu papel político (FIGUEIREDO, LIMONGI, 1995). A

sociedade civil é composta de movimentos, organizações e associações que traduzem os

problemas da esfera privada para a esfera pública. Nesse sentido, a participação se

configura como um dos princípios do processo de deliberação democrática, o que

condiciona a existência de redes participativas que visem representar a pluralidade de

interesses da sociedade (HABERMAS, 1997).

Segundo Figueiredo e Limongi (1995), muitos dos poderes legislativos

permaneceram circunscritos à ação do Executivo, havendo, em dada medida, a

manutenção legal das limitações do Legislativo. Contudo, a nova Carta permitiu ao

Congresso Nacional contribuir de maneira efetiva para a inserção nos dispositivos

normativos legais de políticas públicas. A partir de 1988, deu-se o condicionamento à

maioria absoluta para a derrubada do veto presidencial, e não mais de dois terços, e o

Legislativo passou a ter o poder de sustar atos normativos providos pelo Executivo, além

de competência exclusiva em algumas matérias (FIGUEIREDO, LIMONGI, 1995;

LIMA, 2011).

Na configuração eleitoral brasileira, a votação para os membros do Congresso

Nacional se dá de forma direta, enquanto o Executivo é composto por membros não

eleitos cujo poder de decisão é significativo. O corpo parlamentar é mais responsivo a

interesses locais e suscetível às pressões particularistas, enquanto o Executivo pode se

manter relativamente insulado e independente. Sendo assim, tendo em vista o sistema

privado de contribuição de campanha e as relações entre Estado e capital, faz-se evidente

a capacidade de influência do de setores organizados, cujas pressões e interesses pautam

as políticas legislativas (LIMA, 2011).

Os primeiros anos pós-redemocratização demandaram, portanto, a ampliação dos

espaços de debate entre o Estado e a sociedade nas diversas esferas do poder. Assim,

foram criados os conselhos partidários, os conselhos tutelares, o Conselho Nacional de

Saúde, o Conselho Nacional de Educação, entre outros (BURGOS, 2007). É a partir desse

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contexto que surge, em 2001, a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos

Deputados3(CLP-CD)4.

A despeito da considerável literatura concernente à Ciência Política que vem se

formando acerca do tema da participação da sociedade civil no âmbito do Poder

Legislativo no Brasil, são poucos os trabalhos que têm a CLP como principal objeto de

pesquisa. Se, por um lado, este quadro representa um desafio para aqueles que desejam

compreender o funcionamento e os efeitos da Comissão, por outro, ela surge como

interessante tema de pesquisa, sugerindo a necessidade de integrá-lo à agenda de

estudiosos. Vale ressaltar que o escopo desta literatura se refere, sobretudo, ao processo

de transformação nas relações entre Estado e sociedade provocado pela promulgação da

Constituição de 1988 e do consequente arranjo legal que ali nascia.

O presente trabalho tem como objetivo analisar a participação da sociedade civil

organizada na CLP-CD. Para tanto, serão expostas as considerações realizadas pela

literatura a respeito da participação política da sociedade civil, sobretudo na construção

de políticas públicas, tendo como marco o arranjo legal instaurado pela Constituição

Federal de 1988. Buscaremos, ainda, explorar o Poder Legislativo como arena

privilegiada na interação entre Estado e Sociedade Civil. Em seguida, apresentaremos a

CLP-CD a partir do contexto de sua criação, seus objetivos centrais, entre outros aspectos.

Os dados que analisaremos serão extraídos do Selo de Participação Legislativa 2013, uma

vez que esta fonte nos permite verificar a assertividade da atuação das organizações junto

à Comissão. Por fim, avaliaremos em que medida a CLP cumpre o papel de canal

institucional por meio do qual as organizações possam expressar seus interesses e

participar do processo político.

3A Câmara dos Deputados que, ao lado do Senado, compõe o Congresso Nacional e, portanto, o Poder

Legislativo, é responsável pela representação, legislação e fiscalização da aplicação dos recursos públicos

(BRASIL, 2015). 4Seu documento constitutivo é a Resolução 21 de 2001 (BURGOS, 2007).

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ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL NO PERÍODO PRÉ-

CONSTITUINTE

Na maior parte dos Estados Democráticos de Direito foi necessário algum nível

de institucionalização para que as demandas da sociedade civil se transformem em ação

governamental. Geralmente, os interesses de grupos situados em estratos de poder na

sociedade (empresários, grandes produtores e industriais, etc) estão presentes no

Legislativo de um modo mais direto, elegendo representantes – via financiamento de

campanhas, mais corriqueiramente – para que seus interesses sejam resguardados

independente das pautas trabalhadas pelos deputados. Faz parte da constituição do Estado

brasileiro a formação oligárquica de suas bases, utilizando as eleições como mecanismo

de legitimação positiva de poder, cuja vontade nacional é suprimida em favor de arranjos

políticos e favorecimentos em que o patrimonialismo se expande de tal forma “a converter

o agente público num cliente” (FAORO, 1976:637).

