Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

download Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

of 245

Transcript of Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    1/245

    PASSAPORTE PARA A NOITEPASSAPORTE PARA A NOITE

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    2/245

    PASSAPORTE PARA A NOITE

    Traduo: Brigitte Cadiet

    Digitalizao:Argo

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    3/245

    HEINZ G. KONSALIK

    Consagrado como um dos escritores europeus mais divulgados

    em nossos dias, Heinz G. Konsalik especialista na criao de

    histrias com forte dose de fantasia. Mas ele demonstra saber que

    essa fuga do cotidiano deve estar firmemente calcada na realidade:

    afinal, nesse jogo bem calculado entre a pura fico e a base

    documental que reside a frmula dosbest sellers.Por isso,

    Konsalik segue a mesma diretriz de muitos de seus pares no reino

    dos mais vendidos. Antes de comear um romance, faz minuciosa

    pesquisa sobre o tema a ser abordado. E diz: Se escrevo sobre

    cirurgia plstica, preciso conhecer todas as suas tcnicas; se

    escrevo sobre uma remota aldeia do Brasil, podem ter certeza de

    que esse lugar existe mesmo.

    Nascido em Colnia, Alemanha, em 28 de maio de 1921, Heinz

    Gunther Konsalik teve uma juventude marcada pela curiosidade e

    pela inquietao. O teatro, a filosofia e a histria da literatura

    absorveram sua ateno durante o perodo universitrio em sua

    cidade natal, depois em Munique e Viena. Por fim, descobriu sua

    verdadeira paixo: a medicina. Voltou faculdade, mas no

    conseguiu terminar o curso. A necessidade de ganhar a vida

    obrigou-o a trocar as salas de aula por um emprego que lhe

    garantisse o sustento.

    Esse fascnio pela medicina se revela na maior parte de seus

    3

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    4/245

    romances, que tratam das lutas e triunfos inerentes vida dos

    mdicos. Outra experincia decisiva para ele foi a Unio Sovitica,

    que conheceu em circunstncias trgicas. Durante a Segunda

    Guerra Mundial, combateu como soldado das tropas alems na

    frente russa e, a, foi gravemente ferido. Hospitalizado, recuperou-

    se logo, aproveitando o perodo de convalescena para refletir e

    criar. A URSS se transformaria ento num dos seus cenrios

    preferidos para armar tramas base de sentimentalismo e

    situaes de suspense. O primeiro romance, O mdico de

    Stalingrado,publicado em 1956, narra a histria verdica de um

    clnico durante a dura resistncia ao cerco do exrcito nazista

    quela cidade (hoje, Volgogrado).

    Como seus colegas americanos Harold Robbins e Irving

    Wallace, por exemplo , Konsalik cria romances em que

    acontecimentos reais se misturam a episdios inverossmeis. Mas

    o autor alemo se orgulha de importante diferena em relao aos

    outros produtores de sucessos: em seus livros no h descries

    de cenas erticas. O escritor tem uma explicao filosfica para

    isso: O sexo um fator biolgico que funciona sem grandes

    problemas. O amor, porm, uma realidade muito mais complexa,

    profunda e rara do que o sexo.

    Autor de mais de cem romances, traduzidos para dezessete

    idiomas e com vendagens superiores a cinqenta milhes de

    exemplares, Heinz Konsalik era at pouco tempo um fenmeno

    exclusivamente europeu. Hoje, contudo, j conquistou no s o

    pblico norte-americano, como os leitores da Amrica Latina. No

    Brasil, esto traduzidos mais de trinta romances desse escritor de

    4

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    5/245

    rosto bonacho e com um trao infantil. Entre os ttulos de

    Konsalik publicados no pas destacam-se:Noites de amor nas

    estepes, A casa dos coraes perdidos, Expresso Transiberiano, O

    corao do sexto Exrcito, Amor em So Petersburgo, Consultrio

    sentimental, No vale dos sonhos.

    5

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    6/245

    CAPITULO 1

    A primeira vez que ouviram aquilo estavam saindo da igreja. O

    padre acabara de pronunciar a bno, e o pequeno sino soava na

    torre. O povo agrupava-se no ptio da igreja, conservando ainda

    gravadas na alma as ltimas palavras: Que Deus proteja nossa

    Ptria e nos envie a paz; foi ento que ouviram aquele estrondo

    apenas insinuado, distante, estranho e invulgar, levado pelo vento

    atravs de campos, pradarias, florestas de vidoeiros e lagos.

    Ergueram as cabeas para o cu outonal de um azul infinito

    com alguns amontoados de nuvens brancas, interromperam a

    conversa e aguaram os ouvidos.

    Fogo de artilharia! disse Paskoleit, enfiando as mos nos

    bolsos de seu terno de domingo. Sem dvida alguma, fogo de

    artilharia.

    Os outros permaneceram em silncio. As mulheres mexiam,

    com gestos nervosos, nos lenos que lhes cobriam as cabeas, e

    olhavam em direo igreja. O padre Heydicke, ao sair, tambm

    ergueu a fronte e quedou-se parado porta. Alto, forte, um vulto

    impressionante de batina preta, quase uma figura pr-histrica

    gerada do solo da Prssia Oriental ao longo dos sculos.

    Alguma coisa est errada!

    6

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    7/245

    Paskoleit falou to alto que todos os olhares se voltaram para

    ele.

    O relatrio da Wehrmacht diz apenas que os russos tiveram

    algumas pequenas vitrias locais. Mas isto aqui, podem ter

    certeza, vem dos lados do Vstula.

    Era um domingo de outubro. A aldeia de Adamsverdruss, entre

    Ortelsburg e Johannisburg, estava quase toda reunida diante da

    igreja. Poucos eram os que faltavam: o chefe poltico local, Felix

    Baum, o chefe local dos camponeses, Johannes Lusken, e a

    paraltica aposentada Juliane Brakau. Juliane precisava de muito

    repouso... s costumava chegar igreja por volta de meio-dia.

    Johannes Lusken, seu vizinho, a trazia na cadeira de rodas para o

    culto particular, e, com isto, tambm ele recebia a bno. Era a

    sua maneira de contornar a determinao do Partido de deixar a

    religio, convencendo-se de que permanecia na igreja apenas para

    agradar Juliane, numa simples demonstrao de amor ao

    prximo. Em Adamsverdruss ningum ignorava que, por detrs da

    cadeira de rodas, ele entrelaasse as mos quando o padre

    Heydicke rezava o padre-nosso; portanto, o nico que realmente

    no se encontrava na igreja era Baum, o chefe poltico local, que

    ficara ouvindo, pelo receptor radiofnico da aldeia, o

    pronunciamento dominical do ministro da Propaganda, Goebbels.

    Na maioria das vezes comparava, em segredo, os discursos de

    Berlim com o que os soldados em frias copiavam dofront,com os

    comentrios ouvidos quando se ia fazer compras em Gross

    Puppen, a aldeia mais prxima, ou com as novidades trazidas pelo

    comerciante de gado de Ortelsburg.

    7

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    8/245

    O que isto, senhor padre? perguntou Paskoleit perante o

    povo de Adamsverdruss.

    Para quem o via assim, cabea redonda, ombros largos, pernas

    abertas, plantado no meio da praa, era fcil entender por que a

    Prssia Oriental era uma terra abenoada por Deus.

    Julius Paskoleit era mestre sapateiro. Na verdade ele deveria

    ter assumido a administrao da propriedade paterna em

    Kleinlindengrund, com plantao de batatas e criao de cavalos,

    mais vinte cabeas de gado e um touro comunitrio. Exatamente

    esse touro, porm, arruinou a vida que lhe estava destinada.

    Tinha dezoito anos quando o mandaram buscar o touro no pasto.

    At hoje ningum sabe que tipo de odor Paskoleit exalava, mas

    fato que o touro abaixou a cabea, revolveu a terra com as patas

    e avanou contra Paskoleit.

    No covardia fugir de um touro atacado de bobeira. Paskoleit

    deu uma reviravolta, esticou-se como um atleta e tentou, aos

    trancos e barrancos, chegar cerca protetora. Mas o touro foi mais

    rpido, alcanou-o, deu-lhe uma chifrada na coxa esquerda,

    sacudiu a cabea e atirou Paskoleit para o alto, acalmando-se em

    seguida, enquanto o homenzinho, desmaiado e sangrando, rolava

    at a cerca.

    De Kleinlindengrund at a Casa de Sade de Ortelsburg so

    apenas vinte e sete quilmetros, mas naquela poca no se podia

    conseguir um carro veloz. O dr. Krokau veio de Friedrichshof em

    seu pequeno carro, o que levou quase uma hora; enfaixou a coxa e

    quando, finalmente, Paskoleit chegou mesa de operaes em

    Ortelsburg, j era tarde. Tiveram de amputar a perna, mas ficou

    8

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    9/245

    um toco grande o bastante para que Paskoleit pudesse andar sem

    problemas com uma perna mecnica.

    A propriedade foi entregue ao segundo filho.

    Voc ser sapateiro disse o velho Paskoleit, um patriarca

    de barbas espessas, que, ao terminar uma frase, dava um soco na

    mesa para demonstrar que ningum tinha o direito de contradiz-

    lo. Quem s tem uma perna aprende a dar valor aos ps dos

    outros.

    Foi assim que Julius Paskoleit virou sapateiro, montando uma

    oficina em Gross Puppen e transferindo-se para Adamsverdruss,

    em 1940, porque seu cunhado Ewald Kurowski estava de partida

    para a guerra.

    Ewald Kurowski tambm era sapateiro. Durante suas ltimas

    frias, em 1942, dissera:

    Julius, Erna vai ter mais um filho. Cuide de minha famlia, e

    se algo me acontecer... fique com ela. Nunca a abandone. Tirando

    o vov e a vov, s temos voc. E esta guerra vai ser uma grande

    merda, isso eu garanto. Todos esses brados deHeilsservem para

    nos embriagar, e Baum com seus discursos s faz repetir tudo

    que ouve como um papagaio. Julius, tome conta de minha

    famlia...

    Foi o que Paskoleit fez. Quando Ewald Kurowski desapareceu

    em algum ponto dos pntanos do Pripet, tornou-se o chefe da

    famlia Kurowski. Sua irm Erna e as crianas o reconheceram

    como tal. Vov Berta tambm ficou feliz em ver que Paskoleit

    alimentava a famlia com seu trabalho de sapateiro. S vov

    Joachim, conhecido pela alcunha de Jochen Berrador, no

    9

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    10/245

    entendia por que um mocinho tinha de ser o chefe da famlia, e

    no ele, o mais digno e respeitvel. Para o velho de setenta e dois

    anos, Paskoleit, com seus trinta e nove anos de idade, estava

    acabando de sair do ovo. No concordava e demonstrava isso como

    e quando podia; chegava tarde para as refeies, discordava das

    opinies de Paskoleit e berrava a cada oportunidade:

    Meu antepassado foi moleiro junto Ordem dos Cavaleiros.

    Ningum manda em mim!

    Agora ele tambm sentia o ar, ouviu aquele troar distante, e,

    embora Paskoleit j tivesse expressado sua opinio, pensativo, o

    velho tambm levantou a voz:

    uma trovoada!

    Esto no Vstula, verdade disse o padre Heydicke.

    Foi passando pelo meio do povo de Adamsverdruss em direo

    casa paroquial e todos o seguiam de perto. S o av Jochen ficou

    parado, encolheu o queixo e bradou:

    uma trovoada!

