PASQUALI, L. - Princípios Éticos e Deontológicos na Avaliação Psicológica.pdf

23
rr Princípios Eticbs e Deontológicos na Avaliação Psicológica por Solange Muglia Wcchsler I. Ética e Deontologia O conceito de Ética deriva da palavra grega cthos, que significa valores morais, costume, normas e ideais de conduta. Deontologia também tem raízes gregas, vem de dcon, que significa dever, e 1 ogia como saber, relacionando, portanto, os deveres e os princípios morais que devem ser observados no exercícin de uma profissão (Weiszflog. 1998). A distinção entre os dois termos não é consistente, por isso muitas vezes os encontramos sendo utilizados como sinônimos, mos- trando assim o dilema refletido nos valores do homem consigo mesmo e nas suas responsabilidades frente à sociedade. Cada.vez mais encontramos menção a estes dois conceitos nas .publicações em Psicologia, possivelmente porquê o nosso grande avan- ço científico não correspondeu a uma melhoria do sistema ético e moral na nossa profissão (Muniz, 1997). Daí o resgate da sabedoria grega para discutirmos a prática da Psicologia dentro de um aspecto mais amplo de deveres, valores e responsabilidades do psicólogo para com a ciência e com as pessoas com as quais se relaciona. C apítulo 6

Transcript of PASQUALI, L. - Princípios Éticos e Deontológicos na Avaliação Psicológica.pdf

Page 1: PASQUALI, L. - Princípios Éticos e Deontológicos na Avaliação Psicológica.pdf

rrPrincípios Eticbs e

Deontológicos na Avaliação Psicológica

por Solange Muglia Wcchsler

I. Ética e DeontologiaO conceito de Ética deriva da palavra grega cthos, que significa

valores morais, costume, normas e ideais de conduta. Deontologia também tem raízes gregas, vem de dcon, que significa dever, e 1 ogia como saber, relacionando, portanto, os deveres e os princípios morais que devem ser observados no exercícin de uma profissão (Weiszflog. 1998). A distinção entre os dois termos não é consistente, por isso muitas vezes os encontramos sendo utilizados com o sinônimos, mos­trando assim o dilema refletido nos valores do homem consigo mesmo e nas suas responsabilidades frente à sociedade.

Cada.vez mais encontramos m enção a estes dois conceitos nas .publicações em Psicologia, possivelmente porquê o nosso grande avan­ço científico não correspondeu a uma melhoria do sistema ético e moral na nossa profissão (Muniz, 1997). D aí o resgate da sabedoria grega para discutirmos a prática da Psicologia dentro de um aspecto mais amplo de deveres, valores e responsabilidades do psicólogo para com a ciência e com as pessoas com as quais se relaciona.

C a p í t u l o 6

Page 2: PASQUALI, L. - Princípios Éticos e Deontológicos na Avaliação Psicológica.pdf

172 T é c n ic a s d e E x a m e P sic o l ó g ic o - T E P

A grande contribuição do século XX para a discussão dos princípios éticos e deontológicos a serem exercidos na Psicologia se deve à American Psychological Association (APA). Esta associa­ção publicou em 1953 o seu primeiro guia de princípios éticos, que já ultrapassaram a nona edição. Atualmente podemos afirmar que quase todas as Associações ou Conselhos de Psicologia, em nível internacional, possuem o seu próprio Código de Ética, apresentan­do inclusive as penalidades que podem ser aplicadas àqueles que não respeitarem suas regras (Wechsler, 1996). Neste sentido en­contra-se o nosso Código de Ética, definido para o psicólogo brasi­leiro, cuja revisão de 1999 tratou de adequar à versão original questões mais atuais que pudessem apresentar dilemas éticos para os nossos profissionais (Conselho Regional de Psicologia, 1999).

A grande contribuição oferecida pelos Códigos de Ética das associações profissionais foi regulamentar a prática psicológica, dis­cutida em seu âmbito geral, para os psicólogos de cada país. En­tretanto, poucós são os países que se dedicaram a desenvolver pro­cedimentos éticos e deontológicos para situações específicas, como na avaliação psicológica, excetuando-se os Estados Unidos, Ca­nadá, Espanha (Muniz, 1997) e Portugal (Associação dos Psicólo­gos Portugueses, 1991). Mais recentemente, a International Test Commission propôs um guia orientador a ser utilizado internacio­nalmente por psicólogos envolvidos com a avaliação psicológica, no qual se encontram detalhadas normas básicas para a conduta ética em diferentes situações (Bartram, 1999).

Considerando-se os padrões éticos e deontológicos definidos pe­las diferentes Associações de Psicologia para a área da avaliação psico­lógica, podemos classificá-los em quatro grandes grupos, a saber, pa­drões referentes à formação, à prática, à pesquisa e à publicação de instrumental psicológico, tópicos estes que trataremos a seguir. Pre­tendemos também contextualizar os dilemas éticos e deontológicos que surgem em cada uma destes grupos para a realidade brasileira, almejando assim contribuir para as mudanças ou crescimento em di­reção a uma melhor atuação do professor, profissional e pesquisador em avaliação psicológica.

Page 3: PASQUALI, L. - Princípios Éticos e Deontológicos na Avaliação Psicológica.pdf

PltlNCfHOS ÉTICOS E DEONTOLÓGICOS NA AVAUAÇÃO PSICOLÓGICA 173

Considerando o termo “Ética” como mais conhecido na Psicologia, vamos empregá-lo neste texto como sinônimo de “Deontologia”, principalmente ao considerar a superposição destes como ressaltado anteriormente.

2. A Ética na Avaliação PsicológicaPrincípios éticos básicos a serem seguidos nos diferentes 'âmbitos

da Psicologia foram claramente delineados pela A m erican Psychological Association (1992); eles se encontram também, em menor abrangência, nos diferentes Códigos de Ética das associações de clas­se. A APA apresenta seis padrões básicos ou norteadores a serem res­peitados na formação e atuação de psicólogos, que são: (1) Compe­tência, (2) Integridade, (3) Responsabilidade científica e profissio­nal, (4) Respeito pela dignidade e direitos das pessoas, (5) Preocupa­ção com o bem-estar do outro e (6) Responsabilidade social.

Devido à amplitude dos padrões éticos delineados pela APA c as suas aplicações para os mais diferentes campos da Psicologia, diversos pesquisadores os têm utilizado como base nas suas orien­tações quanto à docência, prática e pesquisa. Em relação à área de avaliação psicológica, por exemplo, temos os trabalhos de Oakland (2000) e da International Test Com m ission - 1TC (Bartram,1999), que tratam, especificamente, dos critérios míni­mos a serem observados, em nível internacional, para a atuação nesta área, como comentaremos posteriormente.