Os extratos da sociedade compostos por grupos que ainda lutam para assegurar

seus direitos básicos, precisaram se mobilizar e se organizar em torno de pautas comuns

para que constituíssem como um ente capaz de exercer alguma pressão sobre o Estado.

Hoje, as demandas desses grupos – que costumam estar subdivididos em grupos de

minorias – quando normatizadas, o são por duas vias: transformando-se em leis

específicas ou em políticas públicas. Independente da via pela qual a normatização foi

efetivada, ela passará pelo legislativo federal5 e, portanto, cabe a essa parcela da

sociedade civil fazer com que suas demandas entrem na agenda do governo. Apontamos

a seguir um breve histórico das mobilizações da chamada sociedade civil organizada até

constituir-se como ator político reconhecido pelo Estado brasileiro.

Sociedade civil organizada é a alcunha que convencionou-se dar à toda forma de

5 Embora os entes federativos possuam certa autonomia para legislar em favor de demandas locais, o

desenho federativo no Brasil limita a ação de estados e municípios por não prever constitucionalmente

problemas fiscais que tornam desproporcionais a conta entre arrecadação e gastos públicos (SOUZA, 2006).

Nesse sentido, a esfera federal é a mais capaz de efetivar a entrada de uma determinada demanda na agenda

pública por ser dotada dos recursos necessários para a aplicação prática das políticas e direitos desses

grupos.

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reunião de atores e instituições em oposição ao que é governamental. Não se faz distinção,

a partir deste olhar mais usual, entre os modelos de gestão cujas instituições são

organizadas: com ou sem fins lucrativos, legalmente constituídas ou informais,

organizações associativas ou empresariais, a sociedade civil organizada tem seus

contornos traçados a partir de seu fim: a constituição de uma força política capaz de se

configurar como alternativa à rígida verticalização que o modelo representativo costuma

impor como barreira à participação de cidadãos nas decisões do Estado. Fernandes (2002)

destaca que essa é uma forma de participação política com características muito

peculiares na América Latina, indicando o fenômeno crescente da participação de

cidadãos na arena de decisões governamentais. Hoje, alguns autores6 substituem o termo

“sociedade civil organizada” por “organizações da sociedade civil” para referir-se aos

atores organizados coletivamente em torno das mais diversas pautas. Preferimos manter

neste trabalho o termo sociedade civil organizada, exatamente pelo termo carregar o peso

de oposição ao que é governamental. Antes de

prosseguir na análise das relações da sociedade civil organizada e o Poder Legislativo,

cabe destacar que o Brasil se diferenciou dos casos de ditaduras ibéricas, africanas e

latino-americanas por ter apenas duas interrupções institucionais de curta duração nas

mais de duas décadas de governo autoritário (SANTOS, 2007). No limite, isso significa

que, mesmo com restrições dos direitos civis, o sistema representativo esteve vigente,

uma vez que a competição eleitoral-partidária para a Câmara dos Deputados e

assembleias estaduais nunca foi interrompida. Não é possível

dissociar atendimentos de demandas e participação política da competição eleitoral. No

Brasil, o desenvolvimento de programas governamentais tem relação direta com a

reforma do Estado, participação setorial e a competição eleitoral. A agenda pública

interfere no modo como os governantes eleitos vão priorizar uma determinada pauta; uma

vez que as pautas são levadas pelos grupos de interesse ao governo, a agenda de demandas

a ser atendida também demonstra quais grupos tem maior importância e proximidade com

o poder, assim como externam como o próprio poder se estrutura na manutenção ou

6 Fernandes (2002); Landim (1998).

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ruptura com determinados grupos ou de determinados privilégios. Aprofundando a

questão, é no âmbito do Legislativo que as coalizões políticas se estabelecem e, voltar o

foco para estas coalizões é de suma importância, haja vista que, segundo Celina Souza

(2006), na maioria dos países ainda não foram formadas coalisões políticas capazes de

estabelecer políticas públicas que impulsionem o desenvolvimento econômico e

promovam inclusão social. No Brasil, a sociedade civil começa a

se organizar como um ato de resistência ao governo autoritário. Em geral, na década de

80, diversos setores da sociedade se organizavam em torno das iniciativas da Igreja

Católica e das Organizações Não-Governamentais (ONG’s), iniciativa incipiente à época,

mas que viria a ser um dos principais modelos de articulação e gestão social no país após

a redemocratização (LANDIM, 1998; FERNANDES, 2002;).