    Deveramos perguntar a Baum o que vem por a disse

    Paskoleit. Como chefe poltico ele deve saber o que est por

    acontecer. Conseguiro os russos atravessar o Vstula? Haver um

    novo Tannenberg? Talvez fosse bom ele dar um telefonema para a

    administrao distrital de Ortelsburg.

    Eles viro.

    O padre Heydicke estava em p porta de sua casa. Seu olhar

    passeava sobre as cabeas. Alguns homens, a maioria deles de

    idade avanada, velhos demais para a guerra, um punhado de

    invlidos como Paskoleit, nada mais nada menos que catorze

    10

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    11/245

    homens mais jovens, declarados incapazes por trabalharem em

    diversas fbricas em Ortelsburg e em Bischofsburg, ou algum que

    sofria de algum mal, como o aprendiz de sapateiro Franz Busko,

    que no fora recrutado devido a uma antiga tuberculose pulmonar

    o restante eram apenas mulheres e crianas. Uma massa

    compacta cheia de perguntas sem formular e temores disfarados.

    Que ser de ns? Teremos de abandonar Adamsverdruss? Os

    russos chegaro at aqui? Ir para onde? Subir para a costa, para o

    Nehrung? Ou rumo ao oeste, para a Pomernia, Berlim, entrando

    na regio de Brandenburgo? O que ser da Prssia Oriental,

    senhor padre? Teremos que deixar nossa terra natal?

    Eu no sei disse Heydicke para aquela gente. Eles nem

    precisavam perguntar em voz alta, compreendia-os pelo olhar.

    Nem mesmo sei se Deus ser capaz de ajudar. Na guerra todos

    oram a Deus... todos os que matam cumprindo ordens, deste lado

    ou do outro. Abenoam-se as bombas, as granadas, os fuzis, os

    canhes, os homens, os feridos, os agonizantes, os mortos. Todos

    querem a ajuda de Deus, porque cada um se acha justo. O que

    querem que Deus faa? Vocs conhecem a resposta?

    Os devotos comearam a dispersar-se. Tinham orgulho de seu

    padre. No era um daqueles que, sempre e a cada oportunidade,

    se escondia atrs de Jesus empurrando qualquer deciso para

    Ele. Dizia o que pensava, o que nem sempre era sagrado, mas era

    honesto. Isso valia mais que dez versculos da Bblia, de nenhuma

    utilidade num momento em que pairava no ar aquele troar

    distante.

    Vou falar com Baum disse Paskoleit no instante em que a

    11

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    12/245

    famlia Kurowski chegava ao jardim de sua casa. Do Vstula at

    aqui um pulo. Devemos estar preparados para tudo.

    Vou junto disse vov Jochen, batendo no cho com a

    bengala.

    Para qu?

    Paskoleit apontou para o cu de outono com os amontoados de

    nuvens que se moviam devagar.

    Preocupe-se com sua trovoada, vov.

    Pirralho atrevido! berrou Joachim Kurowski. Eu vou

    para onde eu quiser! Quero discutir com Baum sobre Goebbels!

    Alguma objeo, patrozinho?

    melhor no dar palpite.

    Eu falarei quando bem entender! berrou vov Jochen.

    Vamos! Ainda quero tomar umBaerenfang!

    Pisando forte, saiu caminhando. Erna Kurowski segurou o

    irmo pela manga. Trazia no colo a filha caula, Inge, de dois anos.

    Isto so mesmo canhes? perguntou.

    Sim.

    E ns temos de sair daqui?

    Quer ser atropelada pelos carros de combate russos?

    E a casa? A oficina? Os campos? Nossa floresta?

    A guerra no quer saber. Quando os russos atravessarem a

    fronteira, daremos graas a Deus se pudermos salvar nossa pele.

    Dentro de uma hora saberemos mais...

    Foi um engano.

    O chefe poltico local, Felix Baum, acabara de ouvir no rdio o

    artigo de Goebbels publicado noReich,o semanrio que se tornara

    12

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    13/245

    o porta-voz do governo, e meditava, ao som de marchas militares,

    sobre aquelas palavras esperanosas. Admirou-se quando viu

    entrar vov Jochen, seguido por Julius Paskoleit, e quando Jochen

    Berrador desligou o rdio sem pedir licena.

    Voc est perdendo o melhor da festa falou. Ponha a

    cabea pra fora, Felix... est trovejando nas imediaes do Vstula!

    Uma trovoada... disse Paskoleit, em tom de gozao.

    Artilharia! berrou vov Jochen.

    Besteira! Baum fez um gesto de desprezo. Estava

    justamente ouvindo Goebbels.

    E eu conheo este som desde a guerra de 14-18! Por acaso

    Goebbels estava diante de Verdun, hein? Estava no Mort-Homme?

    E naquela altitude, por acaso Goebbels estava l? Mas eu sim! E

    conheo o rudo! Isto fogo contnuo de artilharia! Os russos vm

    para Adamsverdruss?!

    Nunca! NossoFehrer vaiafugentar as hordas vermelhas at a

    sia... A Prssia Oriental uma fortaleza que, como uma rocha...

    Ora, aos diabos com voc! interrompeu Paskoleit,

    sentando-se. Os russos j esto no Vstula, vai querer contestar

    isto?

    O relatrio da Wehrmacht...

    Felix Baum tornou a ligar o rdio. O som da marcha animou-o.

    Fora dispensado do servio militar por causa de problemas

    hepticos, alm de umas hemorridas que dariam para escrever

    um livro, mas em compensao fora nomeado chefe poltico local

    de Adamsverdruss.

    Toda a aldeia dissera o administrador distrital de

    13

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    14/245

    Ortelsburg tem de ser uma comunidade ajuramentada que

    acredite noFehrer!S esta crena nos dar a vitria final e o

    grande Reich alemo!Sieg Heil!

    Felix Baum, arrebatado, erguera o brao, comprara em Or-

    telsburg seu uniforme de chefe poltico e voltara a Adamsverdruss

    como um prncipe entrando em seus domnios. Desde ento s

    tivera dissabores, brigas com os velhos amigos, discusses e

    xingamentos; certa vez, ao advertir o padre Heydicke, alegando

    que os sermes que ele pregava eram subversivos, levou, na noitede domingo, uma surra de dar pena, sem que jamais se soubesse

    de quem. Baum tinha l suas desconfianas e, daquele momento

    em diante, passou a tratar todos, mas principalmente Paskoleit,

    com muito cuidado, evitando toda e qualquer discusso.

    E mesmo que eles estejam no Vstula... nossas valorosas

    divises os afugentaro...

    Quer dizer que voc no sabe de nada? disse vov Jochen

    com sua voz estrondosa.

    S o que Goebbels diz. o suficiente, no?

    Ligue para o administrador distrital!

    Agora, num domingo? Vocs tm coragem...

    Se uma de minhas vacas tem clicas, chamo o veterinrio!

    Pode ser domingo, no meio da noite, Natal ou Pscoa... mas ele

    vem! Agora a Alemanha inteira que est com clicas... Com mil

    troves, estou ansioso para saber o que diro os grandes

    veterinrios!

    Felix Baum fitou Joachim Kurowski com olhar espantado.

    isso, literalmente, que devo dizer ao administrador

    14

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    15/245

    distrital?

    Por mim pode falar.

    Eles o prendem na mesma hora!

    Pelo menos assim estarei em segurana quando os russos

    chegarem. Vamos, telefone para Ortelsburg!

    Voc ser enforcado por subverso contra a Wehrmacht,

    Jochen!

    Eu? Um Kurowski! Pelo administrador distrital? O Ewald

    Tollak, um beb que ainda cagava nas calas quando eu j me

    encontrava frente de Verdun?

    Vov Jochen avanou para o telefone que estava ao lado do

    rdio.

    Quer que eu telefone?

    Deus me livre!

    Felix Baum diminuiu o volume do rdio, discou um nmero e

    esperou. De repente ouviu-se um chiado e uma voz; Baum

    empertigou-se todo e falou:

    Senhor administrador distrital, aqui fala Baum, o chefe

    poltico local de Adamsverdruss. Estou telefonando porque algo

    estranho est acontecendo. J faz meia hora que estamos ouvindo

    um troar surdo no ar. No! No estou com dor de barriga nem

    estou peidando... Est vindo da direo do Vstula... O qu? No

    devo espalhar comentrios de latrina? Sim, senhor administrador

    distrital, tambm acabo de ouvir as palavras do ministro da

    Propaganda do Reich, um discurso sensacional, sim, senhor...

    claro que, tambm aqui em Adamsverdruss, todos crem na

    vitria final; Adamsverdruss est seguindo oFehrerunida... Mas,

    15

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    16/245

    e o rudo l longe, senhor administrador, sim, senhor, eu j fui ao

    banheiro hoje... o vento traz o barulho... Compreendo, senhor

    administrador distrital, no quer dizer nada, nossas tropas

    revidaram o ataque sovitico. Sim, senhor, deve ser isso!Heil

    Hitler!

    Felix Baum colocou o fone no gancho e enxugou o suor.

    Vocs ouviram disse com franqueza na voz. Que merda,

    cara! Depois de amanh, quando ele estiver aqui, mando-o falar

    com vocs! Isso mesmo.

    Paskoleit foi at a janela e abriu-a. Podia-se ouvir o rudo

    perfeitamente, embora vindo de to longe. Baum endireitou os

    ombros.

    Meus ouvidos no esto tapados! disse.

    E agora? Devemos fazer as malas?

    Fazer as malas? Mas como? Esto querendo espalhar o

    pnico? S porque est trovejando l longe?

    Alguma vez j olhou o mapa?

    Paskoleit tirou um lpis do bolso do palet e comeou a

    desenhar, sobre a toalha da mesa, o contorno da Prssia Oriental.

    L embaixo, na fronteira com a Polnia, onde havia uma longa

    curva, fez uma cruz. Adamsverdruss. Baum desistiu de protestar

    contra os rabiscos em sua toalha branca. Quando Julius Paskoleit

    queria demonstrar alguma coisa, o jeito era aceitar.

    E da? perguntou. Na escola eu era considerado bom

    em geografia.

    Aqui est o Vstula. Aqui esto os russos! A terra entre ns e

    16

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    17/245

    eles toda plana. E os russos tm tanques to velozes quanto um

    automvel. Aqueles malditos T34!

    E ns temos ospanzerTigre, os Leopardo...

    Mas sem combustvel, seu burro!

    Tudo conversa mole!

    Felix Baum aumentou o volume do rdio para ouvir as

    marchas militares. Precisava de amparo moral.

    So novas punhaladas nas costas! Nossos exrcitos nunca

    estiveram to bem equipados!

    E as batidas em retirada, seu camelo? berrou av Jochen.

    Redues estratgicas das frentes. Quanto menor e mais

    estreita a linha principal de combate, mais vigorosos sero os

    golpes! Deixaremos vir os russos, vir sempre... e, ento,tchabum,

    fogo concentrado neles! Acreditem-me, oFehrersabe o que quer!

    E um gnio!

    Estou pouco ligando! disse Paskoleit. S estou

    preocupado com Erna e as crianas. Tratarei de tir-las daqui.

    Julius, isto traio! gritou Felix Baum. O leste alemo

    o lugar mais seguro que existe! Afinal, para onde est querendo

    levar Erna?