O princípio da competência, definido pela APA, estabelece que o psicólogo deve procurar sempre manter os mais altos padrões de exce­lência no seu trabalho. Neste sentido, ele deve reconhecer os limites da sua competência e as limitações de sua especialidade, oferecendo assim somente os serviços nos quais se sente adequadamente habilita­do. Da mesma maneira, na sua área de especialização, o psicólogo deve estar a par do desenvolvimento da literatura científica, procurando sempre se atualizar por meio da educação continuada oferecida em diversas formas. Referindo-se a este tópico, Oakland (2000) destaca a necessidade dos profissionais que trabalham na área da avaliação

Page 4: PASQUALI, L. - Princípios Éticos e Deontológicos na Avaliação Psicológica.pdf

174 T é c n i c a s d e E x a m e P s i c o l ó g i c o - T E P

psicológica estarem sempre reciclando-se através de cursos de pós- graduação, participação em congressos e revistas científicas, devi­do ao volume de pesquisas que é realizado sobre os vários tipos de instrumental psicológico.

Na .questão da integridade, a APA define o comportamento e atitudes éticas tanto no seu aspecto científico quanto nas relações entre o ensino e a prática da Psicologia. Assim sendo, em suas ativi­dades, espera-se que o psicólogo tenha comportamentos honestos, justus e respcíLuaus na sua aluarão, qualquer que seja o âmbito de seu trabalho. Por outro lado, é esperado que este psicólogo tenha consciência do seu sistema de valores e os efeitos que estes possam ter na sua prática diária. Neste aspecto encontramos ressonância em todos os Códigos de Ética profissionais, exigindo-se atenção e zelo para evitar que valores pessoais possam vir a afetar o relaciona­mento com o sujeito a ser atendido (Muniz,1997).

O princípio de responsabilidade científica e profissional estabelece que o psicólogo deve reconhecer a importância do seu comportamen­to e atuação, procurando sempre atender, com técnicas específicas, as necessidades de diferentes tipos de clientela. Espera-se também que este profissional colabore com outros colegas ou instituições que este­jam envolvidos no bem-estar das populações atendidas, exigindo que respeitem, não só como ele mesmo, os padrões deontológicos no com­portamento profissional Ressaltando a necessidade de respeito a este princípio, Oakíand (2000) adverte que o comportamento ético deve ser entendido como mais amplo, ou seja, no ambiente em que o traba­lho é desenvolvido. Dessa forma nos reportarmos não somente à ética do psicólogo, como também à ética dos demais profissionais ao redor que atendem com a finalidade da avaliação psicológica.

O respeito à dignidade das pessoas, tal como definido pela APA, refere-se à necessidade do reconhecimento do direito de privacidade, confidencialidade, autodeterminação e autonomia dos indivíduos aten­didos. Tal princípio determina não só a guarda sigilosa da informação recebida, mas também o direito à recusa de continuar determinado tratamento. É também especificado que o psicólogo deve estar sempre atento às diferenças individuais resultantes da idade, sexo, raça, reli­gião, orientação sexual, nível sócio-econômico, ecc., que possam afe-

Page 5: PASQUALI, L. - Princípios Éticos e Deontológicos na Avaliação Psicológica.pdf

P r INCÍDOS ÉTICOS E neONTOLÓGICOS NA AVAUAÇAO rSICOLÓGICA 175

tar o tipo de atendimento a ser oferecido. Este aspecto ético ou deontológico é motivo de constantes preocupações pela International Test Commission (Bartram, 1999), principalmente no que se refere à prática da avaliação em países onde os instrumentos psicológicos são usados de forma precária, sem pesquisas de validação e padronização que considerem as especificidades de cada população.

A preocupação com o bem-estar alheio deve ser constantemente buscada na ética profissional, segundo a APA. Nesse sentido, quais­quer conflitos que possam ocorrer na prática profissional têm de ser sempre resolvidos para de minimizar riscos envolvidos. Assim sendo, os psicólogos deveni estar sensíveis à relação de poder no atendi­mento ao outro, evitando qualquer atitude que envolva engano ou exploração da pessoa envolvida. Este princípio delimita, com devida importância, os princípios éticos a serem seguidos em qualquer pro­cedimento em que exista avaliação psicológica, quer tenha finalida­de somente de diagnóstico, quer para o prognóstico ou em situação de pesquisa. Esta última situação tem sido reveladora de várias pre­ocupações éticas, detalhadas principalmente nos trabalhos de Sales e Folkman (2000).

A responsabilidade social é colocada como uma responsabilidade científica do profissional diante da comunidade e da sociedade na qual está inserido. As obrigações éticas e deontológicas, neste sentido, re- ferem-se à divulgação dos conhecimentos psicológicos para reduzir o sofrimento e contribuir para a melhoria da humanidade. A amplitude desta norma ética vai além da prática isolada do psicólogo, mostrando a sua responsabilidade na formação de políticas e leis que possam be­neficiar a sociedade, sem que tais funções envolvam, necessariamen­te, vantagens profissionais. Esta norma ética foi recentemente fortificada no nosso país com a regulamentação do Conselho Nacional de Saúde, na sua resolução 196/96 (Diário Oficial da União, 1996), em que foi enfatizada que a publicação de dados coletados é uma res­ponsabilidade ética e social, demonstrando assim o papel do pesquisa­dor para melhoria da sociedade.

Embora que vários dos princípios acima detalhados se encontrem também no nosso Código de Ética (Conselho Regional de Psicologia,1999), a realidade brasileira demonstra diversos dilemas éticos e

Page 6: PASQUALI, L. - Princípios Éticos e Deontológicos na Avaliação Psicológica.pdf

176 T é cn ica s d e E x a m e P sic o l ó g sc o - T E P

deontológicos em relação à formação, atuação, pesquisa e publicação de material para avaliação psicológica. A urgência de ações a serem desenvolvidas pelo CFP e CRPs, assim como pelas entidades forma­doras e editoras de instrumentos psicológicos, é crucial no nosso país.