As estratégias políticas desenvolvidas pelas OSC e pelos movimentos sociais, ao

longo da fase final do autoritarismo militar (1977-1985), marcadas por novas

práticas de envolvimento cívico, foram criadas para promover

encontros/reuniões abertas, deliberações públicas e processos de implementação

transparentes no intuito de superar esses legados políticos. Novas formas de

associativismo voluntário e novas práticas públicas, fomentando, assim, novas

formas de engajamento cívico. De forma relevante, esses esforços são parte de

uma campanha mais ampla para o aprofundamento e expansão do campo das

práticas democráticas (AVRITZER, WAMPLER, 2004:212).

Em tempos de autoritarismo, a principal pauta dessas organizações dizia respeito

à garantia de direitos básicos e de participação política livre, os quais o Estado não se via

obrigado legalmente a assegurar. Mais tarde, os efeitos desse tipo de manifestação de

setores cada vez mais organizados e atuantes se tornaram clausulas constitucionais, cujos

direitos básicos – saúde, educação, liberdade de expressão, de associação, alimentação e

moradia – foram assegurados, pelo menos, no sistema legal.

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PÓS-88: A SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA E O PODER LEGISLATIVO

A partir da redemocratização da década de 1980, foram permitidas coalizões entre

organizações da sociedade civil (OSC) e atores políticos, gerando novos formatos

institucionais. As estratégias políticas de tais organizações são movimentadas, de um

modo geral, “pela necessidade de encontrar soluções imediatas para problemas sociais,

assim como pelo interesse mais geral de ampliar o acesso dos cidadãos comuns aos

processos de tomada de decisão pública” (AVRITZER, WAMPLER, 2004:211).

Organizações da sociedade civil têm promovido reformulações institucionais

como meio para desafiar o legado de relações sociais hierárquicas, que gerou

uma arena pública confinada e o controle patrimonial do Estado, os quais têm

caracterizado o processo histórico de construção da nação (nation building) e

modernização (no Brasil). Os baixos níveis de organização cívica e participação,

que marcaram a maior parte do século XX, impregnaram as sociedades civil e

política no Brasil, contribuindo para o fortalecimento das políticas de

clientelismo e patrimonialismo. O clientelismo, baseado na cultura do favor e

nas trocas pessoais entre indivíduos de diferentes classes sociais e políticas,

permanece como característica predominante na maior parte do país

(AVRITZER, WAMPLER, 2004:212).

Desde os anos 1980, o desafio de redefinir o papel do Estado começava por

instituir uma credibilidade, ferida à ocasião pelas décadas de dilapidação feitas pelas elites

e pelos planos econômicos fracassados. Numa esfera micro, grupos se articulavam na

sociedade para que suas demandas entrassem nas pautas, exigindo do Estado que este não

fosse “mínimo”, dado a autonomia que diferentes setores sociais conquistaram à época

(FAUSTO, 1995). Por mais que as demandas dependam da interação entre os atores

envolvidos, entender como o governo se estrutura é fundamental, uma vez que ele se

constitui como lócus onde ocorre o debate de ideias e interesses, em que se estabelecem

os conflitos que limitam as decisões governamentais e se manifestam as possibilidades

de cooperação entre governos, instituições e grupos sociais (SOUZA, 2006).

Ao falar das

relações e dos conflitos gerados pela diversidade de interesses e ideias que tangem a

esfera pública, é importante esclarecer os impactos trazidos pela Constituição de 1988. O

desenho federativo elaborado pela Constituinte, à ocasião, descentralizou os poderes ao

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prover a possibilidade de estados e municípios tomarem algumas decisões

governamentais locais, além de prever a participação da sociedade civil nas mesmas,

independentemente do nível dessas decisões. Contudo, subordinou os entes federativos à

União e suas decisões regulatórias, especialmente por não lidar com as diferenças

econômicas entre estes entes, em virtude da dependência fiscal da União (SOUZA, 2005).

Dessa forma, é difícil que o legislativo estadual e municipal tome grandes passos

rumo à mudanças na agenda estabelecida pela esfera federal, dificultando também a

regulamentação dos mecanismos de participação da sociedade civil para o atendimento

de demandas locais. Outro entrave ao exercício da soberania popular é a ausência de uma

lei orgânica específica para a regulamentação da atuação da sociedade civil como um dos

entes habilitados para propor, votar e vetar políticas públicas, limite imposto pelo não

estabelecimento nos dispositivos constitucionais às normas para o exercício do poder

direto do povo (SOUZA, 2003). Soma-se a este processo a cidadania tutelada pelo

assistencialismo e a crescente litigiosidade das relações entre setores sociais pós-

Constituição de 1988.