    Krefeld, onde mora uma tia dela.

    Onde j se ouviu algo mais idiota? exclamou Baum.

    Krefeld! Onde caem bombas todos os dias! Para a regio do Ruhr,

    de onde mandam os flagelados para c! Jochen, ponha-lhe uma

    compressa na testa! E que seja gelada! As administraes regionais

    do ocidente esto trazendo mulheres e crianas para que ns as

    abriguemos, porque o leste alemo ainda um fortssimo baluarte,

    17

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    18/245

    e essa besta quer levar os filhos de Erna e Ewald para o oeste!

    A questo : o que ser melhor, as bombas ou os russos?

    Aquele tio de Krefeld algum no Partido e tem as costas

    quentes... Cuidar bem de Erna!

    Ele a mandar para a Prssia Oriental! gritou Baum.

    No adianta. Paskoleit levantou-se e acenou para Jochen

    Kurowski. Venha, vov. No vou esperar at que os tanques

    russos estejam parados a nossa porta! Depois de amanh vou at

    Johannisburg. Tenho algumas botas a entregar no hospital militar

    e aproveitarei para saber, da boca dos pacientes mais novos, em

    que p esto as coisas nofront.

    Cutucou o peito de Baum e divertiu-se com a insegurana que

    leu nos olhos dele.

    Terei mais novidades para contar do que seu querido

    Goebbels! Notcias da Wehrmacht em primeira mo. Bom

    domingo, Felix.

    FelixHitler! respondeu Felix Baum, amuado.

    Pela janela, ficou olhando Paskoleit e Kurowski se afastarem. O

    rudo distante cessara, a paz dominical cobria a terra das florestas

    de vidoeiros e, da abbada celeste, de um azul infinito, irrompia

    uma alegre luminosidade.

    Os russos nunca viro disse Baum, baixinho , no

    podem vir. Nossa bela terra...

    Viu o chefe local dos camponeses, Johannes Lusken, empurrar

    a paraltica Juliane Brakau para a igreja em sua cadeira de rodas.

    Vestia o uniforme do Partido, mas havia uma salincia no bolso

    esquerdo; era l que ele escondia o livro de cnticos. Baum sabia

    18

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    19/245

    disto e, naquele momento, sentiu inveja de Lusken por ser capaz

    de ouvir outras palavras que no as de Adolf Hitler.

    Tomou a deciso de aguardar at a noite para fazer uma visita

    secreta ao padre Heydicke a fim de ter uma conversa com ele.

    No dia 20 de outubro chovia a cntaros e Jochen Kurowski

    dizia:

    Agora Adamsverdruss vai inundar. Os russos tero que vir

    de calo de banho!

    O oficial subalterno Hans Kampken viu-se obrigado a voltar.

    Um tiro, perto de Witebsk, tirara-lhe um olho, o direito, da a

    venda preta que usava sobre a rbita vazia, e, para compensar a

    vista perdida, ostentava no peito a Cruz de Ferro de primeira

    classe. Veio de Gross Puppen num dog-cart,que pertencia ao

    farmacutico, e fez da taberna da aldeia sua primeira parada.

    Paskoleit e seu ajudante, o tuberculoso Franz Busko, estavam

    jogandoskat1quando Kampken entrou, ensopado, sacudindo-se

    como um co para livrar-se da gua.

    Gente, que porcaria! exclamou, com um aceno ao

    taberneiro. Manda umkuemmel,Franz!

    Olhou em volta, deu um tapinha nas costas de Paskoleit e no

    reparou num homem, estranho ao lugar, sentado no canto e

    tomando uma cerveja. Chegara de automvel e apresentara-se

    como corretor de seguros.

    Vocs j sabem o que est acontecendo? Estou chegando de

    Rastenburg, do hospital de campanha. Dizem que o maior

    estrategista de todos os tempos est perdendo terreno. Que o

    1Um jogo de cartas alemo. (N. da T.)

    19

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    20/245

    quartel-general doFehrervaiser transferido para Berlim. Sabem

    o que significa isso? Que a Prssia Oriental logo estar em

    apuros. Gente, o negcio fugir! Eu lhes digo: na hora em que os

    russos resolverem sair por a com seus T34, ningum mais os

    deter! Sade, pessoal! Estou de olho em Witebsk. O que vejo:

    uma grande porcaria! No Kurland temos uma diviso inteira de

    panzersem um litro de combustvel, nas plancies junto ao Vstula

    os rapazes contam a dedo seus cartuchos e granadas. E o Iv s

    acumulando, dia e noite... tanques, canhes, artilharia pesada,caminhes, divises, tropas vindas da Sibria, novinhas em

    folha... eles vo arrebentar-nos a todos at as tripas!

    Naquela mesma noite Paskoleit tornou a falar com a irm.

    V para Krefeld disse. s para aguardar os

    acontecimentos, Erna. Eu ficarei por aqui. Mas se a situao

    engrossar... pense no que Ewald me disse: Cuide de Erna e das

    crianas. No sbado vocs vo para o oeste.

    Ns ficaremos aqui disse Erna Kurowski. Ewald

    nasceu aqui, eu nasci aqui, as crianas nasceram aqui, aqui

    temos nossa casa, aqui est a oficina do Ewald e para c que

    ele vai voltar. Est vivo, eu sinto. Desaparecido no quer dizer

    morto. E se, de repente, ele surgir a na porta e no encontrar

    ningum em casa, como poderei explicar mais tarde? Que somos

    um bando de covardes, que ouvimos barulho de tiros de canho

    vindo de bem longe e fugimos?! No, Julius... ns ficaremos aqui

    mesmo!

    Vo se arrepender falou, srio, Paskoleit. No posso

    obrigar ningum. Se os russos vierem mesmo para a Prssia

    20

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    21/245

    Oriental, ser que ento poderemos vencer...?

    No dia seguinte o oficial subalterno Hans Kampken foi tirado

    da cama por dois homens do SD. No teve tempo nem de colocar o

    tapa-olho. Como um assassino, levaram-no para um carro cinza,

    fechado, e partiram. Tambm o estranho, o corretor de seguros,

    abandonou Adamsverdruss aps uma breve conversa com Felix

    Baum, o chefe poltico local. noite, vov Jochen passeava pela

    aldeia e noticiava:

    Vo condenar Kampken morte! berrava. E Baum

    recebeu uma advertncia! Com mil demnios, s porque disse a

    verdade! Os russos de fato passaram pelo Kurland! Gente,

    deveramos comear a fazer as malas! Se os russos atravessarem

    o Vstula, ningum mais poder det-los. Quem diz isto sou eu,

    Joachim Kurowski... nem que eles me enforquem ao lado de

    Kampken!

    Em torno da Prssia Oriental fechava-se a mais coesa das

    divises soviticas. Milhares de tanques aguardavam a ordem de

    ataque, milhares de canhes voltavam-se para a fronteira alem,

    um mar de corpos humanos marrom-acinzentado vinha arrastado

    na corrente. Novos exrcitos provindos das profundezas da Rssia,

    tropas jovens novinhas... E do outro lado esperavam as divises

    alems, cansadas, massacradas, encolhidas, cuja nica fora

    residia na determinao de levantar, diante de sua ptria, um

    muro de cadveres.

    E, mais uma vez, o vento trazia aquele ribombar distante, o

    sopro da destruio...

    21

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    22/245

    CAPITULO 2

    Triste foi a festa de Natal.

    No s Adamsverdruss, mas toda a Prssia Oriental estava demalas prontas e, nos celeiros e garagens, os veculos estavam

    preparados para a fuga. O inverno cara sobre a terra com uma

    geada que arrancava gemidos das rvores. Sempre que o vento

    assobiava em volta das casas fazendo tremer as vidraas, o av

    Joachim segurava seu grosso cachimbo e consolava:

    Isso at que bom, crianas. Com um tempo desses os

    russos no atacaro mesmo. At os homens l da Sibria sentem

    frio.

    Enganava-se. Julius Paskoleit, que fora Secretaria de

    Finanas de Gross Puppen buscar borracha e couro para a

    sapataria, contou os soldados chegados do Narev e do Vstula. Ali,

    como no Kurland, concentravam-se enormes massas de tropas

    soviticas aguardando a ordem de atacar.

    Eles sabem at os nomes disse Paskoleit. Os marechais

    Rokossovski e Tcherniakovski assumiram o comando geral. Dizem

    que so os melhores comandantes do Exrcito russo.

    Tudo bobagem! retrucou vov Jochen. Meu nometambm acaba comi,e nem por isso sou um grande general!

    22

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    23/245

    Paskoleit, sem vontade de brigar com Kurowski, saiu correndo

    pela tempestade de neve para falar com Felix Baum, o chefe

    poltico local. Este era o nico que no fizera as malas. Para

    comemorar, ia desejar feliz Natal de casa em casa, ganhava uma

    aguardente e, diante da rvore enfeitada, dizia a cada famlia a

    mesma coisa:

    No tenham medo, compatriotas! O Fehrer vaiconseguir!

    No foi sempre assim, cem russos contra um alemo? A frente se

    mantm firme como ao da Krupp! Vocs vero: em 1945

    afugentaremos os vermelhos at o Ural.HeilHitler!

    Na ltima visita ao padre Heydicke, mal podia andar, caindo,

    com os olhos vidrados, sobre o velho sof de couro.

    Preciso confessar-me disse, com a voz engrolada.

    Senhor padre, mesmo bbado quero a confisso. O que achar

    disto o bom Deus? Passei o Natal contando mentiras a uma aldeia

    inteira! E tenho medo! No durmo mais noite. Msero porco que

    sou, senhor padre.

    Deitou a cabea na mesa e chorou.

    O padre Heydicke o deixou chorar. Uma hora mais tarde deu

    leo de salada a Felix Baum para beber; o chefe poltico vomitou a

    no mais poder, mas depois estava sbrio o bastante para que se

    pudesse ter uma conversa sensata com ele.

    E agora? perguntou o padre. O que sabe, Baum?

    A administrao distrital foi transferida para Allenstein.

    Provisoriamente.

    Bonito. E ningum pode saber disso?

    Cus, no! Baum tomou meio copo de gua gasosa,

    23

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    24/245

    arrotou e disse, envergonhado: Peo desculpas, senhor padre.

    Depois ficou olhando a tempestade de neve pela janela. Mas

    ao senhor eu precisava contar. Tambm meu terno civil j est ao

    lado da cama, pronto para vestir. Sou um covarde, no?

    A carne fraca contornou o padre Heydicke , mas foi

    bom o senhor encontrar o caminho para vir a mim. Quando que

    os russos vo atacar?

    Isso, para dizer a verdade, ningum sabe.

    Baum levantou-se. Eram duas horas da manh, e no havia

    perigo de ser visto quela hora saindo da casa paroquial, ainda

    mais com aquela neve.

    Eu tenho telefone, senhor padre. Ligue para mim duas vezes

    ao dia... Quando chegar o momento, pode tocar os sinos. Estou s

    aguardando novas ordens da administrao distrital...

    O novo ano comeou tinindo de geada, mas o cu estava claro.

    A famlia Kurowski, que se encontrava, meia-noite, junto s

    janelas, os copos cheios de ch quente temperado com um pouco

    de usque de centeio, abraou-se, trocou beijos e pronunciou o

    feliz ano-novo como se fosse uma prece.