No que tange ao primeiro princípio definido pela APA, por exem­plo, que se refere à competência do profissional da área, significando a constante atualização científica e prática, vemos um quadro pouco

. promissor entre os profissionais que utilizam instrumental psicológico, como também entre docentes que ensinam as técnicas de avaliação psicológica nas nossas universidades. Pesquisas realizadas sobre os tes- tes mais usados e/ou ensinados na graduação em Psicologia revelam pouquíssimas modificações na listagem destes nos últimos dez anos, preponderando aqueles testes que foram elaborados nas décadas de 60 e 70 (Azevedo, Almeida, Pasquaíi &.Veiga, 1996; Alves, 2000). Conse­qüentemente, é de esperar que uma formação deficitária nesta área colabore para que os profissionais cometam outras falhas éticas, tais como o não-reconhecimento do limite de sua competência em áreas sobre as quais não têm se atualizado e, portanto, não deveriam exercer atividades relacionadas com a avaliação psicológica.

O princípio da responsabilidade científica e profissional, por sua vez, estabelece a necessidade da procura por técnicas específicas para determinados tipos de clientela e a exigência de padrões éticos não só para si mesmo, como também para aqueles que trabalham no mesmo local do profissional de Psicologia. Infelizmente, esta falta ética não ocorre somente no nosso país, mas em vários outros ibero-americanos, como observaram Prieto, Muniz, Almeida e Bartram (1999). Confor­me apontaram estes pesquisadores, o uso de testes psicológicos por pessoas leigas na área não é incomum nos países da América do Sul, Central , Portugal e Espanha, onde várias das atividades do processo de avaliação psicológica que requerem conhecimento técnico, tais como a seleção do material a ser utilizado, interpretação de resultados e ela­boração de laudos, não são realizadas por psicólogos, sendo a área organizacional a que apresenta mais problemas neste sentido.

Na questão ética que trata dos direitos e da dignidade das pes­soas, encontramos orientações que se referem não somente à guarda sigilosa das informações obtidas e da sua autonomia do indivíduo

Page 7: PASQUALI, L. - Princípios Éticos e Deontológicos na Avaliação Psicológica.pdf

P r in c íp io s é t ic o s e d e o n io l ó g ic o s n a a v a l ia ç ã o p s ic o l ó g ic a 177

na escolha do tratamento, mas também aquelas que se relacionam às diferenças individuais que afetam os resultados de um teste, como sexo, idade, região, nível sócio-econômíco, etc. Esta é, sem dúvida, uma grave realidade nos países onde existe pouca pesqui­sa e publicações de material psicológico adaptado e validado para as características de sua população. Nesta situação triste se en­contram vários países ibero-americanos, referindo-se novamente à pesquisa anteriormente mencionada de Prieto, Muniz, Almeida e Bartram (1999). Com efeito, várias faltas éticas são encontradas entre os psicólogos destes países, como indicado pelos juizes ou especialistas de cada cultura, ao observarmos a seguinte lista das 10 deficiências mais graves no uso dos testes, apresentadas em ordem decrescente: (1) fotocopiar material sujeito a direitos au­torais, 2) utilizar testes inadequados na sua prática, (3) estar desatualizado na área de atuação, (4) desconsiderar os erros da medida nas suas interpretações, (5) utilizar folhas de respostas inadequadas, (6) ignorar a necessidade de explicações sobre pon­tuação nos testes aos solicitantes da avaliação, (7) permitir a apli­cação de testes por pessoal não qualificado, (8) desprezar condi­ções que afetam a validade dos testes em cada cultura, (9) igno­rar a necessidade de arquivar o material psicológico coletado, (10) interpretar além dos limites dos testes utilizados. Tais falhas éti­cas, sem dúvida, trazem inúmeras implicações e descrevem uma situação bastante precária na área da avaliação psicológica nos países de línguas espanhola e portuguesa.

A preocupação ética com o bem-estar alheio, assim como a responsabilidade social do psicólogo e do pesquisador com os da­dos coletados, terão, possivelmente, maior controle no nosso pafs com a resolução do Conselho Nacional de Saúde 196/96 (Diário Oficial, 1996), ao decretar as normas para pesquisas com seres humanos. Sem dúvida, esta norma é essencial, e apesar de existir há vários anos em outros países, como relata o Código da APA (1992), somente agora chegou ao Brasil para padronizar ativida­des bastante complexas, principalmente aquelas relacionadas ao uso de instrumental e técnicas psicológicas em situações de pes­quisa, onde ocorriam, sem dúvida, várias falhas éticas.

u(

Page 8: PASQUALI, L. - Princípios Éticos e Deontológicos na Avaliação Psicológica.pdf

178 T é c n i c a s d e E x am e P s i c o l ó g i c o - TEP

Acreditamos que existem várias barreiras, tanto de cunho epistemológico quanto prático, que têm impedido- o crescimento da área de avaliação psicológica no Brasil e contribuído para a ocor- rência de algumas destas faltas éticas aqui relacionadas. Enfocando, por exemplo, o ensino das técnicas de exame psicológico, encontra- se o pouco valor dado aos conhecimentos básicos que implicam na construção, adaptaçao ou validação de um instrumento psicológi­co. O ensino das técnicas de exame psicológico no nosso país tem se caracterizado mais no "como fazer” do que no' 1 por quê fazer”, de­monstrando o pouco lugar ocupado pela pesquisa nesta área. Por outro lado, a ausência de investimento em pesquisa por parte das editoras de instrumentos psicológicos faz com que prepondere e sei a comercializado material.antigo, sem atualização de normas ou vali­dação para a realidade brasileira. Entendendo esta dinâmica como um ciclo, podemos concluir que este material só é vendido porque o consumidor, no casò o psicólogo, tem baixo nível de exigência em relação ao que é comprado, devido à sua formação deficiente nesta área. Temos, portanto, uma situação que só poderá ser rompida se trabalhada em nível de formação.

Uma interessante análise sobre as possíveis causas que explicam o atraso na área da avaliação psicológica foi apresentada por Almeida (1999). Este autor ressaltou o descompasso entre a produção desta área, onde predominam instrumentos criados no começo do século XX, e os avanços da tecnologia atual. Possíveis causas, segundo este autor, que poderiam explicar o marasmo ou “adormecimento evolutivo” nesta área, principalmente no que se refere à avaliação intelectual; tais causas seriam: (a) crenças de que os testes existentes já sãosufici- entes, (b) elevados custos_humanos e materíais.para o desenvolvimen- to de novos testes, (c) validação empírica de novos testes tomando comoT)ase outros já_validadòs anteriormente,_o,..que reforça a conti­nuidade, (d) apelo para construção de testes a construtores que fazem bem e apreciam os testes habituais.