Note-se que a questão econômica é importante, não para lidar com uma análise

dos gastos com políticas públicas, mas para conhecer os mecanismos que determinam o

destino dos recursos governamentais para o atendimento das demandas. É na arena

política que o fenômeno da interação entre agentes civis e públicos ocorre: as demandas

nascidas na sociedade são levadas ao governo por meio de suas instituições mediadoras

– movimentos sociais, ONG’s, grupos de interesses – deslocando o eixo da ação coletiva

da sociedade civil para a sociedade política. Os múltiplos sujeitos que compõem o tecido

social não têm recursos para se constituírem - por si só - como uma força coletiva, gerando

a necessidade de convergência em torno de uma arena comum, ou seja, o Estado (GOHN,

2010). É na normatização em forma de leis e regras que a arena de conflito insuflada pelas

diferentes demandas são demarcadas e limitadas. O Estado brasileiro vem repensando

a forma de se posicionar diante das questões sociais oriundas das desigualdades históricas

presentes no tecido social. Enquanto o governo pensa em mecanismos de gestão das

demandas sociais, a população, por sua vez, demonstra interesse em participar tanto das

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decisões governamentais quanto dos mecanismos que amortizem as questões sociais.

Fernandes (2002) aponta que uma dessas vias de participação é o estabelecimento do

terceiro setor no Brasil – um conjunto de organizações e iniciativas privadas que visam a

produção de bens e serviços públicos, ou seja, aqueles que não geram lucros e que

correspondem às demandas coletivas. Este é um viés democrático da participação civil

porque ampliam as possibilidades do exercício da cidadania, resguardado o fato de que

suas funções não são substitutivas às funções do Estado. Sobre a participação da

sociedade civil nas questões sociais, Gohn (2010) afirma que as ações coletivas tiveram

o foco transferido dos agentes para as demandas sociais: o eixo deixa de ser a sociedade

civil para ser a sociedade política articulada pelas normativas do Estado que convergem

estes movimentos para o poder estatal, especialmente no plano federal. Deste modo, as

demandas sociais são identificadas e atendidas de forma holística, permitindo, ao mesmo

tempo, que o Estado tenha maior controle sobre a esfera social.

LIMITES E POSSIBILIDADES DA PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL

NO LEGISLATIVO

Se há algum consenso, tanto entre os estudiosos quanto no senso comum, este se

refere à insuficiência do sistema representativo como sistema de expressão da vontade

popular. A participação ativa da população no processo legislativo pode despontar como

uma via para um exercício democrático mais direto ou, pelo menos, mais intenso do que

o estabelecido pelo calendário eleitoral. A admissão constitucional da iniciativa popular

é um modo eficaz de corrigir as distorções no entendimento dos termos “todo poder

emana do povo” e “soberania popular”, cuja presunção de plenitude ainda carrega como

expressão a participação do processo eleitoral (SOUZA, 2003).

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Como alternativa, Souza (2003) propõe a atividade dos lobbies7organizados pelos

grupos que defendem seus direitos de forma mais sistemática, tornando cada vez mais

assertiva a participação cidadã, uma vez que a Constituição de 1988 coloca o povo como

centro das ações governamentais, indicando um rompimento com o ordenamento jurídico

anterior8. Contudo, o autor afirma que, para que essa norma se torne efetiva, é preciso que

os princípios constitucionalmente resguardados sejam incorporados à rotina da

população. Se a manutenção dos direitos sociais já está arraigada como prática discursiva

da maior parte dos cidadãos, agora se faz necessário o exercício em plenitude dos direitos

políticos para que, assim, seja possível afirmar que o Brasil atingiu alguma maturidade

democrática.

A CLP pode se apresentar como um campo privilegiado para o exercício de

participação política, enquanto a inciativa popular ainda não ganha contorno normativo

em forma de uma lei específica sobre a matéria. Considerando as colocações acima, temos

que um dos limites para a efetivação da CLP, enquanto mecanismo pelo qual a sociedade

possa participar das decisões políticas, é o desconhecimento técnico-legal da maior parte

da população, afastada em demasia das normas que regem esse dispositivo. O esforço de

mobilização – portanto, da transformação de agentes da sociedade em uma organização

da sociedade – é comprometido pelo sistema desacreditado pelo clientelismo, já apontado

na literatura política clássica, mas também pelo desconhecimento dos mecanismos que já

estão disponíveis como canais mais diretos entre os governantes e a população.