    Est to quieto... disse o av Joachim, mais tarde, a

    Paskoleit. As crianas j estavam na cama, a av Berta

    adormecera na poltrona, Erna Kurowski tricotava um xale para o

    pequeno Peter, de quatro anos. No gosto nada disso.

    Primeiro reclama do barulho, depois acha tudo muito quieto,

    voc no sabe o que quer disse Paskoleit.

    Voc nunca esteve na guerra! gritou Kurowski. Era para

    que vissem que, apesar de seus setenta e dois anos de idade, ele

    24

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    25/245

    ainda era o Jochen Berrador. Na guerra sempre mais perigoso

    quando tudo est quieto. O que andam dizendo l fora?

    Nada.

    Paskoleit pensou em Hans Kampken, levado preso. Como j era

    esperado, tinham-no fuzilado em Allenstein. Por subverso e

    desacato Wehrmacht. Sem deixar que ele abrisse a boca para

    falar, uma corte extraordinria pronunciara a sentena, marcando

    a execuo para dali a uma hora. Um comerciante de gado de

    Allenstein, que ouvira a histria de seu cunhado, ferreiro da

    diviso, contava, mas s aos amigos mais chegados, que, pouco

    antes do comando fogo!, Kampken ainda bradara: A verdade

    ainda vai arrebentar suas tripas! Dito isto, levou catorze balas,

    todas no peito. Os executores tinham boa pontaria.

    Mas alguma coisa devem estar dizendo! rosnou Kurowski,

    teimoso.

    Que a safra de batatas no vai ser nada boa...

    Vov Jochen olhou fixo para Paskoleit, pensando se deveria ou

    no armar um escarcu no primeiro dia do ano; depois acenou

    com magnanimidade e foi para a cama. Levou av Berta consigo...

    Cutucou-a para acord-la; ela soltou um gritinho, levantou da

    poltrona e, tateando, seguiu o marido. Paskoleit e Erna ficaram

    sozinhos.

    Amanh carregarei os dois carros disse ele , a carroa

    grande e o coche. Voc j arrumou tudo, no arrumou?

    J, tirando as coisas mais necessrias. Erna Kurowski

    fitava o irmo com olhos arregalados. Voc sabe mais do que

    diz, Julius.

    25

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    26/245

    S sei que de maneira alguma esperarei at que nos faam

    evacuar oficialmente..

    Mas ns s temos dois cavalos para a carroa grande.

    H quatro dias comprei dois cavalos em Ortelsburg, pagos

    com dez peas de couro. Irei busc-los amanh. Em Deutschwald

    temos um trator que tambm comprei. Esse custou o seu piano...

    O piano? Ema jogou o xale longe. Julius, voc no

    pode, simplesmente, trocar o piano de Ewald por um trator!

    Voc pretendia carreg-lo nas costas at Berlim ou talvez at

    Colberg?

    Mas quando Ewald...

    Seu marido no teria agido de outro modo! Com um piano

    no se percorre as estradas, mas sim com um trator! Um trator

    pode significar nossas vidas... ou ser que voc prefere ficar aqui

    sentada tocandoPour Elisecom os russos porta?! Meu Deus, eu

    seria capaz de subir as paredes de contentamento por possuir um

    trator e voc fica resmungando!

    Paskoleit foi at a janela. A noite do primeiro dia de janeiro de

    1945 estava linda, como devia ser uma noite de ano-novo. Um cu

    carregado de estrelas. E, sobre a terra, a neve cintilante.

    Alguma vez j lhe passou pela cabea que nunca mais

    tornaremos a ver Adamsverdruss? perguntou, baixinho.

    Nem penso nisso. E impossvel.

    E se os russos ficarem aqui?

    Por enquanto ainda no chegaram, Julius.

    Ou os poloneses, quem sabe?

    Como que voc pode imaginar tal coisa, Julius? Afinal de

    26

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    27/245

    contas, estamos na Alemanha.

    Por quanto tempo?

    H algumas centenas de anos... e por mais algumas

    centenas de anos.

    Ou ento at que Rokossovski e Tcherniakovski nos dem

    um aperto e nos esmaguem, Quem reconquistar a Prssia

    Oriental? Nossas pobres e sugadas tropas? Nossas divises que

    precisam contar a dedo a munio que lhes resta? Nossospanzer

    que no tm combustvel?

    Voc muito pessimista disse Erna Kurowski. No

    ouviu Goebbels no rdio? Ele diz que 1945 o ano da vitria.

    verdade.

    Paskoleit afastou-se da janela. Comoveu-se, chegando s

    lgrimas, com a paz existente l fora.

    A pergunta quemvencer...

    Na manh de 12 de janeiro, num dia em que a geada tilintava,

    toda a terra em torno da Prssia Oriental ps-se a ressoar. Um

    anel cuspindo fogo arremessava morte e destruio sobre as

    divises alems, que esperavam, abaixadas no solo gelado, a

    chegada dos exrcitos soviticos. J no comeo da tarde, pde-se

    reconhecer a monstruosa concentrao e o avano das frentes

    vermelhas. No s a Prssia Oriental seria cercada, o marechal

    Shukov marchava rumo a Berlim, as tropas de Koniev e Petrov

    atacavam a Silsa. Prximo a Baranov, na Galcia ocidental, os

    soviticos atravessavam o Vstula, saam com seuspanzerpara

    desmantelar a frente central alem. Toda aquela terra a oeste do

    27

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    28/245

    Vstula assemelhava-se a uma mesa sobre a qual se estendia

    agora uma toalha de sangue.

    Vindo de todos os lados, uma enxurrada de refugiados corria

    em direo ao oeste e ao norte. Em Eydtkau e Goldap, Treuburg e

    Lyck, Johannisburg e Neidenburg, Deutsch-Eylau e Marienwerder

    instalavam-se campos de refugiados. Tilsit foi coberta por uma

    avalanche de caravanas, mas no por muito tempo, pois trs dias

    mais tarde a cidade foi atacada pela artilharia pesada sovitica.

    Uma longa fila de pessoas, com carros de mo, carroas, tratores,

    coches e trens, arrastava-se do Protetorado de Flammberg para

    atravessar a fronteira.

    O chefe poltico Felix Baum, mais uma vez, percorreu toda

    Adamsverdruss, recomendando calma. Da administrao distrital

    de Allenstein s lhe respondiam aos gritos, porque telefonava

    diversas vezes por dia para ter notcias sobre a situao.

    O senhor s tem que acreditar noFehrer,mais nada!

    vociferava algum que se chamava Lumenski. Baum nunca ouvira

    falar nesse nome, mas quem grita na administrao distrital

    sempre tem razo.

    No dia 16 de janeiro apareceu, na claridade da noite gelada, o

    lampejar do fogo da frente de combate. Franz Busko, o ajudante-

    aprendiz de Paskoleit, sentado no alto da torre da igreja, ao lado

    do sino, informava aos gritos tudo que podia ver. Pairava no ar um

    ronco constante. Quando se ligava o rdio, soava msica ligeira de

    alguma opereta ou, ento, as fanfarras anunciavam notcias

    extraordinrias que terminavam, invariavelmente, com uma vitria

    das tropas alems em algum lugar do leste ou do oeste.

    28

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    29/245

    Est chegando a hora disse o padre Heydicke ao povo de

    Adamsverdruss, reunido diante da igreja.

    O chefe dos camponeses, Lusken, tambm viera, trazendo a

    paraltica Juliane Brakau em sua cadeira de rodas. Felix Baum,

    sentado na igreja, defronte do altar, vestido com o uniforme do

    Partido que j se tornara grande demais para ele nos ltimos dias,

    juntava as mos numa atitude de abandono.

    No chegara mais nenhuma ordem da administrao distrital.

    Podia telefonar quanto quisesse, ningum atendia. No final dava

    apenas sinal de ocupado.

    Esqueceram-se de ns... disse com o olhar fixo e

    incrdulo, quando Paskoleit veio sentar-se a seu lado. Os

    porcos nos esqueceram! Perto de Klein-Grieben ospanzerrussos

    j esto na fronteira. E, ainda assim, continuam a tocar operetas e

    Goebbels falou ontem...

    Desandou a chorar, tirou o palet do uniforme, jogou-o sobre

    os degraus do altar e, como uma criancinha, encostou-se em

    Paskoleit.

    No creio que Deus v aceitar essa porcaria de uniforme

    como ddiva disse Paskoleit, desvencilhando-se de Baum.

    Em todo caso timo que, finalmente, voc esteja acordando e

    deixando de ser besta! Onde, afinal, est seuFehrer?

    Em Berlim...

    E a vitria final?

    Logo que estivermos em segurana, Julius, deixarei que me

    d uns cem pontaps no traseiro.

    Isso, se conseguirmos sair daqui. Voc j pensou nessa

    29

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    30/245

    possibilidade? E para onde?

    No fao idia.

    Mas eu sim. Primeiro iremos para o oeste. Ortelsburg,

    Hohenstein, Osterode, Saalfeld, Marienburg. Para Danzig! Depois,

    Pomernia. Sempre beirando a costa, se no aparecer quem nos

    leve. Ainda deve haver trens para o oeste...

    E a tralha toda? Cavalos, carros, mveis, camas, foges,

    loua...

    Seria bom demais se pudssemos salvar tudo isso.

    Levaremos tudo... Mas voc acredita mesmo que poderemos

    chegar at o Elba com essas coisas todas? Os tanques russos

    correm mais que carros de boi. E as estradas esto congeladas...

    tarde, Adamsverdruss reuniu-se para dar a partida. Foram

    chegando na frente da igreja carros de boi, carroas puxadas por

    cavalos, por tratores ou mesmo por vacas, estas ltimas

    pisoteando com teimosia por no estarem habituadas quele jugo.

    Paskoleit dirigia o trator que trocara pelo piano e puxava a carroa

    normalmente usada para espalhar adubo. Sentada nela, em meio

    a um monte de palha e rodeada de mveis, como se fosse

    necessrio mant-la cercada, estava av Berta. Vov Jochen,

    acocorado na bolia da carroa maior, dirigia os dois cavalos

    comprados por Paskoleit em Ortelsburg por dez peas de couro.

    Na carroa amontoavam-se os utenslios da casa dos Kurowski e

    metade da sapataria, todas as ferramentas e objetos, o fogo,

    panelas, colches de penas, cobertores e um banquinho de canto

    que o av Jochen no quis deixar de levar. Fora talhado em 1871

    por ocasio da fundao do Reich. Erna Kurowski estava na bolia

    30

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    31/245

    do coche, tendo, atrs de si, as crianas enroladas em cobertores.

    Franz Busko, o aprendiz, funcionava como elemento coordenador,

    ajudando onde fosse necessrio.

    No momento em que o padre Heydicke abenoava o povo de

    Adamsverdruss, comeou a nevar, suave e silenciosamente.

    Deus esteja convosco! disse, fez o sinal-da-cruz, subiu em

    sua carroa e deu a partida. Colocou-se frente, seguido por

    Paskoleit e a famlia Kurowski.

    Tinha incio o grandetreck.2

    2Vagem de carro!a "#$ada "or %o. (N. da T.)