Podemos, assim, concluir que existe uma relação intrínseca entre atraso na tecnologia decorrente da pouca inovação e pesquisa na área e falhas éticas presentes nos vários níveis da avaliação psicológica. Neste

Page 9: PASQUALI, L. - Princípios Éticos e Deontológicos na Avaliação Psicológica.pdf

PWNCÍHOS ÉTSOOS E DEONTOLÓGICOS NA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA 179

sentido, comparando o Brasil com vários outros países, podemos com­preender, de maneira mais ampla, o porquê das diversas deficiências éticas aqui encontradas.

Após esta análise macroestrutural da área de avaliação psico­lógica no nosso país, passaremos a uma análise mais circunstancia­da ou micro dos cuidados envolvidos em cada etapa da avaliação psicológica, a ser executada por aqueles profissionais ciosos de suas responsabilidades éticas neste tipo de atividade.

3. O Processo de Avaliaçãor

Psicológica e a EticaDiversos são os cuidados éticos a serem observados no processo

de avaliação psicológica, que respeitam, na verdade, os princípios éti­cos gerais relacionados acima. Em cada uma das etapas da avaliação psicológica, que envolvem desde a seleção de instrumentos a serem utilizados, sua aplicação, correção, interpretação, até elaboração de laudos e devolução dos resultados colhidos, existem várias situações

■ que podem afetar não só a ética, mas também toda a qualidade da avaliação realizada.

Considerando a necessidade de publicações no Brasil relaciona­das com a ética na avaliação psicológica, elaboramos um guia com esta finalidade (Wechsler, 1999), baseando-se não só nas recomendações da AmericãrTPsychological Association, que tem discutido os proce­dimentos éticos na avaliação psicológica em todas as suas oito publica­ções do Código de Ética (American Psychological Association, 1992), como também na publicação da Associação dos Psicólogos Portugue­ses (1991), onde existem informações específicas sobre este tema. E necessário também ressaltar que houve uma proposta de normas para procedimentos na avaliação psicológica elaborada por um grupo de psicólogos paulistas (Conselho Regional de Psicologia, 1999), embora não cenha havido uma divulgação oficial.

Ressaltamos que o guiaj.or_nós elaborado refere-se, principal' mente, ao uso de testes e escalas do tipo objetivo, não abrangendo,

Page 10: PASQUALI, L. - Princípios Éticos e Deontológicos na Avaliação Psicológica.pdf

180 T é c n ic a s de E x a m e P s ic o l ó g ic o - T E P

portanto, outros tipos de instrumentos que podem ser utilizados nesta atividade, tais como questionários, entrevistas, observações e provas situacionais. Apresentaremos a seguir parte do guia por nós elabo­rado, relacionada com as condutas éticas a serem seguidas nas eta­pas principais da avaliação psicológica.

Etapa 1 — Seleção de testes e escalas para avaliação psicológica

Ao selecionar um teste ou escala, o psicólogo deverá:

• Definir os atributos e características a serem avaliados, inves­tigando na literatura especializada os melhores instrumentos disponíveis para cada objetivo desejado.

• Avaliar as características psicométricas dos instrumentos a serem utilizados, tais como:. sensibilidade, validade, precisão e existência de normas específicas e atualizadas para a população brasileira.

• Considerar a idade, sexo, nível de escolaridade, nível socioeconõ- mícó, origem (furãl~õu urbanã), condições físicas gerais,.presença-, difcleficicncias físicas, nacionalidade e a necessidade de equi­pamentos especiais para aplicação dos instrumentos.

• Verificar se os manuais dos testes e/ou escalas possuem infor­mações necessárias”~pãra aplicação', correção e interpretação . dos resultados destes;

• Solicitar a aiuda de outro psicólogo para esta atividade, caso não possua algumas das informações acima.

Etapa 2 — Administração de testes e escalas psicológicas

No processo de administração de testes ou escalas, o psicólogo deverá:

• Prestar informações ao(s) indivíduos(s) envolvidos quanto à natureza e o objetivo da avaliação e dos instrumentos a serem

Page 11: PASQUALI, L. - Princípios Éticos e Deontológicos na Avaliação Psicológica.pdf

PRINCÍPIOS ÉTICOS E DEONTOLÓOICOS NA AVAUAÇÂO PSICOLÓGICA 1 8 1

empregados, obtendo, por escrito, o seu consentimento Uvre,e_ esclarecido para participar no processo de avaliacão_Dsic_ológica . No caso de menores ou pessoas em situação de vulnerabilidade, este co n sen tim en to deverá ser obtido por meio de seus responsáveis.

• Verificar se o ambiente no qual será realizada a avaliação pos- súí as condições físicas adequadas em termos de espaço, venti­

la ç ã o , mobiliário, qualidade de silêncio a fim de assegurar omelhor desempenho do(s) indivíduo(s) envolvido(s).

• Organizar o material que irá utilizar antes de iniciar uma apli­cação, verificando as especificidades de cada tipo de teste en­volvido, como mesas especiais, gravadores, etc.

• Motivar o(s) indivíduo(s) para realizar a tarefa, tendo, entre­tanto, o cuidado para não interferir no desempenho deste(s).

" * Desenvolver um relacionamento de confiança (rapport), visto como essencial no processo de aplicação de instrumentos psico- lógicos em forma individual.

• Atentar para o(s) comportamento (s) do(s) indivíduo (s) na situa­ção de avaliação, observando a forma de resposta e o envolvimento ~nã situação de avaliação, considerando que estas são variáveis influenciáveis no desempenho nos instrumentos utilizados.

• Seguir rigorosamente as instruções, os exemplos, o tempo e ou­tras orientações que se encontrem no manual ou no próprio ca­derno do teste ou escala, evitando quaisquer improvisações que possam comprometer a validade dos instrumentos utilizados.

• Evitar ausentar-se da sala onde está realizando a avaliação, ou realizar quaisquer outros comportamentos que o possam desviar, do processo de avaliação, tais como: conversar com outras pessoas, atender ao telefone, etc.

• Responsabili~ar-se pela qualidade da aplicação dos testes e e s - . calas psicológicas, sendo esta condição essenciãí- para ã^õbten- ção de um resultado fidedigno.

Page 12: PASQUALI, L. - Princípios Éticos e Deontológicos na Avaliação Psicológica.pdf

182 T é c n ic a s d e E x a m e P sic o l ó g ic o - T E P

É vedado ao psicólogo:

• Reproduzir material de teste em forma de fotocópias ou em outras tormas que não sejam as originais do teste.

