Passagens de Benjamin - Resenha Estado de Minas - Caderno Pensar

download Passagens de Benjamin - Resenha Estado de Minas - Caderno Pensar

of 1

Transcript of Passagens de Benjamin - Resenha Estado de Minas - Caderno Pensar

  • NPassagens de BENJAMIN

    Edio integral da maisimportante obra do pensador

    alemo, com mais de milpginas, permite aprofundar o

    conhecimento do filsofo quemarcou a poltica, a esttica e a

    filosofia do sculo 20

    Ter salvado a vida dos outros refugiados com seu suicdio no foi a nica ironia associada morte de Benjamin

    S B A D O , 2 5 D E N O V E M B R O D E 2 0 0 6

    ESTADO DE MINAS

    GEORG OTTE

    uma situao sem sada, no tenho outra escolha, a no serpr fim minha vida. numa pequena vila dos Pireneus,onde ningum me conhece, que a minha vida vai acabar.Peo sra. que transmita os meus pensamentos ao meuamigo Adorno e que lhe explique a situao na qual eu meencontrei. No me resta tempo suficiente para escrever to-das as cartas que gostaria de ter escrito.

    com essa carta a sua companheira de fuga, HennyGurland, que Walter Benjamin faz o seu ltimo pedido ese despede da vida. Sua nica bagagem ao tentar fugir daperseguio nazista uma pasta preta, contendo um ma-nuscrito que, segundo o prprio Benjamin, era mais im-portante que sua pessoa. H muitas especulaes sobre ocontedo dessa pasta uma delas diz que se tratava da l-tima verso de Passagens, que Benjamin considerava co-mo a obra mais importante de sua vida e que foi lanadarecentemente pela Editora UFMG, coroando, de certa ma-neira, a extraordinria recepo que a obra do filsofo en-controu no Brasil.

    Desde o incio, a tentativa de fuga foi extremamente di-fcil para Benjamin, que no tinha condies fsicas parapercorrer a secreta rota F nos acidentados Pireneus, poissofria de problemas no corao. Quando o grupo de refu-giados finalmente chegou fronteira espanhola, os guar-das deram a informao de que, no dia anterior, o governoespanhol do generalssimo Franco havia decretado seu fe-chamento aos refugiados vindos da Frana. Diante do ps-simo estado de sade de Benjamin, no entanto, as autori-dades permitiram que passasse a noite em um pequenohotel em Port-Bou. Foi nessa noite, de 26 para 27 de setem-bro de 1940, que Benjamin, com medo de ser entregue Gestapo, tomou uma overdose de morfina para pr fim sua situao sem sada. Impressionados por esse suicdio,os mesmos guardas que impediram a entrada dele na Es-panha deixaram que os outros membros do pequeno gru-po de refugiados seguissem caminho.

    Ter salvo a vida dos outros refugiados com seu suicdiono foi a nica ironia associada morte de Benjamin. Sefor verdade a hiptese de que o manuscrito na misteriosapasta preta era uma ltima verso de Passagens, podera-mos acrescentar mais uma a esse destino marcado pela fal-ta de reconhecimento em vida e pela falta de sucesso emgeral. Pois a tentativa fracassada de conseguir a passagempela fronteira franco-espanhola com o manuscrito dePassagens debaixo do brao pode ser vista como repre-sentativa por uma vida cheia de barreiras, como no casoda tentativa, tambm fracassada, de ser credenciado pro-fessor catedrtico na academia alem. So sempre barrei-ras irnicas, uma vez que a tese que a banca havia recusa-do ganhou fama sob o ttulo Origem do drama barroco ale-mo e hoje um dos textos indispensveis para quem tra-ta de questes estticas como a da alegoria.

    Segundo Hannah Arendt, que em seu brilhante ensaiobiogrfico sobre Benjamin (publicado na coletnea Ho-mens em tempos sombrios), a vida desse pensador estavamesmo sob o signo da m sorte, e o prprio Benjamin ti-nha certeza disso, pois no se cansava de citar o corcun-da, esse personagem de conto que fazia com que todaao de uma criana desse errado. Talvez, a certeza de Ben-jamin no fosse tanto a do fracasso, mas a dessa barreirairnica que lhe negava o sucesso entre seus contempor-neos, garantindo-lhe, no entanto, o sucesso pstumo.

    Depois de ver sua tese recusada pela banca e assim apassagem para as honras acadmicas barrada Benjamininicia os estudos que resultariam em Passagens, cujo ttu-lo original Passagen-Werk Obra ou, ento, Trabalho daspassagens. O prprio Benjamin havia proposto outros ttu-los posteriormente, sendo que o inicial ilustra bem o car-ter provisrio e processual de uma coleo de fragmentosem obras. Passagens, na verdade, no eram nada mais enada menos que um imenso fichrio com citaes, anota-es e comentrios sobre a Paris do sculo 19, um fichrioem obras, dividido e subdividido em arquivos temticos,tambm provisrios, e interligados por palavras-chave,que desempenhavam ao mesmo tempo o papel de links,como diramos hoje, estabelecendo ligaes transversaisentre os diversos arquivos.