    31

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    32/245

    CAPTULO 3

    Estava em cima da hora. Isso ficou demonstrado quando

    alcanaram a estrada de Johannisburg para Ortelsburg. Ali osveculos amontoavam-se, enganchavam-se, s avanavam alguns

    passos de vez em quando. At onde se podia ver a estrada, havia

    carroas e mais carroas, cavalos, vacas mugindo, tratores e,

    perdidos no meio daquilo tudo, alguns poucos automveis,

    veculos inalienveis, a servio do Exrcito, providos de cupons

    para gasolina. De todos os lados vinham se arrastando filas e mais

    filas de gente, mas principalmente da fronteira, de Fischborn,

    Gehlem-burg, Lyck. Um outrotreckenorme que se reunira em

    Allenstein dirigia-se para Neidenburg, um terceiro de

    Marienwerder para Marienburg. O destino de todos era um s: a

    costa. Danzig. O mar. A Pomernia. Mecklenburg. Berlim. Entrar

    na parte da Alemanha que no estava ameaada. Juntar-se aos

    irmos do oeste. Verdade que l, todos os dias, caam bombas aos

    milhares, no havia segurana em lugar nenhum, mas era

    prefervel passar dia e noite esperando e rezando num poro do

    que uma hora suportando a impiedosa mar vermelha das

    profundezas da Rssia.O treckde Adamsverdruss ainda no sabia e era melhor

    32

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    33/245

    assim que havia refugiados vindo de todas as direes. J

    bastava que na estrada para Ortelsburg no se conseguia sair do

    lugar.

    Os russos vo nos pegar! disse Paskoleit ao padre Heydicke,

    que continuava na ponta. Era como antigamente, quando o povo

    deixou o Egito para seguir Moiss... S que uma coisa era certa:este

    mar vermelho que transbordava, agora, a sua volta, no se dividiria

    para dar-lhes passagem. Se continuar assim at Danzig, ser

    melhor ficarmos sentados beira da estrada, esperando pelos

    russos.

    Felix Baum, o chefe poltico, que trocara seu uniforme cqui

    pelo terno que sempre usara antes, uma roupa de campons com

    palet verde, polainas, botas de feltro e um sobretudo forrado,

    sentado numa motocicleta, passava ruidosamente para l e para

    c, e como um m atraa sobre si todos os pedidos e imprecaes

    do povo de Adamsverdruss. No levava bagagem, mas em

    compensao havia no assento traseiro de sua moto trs latas de

    gasolina e outras dez no carro de Paskoleit. Alm disso, possua

    um carto da direo regional que lhe dava o direito de requisitar

    gasolina em qualquer lugar. Isso, no momento, valia mais que um

    carro cheio de dinheiro. Enquanto tivessem Baum na caravana,

    no faltaria combustvel. Assim pensavam todos.

    V at a frente e veja o que est acontecendo! gritou-lhe

    Paskoleit. Voc no um figuro do Partido? Com certeza tem

    algum impedindo a passagem! Chute-o no traseiro!

    Felix Baum partiu fazendo estrondo. Com sua motocicleta

    passava pelo engarrafamento, enfiando-se pelos carros encostados

    33

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    34/245

    uns nos outros e, aps percorrer seis quilmetros, alcanou o

    cruzamento de Gross Jerutten. Ali viu um capito da polcia

    militar que, com mais quatro homens, interditava a estrada, para

    permitir a passagem de uma longa coluna de soldados de

    Friedrichshof para a estrada principal de Ortelsburg.

    Veculos de abastecimento do Exrcito. Oficinas, uma padaria

    de campanha, uma ferraria, furges levando intendentes bem-

    nutridos e envoltos em grossos sobretudos de pele de cordeiro, um

    escritrio volante, dez carros-rdio com oficiais graduados, atrs

    destes mais caminhes com material de escritrio e at uma

    banda de msica completa. Mas nenhuma ambulncia, nenhum

    carro de munio, nada de tropas cansadas, desgastadas e

    emaciadas da frente de batalha.

    Felix Baum ficou pasmado. Logo em seguida foi tomado de uma

    fria terrvel. Talvez pela primeira vez na vida tivesse coragem, ao

    invs de assumir posio de sentido e obedecer sem pensar. Viu

    como os homens frente de caravanas quilomtricas de refugiados

    confabulavam com o capito na encruzilhada; camponeses de

    casacos compridos, ancios e mulheres idosas gritavam. Baum

    sabia que a cada minuto aumentava o nmero dos que fugiam dos

    russos e que, de todos os lados, os tanques soviticos avanavam

    sobre a fronteira.

    Acelerou e foi parar a motocicleta na encruzilhada, a alguns

    centmetros do capito. Este, a cabea vermelha de frio e de tanto

    berrar, fitou Baum e gritou algo que se perdeu no barulho dos

    motores de uma nova coluna de abastecimento.

    Libere a estrada! gritou Baum, de volta, e, para isso, teve

    34

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    35/245

    de se curvar para a frente, em direo ao capito. L atrs h

    milhares de pessoas esperando...

    Primeiro as tropas! respondeu, berrando, o capito.

    Tropas? Onde? gritou Baum. S intendentes de pana

    cheia. Pagadores e comedores! H por aqui algum soldado? Esses

    encontram-se ali na fronteira, enquanto por aqui todos se pem a

    correr! De casaco de pele! Com a gasolina de que os nossospanzer

    esto precisando! Seus malandros!

    Vou prend-lo!

    O capito da polcia militar levou a mo ao coldre. Estava

    possesso de raiva.

    Em nome doFehrer...

    Seu Fehrer,mando-o merda! berrou Baum, em

    resposta. Eu sou o chefe poltico local, e, se um idiota como

    voc pode atirar, eu tambm posso!

    Arrancou a pistola do bolso do sobretudo e foi mais rpido que

    o outro, abrindo a tira de couro que fechava o coldre.

    Est maluco, homem?

    O capito olhou em volta, procurando seus quatro

    companheiros. Mas estes haviam sumido de repente. Uma massa

    compacta de gente decidida a tudo simplesmente o encobrira no

    momento em que Baum, com sua interveno, perdera o temor do

    uniforme. Agora o cruzamento estava tomado pelos camponeses,

    surgiram os bastes dos quatro guardas feridos, a estrada estava

    interditada por uma fila cerrada de corpos e os sinais vermelhos

    piscavam.

    Com um rangido parou o primeiro veculo que se atravessou ao

    35

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    36/245

    obstculo. Era um caminho-cozinha com um caldeiro

    fumegante. Ao volante um intendente corpulento com cara de lua.

    Atrs, junto ao caldeiro, no calorzinho gostoso, envoltos em

    grossos sobretudos, os cozinheiros. Um primeiro-sargento e dois

    oficiais subalternos. Depois freou um caminho de material de

    escritrio, atrs dele uma oficina... e mais e mais carros. Parecia

    que a Wehrmacht alem consistia, toda ela, s de veculos de

    abastecimento.

    Vou lev-lo corte marcial! berrava o capito. O senhor

    est obstruindo o progresso de um Exrcito!

    Estou salvando minha aldeia disse Baum, de repente

    muito calmo. Via que, finalmente, as caravanas de refugiados

    conseguiam mover-se de novo. As carroas dos camponeses com

    os cavalos, os tratores, as vacas, o frete com camas, mesas,

    cmodas, panelas, cestos e sacos, ancios, crianas e mulheres

    arrastavam-se aos poucos passando por ele. Encheu-se de

    felicidade. Ainda sirvo para alguma coisa, disse a si mesmo.

    Talvez levem isso em conta, uma boa ao contra cem discursos

    bestas que fiz pelo Partido. Uma verdade contra mil mentiras.

    A longa fila do abastecimento comeou a buzinar furiosamente.

    Oficiais corriam para a frente e gritavam com os camponeses. Mas

    estes eram prussianos orientais, de cabea dura como o gelo que

    cobria os lagos no inverno e resistentes como as rvores

    centenrias das extensas florestas que rodeiam a Masria. Vozes

    no os intimidavam, nem mesmo quando estas saam de

    uniformes com gales prateados nos ombros. Olhos fixos e

    apertados, olhavam para os oficiais, e do fundo daquela parede

    36

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    37/245

    humana l na encruzilhada algum disse, bem devagar, ao

    intendente:

    Sujeitinho, se no arredar da, vou jog-lo para os ares...

    Isto uma revoluo! berrou o capito, tornando a

    colocar a mo no coldre.

    Deixe estar, homenzinho... disse, com calma, Baum.

    Seu traidor!

    O capito conseguira pegar a pistola. Mas no chegou a

    apont-la para Baum. Este ltimo, com uma tranqilidade que

    nem ele prprio entendeu, atirou primeiro. O tiro acertou o

    capito no brao direito, jogou-o para trs, f-lo escorregar no solo

    coberto de gelo e cair de joelhos. Olhava incrdulo para Felix

    Baum e, com a mo esquerda, apertava o brao atingido. Por entre

    os dedos escorria sangue.

    Baum no se incomodou mais com ele. Virou sua motocicleta e

    voltou correndo ao longo da coluna. Trs camponeses ergueram o

    capito, sustentaram-no e levaram-no da estrada para a cozinha

    volante. O intendente que se encontrava na cabine do motorista

    estava plido e trmulo quando um dos camponeses abriu a porta

    com fora.

    Cuidem dele disse. Um tiro da Ptria! Mas, tambm,

    onde que est a Ptria?

    Vocs enlouqueceram... gaguejou o intendente.

    E vocs? Por que no esto l nofront,hein? Para onde

    querem ir? Pr-se em segurana, ? Mas primeiro os civis, meu

    chapa! Lugar de soldado na frente de combate.

    Deixou o capito em p, encostado no carro, e voltou correndo

    37

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    38/245

    encruzilhada. Ali confrontavam-se oficiais e camponeses...

    homens indefesos que deixavam passar suas mulheres e crianas,

    netos e bisnetos, e homens de armas nas mos que tambm

    queriam ir para o norte e o oeste.

    No alto-falante de um rdio de pilha, no carro-escritrio, soou

    a voz do noticirio do governo alemo. Em edio extraordinria.

    No mar do Norte, ataque a um comboio, afundamento de trezentas

    mil toneladas. No oeste, revidado com xito um ataque a oeste de

    Estrasburgo. Na Hungria, investidas da sexta diviso SS de carros

    blindados contra Budapeste. Mas nenhuma palavra sobre a

    Prssia Oriental, nada sobre o Vstula, o Narev, o Nie-men e o

    Memel. S no finalzinho, de modo muito casual, uma frase:

    Grupos alemes travam uma luta amarga contra fortes

    contingentes russos no arco do Vstula.

    No somos ningum? disse um velho e gigantesco

    campons de barbas brancas, na primeira fila da parede humana

    da encruzilhada. E perguntou: Ouviu isso, major? Nada sobre

    ns! Enquanto toda a regio est na estrada. Podem atirar

    vontade... atrs de ns viro outros, e mais outros, at que sua

    munio acabe... Ns vamos pra Danzig, e vocs no podem mais

    nos deter...

    As duas paredes permaneciam em p. Os oficiais comearam a

    confabular entre si. Um tenente apresentou uma proposta:

    Vocs esto divididos por aldeias disse. Muito bem

    faamos o seguinte: cada vez que tiver passado uma aldeia, ser a

    vez de uma de nossas colunas. Depois a prxima aldeia, depois

    ns... e assim por diante. Ho de convir que uma soluo

    38

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    39/245

    sensata.

    Todos concordaram.

    Passou a aldeia de Altkelbunken, em seguida o cruzamento foi

    aberto a vinte viaturas militares. A estas seguiu-se a aldeia de

    Krutinne. Atrs dela, duas oficinas e um caminho de provises.