• Realizar avaliações psicológicas em situações nas quais não ocor­ra uma relação interpessoal7por exemplo, correios, telefone ou internet. De acordo com as orientações do CFFJ os inventários administrados via internet somente poderão ser utilizados com finalidades dc pesquisa, rcspeitando-sc as normas específicas para esta situação, como a ser apresentado posteriormente.

• Efetivar gravações das sessões de avaliação psicológica sem o con- sentimento do(s) indivíduo (s) envolviclõ(s)~ ‘ ”

• Realizar atividades de avaliação psicológica que interfiram no tra­balho de outro colega.

• Utilizar material informatizado como substituição total da pre­sença do psicólogo no processo de avaliação. '

Etapa 3 — Correção e interpretação dos resultados psicológicos

No processo de correção e interpretação dos resultados colhi­dos na avaliação psicológica, cabe ao psicólogu:

• _Corrigir os instrumentos utilizados, seguindo os critérios e astabelas apropriadas para cada finalidade.

• Avaliar não só quantitativamente os comportamentos e respos- tas do sujeito, como também qualitativamente, integrando es­tes dados com as observações realizadas durante as entrevistas ou aplicação dos instrumentos.

• Interpretar os resultados obtidos de forma dinâmica, conside- fãndo-os como uma estim ativa de desempenho do(s) indivíduo(s) sob um dado conjunto de circunstâncias.

Page 13: PASQUALI, L. - Princípios Éticos e Deontológicos na Avaliação Psicológica.pdf

P r in c íp io s é t ic o s e d e o n t o l ó g ic o s na a v a l ia ç ã o p sic o l ó g ic a 183

• Considerar na interpretação dos resultados dos testes e escalas a atualidade das nomias nas tabelas apresentadas, assim como a finalidade de sua avaliação-

• Utilizara análise .computadorizada dos resultados, caso assim preferir, somente como um apoio e nunca em total substituição às informações colhidas pelo psicólogo.

• Arquivar os dados coletados, de forma confidencial, por um período mínimo de cinco anos, seguindo as normas estabeleci' das no nosso Código de Etica.

Etapa 4 — Elaboração de laudos psicológicos e entrevistas de devolução

Ao elaborar um laudo psicológico ou realizar uma entrevistapara devolução dos resultados obtidos no processo de avaliação, opsicólogo deverá:

• Evitar ser influenciado, nas suas conclusões, por seus valores "religiosos, preconceitos, distinções sociais ou pelas caracterís­ticas físicas do(s) indivíduo(s) avaliado(s).

• Elaborar o seu relatório de maneira clara, abrangendo o indi­víduo em todos os seus aspectos, enfatizando a natureza dinâ­mica e circunstancial dos dados apresentados.

• Utilizar-se de linguagem adequada aos destinatários, de modo a evitar interpretações errôneas das informações, devendo sempre incluir recomendações específicas para os solicitantes.

• Evitar fornecer resultados em forma de respostas certas e espera- cKTaõs instrumentos psicológicos utilizados, considerando que tal comportamento inviabilizará o uso futuro destes instrumen­tos.

• f Respeitar o direito de cada indivíduo conhecer os resultados da avaliação psicológica, as interpretações feitas e as bases nas quais se fundamentam as conclusões.

Page 14: PASQUALI, L. - Princípios Éticos e Deontológicos na Avaliação Psicológica.pdf

184 T é c n ic a s d e E x a m e P s ic o l ó g ic o - T E P

• Devolver informações sobre a avaliação de um menor para o seu responsável, garantindo-lhe o direito previsto em lei.

• Guardar sigilo das informações obtidas e das conclusões elabo­radas, observando que oanonimato devera~ser sempre mantido quer seja em congressos, reuniões científicas, entrevistas a radio ou televisão, situações da prática profissional, ensino ou pes­quisa.

■ Redigir as informações obtidas no processo de avaliação psico- lógica em forma de lãüdo, mesmo que seja solicitado somente um parecer. Nesta situação, este laudo deverá ser arquivado, juntamente com as demais informações sobre o indivíduo.

Ressaltamos que as orientações éticas contidas no guia por nós elaborado e relacionadas acima não pretendem dirimir todas as possíveis dúvidas que possam aparecer no processo de avaliação psicológica. Esta primeira versão deverá receber alterações e melhorias à medida que nos aprofundarmos cada vez mais no estudo das atitudes e com­portamentos éticos necessários durhnte este processo. Em uma pes­quisa inicial realizada por nossa equipe do Laboratório de Avaliação e Medidas Psicológicas - LAMíí tendo por finalidade investigar a adequação deste guia, segundo a percepção de psicólogos paulistas trabalhando em diferentes contextos, recebemos 90,7% de aprova­ção das propostas aí apresentadas, indicando a sua importante contribuição para a área, como também a necessidade do seu aper­feiçoamento (Wechsler, Guzzo et al., 1997) -

4. Pesquisa e Publicação de Instrumentos Psicológicos: Aspectos Éticos

A pesquisa envolvendo a avaliação psicológica deve seguir, sem dúvida, as normas estipuladas pelo Conselho Nacional de Saúde (Ministério da Saúde, 1996), que definem comportamentos especí­ficos a por todos os pesquisadores que trabalham com sujeitos hu-

Page 15: PASQUALI, L. - Princípios Éticos e Deontológicos na Avaliação Psicológica.pdf

PRINCÍPiOS ÉT1C05 E DEONTOlÒGIOOS NA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

manos. É importante destacar que este tipo de pesquisa refere-se a situações individuais ou coletivas nas quais o ser humano esteja envolvido, quer de forma direta ou indireta, incluindo o manejo de informações ou materiais utilizados.

Na área da Psicologia, procedimentos éticos em pesquisa com sujeitos humanos encontram-se claramente definidos na publicação de Steber (2000), que relaciona as condições éticas necessárias para cada etapa da pesquisa, desde o seu planejamento..recrutamento de p a r t i c i p a n t e s consentimento informado,.arquivo de dado5_e divulga- ção de resultados. Como a avaliação psicológica encontra-se quase

“seTnpre inserlHa em pesquisas realizadas pelos profissionais desta área, quer seja em forma de entrevistas, questionários, ou ainda em forma de testes padronizados ou escalas, vamos nos deter a seguir, em alguns dos princípios básicos a serem observados nestas condições.