A COMISSÃO DE LEGISLAÇÃO PARTICIPATIVA

7Grupos de interesse organizados produzem lobby por meio do uso de informações, ação coletiva etc., a

fim de influenciar decisões governamentais. Embora a tradição pluralista da Ciência Política veja como

positiva a produção do lobby, por considerá-lo necessário ao equilíbrio das escolhas no escopo do processo

decisório, de modo geral, o lobby é tido como um problema para a democracia, tendo em vista a corrupção

no âmbito do sistema representativo e a concentração de poder de influência nas mãos dos grupos detentores

de recursos (SANTOS, 2011). 8 A Constituição de 1988 ficou conhecida como a Constituição Cidadã.

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Criada no ano de 2011, a Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos

Deputados objetiva a promoção da participação da sociedade civil no processo de

elaboração legislativa. A participação na CLP se dá por meio de entidades civis

organizadas, Organizações Não Governamentais (ONGs), sindicatos, associações ou

órgãos de classe. Tais associações apresentam suas sugestões legislativas junto à

Comissão. Para tanto, a CLP disponibiliza, ainda, um Banco de Ideias em sua página na

internet destinado às propostas individuais (BRASIL, 2015). Além de avaliar as sugestões

de iniciativa legislativa, a CLP trata de estudos e pareceres técnicos apresentados pela

diversidade de organizações acima citada, com exceção dos partidos políticos,

organismos internacionais e órgãos e entidades da administração pública direta e indireta

de qualquer dos Poderes da União (ANASTASIA, NUNES, 2006; LORDÊLO, 2009).

Sendo uma das comissões permanentes, sua criação surge como parte das

propostas de aproximação entre o Legislativo e a sociedade, processo iniciado no contexto

da redemocratização da década de 1980. A CLP foi uma iniciativa do então Presidente da

Casa, o deputado federal Aécio Neves (ano de 2001). Além deste, outro ator pode ser

identificado como central no momento da criação da Comissão, qual seja, a também

deputada federal Luiza Erundina, primeira presidente da CLP e importante formuladora

e articuladora da criação da Comissão (SILVA, 2009).É importante ressaltar que a

proposta de criação da Comissão foi aprovada com o apoio de todos os partidos políticos

que à época se faziam representados na Câmara dos Deputados (BARBOSA, 2013).

A Constituição de 1988 ficou conhecida como Constituição Cidadã, devido ao

espaço nela concedido à participação da sociedade na formulação de políticas públicas –

elemento fundamental para a democracia -, através da criação de modelos participativos

capazes de conferir ao cidadão protagonismo na esfera pública (BARBOSA, 2013).

Anastasia e Nunes (2006), em artigo sobre a reforma da representação política,

apontam para as demandas atuais da representação política, enfatizando a necessidade da

consolidação de um Poder Legislativo que seja expressivo em relação à pluralidade

presente na sociedade e capaz de fomentar o debate público. Os autores definem

“representação política” como:

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O conjunto das relações estabelecidas entre os cidadãos e os governantes eleitos.

Os primeiros são, nas democracias, os sujeitos detentores de soberania política e

a utilizam para autorizar outros, os governantes, a agirem em seu nome e no

nome de seus melhores interesses. Os cidadãos são os mandantes, os governantes

são os mandatários, estejam eles no Poder Executivo – presidente, governador,

prefeito – ou no Poder Legislativo – senadores, deputados federais, deputados

estaduais ou vereadores (ANASTASIA, NUNES, 2006:17).

Para Barbosa (2013):

Na sociedade moderna a representação constitui elemento fundamental para a

Democracia. No entanto, ela, por si só, não é suficiente. É necessário

mecanismos institucionais capazes de incluir a participação da sociedade civil

no processo de produção de novas leis. Por conseguinte, o governo

representativo se torna mais democrático quando se aproxima de forma dinâmica

do cidadão (BARBOSA, 2013:24).

Anastasia e Nunes (2006) também chamam atenção para a necessidade da

existência de “canais permanentes, institucionalizados e deliberativos de interação entre

as instâncias de representação e de participação política” (ANASTASIA, NUNES,

2006:26). A experiência proporcionada pela criação da Comissão aproxima as

organizações da sociedade civil dos congressistas, ou ainda, a participação da

representação, fomentando a representação política formal, dado que amplia os canais

institucionalizados de vocalização de interesses (BARBOSA, 2013).

Para Barbosa (2013), a CLP-CD confere aos cidadãos três funções, estando estas

interligadas: aprendizado (acerca da relação entre interesse público e privado e do

processo legislativo), aproximação da sociedade civil com as definições que afetam suas

vidas e maior legitimidade do poder público junto à sociedade civil, uma vez que as

sugestões aprovadas estão assentadas na participação política.