    Depois veio a aldeia de Adamsverdruss.

    No podia ser melhor disse vov Jochen, satisfeito ,

    comida com fartura diante de ns. Julius, diga ao padre para ficar

    de olho! J ouviu falar de piratas, garoto?

    Paskoleit adivinhou o pensamento do velho e levou o dedo

    testa. Jochen Berrador deu um grito, mas a caravana avanava e

    ele precisava cuidar dos cavalos. Grandes pedaos de gelo

    pendiam de suas crinas e pernas e dos plos de suas ventas.

    A neve recomeou a cair.

    Seguiram, durante cinco dias, atrs da coluna de

    abastecimento.

    Em Allenstein nem conseguiram entrar. Estava isolada, uma

    nova linha de frente formava-se ali, os russos avanavam mais

    depressa do que se calculara. A caravana foi desviada, perto de

    Alt-Maertinsdorf, para um caminho estreito que ia na direo de

    Wartenburg. J na regio de Passenheim, grande parte dos

    refugiados havia mudado o rumo, indo na direo de

    Bischofsburg. Em direo ao norte, para Heilsberg, de l para

    Heiligenbeil, passando por Landsberg e Zinten. Para a laguna do

    Vstula, atravessando para o Nehrung e continuando por aquela

    estreita lngua de terra rumo ao oeste, at a embocadura do

    39

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    40/245

    Vstula, e por fim Danzig. Esta era a grande meta.

    Tambm Adamsverdruss ficou indecisa ao chegar no

    cruzamento de Passenheim.

    No! disse Paskoleit, aps uma breve troca de idias.

    No esta volta toda! Para Elbing pelo caminho mais rpido e

    depois sempre em frente. Por que outra vez para o leste? Sabe-se

    l o que acontecer em Koenigsberg?

    L os russos nunca chegaro! exclamou Felix Baum.

    J est comeando! berrou o av Jochen. Por que

    ningum coloca uma mordaa neste focinho nazista?! Vamos

    para onde for a coluna de abastecimento.

    Ele s pensa em comer gemeu Franz Busko, o aprendiz.

    Em sua bicicleta fizera, durante os ltimos cinco dias, algumas

    excurses para a frente, bem como Baum que, com seu carto,

    conseguia entrar at em Allenstein. A administrao distrital j

    abandonara o local havia muito tempo. S achou escritrios vazios

    e muito papel queimado. No quarto do administrador distrital

    moravam trs desalojados de algum regimento.

    Eles nos desviaro de nossa rota! Esto levando toda a

    comida para as tropas no campo de batalha.

    Esses a? Nunca!

    Paskoleit lembrou-se do intendente gorducho do primeiro

    caminho.

    Eu sou a favor de alcanarmos Elbing!

    O que Paskoleit dizia era sempre bom, todos sabiam. Por isto

    mesmo o pessoal de Adamsverdruss permaneceu na estrada,

    deixando Passenheim para trs.

    40

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    41/245

    Todas as noites e todas as manhs o padre Heydicke celebrava

    um breve culto religioso. Nessas horas Paskoleit encarregava-se de

    dirigir o coche e Busko guiava o trator. Heydicke, em p no teto de

    seu carro, seguro por seis mos, percorria com o olhar a longa fila

    de veculos e orava, abenoava as mulheres e as crianas, os

    ancios e os homens, dizendo no stimo dia:

    No os abandone, meu Deus. So gente boa: tm coragem e

    resistncia. Tire-os do inferno, eles no o merecem.

    No dia 19 de janeiro de 1945 os russos esmagaram Tilsit e

    Vloclavek. Em 20 de janeiro suas divises blindadas j avanavam

    na direo de Allenstein. Na Polnia, as tropas alems recuavam.

    Capitularam em Varsvia em 17 de janeiro e em Lodz e Cracvia

    no dia 19. Os exrcitos soviticos espalhavam-se pelo vale do

    Vstula, cortando a Prssia Oriental do Reich.

    Vamos perder a corrida disse o padre Heydicke a

    Paskoleit, no meio da noite. Estavam sentados em volta de uma

    fogueira. Duas horas de descanso, pois no se pode correr sem

    parar. Os cavalos mal tinham foras para puxar os pesados

    carros. Faltam no mximo trs dias para Allenstein cair. Se

    algum dia alcanarmos a costa, para onde iremos? Estamos

    ilhados. Ou ser que ainda poderemos conseguir um barco?

    A f faz parte de seu trabalho, senhor padre disse

    Paskoleit, o olhar fixo no fogo crepitante. S sei que chegaremos

    l. No nos deixaremos abater, ns no! No penso em outra

    possibilidade! Espere s at chegarmos ao mar...

    41

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    42/245

    CAPITULO 4

    Dois dias mais tarde, as divises soviticas conquistaram

    Allenstein. As vanguardas blindadas russas dividiram-se... Ossoviticos levaram seus pesados veculos agora para Koenigsberg e

    Elbing-Danzig, espalhando-se por uma terra cheia de neve e gelo,

    inundada por um torrente de pessoas em fuga.

    A Prssia Oriental ficou recortada. Pouco era o que sobrava da

    resistncia. As pessoas nas estradas e caminhos, as colunas de

    veculos, ostrecks,o medo, enfim, faziam parte daquele cenrio

    com tanques russos em todos os lugares; tais pessoas eram

    esmagadas, massacradas, socadas em covas nas ruas ou

    estradas, as mulheres eram arrancadas dos carros ou arrastadas

    para fora das casas e deixadas merc do dio e do delrio da

    vitria.

    Nas ruas da Prssia Oriental cadveresjaziam esquerda e

    direita, no meio da neve. Na maioria mulheres e crianas, pedras

    congeladas nos destroos de seus carros esmagados, ou ento

    deitadas simplesmente como se a exausto total as tivesse feito

    desmoronar, sem permitir que sentissem a morte. Mais adiante

    um amontoado de pessoas, ensangentadas, fuziladas eapunhaladas. Marcos deixados pelas tropas russas. Nas

    42

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    43/245

    caravanas que ainda erravam pelo interior dos cercos soviticos,

    contavam-se fatos horripilantes que se passavam em toda parte.

    Tropas siberianas teriam pregado um padre vivo na porta de sua

    igreja. Numa aldeia, invadida to depressa que no houve tempo

    de evacu-la, todas as mulheres, desde as de oitenta at uma

    criana de dez anos, foram violadas uma a uma. Noutra aldeia,

    unidades trtaras haviam simplificado as coisas fuzilando todos

    os homens na praa. Atrocidades e mais atrocidades... e a

    conquista da Prssia Oriental apenas comeava.

    O treck de Adamsverdruss ainda no havia sofrido nada.

    Parecia que o intendente l no primeiro caminho da coluna de

    abastecimento tinha bom faro: tomava atalhos difceis, porm

    inatingidos, sempre rumo a Elbing. Mas, na grande encruzilhada

    junto estao ferroviria de Schlobitten, otreckparou. Parecia

    que todo um exrcito alemo estava a caminho de Allenstein para

    a laguna do Vstula. Havia um grande congestionamento nas

    estradas; o caminho para Elbing estava tomado por regimentos

    de artilharia e blindados. S restava uma alternativa: ir mesmo

    para o norte, passando por Braunsberg e beirando Passarge at a

    laguna.

    O padre Heydicke e Paskoleit estavam de acordo, mas no a

    fileira do abastecimento que os precedia. Esta ficou na estrada

    rumo a Elbing, tentando integrar-se nas divises militares.

    No podemos permitir disse vov Jochen, quando foi

    decidido que Adamsverdruss tomaria o caminho da laguna. No

    podemos ficar sem provises! Menino, temos de tomar uma

    providncia!

    43

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    44/245

    Est querendo assaltar a coluna inteira? rosnou

    Paskoleit.

    Gente para isto no falta.

    Jochen Kurowski olhou de esguelha na direo de Heydicke e

    juntou as mos sobre o ventre.

    Concentre-se e pense no cu, senhor padre... preciso

    discutir algo com Julius.

    A proposta de Kurowski era idiota, mas deveria salvar a vida da

    famlia mais tarde.

    No ouvi nada disse Heydicke, depois e tambm no

    vejo nada. No bem um ato de devoo a Deus... Mas voc tem

    razo, Jochen: onde est Deus agora?

    Durante a noite toda a coluna ainda estava parada, porque

    havia tropas alems chegando de Allenstein e a polcia militar

    removia do caminho qualquer coisa capaz de atrapalhar a

    passagem; dos sete veculos de abastecimento desapareceram

    vinte caixotes de enlatados, po, manteiga, banha, leo e lingia.

    Ningum iria perceber o desfalque entre os caixotes que se

    empilhavam at o teto dos caminhes. Transpirando de emoo,

    silenciosos e parecendo sombras deslizando pela escurido,

    Paskoleit, Busko e Felix Baum carregavam os caixotes. A partir da

    nona caixa ainda se juntou a eles o chefe dos camponeses,

    Lusken, que levava a paraltica Juliane Brakau em seu carro e que

    esperara ela adormecer para poder deix-la sozinha.

    Enquanto isso, vov Jochen distraa os ocupantes dos

    caminhes contando piadas e passagens alegres de caadas da

    Masria. Tinha um repertrio inesgotvel e, para molhar a goela,

    44

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    45/245

    tomava sempre uns goles de aguardente. Quando o transporte das

    vinte caixas terminou, ele estava to bbado que precisou ser

    carregado por Paskoleit.

    At o padre Heydicke ajudou. Para distrair a ateno dos

    oficiais, jogou uma partida deskatcom eles.

    Seguiram viagem, finalmente, ao romper do dia. A coluna de

    abastecimento continuou na direo de Elbing, otreckfoi para o

    norte, rumo a Braunsberg. Na bolia do coche, o av Jochen

    olhava com tristeza a partida do caminho cinza esverdeado. L se vai comida para um ano inteiro disse. Que pena,

    mas que pena! Por que que nenhum de vocs no pensou antes

    em garantir um carregamento para ns? Precisamos de armrios

    de cozinha, hein? De camas? Cmodas? Poltronas? Bancos?

    Precisamos de comida... para sair fumaa de nossos foges!

    Quem caga bem tambm trabalha bem. Homens, deveramos ter

    transferido os caminhes inteiros!

    O frio aumentava. A av Berta enfiou-se bem no fundo da

    palha e no mais se mexeu. Estava to bem escondida que vov

    Jochen parou, no incio da tarde, e berrou:

    Alto l! Perdi minha Berta. A pilantrona deve ter cado do

    carro! Vamos voltar!

    Mas voltar era impossvel. S se podia seguir em frente. Felix

    Baum e Busko, de moto e bicicleta respectivamente, fizeram uma

    busca no caminho percorrido, mas tudo em vo.

    A caravana estava num impasse.

    Sem minha Berta no continuo! berrava Jochen

    Kurowski. Passamos cinqenta e um anos juntos!

    45

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    46/245

    Quem sabe ela se foi com a coluna de provises? indagou

    Paskoleit. Voc no lhe dizia sempre: a comida o mais

    importante?

    Para trs! tornou a gritar vov Jochen.