No planejamento da pesquisa, é necessário que o pesquisador evite ou minimize qualquer condição qüe possa trazer algum tipo de risco aos~parricipant:es a serem envolvidos. Categorias definindo risco em pesquisa foram claramente descritas por Lee e Renzetti (1993) da se­guinte maneira: (a) físicos, tais como possibilidades de infecções ou mal-estar, (b) psicológicos, como indução de situações de depressão, baixa estima, ansiedade, experiências constrangedoras, etc., (c) sociais, onde existem possibilidades de perda de oportunidades so- ciais e relacionamentos, (d) econômicos, acarretando perdas ou pre- juizõT salariais, (e)legais, envolvendo" situações de denúncia penal ou prisão. Assim, todas estas situações são consideradas como de risco, na medida em que podem trazer danos imediatos ou tardios aos participantes ou à coletividade onde estão inseridos, devendo, portanto, ser evitados já no processo de delineamento da pesquisa.

Na questão relacionada especificamente com a avaliação psico- . lógica, sabemos qúe o uso de determinadas técnicas ou instrumentos

. pode acarretar sentimentos de dúvida e insegurança nos participantes envolvidos quanto ao seu funcionamento psíquico, inclusive agra­vando perturbações afetivas e cognitivas já existentes. Dessa forma, o

'pesquisador deve ponderar os riscos e benefícios envolvidos, compro­metendo-se em viabilizar procedimentos que possam reduzir os primeiros ao menor grau possível, segundo as determinações do

Page 16: PASQUALI, L. - Princípios Éticos e Deontológicos na Avaliação Psicológica.pdf

186 T é c n ic a s d e E x a m e P s ic o l ó g ic o - T E P

Ministério da Saúde (1996). Desta maneira, devem ser providen- ciadas tanto explicacõesJn ic ia is quanto devolutivas que permi­tam áõ~(s) participantes(s) obter uma avaliação global sobre o seu funcionamento na situação de pesquisa, assim como serem ofere- cidas possibilidades de acompanhamento psicológico em dite ren­tes locais públicos da comunidade, caso necessário." " A exigência do consentimento livre e informado'dos participantes

é, sem duvida, uma necessidade ética das pesquisas envolvendo instru­mentos ou técnicas para avaliação psicológica, Embora tal comporta­mento não vinha sendo praticado costumeiramente pelos pesquisado­res brasileiros, há muito já existia na comunidade internacional esta norma para realização de pesquisas com seres humanos (APA, 1992). Existem diversas informações (Fischman, 2000) que devem ser trans­mitidas aos possíveis participantes da pesquisa a fim de que eles possam assinar, com clareza, o seu consentimento para participação nela, que são: (a) importância do tema da pesquisa e os seus objetivos, (b) grupo de sujeitos a serem estudados, critérios dê seleção e sua justificativa, ((^'procedimentos ou instrumentos a serem utilizados, descrevendo as suas características~K5sicas, sua duração e o local onde serão aplicados, (3)“ desconfõrtos e riscos possíveis da situação de pesquisa, (e) forma de acompa~hhamento e assistência após a pesquisa, (f)~clareza quanto ao direito dé fòÇusar participar antes ou durante a pesquisa, (g) garantia dõ anonimato e da guarda das informações obtidas, (h) forma do regis-

Irò das informações obtidas, envolvendo ou não aparelhos audiovisuais, (í) ressarcimento de despesas decorrentes da participação em pesqui­sas, caso estejam erLvolviáã5j~(j)~forma~dêljêvoluçãõ~de resultados, oral oú escrita, imediatamente ou a curto prazo.

Embora várias das orientações mencionadas já se encontrem no nosso Código de Ética (Conselho Regional de Psicologia, 1999) , estas têm sido mais dirigidas ao atendimento profissional, motivo, pelo quãl o Conselho Federal de Psicologia está em fasé de prepa­ração de normas para a pesquisa com seres humanos. E importante ressaltar que o consentimento informado pressupõe que o indiví­duo tenha capacidade legal, cognitiva e emocional para entender com clareza os objetivos e as possíveis conseqüências da pesquisa, situação esta que exige a anuência, de pais ou guardiães para a

Page 17: PASQUALI, L. - Princípios Éticos e Deontológicos na Avaliação Psicológica.pdf

P r in c íp io s é t ic o s e d e o n t o l ó g ic o s na a v a l ia ç ã o p sic o l ó g ic a 187.

participação de crianças e menores de idade em qualquer tipo de pesquisa. Certamente, se indivíduos serão selecionados para pes­quisa de acordo com dados obtidos em banco de arquivos, é ne- ces5Tno qLre~ tcnFã 'Kavi'do consentimento prévio destes para tal procedimento, excluindo-se desta necessidade pesquisas em ban- co~He arquivos, pesquisas estas realizadas somente com a finalida- de~3e traçar perfis ou~'téndencias, onde não haja risco de violar a privacidade dos indivíduos o» trazer prejuízos para a comunidade (Scott-Jones, 2000). ’

A exigência do consentimento escrito por participante da pes- quisa ou seu representante legal alterará os costumes vigentes no Brasil, até então, não só entre os pesquisadores mas também nas ins­tituições em que estas pesquisas são geralmente feitas, tais como es­colas ou hospitais. Temos observado, principalmente em relação às escolas públicas, uma atitude de estranheza entre os diretores ao ser solicitado o envio de correspondência para os pais pedindo permissão para realização da pesquisa com seus filhos, pois sempre consideraram que tinham direitos para realizarem quaisquer tipos de atividades com as crianças e jovens dentro do recinto escolar. A insistência dos pesquisadores em pedir o consentimento dos pais tem criado uma atitude de resistência nos diretores, talvez pela própria experiência da dificuldade de contato com pais de baixo nível socioeconômico. Ainda assim, as normas estão bastante claras quanto à solicitação da permissão aos responsáveis pela criança ou menor de idade, salien­tando-se, entretanto, que a informação deve ser bastante clara e es­crita em linguagem compreensível àqueles a quem é destinada.

Uma interessante contribuição das normas éticas para as pes­quisas com seres humanos, normas elaboradas tanto pela APA quanto pelo CFP ou pelo Conselho Nacional de Saúde, refere-se à devolução, dós resultados, quer èm forma oral ou escrita, visando assim trazer benefícios parà a comunidade pesquisada. Desta maneira, enfatiza-se que a pesquisa não deve ter uma finalidade em si mesma, devendo sempre procurar transformar e trazer benefícios para a comunidade onde os dados foram colhidos. Sem dúvida, falhas neste aspecto de conduta ética têm fechado as portas para outras possíveis-PcsQuisas,. na~medida em que várias instituições brasileiras reclamam de pes-

Page 18: PASQUALI, L. - Princípios Éticos e Deontológicos na Avaliação Psicológica.pdf

168 T écn ica s d e E x a m e Ps ic o l ó g ic o - T E P

quisadores que coletaram dados em seus ambientes e nunca ofere- ccram qualquer tipo de retorno.