O exercício da soberania popular é garantido por alguns dos dispositivos presentes

na Constituição de 1988. São eles: plebiscito, referendo e iniciativa popular. A CLP surge

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como uma forma de reconhecimento das limitações de aplicação destes mecanismos9.

Para tanto, a Comissão recebe e administra as propostas legislativas encaminhadas à

Câmara por entidades da sociedade civil (AVRITZER, 2006; MIOLA, 2009).

Algumas experiências

serviram de inspiração para a criação da CLP. A principal referência foi a Comissão de

Petições do Parlamento Europeu, bem como outras experiências nas formas de

participação desenvolvidas, em geral, nas democracias mais consolidadas (SILVA, 2009;

LORDÊLO, 2009).

Nesse sentido, a CLP-DP vem, portanto tentar desfazer as limitações que se

interpuseram ao avanço de uma participação mais efetiva da sociedade no âmbito

do legislativo. Participação esta, calcada na efetivação dos mecanismos de

exercício direto do poder inscritos na Constituição Federal (SILVA, 2009:51).

Os temas contemplados pelas sugestões legislativas encaminhadas à CLP são

diversos, tais como habitação, meio-ambiente, administração pública, criação de

universidade federal, alterações em leis, entre outros (LORDÊLO, 2009). Em geral, os

deputados das Comissões Permanentes se especializam nos assuntos referentes à sua área,

mas a situação diferenciada da CLP não comporta esse perfil de especialização, uma vez

que, enquanto as Comissões temáticas podem fazer suas consultas à Consultoria

Legislativa - sempre no campo correspondente à sua atuação -, as sugestões encaminhadas

à Comissão em questão são, como já dissemos, diversas. Desta forma, ao realizar uma

consulta, o relator pode buscar informações em qualquer uma das vinte áreas de

conhecimento em que se divide a Consultoria, de acordo com o tema da proposta recebida

(LORDÊLO, 2009).

9Segundo Souza (2003), desde a previsão em Constituição do plebiscito ainda nos anos 1960, esse

dispositivo foi acionado em questões de interesse nacional apenas três vezes. Além disso, a iniciativa

popular ainda carece de regulamentação em lei específica, como exposto acima.

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A sociedade civil organizada pode emitir toda e qualquer sugestão que seja da

competência das comissões permanentes, estando vedada a apresentação das seguintes

sugestões legislativas: Proposta de Emenda à Constituição (PEC), Requerimento para a

Criação de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) e Sugestão de Proposta de

Fiscalização e Controle (PFC). Estão vetadas, ainda, proposições que sejam de iniciativa

do Presidente da República, do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e do

Ministério Público, bem como aquelas da competência dos estados e municípios. A tabela

abaixo, baseada no trabalho de Burgos (2007), apresenta os tipos de propostas que podem

ser apresentadas pela sociedade à CLP.

TABELA 1

TIPO DE SUGESTÃO DESCRIÇÃO

Projeto de lei complementar Sugere a regulamentação de matéria para a

qual a Constituição faz exigência expressa.

Projeto de Lei Sugere disciplinar assuntos próximos à

legislação ordinária ou comum.

Projeto de Resolução Sugere a alteração do Regimento Interno da

Câmara dos Deputados.

Requerimento solicitando Audiência

Pública

Sugere a realização de audiência pública

com entidades da sociedade civil que

contribuam para o debate das proposições.

Requerimento solicitando

depoimento de cidadão ou autoridade

Solicita o depoimento de autoridade ou

cidadãos para debaterem proposições na

Comissão.

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Requerimento de convocação de

Ministro de Estado

Sugestão para convocar Ministros de Estado

para prestar informações sobre assuntos

previamente determinados, no documento da

convocação.

Requerimento de informação a

Ministro de Estado

Requerimento encaminhado pela Mesa da

Câmara dos Deputados para solicitar

informações aos Ministros de Estado, aos

representantes de órgãos hierárquicos ou

entidades vinculadas ao Ministério, sempre

direcionado ao titular da Pasta.

Projeto de Decreto Legislativo Espécie de veto legislativo que suspende a

aplicação de regulamentos e normas

originadas do Poder Executivo nos quais

possam ter existido excessos no uso do poder

de regulamentar por parte da administração

federal.

Projeto de código ou de consolidação Sugere alterações diversas a textos legais

relativos a um mesmo assunto. Exemplos:

Código de Defesa do Consumidor,

Consolidação das Leis do Trabalho, Códigos

Pena, Civil, etc.