    Desesperado, procurou mais uma vez no enorme veculo. E,

    mais uma vez, Felix Baum voltou correndo at o cruzamento junto

    estao ferroviria de Schlobitten. Acabara de sair quando

    Kurowski achou sua mulher. Na palha, bem l embaixo, enrolada

    num cobertor e toda encolhida sob a mesa da cozinha. Como

    conseguia respirar era um mistrio, mas o fato que dormia um

    sono profundo e feliz no calor conquistado. Ainda por cima era

    meio surda.

    A est ela disse o av Jochen. No quero nem pensar

    em perder minha velha.

    Havia tanta ternura em sua voz que Paskoleit desistiu de

    chamar Kurowski de idiota. Tornou a colocar o cobertor e a palha

    sobre a av Berta e fez um sinal ao padre Heydicke no primeiro

    carro.

    Vamos em frente!

    A fila de carros, cavalos, bois e vacas voltou a movimentar-se.

    Nenhuma daquelas pessoas que fugiam do aniquilamento

    imaginava que, no muito distante delas, j chegavam os russos,

    que elas haviam sido separadas de sua saudosa Alemanha e que

    casualmente viajavam por uma estreita, ainda no conquistada e

    livre faixa de terra. A sua esquerda e a sua direita ardiam aldeias

    em fogo, morria gente nas ruas, pessoas eram reunidas como se

    fossem gado, correntes de tanques rolavam por sobre corpos

    46

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    47/245

    congelados, os T34 socavam carros em fossos, a Prssia Oriental

    esvaa-se em fogo, sangue e lgrimas.

    Mas a aldeia de Adamsverdruss prosseguia como protegida pela

    mo de Deus. Levavam consigo vacas, galinhas e porcos abatidos e

    bem conservados no gelo, vinte caixotes contendo conservas e

    lingias, barris de manteiga e banha, sacos de acar, farinha e

    aveia. A conselho de Paskoleit, haviam feito suas provises.

    Gente, como vocs trapacearam, quando eu era chefe

    poltico repetiu Baum vrias vezes , durante meses a fio.

    Anos a fio, sua besta! Paskoleit soltou uma gargalhada

    sombria. H dois anos que abatemos e estocamos

    clandestinamente! Terra fronteiria, terra insegura... isto j nos

    ensinaram na escola.

    E para Erna Kurowski, que dirigia como um homem o coche

    puxado por cavalos e que tambm enfiara os filhos na palha como

    filhotes de cachorro no incio da geada impiedosa, ele disse:

    No conte nada a ningum, mas eu no acredito que

    possamos ficar todos juntos. Chegar o dia em que cada um ter

    de cuidar de si. Mas ns, Erna, ns, os Kurowski e os Paskoleit,

    permaneceremos unidos. Seno teriam de cortar cada um de ns

    como galhos de uma rvore!

    Utilizando estradas secundrias, passaram por Neumarck,

    Ebersbach, Tiedmannsdorf, Schalmey e, atravessando um campo

    para evitar novas caravanas que bloqueavam a estrada, chegaram

    a Pettelkau. Aldeias em fuga, como Adamsverdruss, h quinze

    dias. Gente impelida pelo medo.

    Pouco antes de chegarem a Braunsberg repetiu-se a cena de

    47

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    48/245

    alguns dias atrs: no cruzamento das duas estradas um homem,

    desta vez usando um uniforme de chefe poltico, comandava o

    trfego. De Mehlsack vinha rolando uma fila de carros

    particulares que afastava os refugiados para a beira da estrada, e

    arremetia levantando a neve. No se podiam ignorar os uniformes

    amarelos atrs das vidraas embaadas.

    Amarelos como coc de nenm comentou vov Jochen.

    D uma olhada! Foi tudo que Paskoleit falou.

    Felix Baum disparou. Freou a motocicleta diante do homem no

    cruzamento e ergueu a mo num gesto de saudao.

    Sou o chefe poltico Baum, de Adamsverdruss! exclamou.

    HeilHitler, companheiro!

    Dito isto, desfechou uma violenta bofetada no rosto espantado

    do homem, que caiu rolando na neve. Busko mandou atravessar

    um carro no cruzamento, e Adamsverdruss ganhou passagem

    livre.

    O Felix est ficando cada vez mais til reconheceu

    Paskoleit. Pena que com alguns anos de atraso...

    Entraram em Braunsberg, sendo sugados por centenas de

    carroas e milhares de pessoas que esperavam. Vov Jochen,

    Paskoleit, o padre Heydicke, Busko e Lusken colhiam informaes.

    O chefe poltico Baum foi fazendo perguntas, at encontrar um

    companheiro ainda ativo do Partido... Na Cmara Municipal de

    Braunsberg ainda funcionava um posto da NSV, com o diretor da

    Secretaria de Finanas, dois homens e alguns milhares de cupons

    para aquisio de alimentos, que, no momento, tinham menos

    valor que papel higinico. Estavam todos sem saber o que fazer.

    48

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    49/245

    Braunsberg parecia ser a estao terminal.

    E verdade disse o padre trs horas depois, quando

    estavam novamente reunidos. Koenigsberg est cercada. Os

    russos j se instalaram em Pillau. Travam-se batalhas por

    Marienburg. Grupos blindados russos investem sobre Danzig e a

    Pomernia. Est tudo fechado! Para onde iremos agora?

    Para a laguna! respondeu Paskoleit.

    E depois?

    Para o Nehrung.

    No podemos caminhar sobre as guas como Jesus.

    Mas nossos veculos podem passar sobre o gelo. A laguna

    est congelada.

    Impossvel... disse Heydicke baixinho, olhando fixamente

    para Paskoleit. Sobre o gelo seremos um alvo perfeito. Algumas

    bombas... e toda Adamsverdruss morre afogada...

    Se ficarmos, seremos esmagados pelos russos.

    Estamos no fim, Julius.

    Ns nunca estamos no fim, senhor padre.

    Tirou da boca o cigarro fumado at a metade e ofereceu-o a

    Heydicke. Este aceitou e continuou a fum-lo.

    No nos deixaremos abater... este o melhor sermo, senhor

    padre.

    Permaneceram dois dias em Braunsberg, at se formarem trs

    grandestrecks.Juntaram-se a uma coluna que pretendia ir a Tol-

    kemit, passando por Frauenberg, para atravessar a laguna. Era ali

    que a camada de gelo costumava ser mais espessa, e nos invernos

    49

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    50/245

    muito rigorosos podia-se atravessar de tren de Tolkemit at a

    cidade de veraneio de Kahlberg, no Nehrung.

    Quando Heydicke, Paskoleit e vov Jochen foram se apresentar

    ao lder da caravana, espantaram-se ao ver que era um jovem

    primeiro-tenente. Levava, ao pescoo, a Cruz da Ordem dos

    Cavaleiros. Tinha cabelo louro, um rosto jovial, aberto e alegre,

    grandes olhos azuis e irradiava, apesar de sua juventude, muita

    calma e principalmente coragem.

    Quantos carros restam? perguntou sem rodeios.

    Nove... respondeu Heydicke, deprimido.

    Adamsverdruss estava destroada. Um grupo quis ficar

    aguardando os acontecimentos com Johannes Lusken, em

    Braunsberg. Juliane Brakau contrara pneumonia e ardia em

    febre. Ficaram catorze carros levando, na maioria, pessoas idosas.

    Simplesmente desistiram. Foi um momento difcil, e o padre deu a

    bno aos velhos dispostos a morrerem no solo ptrio.

    Um segundo grupo queria voltar para Schillgehnen e dali tomar

    a auto-estrada do Reich e seguir para Elbing. Diziam que de

    Elbing ainda saam trens para o Reich. Voc e seu mar!,

    vociferavam contra Paskoleit. Foi um erro que nos custar a vida!

    Elbing, esta era a direo certa! Para os diabos com voc!

    Adamsverdruss despedaava-se. O que levara sculos para se

    solidificar, explodia em medo, pavor, insegurana e desespero.

    Assim, eram apenas nove os carros restantes: a famlia Kurowski e

    Paskoleit, o padre Heydicke, Franz Busko, Felix Baum, trs

    vizinhos de Paskoleit e uma mulher jovem com uma criana de

    colo, que s chegara a Adamsverdruss oito meses atrs e era a

    50

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    51/245

    esposa do proprietrio de terras Rambsen. Gottfried Rambsen

    encontrava-se, como tenente, em algum lugar dofront.Conhecia-

    se pouco a jovem esposa, agora ela era a nona da fila. Tinha uma

    carruagem leve do tipo usado em caadas, puxada por um nico

    cavalo. Era um garanho de raa, um trakehner.Chamava-se

    Vero Dourado.

    meu nico capital disse Julia Rambsen a Paskoleit ,

    mas com ele posso comear tudo de novo em qualquer lugar...

    Ao anoitecer o av Jochen foi ter, mais uma vez, com o jovemprimeiro-tenente com a Cruz da Ordem dos Cavaleiros.

    Por que no est combatendo? perguntou diretamente.

    O jovem oficial esboou um dbil sorriso.

    Talvez aqui eu possa salvar quatrocentas mulheres e

    crianas... Do outro lado acenou com a cabea para longe ,

    mais nada. O que vale mais?

    Estou do seu lado, meu jovem disse vov Jochen, com

    firmeza. Poder merecer pela segunda vez a Cruz dos Cavaleiros

    que carrega em seu pescoo.

    De noite otreckpartiu rumo laguna do Vstula.

    Pela manh, por volta de sete horas ainda estava escuro ,

    vieram os avies russos. Eram em nmero de trs os pssaros de

    ao ruidosos, lentos, bem blindados. Mas voavam baixo, to baixo

    que a gente pensava poder peg-los; atiravam com pesadssimas

    metralhadoras sobre a caravana e jogavam pequenas bombas de

    efeito altamente destruidor.

    A primeira pessoa a morrer foi a av Berta, em seu monte de

    cobertores, utenslios de cozinha e palha.

    51

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    52/245

    52

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    53/245

    CAPTULO 5

    A princpio ningum havia percebido. Quando os facnoras j

    haviam desaparecido no cu cinza-chumbo, pesado de neve, a

    caravana emergiu das valas debaixo dos carros onde se escondera; oav Jochen saiu correndo para sua carroa e deu um soco na mesa

    de cozinha sob a qual a av estava deitada com sua palha e

    cobertores.

    Saia da! berrou Joachim Kurowski. Meu Deus, como

    surda a velha! Quando estivermos no oeste, mandarei desentupir

    seus ouvidos! Berta! Acorde!

    S ento viu, no meio do tampo da mesa, o buraco do tiro. Um

    furo lascado, nico, mas exatamente no lugar em que Berta

    Kurowski estava deitada na palha. Um tiro que, com certeza, a

    atingira por acaso, empobrecendo o mundo de Kurowski.

    Com as mos trmulas foi jogando longe a palha.

    Julius berrava , senhor padre! Senhor tenente! Berta...

    Berta...

    Quando acabou a palha e o corpo enrolado nos cobertores ficou

    visvel, Jochen Kurowski no podia agentar mais. Lvido, ficou

    encostado no carro enquanto Paskoleit desenrolava a av Berta de

    seu casulo to quentinho. Abala da pesada metralhadora do avio

    atingira-a pelas costas, bem no corao. No sentira a morte, talvez

    53

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    54/245

    apenas um golpe rpido e quente que apagou, de sbito, toda a

    conscincia. O padre Heydicke tornou a puxar a coberta sobre

    aquele rosto tranqilo e relaxado, ainda corado pelo calor,

    confortante. O primeiro-tenente da Cruz da Ordem dos Cavaleiros

    ps o brao nos ombros de Kurowski. E de repente vov Jochen

    encostou a cabea no ombro do oficial e chorou, o corpo sacudido

    pelos soluos. Era a primeira vez que a famlia presenciava o av

    chorar at ento pensava que ele nem fosse capaz disso.