Finalmente, devemos nos ater à publicação dos resultados, sejam estes em periódicos científicos ou em manuais a serem comercializados pelas editoras de instrumental psicológico. Novamente ressalta-se a necessidade do anonimato do(s) participante(s) e das instituições onde a(s) pesquisa(s) foi(ram) realizada(s), evitando qualquerjd.entificação da origem desses. Embora algumas vezes temos ouvido dc pesquisado­res que as instituições permitiram que seus nomes fossem publicados, devem ser evitadas, quaisquer comportamentos que possam colocar em risco a privacidade dos participantes, entendendo-se assim que, no caso de serem obtidos resultados negativos, tais condições poderiam trazer danos às instituições envolvidas.

Reportando-se à publicação de manuais de testes ou escalas, existem responsabilidades éticas não só da parte do pesquisador ou autor do material, como também das editoras. Por parte do autor, temos a obrigação ética de fornecer dados completos no manual do instrumentõ por ele elaborado ou adaptado, com as seguintes infor­mações: (a) objetivo, características e limitações do instrumento, (b) processo dê desenvolvimento do instrumento, descrevendo como seu conteúdo ou habilidades toram selecionadas, (c) evidências obtidas em pesquisas empíricas demonstrando que o instrumento é válido e preciso para o objetivo desejado, (d) descrição do tamanho, origem e características básicas das amostras coletadas, (e) normas nacionais, regionais ou locais, atualizadas no período máximo dê dez anos, (fj forma de correção e interpretação dos resultados qualitativos e/ou quantitativos (Wechsler, 1999)^ "

Quanto às editoras que comercializam materiais psicológicos, existem várias obrigações éticas nao sõ com õ próprio autor do ins­trumento, mas tambem com o~[JÍil3ttco que deverá ser beneficiado com o seu uso, quer diretamente ou indiretamente, no caso o psicó­logo e todos aqueles nos quais o instrumento for adminis trado. Re­sumem-se assitrTãTguns comp5tTamentõ$ éticos a serem respeitados: (ã) investimento em pesquisas para melKcifia e atualização dõs ins- trumentos comercializados, (b) "publicação de manuais com infor­mações completas soBrjTas pesquisas realizadas pelos autores, com-

Page 19: PASQUALI, L. - Princípios Éticos e Deontológicos na Avaliação Psicológica.pdf

P w N d rcos é t ic o ; e d e o n t o l ó g ic o s na a v a l ia ç ã o rs ic o iô o tC A .189

preendendo-se ^ s i m o valor teórico e científico dos instrumentos. comercializados, (c) qualidade gráfica do material comercializado,. no próprio instrumento e em suas folhas ou cadernos de respostas, máscarãs~3e correção, (9) processos de segurança para material informatizado, com mecanismos que visem possibilitar o recebimen- tcTBe resultados para tuturos bancos de dados. Embora tais obriga- çõSTpossam parecer extremamente exigentes para os editores de testes no Brasil, tais comportamentos são rotineiros na maioria das edito­ras norte-americanas, como temos observado.

5. ConclusõesEste texto visou debater questões éticas e deontológicas nas

diversas etapas da avaliação psicológica, abrangendo desde a for­mação, prática, pesquisa e comercialização dos instrumentos psico­lógicos. Embora a gravidade das questões aqui expostas, elas não são, entretanto, desconhecidas por diversos segmentos da Psicolo­gia no país. Tal fato pode ser notado nas discussões presentes nos congressos da Sociedade Brasileira de Psicologia (antigamente S o ­ciedade de Psicologia de Ribeirão Preto), onde durante vários anos houve reuniões dos docentes das disciplinas envolvidas com as téc­nicas de exame psicológico a fim de discutir os seus problemas em comum. Da mesma forma, alguns dos Conselhos Regionais de Psi­cologia promoveram encontros ou congressos para discutir questões

• relacionadas com a formação e a prática na avaliação psicológica, ou ainda criaram comissões para propor soluções às questões dirigidas por seus membros. Por parte do Conselho Federal de Psicologia tam-. bém foram notados esforços no sentido de promover a melhoria da área, existindo, durante alguns anos, embora de forma interrompi­da, comissões para o estudo da avaliação psicológica no país.

E necessário ressaltar os esforços dos pesquisadores brasileiros no sentido de contribuir para a melhoria da área. Os “Laboratórios" para criação e adaptação de testes, sediados em instituições universitárias, têm oferecido cada vez mais, instrumentos psico-

Page 20: PASQUALI, L. - Princípios Éticos e Deontológicos na Avaliação Psicológica.pdf

190 T é c n i c a s d e E x a m e P s i c o l ó g i c o - TEP

lógicos validados e padronizados para a população brasileira. Atu­almente, existem quatro Laboratórios já consolidados, localizados na Universidade de Brasília, Universidade de São Paulo, PUC- Campinas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e outros em processo de organização e estruturação. A produção advinda destes laboratórios solucionará, pelo menos em grande parte, al­guns dos problemas éticos aqui apresentados.

De igual modo, a criação do Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica — IBAI> em 1997, foi um dos marcos importantes para a evolução da área de avaliação psicológica no país. Destacamos aqui alguns dos seus objetivos, como defender e sugerir medidas para o incentivo da avaliação psicológica, propor critérios para procedimentos, instrumentos, testes e provas psicológicas utilizadas no Brasil, divulgar conhecimentos na área de avaliação psicológica por meio de eventos, cursos e publicações e orientar psicólogos e membros da comunidade cõm interesse rios procedimentos de ava­liação. Podemos assim observar a importantíssima contribuição que esta organização, formada por pesquisadores, docentes e profissio­nais interessados na área de avaliação, poderá trazer, dentro de um curto prazo, para a formação, prática e pesquisa com instru­mentos psicológicos na nossa realidade. A Revista Brasileira de Ava- liação Psicológica, que já é a primeira grande contribuição do IBAP possivelmente servirá como elo integrador e um dos veículos prin­cipais para divulgação da produção dos pesquisadores na área, transformando assim a formação dos psicólogos brasileiros, na me­dida em que começar a ser mais utilizada pelas instituições forma­doras, traçando assim um novo perfil para o psicólogo brasileiro.