Proposta de emenda à Lei

Orçamentária e a seu Parecer

Preliminar

Sugestões que permitem sugerir despesas e

investimentos por parte da União a serem

inclusos no Orçamento Geral da União.

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Proposta de emenda ao Plano

Plurianual

Propõe alterações ao Plano plurianual –

PPA.

Fonte: Adaptado de Lordêlo (2009).

O Selo de Participação Legislativa tem o objetivo de divulgar o trabalho da

Comissão e homenagear as organizações que dela participam. O quadro a seguir é

referente ao Selo do ano de 2014 e traz as categorias, com suas respectivas descrições, e

as organizações homenageadas. O selo 2014 conferiu prêmios às organizações que

participaram junto à CLP-CD entre os anos de 2001 e 2014 em quatro categorias:

TABELA 2

CATEGORIAS ORGANIZAÇÕES VENCEDORAS

Categoria I: Entidades que

apresentaram o maior

número de sugestões na

CLP desde 2001

Associação Comunitária do Chonin de Cima – ACOCCI;

Centro Feminista de Estudos e Assessoria – CFEMEA;

Conselho Social de Estrela do Sul – CONDESESUL

Categoria II: Entidades

que tiveram o maior

número de sugestões

aprovadas na CLP desde

2001

Associação Comunitária do Chonin de Cima – ACOCCI;

Centro Feminista de Estudos e Assessoria – CFEMEA;

Conselho Social de Estrela do Sul – CONDESESUL;

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Categoria III: Entidades

cujos eventos

apresentaram o maior

número de participantes

desde 2001

Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais,

Travestis e Transexuais – ABLGT;

Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde –

CNTS;

ONG SOS Segurança dá Vida

Categoria IV: Entidades

indicadas por trabalhos

relevantes para o País:

Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE;

Movimento Xingu Vivo para Sempre;

SOS Mata Atlântica.

Fonte: Adaptado BRASIL (2015)

Com base nos dados saídos do Selo de Participação Legislativa 2014, podemos

perceber que os grupos de minorias – geralmente classificados junto aos grupos de

direitos humanos (LORDÊLO, 2009) – são aqueles que participam de forma mais

assertiva junto à Comissão. São eles: Centro Feminista de Estudos e Assessoria

(CFEMEA), Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e

Transexuais (ABLGT) e Movimento Xingu Vivo para Sempre. Também figuram a

premiação a Associação Comunitária do Chonin de Cima (ACOCCI), Associação dos

Juízes Federais do Brasil (AJUFE), Conselho Social de Estrela do Sul (CONDESESUL)

e a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde (CNTS). Entre as ONGs, estão

a SOS Segurança dá Vida e a SOS Mata Atlântica.

As entidades que apresentaram o maior número de sugestões (Categoria I) entre

2001 e 2014 também foram aquelas que tiveram o maior número de sugestões aprovadas

(Categoria II) na Comissão – ACOCCI, CFEMEA e CONDESESUL -, sugerindo uma

relação entre participação e efetivação, naquilo que se refere ao atendimento de

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demandas. Chamamos a atenção, contudo, para a necessidade de se observar os aspectos

particulares de cada uma dessas organizações, uma vez que os resultados podem estar

influenciados por outros fatores, tais como recursos relativos, acesso à informação, aos

parlamentares, corresponderem à causas sensíveis à opinião pública, manutenção de

agentes para acompanhamento diário no Parlamento, entre outros.

No mesmo sentido, é possível afirmar que, entre as organizações da sociedade

civil, há algumas que, por possuírem relações diretas com parlamentares, membros do

Poder Executivo e estruturas mais formalizadas naquilo que se refere às suas relações

com o Estado, podem atuar diretamente nas Comissões temáticas e no plenário, tornando

a CLP um mecanismo pouco útil para a consecução de seus interesses. Isso significa dizer

que as organizações mais bem estruturadas não precisam canalizar suas demandas por

meio da CLP, uma vez que conseguem fazê-lo de forma direta – junto aos parlamentares

e às Comissões temáticas. A Categoria

III se refere às entidades cujos eventos apresentam o maior número de participantes e nela

foram premiadas a ABLGT, a CNTS e a SOS Segurança da Vida. Essas entidades ainda

carecem de maior análise; Contudo, o alto número de participantes engajados

politicamente nos leva a crer que estes são movimentos oriundos de setores que, embora

ainda lutem pelo reconhecimento de seus direitos sociais, já contam com reconhecimento

social, o que leva a uma maior legitimação de suas pautas como sendo de interesse

público. O mesmo ocorre com a Categoria IV – entidades indicadas por trabalhos

relevantes para o país –, que premiou a AJUFE, o Movimento Xingu Vivo para Sempre

e a ONG SOS Mata Atlântica. É possível inferir que estas últimas duas organizações

possuem um trabalho que vem sendo desenvolvido há anos e que, por esta razão,

mobilizam diversos agentes, organizam e estruturam sua ação. Já a AJUFE se refere à

uma categoria profissional de forte expressão, qual seja, a dos juízes federais, no sentido

de recursos. Podemos verificar que esta última instituição nos aparece como exceção ao

perfil das organizações que procuram a CLP para legitimar publicamente suas demandas.