    Um imenso fichrio amplamente lincado, uma obra depassagens mltiplas entre os diversos arquivos, uma redecom seus ns temticos e suas ligaes resistentes, permi-tindo ao mesmo tempo entradas vrias, tinha tudo parase transformar em um grande portal chamado Paris do s-culo 19. Mas, uma vez que fichrios no se publicam e a in-ternet no existia, Benjamin era obrigado a transformar osseus arquivos em textos que se prestassem s formas depublicao da poca. Mais uma vez, a sina de azaro o atin-giu quando o Instituto de Pesquisa Social, mais conhecidosob o nome de Escola de Frankfurt, solicitou-lhe um texto

    sobre Baudelaire e o considerou impublicvel. Numa lon-ga carta, de 10 de novembro de 1938, Adorno fundamen-tou a recusa, apontando como maior erro a falta de me-diao, que se tornaria especialmente visvel quando Ben-jamin se obriga a seguir as coordenadas marxistas:

    Quero me expressar da maneira mais simples e hege-liana [!] quanto possvel. Se no me engano muito, faltauma coisa a essa dialtica: a mediao. [...] A omisso dateoria afeta a empiria. [...] Podemos diz-lo tambm da se-guinte maneira: o motivo teolgico de dar um nome scoisas se inverte na tendncia de uma representao ad-miradora da mera faticidade. [...] O efeito que parte do tra-balho como um todo [...] que o sr. se violentou a si mesmo[...] para pagar tributos ao marxismo que no servem a es-te, nem ao sr.

    Transformando a coeso aberta e mltipla da rede nacoeso fechada e unidimensional do texto linear, Benja-min havia resistido ao fluxo fcil das mediaes lgicas esintticas. Aplicando cortes e saltando de assunto em as-sunto sem aparente motivo, ele insistiu em preservar o ca-rter fragmentrio de seu fichrio e da decorrente liberda-de do leitor de se movimentar aos pulos. Mas, se o estilocinematogrfico era admitido e at apreciado no mbitoda literatura, sua passagem para a esfera pblica da vidaintelectual era barrada pelas convenes acadmicas.

    Parece ser mais uma ironia dessa histria o fato de queo mesmo Adorno, que, nos anos 30, foi o responsvel pelarecusa do ensaio sobre Baudelaire, passou a fazer a apolo-gia da escrita benjaminiana duas dcadas mais tarde, em

    textos antolgicos como O ensaio como forma e Parataxe,evidenciando as qualidades de um estilo parattico, quese limita sintaxe aparentemente simplista das oraesjustapostas e coordenadas sem as mediaes anterior-mente cobradas.

    Traduzir e publicar os fragmentos de Passagens, por-tanto, no significa apenas fazer justia a um dos pensa-dores mais importantes do sculo 20, mas representa aomesmo tempo a forma mais adequada de reproduzir es-se pensamento, avesso a uma noo de texto como pas-sagem de mo nica para citar a primeira obra experi-mental de Benjamin (Rua de mo nica). Graas tradu-o cuidadosa de Irene Aron e Cleonice Paes BarretoMouro, colaborao de Willi Bolle e Olgria Chain F-res Matos e ao engajamento infatigvel do professorWander Melo Miranda, diretor da Editora UFMG e res-ponsvel pelo pioneirismo da edio, o leitor de lnguaportuguesa, pela primeira vez, tem acesso ao opus mag-num de Walter Benjamin.

    . PASSAGENS

    . De Walter Benjamin

    . Editora UFMG e Imprensa Oficial, 1.168 pginas, R$ 210

    Georg Otte professor da UFMG

    PINTURAOlhar brasileirode Di Cavalcanti

    PGINA 5

    CRNICASAffonso Romanoe a cena cultural

    PGINA 4

    cmyk

    cmyk

    CYA

    NM

    AG

    ENTA

    AM

    ARE

    LOPR

    ETO

    CYAN MAGENTA AMARELO PRETO pg.01

    /ColorImageDict > /JPEG2000ColorACSImageDict > /JPEG2000ColorImageDict > /AntiAliasGrayImages false /DownsampleGrayImages true /GrayImageDownsampleType /Bicubic /GrayImageResolution 200 /GrayImageDepth -1 /GrayImageDownsampleThreshold 1.20000 /EncodeGrayImages true /GrayImageFilter /DCTEncode /AutoFilterGrayImages true /GrayImageAutoFilterStrategy /JPEG /GrayACSImageDict > /GrayImageDict > /JPEG2000GrayACSImageDict > /JPEG2000GrayImageDict > /AntiAliasMonoImages false /DownsampleMonoImages true /MonoImageDownsampleType /Bicubic /MonoImageResolution 1200 /MonoImageDepth -1 /MonoImageDownsampleThreshold 1.20000 /EncodeMonoImages true /MonoImageFilter /CCITTFaxEncode /MonoImageDict > /AllowPSXObjects true /PDFX1aCheck false /PDFX3Check false /PDFXCompliantPDFOnly false /PDFXNoTrimBoxError true /PDFXTrimBoxToMediaBoxOffset [ 0.00000 0.00000 0.00000 0.00000 ] /PDFXSetBleedBoxToMediaBox true /PDFXBleedBoxToTrimBoxOffset [ 0.00000 0.00000 0.00000 0.00000 ] /PDFXOutputIntentProfile (None) /PDFXOutputCondition () /PDFXRegistryName (http://www.color.org) /PDFXTrapped /Unknown

    /Description >>> setdistillerparams> setpagedevice