Concluindo, o perfil ético e deontológico do psicólogo que faz uso de instrumentos para avaliação psicológica-retratam uma série dfc exigências em nível pessoal e profissional. Embora o pano­rama atual brasileiro apresente-se como bastante deficitário em vários dos princípios éticos aqui apresentados, existem perspecti­vas bastante promissoras para mudanças, em médio prazo, visando o crescimento científico, prático e técnico desta área no país.

Page 21: PASQUALI, L. - Princípios Éticos e Deontológicos na Avaliação Psicológica.pdf

P w n c Ip io s é t ic o s e d e o n t o l ó g ic o s n a a v a u a ç ã o psic o ló g ic a 191

BibliografiaALMEIDA, L. S. ( 1999). Avaliação psicológica: exigências c desenvolvimen­

tos nos seus métodos. Em S. M . Wechsler & R, S. L. Guzzo (Org.). Avaliação psicológica:perspectiva internacional (p. 4 1 -55). São Paulo: Casa do Psicólogo.

ALVES, I. C. B. (2000). Panorama do ensino das técnicas de exame psicoló­gico no Brasil, forna Id o Conselho Fedu-ral de Psicologia. 64, 10-11.

AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION (1992). Ethical principles o f psychologists an d code o f conduct. W ashington, DC: American Psychological Association.

A M ER IC A N PSYCHOLOGICAL ASSO CIATIO N (2 0 0 0 ). I0 8 !h A n n u a l Convention Program. Washington, DC, 4-8 Agosto.

Lr

ASSOCIAÇÃO DE PSICÓLOGOS PORTUGUESES (1991). Princípios ético se deontológicos na avaliação psicológica. Portugal: APPORT.

AZEVEDO, M . N ., ALMEIDA, L. S., PASQUALI, L. & VEIGA, H. S. (1996). Utilização dos testes psicológicos no Brasil: dados de um estudo preli­minar em Brasília. Avaliação psicológica: formas contextos, IV , 2 13-229.

BARTRAM, D. (1999). In ternational guidelines for the developm ent o f test- user perform ance standards. Second consultation draft. Technical report. London, England: International Test Commission.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (2000). Orientações éticas para p s i­cólogos envolvidos em pesquisa com seres humanos. Versão inicial. Minuta não publicada. Brasilia, CFP.

CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA- 0 6 (1996). Comissão de normas para procedim entos de avaliação psicológica. M inuta não publicada. São Paulo, CRP-06.

CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA (1999). M anual do Conselho Regio­n a l de Psicologia São Paulo, CRP-06.

DIÁRIO OFICIAL DA U N IÃ O (1996). Resolução 196/66 do Conselho Nacio­n a l de Saúde/MS. 10 de outubro. Brasília, DF: MS.

/ / / ,/

Page 22: PASQUALI, L. - Princípios Éticos e Deontológicos na Avaliação Psicológica.pdf

192 T é c n ic a s d e E xam e P s i c o l ó g i c o - TEP

FISCHMAN. M. (2000). Informed consent. Em B. D. Sales 6 S. Folkman (Orgs.). Ethics in research w ith hum an participants (p .35 -48 ). Washington, DC: American Psychological Association.

LEE, R, M . & REN Ztl II, C. M . (1993). Researching sensitive topics. Newbury Park, CA: Sage Publications.

MINISTÉRIO DA SAÚDE ( 1996). Resolução n. 196/96 sobre pesquisa envol­vendo seres humanos. Brasília, DF: Conselho Nacional de Saúde.

M UN IZ, J. (1997). Aspectos éticos e deontológicos na avaliação psicológica . Em A. Cordeiro (Org.). La evaluaciónpsicológica en e lãn o 2000 . (p. 307-346). Madrid. Espanha: TEA Ediciones.

OAKLAND, T. (2000). Selected eth ical issues related to test adaptation. Unpublished monograph. Gainesville, FL: University of Gainesville.

PRIETO, C. M U N IZ , J.. ALMEIDA, L. S. & BARTRAM. D. (1999). Uso de los testes psicológicos en Espana, Portugal e Iberoamérica. Revista Iberoamericana de Diagnósticoy Evaluación Psicológica, 8, 67 -83 .

SALES, B. D. & FOLKMAN, S. (2000). Ethics in research w ith hum an participants. Washington, DC: American Psychological Association.

SCOTT-JONES , D. (2000). Recruitment of research participants. Em B. D. Sales 6 S.Folkman (org). Ethics in research w ith hum an participants (p .27-34). Washington, DC: American Psychological Association.

SIEBER, J. E. (2000). P la n n in g research: Basic ethical decision-making. Em B. D. Sales & S.Folkman (org). Ethics in research w ith hum an participants (p. 13-26). Washington, DC: American Psychological Association.

WECHSLER , S. (1996). Padrões e práticas das associações internacionais em Psicologia Escolar. Em S. Wechsler (Org.), Psicologia escolar:pes­quisa, formação ep rá tica{$. 9 3 -126). Campinas, Editora Alínea.

WECHSLER, S. M„ GUZZO, R. S. L„ SOUZA. D. B.. SIQUEIRA, L G., NEVES. A. L. MORAES, C. J.. DAVOLI, S. M .. VICTORINO, L. M .. RIBEIRO, A . C. M.. CARVALHO, C. F. C.. PINHO. C. C. M.. GUNS. E. F., SERRRANO, M. R., SCOZ, M. C. P.. PEREIRA, P. C., CABRAL, S.. & MESSIAS,T. S. C (1 997). Ética na avaliação psicológica: uma proposta para a realidade brasileira.

Page 23: PASQUALI, L. - Princípios Éticos e Deontológicos na Avaliação Psicológica.pdf

PWNClriOS ÉTICOS E DEONTOLÓGICOS KA AVAUAÇAO PSICOLÓGICA 193

Anais do V II Encontro Nacional Sobre Testes Psicológicos e í Congres­so ibero-americano de Avaliação Psicológica. Porto Alegre, 2-5/7,293.

WECHSLER. S. & GUZZO, R. S. L. (1999). Avaliação psicológica: perspectiva internacional. São Paulo. Casa do Psicólogo.

WEISZFLOG, W. (Ed.) ( 1998). Michaelis: Moderno dicionário da língua portu­guesa (pp. 655-908). São Paulo, Melhoramentos.