    Minha Berta... balbuciava, e era, agora, a voz de um

    ancio transformada novamente nas lamrias de uma criana.

    Berta, minha boa velha...

    Temos quarenta e nove mortos na caravana disse o primeiro-

    tenente. Era para servir de consolo Ela no est sozinha. Uma

    guerra no destri pessoas isoladas... um verdadeiro assassinato

    em massa disse. E ainda no sabemos como continuar,

    vov. Olhou na direo da laguna congelada que pretendiam

    atravessar dentro de uma hora. Talvez ela tenha escolhido a

    melhor maneira de sair de toda esta loucura.

    Heydicke rezou uma orao. Paskoleit e Busko tiraram a av

    Berta do carro, enrolaram-na em outro cobertor e tentaram sair

    com ela sem serem vistos. Mas Kurowski percebeu tudo, apesar de

    sua dor.

    Parem berrou, soltando-se do jovem primeiro-tenente.

    Para onde a esto levando? Parem a! Eu mesmo enterrarei minha

    Berta! Agarrou-se a Paskoleit e disse: Quer que a jogue fora

    simplesmente como um pedao de carvo apodrecido? Voc no

    tem corao, seu patife? Minha Berta...

    54

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    55/245

    O solo est duro de gelo disse, com suavidade, Paskoleit.

    No se pode cavar nem dez centmetros! Vov, eu sei que

    cruel, mas h milhares deitados nas valas das estradas; temos de

    juntar vov a eles!

    Nunca! gritou Kurowski. Nunca! Seno eu me deitarei

    ao lado dela! Passem-me uma p! Uma enxada! Berta ter uma

    sepultura!

    Precisamos continuar!

    O primeiro-tenente passou os olhos pelo treck.Os outros

    mortos pareciam marcos direita e esquerda da estrada. Seus

    parentes e amigos ajoelhavam-se diante deles e o padre Heydicke

    ia de um em um, dava a bno, orava, fazia o sinal-da-cruz.

    Senhor que estais no cu disse quarenta e oito vezes ,

    eles mereceram Vossa misericrdia.

    Depois aproximou-se de Berta Kurowski, que vov Jochen

    carregava no colo como uma criana.

    Ajude, senhor padre gaguejou Kurowski , esto

    querendo deit-la na estrada. Minha Berta... Tentemos cavar.

    Tentaram. Enquanto a caravana prosseguia com vagar,

    Kurowski, Busko, o chefe poltico Baum e mais um vizinho dos

    Kurowski ficaram para trs, golpeando a terra congelada com

    duas picaretas e trs ps. Paskoleit enganara-se. No conseguiram

    chegar nem a dez centmetros de profundidade, tendo de desistir

    quando a cova no tinha mais que cinco centmetros. O solo

    estava mais duro que pedra, o gelo transformara a terra em ao

    que repelia as ferramentas. Jochen Kurowski deixou-se cair de

    joelhos ao lado de sua mulher e inclinou-se sobre ela.

    55

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    56/245

    Berta disse com uma ternura que fez Paskoleit voltar-se

    para o lado para no cair em prantos. Berta, minha velha,

    querida malandrona... no d. Voc vai ter de ficar deitada na

    estrada. Mas uma coisa eu lhe prometo, Berta.,. Se eu sobreviver a

    esta guerra, darei um soco na cara de cada um que vier me falar

    de herosmo, de soldados e de honra. Berta... Abraou o

    pequeno corpo enrolado no cobertor , adeus. L em cima nos

    veremos de novo, se que me deixaro entrar..

    Deitaram a av Berta na beira da estrada, cobriram-na de

    neve, rezaram e rodearam Jochen Kurowski. Foram levando-o

    embora dali e Paskoleit, com a voz rude, disse:

    No olhe para trs, vov! Com mil demnios, l est nosso

    treck,nossa Adamsverdruss. O carro com Erna e as crianas, os

    filhos de Ewald, vov! De seu filho! Quando Ewald voltar, diremos:

    escute, Ewald, aqui esto Erna e seus filhos! Conseguimos traz-

    los sos e salvos. Os Kurowski e os Paskoleit no desistem.

    Jamais! Venha, vov...

    Jochen Kurowski concordou com um movimento de cabea.

    No olhou para trs; cambaleando entre Paskoleit e Busko, foi

    seguindo a caravana; Felix Baum voltou, pegou a picareta,

    arrancou o varal de uma carruagem quebrada e o enfiou no monte

    de neve atrs da cabea de Berta. Uma cruz enorme, rachada,

    bizarra. Dedos querendo chegar at Deus. Um grito e uma

    advertncia. Depois montou em sua motocicleta e seguiu a coluna.

    A laguna estava coberta por uma camada de gelo. Haviam

    escolhido o lugar certo, o gelo parecia ter metros de espessura.

    56

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    57/245

    Com muito cuidado, a caravana movia-se sobre a superfcie lisa.

    camponeses envolveram as patas dos cavalos e bois com sacos

    para que no escorregassem; era um caminho penoso, mas aos

    poucos ia-se avanando. S os veculos motorizados deslizavam

    irremediavelmente, era impossvel enrolar sacos nas rodas. Felix

    Baum, com sua motocicleta, assumiu a ponta e a misso de

    reconhecer o terreno. Escorregava pela laguna, em geral com os

    ps no gelo para segurar o veculo, e trazia as ltimas

    informaes. Heydicke e o primeiro-tenente, no primeiro carro,

    no podiam ver grande coisa. Cinzentos eram o cu, o ar, o gelo, a

    luz do dia. Entrava-se no vazio com a f de chegar a algum lugar

    do outro lado, pelo Nehrung, essa estreita faixa de terra pela qual

    se tentava ir para oeste, para Danzig.

    No segundo dia, Felix Baum retornou de uma longa expedio.

    O treck tivera de pernoitar no meio do gelo, era impossvel

    continuar. Os cavalos tropeavam em suas prprias pernas, com o

    saldo de trs carroas cadas e quatro rodas quebradas. Foi

    necessrio abandonar os carros e transferir sua carga para outros

    veculos. Apenas o essencial: algumas camas, travesseiros,

    cobertores, panelas, um fogo. E era s!

    Se continuarmos nesta direo noticiou Baum ,

    alcanaremos o Nehrung perto de Proebbernau. Mas h uma

    outra caravana de Kahlberg a caminho, e de Elbing vem todo um

    exrcito. Toda a regio de Elbing est em movimento. Mas o pior

    que os russos j esto frente de Danzig!

    Ento estamos isolados.

    O jovem primeiro-tenente examinou o mapa sobre seus joelhos.

    57

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    58/245

    Russos em toda nossa volta. S o mar Bltico ainda est

    livre.

    Devemos ir para o oeste a nado? perguntou Jochen

    Kurowski baixinho. Voltarei para junto de minha Berta e ficarei

    deitado a seu lado.

    Ns passaremos, com mil diabos! Paskoleit deu um soco

    no lado da carroa. O que acha da embocadura do Vstula,

    primeiro-tenente?

    Tambm estava pensando nisso. Mas teremos de ser mais

    rpidos que os tanques soviticos. Se tivermos muitssima sorte, a

    embocadura do Vstula s est coberta de gelo movedio e

    poderemos achar alguns barcos.

    Dobrou o mapa era por demais desanimador ver a situao

    impressa no papel.

    Vamos embora, pessoal! Para o Vistula! S chegando l

    poderemos dizer: est no papo! Ou no!

    O treckde Adamsverdruss prosseguiu. Sete carroas foram

    deixadas na laguna. A ordem era s levar bagagem leve. A vida

    mais importante que uma geladeira ou um fogo limpo e brilhante.

    Precisavam se apressar.

    Por todos os lados as divises soviticas comprimiam a Prssia

    Oriental. Koenigsberg estava cercada, ao longo de centenas de

    quilmetros aldeias ardiam em chamas, as atrocidades elevavam-

    se, mulheres eram caadas. O famoso poeta russo Ilya Ehrenburg

    excedia-se em seus apelos s tropas soviticas para que

    aniquilassem tudo que fosse alemo.

    A caravana realmente alcanou o Nehrung junto a

    58

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    59/245

    Proebbernau. Dali foi para o oeste passando por Vogelsang,

    Bodenwinkel, Stutthof, at Steegen. Ali a estrada de Elbing

    cruzava a de Tiegenhof e o Vstula. A grande caravana absorveu

    Adamsverdruss. Milhares de pessoas eram impelidas para diante

    por uma nica frase, um boato que todos aceitavam como

    verdadeiro porque, para eles, significava a vida: em Nickelswalde,

    na embocadura do Vstula, ainda se encontravam trs cargueiros.

    Deus do cu trs embarcaes!

    A caravana ia prosseguindo lentamente at alcanar o Vstula.

    Nela havia uma tropa alem intacta a nvel de regimento, com um

    comando completo, que dera o azar de perder sua diviso Os

    russos foram mais rpidos. Cercaram a diviso, mas o comando

    estava fora. Agora este tambm se dirigia ao Vstula, j que no

    tinha sentido atacar os T34 com um bando de oficiais, escreventes

    e uma corte marcial ambulante.

    Mas o servio militar cotidiano, esse obstinado esprito

    prussiano de quartel, florescia tambm agora na fase final. Todas

    as manhs havia chamada da tropa, as companhias apresentavam

    se em posio de sentido. Houve um dia de descanso em

    Pasewark, em que dois comandantes chegaram a organizar

    exerccios de tiro e uma inspeo das botas.

    Tambm aconteceu em Pasewark que um juiz de campanha,

    deixando passar por ele uma parte dotreck,avistou o primeiro-

    tenente da Cruz da Ordem dos Cavaleiros sentado na bolia do

    coche do padre Heydicke. Olhou para o jovem oficial, acenou e

    gritou:

    Venha at aqui!

    59

  • 7/23/2019 Passaporte Para a Noite - Heinz G Konsalik

    60/245

    O primeiro-tenente saltou da bolia. Paskoleit, o prximo a

    passar, ainda ouviu o grito do juiz: Como foi que disse? Onde est

    sua tropa?! Seu cachorro miservel! Venha comigo!; depois viu

    ambos entrarem num caminho e irem para a frente. Paskoleit

    jogou as rdeas para Busko e correu para junto de Heydicke.

    Senhor padre! gritou. Esto tramando alguma coisa!

    Levaram nosso primeiro-tenente! Senhor padre! Ajude! Eu tomo

    conta de seu carro!

    O padre saltou da bolia, montou na garupa de Felix Baum e

    os dois foram correndo atrs do caminho. Voltaram ao anoitecer.

    Todos viram em seu olhar que algo terrvel acontecera. Baum tirou

    do bolso o livro do Partido e rasgou-o.

    Eles o condenaram disse Heydicke, baixinho numa

    verdadeira audincia presidida pelo juiz de campanha, dr. Eberhard

    Bollow. Por desero e covardia frente ao inimigo. Foi condenado

    morte. Tentei defend-lo, expulsaram-me, simplesmente. Uma hora

    mais tarde