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CONCLUSÃO

O presente trabalho teve como objetivo lançar uma luz sobre a Comissão de

Legislação Participativa da Câmara dos Deputados enquanto objeto de pesquisa na área

de Ciência Política. Buscamos apresentar seus aspectos gerais e algumas das formas de

se pensar sua existência frente às alterações nas relações entre Estado e sociedade civil

ocorridas a partir do período de redemocratização da década de 1980 e da instauração da

nova Carta.

Consideramos os dados oriundos do Selo de Participação Legislativa 2014

insuficientes naquilo que se refere às conclusões mais amplas e à análise mais detalhada

do funcionamento e dos resultados concernentes à CLP. Contudo, tendo em vista que este

trabalho se inscreve em uma pesquisa mais ampla – sendo, portanto, um primeiro

subproduto – sobre a participação da sociedade civil organizada na arena legislativa via

CLP-CD- e dos segmentos que através dela canalizam suas demandas de forma mais

assertiva -, sua análise nos permite traçar algumas considerações e avaliar, a seguir, os

componentes presentes no campo.

Em primeiro lugar, nos parece insuficiente analisar a participação das

organizações na CLP sem que, antes, sejam averiguadas suas trajetórias – em termos de

sua formação, organização e, principalmente, de suas relações junto ao poder público - ea

recepção de sua área temática – minorias, meio ambiente ou religião, por exemplo –junto

à opinião pública, uma vez que temas sensíveis e correntes no debate popular, de um

modo geral, podem receber tratamento diferenciado nas arenas estatais. Além

disso, é de enorme importância analisar de que maneira os recursos relativos de uma

determinada organização são capazes de influenciar na sua atuação junto à Comissão. Se

grupos organizados de empresários, agricultores e médicos, por exemplo, não figuram

entre aqueles que mais participam da Comissão, podemos sugerir que possuem outros

canais de vocalização de seus interesses, mais diretos, tais como nas Comissões temáticas

e com os parlamentares. As organizações que representam os interesses de minorias, por

outro lado, figuram entre aquelas que mais participam da CLP-CD, sugerindo que são

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mais estreitos os acessos a canais de expressão mais diretos. O mesmo pode ser pensado

para associações de moradores e organizações que se referem ao meio ambiente.

A CLP, assim, constitui-se em um esforço no sentido de atender o anseio da

sociedade por uma participação política com aspectos mais diretos que o sistema

representativo pode oferecer. Coexistem com ela alguns mecanismos de poder político

por parte da sociedade civil organizada, como o Orçamento Participativo e outras parcas

iniciativas de consulta popular, a exemplo do plebiscito. Contudo, tais dispositivos estão

condicionados à disposição do Legislativo – independente do ente federativo – para a

realização da consulta popular. Ambos, ainda, dizem respeito às pautas já estabelecidas

pelo Estado, algumas vezes em condições que se quer passaram por algum tipo de

mobilização popular. Destacamos assim, a necessidade de alargar a CLP como um campo

de estudo: são poucas as produções que dão destaque a este mecanismo de participação

política e a própria Câmara dos Deputados não tem disponibiliza dados de forma ampla,

de modo a auxiliar na mensuração da eficiência da apresentação de demandas e,

sobretudo, do atendimento das mesmas.

Sendo assim, não é possível ainda afirmar sua eficiência prática, ou seja, o nível

de satisfação das entidades que buscaram a CLP para incorporar suas demandas à uma

agenda política privilegiada. Afirmamos, com base nas suas disposições institucionais,

que este mecanismo não garante que os interesses da sociedade sejam atendidos, sendo,

antes, uma espécie de filtro submetido à ação governamental, limitada pela

competitividade eleitoral e aos agentes que possuem mais recursos relativos. Mas seus

efeitos, ainda restritos à pedagogia política, indicam que o caminho da normatização tem

sido privilegiado pela sociedade civil organizada por apresentar maior proximidade às

esferas de decisão governamental e, uma vez na agenda, que o tema ganhe respaldo

institucional.

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